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MUDANÇA NA CULTURA ORGANIZACIONAL José Gilson Farias Cavalcanti O fenômeno “mudança” tem estado presente em todos os debates já há muito tempo. Não é de hoje que ouvimos falar e até percebemos que o mundo está mudando aceleradamente. A mudança, entendida como uma modificação ou transformação de um fenômeno, é uma constante no processo histórico da existência humana. Portanto, é algo bastante familiar ao homem porque lhe é intrínseco. Desde a concepção até a morte o ser humano vivencia mudanças biológicas, psicológicas, sociais e espirituais. Essas mudanças ora acontecem sem que as pessoas percebam, ora acontecem de forma determinada, consciente. Poderíamos dizer que a vida é um processo contínuo de mudanças. A mudança não representa um ponto final de chegada. Como dizia Heráclito “Nada existe de mais permanente do que a mudança”. Por isso dizemos que o tema mudanças não é, de nenhuma maneira, algo estranho às pessoas. As mudanças acontecem de forma natural ou de modo planejado. A mudança planejada é um imperativo na organização social do homem. E é através dessa organização social que o homem consegue desenvolver sua potencialidade e satisfazer determinadas necessidades. Ao participar de grupos sociais, a pessoa vivencia a dialética dos movimentos de afirmação da identidade individual e da integração com as outras pessoas, o que implica em mudanças individuais e grupais. Ou seja, ao mesmo tempo em que deseja ser reconhecida como a pessoa que é, quer, também, participar do grupo, integrar-se a ele e, para isso, tem de conceder algo dessa individualidade. As organizações lidam, essencialmente, com mudanças provocadas por necessidades internas e/ou pela ambiência externa. Trabalhar essas mudanças constitui-se, hoje, num grande desafio para tais organizações. Isso porque, atualmente, as mudanças se dão numa velocidade muito acelera. Ainda que familiarizados com o processo de mudança natural, temos dificuldade de perceber e nele nos engajar, em função de sua quantidade, diversidade e rapidez. As mudanças tendem a desestabilizar as pessoas. Para evitar a permanência nesse estado, o que não seria saudável, produtivo nem econômico, as empresa planejam e executam mudanças.

Mudança na cultura organizacional ii

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MUDANÇA NA CULTURA ORGANIZACIONAL

José Gilson Farias Cavalcanti O fenômeno “mudança” tem estado presente em todos os debates já há muito tempo. Não é de hoje que ouvimos falar e até percebemos que o mundo está mudando aceleradamente. A mudança, entendida como uma modificação ou transformação de um fenômeno, é uma constante no processo histórico da existência humana. Portanto, é algo bastante familiar ao homem porque lhe é intrínseco. Desde a concepção até a morte o ser humano vivencia mudanças biológicas, psicológicas, sociais e espirituais. Essas mudanças ora acontecem sem que as pessoas percebam, ora acontecem de forma determinada, consciente. Poderíamos dizer que a vida é um processo contínuo de mudanças. A mudança não representa um ponto final de chegada. Como dizia Heráclito “Nada existe de mais permanente do que a mudança”. Por isso dizemos que o tema mudanças não é, de nenhuma maneira, algo estranho às pessoas. As mudanças acontecem de forma natural ou de modo planejado. A mudança planejada é um imperativo na organização social do homem. E é através dessa organização social que o homem consegue desenvolver sua potencialidade e satisfazer determinadas necessidades. Ao participar de grupos sociais, a pessoa vivencia a dialética dos movimentos de afirmação da identidade individual e da integração com as outras pessoas, o que implica em mudanças individuais e grupais. Ou seja, ao mesmo tempo em que deseja ser reconhecida como a pessoa que é, quer, também, participar do grupo, integrar-se a ele e, para isso, tem de conceder algo dessa individualidade. As organizações lidam, essencialmente, com mudanças provocadas por necessidades internas e/ou pela ambiência externa. Trabalhar essas mudanças constitui-se, hoje, num grande desafio para tais organizações. Isso porque, atualmente, as mudanças se dão numa velocidade muito acelera. Ainda que familiarizados com o processo de mudança natural, temos dificuldade de perceber e nele nos engajar, em função de sua quantidade, diversidade e rapidez. As mudanças tendem a desestabilizar as pessoas. Para evitar a permanência nesse estado, o que não seria saudável, produtivo nem econômico, as empresa planejam e executam mudanças.

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O princípio básico desse procedimento é o de que a mudança efetiva resulta uma intervenção na cultura organizacional. Por definição, a cultura é resultante dos usos e costumes baseados em leis, normas, crenças e valores que foram sendo elaborados e sedimentados por todos que compõem o grupo. É uma construção coletiva que expressa o modo de ser , a identidade do grupo. A cultura constitui uma sedimentação, ao longo do tempo, desses costumes; é passível de mudança mas apresenta uma força de manutenção e de perpetuação do que foi sendo construído. No entender de Fela Moscovicci a cultura organizacional pode ser entendida como comportamentos regulares observados da interação, linguagem e rituais; normas que se criam nos grupos de trabalho; valores dominantes esposados pela organização; filosofia que orienta a política da organização com relação a seus membros e/ou clientes e fornecedores; “regras do jogo” para sobreviver na organização, para tornar-se um membro aceito; clima ou sentimento que é transmitido pelo layout físico. O mecanismo de produção cultural é desencadeado por um movimento individual que, paradoxalmente, já está impregnado de um caldo cultural; todavia há algo novo, criado, inventado ou intuído, fruto desse repertório social e que acompanha o individual, que é expresso para o grupo. Quando esse algo tem força para agir no consciente ou no inconsciente de parte significativa do grupo, tende a ser incorporado, transformando-se em cultura. A manutenção de determinados traços culturais diz respeito à sua repetição, transformando-se em referências para o posicionamento e para a ação do grupo. Essa repetição leva à consolidação e à reprodução da cultura. Esses processos (manutenção e reprodução) vão dar uma identidade cultural ao grupo com apelo à adaptação e uma conformação ao que está estabelecido. Garante, para o indivíduo, a paz, a tranqüilidade, a integração e a acomodação ao vigente; para o grupo, a manutenção, a coesão, a existência, a possibilidade de continuidade com redução dos conflitos. Os traços culturais tornam-se mais fortes à medida que, em algum nível , satisfazem necessidades, por vezes inconscientes , das pessoas. Essa força garante uma proteção para a perpetuação da cultura. A tentativa de incorporação de algo novo desencadeia, via de regra, uma reação porque representa uma desestabilização, uma ameaça ao status quo. Quanto mais o traço cultural é aceito e compartilhado mais forte se torna e, consequentemente, mais difícil será a sua mudança. A intervenção na cultura organizacional para o estabelecimento de mudanças efetivas requer, primeiramente, respeito à cultura vigente, compreensão de como foi produzida e dos seus mecanismos de reprodução. Requer, ainda, um trabalho com as lideranças formais e informais para que possam, num primeiro momento, conceituar a mudança pretendida para, depois, conduzirem o processo. “As pessoas têm de ser lideradas por elementos a quem elas ouvem, em quem acreditam, indivíduos que lhes mostrem

maneiras específicas de caminhar, de como começar”. (William Glasser)

Torna-se importante saber e expressar claramente para as pessoas e para os grupos que necessidades poderão ser atendidas com a mudança desejada, quais os ganhos para as

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pessoas e para a organização; o que se pretende mudar, o porquê , o para quê e como proceder para administrar a transição. Todos sabemos e dizemos que a mudança gera resistências. Só que repetimos isso sem termos incorporado o verdadeiro significado dessa idéia. Ao sinal das primeiras resistências rotulamos a pessoa de resistente. Isso quando não a rifamos do processo, adotando um comportamento beligerante, por vezes resvalando para a postura de “uma questão pessoal”. Trabalhar com mudanças é trabalhar com um processo muitas vezes penoso e difícil que exigirá das lideranças um razoável entendimento dos subterrâneos do comportamento humano. É preciso ter intimidade com mudanças; é preciso ter vivido tal processo; é preciso ter, antes de tudo, estabelecido mudanças em si mesmo. Ter passado por essas experiências é que dá um background para uma liderança conduzir processos de transição a mudanças. Assim, há que se trabalhar as resistências. Primeiramente, conhecendo-as nas suas diversas manifestações; depois, fazendo com que a pessoa ou grupo tome consciência de suas resistências, contra o quê está resistindo, as consequências para si, para o grupo e para a organização da existência dessas resistências. Os medos e as ameaças sentidos precisam ter um canal de expressão e contar com a compreensão das lideranças. Esse material expresso é riquíssimo e, se bem trabalhado, propiciará uma queda ou diminuição das resistências e a confiança começa a ser costurada; aos poucos, pessoas vão percebendo a necessidade das mudanças propostas e tornam-se aliadas conscientes para a implantação destas. Esse trabalho somente poderá ser bem desenvolvido se as lideranças tiverem, antes, processado suas próprias resistências, medos, ameaças, ganhos . Quando as lideranças estiverem convencidas de que as mudanças propostas são realmente boas para as pessoas, para os grupos e para a organização é que poderão atuar de forma mais transparente, verdadeira, ética e estarão mais energizadas para administrar processos de transição à implantação de mudanças. A posse de “técnicas de condução de mudanças” sem esse trabalho pessoal resultará, no máximo, em manipulação das pessoas e na imposição de “mudanças”, que desmoronarão mais adiante; dificilmente em uma mudança cultural.