5
Sentença: motivação das decisões judiciais segundo Lenio Streck Maio, 2013 O que é isto – decido conforme minha consciência. (Lênio Streck) O autor desenvolve no livro em análise um tema por ele denominado “filosofia da consciência”, com a finalidade de debater a mudança de paradigma do mundo jurídico quanto ao mito do “decido conforme minha consciência”. Segundo ele isso poderá ser superado somente por teoria que possa ser sopesada como pós- positivista. Streck adota uma linguagem identificada com a filosofia hermenêutica de GADAMER, um filósofo alemão considerado como um dos maiores expoentes da hermenêutica filosófica. Ao mesmo tempo faz uso de locuções que expressam conceitos fundamentais para o entendimento da sua obra. Citam-se “virada linguística”; “protagonismo judicial”; “solipsismo jurídico”; “pret-à-porters”; “principiologia”; “realismo judicial”. Lenio inicia sua obra, portanto, enfatizando o combate ao que chamou de sujeito solipsista, uma espécie de juiz que decide os casos segundo a sua própria consciência e vontade, deixando a Constituição em segundo plano. Na realidade o autor busca desconstruir criticamente essa ideia que se mostra sedimentada no mundo jurídico brasileiro, muito bem representada por jargões do tipo: “sentença vem de sentire.”. Dessa forma, criticam-se as disposições judiciais estabelecidas a partir da consciência dos juízes,sem que sejam consideradas as normas em vigor, a doutrina e a jurisprudência, classificando-as definitivamente como arbitrárias e solipsistas. A sentença proferida pelo magistrado não vem de sentire, vem da

Motivação Das Decisões Judiciais Segundo Lenio Streck

Embed Size (px)

DESCRIPTION

RESUMO

Citation preview

Page 1: Motivação Das Decisões Judiciais Segundo Lenio Streck

Sentença: motivação das decisões judiciais segundo Lenio Streck

Maio, 2013

O que é isto – decido conforme minha consciência. (Lênio Streck)

O autor desenvolve no livro em análise um tema por ele denominado “filosofia da

consciência”, com a finalidade de debater a mudança de paradigma do mundo jurídico

quanto ao mito do “decido conforme minha consciência”. Segundo ele isso poderá ser

superado somente por teoria que possa ser sopesada como pós-positivista.

Streck adota uma linguagem identificada com a filosofia hermenêutica de GADAMER,

um filósofo alemão considerado como um dos maiores expoentes da hermenêutica

filosófica.

Ao mesmo tempo faz uso de locuções que expressam conceitos fundamentais para o

entendimento da sua obra. Citam-se “virada linguística”; “protagonismo judicial”;

“solipsismo jurídico”; “pret-à-porters”; “principiologia”; “realismo judicial”.

Lenio inicia sua obra, portanto, enfatizando o combate ao que chamou de sujeito

solipsista, uma espécie de juiz que decide os casos segundo a sua própria consciência

e vontade, deixando a Constituição em segundo plano.

Na realidade o autor busca desconstruir criticamente essa ideia que se mostra

sedimentada no mundo jurídico brasileiro, muito bem representada por jargões do tipo:

“sentença vem de sentire.”.

Dessa forma, criticam-se as disposições judiciais estabelecidas a partir da consciência

dos juízes,sem que sejam consideradas as normas em vigor, a doutrina e a

jurisprudência, classificando-as definitivamente como arbitrárias e solipsistas.

A sentença proferida pelo magistrado não vem de sentire, vem da busca das

respostas conformadas na Constituição que satisfaçam os querelantes.

Dessa constatação Lenio Streck questiona a capacidade de tal sujeito (juiz) de

construir a realidade a partir de representações de sua consciência solitária

(solipsista).

Nesse sentido o autor expõe a noção de que esse sujeito é limitado pela linguagem

aprendida desde a infância, a qual controla sua inteligência e imaginação, e que, por

isso, não consegue conceber claramente outras coisas que estão fora da esfera dessa

mesma linguagem.

Page 2: Motivação Das Decisões Judiciais Segundo Lenio Streck

Porquanto para se libertar desta condição, Streck expõe a noção do denominado giro

ontológico-linguístico entre conceitos e sujeitos, verbis:

“a viragem ontológico-linguística é o raiar da nova possibilidade de constituição de

sentido. Trata-se da superação do elemento apofânico, com a introdução desse

elemento prático que são as estruturas prévias que condicionam e precedem o

conhecimento” (STRECK, 2010, p. 16).

Em outras palavras, Streck ver oportunidade na construção de sentido das coisas

porque os conceitos da linguagem não se apresentam para a sociedade como algo

estável, natural ou permanente, pelo contrário, carregam incertezas e tendem a

relatividade dos objetos e dos sujeitos. Ou seja, num determinado momento o bem

pode vir a ser o mal evice-versa.

Na parte seguinte o autor nos apresenta varias decisões pelos quais busca revelar o

paradigma da consciência que entende o direito como aquilo emanado destas

decisões tem por base uma atitude subjetiva e discricionária do sujeito (juiz, tribunal,

etc.), ou seja, entende que o direito é aquilo que o intérprete quer que ele seja. Em

contrapartida Streck apresenta o ativismo/protagonismo do juiz com uma forma de

acobertar essa atitude do sujeito..

Streck identifica no meio dos juristas uma disposição em estabelecer que o juiz deve

julgar, em determinado caso concreto, conforme a sua consciência, ou seja, do jeito

que melhor lhe agradar. Aqui reside a crítica mais contundente do autor, justamente

quando aponta aquilo que ele denomina de solipsismo judicial, ou seja, a fonte da

decisão judicial são as suas crenças.

Ainda neste diapasão e à luz da filosofia da linguagem, o autor tece críticas a ambos

anteprojetos do Novo CPC e Novo CPP por considerá-los reféns de uma concepção

de mundo que entende o modo de decidir como vontade do intérprete, possibilitando

discricionariedades e arbitrariedades (STRECK, 2010, p.47).

De modo semelhante carrega críticas sobre o abuso na utilização exagerada e sem

controle dos princípios constitucionais, o que denominou-se “pan-principiologismo”. Ou

seja, quando não concordamos com a lei ou com a Constituição, construímos um

princípio. Nas palavras do autor:

“a maior parte das sentenças e acórdãos acaba utilizando tais argumentos comoum

instrumento para o exercício da mais ampla discricionariedade (para dizer o menos) e

o livre cometimento de ativismo” (STRECK, 2010, p. 48).

Ainda sobre esta questão, trata o autor sobre a colisão de princípios constitucionais

explicando, com base na teoria de Robert Alexy, a maneira capaz para resolver a lide

originária da colisão de princípios, criando-se uma regra fundamental.

Destarte, Streck destaca que a resolução da colisão de princípios seria feita por uma

regra e a aplicação dessa regra seria perpetrada por subsunção, i.e., pela aplicação

direta da norma jurídica a um determinado tipo.

É diante disso que Lenio Streck centra suas críticas à forma de ponderação utilizada

Page 3: Motivação Das Decisões Judiciais Segundo Lenio Streck

no Brasil, que se descarta a criação de uma regra fundamental para ser utilizada na

resolução da lide originária do conflito, aplicando-se, sim, a proporcionalidade

diretamente, como se fosse uma regra.

A propósito disso, o Streck in verbis:

“É por isso que venho sustentando – inclusive alterando posição professada há alguns

anos atrás – que a proporcionalidade somente tem sentido se entendida como

‘garantia de equanimidade’. Ou seja, proporcionalidade – admitindo-se-a ad

argumentandum tantum – não é (e não pode ser) sinônimo de equidade. Fora disso, o

‘princípio’ da proporcionalidade se torna um irmão siamês do livre convencimento,

ambos frutos do casamento do positivismo jurídico com a filosofia da consciência, com

o que voltamos ao âmago do tema tratado nesta obra: pode o sujeitosolipsista se

manter em pleno giro ontológico-linguístico?” (STRECK, 2010, p. 50-51).

Serve a situação acima, juntamente com outras apresentadas pelo autor para

demonstrar o que se denominou de filosofia da consciência e como isso está

impregnada nos tribunais e doutrinadores.

Ao que parece, o autor tenta demonstrar que apesar da constatação do rompimento

da filosofia da linguagem por parte do sujeito solipcista, verifica-se que várias

correntes de pensamento são utilizadas para defender uma ou outra posição.

Streck constata que não há por parte dos jusfilósofos, doutrinadores preocupação em

desenvolver estudos que verdadeiramente rompam com o positivismo, fato que

proporciona sua sustentação.

O autor assevera que:

O que importa referir é que, uma vez que passamos da epistemologia (teoria geral, na

sua primeira “fase” e teoria do conhecimento em sua segunda “fase”) para a

hermenêutica (fundada na virada linguística), é razoável pensar (e esperar) que essa

ruptura paradigmática deveria obter uma ampla recepção nessa complexa área do

conhecimento que é o direito, mormente se parti(r)mos da concepção de que há uma

indissociável ligação entre o positivismo jurídico – que tanto queremos combater – e o

esquema sujeito-objeto (afinal, ninguém admite, principalmente no Brasil, ser epitetado

de “positivista”). (STRECK, 2010, p. 68)

Vale ressaltar que o autor não pretende enveredar pelo questionamento radical face à

discricionariedade judicial, pois entende não tratar-se deimpedir a interpretação e sim

permitir a discussão democrática das decisões judiciais.

Afinal trata-se da defesa que se faz da fusão dessas correntes com base na

Constituição Federal que comanda as regras e os princípios que constituem o direito.

Portanto, assevera que não é novidade a constatação de que os textos jurídicos

podem ser ambíguos e vagos e que, via de regra, os princípios permitem grande

abertura relativamente às possibilidades de significados, in verbis:

“O que deve ser entendido é que a realização/concretização desses textos (isto é, a

Page 4: Motivação Das Decisões Judiciais Segundo Lenio Streck

sua transformação em normas) não depende – e não pode depender – de uma

subjetividade assujeitadora (esquema S-O), como se os sentidos a serem atribuídos

fossem fruto da vontade do intérprete” (STRECK, 2010, p. 87).

Por esta afirmação, entende-se que Streck afasta a dependência dos princípios em

relação à consciência do magistrado, querendo dizer assim, que a interpretação

judicial tem limite. Inclusive questiona o posicionamento da doutrina que se enfraquece

por limitar-se a reproduzir as decisões proferidas nos tribunais.

Diz o autor: “É o império dos enunciados assertóricos que se sobrepõe à reflexão

doutrinária” (STRECK, 2010, p. 88).

Na busca de uma doutrina pós-positivista efetiva que venha romper com o modelo

atual que sobressalta o sujeito arbitrário, solicipsista, Streck tenta insistentemente

estabelecer a necessidade de se criar uma teoria da decisão judicial, que seja

ajustada aos dias de hoje quanto aospadrões normativos e filosóficos. Ou seja,

tratando sobre o enfrentamento do problema “do senso comum teórico do direito”, diz

o autor:

“não superação do positivismo jurídico naquilo que é seu principal elemento – a

discricionariedade, sustentada, por sua vez, no solipsismo do sujeito da modernidade”

(STRECK, 2010, p. 104).

Para finalizar, Streck delineia as particularidades que seriam supridas por uma teoria

verdadeiramente pós-positiva, in verbis:

“a) ter a compreensão do nível teórico sob o qual estão assentadas as projeções

teóricas efetuadas, ou seja, uma teoria pós-positivista não pode fazer o uso de

mixagens teóricas;” e “b) enfrentar o problema do solipsismo epistemológico que

unifica todas as formas de positivismo (aqui, como já se viu, o campo jurídico brasileiro

é fértil nessa perspectiva, por se excessivo arraigamento à epistemologia e à filosofia

da consciência)” (STRECK, 2010, p. 95).

Em resumo, Streck explana sobre o paradigma da filosofia da consciência adotada

amplamente na prestação jurisdicional brasileira, que vincula as decisões dos

magistrados a um modelo positivista jurídico.

É contundente ao apontar o enfraquecimento das instituições de ensino jurídico e dos

doutrinadores por aceitarem naturalmente o rompimento da filosofia da linguagem por

parte do sujeito solipcista (juiz) deixando-se impregnar pela filosofia da consciência, ou

seja, ao modo de decidir como vontade do intérprete, possibilitando

discricionariedades e arbitrariedades.