Monstros Como Metaforas Do Mal

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  • 7/26/2019 Monstros Como Metaforas Do Mal

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    Monstros como metforas do mal

    Julio Jeha

    1. Mal e sofrimento: primeiros comentrios

    EmPensieri, Giacommo Leopardi lamenta a perda, ainda que necessria, do consolo

    cego fornecido pelo mito e pela religio. O resultado, di ele, ! que o mal est em toda parte e

    tudo ! mal.1O mal ! cometido, mas tam"!m ! sofrido, e, como sofrimento, ! a ess#ncia dos

    seres $i$os.%J &ilotetes, na pe'a de ()focles de mesmo nome, reclama$a do seu sofrimento,

    uma dor to grande que parecia eterna, pois se alimenta$a de si mesma.*Mal cometido e mal

    sofrido no so o mesmo, mas podem se tornar a mesma coisa, como +rimo Le$i e Elie

    iesel testemunharam em -uschit. Mas uma en/aqueca fero tam"!m pode nos reduir a

    coisas, como tam"!m o fa a dor do c0ncer ou um cora'o partido, como no mito de 2o"e. O

    sofrimento afunda o mundo, nos em"rutece, nos pri$a da capacidade de e/presso, nos torna

    meros o"3etos, detritos numa terra de$astada.4

    5ma delimita'o do conceito, uma defini'o de mal parece necessria, caso contrrio,

    falaremos de literatura, mas no do mal em si. +or!m, como chegar a um conceito filos)fico

    de mal se os pr)prios fil)sofos falam dele como um enigma, como um mist!rio impenetr$el6

    -gostinho se de"ateu com o pro"lema do mal e prop7s que este ! uma pri$a'o do "em e,

    como tal, s) pode ter uma no8e/ist#ncia.9omo falar de uma pri$a'o seno atra$!s dos seus

    efeitos6 5ma 3arra trincada, segundo -gostinho, ! m por que se afasta de sua naturea, que !

    ser inteira e conter gua, $inho, leite ou qualquer outro l2quido. - rachadura no seu "o3o a

    torna in;til, mas como falar da rachadura seno como algo que torna a 3arra sem ser$entia6

    o falamos do estado da trinca, sua largura ou sua naturea< antes, deploramos o estrago que

    ela concretia. O mesmo acontece em rela'o ao mal: se ele ! pri$a'o, ento ele nada !, e

    como podemos falar do nada6 +aul =icoeur afirma que, como a morte, que nenhum

    pensamento consegue o"3eti$ar, o mal ! a pedra na qual toda filosofia trope'a.>este pontotomamos consci#ncia de que at! mesmo o sofrimento carece de pala$ras para ser dito.

    (e ! dif2cil definir o mal, tal$e se3a poss2$el discernir uma causa para ele. Em muitos

    de seus li$ros, &iodor ?ostoi!$s@i e/amina a escurido do mundo para localiar a fonte do

    sofrimento. ?ostoi!$s@i parece $acilar em Os irmos Karamazovao apontar uma causa para o

    mal, de que todo o mundo est impregnado, at! mesmo suas partes mais rec7nditas.A5m mal

    to grande parece necessitar uma causa com grandea semelhante e, assim, s) ?eus parece

    preencher o requisito. O dem7nio med2ocre que aparece a B$an Caramao$ no ! uma causa,mas antecipa a in$isi"ilidade ou, melhor, a "analidade do mal, o t)pico que Dannah -rendt

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    desen$ol$eu em reportagem so"re o 3ulgamento de -dolph Eichmann em Jerusal!m. Esse

    tipo de dia"o parece mais apto a esconder o mal do que a incit8lo. EmNotas do subterrneo,

    o autor lan'a a hip)tese de que o mal pode ser o $aio dentro do homem su"terr0neo, um

    espa'o li$re e indiferente que o mal pode inundar.F+ara (ta$rogin, em Os demnios, estupro,

    crime e arrependimento se igualam dentro desse $aio atro1 O o"3eti$o do mal em

    ?ostoi!$s@i parece ser o mundo inteiro escorregando em sangue, at! cair no $aio.

    +aul =icoeur afirma que quando o mal for compreendido, ele no ser mais mal. (ua

    ess#ncia ! a de um mist!rio impenetr$el: uma escurido to densa que no conseguimos nem

    pensar em penetr8la. Hal$e se3a ao conceder ao mal a qualidade de mist!rio que =icoeur

    considere que o mal por si s) no ! represent$el. uma primeira fase de suas refle/Ies, ele

    di que ! poss2$el torn8lo $is2$el por meio de mitos e s2m"olos, que, entretanto, fracassam

    diante do horror de -uschit.11=icoeur depois concorda com -dorno: o mal no pode ser

    representado ! disso que trata a literatura de testemunho e podemos apenas mencion8lo

    de modo precrio, para mostrar, nas rachaduras, $aios e assimetrias da narrati$a, o espa'o do

    indi2$el.

    -o contrrio de =icoeur, -dorno ou L!$inas, (imone eil afirma que o mal !

    represent$el1% Ela escre$e que o "em ! a pr)pria realidade, por ser o con3unto de

    contradit)rios, e que a unio dos contrrios constitui o real. Mas se o "em ! a unio de

    contrrios, o mal no ! o contrrio do "em. O que, ento, ! o mal6 ?e$emos transferi8lo do

    nosso lado impuro, di ela, para o nosso lado puro, transformando8o em sofrimento. o

    entanto, podemos entender que eil este3a diendo que ele ! represent$el apenas na pessoa

    sofrente: como dor, como e/peri#ncia de dor. hegar ao fim da dor significa $islum"rar o

    fim, a fronteira do mal.

    O pro"lema da representa'o do mal e a inadequa'o dos meios de e/presso em face

    da sua imensura"ilidade permanecem. O ;nico meio que parece capa de incluir essa

    enormidade em si mesmo ! a narrati$a. Carl Karth, defronte impossi"ilidade de falar o nada,afirma que a pr)pria teologia de$e se tornar narrati$a para incluir em si fratura e limite.1*Mas

    a narrati$a parece ser mo$ida e li"ertada pela for'a do mal: no apenas para inclu28lo, mas

    para tornar8se sua c;mplice. - literatura no ! inocenteN, di Kataille< ela ! culpada e

    de$eria reconhecer8se como talN.14 -penas quando a literatura reconhece sua cumplicidade

    com o mal ! que ela cumpre sua naturea, que ! comunicar o essencial.

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    %. O mal e sua origem imprecisa

    Em princ2pio, uma a"ordagem secular do mal de$e e$itar considera'Ies religiosas,

    mas isso diminuiria os m!ritos do argumento. omo a tradi'o crist moldou e informou o

    desen$ol$imento da nossa ci$ilia'o, com tudo que isso possa acarretar, qualquer anlise do

    mal de$e le$ar em conta a caracteria'o cat)lica deste fen7meno. - escolha, ento, se

    determina pela continuidade desde os in2cios da Bgre3a at)lica e o de"ate filos)fico que ela

    ense3ou. (e dei/armos de lado refer#ncias ao so"renatural, ! poss2$el e/plorar e e/aminar as

    especula'Ies teol)gicas e filos)ficas que animaram a igre3a primiti$a e transportar essa

    anlise do mal para a literatura.

    -s duas respostas mais comuns ao mal so a da moralidade e a da sa"edoria. -

    moralidade $# os seres humanos como agentes c7nscios do mal< a sa"edoria, ao contrrio,

    nos caracteria como respondendo inad$ertidamente a amea'as nossa auto8identidadeN.19

    ?e acordo com a moralidade, o mal ! qualquer o"stculo que impede um ser de alcan'ar a

    perfei'o que, no fosse por isso, ele poderia atingir. O mal impede os indi$2duos de realiar

    seus dese3os e satisfaer suas necessidades< surge da2, pelo menos entre os seres humanos, o

    sofrimento que a $ida tem em a"und0nciaN.1>?e maneira semelhante, para os que seguem a

    a"ordagem da sa"edoria, o mal ! a qualidadefrustradado dese3o insatisfeitoN.1A- diferen'a

    entre essas respostas ! que a moralidade foca as a'Ies, enquanto a sa"edoria mira o

    conhecimento. -m"as concordam que o mal se opIe ao "em, que pode ser entendido como a

    integridade do ser, e, por isso, o mal de$e ser com"atido.

    o dia8a8dia, mal e sofrimento aparecem como sin7nimos, o que ocorre tam"!m com

    mal e faer mal ou mal e infort;nio. -o ligarmos mal e sofrimento, enfocamos o efeito

    da nossa, que o que consideramos mal !, na $erdade, "em para ?eus e $ice8$ersa.%Ao

    entanto, s) a possi"ilidade de cometermos tal erro conceitual 3 ! um mal. 5ma discusso,

    com "ase teol)gica, do pro"lema do mal aparentemente no tem fim, o que indica no ser esta

    a melhor maneira de a"ord8lo.

    - partir do fim do s!culo 1F, a discusso tendeu a focar mais o mal do que sua

    e/ist#ncia supostamente pro"lemtica. Mar/, &reud e ietsche retiraram da moral sua

    relati$a autonomia e sua intencionalidade, reduindo8a a outros elementos que a antecedem e

    a condicionam.%Mar/ encontra as causas do mal nas rela'Ies de produ'o< ietsche o

    localia na $ontade de poder, e &reud o desco"re nas pulsIes li"idinais. -ssim, eles

    transformam o mal em Mal, um conceito a"strato, plat7nico, que reside no reino das id!ias.

    -o contrrio, discordam alguns pensadores, a discusso de$eria se concentrar nas coisas ms

    que tornam ruim as $idas das pessoas: dor, sofrimento, perda, humilha'o, danos, terror,

    aliena'o e t!dioN,%F isto !, nas ocorr#ncias concretas de o"stculos s nossas necessidades e

    aos nossos dese3os. Outros pensadores, por sua $e, o"3etam que falar de mal concreto no fa

    sentido, porque, a menos que toda manifesta'o se3a a manifesta'o do mesmo fen7meno, !

    imposs2$el falar de um em rela'o ao outro.*+or focarem no indi$2duo e no nas ag#ncias

    causadoras do mal, para eles, os indi$2duos sofrem porque no se conhecem e, como

    resultado, no conhecem seus $erdadeiros dese3os. -ssim, os indi$2duos "uscam fontes

    equi$ocadas de satisfa'o, frustrando8se.

    *. -tra$!s de metforas, som"riamente

    (e fil)sofos e te)logos falham ao tentar representar o mal, ento escritores tal$e

    se3am capaes de tornar o indi2$el $is2$el.*1 - ser$i'o deles, figuras do discurso,

    principalmente metforas, podem dar corpo a no'Ies a"stratas tais como e/ist#ncia

    negati$aN. -s metforas le$am significado de um dom2nio ontol)gico para outro, criando uma

    rela'o que no se encontra na naturea.*%&alamos de o$a Tor@ como a Kig -ppleN parasugerir seu aspecto fascinante, 3untando uma cidade e um s2m"olo cultural de sedu'o. (e

    dissermos -quele m!dico ! um a'ougueiroN, estaremos comparando um a'ougueiro, que

    corta animais, com um cirurgio, que corta seres humanos. -o 3unt8los, queremos dier que

    ao cirurgio falta ha"ilidade, finura ou at! mesmo !tica no tra"alho. ?e maneira semelhante,

    quando falamos do mal, tendemos a criar refer#ncias metaf)ricas, relacionando um ser ou um

    acontecimento a algo que e/iste em um plano diferente.

    Entre as metforas mais comuns que usamos para nos referir ao mal esto crime,pecado e monstruosidade Qou monstroR. Puando o mal ! transposto para a esfera legal,

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    atri"u2mos8lhe o carter de transgresso das leis sociais< quando o mal aparece no dom2nio

    religioso, o reconhecemos como uma que"ra das leis di$inas, e quando ele ocorre no reino

    est!tico ou moral, damos8lhe o nome de monstro ou monstruosidade. -o diermos que

    Madame de Merteuil, emLes liaisons dangereuses, ! um monstro, esperamos traer mente

    do nosso interlocutor uma id!ia de e/cesso e transgresso que caracteria o comportamento

    moral daquela personagem. +assamos do mais concreto Qa $ida diria, ainda que ficcionalR

    para o mais a"strato Qdom2nios religioso, legal, est!tico e moralR por meio de uma semelhan'a

    estrutural, e, ao faer isso, esperamos a3udar nossas mentes a entender algo que, de outra

    maneira, poderia escapar nossa compreenso.

    omo mara$ilhas do discurso, as metforas t#m sua contraparte nos monstros, as

    mara$ilhas da naturea. -lgo monstruoso espreitaN dentro das metforas, di +aul de Man.**

    -s metforas podem parecer perigosas, at! monstruosas, porque so capaes de in$entar as

    entidades mais fantsticas por causa do poder posicional inerente na linguagem. Elas podem

    desmem"rar a tessitura da realidade e entrela'8la de no$o de maneiras as mais caprichosas,

    emparelhando homem e mulher ou ser humano com fera, nas formas mais antinaturaisN.*4?a2

    a adequa'o de monstros e metforas para representar o mal.

    ?iferente das metforas, que t#m sido um pro"lema perene e, s $ees, uma fonte

    reconhecida de em"ara'o para o discurso filos)ficoN,*9 os monstros desempenham,

    reconhecidamente, um papel pol2tico como mantenedor de regras sociais. Grupos sociais

    precisam de fronteiras para manter seus mem"ros unidos dentro delas e proteger8se contra os

    inimigos fora delas. - coeso interna depende de uma $iso de mundo comum, que diga

    queles afetados por ela que as coisas so assimN e no de outra maneira e ! assim que

    faemos as coisas por aquiN. -s fronteiras e/istem para manter medida e ordem< qualquer

    transgresso desses limites causa desconforto e requer que retornemos o mundo ao estado que

    consideramos ser o certo. O monstro ! um estratagema para rotular tudo que infringe esses

    limites culturais.-s defini'Ies de monstro se desen$ol$em de maneira quase hist)rica: para os antigos

    gregos e romanos, o monstro era um prod2gio, um a$iso contra uma infra'o da pax deorum.

    Pualquer alian'a que os deuses pudessem ter tido com os humanos esta$a para ser rescindida

    por causa de algum malfeito. -t! meados do s!culo 1%, a pala$ra significa$a tanto prod2gio

    quanto mara$ilha, e se aplica$a a uma criatura meio humana, meio animal, ou que

    com"ina$a elementos de duas ou mais formas animais, e UeraV freqentemente de grande

    tamanho e apar#ncia feroN,*>

    resultante de uma ag#ncia so"renatural. - Esfinge, a Puimera,o Minotauro e a Medusa indica$am que algum mal cometido esta$a sendo castigado.

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    -o contrrio da maioria dos gregos, -rist)teles considera$a o monstro no o resultado

    da puni'o di$ina para faltas humanas, mas sim uma questo do estgio em que o

    conhecimento se encontra$a. +ara o fil)sofo, o monstro no era uma ofensa contra a naturea,

    mas simplesmente um des$io do que nela usualmente ocorria. G#meos eram monstruosos por

    causa de sua raridade. - redesco"erta das o"ras de -rist)teles no s!culo 1* pode ter

    direcionado o conceito de monstropara a ordem natural, pois ele adquiriu os significados de

    pessoa desfiguradaN e ser malformadoN.*A (o" a flu#ncia duradoura dos seus te/tos, um

    indi$2duo com uma m8forma'o cong#nita gra$eN seria considerado um monstro.* 5m

    hermafrodita, que, nos tempos de -rist)teles, seria teras, mara$ilha, tornou8se

    monstruosidade na -lta Bdade M!dia Q181*R.

    Os limites sociais afetam nosso conhecimento do mundo e $ice8$ersa. Hoda $e que

    ampliamos nosso dom2nio epistemol)gico, quer conquistando no$os territ)rios, quer

    des"ra$ando8os, as fronteiras que controlam nossas $idas tam"!m se mo$em Qem"ora nem de

    pronto, nem facilmenteR. O mesmo acontece quando desco"rimos ou in$entamos algo: nossa

    $iso de mundo tem de acomodar outros seres ou no$os fen7menos e isso pode causar

    incertea epistemol)gica. ossa e/peri#ncia se "aseia em fundamentos epistemol)gicos e

    ontol)gicos< mudan'as epistemol)gicas $o gerar altera'Ies ontol)gicas, e um acr!scimo

    ontol)gico $ai for'ar nosso conhecimento a se e/pandir. Puando isso ocorre, sentimos que

    nossas e/pectati$as de ordem as fronteiras esta"elecidas pela ci#ncia, filosofia, moral

    ou est!tica foram transgredidas. E transgressIes geram monstros.

    Monstros fornecem um negati$o da nossa imagem de mundo, mostrando8nos

    dis3un'Ies categ)ricas. ?essa maneira, eles funcionam como metforas, aquelas figuras do

    discurso que indicam uma semelhan'a entre coisas dessemelhantes, geralmente 3untando

    elementos de diferentes dom2nios cogniti$os. O que liga os dois ou mais elementos de uma

    metfora ! a id!ia que ela representa. O mesmo se d com os monstros: eles esto por um

    a$iso ou um castigo por alguma ruptura de um c)digo por um mal cometido. - dis3un'ono precisa ser apenas entre dom2nios cogniti$os< elas podem se dar entre a id!ia que temos

    do que ! pr)prio de uma coisa ou um ser e a coisa ou o ser. -rist)teles nota que defici#ncia ou

    e/cesso caracteriam um prod2gio ou monstruosidade.*F5ma galinha de duas ca"e'as ou um

    cachorro de tr#s pernas so ocorr#ncias raras, isto !, monstruosas. (e a ocorr#ncia se torna

    comum, o fen7meno perde seu aspecto prodigioso e ! aceito como natural, isto !, pertencente

    ordem das coisas como as conhecemos. ?e maneira, semelhante, em nossa percep'o,

    quando um fen7meno tende a se repetir, ele se torna naturalN, desde no$idades na moda at!coelhos geneticamente modificados, desde persegui'Ies pol2ticas at! e/term2nio em massa.

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    4. - riatura de &ran@enstein: metfora concretiada

    +ois eu sou toda coisa mortaN

    John ?onne

    o s!culo 1F, a literatura inglesa $iu cinco nascimentos monstruosos: Frankenstein,

    ou, o moderno PrometeuQ11, 1*1R, de MarW (helleW

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    mesmo idiota, pois ele parece no $er o que ! aparente para qualquer leitor: ele soltou no

    mundo uma criatura poderosa e tem2$el, quer essa criatura lhe agrade esteticamente ou no, e

    ele de$e assumir responsa"ilidade por isso. () que, claro, ele no fa isso. omo ele di a si

    mesmo, repetidamente, ele no tem culpa nenhuma, a no ser pelo pr)prio ato de cria'o.

    &ran@enstein se assusta ao desco"rir que, em $e de um progresso feli, suas no"res inten'Ies

    resultaram num monstro que destr)i os inocentes sua $olta e, por fim, ele pr)prio. O

    monstro, ento, pode ser $isto como a metfora do remorso, tanto de &ran@enstein quanto de

    MarW (helleW.

    +or um lado, o doloroso drama de reprodu'o asse/uada alegoria, emFrankenstein, o

    nascimento do monstro maltusiano da superpopula'oN a partir do sonho iluminista de

    "ene$ol#ncia uni$ersal e perfecti"ilidade org0nica e social que Godin acalenta$a.41 +or

    outro, ele nos alerta contra uma ci#ncia despro$ida de $alores morais. -o em"arcar na

    produ'o deli"erada de um monstro, &ran@enstein inaugura a teratog#nese na fic'o de l2ngua

    inglesa. - riatura representa um o"3eto dese3ado, mas logo re3eitado por se des$iar dos

    padrIes est!ticos, produindo, assim, aquela $aria'o que define o monstro como uma

    diferen'a que destr)i toda possi"ilidade de uma e/plica'o gen!tica. -o mesmo tempo

    necessria e impl2cita nesse processo, a medida da dessemelhan'a ! o pai a"olido, o

    progenitor silenciado que no consegue se reconhecer nesse infante, e, no entanto, fornece o

    significado ;ltimo para a a"erra'o teratol)gica.

    EmFrankenstein, MarW (helleW mostra que o sofrimento ! ine/or$el e que a $erdade

    so"re um crime no caso, o assassinato do irmo de &ran@enstein, pelo qual Justine !

    falsamente acusada nem sempre aparece. - pro$a material Qa miniaturaR con$ence o 3;ri de

    Justine e in$alida o apelo da testemunha. - e$id#ncia figura8se como um pessimismo

    ho""esiano so"re a naturea humana: quem quer que tenha le$ado a miniatura, o fe por

    raIes ego2stas. +or meio dessa figura'o, o te/to oferece uma defesa dial!tica da 3usti'a

    cegaN do senhor ?e LaceW e as formas sentimentais de idoneidade contra a for'a da e$id#ncialegal e a e$id#ncia dos sentidos, supostamente incontro$ersa. Em contraste com a 3usti'a

    natural de apelo aos sentimentos, testemunhos e idoneidade est esse modelo de 3usti'a legal e

    emp2rica, como um tipo de 3usti'a no natural de reconstitui'o monstruosa.4%- riatura

    manipula a e$id#ncia para incriminar Justine, mas numa re$ira$olta tortuosa o monstro aca"a

    por se implicar e faer de si o culpado pela falsa acusa'o contra ela e, em ;ltimo caso, pela

    sua morte. Em"ora aqui o te/to pare'a naturaliar uma equi$al#ncia entre monstruosidade

    f2sica e moral, a narrati$a iluminista que ser$e de moldura para essa passagem sugere que essaequa'o ! mediada pelas circunst0ncias que mo$em a riatura, elas, sim, monstruosas.

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    - riatura re$ela o papel do monstro na literatura: figurar o indi2$el. -o oferecer

    uma representa'o pro"lemtica de um mundo empiricamente real, o monstro le$anta

    questIes so"re o "em e o mal, real'ando a rela'o entre eles como a preocupa'o central da

    literatura. a fantasia rom0ntica de MarW (helleW, a percep'o se torna cada $e mais

    confusa, os signos ficam $ulner$eis a interpreta'Ies m;ltiplas e contradit)rias, de modo que

    os significados recuam indefinidamente e conceitos a"solutos como $erdadeN, "emN e

    malN se tornam meros pontos de fuga do te/to. - ret)rica do indi2$el, marcada pela

    presen'a do monstro, torna a pr)pria literatura monstruosa: recusando8se a ser circunscrito

    por uma defini'o, o mal causa um curto8circuito na significa'o ao se conectar com uma

    rede de metforas sem limites. Essa lacuna entre signo e significado repete a dis3un'o

    categ)rica fundamental do monstro, e/emplificada na criatura de &ran@enstein: considerado

    indigno de um nome, ele ser sempre uma coisa sem designa'o, um dese3o frustrado, um

    grito de dor no $cuo, dramatiando a tentati$a de apreender o mal e dar8lhe um significado

    fi/o.

    Q5ma "olsa &ul"rightXapes possi"ilitou a escrita desse artigo.R

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    1OH-(

    LEO+-=?B.Pensieri di varia filosofia e di bella letteratura, p. 41A4. Hraduo: Hudo ! mal. Bsto

    !, tudo que e/iste ! mal< que cada coisa e/ista ! um mal< cada coisa e/iste para o mal< a e/ist#ncia !

    um mal e organiada para o mal< o fim do uni$erso ! o mal< a ordem e o estado, as leis, oandamento ordinrio do uni$erso, nada mais so que o mal, direcionados apenas para o mal. o h

    outro "em que o no e/istir< no h nada de "om que o no ser, as coisas que no so coisas: todas

    as coisas so ms. O todo e/istente, o con3unto dos tantos mundos que e/istem, o uni$erso nada

    mais ! que uma pinta, um cisco na metaf2sicaN.%LEO+-=?B.Pensieri di varia filosofia e di bella letteratura, p. 41A9.*(O+DOLE(.P(ilo*tetes.4

    ?e$o este pargrafo aFigure del male, de &ranco =ella.9-5G5(HBE. .onfessions.>=BOE5=.La s#mboli1ue du mal.A?O(HOTES(CT. 4(e brot(ers Karamazov.O encontro com Eichmann fe -rendt perce"er que a metfora de raiN ! inadequada para falar

    da "analidade do mal, dado o seu potencial de crescimento ilimitado. +ode8se arrancar uma rai, ao

    passo que o mal perpetrado por um Eichmann consegue se espalhar pelo planeta como um fungoN,

    precisamente por no ter rai QCOD. E$il, p. AR.F?O(HOTES(CT.Notes from t(e underground. O indi$idualismo radical do homem su"terr0neo

    o impede de se interessar por causas sociais, por 3usti'a na comunidade, etc. (uas o"3e'Ies surgem

    do seu sentido de si pr)prio e esse sentido e/clui qualquer liga'o com outras pessoas,

    indi$idualmente ou em grupos, ou com id!ias pol2ticas e sociais.1?O(HOTES(CT. 4(e devils.11=BOE5=. E$il, a challenge to theologW and philosophW.1% -?O=O. Negative diale*ti*s< -?O=O. 'est(eti* t(eor#< LESB-(. 4(e provo*ation of

    Levinas< EBL. :uvres *ompl;tes.1*K-=HD. God and nothingness.14K-H-BLLE.La litt/rature et le mal, p. 1.19COED. 4(e nature of evil, p. 11.1>(D-=+E. E$il, p. >4F.1ACOED. 4(e nature of evil, p. 9.15m caso espec2fico ! o da rela'o sadomasoquista, menos comum mas nem por isso despre2$el,

    em que a inflic'o de dor ! consensual.1F=BLET8(MBHD. =ethin@ing the crusades.

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    %JOLBSEH, E$il, p. >>>.%1JOLBSEH, E$il, p. >>>.%%(D-=+E. E$il, p. >4F.%*JOLBSEH, E$il, p. >>A.%4

    +ouco resta dos escritos de Epicuro< a cita'o aparece em Dume Qialogues *on*erning naturalreligion, p. >*R. ontra a prtica acad#mica comum, Larrimore Q4(e problem of evil, p. //R indica

    Outlines of P#rr(onismQca. % -?R, de (e/to Emp2rico, como a fonte mais antiga do pro"lema do

    mal na forma que chegou a n)s.%9 Em umma 4(eologi*a QP.4 -.*R, Homs de -quino diferencia aus#ncia como pri$ati$a ou

    negati$a. o sentido negati$o, uma aus#ncia no afeta a naturea de um ser Qpor e/emplo, asas e ser

    humanoR, mas no sentido pri$ati$o, sim Qpor e/emplo, $iso e ser humanoR. ?essa maneira, o mal

    no ! uma nega'o, mas uma pri$a'o do "em.%>+L-HBG-. &od, freedom, and evil.%A?-SBE(.P(ilosop(# of religion.%O+DB=. 4(e order of evils, p. 19.%FO+DB=. 4(e order of evils, p. 11.*COED. 4(e nature of evil, p. %4%.*1+ara monstros como metforas no cinema, $er (DEB?E=. Monsters as QuncannWR metaphors.*% L-CO&&< JOD(O. $etap(ors 6e live b#< L-CO&& 5omen, fire, and dangerous t(ingsMO(HE=.*AMO(HE=.*MO(HE=.*F-=B(HOHLE.e generatione, li$ro 1, cap. 4.4+5HE=. 4(e literature of terror, p. %*F.41O discurso da popula'o em Hhomas Malthus aparece em-ssa#Q1AFR, gerado por Of a$arice

    and profusionN Q1AFAR ePoliti*al

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    4%H5BHE. &ran@enstein`s monster and Malthus` 3aundiced eWeN: population, "odW politics, and the

    monstrous su"lime, p. 149.