Upload
vonhu
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
MORADIAS MODERNISTAS EM BELÉM (PA):
Documentando um novo modo de vida
MACHADO, IZABELLE; CHAVES, CELMA.
UFPA - FAU - ITEC
Av. Augusto Correa, 01, Guamá, Belém. [email protected]
UFPA - FAU - ITEC
Av. Augusto Correa, 01, Guamá, Belém. [email protected]
RESUMO
Por meio da pesquisa histórica e documental, e das análises a partir das representações gráficas das edificações selecionadas, esse artigo propõe-se a conceber uma nova perspectiva acerca de estudos sobre o desenvolvimento das relações homem-moradia existentes no período de modernização em Belém. Destacam-se as transformações ocorridas no modo de vida da sociedade na cidade de Belém entre os séculos XIX e XX para uma sociedade marcada pelas políticas renovadoras do século XX, possibilitando a identificação das trocas de influências entre a arquitetura e o modo de vida da época. O artigo promove a valorização dos projetos originais e dos redesenhos como fonte documental que contribua para o processo de estudo e valorização da arquitetura modernista em Belém. A influência da arquitetura moderna brasileira na arquitetura residencial da cidade de Belém produziu a partir do final dos anos 1940 variações entre a linguagem eclética predominante até então e as novas propostas projetuais modernistas, as quais precisaram adaptar-se às necessidades dos usuários. Isso abrangeu as relações entre o homem e seu espaço. Essa análise torna possível retratar as modificações nos hábitos familiares à medida que avançava o processo histórico de desenvolvimento da residência modernista.
Palavras-chave: Belém; Modernização; Moradias;
1. Contextualização
A cidade de Belém foi um importante polo no comércio do látex, desenvolvido entre a segunda
metade do século XIX e início do século XX, contudo, a partir da segunda década do século
XX atravessou um longo período de decadência e estagnação econômica, a qual se estendeu
até década de 1930. Em tal conjuntura, a cidade que já se apresentava fragilizada padece sob
as consequências da crise de produtividade nacional.
A situação de crise que Belém atravessava foi acompanhada por uma completa desorganização administrativa; até a segunda guerra mundial, a cidade iria passar por ima sensível fase de estagnação. Sua população chegou mesmo a diminuir, aproximando-se, em 1940, ao número de habitantes que possuía na primeira década deste século. (PENTEADO, 1968, p.166)
Esse momento de declínio representou para a cidade de Belém o fim do sonho que a havia
impregnado de padrões culturais e econômicos europeus desde a segunda metade do século
XIX. No período conhecido como Belle Époque belenense, a cidade recebeu infraestrutura e
embelezamento para atender os novos arquétipos econômicos que se desenvolveram, o que
gerou significativas mudanças urbanísticas e sociais, principalmente impulsionadas durante a
administração do Intendente Antônio José Lemos (de 1897 a 1912).
Durante o período de exploração da borracha, é possível reconhecer segundo a historiografia,
que foi adotado um processo modernizador de políticas higienistas guiado pelos ideais do
positivismo da Velha República então instaurada no país. A Belém da transição entre os
séculos XIX e XX chegou a ser considerada um protótipo de cidade avançada no Brasil, e a
elite local, formada na época majoritariamente por comerciantes, negociantes e políticos, foi a
principal beneficiada desse processo o qual se refletia socialmente na assimilação de novos
hábitos, inclusive sanitários, e tendia a consubstanciar altos níveis culturais e estéticos em
uma real tentativa de espelhamento no modo de vida europeu (sobretudo do francês).
Não obstante, temos claro que uma série de melhoramentos foi realizada no espaço urbano de Belém, como pavimentação das ruas, construção de praças e jardins, usinas de incineração de lixo, limpeza urbana, tudo isso controlado por um código de posturas, baseado em ideias liberais. Entretanto todo esse “progresso” era localizado e dirigido à área central da cidade, onde habitava a elite local e parte da classe média nascente. (SARGES, 2000, p. 158)
Sob os parâmetros governamentais adotados por Antônio Lemos, foram adotadas variadas
tipologias na arquitetura residencial de linguagem eclética, ainda apresentando referências à
arquitetura de moldes coloniais. Os palacetes e sobrados eram o reflexo desse modo de vida,
e durante quase um século de exploração do caucho a fisionomia urbana que de uma cidade
rica permeou na memória coletiva da população após o declínio dessa economia a partir da
primeira década do século XX. Segundo DERENJI (2001), até fins da década de 30, convivem
em Belém construções que repetem soluções ecléticas de períodos precedentes e um
neocolonialismo amorfo, de raízes não definidas e pouca relação com a arquitetura regional.
A partir da Revolução de 1930 renovaram-se esperanças de reestruturação econômica que
instaurassem um novo desenvolvimento para a cidade. A realidade local apresenta mudanças
significativas sob a administração do Presidente Getúlio Vargas e do Governador Magalhães
Barata principalmente a partir do fim da década, caracterizando o primeiro momento de
influencia da arquitetura dos diversos movimentos modernistas que eclodiam no país e no
mundo.
Foi a disseminação do “Estilo Internacional” no Brasil que influenciou, de forma indireta, as
primeiras significativas modificações na paisagem urbana de Belém a partir do fim da década
de 1930. A construção dos arranha-céus deu-se principalmente a partir desta década, sob a
administração do Governador Magalhães Barata. Os primeiros traçados racionais
limitaram-se a edificações no centro da cidade, especificamente na Avenida 15 de Agosto,
como exemplo tem-se o Hotel Avenida (1930) e o Central Hotel (1939).
Assim como em outras localidades do país, a verticalização em Belém alterou paulatinamente
o modo de morar para uma população que tinha memória de moradia intimamente ligada à
linguagem da arquitetura neocolonial e eclética. As propostas de moradias em edifícios
verticalizados fizeram-se sobre a propaganda da inovação e do avanço tecnológico, de forma
a atender aos simultâneos anseios por mudança e evolução de qualidade de vida da pequena
elite belenense, agora formada por novos empresários e comerciantes. Dessa maneira, morar
em edifícios verticalizados tornou-se modismo para esse público, e a partir da década de 1950
com as políticas integracionistas de Juscelino Kubitschek, a construção verticalizada teve um
segundo momento de impulso.
A divulgação acerca das novas moradias verticalizadas enfatizava o ideário de modernidade
em detrimento do estranhamento que houve como reação a essa nova tipologia residencial. A
proposta da verticalização levantava o questionamento da relação tradicional do usuário com
o espaço de moradia e oferecia uma nova concepção de habitar típica das cidades
americanas de ritmo diferenciado da capital paraense. Essa forma de viver implicou em
adequações para a sociedade na qual ainda predominavam costumes provincianos.
No decorrer do processo de construção verticalizada, desenvolvia-se em Belém uma
padronização estética dos edifícios que apresentavam pouco dinamismo na composição.
O ritmo das aberturas é rígido e estão ausentes os grandes panos de vidro. Mesmo nos edifícios de maior altura, que surgem nos anos 40, se mantém o rigor da composição que joga, por vezes, com a inserção de um pano cego, lateral ou central. (DERENJI, 2001)
Em 1957 inaugura-se em contrapartida o Edifício São Miguel, do engenheiro paraense
Agenor Pena do Carvalho, o qual havia se formado pela Escola Nacional de Belas Artes,
tendo sido nessa escola contemporâneo de Lúcio Costa e Oscar Niemayer. O engenheiro
apresentou novas características modernas nessa obra, influências da “escola carioca” de
arquitetura, o que representou uma ruptura com a crescente estandardização.
Havia certa resistência à moradia em planos muito altos, e, portanto, por concatenar
poucos pavimentos e amplos apartamentos, o Ed. São Miguel atraiu olhares ao aproximar-se
da moradia tradicional unifamiliar, além de possuir na fachada um dinâmico jogo de cheios e
vazios. Sua implantação, de forma irregular no terreno pelo fato de oferecer grande área
comum devido à presença de pilotis, cria uma agradável relação de continuidade com o
espaço externo. Tais atributos somados o tornaram um marco para a renovação construtiva
da época na cidade de Belém.
No mesmo período (1956/1957) é construído o Edifício Dom Carlos, obra do então,
apenas engenheiro, Camilo Porto de Oliveira, que projetou e construiu um número
significativo de moradias unifamiliares. Nesse sentido, essa obra possui características que o
diferenciavam da maioria das construções verticalizadas. Além de possuir pouca altura, o que,
semelhante ao Edifício São Miguel, proporciona maior familiaridade do usuário com relação a
essa tipologia, o uso de pilotis no nível térreo possibilita maior área externa comum. Uma
extensa rampa frontal - elemento formal cuja inserção aboliu o uso da escada, nesse caso
confere à obra a leveza necessária a se contrapor com o seu pavilhão. A adição de elementos
vazados ao conjunto de guarda-corpo da fachada frontal acrescenta suavidade e ritmo à
composição externa do edifício.
2. Assimilações acerca do modo de viver nas moradias modernistas de Belém
As modificações na concepção de residências unifamiliares aconteceram de forma
mais lenta, comparadas aos edifícios verticalizados. Expressivamente, deu-se a partir do fim
dos anos 1940, década na qual começa a destacar-se a produção do engenheiro Camilo
Porto do Oliveira, um dos mais relevantes para a nova cultura arquitetônica residencial que se
desenvolvia. Apesar de este engenheiro ter apresentado diversos projetos de casas
significativos no decorrer das décadas de 1950 e 1960, seu trabalho levou tempo a receber o
devido reconhecimento. A suas propostas de “casas modernas” recebiam grandes
resistências tanto por parte dos clientes quanto no meio profissional, diferentemente dos
comemorados projetos de edifícios multifamiliares entre os anos 1940 e 1950. A partir de
muitas viagens para Rio de Janeiro e São Paulo, Camilo Porto construiu seu repertório
arquitetônico principalmente influenciado pelos grandes nomes da Arquitetura Brasileira de
então (CHAVES, 2008, p. 155.).
A primeira obra residencial de Porto do Oliveira foi a Casa Moura Ribeiro de 1949
(figura 01). A partir da observação de plantas originais referentes ao projeto é possível indicar
que a elaboração do mesmo combinava conceitos modernistas com antigas tradições de
moradia locais. Apresentando fachadas assimétricas e dispondo-se de forma regular no
terreno, a Casa Moura Ribeiro, localizada no centro da cidade, apresenta volumetria que
intercala cheios e vazios. Na fachada que faz limite com a via pública destaca-se a projeção
de forma cilíndrica e envidraçada da sala de música, ambiente reminiscente das tipologias
residenciais ecléticas (CHAVES, 2008, p.155).
Figura 01: Residência Moura Ribeiro. Redesenhos de Plantas Baixas em software e Perspectiva. Fontes: Arquivo Laboratório de Historiografia e Cultura Arquitetônica - LAHCA (2011), Acervo Antonio
Couceiro (1949).
Interiormente, no pavimento térreo, onde se encontram os ambientes de setor social e
serviço, a Casa Moura Ribeiro apresenta disposição de ambientes de forma justaposta, com
circulações em hall a interligar os ambientes de forma fluida, dessa forma é possível identificar
o primor pela funcionalidade do projeto. Ainda, no pavimento superior onde se dispõem os
ambientes de setor íntimo, observa-se a presença de um corredor central que funciona como
espinha dorsal para a distribuição dos ambientes, característica encontrada nas tradicionais
plantas coloniais. Isso indica a controversa vontade de apresentar à sociedade uma
residência que fosse símbolo do processo de modernização, o qual, no entanto, ainda
apresentava intima conexão ao modelo de habitação tradicional.
A partir da metade da década de 1950, cresce significativamente a produção de casas
com referência modernista em Belém. A cidade almejava renovações sob as políticas de
modernização de Juscelino Kubistchek. Aos poucos as propostas do engenheiro Camilo Porto
começam a ser aceitas e procuradas pelas famílias que podiam arcar financeiramente com
elas e desejavam participar das experimentações arquitetônicas promovidas por ele
(CHAVES, 2008, p.157). Os terrenos disponíveis geralmente eram extensos e localizavam-se
na periferia da cidade, em áreas destinadas à elite, os quais permitiam ao mesmo, variadas
possibilidades de criações formais. A partir da análise de redesenhos de alguns projetos, é
possível analisar as novas configurações e os diálogos que se formaram com os antigos
padrões habitacionais.
Entre essas obras destaca-se a Casa Bendahan de 1957 (figura 02), que, localizada
num condomínio fechado afastado da cidade, foi concebida para um empresário local. Sua
estrutura parte da cobertura “tipo Errazuris”, continuando linearmente até formar a parede
lateral. Aqui, a estrutura da cobertura se prolonga e define a estrutura compositiva da
construção, convertendo-se na definição do partido arquitetônica (CHAVES 2008, p. 157). À
concepção dessa obra, Porto do Oliveira incorpora elementos formais da arquitetura de Oscar
Niemayer.
Figura 02: Residência Bendahan. Redesenho de Plantas Baixas em software e Fachada Frontal. Fontes: Arquivo do Laboratório de Historiografia e Cultura Arquitetônica - LAHCA (2011), Derenji
(1995).
O projeto da Casa Bendahan apresentava proposta de área com transparência e
abertura e consequente maior relação com o espaço exterior, um traço marcante da
arquitetura residencial moderna. No entanto, o desejo de privacidade do usuário prevaleceu,
pois no edifício o elemento de transparência foi substituído por alvenaria posteriormente, o
que revela a inadequação e rejeição do cliente para com algumas propostas com referências
modernas apresentadas pelo engenheiro.
Quanto à planta baixa, a Casa Bendahan possui simplicidade na disposição de
ambientes, diferenciando-se dos modelos encontrados na cidade do mesmo momento, e,
apesar de considerada térrea, a obra apresenta desnível interno na sua parcela
correspondente ao setor íntimo o que a caracteriza com maior fluidez, própria dos projetos
modernos. Apesar disso, a elaboração da planta constitui-se em decorrência dos elementos
estruturantes, fazendo-se condicionada às suas fachadas. Observa-se que algumas ideias
inovadoras acabavam sendo aplicadas erroneamente na esfera regional, como por exemplo,
a solução de recolhimento de águas pluviais dessa residência, feita através de tubos
instalados junto ao vértice formado pelo desenho do telhado, a qual não suportava a demanda
de chuvas da região.
Nas proximidades da Casa Bendahan, encontra-se a Casa Chamié (figura 03), outra
obra de Porto do Oliveira cujo projeto foi desenvolvido na mesma década (1950) para o filho
de um exportador de castanhas local. Nesse momento já é possível indicar a padronização
formal que o engenheiro apresentava em suas obras, observa-se a mesma intenção em dar
soluções que enalteçam outras variações na forma-suporte da cobertura que deriva como
uma espécie de moldura na fachada, uma vez que cria um espaço coberto posterior. Na Casa
Chamié, o engenheiro faz uso do “split level”, um nível de piso intermediário característico de
casas modernas estadunidenses (também referente ao ”raumplan” de Adolf Loos) o qual
confere jogo de variações espaciais internas ao projeto e maior fluidez (CHAVES, 2008, p.
159).
Figura 03: Residência Chamié. Redesenho de Plantas Baixas em software e Fotografia de Fachada. Fontes: Arquivo do Laboratório de Historiografia e Cultura Arquitetônica - LAHCA (2011), Alcione Silva
(1998).
Provavelmente em 1954 foi edificada a Casa Belisário Dias (figura 04), cuja
localização se dá estrategicamente em uma esquina da Avenida Almirante Barroso,
importante via pública de acesso à cidade, o que proporciona a essa residência duas
fachadas igualmente importantes, visualmente. Identifica-se intenso primor formal nessa
residência, com uso de transparências e presença de lago artificial e jardim.
Figura 04: Residência Belisário Dias. Redesenho de Plantas Baixas em software e Fotografias. Fontes: Arquivo do Laboratório de Historiografia e Cultura Arquitetônica - LAHCA (2011), Celma Chaves (2006).
Nessa casa, adiciona à cobertura em V, as formas expressivas que, da cobertura abobadada da capela de São Francisco do Assis (1942) até a fábrica da SOTREQ (1949) dos irmãos Marcelo e Milton Roberto, ou a Escola Primária do conjunto “Pedregulho” (1950-52) do Afonso Eduardo Reidy, conduziam a arquitetura moderna brasileira a uma expressividade aludida por alguns críticos como um novo barroquismo (CHAVES, 2008).
A disposição da casa no terreno ganha forma de “L” e a partir dos redesenhos do seu projeto
original, é possível inferir que seus ambientes no primeiro pavimento térreo estão dispostos de
forma justaposta, conectados praticamente sem ambientes de circulação, o que viabiliza
melhor a permeabilidade da casa. Os ambientes sociais vão dando acesso gradual às áreas
mais privadas até o setor de serviço, o qual possui acesso independente e ambiente
denominado “quarto da creada” no projeto original. As salas de jantar e de estar são
conjugadas e proporcionam fluidez aos ambientes.
Em contrapartida à questão da permeabilidade, como na maior parte dos projetos de Camilo
Porto, o acesso ao setor íntimo (localizado no pavimento superior) da Casa Belisário Dias está
situado na área social da residência. Nesse segundo pavimento já se observa maior coerência
com a disposição de ambientes do pavimento térreo, contando com poucos ou nenhum
recinto de circulação entre os ambientes, prevalecendo conexões diretas de um ambiente
para outro. Identifica-se um tipo de mezanino intermediando o acesso ao pavimento superior.
A função de integrar uma área de dormitório com uma área social também se dá, nesse caso,
por meio da presença de “vestiários” que viriam a ser denominados “closets” posteriormente.
Outra casa que possivelmente foi construída em 1954, segundo seu único e atual morador,
em linguagem modernista é a Casa Gabbay, projetada pelo engenheiro português Laurindo
Amorim. Localizada em bairro de fronteiriço à principal zona de verticalização, a edificação
encontra-se em terreno estreito e, portanto, utiliza praticamente toda a sua testada. Há na
fachada presença de elementos niemeyereanos e utilização de brise-soleil e cobogós na parte
superior. Segundo CHAVES (2008), a organização de sua planta baixa é (...) simples e
funcional, diferindo dos projetos de Porto do Oliveira.
3. Análise sobre Alterações entre Tipologias Ecléticas e Modernas
As transformações no modo de viver que tratam este artigo foram identificadas de acordo com
as mudanças sociais que ocorreram na primeira metade do século XX em Belém. Os sujeitos
dos grupos sociais elitizados prevaleceram como os principais sujeitos usuários da linguagem
arquitetônica em vigor, contudo esses tipos modificaram-se à medida que os contextos
experimentados pela cidade se transformaram. No início do século, as famílias burguesas que
financiavam a edificação de sobrados ecléticos eram compostas principalmente por políticos,
comerciantes e negociantes (especialmente relacionados à produção da borracha).
Com as mudanças econômicas que se seguiram, nesses grupos sociais da produção
arquitetônica inseriram-se novos emergentes protagonistas, os prestadores de serviços,
como advogados e empresários, logo, o programa de necessidades também se alterou para
atendê-los. Em alguns exemplares modernistas, como na casa Moura Ribeiro, existe o
ambiente do “Gabinete” localizado no setor social da casa, posição estratégica para o
escritório de um profissional liberal que precisasse trabalhar ou receber um cliente em sua
residência sem precisar perder o convívio social.
As tipologias residenciais até o início do século XX caracterizavam-se de forma praticamente
padronizada na concepção da planta baixa de acordo com os terrenos profundos e estreitos,
onde se aproveitava, no caso dos sobrados, toda a largura da testada do lote, de tal forma que
as edificações se prolongavam retilineamente. Também por isso, as casas possuíam extenso
- e geralmente único - eixo de circulação, herdado das formas coloniais e que configurava a
permeabilidade social da casa. As áreas onde se realizavam as atividades de serviço
tradicionalmente encontravam-se aos fundos da construção.
Os resultados das análises sobre as transformações morfológicas e pragmáticas ocorridas no
processo de modernização apontam, por exemplo, no que se refere aos ambientes de serviço,
que as casas modernas de Belém guardavam hábitos tradicionais, pois se observa na Casa
Belisário Dias (1954) que a localização desse setor concentra-se aos fundos do lote,
conservando a espécie de segregação das atividades de manutenção e cozinha que já havia
na sociedade local. Essa segregação repete-se em outras residências analisadas (Casa
Moura Ribeiro, Casa Bendahan, Casa Chamié), variando em sutileza de distinção. Outro caso
já citado refere-se aos modelos de circulação interna nos projetos. Os longos corredores das
habitações ecléticas ainda são vistos nos projetos modernistas pioneiros, e, no caso da
residência Moura Ribeiro, nota-se essa configuração apenas no setor íntimo, o que permitiu
maior familiarização do usuário com a moradia.
Nos moldes das casas burguesas anteriores às intervenções modernistas vale ressaltar a
presença de um ambiente essencial na configuração da tipologia, a Varanda, como espaço de
maior convívio social da moradia onde aconteciam geralmente as reuniões em família e
muitas vezes possuía grande área aberta em contato com o espaço externo (quintal). Outra
perspectiva sobre as transformações que a moradia moderna trouxe à vida das pessoas
envolve nesse caso - com enfoque nas tipologias da verticalização - a relação do usuário com
o espaço externo. A moradia em edifícios verticalizados em geral, proporcionou a perda dos
quintais e jardins particulares, ambientes entendidos durante muito tempo como importantes
para a caracterização do arquétipo de moradia.
“O quintal, durante o dia, funcionava como uma extensão da casa e, bem assim, da cozinha, à qual estava ligado comumente por porta e janela. (...) quem sabe o quintal tenha sido inevitavelmente o espaço de mais intensa convivência da família com a vizinhança contígua. De uma maneira hoje curiosa, embora fosse um ambiente de serviço, o quintal era também lugar de convivência social (...).“ (COELHO, 2007, p. 48)
Em contrapartida, a modernização trouxe aos edifícios verticalizados os elementos da
janela em altos planos e da sacada. Isso fez com que a relação com o exterior se
desenvolvesse de uma nova perspectiva, muito menos participativa por parte do usuário na
qual as janelas e sacadas dos edifícios concebem-se como contemplativas em relação à
cidade e às relações estabelecíveis com a vizinhança. No caso das moradias unifamiliares, é
possível indicar que os terrenos escolhidos para a edificação das casas modernas eram
largos para o desenvolvimento da forma arquitetônica almejada. Isso distanciou os usuários
do contato com a vizinhança. Em ambos os casos, observa-se que o modo de viver trazido
pelas concepções modernistas inseridas na arquitetura proporcionava a perda do uso do
espaço externo para o convívio social.
4. Considerações Finais
A arquitetura moderna em Belém no século XX gerou variações de características e
valores entre as linguagens eclética e neocolonial predominantes até então, e também novas
propostas projetuais modernistas, as quais precisaram adaptar-se às necessidades dos
usuários. A partir da arquitetura local propagou-se uma arquitetura moderna específica,
caracterizada por agregar elementos absorvidos da produção nacional e internacional,
transpostos àquele público.
A historiografia dominante tende a caracterizar a arquitetura moderna produzida em
âmbitos internos, como por exemplo, na cidade de Belém, apenas como difusão do que era
concebido externamente, o que acarreta a depreciação dessa arquitetura desenvolvida de
forma particular. Para obter-se uma nova perspectiva para a produção arquitetônica moderna
de Belém é necessário que se direcione mais livremente à noção de recepção, a qual deve ser
entendida como questionamento da diversidade, possibilitando que diversas modernidades,
que exemplares que fogem do hegemônico possam ser apropriados como detentores de valor
(NASLAVSKY & MARQUES, 2011).
A particularidade observada na produção arquitetônica moderna de Belém só
desenvolveu-se devido ao contexto sociopolítico e cultural instaurado no país e no mundo que
propunha um novo modo de viver, adaptado às mudanças da sociedade pós-Revolução
Industrial, a modernidade.
“O modernismo, em todo caso, deve ser analisado como um dos depósitos de respostas explorados na modernidade para se entender a modernização. A modernidade é tomada aqui, então, como o ethos cultural mais geral da época, como os modos de vida e organização social (...), e a modernização, como aqueles processos duros que continuam transformando materialmente o mundo.” (GORELIK, 1999)
Ao explorar a perspectiva de GORELIK (1999) aplicando-a a análise sobre o modo de
vida nas moradias modernistas, é possível afirmar que, no enfoque regional, o processo de
modernidade não se desenvolveu acompanhado da uma modernização pura, pois em Belém
apresentou-se o resultado da absorção de valores desenvolvidos naquele momento no país
associado a uma herança cultural e a um processo de industrialização praticamente
inexistente em Belém. Essa combinação não descaracterizou o fenômeno como modernista,
visto que as alterações provocadas por ele promoviam a inclusão nesse modo de vida que
buscava solucionar os questionamentos surgidos com as mudanças físicas que se tornaram
possíveis a partir do século XX.
De acordo com as observações e estudos realizados pode-se pensar na elaboração
de uma nova percepção da arquitetura residencial moderna de Belém, na qual se considere
os parâmetros de adaptação do ser humano envolvido no processo de transformação da
fisionomia da cidade, tanto como projetista quanto como usuário. Propõe-se que essa
perspectiva incentive o reconhecimento do valor patrimonial de tais edifícios recentes para
que assim não sejam perdidas as documentações historiográficas e culturais proporcionadas
pela sua existência.
Referências
CHAVES, Celma. La Arquitectura em Belém, 1930-1970: uma modernización dispersa com lenguajes cambiantes. 2005. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona – Barcelona. CHAVES, Celma. Modernização, inventividade e mimetismo na arquitetura residencial em Belém entre as décadas de 1930 e 1960. Revista Risco EESC/USP, São Paulo, v. 8, p. 145-191, 2008. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/risco/article/view/44757>. Acesso em: 25 ago. 2013. CHAVES, Celma. Arquitetura, modernização e política entre 1930 e 1945 na cidade de Belém. Vitruvius, Magazines Arquitextos. v. 94, f. 06, mar. 2008. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.094/161>. Acesso em: 25 ago. 2013. CHAVES, Túlio A. P. de Vasconcelos. Isto Não É Para Nós? Um estudo sobre a verticalização e modernidade em belém entre as décadas de 1940 e 1950. 2011, 142 p. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) - Instituto de Filosofia E Ciências Humanas - Programa De Pós-Graduação Em História – Belém. COELHO, André de Barros. Moradia burguesa belenense no período da borracha (1850-1920). 2007, 188 p. Dissertação (Pós Graduação em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro. DERENJI, Jussara da Silveira. Modernismo na Amazônia: Belém do Pará, 1950/70. Vitruvius, Magazines Arquitextos. v. 17, f. 04, out. 2001. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.017/838>. Acesso em: 25 ago. 2013. GORELIK, Adrián. O moderno em debate: cidade, modernidade, modernização. Em MIRANDA, Wander Melo. (org.). Narrativas da modernidade. Belo Horizonte, Autêntica, 1999.
NASLAVSKY, Guilah. MARQUES, Sonia M. B. Recepção x difusão: reflexões para preservação do patrimônio recente. 2011. Publicações 9º Seminário Docomomo Brasil. Disponível em: <http://goo.gl/gjY3Bj>. Acesso em: 25 ago. 2013. PENTEADO, Antônio Rocha. Belém do Pará: estudo de geografia urbana. 2º volume. Universidade Federal do Pará. Belém.1968. SARGES, Maria de Nazaré. Belém, riquezas produzindo a Belle Époque. 3ª edição. Ed. Paka-tatu. Belém. 2010.