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JBCA – Jornal Brasileiro de Ciência Animal 2009 2 (3): 175-188. 175 Métodos de preservação de membranas biológicas para uso cirúrgico Biologic membranes preservation methods for surgical usage Métodos de preservación de membranas biológicas para uso quirúrgico Letícia Leal Oliveira 1 *, Diogo Benchimol de Souza 2 , Edmundo Jorge Abílio 3 , Eulógio Carlos de Carvalho 3 Resumo As membranas biológicas consistem em implantes de natureza orgânica que tem como principal característica serem constituídos quase que exclusivamente por colágeno. São usados como enxertos em cirurgias reconstrutivas, após preservação por diversos métodos. Os métodos mais estudados são a glicerina, o glutaraldeído, a solução de açúcar supersaturado, a solução supersaturada de sal, a solução de polivinilpirrolidona e o congelamento. Estes métodos são aqui revisados, apontando-se as principais vantagens e desvantagens de cada um. Descritores: Implantes absorvíveis; biomateriais; cirurgia reconstrutiva. Abstract Biologic membranes are organic implants that are almost exclusively constituted by collagen. They are used in reconstructive surgery after preservation by different methods. The most studied methods are glycerin, glutaraldehyde, hypersaturate sugar solution, hypersaturate salt solution, polyvinylpyrrolidone solution and freezing. These methods are here revised pointing their major advantages and disadvantages. Keywords: Absorbable implants; tissue scaffolds; reconstructive surgery. Resumen Las membranas biológicas son implantes de naturaleza orgánica que tienen como principal característica estar constituidas casi completamente por colágeno. Son utilizadas como injertos en cirugías reconstructivas, 1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciência Animal. Laboratório de Sanidade Animal (LSA) / Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA) / Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). 2 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia e Ciências Cirúrgicas / Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). 3 Professor Associado, MSc., DSc./ LSA / CCTA / UENF. * Email: [email protected]

Métodos de preservação de membranas biológicas para uso ... 02 (03) - 6...Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA) / Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

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Métodos de preservação de membranas biológicas para uso cirúrgico

Biologic membranes preservation methods for surgical usage

Métodos de preservación de membranas biológicas para uso quirúrgico

Letícia Leal Oliveira1*, Diogo Benchimol de Souza2, Edmundo Jorge Abílio3,

Eulógio Carlos de Carvalho3

Resumo

As membranas biológicas consistem em implantes de natureza orgânica

que tem como principal característica serem constituídos quase que

exclusivamente por colágeno. São usados como enxertos em cirurgias

reconstrutivas, após preservação por diversos métodos. Os métodos mais

estudados são a glicerina, o glutaraldeído, a solução de açúcar

supersaturado, a solução supersaturada de sal, a solução de

polivinilpirrolidona e o congelamento. Estes métodos são aqui revisados,

apontando-se as principais vantagens e desvantagens de cada um.

Descritores: Implantes absorvíveis; biomateriais; cirurgia reconstrutiva.

Abstract

Biologic membranes are organic implants that are almost exclusively

constituted by collagen. They are used in reconstructive surgery after

preservation by different methods. The most studied methods are glycerin,

glutaraldehyde, hypersaturate sugar solution, hypersaturate salt solution,

polyvinylpyrrolidone solution and freezing. These methods are here revised

pointing their major advantages and disadvantages.

Keywords: Absorbable implants; tissue scaffolds; reconstructive surgery.

Resumen

Las membranas biológicas son implantes de naturaleza orgánica que

tienen como principal característica estar constituidas casi completamente

por colágeno. Son utilizadas como injertos en cirugías reconstructivas,

1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciência Animal. Laboratório de Sanidade Animal (LSA) / Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA) / Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). 2 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia e Ciências Cirúrgicas / Universidade Estadual do Rio

de Janeiro (UERJ). 3 Professor Associado, MSc., DSc./ LSA / CCTA / UENF. * Email: [email protected]

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después de ser preservadas por diferentes métodos. Los métodos más

estudiados son la glicerina, el glutaraldeído, la solución supersaturada de

azúcar, la solución supersaturada de sal, la solución de polivinilpirrolidona

y el congelamiento. Estos métodos son revisados aquí, enfatizando las

principales ventajas y desventajas de cada uno.

Descriptores: Implantes absorbibles; bases de tejido; cirugía

reconstructiva.

Introdução

Durante muitos séculos,

especialmente nos últimos anos, a

procura por métodos de

conservação para diversos tecidos

vem sendo constante, dado o

crescente uso de materiais

biológicos nos transplantes

homólogos e heterólogos em

cirurgias reconstrutivas e

reparadoras1.

As membranas biológicas

consistem em implantes de

natureza orgânica, livre e inerte, e

têm como principal característica

serem constituídas quase que

exclusivamente por colágeno, por

isso apresentam baixa toxicidade2.

Tais biomateriais conservados por

longos períodos apresentam

diversas vantagens, pois servem de

ponte para que o tecido natural

seja restituído; são resistentes a

infecções e têm a possibilidade de

serem moldados de acordo com o

local de aplicação (Figuras 1 e 2) 3.

Estudos com membranas

biológicas conservadas de

diferentes maneiras são realizados

com o objetivo de se descobrir o

meio ideal para preservação, que

deve manter a integridade tecidual,

atenuar a ação antigênica,

aumentar a resistência à tração e

atuar por um longo período,

mantendo a assepsia do material,

sendo ainda de baixo custo e fácil

manuseio2.

O presente estudo tem por

objetivo revisar as questões

pertinentes aos meios de

preservação mais utilizados na

conservação de membranas

biológicas para uso como enxertos

em cirurgia.

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Glicerina

A glicerina, também

denominada glicerol ou propanotriol,

é dotada de propriedade anti-

séptica que a levou a ser utilizada

na conservação de produtos

(vacinas) e instrumentos de

borracha sem alterar as

características originais2. As

membranas biológicas conservadas

em glicerina à temperatura

ambiente são muito utilizadas por

serem facilmente manuseadas,

representarem baixo custo e bons

resultados2,4,5,6.

Quando utilizadas dessa

forma devem ficar por um período

mínimo de 30 dias completamente

submersas no meio, antes do

procedimento cirúrgico2,9,10,11,12,13,14,15.

O tempo mínimo de conservação do

biomaterial na glicerina garante a

atenuação imunogênica, assim

como o seu efeito antimicrobiano12,

evitando sinais de rejeição do tecido

anfitrião ao enxerto utilizado16.

Brun et al. (2002)

conservaram pericárdio equino em

glicerina por 11 anos em

temperatura ambiente. Nestas

condições, utilizando-se culturas

convencionais, não houve

crescimento de bactérias e fungos,

além da maleabilidade do tecido ter

se mantido. Entretanto, a glicerina

não possui ação contra formas

bacterianas esporuladas e vírus4.

O tempo de preservação de

cartilagem em glicerina, que não foi

inferior a 30 dias, no estudo de

Rappeti et al, (2003) foi adequado,

pois os gatos que receberam o

implante de cartilagem auricular

canina na parede torácica não

apresentaram sinais clínicos de

rejeição ou infecção. Ao serem

removidas dos frascos,

apresentavam aspecto rígido,

porém com arquitetura tecidual

macroscópica preservada. A

membrana biológica conservada em

glicerina deve ser embebida em

solução salina para sua re-

hidratação (Figura 3). O tempo de

reidratação de 25 minutos foi eficaz,

tornando a cartilagem maleável11.

No entanto, a glicerina a 98

% pode causar algumas rupturas na

membrana plasmática do músculo

liso intestinal nela preservado,

segundo estudo de Mota et al.

(2002). Os componentes

citoplasmáticos ficaram levemente

afastados entre si, não sendo

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possível observar organelas

íntegras, apenas a identificação de

corpos densos. Núcleos dilatados

com desagregação da cromatina

foram visualizados, assim como

também a presença de figuras

mielínicas.1

O peritônio bovino

conservado em glicerina a 98%, por

sua vez, é capaz de manter a sua

elasticidade e aparente

resistência9,18, assim como o centro

frênico canino, também conservado

nesse meio19, e funciona como um

suporte para a reparação do tecido

anfitrião.20 A histologia revelou que

o peritônio bovino em glicerina por

60 dias praticamente não sofre

alterações. Somente as fibras

musculares apresentam-se mais

acidófilas, retraídas e com núcleos

condensados. Esses aspectos

histológicos seriam compatíveis

com a ação desidratante da

glicerina.9

Esta ação propicia um poder

antisséptico e ocorre por causa da

sua acentuada hidrofilia, havendo

assim uma ligação covalente com

as moléculas de hidrogênio

presentes na água, ou seja, uma

ligação eletrostática entre os

átomos. Acredita-se que a glicerina

tenha contato com a água das

células através dos poros existentes

nas suas membranas. Isto ocorreria

porque as moléculas da glicerina

têm tamanho muito pequeno4,21.

Já as características físicas

de consistência e maleabilidade do

tendão conservado em glicerina,

após reidratação, não se igualaram

a do tendão receptor, mesmo após

o período de 24 horas. Deduz-se

que a conservação prolongada de

tendões cause um grau de

desidratação que não pode ser

compensado completamente por

este período. Essa variação não

causa, no entanto, reação tecidual

diferenciada quando comparada aos

tendões preservados por menor

tempo22.

Outro estudo demonstrou que

o centro tendíneo diafragmático

bovino conservado em glicerina a

98 % durante 30 dias não

apresentou diferenças significativas

quanto à resistência, quando

comparado ao material in natura. A

glicerina a 98 % após 30 dias de

conservação do tecido foi eficiente

contra formas bacterianas

vegetativas13.

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Outra vantagem da glicerina,

evidenciada no trabalho de Gioso23,

é servir para o armazenamento do

material em temperatura ambiente.

Isto porque, a esta temperatura, não

há formação de cristais intra e

extracelulares, além de alterações

eletrolíticas deletérias às células e à

matriz extracelular.

Pigossi et al. (1971)

afirmaram que a conservação da

dura-máter canina em glicerina na

temperatura ambiente não altera

suas características fundamentais

de textura e evita a contaminação.

O implante de dura-máter

homogênea em cães conservada

em glicerina não provoca reações

do tipo corpo estranho nem

inflamatória aguda. O método de

conservação desse tecido em

glicerina é fácil e pouco

dispendioso.

A conservação em glicerina

pode reduzir a antigenicidade dos

tecidos4,19,21,24, o que evita o uso de

drogas imunossupressoras durante

os períodos trans e pós-

operatórios22, 25, 26, 27.

Estudo demonstrou que o

centro frênico canino em glicerina a

98 % utilizado na reparação de

defeito da parede abdominal de

ratos foi sendo substituído

progressivamente pelo tecido do

hospedeiro, comprovando que o

centro frênico conservado nesse

meio serve como um arcabouço

para o desenvolvimento do tecido

vivo17. Da mesma maneira, notou-

se a substituição progressiva do

cordão umbilical bovino conservado

em glicerina a 98 % por tecido de

granulação, regenerando lesão

traqueal de cães24.

Glutaraldeído

O glutaraldeído é uma

excelente opção no tratamento de

membranas biológicas por ser

facilmente encontrado, econômico,

além de agir rapidamente no tecido

a ser preservado, sendo muito

utilizado em biopróteses comerciais.

As válvulas cardíacas fabricadas,

oriundas de válvulas aórticas

porcinas, normalmente são tratadas

em baixas concentrações de

solução de glutaraldeído28. O

pericárdio bovino também é muito

utilizado como biomaterial na

substituição valvar e em outras

cirurgias cardíacas29,30,31,32. Este

conservante é capaz de melhorar a

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estabilidade bioquímica de

biomateriais, desencadeando

mudanças em suas características

mecânicas, tornando-os mais

resistentes e permitindo uma melhor

incorporação biológica no tecido

anfitrião11.

Quando utilizado na

concentração de 4 % para

conservação de cartilagem auricular

homóloga de bovino em hérnia

umbilical recidivante, o glutaraldeído

demonstrou eficiente ação

bactericida36.

Utilizado no enxerto

vascular homólogo de equinos

fixado em glutaraldeído, apresentou

boa manipulação cirúrgica, sendo

possível a realização do implante

com as suturas anastomóticas. O

conservante também reduziu a

antigenicidade do enxerto,

permitindo boa preservação

histológica da estrutura vascular 37.

Segundo Rabelo et al.

(2004), o centro tendíneo

diafragmático bovino conservado

em glutaraldeído a 4 % durante 30

dias apresentou incremento em sua

resistência quando comparado ao

material in natura. Este meio

também se mostrou eficiente quanto

à sua ação anti-séptica sobre

formas vegetativas bacterianas.

Entretanto, a calcificação do

tecido é a principal causa de

fracasso dos materiais mantidos

nesse meio28,33,34,35, indicando que

o glutaraldeído possua núcleos de

ancoragem de cálcio, iniciando esse

processo28.

Solução supersaturada de açúcar

Estudos utilizaram a solução

supersaturada de açúcar a 300 % –

preparada com 300 gramas de

açúcar cristalizado em 100 mililitros

de água tridestilada, obtendo uma

solução na proporção

homogenizada de 3:1 –, onde

enxertos permaneceram imersos

em frascos estéreis por 48 horas. A

solução foi substituída por outra

semelhante e os tecidos

permaneceram imersos para

conservação e armazenamento por

30 dias em temperatura

ambiente3,38. Segundo Mazzanty et

al., (2001), a conservação da

porção muscular do diafragma por

este meio pode ser explicada pela

ação desidratante exercida pelo

açúcar.

O segmento de músculo

diafragma em solução

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supersaturada de açúcar mantém a

resistência e as estruturas

morfológicas do tecido, não sendo

observados sinais de infecção ou

rejeição do material quando

implantado em diafragma canino3,38.

O poder bactericida de

soluções de açúcar só é atingindo

em concentrações iguais ou

superiores a 250 %, por um período

mínimo de 45 dias, o que foi

constatado por Mota et al. (2003)39,

que verificaram a ausência de

crescimento de microorganismos

em soluções glicosadas a 300 %,

com ou sem antibiótico.

À análise histológica da

camada muscular do intestino

delgado submersa nessa solução é

possível observar um leve aumento

do espaço intersticial, havendo uma

pequena degradação de algumas

células. No entanto, nota-se a

integridade mantida de grande parte

da área analisada, sem alterações

aparentes da morfologia celular. 39

No estudo de Mota et al.

(2002), a análise ultra-estrutural das

células musculares dos tecidos

mantidos em solução supersaturada

de açúcar a 300 % por 45 dias, à

temperatura ambiente, mostrou

alterações nas organelas,

desagregação da cromatina e o

rompimento da membrana

citoplasmática em algumas células.

Solução hipersaturada de sal

A solução

hipersaturada de sal, na proporção

de 1,5 g de sal comercial para um

mililitro de água tridestilada,

demonstrou possuir propriedades

anti-sépticas ao se coletar

biomateriais de forma não asséptica

e não se empregar antibióticos

durante o período pós-operatório,

não havendo crescimento de

microorganismos nos meios19,40. A

ação antibacteriana e antifúngica da

solução hipersaturada de sal

também é centralizada na

diminuição da atividade de água,

contudo, não se descartada a

possibilidade de que o iodo

(presente no sal comercial) atue

neste sentido40. Na maioria dos

estudos, os biomateriais são

imersos em solução hipersaturada

de sal em temperatura ambiente

por, no mínimo, 30 dias, para que

desempenhe sua ação

conservante41.

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Antes de se implantar uma

membrana conservada em soluções

desidratantes, torna-se necessário

realizar a sua hidratação. O

protocolo utilizado para este fim, por

diferentes autores19,40,41, apresenta

grande variação, na dependência do

material conservado. O período

mínimo de 15 minutos demonstrou

ser adequado para hidratar

pericárdio mantido em sal, desde

que se faça uma abundante

irrigação do material40.

Os tecidos conservados em

sal mantêm a maleabilidade,

mesmo antes do período de

hidratação, o que facilita a

manipulação do implante durante o

procedimento cirúrgico. As reações

do tipo corpo estranho ou a

eliminação do implante não foram

detectadas em estudos, talvez como

um indicativo de que a solução

hipersaturada de sal possua função

antiimunogênica, como em outros

meios de conservação19,40. Ao

exame histológico de pericárdio

conservado neste meio, constatou-

se a manutenção de seu arcabouço

conjuntivo-fibrilar, porém com as

células sem apresentarem

núcleos40.

Solução de polivinilpirrolidona

A solução de

polivinilpirrolidona a 5 % mostra

excelente ação antimicrobiana, não

observando-se crescimento

bacteriano em amostras mantidas

por 45 dias à temperatura ambiente.

No entanto, pode ocorrer a

destruição dos núcleos celulares e o

extravasamento da cromatina do

tecido conservado nessa solução39.

A desagregação e a ruptura

generalizada das células, a

destruição dos núcleos celulares e o

extravasamento da cromatina

podem ser visualizados à análise

ultra-estrutural da túnica muscular

do intestino delgado de cães

preservada por este método 1.

Preservação por Congelamento

O congelamento a -16 oC por

45 dias do material embebido em

solução fisiológica, com ou sem

antibiótico, não se mostrou um bom

método para a conservação de

membranas biológicas pois, apesar

de impedir o crescimento de

microorganismos, à analise

histológica observou-se grande

quantidade de lise celular, com

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acentuado aumento do espaço

intersticial.39

Considerações finais

A solução de glicerina é o

meio de conservação mais

estudado e usado na Medicina

Veterinária pelas suas vantagens

com relação à preservação do

arcabouço tecidual, facilidade de

manuseio e indução da

antigenicidade.

Por outro lado, o

glutaraldeído é o meio mais utilizado

na Medicina Humana, sobretudo

nas membranas biológicas

comercializadas, pois aumenta a

resistência tecidual e tem uma boa

ação bactericida.

Alguns métodos de

preservação, como a solução de

polivinilpirrolidona e o

congelamento, causam grande

alteração do tecido e por isso têm

sido menos estudados.

As soluções de glicerina, sal

e açúcar têm sua ação

antimicrobiana apenas pela

desidratação dos tecidos, o que

parece não ser eficaz contra vírus e

bactérias esporuladas.

O glutaraldeído tem como

principal desvantagem a

calcificação das membranas

biológicas, prejudicando suas

propriedades físicas.

Futuros estudos comparando

o glutaraldeído e a glicerina, no que

diz respeito à preservação das

características físicas e histológicas,

bem como à ação antimicrobiana,

são necessários para se

estabelecer qual o melhor meio de

conservação para as membranas

biológicas.

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Figura 1 – Pericárdio bovino pronto para a utilização como

xenoenxerto. Hospital Veterinário / UENF. Arquivo

pessoal, 2008.

Figura 2 – Pericárdio bovino implantado sobre

anastomose intestinal em felino submetido à colectomia

subtotal. Hospital Veterinário / UENF. Arquivo pessoal,

2008.

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Figura 3 – Pericárdio bovino, previamente conservado

em glicerina a 98 %, sendo reidratado antes de sua

utilização em cirurgia reconstrutiva. Hospital Veterinário /

UENF. Arquivo pessoal, 2008.

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Recebido em: Março de 2009

Aceito em: Maio de 2009

Publicado em: Julho - Dezembro de 2009