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Mudanças didáticas e pedagógicas no ensino de Língua Portuguesa Silvio Profirio da Silva¹ Durante décadas, o ensino de Língua Portuguesa desenvolvido em nossas escolas limitou - se à análise e à classificação de termos gramaticais, o que constituía o dialeto de prestígio. Com base nessa linha metodológica, a didática do ensino da língua estava voltada à memorização e à classificação de nomenclaturas. Partindo desse pressuposto, percebemos que o ensino de Língua Portuguesa ocorria em função do reconhecimento das normas e regras, o que constituía o padrão mais prestigiado pela sociedade (SOARES, 1998). Nos últimos anos, sobretudo nas últimas três décadas, percebemos uma alteração nos parâmetros norteadores do ensino de Língua Portuguesa e, por conseguinte, uma mudança no enfoque dado aos conteúdos gramaticais. A partir da década de 80, ocorre um intenso desenvolvimento de diversos estudos e pesquisas na Área de Língua Portuguesa. Tais estudos tinham como objetivo alterar as práticas didático-pedagógicas do ensino dessa disciplina e, sobretudo, propor uma nova forma de conceber o ensino de Língua Portuguesa. Dentre esses estudos, podemos destacar os estudos da corrente Funcionalista, da Enunciativa, da Pragmática, da Linguística Textual, da Sociolinguística e da Análise do Discurso. A partir de tais estudos, a linguagem passa a ser concebida como recurso de interação social e, acima de tudo, atrelada a propósitos comunicativos. Essa nova concepção de linguagem provocou diversas alterações na metodologia de ensino da língua. Dentro dessa perspectiva, a língua passa a ser percebida como atividade social em constante uso comunicativo. Assim, a função do ensino da gramática não se limita à estrutura da língua, mas também abrange o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno e não mais levá – lo a produzir respostas corretas. Isto é, sua função consiste em aumentar a capacidade do aluno usar a língua nas mais diversas situações. É nesse contexto que o uso da língua passa a ser estudado tendo como base textos e discursos, que ocorrem em situações comunicativas do dia – a – dia por meio dos mais diversos gêneros. Dito de outra forma, o funcionamento da língua passa a ser estudado com base nos mais variados gêneros textuais produzidos no cotidiano e, em especial, por meio de situações reais de comunicação. 1 1 Aluno do Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Bolsista do Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares. E-mail: [email protected]

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Mudanças didáticas e pedagógicas no ensino de Língua Portuguesa

Silvio Profirio da Silva¹

Durante décadas, o ensino de Língua Portuguesa desenvolvido em nossas escolas limitou - se à análise e à classificação de termos gramaticais, o que constituía o dialeto de prestígio. Com base nessa linha metodológica, a didática do ensino da língua estava voltada à memorização e à classificação de nomenclaturas. Partindo desse pressuposto, percebemos que o ensino de Língua Portuguesa ocorria em função do reconhecimento das normas e regras, o que constituía o padrão mais prestigiado pela sociedade (SOARES, 1998). Nos últimos anos, sobretudo nas últimas três décadas, percebemos uma alteração nos parâmetros norteadores do ensino de Língua Portuguesa e, por conseguinte, uma mudança no enfoque dado aos conteúdos gramaticais.

A partir da década de 80, ocorre um intenso desenvolvimento de diversos estudos e pesquisas na Área de Língua Portuguesa. Tais estudos tinham como objetivo alterar as práticas didático-pedagógicas do ensino dessa disciplina e, sobretudo, propor uma nova forma de conceber o ensino de Língua Portuguesa. Dentre esses estudos, podemos destacar os estudos da corrente Funcionalista, da Enunciativa, da Pragmática, da Linguística Textual, da Sociolinguística e da Análise do Discurso. A partir de tais estudos, a linguagem passa a ser concebida como recurso de interação social e, acima de tudo, atrelada a propósitos comunicativos. Essa nova concepção de linguagem provocou diversas alterações na metodologia de ensino da língua.

Dentro dessa perspectiva, a língua passa a ser percebida como atividade social em constante uso comunicativo. Assim, a função do ensino da gramática não se limita à estrutura da língua, mas também abrange o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno e não mais levá – lo a produzir respostas corretas. Isto é, sua função consiste em aumentar a capacidade do aluno usar a língua nas mais diversas situações. É nesse contexto que o uso da língua passa a ser estudado tendo como base textos e discursos, que ocorrem em situações comunicativas do dia – a – dia por meio dos mais diversos gêneros. Dito de outra forma, o funcionamento da língua passa a ser estudado com base nos mais variados gêneros textuais produzidos no cotidiano e, em especial, por meio de situações reais de comunicação.

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1 Aluno do Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Bolsista do Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares. E-mail: [email protected]

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Segundo Carmi Ferraz, Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE, “passou-se, assim, a prescrever que a aprendizagem da leitura e da escrita deveria ocorrer em condições concretas de produção textual. Desloca - se o eixo do ensino voltado para a memorização de regras da gramática de prestígio e nomenclaturas”. Diante desse cenário, surge uma proposta de ensino da gramática tendo como base o texto e o discurso, ou seja, o ensino contextualizado da gramática, no qual estudo da língua não se restringe à frase. A palavra passa a ser concebida numa perspectiva polissêmica que pode adquirir outros significados além do literal, de acordo com o contexto em que é empregada. Assim, a estrutura gramatical passa a ser estudada com base nos pressupostos da Semântica e da Pragmática, o que vai além imanência do sistema linguístico.

Esses novos paradigmas dos estudos linguísticos foram aceitos pelos documentos oficiais (PCNs e OCNs). Além disso, esses novos pressupostos dos estudos sobre a linguagem refletiram – se nos manuais didáticos. Diante desses aspectos, percebemos como os estudos linguísticos contribuíram de forma significativa para o surgimento de novas abordagens didáticas, na medida em que ocorre a inserção do contexto no ensino da gramática. Tal situação ocorre a fim de desenvolver reflexões sobre o funcionamento da língua relacionada com o contexto situacional e sua realização nos mais variados gêneros textuais, o que William R. Cereja e Thereza Cochar conceituam como Gramática Reflexiva, que aborda conteúdos atrelados à semântica e ao discurso.

Como exemplo de gramática contextualizada, apontamos as figuras abaixo. Nessas figuras, ocorre o uso de pronomes demonstrativos relacionados ao texto. Em outras palavras, o uso de pronomes anafóricos e catafóricos. Na primeira imagem (esquerda), ocorre a utilização do pronome anafórico (retrospectivo), que tem como referente textual algo que foi mencionado anteriormente e, na segunda imagem (direita), ocorre o uso do pronome catafórico (prospectivo), que tem como referente textual algo que ainda será citado posteriormente no texto. Contudo, nesta ilustração, é usado o pronome NISSO, quando deveria ser utilizado o pronome NISTO que apontaria para a imagem. Percebemos, também, que o exercício proposto na gramática em foco tem por objetivo levar o aluno a perceber a diferenciação no uso de tais pronomes.

Nesse sentido, os estudos linguísticos ocasionaram implicações teóricas, uma vez que a partir de tais estudos, a língua passa a ser concebida como fator social. Dito de outra forma, a partir do desenvolvimento dos estudos linguísticos, a linguagem passa a ser concebida enquanto atividade de natureza social, com pretensões comunicativas. Isto é, ela passa a ser concebida como recurso de interação social. Dentro desse contexto, a língua está intimamente

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associada à atividade social em constante uso comunicativo, o que nos possibilita considerar aspectos que vão além imanência do sistema linguístico. Essa nova concepção de língua provocou diversas alterações na metodologia de ensino da língua. Sendo assim, a Linguística, por intermédio de suas inúmeras teorias, dentre as quais, destacamos, a Funcionalista, a Enunciativa, a Pragmática e a Análise do Discurso, contribuiu de maneira significativa para novas abordagens didáticas. Contudo, essas implicações não se limitam ao âmbito teórico, mas também abrangem o metodológico.

Nas últimas três décadas, ocorreram mudanças significativas nos paradigmas norteadores das práticas pedagógicas do ensino de Língua Portuguesa e, por conseguinte, uma mudança no enfoque dado aos mais diversos conteúdos. Em outras palavras, a gramática passa a ser abordada por meio do sentido do texto, da semântica e do discurso. Partindo desse pressuposto, o uso da língua passa a ser estudado com base em textos e discursos, que ocorrem em situações comunicativas do dia – a – dia por meio dos mais diversos gêneros. Tal mudança foi de fundamental importância para a metodologia de ensino de Língua Portuguesa. Dito isso, percebemos que a evolução histórica na metodologia do ensino está diretamente relacionada à mudança na concepção de língua. Mudança esta oriunda do desenvolvimento dos estudos linguísticos realizados nos últimos anos.

Imagem 1. Exemplo de gramática contextualizada, por meio de gêneros textuais imagéticos (charges, tirinhas, propagandas, imagens, ilustrações, etc.).

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• Imagem retirada de CEREJA, William R.; MAGALHÃES, Thereza C. Gramática Reflexiva: texto, semântica e interação. São Paulo: Atual, 2005.

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