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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Tharsila Dantas Prates O dia-a-dia de trabalho dos profissionais recém- formados nas redações dos jornais A Tarde e Correio da Bahia. Monografia apresentada na versão final para a conclusão do curso de graduação em Comunicação-Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia. 1

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Tharsila Dantas Prates

O dia-a-dia de trabalho dos profissionais recém-formados nas redações

dos jornais A Tarde e Correio da Bahia.

Monografia apresentada na versão

final para a conclusão do curso

de graduação em Comunicação-Jornalismo

pela Universidade Federal da Bahia.

SALVADOR-BAHIA

2003

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Tharsila Dantas Prates

O dia-a-dia de trabalho dos profissionais recém-formados nas redações

dos jornais A Tarde e Correio da Bahia.

Monografia apresentada na versão

final para a conclusão do curso

de graduação em Comunicação-Jornalismo

pela Universidade Federal da Bahia

Professor Orientador: Giovandro Marcus Ferreira

Banca Examinadora: Elias Machado e Lia Seixas

SALVADOR-BAHIA

2003

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FICHA CATALOGRÁFICA

PRATES, Tharsila Dantas.

O dia-a-dia de trabalho de um foca. A prática jornalística dos profissionais recém-

formados nos jornais impressos de Salvador: UFBA/FACOM, 2003, 00p

Monografia de conclusão de curso – Universidade Federal da Bahia, FACOM

1.Jornalismo. 2. Prática. 3. Recém-formado

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RESUMO

Tharsila Dantas Prates. O dia-a-dia de trabalho de um foca. A prática jornalística

dos profissionais recém-formados nos jornais impressos de Salvador. Giovandro Marcus

Ferreira. Salvador. UFBA, FACOM, 2003. Monografia de conclusão de curso

O objetivo desta monografia foi responder a duas questões que aparecem durante a jornada de trabalho de um jornalista, neste caso, o profissional recém-formado. Quais são as maiores dificuldades enfrentadas pelo profissional recém-saído da faculdade ao ter que produzir o texto jornalístico? Quais são as estratégias usadas pelo jornalista para superar essas dificuldades? Para dar suporte à pesquisa, foi usado o referencial teórico do newsmaking, que permite estar dentro das rotinas produtivas através da observação participante. Além do método de trabalho, foram recuperados, dentro dessa teoria, conceitos como o de gatekeeper, valores-notícia e o conceito de notícia, a principal matéria-prima do jornalista. Nove repórteres foram acompanhados durante a sua jornada de trabalho, sendo duas repórteres do jornal A Tarde e sete repórteres do jornal Correio da Bahia. Todos saídos da faculdade no ano de 2002. Problemas com as fontes, com o tempo apertado, a tensão do dia-a-dia, e pautas mal produzidas foram alguns dos problemas detectados. Para ultrapassá-los, vale aproveitar informações anteriores, redigir a matéria mesmo sem o depoimento de uma fonte ou “enrolar um pouco”, como os próprios repórteres disseram.

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Sumário

1. Introdução .........................................................................................................................6

2. Capítulo I – Os estudos do newsmaking: o conceito de gatekeeper, as necessidades

organizacionais e os valores-notícia...................................................................................10

2.1 A notícia: matéria-prima do jornalista.......................................................................15

2.2 Notícia x reportagem: características e principais diferenças..................................18

3. Capítulo II – O ambiente de trabalho e as relações entre os profissionais. A

redação.................................................................................................................................21

3.1 As relações na redação..................................................................................................24

4. Capítulo III – Principais dificuldades encontradas pelos recém-formados na

apuração da notícia.............................................................................................................26

4.1 A tensão e os imprevistos da atividade........................................................................28

4.2 O tempo: um dos principais inimigos do jornalista...................................................31

4.3 Dificuldades na hora de escrever a matéria................................................................34

4.4 Outras dificuldades operacionais e as estratégias usadas pelos repórteres para

driblá-las..............................................................................................................................39

4.5 O repórter é um “faz tudo”..........................................................................................42

5. Capítulo IV – Conclusão.................................................................................................45

6. Bibliografia......................................................................................................................50

7. Anexo: Registro da atividade diária de nove jornalistas recém-formados que

trabalham no A Tarde e no Correio da Bahia..................................................................51

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Introdução

Quando o assunto era o trabalho de conclusão de curso, dois pontos já estavam

definidos. Seria uma monografia que tratasse de algum aspecto do jornalismo impresso, que

foi o tema mais freqüente das minhas leituras, para onde direcionei os meus trabalhos

durante a graduação e a área em que sempre quis trabalhar. Além disso, fiquei um ano

como bolsista do CNPq e por isso escolhi fazer uma monografia. Esta é uma oportunidade

também para eu começar um caminho de pesquisa visando ao mestrado.

Faltava decidir sobre o tema. Algumas leituras me despertaram a curiosidade para

estudar o cotidiano do jornalista: O mundo dos jornalistas, de Isabel Siqueira Travancas,

Nos bastidores da notícia, de Alexandre Garcia, Vale a pena ser jornalista?, de Clóvis

Rossi, e outras. Essas são obras que partem do profissional jornalista que a partir de um

certo período na carreira escreve a sua história ou decide fazer mestrado ou doutorado

usando a própria prática e a dos colegas jornalistas como tema de pesquisa.

Então, eu adeqüei o grande tema à minha realidade, ou seja, eu estudaria o cotidiano dos

profissionais dos jornais impressos de Salvador, mas não seriam todos os profissionais.

Para reduzir o meu objeto de estudo, pensei em pesquisar o dia-a-dia de trabalho daqueles

profissionais que tinham vivido há pouco tempo o que eu já estava vivendo: me preparando

para sair da universidade. Como é o dia-a-dia dos jornalistas recém-formados? O que eles

passam para escrever as matérias?

O cotidiano profissional de um jornalista abarca muitos aspectos, entre os quais as

técnicas de produção da notícia, a relação entre os jornalistas e os seus superiores, a relação

dos jornalistas entre si, a forma de organização de trabalho da empresa jornalística – e, no

caso desta pesquisa, os repórteres pertencem a dois jornais de linhas editoriais diferentes –

e até a influência da formação acadêmica do profissional no enfrentamento das questões

próprias do dia-a-dia, exigidas pelo mercado de trabalho. Pela questão do tempo que tive e

da escolha metodológica para realizar esta pesquisa, que me forneceu o método da

observação participante, me restringi a identificar as dificuldades enfrentadas pelos recém-

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formados para apurar uma matéria. Ao identificar essas dificuldades, veria ainda como os

repórteres faziam para ultrapassar as mesmas e escrever um texto de qualidade.

Com a ajuda da lista de colação de grau da Facom, cheguei a nove formandos do

ano de 2002 que atualmente trabalham nos jornais A Tarde e Correio da Bahia. No outro

jornal diário de Salvador, a Tribuna da Bahia, nenhum estudante dessa lista de 2002

trabalhava no momento em que realizei a pesquisa, em junho de 2003. Os repórteres

acompanhados foram Daniel Freitas, Érico Monte, Fernanda Carvalho, Iansã Negrão, Jane

Fernandes, Marcos Casé, Patrick Brock, Regina Bochicchio e Renata Matos, num total de

nove jornalistas. Todos concordaram em ser acompanhados durante um dia de trabalho.

Constituem o universo da minha pesquisa.

Apesar de terem saído na mesma época, esses jornalistas formam um grupo

heterogêneo. Com relação à experiência de trabalho numa redação de jornal, há os que

possuem mais tempo em contato com a prática jornalística. Não é o caso dos repórteres

Patrick Brock e Jane Fernandes, que em junho de 2003, estavam apenas há alguns meses

trabalhando para o jornal Correio da Bahia. Eles fazem parte do meu universo de pesquisa,

porque também se formaram junto com os outros. O critério escolhido para recortar o

objeto de estudo deste trabalho, que é o da recém-formação, poderia ser cruzado com o

dado da experiência, mas como o tempo foi curto, essa relação ficará para um próximo

trabalho.

Ainda falando sobre as diferenças dentro do grupo de jornalistas, há o fato de nem

todos trabalharem para as editorias locais de cada jornal. Há repórteres trabalhando para o

caderno Correio Repórter, do Correio da Bahia, há uma editora do Caderno Dez, do A

Tarde, há um repórter trabalhando para o caderno Folha da Bahia, do Correio, e um outro

que faz matérias para a editoria de Esporte, também do Correio. Os demais fazem matérias

para o Aqui Salvador, do Correio da Bahia, e para a editoria Local, do jornal A Tarde. As

dificuldades encontradas por cada repórter, como a questão do tempo, podem ser

amenizadas ou resolvidas justamente pelas características próprias de cada editoria. Quem

faz matérias para a Local, o Aqui Salvador e o Esporte têm um prazo de um dia para

entregá-las. Já quem faz matérias para o Caderno Dez têm uma semana de prazo. Quem faz

reportagens para o Correio Repórter tem um mês para entregá-las. O prazo do caderno

Folha da Bahia varia de acordo com a pauta. O prazo pode ser de um dia, dois dias ou uma

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semana. Mesmo assim, os repórteres acompanhados nesta pesquisa estão sempre

preocupados com o tempo, com o prazo das matérias e isso está muito presente no dia-a-dia

de cada um.

Apesar das concordâncias em participar do estudo, a maioria dos repórteres se

mostrou curiosa quanto aos objetivos do estudo. Quando eu dizia que queria acompanhá-los

durante um dia de trabalho, todos disseram algo assim: “Mas tem dia que eu nem saio da

redação, fico apurando tudo por telefone. Assim vale?”. Eu explicava que sim, quanto mais

diferente um do outro melhor. Eu teria uma visão de quem sai da redação (como é sair,

quais são os problemas, etc) e de quem apura somente por telefone. Neste caso, são pautas

que não precisam da presença física do repórter, basta uns dois ou três telefonemas e se

resolve o assunto. Isto é, quando se consegue falar com as fontes. Com o acompanhamento,

vi que é muito difícil conseguir essa façanha de primeira.

O método de acompanhar os repórteres por um dia me rendeu um apelido, que

considero justo para o meu trabalho de pesquisa: a sombra. Quem fez a brincadeira foi o

repórter Marcos Casé, do Correio da Bahia. No dia em que o acompanhei, ele me

apresentava assim, para quem encontrasse. Daniel Freitas, também do Correio, depois que

eu encerrei o meu trabalho, me confirmou que um dia eles estavam comentando isso. Fiquei

como “a sombra”. Jane Fernandes, do Correio, um dia falou: “Se bobear, ela vai até no

banheiro com a gente”. E o pior é que eu ia mesmo, pelo menos até próximo à porta. Tudo

isso para saber com viviam no trabalho os nove repórteres escolhidos.

São duas as perguntas que eu pretendo responder ao longo deste trabalho: quais são

as maiores dificuldades enfrentadas pelo profissional recém-saído da faculdade ao ter que

produzir o texto jornalístico? Quais são as estratégias usadas pelo jornalista para ultrapassar

essas dificuldades? Para identificar as dificuldades e as estratégias encontradas pelos

recém-formados no dia-a-dia da profissão, foi usada a técnica da observação participante,

extraída da teoria do newsmaking, que é a opção metodológica que norteia esta pesquisa. O

método de trabalho usado para observar a prática jornalística in loco é freqüentemente

utilizado pelos pesquisadores que desejam conhecer a prática jornalística e a produção das

notícias. A observação participante estabelece uma relação face a face entre o pesquisador e

seus observados. Otávio Cruz Neto afirma que a importância dessa técnica reside no fato de

podermos captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio

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de perguntas, uma vez que, observados diretamente na própria realidade, transmitem o que

há de mais imponderável e evasivo na vida real.1

Este é um trabalho com características etnográficas. É um relato feito através do

acompanhamento dos profissionais e de eventuais questionamentos sobre as razões de

algumas atitudes. Este trabalho fica ancorado numa perspectiva descritiva, que é o que

marca os estudos de caráter etnográfico pela observação direta dos profissionais. O método

da observação participante, porém, é questionado dentro da academia por alguns

pesquisadores, que ressaltam o fato de que o observador pode interferir de alguma forma

naquilo que ele se propõe a observar. No caso da minha experiência dentro das redações do

Correio da Bahia e do A Tarde, não notei nenhuma modificação no comportamento dos

repórteres em função da minha presença. Cada um realizou o trabalho do jeito que sabe

fazer, inclusive, expondo maneiras de trabalhar que podem ser questionadas por professores

dos cursos de Jornalismo. Daí, a necessidade de aprofundar este estudo e fazer uma relação

entre a prática no mercado e a formação acadêmica do profissional. Durante a observação,

foi inevitável também extrair depoimentos de todos os repórteres e saber o que eles pensam

sobre as pautas mal produzidas e as dificuldades de acesso com relação às fontes, por

exemplo.

Este trabalho está dividido em duas partes, além da conclusão. Na primeira, procuro

evidenciar alguns pontos da teoria do newsmaking, usada para orientar o desenvolvimento

desta pesquisa. Na segunda parte, identifico as dificuldades mais comuns encontradas

durante a realização do trabalho dos repórteres. Irei descrevendo uma a uma e,

posteriormente, mostrarei as estratégias usadas pelos jornalistas observados para superar os

problemas. Em anexo, está o dia-a-dia que passei com cada repórter observado, do

momento em que ele chega até o momento em que ele sai e encerra o trabalho do dia.

Achei interessante anexar ao trabalho a descrição de todos os dias em que

acompanhei os repórteres para compartilhar com o leitor tudo o que vivi, a respeito das

rotinas de produção da notícia. Assim, resolvi tornar público o material com o qual dispus

para desenvolver a pesquisa.

Capítulo I

1 NETO, Otávio Cruz. O trabalho de campo como descoberta e criação. IN: MINAYO, Maria Cecília de Souza (org). Pesquisa social. Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Editora Vozes, 1994. p. 51.

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Os estudos do newsmaking : o conceito de gatekeeper , as necessidades organizacionais e

os valores-notícia

Quando se fala em rotinas produtivas e como elas influenciam o trabalho final dos

jornalistas, muitos autores acreditam que o referencial teórico para embasar as pesquisas

nesta área é o newsmaking – produção das notícias. “Se a notícia é um produto gerado por

um processo historicamente condicionado – o contexto social da produção e suas relações

organizacionais, econômicas e culturais –, somente a análise desse processo vai permitir

uma maior compreensão da realidade social do processo.”2

Segundo Alfredo Pereira Júnior, as pesquisas do newsmaking procuram descrever o

trabalho comunicativo dos emissores como um processo no qual acontece de tudo: rotinas

cansativas, distorções intrínsecas e estereótipos funcionais. O autor baseia-se em Mauro

Wolf, no livro Teorias da comunicação, e em Nelson Traquina, no livro Jornalismo:

questões, teorias e estórias, que foram tentativas de organização e sistematização dos

estudos que vêm sendo desenvolvidos a partir do newsmaking.

Dentro desse referencial teórico, vale a pena recuperar alguns conceitos que nos

ajudam a entender o percurso de pesquisa em jornalismo, tendo em vista nossa

problemática. O conceito de gatekeeper é um deles. É um conceito que veio da psicologia e

foi usado para as pesquisas em jornalismo pela primeira vez por David Manning White,

num estudo de 1950. O autor demonstra que as notícias passam por diversos portões. O

repórter forma o primeiro gate (portão) no processo de comunicação, sendo que o editor,

que é o objeto de estudo de White, constitui o último gate.3 O autor conclui que, pelas

razões da rejeição das notícias, a comunicação de notícias é extremamente subjetiva e

dependente de juízos de valor baseados na experiência, atitudes e expectativas do

gatekeeper. São razões, portanto, subjetivas.

2 MOTTA, Luís Gonzaga. O sentido histórico do termo “a produção da notícia”. Brasília, 1995. IN: : PEREIRA JR., Alfredo Eurico Vizeu. Discutindo o que é notícia. Os bastidores do telejornalismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 75.3 WHITE, David Manning. O gatekeeper. Uma análise de caso na seleção de notícias. IN: TRAQUINA, Nelson (org). Jornalismo: questões, teorias e estórias. Lisboa: Vega, 1993. p. 143.

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Este foi um estudo de caso, onde White observou o dia a dia de trabalho de um

editor (Mr. Gates). As pesquisas que se seguiram mostraram que, mais do que preferências

pessoais, a seleção e a filtragem das notícias são influenciadas também pelas normas

ocupacionais, o que Gaye Tuchman chama de necessidades organizacionais (organizational

needs). Uma dessas pesquisas foi a de Warren Breed, que alargou a perspectiva do

gatekeeper. Breed mostra como a orientação editorial é mantida e quando ela é ultrapassada

pelo jornalista, num estudo sobre o controle social nas redações, onde analisa os

mecanismos de manutenção da linha editorial e política dos jornais. Mauro Wolf explica

que os estudos posteriores a Breed evidenciaram a necessidade de integrar a análise do

papel do gatekeeper na análise dos papéis produtivos e da organização burocrática da qual

ele faz parte. Aí entram as conclusões sobre as distorções inconscientes que acontecem na

cobertura jornalística e que abarcam o exercício profissional, as rotinas de produção e os

valores compartilhados sobre o modo de desempenhar a função de informar.4

Ou seja, as notícias e o modo como elas chegam aos leitores não são determinados

somente pela subjetividade dos profissionais. As exigências e a estrutura das organizações

influenciam fortemente na seleção e no enquadramento dado à notícia. Por isso, os

estudiosos que pretendem cercar a definição de notícia pesquisam primeiro as rotinas de

produção das mesmas. Uma autora que é referência nas pesquisas de produção das notícias

é Gaye Tuchman, que antes mesmo de se graduar, começou a estudar as causas que

explicam como os trabalhadores da notícia (newsworkers) decidem o que é notícia e quais

notícias entram ou não na pauta do dia. Um dos seus objetivos é saber como esses

profissionais determinam os fatos e enquadramentos a serem discutidos pela sociedade.5

Para isso, a autora esteve em jornais impressos e em estações de TV dos Estados

Unidos observando e entrevistando os profissionais – desde os repórteres até os editores-

chefe, passando por assistentes e fotógrafos – durante dez anos. Gaye Tuchman afirma que

as necessidades organizacionais influenciam nas decisões dos profissionais da notícia. “A

ênfase do estudo se dá nas maneiras como o profissionalismo e as decisões dos

profissionais são o resultado das necessidades organizacionais.”6 Para ela, a negociação

4PEREIRA JR., Alfredo Eurico Vizeu. Discutindo o que é notícia. Os bastidores do telejornalismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 78.5 TUCHMAN, Gaye. Making News. A Study in the Construction of Reality. New York: The Free Press, 1978. Prefácio.6 Idem, ibidem. Capítulo 1: News as frame. p. 2.

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está presente na produção das notícias. Os repórteres e editores negociam entre si – às

vezes, provocando conflitos – e estes negociam com outras instituições sociais, fontes dos

acontecimentos a serem cobertos.

A abordagem do newsmaking se dá dentro do contexto da cultura profissional dos

jornalistas (o que Tuchman está chamando de profissionalismo) e a organização do trabalho

e os processos produtivos. A cultura profissional e as restrições ligadas à organização do

trabalho compõem a produção da notícia (newsmaking).7

Para identificar as dificuldades que os jornalistas, neste caso os recém-formados,

enfrentam e as estratégias usadas por eles para contorná-las, é preciso mergulhar na

atividade profissional exercida a partir do trabalho nas redações. As dificuldades e as

estratégias usadas pelos profissionais fazem parte de como a notícia é produzida. Para

Wolf, a observação participante, técnica usada nas pesquisas de newsmaking, permite ao

pesquisador estar no ambiente de trabalho do seu objeto de pesquisa, observando tudo o

que se passa na produção das notícias.

Os estudos do newsmaking, além de fornecer o método de pesquisa, elucidam outro

ponto presente na produção das notícias: os valores-notícia – que são os componentes da

noticiabilidade de um fato. Segundo Wolf, esses valores são a resposta para a pergunta

“quais os acontecimentos que são considerados suficientemente interessantes, significativos

e relevantes para serem transformados em notícias?” E, segundo Wolf, os valores-notícia

estão espalhados ao longo de todo o processo de produção e não somente na fase de seleção

da notícia. “Participam também nas operações posteriores, embora com um relevo

diferente.”8 Segundo Golding-Elliott, citado em Wolf, os valores-notícia funcionam

também como linhas-guia para a apresentação do material recolhido, sugerindo o que deve

ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve ser prioritário na preparação das notícias a

apresentar ao público.

Os valores mais usados na hora de apresentar a notícia, ou seja, no momento de

redigi-la, e que foram observados durante o acompanhamento dos repórteres no Correio da

Bahia e no A Tarde são: 1) a importância e o interesse que a notícia possa causar no leitor,

que não sai da cabeça da maioria dos repórteres observados, principalmente, no momento

de elaborar o lead, quando o profissional procura começar o texto de forma a captar o leitor

7 WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença: 1994. p. 168.8 Idem, ibidem. p. 173.

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e fazê-lo ter interesse para ler a notícia completa; 2) a disponibilidade de materiais, quando

o repórter se preocupa em saber se o acontecimento já é estruturado de modo a ser

facilmente coberto – e o que não estiver ao alcance do repórter é rapidamente descartado –

e se o acontecimento requer grande dispêndio de meios para o cobrir, preocupação também

presente nos chefes de reportagem; 3) a qualidade da história, preocupação que acompanha,

principalmente, os repórteres que precisam cumprir uma pauta para o caderno Correio

Repórter, do Correio da Bahia.

Mauro Wolf classifica o valor importância/interesse da notícia como um valor-

notícia ligado a critérios substantivos. Já a disponibilidade de materiais e a qualidade da

história são critérios relativos ao produto.9 “O elemento fundamental das rotinas produtivas,

isto é, a substancial escassez de tempo e de meios, acentua a importância dos valores-

notícia, que se encontram, assim, profundamente enraizados em todo o processo

informativo (e não somente na fase de seleção das notícias).”10

Para Wolf, a recolha, a seleção e a apresentação das notícias compõem as principais

fases da produção informativa cotidiana. A fase de recolha constitui as estratégias que todo

órgão de informação possui para conseguir as notícias: ter repórteres fixos fazendo a

cobertura de determinados setores que produzem acontecimentos que são notícia e a relação

do órgão informativo com as fontes – institucionais, oficiosas, estáveis, provisórias, ativas,

passivas, centrais, territoriais e de base – e com as agências de notícias. “Esta forma de

organizar a recolha dos materiais noticiáveis está intrinsecamente ligada à necessidade de

rotinizar o trabalho, o que provoca uma limitação substancial e uma redução – atenuadas,

porém, pela estabilidade e pela produtividade – dos possíveis canais de recolha.”11

A partir do material recolhido, os órgãos de informação passam para a fase da

seleção das notícias definida por Mauro Wolf como “um processo complexo que se

desenrola ao longo de todo o ciclo de trabalho, realizado a instâncias diferentes – desde as

fontes até o simples redator – e com motivações que não são todas imediatamente

imputáveis à necessidade direta de escolher as notícias a transmitir”12. O autor explica que a

necessidade de ser eficiente e a escolha de procedimentos que permitam essa eficiência

dominam as fases de seleção e de produção das notícias. Ser eficiente para Mauro Wolf é 9 Idem, ibidem. p. 177.10 Idem, ibidem. p. 193.11 Idem, ibidem. p. 196.12 Idem, ibidem. p. 214.

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permitir o rendimento de três recursos que são escassos num órgão informativo: o pessoal,

o formato e o tempo de produção.

Mauro Wolf escreveu que a fase de preparação e edição das notícias – e a fase de

preparação é para onde se volta este trabalho – consiste em anular os efeitos das limitações

provocadas pela organização produtiva para “restituir” à informação o seu aspecto de

espelho do que acontece na realidade exterior, independentemente do órgão informativo. Se

um repórter não consegue falar com uma fonte, ele procura outra para substituir ou

preenche a lacuna com informações utilizadas em outra ocasião; se não deu para falar

pessoalmente, corre-se para o telefone; se a pauta não está direcionada, redige-se uma

matéria mais geral; e assim os profissionais vão tentando passar pelas dificuldades, tendo

em mente que isso não pode afetar com gravidade a matéria que será publicada, ou seja, os

imprevistos não podem ser percebidos pelos leitores do jornal.

No momento de escrever o texto, enfatizam-se os aspectos que são imprevistos,

importantes, novos e dramáticos. O jornalista não gosta de escrever aquilo que o leitor já

sabe ou, pelo menos, aquilo que já foi dito muitas vezes. E é aí que entram de novo os

valores/notícia, que, como afirma Mauro Wolf, estão presentes em todas as fases da rotina

produtiva: na recolha, na seleção e na apresentação – edição da notícia.

2.1 A notícia: matéria-prima do jornalista

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Nilson Lage em Ideologia e Técnica da Notícia relembra as várias tentativas feitas

para definir a notícia. É interessante transcrevê-las:

“a) ‘se um cachorro morde um homem, não é notícia; mas se um homem morde um

cachorro, aí, então, a notícia é sensacional’ (Amus Cummings);

b) ‘É algo que não se sabia ontem’ (Turner Catledge);

c) ‘É um pedaço do social que volta ao social’ (Bernard Voyenne);

d) ‘É uma compilação de fatos e eventos de interesse ou importância para os leitores do

jornal que a publica’ (Neil Mac Neil);

e) ‘É tudo o que o público necessita saber; tudo aquilo que o público deseja falar; quanto

mais comentário suscite, maior é o seu valor; é a inteligência exata e oportuna dos

acontecimentos, descobrimentos, opiniões e assuntos de todas as categorias que interessam

aos leitores; são os fatos essenciais de tudo o que aconteceu, acontecimento ou idéia que

tem interesse humano’ (Colliers Weekly);13

f) ‘Informação atual, verdadeira, carregada de interesse humano e capaz de despertar a

atenção e a curiosidade de grande número de pessoas’ (Luiz Amaral).”

O autor ainda traz outras duas definições. De John Hohemberg, que diz que “os

fatos que são ou não notícias variam de um dia para o outro, de país a país, de cidade a

cidade e, sem dúvida, de jornal a jornal.” E a definição de Ivã Tomasov, um autor marxista,

que diz que “a força motriz do processo de monopolização da comunicação de massa no

mundo imperialista deve ser buscada tanto nos fatos políticos quanto econômicos.”

Para Nilson Lage, nenhum desses conceitos define realmente o que é notícia.

Baseando-se neles, ninguém conseguirá, segundo o autor, distinguir uma notícia. Lage

afirma que o conceito deve abarcar a aparência, o aspecto ou a forma da notícia no

jornalismo contemporâneo. E define: “notícia é o relato de uma série de fatos a partir do

fato mais importante, e este, de seu aspecto mais importante.”14 A partir da observação das

jornadas de trabalho dos repórteres, nota-se que este conceito ainda está presente no modo

de os profissionais lidarem com a notícia. A preocupação inicial no texto, para muitos

deles, é escrever logo aquilo que é o objetivo do texto, a razão de ser da matéria. Nos

parágrafos seguintes, é que o repórter vai explicando com mais detalhes como se deu o

13 LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis: Editora Vozes, 1979. p. 35 e 36.14 Idem, ibidem. p. 36.

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acontecimento e acrescentando os depoimentos das fontes ouvidas. A fórmula da pirâmide

invertida ainda ajuda na elaboração dos textos, sendo descartada, porém, quando a matéria

é fria ou se trata de uma reportagem ou um texto especial.

Com o conceito do mais importante para o menos importante, Nilson Lage acredita

que se reduz a área de discussão ao que venha a ser importante, tornando mais fácil a

identificação de um texto qualquer como uma notícia. Mais adiante, Lage detalha que a

notícia se constitui de dois componentes: “a) uma organização relativamente estável, ou

componente lógico, e b) elementos escolhidos segundo critérios de valor essencialmente

cambiáveis, que se organizam na notícia – o componente ideológico.”

Faz-se importante explicar o que é notícia, pois esta representa a matéria-prima

básica usada pelo jornalista no seu dia-a-dia. “É o produto essencial do trabalho do

jornalista”, para Isabel Siqueira Travancas.15 A autora ressalta, porém, que alguns

componentes básicos da notícia, como interesse e comunicabilidade, nem sempre

constituem a razão de um fato estar nas páginas de um jornal. O Correio da Bahia, por ter

um direcionamento político evidente e ser de uma família poderosa no estado, traz, muitas

vezes, notícias que só são notícias porque o fato envolvido contou com a presença de

autoridades “ilustres”.

Para Gaye Tuchman, notícia é uma janela no mundo. “Através de seu

enquadramento, os americanos aprendem de si mesmos e dos outros, de suas próprias

instituições, líderes, e estilos de vida, e sobre outras nações e seus povos.”16 A autora ainda

afirma que a notícia é o produto de uma instituição social e é embasada nas relações com

outras instituições. “É o produto do profissionalismo e reivindica o direito de interpretar os

fatos do dia-a-dia para os cidadãos e outros profissionais.”17

Este trabalho não pretende entender por que certas notícias são classificadas como

tal e outras não são, que é o principal objetivo da pesquisa de Gaye Tuchman, realizada

entre as décadas de 60 e 70. O que interessa aqui é mostrar tudo por que passa o jornalista

recém-formado até transformar a pauta que recebeu em uma matéria.

15 TRAVANCAS, Isabel Siqueira. O mundo dos jornalistas. São Paulo: Summus, 1993. p. 33.16 TUCHMAN, Gaye. Making News. A Study in the Construction of Reality. New York: The Free Press, 1978. p. 1.17 Idem, ibidem. p. 5.

16

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2.2 Notícia x Reportagem: características e principais diferenças

Na observação que fiz dos profissionais que trabalham no Correio da Bahia, um

aspecto deve ser discutido nesta monografia. Dos sete repórteres formados em 2002 que

acompanhei no Correio, dois estavam trabalhando para o caderno Correio Repórter, um

caderno publicado no jornal aos domingos. Tive a oportunidade de observar uma repórter,

17

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que iria fazer a capa do caderno pela primeira vez, recebendo as instruções iniciais da

editora de como era fazer uma reportagem para o Repórter.

Logo ao chegar, a repórter Jane Fernandes me disse que a condição sine qua non

para trabalhar no Repórter é estar apaixonado pelo tema, estar envolvido e gostar muito

daquilo que vai escrever, daí a escolha quase subjetiva do tema a ser explorado e o caderno

dá essa liberdade. Eu acompanhei o trabalho dela numa segunda-feira. Ela tinha recebido

na sexta quatro pautas da editora do caderno para escolher uma no final de semana e elas se

reuniriam na segunda para discutir a pauta escolhida. Eram quatro sugestões: uma

reportagem sobre o café, outra sobre os normalistas, uma sobre Amélia Rodrigues e outra

sobre a lepra. A repórter descartou a lepra, por ser um tema muito árido, e os normalistas,

por não ter lhe atraído. Sobraram o café e Amélia Rodrigues. Em casa, no final de semana,

e na redação, na segunda, ela pesquisou os temas na Internet e, por não ter achado nada

interessante sobre Amélia Rodrigues, escolheu fazer sobre o café.

Na reunião entre a repórter e a editora do caderno, esta pergunta se Jane se decidiu

pelo tema. A editora aprova a escolha da repórter e explica que uma reportagem de capa do

caderno Repórter deve ter fôlego, cunho histórico e ligação com a Bahia. Fôlego, porque o

tema tem que preencher 19 laudas, no mínimo. É composto por uma abertura (de três ou

quatro laudas) e quatro matérias, com quatro ou cinco laudas cada uma. Ou seja, só pode

escolher um tema se ele puder ser subdividido em assuntos, em subtemas. Na abertura, o

repórter tem que explanar o tema de forma a fisgar o leitor. Sobre o lead, a editora explica

que ele não precisa ser objetivo. Deve ser escrito com mais liberdade para se tornar um lead

forte.

O repórter que recebe a tarefa de fazer uma reportagem para o Repórter fica de

segunda a sexta-feira dedicado somente a isso, ou seja, deixa de fazer matérias para o Aqui

Salvador. Só nas escalas de sábado ou domingo é que o repórter recebe pautas do Aqui

Salvador, independente de estar trabalhando para o Repórter. Fora a dedicação em tempo

quase integral – durante as horas de trabalho, é claro –, a pauta do Repórter deve ser

cumprida em um mês. O repórter tem que ouvir pessoas, pesquisar na Internet e conversar

com estudiosos do tema. “Por isso, não dou menos do que 30 dias”, explica a editora Linda

Bezerra. Durante o trabalho, o repórter tem que ser o conhecedor do tema, procurando

curiosidades sobre o assunto que dêem vigor ao texto.

18

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A editora explica que o repórter deve ter um olhar no homem. A aproximação dos

personagens pelo jornalista ao fazer uma reportagem veio com o novo jornalismo, que

apareceu nos Estados Unidos na década de 60 e trouxe elementos literários da novela norte-

americana, como explica Adelmo Genro Filho.18 O autor lembra que os criadores do novo

jornalismo passavam dias inteiros, durante semanas, com as pessoas sobre as quais estavam

escrevendo. “Queriam estar presentes durante os acontecimentos, em intimidade com os

fatos, para captar diálogos, expressões faciais e outros detalhes do ambiente. Além de

fornecer uma descrição objetiva completa, pretendiam oferecer algo que os leitores

encontravam apenas na literatura: uma vivência subjetiva e emocional junto aos

personagens”, escreveu em seguida Adelmo Genro Filho, se baseando em Tom Wolf.

Para o autor, a reportagem se localiza na confluência de dois gêneros relativamente

autônomos, o jornalismo e a literatura, e por isso é muito difícil produzi-la, “pois exige uma

superposição do talento literário e de apuradas técnicas de investigação e redação

jornalística, uma vez que o resultado deve articular harmonicamente os efeitos estéticos e

jornalísticos, sem que um supere o outro.”19 (20)

O repórter que precisa cumprir uma pauta do caderno Correio Repórter deve usar

também uma linguagem leve, poética, informativa e analítica. Para isso, o repórter tem

tempo: de 20 a 25 dias de pesquisa, para analisar o material colhido. “Mas não é opinião”,

diz a editora. Ela ainda afirma que os textos do Repórter devem conter muito poucas

citações. “O repórter tem que dar vazão aos sentidos”, pede Linda. Com dez dias de

pesquisa, o repórter tem outra reunião com a editora para decidirem qual vai ser a divisão

do tema e fazer um balanço de quem já foi ouvido e quem ainda falta para ser ouvido. A

reunião entre Jane Fernandes e a editora do Repórter durou um pouco mais de trinta

minutos e a repórter pôde ter uma noção do que é fazer uma reportagem para o caderno.

Nilson Lage explica que uma reportagem trata de assuntos, não necessariamente

novos, e que nela importam mais as relações que reatualizam os fatos, ou seja, fazem os

acontecimentos virarem o assunto do dia. Fazer uma reportagem, escreve Lage, é compilar

18 GENRO, Adelmo Filho. O segredo da pirâmide. Para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Editora Ortiz, 1989 (2ª impressão). p. 200.19 Idem, ibidem. p. 201.20 Como exemplo da articulação entre o jornalismo e a literatura, vale a pena assinalar a produção de Joel Silveira, entre outros. Ver: SILVEIRA, J., A milésima segunda noite da Avenida Paulista. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 213 páginas.

19

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fatos já emitidos, investigar causas e antecedentes mais ou menos remotos, interpretar e

produzir versões da realidade.21 Para Lage, a reportagem pode ser considerada de três tipos:

do tipo investigação, “em que se parte de um fato para revelar outros mais ou menos

ocultados, e através deles, um perfil de uma situação de interesse jornalístico”; do tipo

interpretação, “em que o conjunto de fatos é observado da perspectiva metodológica de

uma dada ciência (as interpretações mais freqüentes são sociológicas e econômicas); e as

que, investindo justamente na revelação de uma práxis humana não teorizada, busca

apreender a essência do fenômeno aplicando técnicas literárias na construção de situações

e episódios narrados.” 22

Capítulo II

O ambiente de trabalho e as relações entre os profissionais. A redação

Alfredo Viseu Pereira Júnior, em Discutindo o que é notícia, afirma que uma das

primeiras descrições sobre a atividade dos jornalistas e seu ambiente de trabalho foi dada

pelo escritor Lima Barreto em Recordações do escrivão Isaías Caminha: “Era uma sala

pequena, mais comprida que larga, com duas filas paralelas de minúsculas mesas, em que

21 LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis: Editora Vozes, 1979. p. 35.22 Idem, ibidem. p. 83.

20

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se sentavam os redatores e repórteres, escrevendo em mangas de camisa. Parava no ar um

forte cheiro de tabaco; os bicos de gás queimavam baixo e eram muitos.”23

No jornal A Tarde, a presente pesquisa se resumiu a duas jornalistas – Regina

Bochicchio e Iansã Negrão. Eram os únicos repórteres que saíram da Facom em 2002 e que

trabalhavam para a edição impressa do jornal. Só estive na redação do A Tarde por dois

dias, sendo que em um deles passei a tarde toda acompanhando a repórter numa apuração

de rua. Os dois dias só deram para eu conhecer alguns setores da redação: a editoria do

caderno Dez!, o CDI (Centro de Informação), a editoria de fotografia, a sala do diretor de

redação, o setor de arquivos, o lugar do cafezinho e o espaço onde os profissionais redigem

as notícias, que são dois separados pela sala do diretor de redação. Apesar do pouco tempo,

dá para perceber que a redação de um grande jornal hoje já não se parece com a descrita por

Lima Barreto.

A descrição do ambiente de trabalho no Correio da Bahia ficará mais completa,

porque foram sete dias acompanhando os repórteres, na parte da manhã e na parte da tarde,

diferentemente do que aconteceu no A Tarde, onde passei apenas dois dias. Como foram

mais dias em contato com a redação do Correio, a descrição aqui pode ficar mais detalhada

e dar uma noção mais precisa do lugar onde o jornalista de jornal impresso trabalha.

Ninguém de fora entra no Correio sem apresentar a carteira de identidade. Além da

apresentação do documento, temos também que esperar o segurança saber se a pessoa com

quem a gente quer falar está na redação. Até aqui, o procedimento é idêntico ao jornal A

Tarde.

Assim que a gente entra no pátio, temos à frente um prédio, onde funciona a área

administrativa do jornal e uma parte da Gráfica Santa Helena, que roda o jornal. À direita,

fica o prédio onde estão as salas de redação: uma primeira que os profissionais chamam de

anexo e uma outra maior no primeiro andar. O anexo é uma sala menor do que a redação,

com terminais de computador, telefones e uma televisão, onde alguns repórteres preferem

ficar. Em determinadas horas do dia, a sala fica quase vazia e os repórteres têm

tranqüilidade para escrever as matérias.

Subindo dois vãos de escadas, vamos dar numa porta de vidro com um nome bem

grande: Redação. À esquerda, fica a mesa da secretária do diretor de redação, que tem uma

23 BARRETO, Lima. Recordações do escrivão Isaías Caminha. IN: PEREIRA JR., Alfredo Eurico Vizeu. Discutindo o que é notícia. Os bastidores do telejornalismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 53.

21

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sala só para ele, um pouco mais a frente, à direita. Quando o diretor de redação não está

supervisionando o trabalho dos repórteres, conversando com uma ou outra pessoa, ele fica

em sua sala, cujas janelas são fechadas com cortinas que impedem visualizar lá dentro com

nitidez. A redação é repleta de terminais de computador – em torno de 30 aparelhos – e

cadeiras. Quase no fundo da sala, à direita, está o lugar da chefia de reportagem, que no

Correio são duas: uma à tarde e a outra pela manhã. Vizinho à mesa da chefia de

reportagem, onde os repórteres pegam as pautas do dia, está a mesa da editora do caderno

Correio Repórter. Em frente a ela, está a mesa da produtora, responsável pelas pautas do

jornal. Olhando para a frente, a partir da mesa da produtora, está a mesa do editor de moda

e os computadores dos jornalistas que trabalham para o caderno Folha da Bahia, que estão

na redação preferencialmente pela manhã. (Eles são cerca de sete pela manhã, entre

repórteres, editores e subeditores. A lista de pessoal do Correio contabiliza dezesseis

profissionais que trabalham para o caderno, incluindo os colunistas.) A quantidade de

repórteres pela manhã do caderno Aqui Salvador é menor do que à tarde, e os que

trabalham de manhã poucas vezes ficam na redação. Na maioria das vezes, estão na rua

apurando suas matérias.

Quem trabalha de manhã, costuma chegar a partir das oito horas. O término do

trabalho se dá entre 13 e 14 horas, um horário que varia muito, dependendo do tipo de

pauta que o repórter tem para apurar, da quantidade e dos imprevistos que encontra na rua.

Os repórteres que trabalham à tarde chegam a partir das 13 horas e ficam até às 18, 19

horas, dependendo também de como fora o trabalho realizado ao longo da jornada. Eu

acompanhei nove repórteres: dois que trabalham à tarde e os outros sete pela manhã.

Dando continuidade à descrição da sala de redação do Correio, temos os

computadores usados pelos repórteres no meio da sala e, à esquerda de quem entra na

redação, estão os computadores dos diagramadores. Perto dos sanitários e da sala do

cafezinho, está um computador usado por um profissional que trata das imagens e mais

alguns computadores usados pelos jornalistas do Folha. Toda essa descrição foi feita

somente com base na observação e nos dias que eu passei no Correio. Acredito ser

suficiente para dar uma noção do ambiente onde trabalham os jornalistas recém-formados

que foram observados nesta pesquisa.

22

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Pela descrição, falamos das seguintes funções dentro de uma redação: diretor de

redação, secretária da redação (além de ser secretária do diretor, ela dá suporte à redação,

entregando correspondência, atendendo telefones e outras atividades que também dizem

respeito aos demais componentes da redação), editores, subeditores (presentes no caderno

Folha da Bahia), chefe de reportagem, produtor, diagramador, fotógrafo e repórteres. A

função de redator/copydesk não existe mais numa redação de jornal. O repórter redige o

texto pensando no editor, que é quem vai corrigi-lo. Não há mais intermediário entre quem

escreve e quem edita a matéria.

3.1 As relações na redação

Apesar do desejo de agradar aos superiores24, como todo assalariado, os repórteres

observados durante a pesquisa não mantêm hostilidades com os seus colegas, pelo menos,

no sentido profissional. Ou seja, sempre ajudam um ao outro quando são solicitados. Um 24 Este aspecto é explorado por Warren Breed, quando ele trata do controle exercido pelos proprietários dos meios de comunicação e as situações em que o jornalista pode ultrapassar a orientação editorial. Ver: BREED, Warren. Controle social na redação. Uma análise funcional. IN: TRAQUINA, Nelson (org). Jornalismo: questões, teorias e estórias. Lisboa: Vega, 1993.

23

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exemplo foi quando acompanhei a repórter Fernanda Carvalho, do Correio da Bahia.

Saímos com outra repórter, Adriana Jacob, que estava fazendo uma matéria para o Correio

Repórter assim como Fernanda. O assunto a ser tratado na matéria de Adriana era o bairro

do Bomfim. No caminho, Fernanda conta que já morou no bairro durante muito tempo e dá

sugestões de enfoque e fontes para a matéria de Adriana, que começa a anotar. Depois,

Fernanda começa: “Estou fazendo uma matéria sobre casamentos. Estou adorando!”, disse

ela, narrando alguns fatos curiosos que achou sobre o tema. Adriana pergunta se a matéria é

capa do Repórter. Fernanda responde que sim e continua dizendo que seu receio é que ela

já recolheu muitas informações e ainda “tem muita coisa para se falar.” Fernanda está

confusa sobre quais aspectos abordar, o que enfocar direito. Ela conta a Adriana que

recebeu a pauta no dia 16 de junho, “mas não foram 15 dias de trabalho até aqui por causa

do feriado de São João. Estou preocupada com isso. Não foram 15 dias de trabalho.”

A conversa tomou um rumo mais pessoal quando Fernanda começa a contar sobre

sua saída da TV Aratu, onde trabalhava à tarde. “Estava muito puxado. Lá eu exercia a

função de pauteiro, que é muito ingrata”, e Adriana concorda: “Tudo é culpa do pauteiro.

Se a matéria sai boa, os elogios vão para o repórter. Se a matéria sai ruim, a culpa é do

pauteiro”, disse ela. Fernanda fala ainda que não se arrependeu de ter saído da TV Aratu,

onde já era contratada, apesar de ganhar mais. Aí Adriana quis saber por que ela optou pelo

Correio. “Porque prefiro o trabalho de repórter, mas adorava fazer pautas também, mas tive

que escolher um.” Fernanda tem 25 anos, é casada e está esperando o primeiro filho, por

isso precisava de mais tempo para a vida pessoal.

“Pois, é, Adriana. Se você souber de algum casamento interessante, você me fala.

Estou adorando este trabalho.” Quando estávamos perto de chegar à Fundação Clemente

Mariano, no Comércio, para onde ia Adriana, eu perguntei como era o esquema de trabalho

quando se fazia reportagem para o Repórter. Elas me disseram que o repórter fica

trabalhando de segunda a sexta-feira para a matéria especial do caderno. Nas escalas de

sábado ou domingo, é que se voltava a fazer matérias para o Aqui Salvador. Fernanda

aproveitou para comentar que gosta muito de trabalhar no sábado, mas detesta trabalhar no

domingo. “Quando sei que vou trabalhar domingo, chego ficar triste.” Fernanda perguntou

a Adriana sobre o trabalho dela numa rádio, à tarde. Adriana disse que o serviço é mais

24

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light, mais burocrático, que ela só reclama do horário, que é fixo. “No Correio, a gente tem

mais flexibilidade de horários.”

Para Jorge Cláudio Ribeiro, em Sempre Alerta, os laços de sociabilidade

operacional (grifo do autor) mantidos entre os jornalistas duram somente enquanto eles

trabalham juntos. Durante a pesquisa, observei que existe um clima de cordialidade entre os

jornalistas de um mesmo jornal, mas não presenciei a relação dos repórteres de jornais

diferentes. O autor afirma que os profissionais valorizam situações informais, como uma

carona ou um papo num bar da esquina, para manter a relação de cordialidade.

Isabel Siqueira Travancas, em O mundo dos jornalistas, avança também nesta

direção onde a competição entre os repórteres – mesmo de órgãos diferentes – não é tão

radical. De acordo com os depoimentos colhidos pela autora, na rua a competição se dilui

ainda mais, sendo expressivo o intercâmbio entre os colegas.25 Apesar disso, o estudo

mostrou que a proximidade tende a ser maior e mais íntima entre os profissionais que

trabalham para os mesmos órgãos de informação: TV, jornal ou rádio. Por isso, quando

vários profissionais se encontram numa coletiva, por exemplo, a pergunta mais ouvida é:

“Você está cobrindo para onde? Você é de onde?”

Capítulo III

Principais dificuldades encontradas pelos recém-formados na apuração da notícia

Dentro do universo pesquisado – de jornalistas recém-formados –, foi possível

identificar algumas dificuldades que surgem ao longo do processo de produção da notícia –

momento classificado por Mauro Wolf como a fase de apresentação. As dificuldades mais

comuns aparecem para todos os profissionais pesquisados, não importando se alguns deles

já possuem mais tempo de experiência na prática jornalística do que outros. Vale observar

25 TRAVANCAS, Isabel Siqueira. O mundo dos jornalistas. São Paulo: Summus, 1993. p. 41.

25

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que dois dos nove repórteres pesquisados já tinham mais de dois anos trabalhando em

jornal impresso, mas o tempo apertado, as fontes não acessíveis e a elaboração da matéria

são problemas ou dificuldades que atrapalham a todos.

Josenildo Luiz Guerra identifica três aspectos que caracterizam a atividade

jornalística: 1) o aspecto normativo, constituído pelos princípios éticos e determinações

legais que regem a prática, 2) o aspecto técnico, que se divide em dois: o aspecto

procedimental, que determina a atuação do jornalista para satisfazer os princípios éticos, e o

aspecto metodológico, que corresponde às técnicas usadas na produção da notícia, 3) e o

terceiro aspecto que é o organizacional, que se refere ao modo como o trabalho é

estruturado para racionalizar a captação, o tratamento, a apresentação e a disponibilização

da informação para o público.26

Neste trabalho, pretende-se identificar as dificuldades encontradas no dia a dia de

trabalho dos profissionais recém-formados no que diz respeito ao que Josenildo Guerra está

chamando de aspecto técnico-metodológico, que é o que orienta a ação do repórter na

elaboração do produto. O objetivo não é elencar quais são as características que fazem parte

desta técnica, mas observar as dificuldades que permeiam a fase de produção da notícia. A

partir da observação participante, foi possível também perceber algumas regras que

caracterizam o aspecto organizacional de uma empresa jornalística, ou seja, o que elas

fazem para realizar mais em menos tempo e com menos custo.

26 GUERRA, Josenildo Luiz. Ensaio sobre o jornalismo: um contraponto ao ceticismo em relação à tese da mediação jornalística. Universidade Federal de Sergipe. p. 3 a 6.

26

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4.1 A tensão e os imprevistos da atividade

Um aspecto do ritmo de trabalho de um jornalista é a tensão do dia-a-dia. Mais de

um repórter evidenciou o mesmo exemplo para ilustrar os imprevistos que acontecem no

cotidiano das redações. Marcos Casé, do Correio da Bahia, comentou que é normal

terminar de fazer as duas pautas do dia e aparecer outra para cumprir, principalmente em

dia de chuva. “Se estiver chovendo, pode saber que vai aparecer uma pauta de última hora,

para cobrir um deslizamento, por exemplo. Quando a gente pensa que vai embora, aparece

outra pauta”, afirma Casé.

27

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Jorge Cláudio Ribeiro escreveu: “Imprevista por natureza, a notícia exige do

jornalista estar sempre alerta, à espera do que poderá acontecer e em condições de

responder com agilidade. Superficialmente qualificado de alucinante, o ritmo de trabalho (e

de vida) do jornalista é, pelo contrário, descontínuo e concentrado, oscilando entre fases de

marasmo e de aceleração.”27 A tensão existe, mas a idéia de ritmo alucinante é mito e foi

comprovada com comentários de alguns dos repórteres observados que disseram que há

dias em que aparecem fatos importantes para cobrir e há dias em que é só bobó.

A tensão, segundo alguns autores, ajuda o repórter a estar atento ao que acontece a

sua volta. A explicação que o autor Jorge Cláudio Ribeiro dá para a escolha do título do seu

livro – Sempre Alerta – casa com um comentário que foi feito pela repórter Fernanda

Carvalho, do Correio da Bahia, quando ela apurava uma matéria para o Correio Repórter.

Ela me disse que o repórter tem que estar sempre alerta para não desperdiçar as

informações que for encontrando, como no caso da suboficial com quem Fernanda

conversou que disse que o assunto não era com ela, mas indicou uma fonte e passou

algumas informações importantes. Isso porque a repórter se dispôs a conversar um pouco

com a funcionária. O autor de Sempre Alerta escreveu: “Para o conjunto da sociedade o jornalista, assim como os escoteiros, deve estar sempre alerta e disposto a

realizar uma missão voluntária comprometida com o Bem e que faça uma boa ação todos os dias. Dentro da

mística da profissão, cabe ao jornalista estar atento, onde quer que esteja, à possibilidade de irrupção de uma

fato noticiável. Durante a jornada de trabalho, a tensão o obriga a estar constantemente alerta para evitar

erros.” (p.14)

Para ser um bom repórter, é preciso mesmo ter sorte? Alguns profissionais acham

que sim. Quando Regina Bochicchio, do A Tarde, estava apurando uma matéria sobre a

conversão de carros particulares para o motor a gás, ela encontrou uma mulher que estava

abastecendo o carro a gás e tinha convertido o motor há apenas uma semana. Regina disse:

“Repórter tem que ter sorte.” Foi mesmo por acaso que encontramos a mulher abastecendo,

mas há um detalhe que não pode ser esquecido. A repórter estava no lugar certo: um posto

que era revendedor e convertedor de gás natural. Mas podia ser também que o posto

estivesse vazio e a repórter não encontrasse ninguém interessante para ser personagem da

matéria, já que o posto é mais freqüentado por taxistas, como a própria repórter pôde

constatar.27 RIBEIRO, Jorge Cláudio. Sempre alerta. Condições e contradições do trabalho jornalístico. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 158.

28

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Essa segunda situação – a de não encontrar o fato ou os personagens para a matéria

– foi o que aconteceu com a repórter Fernanda Carvalho, do Correio da Bahia, que também

tinha saído sem marcar nada, como Regina. Fernanda foi ao fórum num dia de sexta-feira

para conversar com juízes e assistir a algum casamento, motivo da matéria para o Correio

Repórter. Assim que o carro de reportagem chegou ao fórum, Fernanda falou: “Tomara que

eu encontre muitos casamentos acontecendo aqui.” Não viu nenhum. Com uma suboficial

ficou sabendo que os casamentos acontecem de terça a sexta-feira, às 8h30. Naquela sexta-

feira, informou a suboficial, as cerimônias tinham se encerrado às 9h30. Chegamos no

fórum às 10 horas. Fernanda contou que no dia anterior tinha ligado para o fórum e a

funcionária que atendeu disse que ela poderia vir de manhã – sem especificar a hora – para

ver os casamentos. O jeito foi Fernanda marcar em sua agenda para voltar com oito dias, só

que mais cedo. O fato de não ter encontrado nenhum casamento foi um imprevisto para

Fernanda, que pôde contornar o problema do tempo pelo prazo que tinha para entregar a

reportagem.

A diferença entre Fernanda e Regina é que esta tinha uma matéria para fazer que

deveria sair no máximo com dois dias e Fernanda estava com mais de 15 dias de prazo para

terminar a sua matéria. Não teve sorte de ver casamentos quando foi ao fórum, mas pôde

marcar para depois, e muito depois, sem problemas. Enquanto isso, ela faria outras

entrevistas que já estavam agendadas. O fator tempo, no caso de Fernanda Carvalho, foi

amenizado pelas características do caderno para o qual iria a reportagem, que é o Correio

Repórter.

29

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4.2 O tempo: um dos principais inimigos do jornalista

O tempo é fator determinante no dia-a-dia dos jornalistas observados. As tarefas são

ordenadas levando em consideração o tempo que vão tomar e a disponibilidade de tempo

do repórter. “Pressionadas pelo fantasma do tempo, as empresas jornalísticas são ainda

mais obrigadas a elaborar estratégias para tornar o processo produtivo o mais ágil possível”,

escreve Alfredo Vizeu Pereira Júnior.28 Cremilda Medina, em Profissão jornalista:

responsabilidade social, afirma que em nenhuma profissão, como no jornalismo, o dia-a-

dia tem mais peso. “O ritmo de trabalho do jornalista é regulado pelo prazo exíguo de 24

28 PEREIRA JR., Alfredo Eurico Vizeu. Discutindo o que é notícia. Os bastidores do telejornalismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 121.

30

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horas, com algumas variáveis para mais ou para menos. A pressão do tempo é constante.” 29

A autora afirma que a consequência mais séria da periodicidade dos meios jornalísticos é a

impossibilidade de se ter qualquer forma de perfeccionismo científico nos textos

produzidos.

Josenildo Guerra concorda: “Um cientista procura se garantir de que todas as

condições metodológicas estão satisfeitas para então dar um parecer. Um jornalista precisa,

a cada edição do noticiário, independente das condições, ter uma pauta cumprida, pelo

menos. O rigor científico pode exigir tempo e paciência, o rigor da informação jornalística

não pode prescindir de rapidez.”30

Os fotógrafos, muitas vezes, não saem com os repórteres porque ou já fizeram a foto

mais cedo ou vão passar primeiro em outro lugar, de acordo com as orientações recebidas

pelo chefe de reportagem, que é quem resolve este tipo de situação. Alfredo Pereira Júnior

cita Nelson Traquina quando este diz que o fator tempo constitui o eixo do campo

jornalístico.31 As coisas são ordenadas de acordo com o tempo disponível e o chefe de

reportagem, bem como os repórteres, estão sempre preocupados com o tempo,

independente se o prazo para cumprir a pauta é de um dia ou de um mês. No dia em que

acompanhei Iansã Negrão, do A Tarde, ela estava editando algumas matérias para o

Caderno Dez! e teve que pedir a ajuda do arquivo de fotografias do jornal para ilustrar um

dos textos. Era ainda início da manhã quando ela requisitou as fotos, que só chegaram “500

anos depois”, como ela disse, depois das 11 horas, quando Iansã já tinha pego a foto na

Internet, que é creditada como divulgação.

“O ritmo de trabalho é marcado por uma tarefa movida a solavancos e arranques,

entremeados de fases de marasmo; o tempo natural é rearranjado pelo fato de o jornalista

fazer hoje o jornal que sai amanhã, que fala no tempo presente de fatos passados”, escreveu

Jorge Cláudio Ribeiro, se referindo à adaptação que o profissional precisa ter da realidade

do trabalho em um jornal diário.32 Daniel Freitas, do Correio da Bahia, falou que os

repórteres precisam estar atentos aos advérbios de tempo. “Se estamos falando de alguma

29 MEDINA, Cremilda. Profissão jornalista: responsabilidade social. Rio de Janeiro: Forense – Universitária, 1982. p. 21 e 22.30 GUERRA, Josenildo Luiz. Ensaio sobre o jornalismo: um contraponto ao ceticismo em relação à tese de mediação jornalística. p. 20.31 Idem, ibidem. p. 12132 RIBEIRO, Jorge Cláudio. Sempre alerta. Condições e contradições do trabalho jornalístico. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 136.

31

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coisa que aconteceu hoje, então é ontem; se é alguma coisa que vai acontecer amanhã,

então é hoje. É preciso estar atento a isso”, diz Daniel. O autor de Sempre Alerta cita o fator

tempo/espaço para explicar o isolamento do jornalista recém-chegado a redação. A repórter

Jane Fernandes, do Correio da Bahia, me disse que, como estava somente há um mês no

jornal, ainda não tinha se adaptado ao ritmo de trabalho direito. Ficava até tarde para

terminar as matérias e, nos primeiros dias de trabalho, se perguntava como os outros

repórteres conseguiam terminar duas ou três pautas até às 13, 13h30.

A repórter Regina Bochicchio tinha feito um roteiro para a sua pauta que incluía seis

lugares, mas na metade deles teve que voltar para a redação: “Ir para o Sinditáxi hoje não

dá mais. A essa hora o trânsito fica muito ruim e temos que voltar para a redação. Os táxis

não são o foco da minha matéria. Tudo que eu precisar agora será por telefone.” Ao sair do

fórum, Fernanda Carvalho disse que não passaria mais na biblioteca do Garcia: “Está em

cima da hora para pegar Adriana (Jacob), no Comércio. Na entrevista que eu tenho na

segunda-feira no Garcia, aproveito e pego o livro.” Com Daniel Freitas, o telefone do

Memorial das Baianas estava dando tanto ocupado, que ele achou que devia estar quebrado.

“Vou escrever a matéria com o que eu tenho mesmo. Não dá mais tempo”, disse o repórter,

que escreveu a matéria sobre as novidades do memorial sem pegar o depoimento de um

antropólogo indicado no release do evento.

A obrigação de a notícia ficar pronta em um espaço curto de tempo tem

conseqüências. Uma delas, para Giovandro Marcus Ferreira, é o repórter acabar apelando

para as mesmas fontes nos mesmos lugares. “Em geral, são as elites dos campos sociais,

por conseguinte do campo de poder, sobretudo econômico e cultural, que são as mais

solicitadas para ‘explicar’, ‘esclarecer’ os temas em relevo.”33 Para se ter agilidade na

apuração das pautas, os jornais sempre mantêm repórteres nos palácios do governo, nas

secretarias e nas bolsas de valores. Isso faz com que, muitas vezes, a matéria acabe saindo

com o enfoque e a visão dada somente pelas fontes dos lugares mais freqüentados. Para o

autor, quando as outras fontes são utilizadas pelos meios de comunicação, como por

exemplo, os sindicalistas durante uma negociação ou paralisação, eles são chamados,

sobretudo, para ‘se explicarem’. “Se a lógica do campo jornalístico não permite ‘perder’

33 FERREIRA, Giovandro Marcus. Apontamentos sobre as propriedades do campo de produção jornalístico. IN: Revista Pauta Geral, n° 4. Salvador: Calandra, 2002. p.254.

32

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tempo, este campo será constantemente prisioneiro da utilização de estereótipos que se

encontram sempre à disposição e são compreensíveis por um grande número de pessoas.” 34

4.3 Dificuldades na hora de escrever a matéria

Começar a matéria, ou seja, escrever o lead – primeiro parágrafo do texto, técnica

desenvolvida pelos jornalistas norte-americanos e introduzida no Brasil na década de 50

pelo jornalista Pompeu de Sousa, que trabalhava na época no Diário Carioca – é a parte

mais difícil da redação de um texto, para a grande maioria dos profissionais. Durante a

observação feita nos jornais A Tarde e Correio da Bahia, isso pôde ser constatado. Para

Jorge Cláudio Ribeiro, em Sempre Alerta, o lead tem uma importância estratégica no texto,

daí tanta preocupação com ele. “(...) se não agradar ou informar confusamente, o leitor

abandonará o texto. O lead consiste na apresentação, no primeiro parágrafo da matéria, de

uma síntese dos fatos, através de dados objetivos (grifo do autor), reforçando a impressão

34 Idem, ibidem. p. 17.

33

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de imparcialidade do noticiário.”35 Nilson Lage, em A ideologia e técnica da notícia, alerta

para o fato de que o lead é um relato sumário e ordenado do fato mais interessante de uma

série e não do resumo da notícia toda, “como aparece em algumas descrições.”36

Jorge Ribeiro afirma ser a imparcialidade uma impressão, porque, para ele, “mesmo

quando se proclama imparcial, o jornalismo é uma forma de construção da realidade e não

mera reprodução dos acontecimentos. O autor afirma ainda que a objetividade é necessária,

mas não é tudo. A intervenção da subjetividade, segundo ele, é necessária para a

composição dos fatos. “O juízo ético, a ideologia, a opinião são pré-condições da

abordagem dos fenômenos.”37 A falta de objetividade plena para Adelmo Genro Filho não é

uma limitação, mas um sinal da potência subjetiva do homem diante da objetividade. “O

material do qual os fatos são constituídos é objetivo, pois existe independente do sujeito. O

conceito de fato, porém, implica a percepção social dessa objetividade, ou seja, na

significação dessa objetividade pelos sujeitos.”38

Além de toda essa preocupação na hora de escrever o texto, o jornalista se depara

com as informações colhidas – suficientes ou não – para ordená-las no texto. O repórter

Daniel Freitas, do Correio, comentou que começar uma matéria é sempre difícil. “Ficamos

na dúvida para escolher com que informação devemos abrir o texto.” Para não se confundir,

ele vai riscando as anotações que já usou na matéria.

O repórter Patrick Brock, do Correio da Bahia, também não acha nada fácil começar

uma matéria. Durante a redação de um texto sobre os quadrinhos do personagem Hulk, ele

refez as primeiras frases umas três ou quatro vezes. Patrick, que trabalha para o caderno

Folha da Bahia, costuma sugerir um título e um subtítulo para a matéria que está

escrevendo. O repórter ainda possui o hábito de sempre reler o texto que está escrevendo

desde o começo e, muitas vezes, em voz alta. Quando Patrick termina o texto e lê

novamente para fazer algumas alterações, é a vez de imprimir a matéria para lê-la no papel.

Patrick fez isso no dia em que eu o acompanhei e, quando estava com outro repórter, num

outro dia, também vi Patrick fazer a mesma coisa: lendo o texto no papel para saber se ele

35 RIBEIRO, Cláudio Jorge. Sempre Alerta. Condições e contradições do trabalho jornalístico. São Paulo: Brasiliense, 1994. Página 12.36 LAGE, Nilson. A ideologia e técnica da notícia. Petrópolis: Editora Vozes, 1979. p. 7437 RIBEIRO, Cláudio Jorge. Sempre Alerta. Condições e contradições do trabalho jornalístico. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 10.38 GENRO, Adelmo Filho. O segredo da pirâmide. Para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Edotira Ortiz, 1989 (2ª impressão). p. 186 e 187.

34

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está mesmo no ponto. Aproveitei para perguntar a ele – e perguntei também a outros

repórteres - sobre o número de linhas que uma matéria deve ter. Patrick me respondeu:

“Geralmente, o número de linhas é dado pelo editor ao entregar a pauta ao repórter.” Mas

isso não é uma constante. Outros repórteres não recebem essa orientação e escrevem a

matéria de acordo com as informações que colhem. Daniel Freitas me explica que, quando

ele enche mais de quatro páginas do bloco de anotações, é porque a matéria dá 40 linhas, “o

que é suficiente”.

Escrevendo uma das matérias do dia, o repórter Marcos Casé deixou o lead por

último. A pauta era sobre um evento de São João promovido pelo detergente em pó Ala nos

bairros carentes de Salvador. Casé classificou a pauta como bobó. Essa e a outra que ele

recebeu no mesmo dia sobre um seminário de Farmácia. “Não é todo dia que a gente faz

uma coisa importante”, disse ele. No carro, enquanto íamos para o bairro de Santa Mônica

ver o forró do Ala, ele comentou com o motorista, num clima de brincadeira e

descontração: “É uma pauta assim que vai mudar o mundo.” Sobre o número de linhas,

Casé me disse que a matéria do São João nos bairros deveria ter cerca de 30 linhas. “Não

tem muita coisa para falar.” Dito e certo. Casé escreveu 34 linhas.

A repórter do A Tarde, Regina Bochicchio, prefere começar um texto de forma mais

leve. Estava animada para começar a escrever uma matéria sobre pirataria, que, segundo

ela, iria permitir uma linguagem mais leve e descontraída. Já para a matéria da conversão

dos veículos – que era a pauta do dia –, ela disse que teria que seguir a orientação do jornal,

que é a de fazer um lead objetivo, que responda as perguntas O que, quem, como, onde,

porque e quando. Quando chegou na redação, Regina já tinha na cabeça como ela iria

começar o lead da matéria sobre a conversão de carros particulares a gás. Isso demonstra

uma preocupação do repórter que busca sempre começar o texto de uma forma que atinja o

leitor, e se livrar do mal de ficar olhando para a tela do computador sem saber como

começar.

Muitos repórteres não gostam de ver as suas matérias cortadas ou, no mínimo, ficam

curiosos para saber como os textos do dia anterior saíram no jornal. Por isso, é prática

recorrente de todos os repórteres observados durante a pesquisa olhar o jornal do dia e ver

como as suas matérias saíram. No dia em que eu acompanhei o repórter Daniel Freitas, do

Correio, ele não gostou como a sua matéria tinha saído no jornal. Achou a diagramação

35

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ruim, com dois anúncios na página – coisa que não acontece com freqüência, porque é a

contracapa do caderno Aqui Salvador. Um dos anúncios ficou colado com a lateral do

texto, e isso desagradou Daniel. Depois, quando ele reparou bem na matéria, viu que o

editor tinha cortado umas dez linhas de seu texto. Daniel acessou a matéria para contar

quantas linhas tinham sido cortadas.

Jorge Cláudio Ribeiro, em Sempre Alerta, escreve que em torno da ocupação dos

espaços dentro das edições, desenvolve-se uma luta pelo poder e, segundo ele, não há

dúvidas sobre quem tem levado a melhor.39 O autor também explica que o primeiro a

garantir o seu espaço diário é o setor de publicidade, que envia à redação o espelho de cada

página, com o desenho das áreas ocupadas pelos anúncios; o restante fica para cada editor

colocar as matérias. A pesquisa de Jorge Ribeiro foi com os jornais O Estado de São Paulo

e Folha de São Paulo, mas sobre este assunto as coisas acontecem de forma mais ou menos

parecida com os jornais baianos, a exemplo do que foi visto com o repórter Daniel. Jorge

Cláudio Ribeiro afirma que “(...) é muito freqüente o editor precisar encurtar ou até

suprimir notícias importantes e que demandaram trabalho, porque o espaço que sobrou dos

anúncios para as notícias era pequeno.”40

No dia em que acompanhei o repórter Daniel Freitas, uma discussão entre os

repórteres, travada no correio eletrônico interno, me chamou a atenção. Era sobre os

critérios de assinatura de uma matéria, discutidos também por inúmeros autores. Uma

repórter tinha recebido uma pauta que não tinha gostado muito. Mesmo assim, fez a

matéria, como era obrigação, mas não queria que a matéria tivesse sido assinada. Como viu

seu nome no jornal no dia seguinte, resolveu perguntar a chefia de reportagem, via rede,

quais eram os critérios do Correio para assinar as matérias.

Uma das chefes de reportagem explicou que a matéria sempre saía assinada quando

o editor não fazia grandes alterações no texto. Quando era preciso arrumar muita coisa, o

texto ficava sem assinatura. Daniel Freitas foi me contando que um dia recebeu uma pauta

da Editoria de Polícia que ele fez, mas pediu que não assinassem. A matéria saiu sem

assinatura. Depois que leu as mensagens sobre a “polêmica”, Daniel resolveu participar

para discordar da explicação da chefe de reportagem. Segundo ele, aquilo não acontecia na

prática. “Existem textos que não são mudados e mesmo assim saem sem assinatura.” Só

39 Idem, ibidem. p. 93.40 Idem. p. 94.

36

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que, logo depois, Daniel desistiu de enviar a mensagem para rede. “Não vou ficar

alimentando essa polêmica, que já passou. A repórter fez uma pergunta e obteve a resposta,

concordemos ou não.”

Sempre Alerta traz depoimentos de jornalistas que acham que ver o próprio nome no

jornal é pura vaidade. Ter a matéria assinada, segundo Jorge Cláudio Ribeiro, é uma

possibilidade para o jornalista de se tornar conhecido diante do público e de receber

convites para trabalhar em outros jornais ou ocupar cargos mais importantes dentro de um

mesmo jornal. “Assinar matérias é uma forma de acumular capital de prestígio, capaz de

elevar o valor do jornalista no ranking profissional (...)”41 Fica claro que assinar as matérias

é uma forma de se expor, seja para os leitores, seja para os colegas. Isso explica porque, em

certas situações, o repórter não deseja ver seu nome atrelado a um determinado texto. Com

essa atitude, alguns podem pensar que o repórter está querendo fugir da responsabilidade

pela matéria que fez. E isso é um risco. No caso de uma matéria importante, que ouve

depoimentos de fontes importantes, por exemplo, o repórter quer ter o reconhecimento do

trabalho e isso ele tem através da assinatura. A vaidade, nesse caso, fala mais alto. Já

quando o pensamento é “elevar-se no ranking profissional”, a questão vai além da vaidade.

O repórter pode querer trabalhar em um jornal maior ou ser promovido e aí desejar ver seu

nome atrelado a matérias ditas importantes, que podem agradar aos superiores (o que pode

gerar a tão sonhada promoção) ou chamar a atenção de profissionais de outros jornais, o

que pode gerar ofertas de emprego.

Tratando sobre aliciamento dos profissionais, Jorge Cláudio Ribeiro observa que a

função de editor possui grande peso e a carreira e o êxito profissional de quem está

submetido a ele depende de sua figura. Por isso, ele escreve que repórteres e redatores

procuram direcionar seus textos de acordo com o enfoque dos editores.42 Quando escrevia a

matéria sobre a programação de Corpus Christi, o repórter Daniel Freitas, do Correio,

começou a frase com No domingo,... e aí comentei que ele poderia colocar a data para não

deixar dúvidas no leitor. Apesar de ter acatado a minha sugestão, ele me disse que, com

certeza, o editor iria cortar a data, deixando o texto como ele tinha escrito mesmo. O editor

realmente cortou a data. Ou seja, o repórter faz o texto já pensando nas correções que o

41 Idem, ibidem. p. 10242 Idem. Páginas 150 e 151

37

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editor, que acaba sendo também um leitor, fará e aproveitando os “erros” de outros textos

para não repeti-los.

Cremilda Medina avalia que a “angulação da empresa entra pelos poros do repórter,

como necessidade de ascensão.”43 O repórter Daniel Freitas estava pesquisando algumas

informações em uma matéria que tinha feito, quando me explicou que a causa da matéria

foi as autoridades (prefeito, governador e senador) estarem presentes. “Quando eles estão,

têm que cobrir o evento na certa para o jornal”, afirma Daniel. Ou “quando a matéria é

assunto do Bahia Meio Dia, é preciso pautá-la para o jornal também”, complementa o

repórter. Neste caso, a interiorização da política do jornal não é seguida por motivos de

ascensão profissional, mas pode ser entendida pelo fato de o repórter querer continuar no

emprego e fazer bem o trabalho aos olhos dos superiores.

4.4 Outras dificuldades operacionais e as estratégias usadas pelos repórteres para

driblá-las

Telefones ocupados, que chamam e não atendem, celulares na caixa postal, fontes

que não dão retorno, pautas que não estão produzidas e releases que não ajudam em quase

nada são outras preocupações dos repórteres. Como cada um deles tem um tempo para

terminar a matéria, que varia de acordo com a editoria para a qual o repórter trabalha , o que

não se consegue até lá acaba ficando sem ser feito. O problema dos telefones ocupados

aconteceu com Daniel; as fontes sem retorno, com Regina; os celulares na caixa postal,

com Casé e Renata.

Todos tentam dar um jeito para driblar os imprevistos: Daniel ficou sem o

depoimento do antropólogo, mas pesquisou em uma matéria anterior algumas informações

sobre o memorial que complementaram o texto: “Até que rendeu. Pensei que esta matéria

não fosse render nada”, disse Daniel, que escreveu 42 linhas sobre a inauguração de

novidades no Memorial das Baianas. Regina insistiu com o professor da Ufba, que não

tinha respondido aos recados na caixa postal e nem aos e-mails. Recorreu a um contato de

43 Citado em Jorge Cláudio Ribeiro. p. 151.

38

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matérias anteriores que acabou dando o celular do professor, que atendeu e marcou uma

entrevista por telefone às 21 horas do mesmo dia. Quanto aos lugares que não deu tempo

passar, Regina disse que ia resolver tudo por telefone. Renata, que também reclamou de um

assessor de um órgão púbico que não tinha chegado às 9 horas e estava com o celular

desligado, insistiu também até que o assessor atendeu. Enquanto isso, ela foi escrevendo a

outra pauta do dia que já estava apurada. Casé também encontrou o celular de um assessor

desligado. O repórter do Correio queria mais informações sobre o seminário de Farmácia.

Já que o celular do assessor estava desligado, ele disse “Vamos passar lá depois da outra

pauta.”

Não é sempre que o repórter recebe uma pauta produzida, ou seja, com os nomes

das fontes e o enfoque da matéria detalhado. No caso de Casé, foi isso que aconteceu,

segundo ele. A pauta sobre o evento de Farmácia não estava produzida. Quando chegamos

ao Centro de Convenções – depois de ter passado no Centro de Saúde pensando que a

matéria fosse lá –, Casé disse: “O pior é que não me deram direcionamento específico para

essa matéria. Então, esta vai ser mais geral que a outra do São João.” Josenildo Luiz Guerra

afirma em seu texto que a pauta deve conter perguntas que façam com que o jornalista se

abra para o fato em busca de respostas. “A pergunta realiza um duplo movimento: coloca o

problema, portanto, desarma o repórter de suas respostas prontas e o impulsiona, o abre

para o fato; ao mesmo tempo traça o percurso que ele deverá trilhar em busca das respostas

a que procura.”44

Ressaltar a importância da pauta produzida não quer dizer que o repórter não tenha

que decidir sobre o que é notícia. Tanto isso é verdade que a maioria dos profissionais e

professores de Jornalismo já disse algum dia que a pauta não deve servir como uma

“camisa de força” para o repórter. Se o profissional chega ao lugar da apuração e percebe

outro ângulo para explorar o problema, ele deve fazê-lo, independente da sua pauta ter

previsto aquela situação. É bem verdade que a liberdade para o repórter fazer isso depende

do jornal em que ele trabalha e dos seus superiores. Certamente, existem profissionais que

irão “torcer o nariz” se o repórter trouxer da rua uma apuração diferente daquela que foi

pedida na pauta. Nesses casos, a pauta bem produzida passa a ser mais importante ainda,

porque ela servirá como uma orientação para o repórter buscar a notícia pretendida por

44 GUERRA, Josenildo Luiz. Ensaio sobre o jornalismo: um contraponto ao ceticismo em relação à tese de mediação jornalística. Universidade Federal de Sergipe. p. 17 e 18.

39

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quem lhe passou a pauta. Quando a pauta é geral, fica a impressão de que é o repórter que

deve descobrir a deixa para o assunto. E não há nenhum mal nisso, só que foi motivo de

reclamação para alguns repórteres acompanhados, justamente porque essa situação exige

que o profissional reflita sobre o tema, preste mais atenção ao que está acontecendo a sua

volta e explore o assunto sobre vários aspectos até achar a notícia, o que significa mais

trabalho para o repórter.

No dia em que acompanhei Renata Matos, Daniel estava fazendo uma matéria sobre

a migração dentro do estado. A pauta pediu que ele procurasse pessoas que tinham deixado

sua cidade natal para virem estudar ou trabalhar em Salvador. Pedia ainda que procurasse

entender este fenômeno com algum estudioso da Ufba, mas Daniel disse que não ia fazer

isso porque a pauta não estava produzida. Ela não trazia sequer a unidade da Ufba que

pudesse desenvolver este tipo de estudo. Não deu outra: a matéria saiu com as informações

do material entregue pela chefia de reportagem e que era dados do IBGE sobre o assunto,

sem depoimentos de estudiosos sobre o caso. O repórter também teve que dar um jeito para

encontrar os personagens para a matéria, não especificados na pauta.

Falando de material entregue pela chefia de reportagem, a maior parte dele é de

releases. Nem sempre eles ajudam na formulação da matéria. Um colega de Regina

Bochicchio, do A Tarde, reclamou que os releases são muitas páginas que não dão

informação substancial quase nenhuma. Ao invés de números precisos, eles trazem

expressões como centenas, milhares, muitas, etc. Esta é a visão dele se baseando no release

que ele tinha na mão naquele momento. Mas Daniel Freitas, do Correio, também concorda:

“Tem release que só tem letra, mas não se consegue tirar nada.”

E na hora de entrevistar a própria fonte, quando as perguntas são feitas e não se

consegue tirar muita informação? Aconteceu isso com Daniel e também com Érico Monte,

da Editoria de Esporte do Correio. Com Érico, nem foi a fonte que falou pouco, mas o

evento que se resumia a pouquíssima coisa. A pauta era no Parque da Cidade sobre um

projeto da jogadora de vôlei Ana Moser e da Prefeitura de São Paulo. Érico comentou: “Eu

pensei que fosse ter mais coisa, mas é só uma demonstração.” Isso reflete na matéria em

duas coisas: na hora de escrever, quando o repórter diz que vai ter que enrolar um pouco e,

conseqüentemente, no número de linhas a serem escritas, que diminui.

40

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Voltando a questão dos releases, uma coisa percebida no Correio, mas ouve-se falar

que acontece em todos os jornais, é a publicação do mesmo na íntegra, e pior, em

substituição a uma matéria. Um dos repórteres acompanhados viveu isso, mas não foi no

dia em que eu o acompanhei. Quando passei a manhã com Daniel Freitas, eu almocei com

um repórter, que me contou que no dia anterior tinha ficado até às 15 horas fazendo três

pautas, que não saíram. Todas as três matérias foram substituídas pelos respectivos

releases. Essa situação não foi encontrada no jornal A Tarde.

4.5 O repórter é um “faz tudo”

Há duas ou três décadas, o repórter apurava a pauta e escrevia sem tanto

compromisso, pois a forma do texto era dada pelo redator, figura que hoje definitivamente

não se encontra mais nas redações de jornal impresso. A função do redator é agora mais

uma tarefa que deve ser exercida pelo editor. Por isso, é cada vez mais freqüente a

expressão “Estou editando a matéria”, que não se refere somente à arrumação dela na

página, mas à correção mesmo. O repórter precisa escrever a matéria já pensando em como

o editor gostaria que ela estivesse. Quanto à correção dos textos, não há mais mediação

entre repórter e editor.

Além de escrever a matéria, os repórteres hoje sugerem imagens para o texto que

estão produzindo, sugerem títulos e pautas. Num ou noutro jornal, isso se mostra mais ou

menos sistemático e depende também do profissional, mas de uma maneira geral, fica

evidente que os empregadores querem cada vez mais que os repórteres participem de tudo,

inclusive, da diagramação do texto na página. Todos os repórteres observados podem

exemplificar o que foi dito acima.

41

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No caso de Regina, do A Tarde, jornal que sofreu uma reformulação e acabou

privilegiando esse tipo de comportamento, pode-se falar sobre a sugestão de fotos e de

pautas. Antes de sair para apurar a sua matéria, ela foi conversar com o editor de fotografia

do jornal, Saturnino Braga, para explicar por que estava saindo sem fotógrafo. Regina iria

primeiro apurar a informação e ver se ela realmente daria uma matéria para depois o jornal

poder providenciar a foto. Mesmo assim, já nessa conversa ela sugeriu que a foto fosse de

alguém abastecendo ou convertendo seu motor a gás num posto de gasolina. Quando voltou

para a redação e já sabia que o assunto daria uma matéria, Regina conversou de novo com

Saturnino para lhe dar retorno e dizer que precisaria da foto. Sobre a sugestão de pautas,

Regina não se descuidou. Enquanto ia entrevistando, sempre perguntava às fontes sobre

quais assuntos dariam matéria para o jornal. Foi assim com o técnico do Detran e com os

funcionários da SET.

Com Iansã Negrão, que trabalha para o Caderno Dez! do A Tarde, o processo já é

mais automático. Como ela também edita o caderno, ela dá os títulos aos textos e

providencia as fotos. Mas, mesmo assim, os colaboradores do caderno já sugerem títulos e

fotos que são aprovados ou não por Iansã. Ela explica: “A diferença de quem está chegando

é querer ter domínio de tudo que está fazendo. Por isso, ao fazer o texto, a pessoa sugere

também título e foto. Não dá mais para esperar pela pauta para somente cumpri-la e

entregar, sem saber como ela vai ser editada.”

No dia em que acompanhei Iansã, Ana Paula Boni, do Alô Redação, foi incorporada

à equipe do Dez! Foi o dia também que ela tinha feito uma matéria para a capa do caderno

e Iansã e a editora Nadja Vladi estavam corrigindo. Ao ver Ana Paula participando da

diagramação da sua matéria, Nadja falou: “Que ótimo Ana estar participando da

diagramação. Só não conseguimos dobrar Carla”, se referindo a outra repórter do caderno,

Carla Bittencourt, que não costuma estar na diagramação. Com isso, a editora do Dez!

deixa claro que o ideal é o repórter realmente participar de todas as etapas da produção de

uma matéria, desde a pauta até a diagramação, passando pela sugestão de títulos e fotos.

No Correio da Bahia, existe um arquivo onde os repórteres redigem as sugestões de

pauta. Além disso, percebi também a liberdade de os repórteres conversarem com os

editores e subeditores sobre assuntos que podem ser matéria para o jornal. No dia em que

acompanhei Patrick Brock, do Folha da Bahia, ele foi conversar com o subeditor para

42

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sugerir uma matéria sobre uma escritora dos Estados Unidos que estava fazendo sucesso

com o livro que contava a história de quando ela foi estuprada. O subeditor pediu que ele

pesquisasse sobre isso. Enquanto escreve, Patrick também sugere títulos e subtítulos.

Quando saí com o repórter Érico Monte, também do Correio, para cobrir uma

competição de espadas, o fotógrafo perguntou se era para registrar a competição ou se só

era para tirar fotos do campeão. Érico disse que podia ser uma foto geral do evento. Isso

demonstra a sintonia com que repórter e fotógrafo devem trabalhar, pois o repórter que vai

escrever precisa ter em mente a imagem que o jornal pode colocar para ilustrar a matéria e

o fotógrafo também precisa estar ciente do enfoque que o repórter vai dar ao texto. Na

segunda pauta do dia, no Parque da Cidade, Érico tinha que entrevistar Ana Moser. O jornal

também tinha mandado ao evento uma repórter de Cidade e, por isso, o fotógrafo já sabia

que tinha que registrar a atleta e o evento de uma forma geral. Apesar disso, os repórteres e

fotógrafos recebem pautas separadas.

Enquanto esperava a editora do Correio Repórter chegar, Jane Fernandes redigiu

três sugestões de pauta no arquivo destinado a isso no Correio, Pautas Aqui Salvador.

“Estou para fazer isso há um tempo”, disse ela. Quem analisa as pautas desse arquivo é a

produtora do Correio. Uma sugestão de pauta tem entre 8 e 10 linhas e deve trazer a

sugestão de fontes a serem procuradas: nome, cargo e telefone.

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Capítulo IV

Conclusão

A pesquisa objetivou responder a duas perguntas: quais são as maiores dificuldades

enfrentadas pelo profissional recém-chegado à redação ao ter que produzir o texto

jornalístico? Quais são as estratégias usadas pelo jornalista para ultrapassar essas

dificuldades?

Quanto à primeira questão, a resposta é: a tensão do dia-a-dia, os imprevistos, o

tempo apertado, as fontes não-acessíveis, as pautas sem produção, os releases não-

informativos e a dificuldade de escrever a matéria, quando o assunto não rende ou o

repórter não consegue levantar informações suficientes junto às fontes. Podem parecer

pequenas coisas, mas nem é preciso reuni-las para que o repórter, por exemplo, sinta

dificuldade. Uma simples fonte que não é encontrada, ou que não pode atender no

momento, já gera complicações para a vida do jornalista. Sobre as condições de trabalho,

deu para perceber que não há problemas quanto a carros, telefones e computadores

disponíveis. A exceção foi o dia em que a repórter Jane Fernandes, do Correio da Bahia,

não pôde ter acesso a Internet porque estava sem senha.

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Há prazos a cumprir e o repórter não tem o dia todo para apurar determinada

matéria. Quando a pauta era para o dia seguinte, as dificuldades encontradas foram

superadas para que o texto ficasse pronto. Esses foram os exemplos de Daniel Freitas,

Marcos Casé, Érico Monte e Renata Matos. Quando a matéria não era necessariamente para

o dia seguinte, como nos casos de Regina Bochicchio e Patrick Brock, os repórteres deram

um jeito de preencher as brechas de outras maneiras, usando o telefone, por exemplo. Já

Fernanda Carvalho e Jane Fernandes, que preparavam matérias para o Correio Repórter,

tinham 15 e 30 dias, respectivamente, para cumprir a pauta. Apesar de não estarem

pressionadas pelo fechamento da edição, todas duas se preocuparam com o fator tempo.

Apesar do maior prazo que os repórteres deste caderno possuem, a quantidade de

informações que têm que ser levantadas também é muito maior, por isso a preocupação

com o tempo. Fernanda estava angustiada pelo feriado que teve no meio do seu trabalho, o

que inviabilizou a continuação da pesquisa durante determinados dias, e Jane já pensava na

falta que iam fazer aquelas horas perdidas tentando acessar a Internet para começar a sua

pesquisa. Durante os nove dias passados com os repórteres, ficou evidente a questão da

pressão do tempo. Quando um dos repórteres escreveu uma das duas pautas apuradas no

dia, o editor desceu ao anexo para perguntar sobre a outra matéria. Ele tinha pressa, porque

havia um buraco na página e o editor precisava do texto. Já eram 19 horas.

Penso que a pressão do tempo não se confunde com o fato de o ritmo alucinante de

trabalho não existir, de ser um mito. Os próprios repórteres afirmaram que há dias em que

as pautas são quentes (jargão do jornalismo que indica um acontecimento importante, que

vai mudar o rumo de determinado fato). Em outros dias, as pautas são simples bobós, em

que eles não se sentem nem um pouco estimulados em cumprir a pauta. O que move o

repórter, neste caso, é a necessidade de cumprir com a obrigação. Como esses dias de

marasmo existem, fica claro que aquele ritmo alucinado de trabalho – visto, por exemplo,

em filmes que são passados na universidade como o Caso Watergate e em Todos os

Homens do Presidente – não é real.

No caso do caderno Correio Repórter, que achei que merecia um capítulo por

esclarecer como o trabalho é realizado dentro do jornal, podem-se tirar algumas conclusões.

A mais evidente delas é que a escolha do fato a ser desenvolvido na reportagem leva em

conta critérios puramente subjetivos. A editora do caderno dá ao repórter opções de pauta

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que, geralmente, dizem respeito a assuntos frios, sem ligação com nada que esteja

acontecendo no presente. Um exemplo disso foi a escolha do tema Café, que seria

trabalhado por uma repórter que estava fazendo a matéria de capa pela primeira vez.

Alguns valores-notícia, que são os componentes da noticiabilidade de um fato, aparecem

durante a discussão da pauta, já escolhida. Ou seja, o tema a ser explorado deve ter ligação

com a Bahia e trazer algo peculiar, possuir curiosidades. Mauro Wolf concluiu que os

valores-notícia estão espalhados ao longo de todo o processo de produção da notícia, e não

somente na fase de seleção. Foi o que se viu no caso do Correio Repórter.

Pelo trabalho realizado durante a pesquisa, é possível afirmar ainda que, quando não

há condições de driblar as dificuldades, isso é refletido na matéria, ou seja, o texto acaba

saindo sem a informação ou é preenchido de outras maneiras pelo repórter, a exemplo da

recuperação de informações em matérias precedentes. Durante o acompanhamento dos

nove repórteres pesquisados, não houve casos de a matéria ter sido deixada para outro dia

em função de dificuldades encontradas pelo repórter.

Achamos que o recém-formado, que é alvo deste trabalho, não é o único entre os

jornalistas que enfrenta dificuldade na hora de apurar ou escrever uma matéria. Logo no

primeiro semestre do curso, ouvimos de um experiente jornalista que hoje exerce o

mandato de deputado estadual pelo PT-BA, professor Emiliano José, que ele próprio, até o

fim da vida, iria escrever o lead umas cinco vezes até acertar. Lendo o livro Olga, do

jornalista Fernando Morais, me chamou a atenção o seguinte trecho: “Foi nessa época que

eu me lembrei de uma frase de um antigo chefe de reportagem, que costumava dizer que

‘ao repórter, como ao goleiro, não basta trabalhar direito – é preciso ter sorte.’ Eu tive e

muita”, se referindo à extensa pesquisa que fez para traçar a biografia de Olga Benario

Prestes.

Como parte das dificuldades enfrentadas pelos repórteres, viu-se ainda a questão das

pautas mal elaboradas que, na verdade, não deveriam nem ser chamadas de pauta. Algumas

são pedaços pequenos de papel que informam o lugar do acontecimento, o horário e o nome

do assessor de imprensa. Nestes casos, conclui-se que é o repórter que decide o que será a

notícia, pela sua observação do fato e pelas conversas com as pessoas envolvidas. O fato de

tal aspecto do acontecimento virar notícia vem justamente durante a construção da mesma.

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Quanto à segunda questão – sobre as estratégias usadas para superar os problemas –

os mecanismos são variados e aparentemente simples, até óbvios. Se o repórter não

consegue falar com determinada fonte, busca um substituto, redige a matéria sem o

depoimento ou procura “encher” as linhas com informações já usadas em outra ocasião. Há

ainda outras alternativas: o repórter dribla o tempo tentando apurar a outra matéria do dia

ou simplesmente “dá um tempo”. Se não foi possível falar pessoalmente, usa-se o telefone.

Se o repórter saiu para apurar um fato que não aconteceu, é possível voltar outro dia,

quando não se tem a pressão do fechamento. Quando, no meio de uma apuração, surge um

fato interessante, o repórter apura e se torna o autor de uma pauta. Se o repórter tem nas

mãos uma pauta que não está produzida, ou seja, não contém indicação de fontes, contatos

nem direcionamento, é preciso correr atrás ou não cumprir a exigência.

Não há regras a serem cumpridas nos casos de dificuldades. Cada repórter acha a

sua maneira de ultrapassá-las. Como os problemas são comuns a todos, as estratégias

acabam sendo parecidas. Percebe-se, contudo, que essa questão das dificuldades leva a dois

aspectos. O primeiro é que muitos repórteres vivem essas situações pela primeira vez,

justamente por não terem estado em contato com a prática jornalística durante o período de

graduação. O segundo aspecto é que as próprias empresas jornalísticas não treinam os seus

repórteres antes de contratá-los. O que acontece é o profissional ficar um tempo por

experiência, mas já produzindo para o jornal.

O dia-a-dia do profissional recém-formado nos dois maiores jornais impressos de

Salvador é marcado por imprevistos e correria, intercalados por períodos de marasmo e

pautas bobó. Chegar na redação, ler o jornal do dia e ver como saiu a sua matéria, discutir a

pauta com o chefe de reportagem, sair para apurar a matéria, voltar à redação e redigir a

matéria. Esta pode até ser uma descrição muito conhecida, romântica, ingênua, arcaica ou

simples, mas é exatamente o que acontece no dia-a-dia de um repórter – e a pesquisa

comprovou isso (veja anexo sobre a atividade dos nove jornalistas observados).

Se isso garante uma rotina, sabemos também que o repórter pode estar um dia com

o prefeito, outro dia cobrindo uma manifestação, um dia cobrindo uma missa católica e no

outro assistindo a um ritual de candomblé. Pode também chegar um dia para trabalhar e sair

da redação com a tarefa de apurar as causas de um buraco na rua ou, simplesmente, não sair

e apurar coisas banais, sem grande importância, pelo telefone mesmo. Pautas quentes ou

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bobó, não importa. O dever é se esforçar para escrever a matéria do dia. E os

procedimentos são os mesmos: chegar na redação, conferir os jornais, discutir a pauta, sair,

escrever...

Uma melhor e mais adequada formação acadêmica poderia ajudar no tratamento

desse tipo de situação pelo repórter recém-saído da faculdade? Será que se a prática

jornalística fosse colocada ao estudante com mais freqüência, se o estudante pudesse

vivenciar mais de perto a profissão, o dia-a-dia não ficaria mais fácil? Esta é uma questão

que merece uma análise posterior, assim como é importante saber até que ponto as

estratégias usadas pelos repórteres interferem na qualidade do texto e na compreensão do

mesmo pelo leitor. O texto fica mais pobre se trouxer algumas linhas com repetições do que

já foi dito ou informações buscadas de outra maneira ao invés de um depoimento de uma

fonte especialista no assunto, que não foi encontrada? Qual o papel da empresa jornalística

para permitir que o prejuízo com relação ao texto seja o menor possível? Onde a

organização e os superiores entram para não deixar que as dificuldades interfiram na

matéria? Estes dois últimos questionamentos também podem render futuras pesquisas.

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6.Bibliografia

FERREIRA, Giovandro Marcus. Apontamentos sobre as propriedades do campo de produção jornalístico.

GENRO, Adelmo Filho. O segredo da pirâmide. Para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Editora Ortiz, 1989 (2ª impressão).

GUERRA, Josenildo Luiz. Ensaio sobre o jornalismo: um contraponto ao ceticismo em relação à tese da mediação jornalística. Universidade Federal de Sergipe.

LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis: Editora Vozes, 1979.

MEDINA, Cremilda. Profissão jornalista: responsabilidade social. Rio de Janeiro: Forense – Universitária, 1982.

MOTTA, Luís Gonzaga. O sentido histórico do termo “a produção da notícia”. Brasília, 1995. IN: : PEREIRA JR., Alfredo Eurico Vizeu. Discutindo o que é notícia. Os bastidores do telejornalismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

NETO, Otávio Cruz. O trabalho de campo como descoberta e criação. IN: MINAYO, Maria Cecília de Souza (org). Pesquisa social. Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.

PEREIRA JR., Alfredo Eurico Vizeu. Discutindo o que é notícia. Os bastidores do telejornalismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

RIBEIRO, Jorge Cláudio. Sempre alerta. Condições e contradições do trabalho jornalístico. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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TRAVANCAS, Isabel Siqueira. O mundo dos jornalistas. São Paulo: Summus, 1993.

TUCHMAN, Gaye. Making News. A Study in the Construction of Reality. New York: The Free Press, 1978.

TUCHMAN, Gaye. Making News. A Study in the Construction of Reality. New York: The Free Press, 1978.

WHITE, David Manning. O gatekeeper. Uma análise de caso na seleção de notícias. IN: TRAQUINA, Nelson (org). Jornalismo: questões, teorias e estórias. Lisboa: Vega, 1993.

WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença: 1994.

7. Anexo

Seguem as descrições feitas durante o acompanhamento dos nove repórteres

pesquisados para este trabalho. A ordem respeitou o dia em que estive com cada

profissional.

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Registro da atividade diária de nove jornalistas recém-formados que trabalham nos

jornais A Tarde e Correio da Bahia:

1)Regina Bochicchio – A Tarde (10 de junho de 2003, terça-feira)

Regina fez Jornalismo na Facom em sete anos. É da turma de 95. trabalhou quatro

anos no jornal Correio da Bahia na reportagem e está há três meses no A Tarde. Trabalha

sete horas por dia. No dia em que marcamos, chegou às 14h12 (bateu o ponto). Nos

encontramos às 14h45 na ante-sala da Redação. Ela disse “Estamos atrasadas.” Regina ia

para a rua apurar uma informação que tinha conseguido por acaso de um gerente de uma

revendedora quando fazia uma matéria sobre a poluição do ar. “O cara me disse que 80%

dos fregueses dele eram carros particulares que vinham abastecer com gás natural.” Regina

queria confirmar a informação de que a conversão de gás natural em carros particulares está

virando uma tendência. Ela foi me contando o que íamos fazer e por onde passaríamos

enquanto íamos descendo para encontrar o motorista. No A Tarde, são 24 motoristas.

O roteiro era o seguinte: 1)Posto Mataripe (escolheu este porque era revendedor de

gás natural, um convertedor, e ficava próximo ao jornal), 2)Detran, 3)Getax (da Prefeitura),

4)Sinditáxi, 5)Desenbahia, 6)outro posto revendedor e convertedor. Antes de sairmos,

Regina conversou com Saturnino Braga, editor de fotografia, explicando por que ela não

tinha requisitado um fotógrafo (estava saindo apenas para checar uma informação e só teria

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matéria se a informação se confirmasse). Aproveitou para discutir com Saturnino como

seria a foto para ilustrar caso a matéria saísse.

Regina nunca tinha saído antes com Ubaldo (acho que era assim que o motorista se

chamava). Ambos não gostavam da chuva que caía desde cedo. “Dia de chuva não é dia

para se trabalhar”, brincou o motorista. Regina estava animada e torcia para confirmar a

informação que tinha. Descemos no Posto Mataripe para falar com o gerente, que disse que

aumentou significativamente o número de carros particulares que tinham convertido o

motor para dupla combustão (gasolina e gás natural – GNV). Tudo que Regina queria era

encontrar um cliente de carro particular convertendo o motor para gás. Achamos uma que

estava abastecendo a gás e que havia convertido o motor há uma semana. Regina não

escondeu da fonte a alegria de tê-la encontrado e me disse: “Repórter tem que ter sorte.” E

realmente foi por acaso que encontramos a mulher abastecendo. Apesar de estarmos no

lugar certo ( e isso é importante), podia ser que o posto estivesse vazio naquela hora, sem

clientes com carro particular. Tinha muito táxi. Foi o que Regina percebeu.

Fomos para o Detran. Regina queria dados que atestassem a informação de que

estava crescendo o número de conversões para gás nos carros particulares, de pessoas que

não usam seus carros como instrumento de trabalho. Regina falou: “Vamos passar na

assessoria de imprensa primeiro para não chatearmos nossos colegas”, ironizou Regina. O

assessor conversou, fez contatos e nos levou para o técnico da vistoria. Regina quis saber

dele sobre os procedimentos para o motorista que quer converter o motor de seu veículo.

Depois, chegou o chefe de outro setor para finalmente fornecer os dados e falar sobre outras

questões. Tudo isso assistido pelo assessor. Quando entramos no carro, Regina respirou e

deu Graças a Deus por termos conseguido sair do Detran. “Meu Deus, como conversaram”,

disse ela.

Estávamos indo para o Getáxi e Regina resolveu que não íamos mais para o

Sinditáxi por causa da hora. Já eram 17 horas. E ela confirmou com o motorista: “Essa hora

o trânsito fica muito ruim e temos que voltar para a Redação.” Regina ainda falou: “Ir para

o Sinditáxi hoje não dá mais, embora os táxis não sejam o meu foco nesta matéria. Era só

para cruzar os dados. Tudo que eu precisar agora será por telefone.”

Chegamos no Getáxi e vimos na porta que o expediente só ia até às 17 horas. “Aqui

ninguém trabalha não, é?”. Quando Regina foi falar com um homem que estava em outra

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porta, ele disse que as pessoas do Getáxi tinham acabado de sair. Regina aproveitou para

perguntar sobre a greve da SET. Por falar nisso, ainda no Detran ela perguntou ao técnico

sobre o que a mídia deveria abordar sobre essa parte de vistoria de veículos e deu o e-mail

ao assessor para eles sugerirem pautas para o jornal. No Getáxi, tentamos ainda o Inmetro

(outra fonte para a matéria fornecida pelo técnico do Detran), mas não conseguimos. Não

tinha ninguém. Antes de entrarmos no carro e voltar para a Redação, Regina já fazia um

balanço da saída: “Prefiro mil vezes fazer matéria na rua. Matéria se faz na rua.”

Ao chegar na Redação, Regina foi chamada pelo secretário da Redação, Paixão

Barbosa, para discutirem outra pauta, sobre pirataria. Além de Regina e Paixão, estavam o

editor de fotografia e o diretor de imagem do jornal (com a reformulação no A Tarde, ele

apareceu para cuidar da imagem do jornal, segundo me explicou Regina). Todos opinaram

sobre o enfoque e a produção da matéria. Regina teria que fazer um orçamento para o dia

seguinte. Ela disse que providenciava isso até antes do final da tarde, mas disse que a

matéria não poderia ficar pronta no dia seguinte. “Pra amanhã, não dá.” Durante a conversa,

Regina mencionou algumas vezes sobre a pesquisa que fez na Internet, tanto para a matéria

do gás quanto para a da pirataria. Regina ainda foi falar com o editor de fotografia sobre a

matéria do gás, para dar sugestões de fotografia.

Regina voltou para o CDI e fez um balanço do que tinha e achava que já tinha

informações suficientes. Os depoimentos que tinha conseguido por telefone antes da saída e

no dia anterior, os que tinha conseguido na rua e ainda os que ia pegar por telefone: o

gerente da Bahia Gás, o professor da Ufba (que não tinha respondido aos telefonemas nem

ao e-mail que Regina já tinha enviado), um economista, o Inmetro e o Sinditáxi – estes dois

últimos Regina ia providenciar na manhã do dia seguinte. Enquanto ela ia fazendo esses

cálculos, já pensava nas infografias, nos boxes e em como ia começar o lead. A essa hora,

Regina já tinha também uma certeza: queria terminar logo essa matéria para poder ficar

livre para a outra pauta, a da pirataria. “É melhor ficar até tarde para terminar uma matéria

do que deixar para o dia seguinte. Perde-se o fio da meada.” Regina tinha que dar uns

telefonemas e disse que ia começar a escrever aquilo que não era matéria: informações da

Internet e informações frias.

Sobre o professor da Ufba, que não respondeu, ela disse “Isso é muito chato.” Mas,

Regina conseguiu falar com ele no celular e marcou para telefoná-lo às 21 horas. Regina

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tem um porta-cartões onde guarda os contatos que as fontes lhe dão. A repórter disse ainda

que iria pedir espaço para a matéria e foi o que conversou com Olenka, a editora. Olenka

pediu que ela fizesse a matéria do tamanho que fosse e depois a mostrasse. A hora em que

Regina sentou no computador (além de dar os telefonemas) foi o momento de descontrair

com os colegas. Carla, do Dez! e Zezão, que disse uma coisa interessante: reclamava dos

releases dos assessores de imprensa, que lotavam páginas de fax sem informar muita coisa:

nada de números, só milhares, muita coisa, centenas, etc.

Fui embora às 19 horas e Regina ficou.

2)Iansã Negrão – A Tarde (13 de junho de 2003, sexta-feira)

Iansã marcou comigo na redação do jornal A Tarde entre 8h e 8h30. Quando

cheguei, ela já estava lá. Perguntei se eu estava atrasada e ela disse que foi ela quem chegou

mais cedo. Iansã estava editando as colunas do Caderno Dez! (textos enviados pelos

colunistas do caderno que trabalham em casa). A televisão dentro do CDI (Central de

Informações do A Tarde), onde ficam as duas mesas e os dois computadores disponíveis

para o trabalho no Dez!, estava sintonizada na Globo News e a morte do canto Itamar

Assunção chamou a atenção de Iansã.

Enquanto corrigia as colunas, Iansã reclamou que não tem jeito para os colunistas

escreverem certo determinadas palavras, que já foram padronizadas pelo Caderno Dez! Ela

também corrige erros de concordância. Outro problema é o do espaço: “Não adianta. Tem

sempre que cortar alguma coisa no texto e este já está grande”, diz ela, se referindo ao texto

que estava corrigindo. Como é uma coluna, Iansã me explica que na hora de colocá-la na

página é que ela decide se põe uma imagem para ilustrar ou não. Neste caso, um trecho da

coluna comparava artistas completamente diferentes e foi para este trecho que ela quis

arranjar uma imagem para ilustrar (uma de cada artista – Martinho da Vila e uma banda

internacional).

Corrigindo uma outra coluna que falava sobre moda e a vontade das jovens em se

tornarem modelos, Iansã reclamou: “Às vezes, as pessoas querem escrever para os jovens e

acham que devem fazer um texto cheio de gírias e não é bem assim.”. Enquanto falava,

Iansã substituía algumas gírias por expressões mais tradicionais. O texto estava realmente

cheio de gírias e eu concordei com ela.

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Neste tempo, perguntei se Iansã dava os títulos nas matérias. Ela me respondeu que

o ideal é que o jornalista que escreveu a matéria sugira título e fotos. Como a menina que

redigiu o texto providenciou fotos para ilustrá-lo, Iansã levou-as à diagramadora do Dez! (e

que diagrama também o caderno da TV), Ana, para ela fazer a marcação das fotos. Iansã

ficou de levar as fotos marcadas para a editoria de fotografia, porque ia aproveitar para ver

se achava uma foto de Chico Science para ilustrar aquela primeira coluna (ela ainda não

tinha se decidido sobre Martinho da Vila). Iansã não achou a foto que procurava na editoria

de fotografia. Foi ao arquivo do jornal, não achou a pessoa para procurar as fotos (agora de

Martinho da Vila e da banda internacional) e deixou recado. Enquanto subíamos para a

Redação novamente, Iansã disse que se não achasse as fotos, partiria para o plano B:

Internet.

Iansã voltou para o computador e me explicou que sexta-feira é o dia mais corrido

do fechamento do Caderno Dez!, que acaba na terça-feira, às 13 horas. Na quarta, Nadja

Vladi (editora do caderno) dá a última olhada. Iansã começou a dizer enquanto procurava

as fotos na Internet: “A grande diferença de quem está chegando é querer ter domínio de

tudo que está fazendo. Escrever a matéria, sugerir título e fotos. E não esperar pela pauta.

Não adianta receber a pauta, escrever e entregar a matéria, sem saber como ela vai ser

editada, por exemplo.”

Abrindo parênteses: (Iansã é namorada do irmão de Regina Bochicchio e está no

jornal há quase dois anos.)

Ao escolher algumas fotos de Martinho da Vila e da banda internacional, Iansã

salvou-as e enviou pela Internet as fotos para a editoria de fotografia. Ela me explicou que

era um trabalho de português: enviar as fotos para a editoria para eles imprimirem, aí ela

vai pegar as fotos para marcá-las com a diagramadora e depois levar de volta para a editoria

de fotografia. Dessa vez, quem levou as fotos para a editoria foi um rapaz (boy). Em algum

momento (acho que no início do nosso encontro), Iansã me avisou que íamos ficar pra lá e

pra cá: computador no CDI, diagramação e editoria de fotografia.

Iansã sentou com a diagramadora Ana para olhar a diagramação do resto do jornal

(Caderno Shopping e primeira capa) e comentá-la. Ana estava falando alguma coisa de um

diagramador, em tom de segredinho, que não deu para saber o que era. Nessa hora também,

Ana mostra algumas páginas do Caderno de TV que ela já diagramou e Iansã gosta. Mostra

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também a capa e a contracapa do caderno e como resolveu a diagramação das páginas com

os anúncios que tinha que entrar.

Iansã começa a corrigir outra coluna: Sexo Verbal e se depara com dificuldades.

Iansã quebra a cabeça para corrigir o texto, que tem frases ruins. “Este é o menor dos textos

do caderno, mas é o que dá mais trabalho.” Ela justifica isso dizendo que a linguagem

médica, de saúde é complexa. Depois do Sexo Verbal, Iansã editou o guia semanal – um

texto que foi enviado para Nadja Vladi por Nelson Pretto. Foi escrito por um estudante que

falava sobre a difícil escolha da profissão. Iansã leu, deu título e enviou um e-mail a Nelson

pedindo mais informações do estudante: idade, série e escola em que estuda. Disse que

seria interessante publicar um texto sobre esse assunto no Dez! e melhor ainda porque foi

feito por um estudante que está passando por isso.

Carla Bittencourt chegou e Iansã pediu que ela visse a matéria de capa.

Estávamos na diagramação com Ana e aquelas fotos pedidas no arquivo do jornal

chegaram “500 anos depois”, como disse Iansã, que nem as olhou já que tinha resolvido o

problema conseguindo as fotos na Internet (que são publicadas no Dez! como divulgação).

Iansã ia fazendo ajustes e viu que o texto do guia semanal estava enorme. Iansã disse “É a

eterna briga do conteúdo com a forma”. Passamos para escolher a foto para capa (Ana

trocou a foto que estava), mas pulamos essa parte. Nadja Vladi chegou (eram umas 10h30).

Iansã estava esperando Nadja chegar para ver a matéria de capa. Ela, a editora e Ana Paula

Boni (autora da matéria) foram vê-la.

Enquanto liam, Nadja se animou em fazer o passeio que Ana Paula descrevia na

matéria. Iansã disse “Tomara que nossos leitores sintam a mesma coisa”, se referindo ao

interesse que elas tiveram em fazer o que a matéria falava. Depois que Nadja corrigiu, Iansã

sentou para dar título e fazer a chamada de capa que já estava pronta em sua agenda. Nadja

tinha pedido para fazer uma chamada dizendo alguma coisa assim “Fuja do São João e faça

algo legal, diferente” e Iansã fez.

Agora estamos com a diagramadora novamente para ver a matéria de Ana Paula.

Iansã pegou uma das páginas do caderno para colocá-la no “setor” de Ilustração, em outra

sala, para alguém fazer o desenho. Nadja chega e diz que tem uma ótima notícia: Ana Paula

fará parte da equipe do Dez!, que ficará com três repórteres: Carla, Iansã e Ana Paula. Iansã

chamou Ana Paula para identificar as fotos (feitas por ela) de acordo com os trechos do

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texto. Ela chega para participar da diagramação. Nadja encosta e diz: “Que ótimo Ana estar

participando da diagramação. Só não conseguimos dobrar Carla”, mostrando que o ideal é o

repórter realmente participar de todas as etapas.

Eu pergunto sobre como vai ser o trabalho dali para a frente e Iansã me diz que só

vai terminar de ajeitar a matéria de Ana Paula na página para ir para casa. O resto da

diagramação ficará para segunda. São 13 horas e eu vou embora.

3)Marcos Casé - Correio da Bahia (16 de junho de 2003, segunda-feira)

Cheguei na hora marcada: 13h15. Casé já tinha chegado e disse que eu não estava

atrasada. Antes de participar da pequena reunião com a chefe de reportagem, Liana Rocha,

ele me leva ao anexo para falar com Renata Matos, outra recém-formada que está na minha

lista. Daniel Freitas, outro repórter do Correio, vai junto. Eu marco com Renata para quarta-

feira, 18, às 8 horas.

Na reunião, onde estavam Casé e mais três repórteres, Liana queria uma sub para a

matéria dos asilos feita no fim de semana e ela pergunta quem leu a matéria. Todos viram

ou só deram uma olhada. O clima é de descontração. Casé recebeu duas pautas e deu uma

lida para tirar com Liana algumas dúvidas: local de apuração, o que é para fazer e o horário

de um dos eventos. Casé recebe a requisição para poder sair com um motorista. Para ele,

não vai ter fotógrafo. Uma das fotos foi tirada de manhã (São João/Ala) e a outra um

fotógrafo passaria pelo evento depois para registrar.

Casé me explica que a pauta do Ala não está produzida, ou seja, não tem nem o

horário nem o bairro para podermos sair. Ele vai telefonar então para São Paulo (o telefone

está na pauta). Já estamos no anexo, e antes de telefonar, Casé olha e limpa o e-mail para

João Borges Bougê (da coluna do esporte amador). Enquanto telefona, Casé olha o Correio.

Comenta: “Que pautas lenhadas essas duas hoje, viu!” Ele não gostou. Além do Correio,

Casé olha o site do Estadão. O celular do assessor da pauta do seminário de Farmácia está

na caixa. “Vamos passar lá depois que formos ao São João do Ala”.

Enquanto estamos saindo do prédio para pegar o carro, Casé vai reclamando das

pautas. “Tudo bobó. Não é todo dia que a gente faz uma coisa importante”. Passamos na

cantina.

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Estamos indo para Santa Mônica (Casé conseguiu falar com o assessor do evento do

ALA pelo celular para saber em que bairro o São João iria acontecer). Quero saber quantos

motoristas o Correio tem. Josué, um dos motoristas, diz que são 14. Casé continua

reclamando sobre a pauta, de bom humor, é claro. Diz ao motorista: “É uma pauta assim

que vai mudar o mundo.” São 14h33.

Chegando em Santa Mônica, o São João do Ala já rolava solto. Casé quis saber da

assessoria do evento quais eram os bairros que seriam visitados (confirmar), a programação

e a proposta do evento. Ficamos olhando a festinha e ele diz que conversou com três

moradores. Perguntei quantas linhas era a matéria e ele disse que eram umas 30 linhas, no

máximo, porque não tinha muita coisa para falar.

Depois, fomos ao Centro de Saúde perto do Iguatemi, mas o seminário de Farmácia

estava acontecendo no Centro de Convenções (descobrimos quando vimos um cartaz,

porque ninguém no centro sabia de seminário nenhum). Casé ficou chateado. Segundo ele,

ele tinha perguntado a Liana onde seria e ela tinha respondido que era para ir primeiro ao

Centro de Saúde.

Confusão à parte, fomos para o Centro de Convenções. Quando chegamos, achamos

o coordenador do seminário e, feitas as apresentações, ficamos esperando ele dá uma

entrevista para a Rádio Metrópole. Casé reclama que a pauta falta informações e não diz o

que ele deve fazer. Enquanto esperamos o coordenador, Casé lê um material dado por ele e

elabora algumas perguntas. Nessa hora, Casé me diz que vai se atrasar para a aula do curso

de Economia, que faz na Ufba. A aula é às 18 horas. “O pior de tudo é que não me deram

direcionamento específico para esta pauta.”

Casé fez a entrevista com o coordenador, procurando saber basicamente sobre o que

estava se discutindo no seminário e as outras perguntas vieram a partir do que o

coordenador falava. Casé anotou pouco. Quando chegamos à Redação, comentei isso e ele

diz que a maioria das coisas que ouviu ele já sabia.

Estávamos no elevador, descendo para ir embora, e eu comentei que seria difícil

escrever aquela matéria, com tão pouco rumo. Casé disse: “Que nada. Essa matéria vai ser

mais geral que a outra de São João.”

No carro, Casé falou de novo sobre as pautas fracas e começou a lembrar, junto com

o motorista, de um dia de chuva em que saíram para o bairro de Fazenda Coutos. Para Casé,

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uma pauta com muito mais emoção. (Ele não usou esta expressão, mas falava todo

animado, como se estivesse gostado e preferisse essa pauta às de hoje, por exemplo.) Casé

comentou também que é normal, se estiver chovendo, aparecer outra pauta para cumprir

além das pautas do dia. “Quando a gente pensa que vai embora, aparece outra pauta.”

Chegamos na redação às 17 horas e Casé levou até às 18h para escrever 34 linhas da

matéria do São João (no anexo). Deixou o lead por último. Quando estava terminando, o

editor desceu para falar que estava precisando de uma matéria de saúde para fechar uma

página, que ele fizesse logo a outra. Tudo num clima de descontração.

4)Daniel Freitas – Correio da Bahia (18 de junho de 2003, quarta-feira)

Neste dia, eu tinha marcado com a repórter Renata Carvalho, com a ajuda de

Marcos Casé. Assim que saltei do ônibus, me encontrei com Daniel Freitas, cujo dia de

trabalho eu também precisava acompanhar. Fui com ele até o jornal. Ele bateu o ponto às

8h13. Disse que aquele não era o melhor dia para eu acompanhá-lo, porque ele estava

fazendo teste na auto-escola e nos dias 16, 17 e 18 de junho tinha pedido a chefe de

reportagem, Malu, para pegar pautas mais fáceis de fazer, mais leves, que não precisassem

de apuração na rua. Só que Renata estava atrasada (só foi chegar às 9 horas) e durante este

tempo pude conferir todos os passos de Daniel. Resultado: o dia ia ser mesmo com ele. O

dia foi bastante chuvoso.

Com a chefe de reportagem, Malu, Daniel pegou duas pautas: uma sobre a

programação da Arquidiocese de Salvador para o feriado de Corpus Christi ( no dia

seguinte) e a outra sobre a inauguração de novidades (sinalização em inglês e português) do

Memorial das Baianas. As duas seriam feitas por telefone. Antes de pegar as pautas, Daniel

dá uma olhada no jornal do dia anterior e vê suas duas matérias. Uma ele não entendeu

porque não saiu na parte de Saúde e a outra ele não gostou da diagramação da página

(arrumação do texto com os dois anúncios). Depois que ele pegou o jornal de novo foi que

ele viu que tinham cortado a sua matéria. O texto ficou com umas dez linhas a menos e ele

achou muito, ficou chateado.

Com as pautas na mão, Daniel senta no computador e checa o correio interno, onde

os repórteres e demais jornalistas trocam idéias. No dia anterior, Amélia (repórter)

questionou os critérios de assinatura de uma matéria no jornal. Daniel me explicou que ela

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recebeu uma pauta que não tinha gostado, fez a matéria, mas não queria que ela saísse

assinada. Uma das chefes de reportagem explicou que a matéria sempre saía assinada

quando o editor não fazia grandes alterações no texto. Quando era preciso arrumar muita

coisa, o texto ficava sem assinatura. Daniel foi me contando que um dia recebeu uma pauta

da Editoria de Polícia que ele fez, mas pediu que não assinassem. A matéria saiu sem

assinatura. Enquanto ia lendo as mensagens sobre a “polêmica”, Daniel ia escrevendo uma

para discordar da explicação da chefe de reportagem. Segundo ele, aquilo não acontecia na

prática. “Existem textos que não são mudados e mesmo assim saem sem assinatura.” Só

que Daniel desistiu de enviar a mensagem para rede. “Não vou ficar alimentando essa

polêmica, que já passou. Amélia fez uma pergunta e obteve a sua resposta.”

Encerrada esta parte, Daniel lê as pautas para se inteirar dos assuntos. Depois, pega

em sua pasta os telefones de Padre Manoel e da jornalista, ambos da Arquidiocese. Ele me

diz que as matérias estão fáceis de fazer, pois tem contatos das fontes para as duas matérias.

Essa foi a hora que Renata chegou.

Daniel me explica que vai tentar pegar a programação do feriado católico com o

padre e algumas declarações dele, que ficarão entre aspas. Como não achou o padre na

Arquidiocese, Daniel liga para o celular dele. Antes, Malu chega para pedir a Daniel que

procure saber também sobre a abertura do ano jubilar. Daniel conversa com o padre Manoel

pelo celular. Além das informações (programação e dados sobre o feriado de Corpus

Christi), o padre dá também os nomes e telefones de outras pessoas com quem Daniel podia

falar. A única informação que o padre não deu foi sobre o horário da missa na Basílica do

Bonfim, mas Daniel foi perguntar a Malu que deu a informação. “Pronto. Uma pauta está

apurada”, disse Daniel. Ele me explica que quando ele enche mais de quatro páginas do

bloco – como foi o caso - é porque a matéria dá 40 linhas, o que é suficiente. Agora, ele vai

apurar a outra. Ele me diz: “Não é todo dia que a gente tem matéria fácil assim não. Foi

porque eu pedi, para depois não me enrolar e atrasar o meu teste na auto-escola.”

O telefone do memorial das baianas está ocupado e Daniel aproveitou para ver

como estava o tempo. Segundo ele, tempo chuvoso só traz pepino para Redação. Daniel foi

ver outro telefone da associação, porque aquele continuava ocupado. “Foi fácil falar com o

padre porque ele só anda com o celular ligado.” Como o telefone do memorial ainda estava

ocupado e Daniel não achou outro número, ele ligou para o celular da presidente da

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associação. A conversa com Clarissa, que estava doente e em casa e não ia participar da

inauguração, rendeu apenas meia página de bloco. Daniel, então, tentou lembrar da data

que fez uma matéria sobre o memorial para pegar mais informações para a matéria de hoje

(preço dos badulaques vendidos no memorial). Ele achou a matéria: “Será um dado a mais

para suprir a carência de informações que não foram conseguidas com a presidente da

ABA.” Depois que Daniel falou com Clarissa, disse que só faltava falar com o antropólogo

sugerido pelo release da ABA (fax) para fechar a matéria do memorial. Para a matéria da

igreja, Daniel não tinha nenhum material, só a fala do padre.

Daniel conseguiu o telefone do antropólogo com Clarissa, mas ele não estava

naquele telefone e não tinha celular. O telefone do memorial continuava ocupado. Daniel

queria ver se achava o antropólogo lá. O repórter decidiu escrever a matéria da igreja, mas

antes leu o material da ABA para ver o que iria aproveitar. E comentou: “Tem release que

só tem letra, mas não se tira nada.” Daniel quer pegar no release quais são as novidades do

memorial. “De vez em quando a gente se depara com essas coisas: telefone que não atende

ou que só dá ocupado. Isso complica. Enquanto isso (tentando falar com o memorial –

antropólogo), eu vou fazendo a outra matéria.”

Daniel vai falando que começar uma matéria é sempre difícil. “A gente fica na

dúvida sobre com que informação devemos abrir o texto.” Ele se lembrou que durante a

conversa com o padre ele esqueceu de perguntar sobre a festa e a tradição do Corpus Christi

(o que é, essas coisas). Foi o padre que falou. “Ás vezes, a fonte alerta a gente para coisas

que devemos perguntar.” Outra coisa que Daniel falou foi sobre os advérbios de tempo.

Num jornal diário, os repórteres precisam estar atentos a isso, se falam de alguma coisa que

aconteceu hoje, então é ontem; se é alguma coisa que vai acontecer amanhã, então é hoje.

“É preciso estar atento a isso”, diz Daniel. Ele também conta que tem o hábito de ir

riscando as anotações que já usou no texto. “Para não dar confusão.” Daniel vai lendo as

anotações e escrevendo as matérias. O telefone do memorial continua ocupado. A gente

acha que deve estar quebrado.

10h45. Daniel liga de novo para o Memorial e o telefone continua ocupado. “Vou

escrever a matéria com o que eu tenho mesmo. Não tem jeito.” Daniel termina a matéria

sobre o Corpus Christi (47 linhas) e diz que esta foi fácil de fazer, pois conseguiu matar

tudo com um telefonema. Agora ele relê o que escreveu. Daniel vai ligar para o memorial.

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Ocupado de novo. Daniel está fazendo a matéria com o que tem, sem o depoimento do

antropólogo. Depois de terminada (42 linhas), Daniel disse “Até que rendeu. Pensei que

não fosse render nada.” Lembrando que ele usou informações de outra matéria que ele fez

com o memorial.

5)Patrick Brock – Correio da Bahia (20 de junho de 2003, sexta-feira, véspera do final de

semana de São João. Segunda não haveria expediente no jornal).

Patrick começa o dia lendo o jornal. “Dou uma carimbada.” O caderno que ele

trabalha – o Folha da Bahia – sai todo dia. Isabela é a editora e têm os subeditores. No

jornal de sexta, saiu uma matéria de Patrick (opinião sobre o filme “Por um fio”) e ele está

com duas pautas para fazer: sobre a revista do Hulk e sobre um livro que conta a história de

Santos Dumont. Patrick tem que entrevistar o autor do livro, que não é baiano, e ver com

ele se dá para ele passar contatos de parentes de Santos Dumont. Patrick lê a sua matéria no

jornal de sexta. Ele está no Correio há quase 15 dias. Ele me avisou que hoje o trabalho é

light (“sexta, sabe como é”). Patrick, nessa hora, deu uma sumida. Ele me disse que foi

tomar café e depois saiu de novo para fumar. Quando voltou, foi conversar com um dos

subeditores, Edson. Parece que está sugerindo uma pauta e eu ouvi Edson dizer que achava

que o Folha já tinha dado algo sobre o que ele sugeriu, e na capa. Quando perguntei, ele

disse que foi sugerir pautas. Uma delas era sobre uma escritora dos Estados Unidos que

“vendeu horrores” sobre a história de quando ela foi estuprada. Edson pediu que ele visse.

Patrick foi logo ver na Internet informações sobre isso: o livro e a escritora. Antes disso,

quando ele me falou das pautas que tinha que fazer, disse que a do Hulk talvez nem fizesse:

“já fiz um monte de matérias sobre quadrinhos que nunca foram publicadas.”

Mas, Patrick começou a pesquisar na Internet sobre o filme Hulk. Patrick vê na

Internet que a estréia do filme é na quinta, 26 de junho. Aí ele disse: “Melhor fazer essa

matéria hoje.” Ele abre o arquivo de texto, onde colocou informações sobre Hulk que já

tinha pesquisado antes na Internet e onde tinha começado o texto. Depois, dá uma olhada

nos outros textos que já tinha feito sobre quadrinhos. Começou a escrever. Fez três ou

quatro frases e apagou, depois recomeçou. Sandro, um outro subeditor, perguntou a Patrick

como era o nome do pai da série de desenhos “Os Simpsons”. Patrick disse o nome e ainda

falou que tinha feito uma matéria sobre isso, daquelas que não foram publicadas. Ana

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perguntou quando a matéria sairia. Sandro e Patrick deram a data de 5 de julho, quando o

desenho recomeçaria a passar na Rede Globo.

Patrick ainda está procurando informações de Hulk na Internet (em sites em inglês

também). Continua pesquisando na Internet e agora escreve. Patrick sugere um título e um

subtítulo e sempre relê o texto do começo, às vezes, em voz alta. Pergunto sobre o número

de linhas e Patrick responde: “Geralmente, o número de linhas é dado pelo editor ao

entregar a pauta ao repórter.”

Patrick terminou de escrever e disse que eu poderia ler se quisesse. Acho que agora

ele foi ao banheiro. Depois que voltou, Patrick conversou com Edson sobre o filme de Hulk

(repercussão na imprensa e dos críticos). Patrick confirma as más críticas que viu no The

New York Times e no Washington Post, que usou na matéria que escreveu. Quando senta

novamente, Patrick relê o texto e faz algumas alterações. Agora entra no site do

Washington Post para ver o que falam sobre o filme. “Usar as críticas de outros jornais

pode, contanto que se dê o crédito”, explica ele. O repórter acrescenta a crítica do Post,

corrige uma frase e relê o texto. A matéria do Hulk é para 27 de junho. Patrick imprimiu o

texto e está lendo de novo no papel. (Quando eu acompanhei a repórter Jane Fernandes,

olhei Patrick e ele estava lendo um texto no papel).

Patrick pegou o livro de Santos Dumont, uma caneta e foi telefonar (perto do

banheiro que disse ser mais tranqüilo). Ligou para a assessora da editora no celular, que deu

o contato do autor do livro: dois números de telefone e o e-mail. Depois de conversar com a

assessora, que deu o número da casa do autor, Patrick disse que precisará ler o livro para

depois poder conversar com o autor. O livro e o release foram enviados pela assessora da

editora.

Voltamos para a cadeira que Patrick estava. Ele pesquisa na Internet o livro “Santos

Dumont”. Abriu o livro e viu que Santos Dumont está aniversariando hoje, 20 de junho, e

estaria completando 130 anos. Patrick ficou todo animado e achava que a matéria tinha que

sair logo para pegar o gancho. Virou para mim e disse: “Vamos ligar para o autor?”

O autor atendeu. Patrick quis marcar um horário na quarta, 25, de manhã, inclusive,

explicando ao autor que queria ler o livro primeiro antes de entrevistá-lo. (Ele disse ao

autor que leria o livro neste fim de semana para fazer perguntas mais direcionadas.) Além

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de marcar, Patrick pediu ao autor um contato de um herdeiro do aviador: um sobrinho-

bisneto em São Paulo e uma sobrinha-neta no Rio de Janeiro.

Na verdade, o aniversário de Santos Dumont é no dia 20 de julho. “Dá para fazer

uma super matéria”, disse Patrick. A página na Internet sobre Santos Dumont abriu. Patrick

está salvando as informações da pesquisa numa pasta – copiando os endereços eletrônicos.

Nessa hora, peguei os telefones de Fernanda Carvalho, outra repórter que eu precisava

acompanhar. Patrick está dando uma lidinha no livro. Parou. Vai almoçar. Dá mais uma

pesquisada na Internet, lê um pouco o livro e diz que depois de almoçar vai embora. Ele me

diz que no livro já viu coisas legais para colocar na matéria, como uma entrevista de Santos

Dumont ao jornal Le Figaro, que o descrevia. Saí às 11h48.

6)Fernanda Carvalho – Correio da Bahia (27 de junho de 2003, sexta-feira)

Fernanda tinha marcado comigo às 9 horas (seu horário de trabalho). Chegou às

9h22. Ela me conta que faz hidroginástica de manhã cedo. Vamos para o fórum Ruy

Barbosa, mas Fernanda me explica que não tem nada marcado. Ela está fazendo uma

matéria especial para o Correio Repórter sobre casamentos. No fórum, ela quer entrevistar

um juiz, os noivos e ver como acontecem os casamentos (a cerimônia presidida pelo juiz).

Saímos com outra repórter, Adriana Jacob, que também estava fazendo uma matéria

para o Repórter sobre o bairro do Bomfim. Íamos deixar Adriana primeiro e depois

seguiríamos para o fórum. No caminho, Fernanda conta que já morou no Bomfim durante

muito tempo e dá sugestões de enfoque e fontes para a matéria de Adriana, que começa a

anotar. Depois, Fernanda começa: “Estou fazendo uma matéria sobre casamentos. Estou

adorando!”, disse ela, que narra alguns fatos curiosos que achou sobre o tema. Adriana

pergunta se é capa. Fernanda responde que sim. O receio de Fernanda é que ela tem e ainda

vai achar muitas informações, “tem muita coisa para se falar”, e aí está confusa sobre quais

aspectos abordar, o que enfocar direito. A repórter conta ainda que já está certo para ir na

Arquidiocese na terça e na quinta para ela ver documentos antigos sobre o tema. Ela já

conversou com alguns historiadores também. Fernanda recebeu a pauta no dia 16 de junho,

“mas não foram 15 dias de trabalho até aqui por causa do feriado de São João. Estou

preocupada com isso. Não foram 15 dias de trabalho.”

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A conversa tomou um rumo mais pessoal quando Fernanda começa a contar sobre

sua saída da TV Aratu, onde trabalhava à tarde. “Estava muito puxado. Lá eu exercia a

função de pauteiro, que é muito ingrata”, e Adriana concorda: “Tudo é culpa do pauteiro.

Se a matéria sai boa, os elogios vão para o repórter. Se a matéria sai ruim, a culpa é do

pauteiro”, disse ela. Fernanda fala ainda que não se arrependeu de ter saído da TV Aratu,

onde já era contratada, apesar de ganhar mais. Aí Adriana quis saber por que ela optou pelo

Correio. “Porque prefiro o trabalho de repórter, mas adorava fazer pautas também, mas tive

que escolher um.” Fernanda tem 25 anos, é casada e está esperando o primeiro filho, um

menino. Está no quarto mês de gravidez.

“Pois, é, Adriana. Se você souber de algum casamento interessante, você me fala.

Estou adorando este trabalho.” Quando estávamos perto de chegar à Fundação Clemente

Mariano, no Comércio, para onde ia Adriana, eu perguntei como era o esquema de trabalho

quando se fazia reportagem para o Repórter. Elas me disseram que o repórter fica

trabalhando de segunda a sexta para a matéria especial do caderno. Nas escala de sábado ou

domingo, é que se voltava a fazer matérias para o Aqui Salvador. Fernanda aproveitou para

comentar que gosta muito de trabalhar no sábado, mas detesta trabalhar no domingo.

“Quando sei que vou trabalhar domingo, chego ficar triste.” Fernanda perguntou a Adriana

sobre o trabalho dela numa rádio, à tarde. Adriana disse que o serviço é mais light, mais

burocrático, que ela só reclama do horário, que é fixo. “No Correio, a gente tem mais

flexibilidade de horários.” Adriana costuma sair da rádio às 19 horas.

Elas combinam os horários para o motorista vir buscar Adriana e comentam

também sobre a possível reunião que terá com os repórteres que estão trabalhando no

Correio Repórter. Saindo do Comércio, foi que eu perguntei a Fernanda de quantos meses

de gravidez ela estava. E fiquei surpresa quando ela me disse que já sabe que é menino

desde o terceiro mês de gravidez. Chegando ao fórum, Fernanda disse: “Tomara que eu

encontre muitos casamentos acontecendo aqui.” São 10 horas.

Fernanda foi a um cartório e conversou com uma suboficial, que disse que ela

precisava conversar com uma juíza da vara de família. Deu o nome. Informou também que

os casamentos são realizados de terça a sexta-feira, às 8h30. Antes, tínhamos passado no

salão de casamentos e já estava vazio.

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Fernanda vai me explicando que o repórter tem que estar sempre alerta para não

desperdiçar as informações que for encontrando, como no caso da suboficial que não era a

fonte certa, mas indicou uma fonte e passou algumas informações importantes. “É muito

gostoso ser repórter, porque a cada matéria você sente que aprendeu alguma coisa. Um dia

você faz uma matéria de cunho político, ou econômico e depois uma de cunho social e vai

aprendendo.” Subimos o elevador para procurar a juíza indicada pela sub-oficial.

A juíza estava em uma audiência. Disse que a pessoa mais indicada para falar seria

o corregedor, mas Fernanda insistiu que queria também conversar com ela depois da

audiência. Ficamos esperando. Fernanda anota que vai precisar voltar ao fórum na semana

que vem para ver os casamentos. “Só que mais cedo.” Quando entramos novamente,

Fernanda marcou com a juíza na sexta, 4 de julho, às 10 horas. A juíza ainda indicou quem

seria a juíza de plantão naquela semana para coordenar os casamentos. Saindo para ir atrás

dessa segunda juíza, perguntei se 4 de julho não estava muito longe e Fernanda me

respondeu que não, porque já tinha entrevistas marcadas na segunda, na terça e na quinta,

ou seja, estaria adiantando outras partes. Quando chegar na Redação, Fernanda disse que

iria ligar para uma fonte no cartório para saber dela todos os detalhes “para chegar com

mais conteúdo nas entrevistas com a juíza e com o corregedor.” Fomos ao outro cartório.

Uma mulher nos recebeu e disse que a juíza estava em audiência. Estamos esperando.

Fernanda me explica que fez o teste para o Correio e já entrou contratada em novembro de

2002. Na TV, ela era estagiária e depois foi contratada.

Antes disso ela quis comentar, espontaneamente, sobre a relação repórter – fonte.

Que o repórter tem que conquistar a fonte. Ela conta que ouve muito as pessoas dizerem

que não gostam de conversar com jornalistas. “Digo uma coisa e vocês escrevem outra.”

Fernanda me diz que quando é assim ela tenta convencer a fonte de que ela não vai fazer

isso. Ela ainda me diz que nunca recebeu reclamação de fonte sobre alguma matéria sua.

Fernanda admite que a situação é delicada, pois, às vezes, a fonte está contando coisas

pessoais, por isso, a relação de confiança. São 11 horas. Como a audiência da juíza está

demorando muito, a gente segue para o Cartório de São Pedro, onde Fernanda diz que tem

uma oficial que adora falar com a imprensa. Ela descobriu isso quando ligou para o cartório

no dia anterior para saber com quem falar sobre o assunto de casamento. A matéria deve

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sair no final de julho. A oficial contou algumas coisas interessantes e deu informações

sobre os procedimentos para se casar no cartório.

Vamos para a 6ª vara para falar com a segunda juíza. Fernanda vai tentar marcar

com ela. A porta está fechada. Fernanda bate e entramos para perguntar como estava o

andamento da audiência. A mulher continua dizendo que está de vento em popa. “Não dá

mais para esperar. Vou pegar o telefone para marcar depois”. A mulher interrompeu a

audiência para falar com a juíza, que pediu que esperasse um pouco. Enquanto isso,

pergunto sobre quantas laudas deve ter a matéria de capa para o Repórter. Fernanda me

explica que são 30 laudas: cinco matérias, sendo que uma é a abertura, com cinco, seis

laudas cada uma. “Eu costumo utilizar todo o meu espaço.” Fernanda comenta também que

achou a vinda no fórum hoje muito produtiva. Fernanda entrou para falar com a juíza. Está

marcando para a semana que vem, sexta, 4 de julho. Fernanda antes tem que mandar um e-

mail com as perguntas. Quando saímos, Fernanda me contou que uma promotora que

estava na sala com a juíza é casada com o corregedor, com quem ela precisa falar. “Ela me

deu o celular dele.”

12h12: saímos. Não vamos mais passar numa biblioteca no Garcia, onde um dos

historiadores já entrevistados indicou um livro que Fernanda pudesse ler sobre o assunto.

“Está em cima da hora para pegar Adriana – 12h30.” Antes, iríamos passar na Feira de São

Joaquim, porque Fernanda estava com desejo de comer fato no feijão. Fernanda comenta

que tem uma entrevista na segunda-feira no Garcia e aí ela aproveita para pegar o livro.

Descemos no Correio e Fernanda só entrou para bater o ponto. Tinha que pegar a mãe no

Iguatemi. Era quase uma hora da tarde.

7)Érico Monte, Correio da Bahia (29 de junho de 2003, domingo)

Érico chegou às 9h20. Disse que esperou a chuva passar um pouco para sair de casa.

Renata Carvalho, repórter que está há cerca de dois anos no jornal, está substituindo a chefe

de reportagem, Malu, até o dia 4 de julho. Subindo as escadas, Érico diz: “Não tem coisa

pior do que vir para cá em dia de domingo”, mas falou isso tranqüilo, sem raiva, mais

brincando, eu acho. Quando chegou lá em cima, Érico leu a parte de Esporte do dia e me

disse que vamos cobrir um evento promovido pelo Rexona no Parque da Cidade, para onde

foi enviada outra repórter para cobrir Cidade. Érico olha o A Tarde também.

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Temos outro evento para ir: uma competição de espadas. O medo de Renata são as

oficinas no Parque da Cidade se intensificarem só à tarde. Ela diz que a repórter de Cidade

só está escalada para trabalhar de manhã. Érico comenta com o fotógrafo João Alvarez, que

ia com a gente, que se não tivesse legal no Parque da Cidade, ia ver o outro evento e depois

voltaria e faria a matéria com Ana Moser. São 9h40 - a Redação está quase vazia: o editor

de moda, outro jornalista, acho que do Folha, Érico, Renata, o fotógrafo, eu e mais quatro

homens fazendo o conserto de uma televisão.

Fui na cantina e todo mundo está reclamando de trabalhar domingo: do cantineiro

ao editor de moda, passando por Érico, que tornou a falar. Ele reclama do evento no parque,

que está sem horário. Já subindo para a Redação: “Você vai ver. A gente vai chegar lá e não

vai ter ninguém.” Antes, na Redação, Renata conta que o assessor do evento esteve no

Correio e disse que o evento ia ser o dia todo. Ana Moser ia estar lá o dia todo. Todo

mundo discordou: “Como é que um evento com gente famosa não tem horário?”

Saímos da Redação às 10h05 e fomos para a Asbac, cobrir a competição de espadas

(marcada para começar às 9 horas e terminar às 13 horas), e depois seguiríamos para o

Parque.

Quando chegamos à Asbac, João pergunta se é para tirar fotos gerais, da

competição, ou se iam publicar foto do campeão. Érico diz que é para tirar fotos gerais.

Estamos assistindo à apresentação de espadas. O professor que tinha conversado com Érico

por telefone fez a gente entrar e sentar. Depois ele apresenta a gente para o mestre. Érico o

entrevista. Depois, Érico conversa com um aluno de Salvador, que foi indicado pelo

professor, e depois com o próprio professor. Rapidinho, em pé mesmo. Só a entrevista com

o mestre é que Érico sentou e demorou mais. Fomos embora às 12 horas.

No Parque, achamos logo Ana Moser e Érico começou a conversar com ela,

querendo saber sobre o projeto desenvolvido em São Paulo e o que ela estava fazendo em

Salvador. Quando terminou, Érico comentou: “Pensei que fosse ter mais coisa aqui, mas é

só uma demonstração. É só com ela mesmo que eu tenho que conversar.” Esperamos João

fotografar o evento no geral (ele já tinha tirado fotos de Ana Moser enquanto estávamos

perto dela) e fomos embora. Chegamos no Correio às 12h45. Fomos para o anexo. Érico ia

bater as duas matérias antes de ir embora. Era o tempo de o editor de Esportes chegar.

Perguntei sobre o número de linhas e Érico me disse que costumava ser umas 40 linhas. A

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matéria com Ana Moser seria umas 30 linhas e um Box, com umas 20 linhas. Érico me

disse que nessa matéria teria que enrolar um pouco, pois tinha pouca informação: “Ficar

falando sobre o projeto desenvolvido em São Paulo não tem o menor interesse para a gente

aqui na Bahia.” No Box, eu falo sobre ela. Já na matéria de espada, Érico disse que tinha

informação suficiente. Teria que explicar o que é a competição de espada, porque “a

maioria das pessoas nem conhece.” Érico começou a escrever.

8)Jane Fernandes (Correio da Bahia), 30 de junho de 2003, segunda-feira.

No dia em que acompanhei Jane, ela tinha um mês no jornal fazendo matérias para o

caderno Aqui Salvador. Nesse dia, porém, ela estava com quatro sugestões de pauta para

escolher uma e fazer a sua primeira reportagem de capa para o caderno Correio Repórter.

Jane iria se reunir com a editora do caderno, Linda Bezerra, às 9h15.

A primeira coisa que Jane faz é ler o jornal do dia. Não havia matéria sua porque ela

não tinha trabalhado no final de semana. Sobre o Correio Repórter, Jane me contou logo ao

chegar (subindo as escadas para a Redação) que a editora do Repórter disse que estar

apaixonada pelo tema é condição sine qua non para trabalhar para o caderno. “É preciso

gostar muito, estar envolvido.” Jane lê a Tribuna da Bahia também, enquanto espera Linda

chegar para definirem a pauta. As sugestões foram as seguintes (Jane me conta sentada ao

computador): uma reportagem sobre o café, outra sobre os normalistas, uma sobre Amélia

Rodrigues e uma última sobre a lepra. Jane aproveitou o final de semana para buscar

informações sobre os temas e aí foi me explicando um a um. Sobre normalistas não queria

falar; sobre Amélia Rodrigues tinha achado poucas informações na pesquisa que fez e sobre

a lepra também não se interessou. Escolheu, então, falar sobre o café e iria discutir a

sugestão com Linda. Depois disso, Jane pegou o jornal de sábado para dar uma olhada.

Ainda esperando Linda, Jane resolve digitar algumas pautas. “Estou para fazer isso

há um tempo”, disse ela. Na pasta Editor, tem um arquivo Pautas Aqui Salvador, onde os

repórteres sugerem pautas que são analisadas pela produtora Patrícia Borba. Jane abre este

arquivo e digita duas pautas. Ainda faltam duas para digitar. Linda já chegou. Para uma

dessas pautas que falta digitar, Jane foi primeiro fazer uma busca no arquivo de matérias do

site do Correio para procurar se já tinha saído alguma coisa sobre o assunto, mas não achou.

É sobre as mudanças na telefonia celular na hora de fazer interurbano. São 9h30.

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Reunião com Linda: “E aí, se decidiu por algum tema?”, perguntou a editora. Jane

responde: “Café.” Linda gostou e começou a procurar informações sobre o tema e vai

explicar a Jane o que é uma reportagem de capa. “O tema tem que ter fôlego, de cunho

histórico e ligação com a Bahia”, diz Linda. A reportagem de capa é subdividida em cinco

subtemas e deve ter, no máximo. É uma abertura, de três ou quatro laudas, e mais quatro

matérias, de quatro a cinco laudas. Linda vai explicando que a abertura da reportagem deve

conter a explanação do tema para fisgar o leitor. O lead no Repórter não precisa ser

objetivo. “Deve ser um lead forte, com mais liberdade”, diz a editora. Linda mostra a Jane a

abertura de uma reportagem sobre o barroco na Bahia, já publicada. É preciso ainda ouvir

pessoas, pesquisar através da Internet, faculdades e estudiosos sobre o tema, ler livros e

teses. “Não dou menos do que 30 dias para fazer essa reportagem”, explica Linda. Além

disso, o texto deve conter uma linguagem leve, poética, informativa e analítica. Para isso, o

repórter tem tempo para fazê-la. São 20 a 22 dias dedicados somente à pesquisa. “No texto,

dê vazão as sentidos”, pede a editora.

Com dez dias, Linda pediu que Jane subdividisse o tema. A editora ainda lista uma

série de aspectos que podem ser tratados sobre o café e indica algumas fontes. Jane

provavelmente terá que viajar. Pronto. Reunião encerrada às 10h30. Agora, Jane não

precisa se preocupar com seminários, encontros, inaugurações, e matérias do dia-a-dia,

porque ela foi escalada para fazer uma reportagem de capa para o Repórter. Isso significa

não mais Aqui Salvador por 30 dias. Ela diz: “Hoje, é um dia atípico em minha rotina.”

Fomos ao banco, dentro do Correio mesmo. Depois, Jane quis pesquisar na Internet e aí

começou o problema. Jane ainda não possui uma senha para acessar a rede e não consegue

iniciar a sua pesquisa. São 11h30 e ela nada de entrar na Internet. “A manhã vai passar e eu

só vou ter conversado com Linda. Tudo que fiz sobre café hoje foi tomar um cafezinho”,

brincou a repórter. Mas às 12 horas, ela conseguiu um computador para poder acessar a

rede sem a senha. São 12 horas. Ela vai almoçar e ficar pesquisando até às 13 horas, quando

dá a hora de ir para a assessoria onde trabalha também.

9)Renata Matos (Correio da Bahia), 7 de julho de 2003, segunda-feira.

Uma das primeiras coisas que Renata fez ao chegar na redação foi olhar o jornal.

Depois, ela se dirigiu à chefia de reportagem e pegou as suas duas pautas do dia. Renata

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disse que prefere apurar e escrever as matérias no anexo e, por isso, passamos a manhã

inteira lá. Ela começou o trabalho tentando apurar uma matéria, telefonando para o Ipac.

Era sobre uma fábrica que desabou. A repórter comenta que esqueceu de entregar duas

pautas a Malu, a chefe de reportagem do Correio pela manhã.

Como Renata não conseguiu falar com o assessor do Ipac (o celular estava

desligado e ele não tinha chegado na assessoria ainda), Renata ligou para o presidente do

programa Odara, assunto da segunda matéria do dia. O programa estava abrindo inscrições

neste dia para cursos profissionalizantes e vai entregar também certificados para jovens que

concluíram os cursos anteriores. Renata falou pelo telefone com o presidente da entidade

sobre a trajetória da instituição, os recursos, as crises financeiras, quantos jovens o

programa já capacitou e sobre quais são os cursos. A repórter falou ainda, na mesma

ligação, com uma jovem de 20 anos que vai receber o certificado.

“Uma já foi”, disse Renata, quando terminou de apurar a matéria do programa

Odara. Então, ela tenta de novo o Ipac. Não conseguiu e reclama: “Órgão público é um

mangue. O assessor pode até se atrasar, mas pelo menos deveria deixar o celular ligado.”

Depois disso, ela acessa o site do Correio para pesquisar a matéria do desabamento da

fábrica têxtil em Plataforma, que saiu no Correio no sábado. A pauta que ela recebeu é para

fazer uma relação de outros imóveis em Salvador que estão em situação parecida. Será uma

suíte da matéria de sábado. Renata tenta de novo o assessor do Ipac. “Se eu não conseguir

falar com esse assessor, eu digito a outra matéria”, disse ela.

Depois de umas quatro tentativas, desde o início da manhã, Renata conseguiu falar

com o assessor, que disse que estava chegando ao Ipac. Enquanto esperava, Renata

começou a digitar a outra matéria e teve que ligar para o presidente do Odara outra vez para

saber até quando iriam as inscrições e quando começariam as aulas. Quando o assessor do

Ipac ligou, Renata estava atendendo a uma ligação no celular, mas ligou de volta assim que

terminou no celular. Renata explicou o que queria e o assessor do Ipac indicou uma pessoa

para falar sobre o assunto. Essa pessoa disse que, sobre isso, só quem poderia falar era a

diretora geral do Ipac, que, felizmente, estava lá.

Enquanto conversava com a diretora, Renata tentava conseguir dela alguns

exemplos de prédios tombados e que estavam em situação parecida com a da fábrica têxtil

que acabou desabando. A repórter insistiu até que conseguiu saber de um. “Eu juro que não

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foi a senhora que me contou”, disse ela à diretora do Ipac. Eram 10h44 quando Renata

terminou de falar com a diretora do Ipac, que na verdade, não indicou nenhum prédio

específico, mas falou de áreas onde existiam prédios tombados em péssimo estado de

conservação. Como já tinha informações para fechar a matéria do desabamento, Renata e

Malu, a chefe de reportagem, decidiram que não seria preciso sair para apurar mais coisa. A

repórter tinha, então, que fazer uma matéria para sair no jornal do dia seguinte e outra

pessoa faria a suíte desta matéria para o jornal do outro dia.

Renata teve que ligar de novo para o presidente do Odara para saber sobre os pré-

requisitos para efetuar a inscrição nos cursos profissionalizantes. Ainda para a matéria do

desabamento da fábrica, Renata quis falar com um dos proprietários do imóvel. Conseguiu

o contato de um senhor pelo site da Telemar, mas não conseguiu encontrá-lo. Tentaria

novamente antes de fechar de vez a matéria, às 12 horas.

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