Museu, informação e comunicação

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJESCOLA DE COMUNICAO-ECO

    MESTRADO EM CINCIA DA INFORMAOCONVNIO CNPq / IBICT - UFRJ / ECO

    MUSEU, INFORMAO E COMUNICAO:

    O PROCESSO DE CONSTRUO DO DISCURSOMUSEOGRFICO E SUAS ESTRATGIAS

    POR

    LUISA MARIA GOMES DE MATTOS ROCHA

    ORIENTAOProf. Regina Maria Marteleto

    Prof. Rosali Fernandez de Souza

    Rio de Janeiro1999

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    MUSEU, INFORMAO E COMUNICAO:O PROCESSO DE CONSTRUO DO DISCURSO

    MUSEOGRFICO E SUAS ESTRATGIAS

    LUISA MARIA GOMES DE MATTOS ROCHA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduaoem Cincia da Informao, como requisito parcial para aobteno do grau de Mestre em Cincia da Informao.

    BANCA EXAMINADORA

    ____________________________________________ Prof. Regina Maria Marteleto, orientadoraDoutora em Comunicao e Cultura - ECO/UFRJ

    _______________________________________Prof. Rosali Fernandez de Souza, orientadoraPhD em Cincia da Informao - Inglaterra

    ____________________________________________ Prof. Lena Vania Ribeiro PinheiroDoutora em Comunicao e Cultura - ECO/ UFRJ

    ____________________________________________

    Prof. Vera Lucia Doyle DodebeiDoutora em Comunicao e Cultura - ECO/ UFRJ

    ___________________________________________Prof. Maria Nlida Gonzlez de Gmez - suplenteDoutora em Comunicao - ECO/UFRJ

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    FICHA CATALOGRFICA

    Rocha, Luisa Maria Gomes de MattosMuseu, Informao e Comunicao: o processo deconstruo do discurso museogrfico e suas estratgias/Luisa Maria Gomes de Mattos Rocha. Rio de Janeiro:PPGCI (CNPq/IBICT - UFRJ/ECO), 1999viii p. 120Dissertao - PPGCI (CNPq/IBICT - UFRJ/ECO)1. Informao cultural 2. Museu 3. Exposio. 4. Tese(Mestrado PPGCI (CNPq/IBICT - UFRJ/ECO). I. Ttulo

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    AGRADECIMENTOS

    A Professora Regina Marteletto, pelo entusiasmo nas horasde desnimo, pela confiana nos momentos de dvidas, pela orientao naprocura do caminho;

    A Professora Rosali Fernandez de Souza, pela segurana eincentivo transmitidos a cada encontro;

    A Maria Ceclia Arruda, por ter me ajudado nas minhasobrigaes no trabalho, sempre compartilhando a sua amizade e carinho;

    Aos amigos e colegas de turma Orlando Verna, LuisaMassarani, Maria Conceio Arruda e Job Vieira, que tornaram o curso demestrado uma permanente troca de conhecimento e vida;

    Aos colegas muselogos Ana Lcia Sianes, Maria LuciaLoureiro e Jos Mauro Loureiro, pelo apoio e colaborao;

    A Rosa Maria pelo carinho para com os meus momentosdifceis;

    A Fernando Pardellas pela ajuda e incentivo ao meucrescimento pessoal e profissional;

    E a tantos outros amigos, companheiros, conhecidos edesconhecidos que contriburam para que este sonho tornasse realidade.

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    RESUMO

    Uma anlise exploratria no campo da Cincia da Informao e da Museologia

    sobre o processo de construo do discurso museogrfico e suas estratgias expositivas,

    enfocando-o como um processo informacional e comunicacional que envolve atividades

    tcnicas e cientficas, nas quais esto subjacentes uma gama de conceitos, idias e vises de

    mundo que inscrevem as marcas de um discurso contextual - histrico, social e

    culturalmente determinado. Esta pesquisa apoia-se nos conceitos de discurso e informao

    para refletir sobre a teia de significados possveis que constitui a exposio e na sua

    relao com o usurio de museus. Analisa o espao da exposio do museu como um

    espao comunicador, enfocando os museus histricos - entendidos aqui como aqueles quetrabalham com objetos histricos. Abordagem da informao, no somente como matria-

    prima do trabalho museolgico, mas tambm como possibilidade de transformao nas

    prticas culturais da sociedade moderna. Reflexo sobre a informao museolgica como

    um fenmeno que transcende o objeto, o documento, o discurso, e configura-se como o

    articulador destas mltiplas instncias que possibilitam a reflexo, o questionamento, a

    mudana.

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    ABSTRACT

    An exploratory analysis of the Information Science and Museology areas upon the

    constitution process of the museographic discourse and its exhibition strategies. This

    process is focused as an informational and communicational process, involving scientific

    and technical activities, in which are subjacent a team of concepts, ideas and visions of the

    world that inscrebes the signs of a contextual discourse - historical, social and culturally

    determined. This investigation deals with the concepts of information and discourse in order

    to reflect the web of possible meanings that constitutes the museum exhibition and itsrelation with the users. The work analises the exhibition as a communication space focusing

    museums that work with historical objects. the work aprproaches information not only as

    raw material but also viewed as a possility to transform cultural practices of the modern

    society. It deals with reflection upon the museological information as a phenomenon, which

    overpasses the object, the document, the discourse, and appears as an articulater of there

    multiple instances enabling the reflection, questioning and change.

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    Sumrio

    1. Introduo ........................................................ 1

    2. Cultura, Museu e Museologia ....................................... 82.1 Cultura: um conceito antropolgico e semitico ..................... 82.2 Museu, museologia e exposio ............................................ 16

    3. Exposio, Museu e Histria ......................................... 233.1 Memria/ histria .............................................. 233.2 Objeto histrico .............................................. 303.3 Historiadores e muselogos .............................................. 35

    4. Exposio: comunicao e informao ............................... 414.1 Informao e comunicao ................................... 424.2 Informao, objeto e documento ................................... 474.3 Informao e Cincia da Informao ................................... 54

    5. Exposio: praticas informacionais ..............................635. 1 Classificao ................................................................... 645. 2 Pesquisa ................................................................... 75

    6. Exposio e Discurso ................................................. 806.1 Discurso e interpretao ........................................................ 816.2 Discurso e comunicao ........................................................ 846.3 Discurso e verdade ........................................................ 876.4 Discurso e autoria ........................................................ 89

    7. Exposio: estratgias museogrficas ............................. 95

    8. Consideraes Finais ................................................. 110

    9. Referncias Bibliogrficas ................................................. 116

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    1. Introduo

    Esta dissertao tem como objetivo realizar uma reflexo sobre o processo deconstruo do discurso museogrfico e suas estratgias expositivas, enfocando-o como um

    processo informacional que envolve atividades tcnicas e cientficas, no qual esto

    subjacentes uma gama de conceitos, idias e vises de mundo que inscreve as marcas de

    um discurso contextual - histrico, social e culturalmente determinado. Portanto, o discurso

    e a estratgia museogrfica elaborados por um museu para uma determinada exposio

    constituem-se em apenas uma das possibilidades discursivas acerca de um contedo

    museolgico em meio a tantas outras construes interpretativas.

    O presente trabalho redefine o papel comunicacional das exposies, atividade que

    ganha especial relevncia na sociedade atual por ter como objetivo a efetiva alocao do

    conhecimento no sujeito social. A exposio museolgica caracterizada como uma

    atitude narrativa, obra discursiva produzida por uma equipe dentro de um contexto

    histrico e social, e a museografia - concepo e montagem de exposio - como a

    resultante de um processo informacional que reflete a estratgia de ao museolgica

    adotada pela instituio.

    A escolha pelo estudo das atividades museolgicas de comunicao e transferncia

    de informao justifica-se plenamente, pois os museus tm pouco a pouco alterado o seu

    foco de trabalho. Ao longo dos anos, os museus tm-se preocupado com a acumulao de

    objetos, dados e informaes e com o desenvolvimento de metodologias para lidar com esta

    massa informacional. Hoje, os museus se deparam com a tarefa de organizar e representar o

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    seu acervo atravs de prticas informacionais que assegurem a efetiva transferncia de

    informao, uma vez que esta atividade constitui-se na possibilidade de renovao das

    trocas sociais e culturais entre os sujeitos e o universo do conhecimento que configura o

    acervo de um museu.

    O desenvolvimento dos meios de comunicao e das redes de computadores tm

    modificado a concepo de mundo do sujeito social, especialmente na forma como ele o

    percebe. Tornou-se uma ao vital desse sujeito a busca por informao que produza

    sentido para a leitura do mundo circundante. A anlise do papel social do museu inserido

    nesta teia de relaes scio-culturais que configura a nossa sociedade, constitui-se umanecessidade e um desafio para os profissionais de museus - sobretudo no que tange

    conscientizao do museu como agente informacional, deflagrador de mudanas e

    transformaes na realidade social.

    Pensar, refletir e questionar o potencial de produo de conhecimento a partir do

    objeto museal passou a ser uma atividade bsica do processo dirio de construo do saber

    museolgico. No entanto, a prtica profissional levou-nos a constatar uma lacuna terica nanossa formao acadmica de museologia. A maioria das disciplinas do curso de graduao

    enfatizou os aspectos materiais do objeto em detrimento do seu carter argumentativo e

    perquiridor, acentuando a importncia da preservao e conservao do objeto, e relegando

    a segundo plano a questo da comunicao e gerao do conhecimento.

    Os museus, e mais especificamente as exposies, por seu potencial de integrao

    do afetivo/cognitivo e por utilizar-se de fontes histricas materiais, representam um espao

    contextual adequado para a gerao de conhecimento. Contudo, a rea de museologia no

    oferece um instrumental terico capaz de analisar esse processo informacional e o contexto

    em que este est inserido.

    A nossa formao acadmica na rea de museologia somada experincia

    profissional, principalmente o trabalho com concepo, planejamento e montagem de

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    exposies, direcionou no apenas a escolha do tema desta dissertao, como tambm pelo

    curso de Mestrado em Cincia da Informao. A preocupao com os processos

    informacionais subjacentes na construo do discurso museogrfico e a capacidade deste de

    efetivamente transferir informao para gerao de conhecimento, nortearam esta pesquisa

    e continuam orientando a nossa prtica profissional.

    Face a essas questes, procuramos na Cincia da Informao o suporte terico e

    aplicativo para ampliar o universo conceitual de informao e de comunicao no

    contexto museolgico. Esta proposta foi enriquecida atravs do apoio referencial da rea de

    Comunicao, ao estudar e pesquisar aspectos do discurso museolgico como a

    interpretao, a significao, os meios de comunicao humana, a cultura e a sociedade.

    Em virtude do seu carter interdisciplinar, a Cincia da Informao uma rea do

    conhecimento de relevncia, riqueza metodolgica e conceitual - sobretudo pelo universo

    relacional com todas as reas que encontram na informao o insumo principal. Desta

    forma, escolheu-se como metodologia a realizao de um estudo que, histrica e

    contextualmente, rene a viso de diferentes campos do conhecimento em torno da questo

    informacional e comunicacional das exposies nos museus. Neste sentido, esta dissertaoinsere-se numa abordagem livre sobre o objeto definido (JAPIASSU, 1994, p.6) por ns

    mesmos, dentro de uma proposta terica interdisciplinar.

    Ainda sob o olhar metodolgico, a estrutura deste trabalho obedece a uma hierarquia

    de conceitos presentes na prtica museolgica e museogrfica segundo o espectro de sua

    abrangncia. Partindo-se do conceito de Cultura, campo por excelncia desta dissertao,

    focou-se paulatinamente o ngulo da nossa lente, estabelecendo o objetivo deste trabalho,

    ou seja, o discurso e as estratgias museogrficas vistos sob o prisma informacional e

    comunicacional. Para tanto, privilegiamos, em alguns momentos, uma tipologia especfica

    de museu, razo pela qual o terceiro captulo aborda a construo do conhecimento

    histrico. Diminuindo mais o ngulo da lente, tratramos de conceitos-chave da matriz

    terica desta dissertao: a Comunicao e a Informao, uma vez que constituem o prisma

    pelo qual pretende-se olhar a exposio. Na parte final, aps ter configurado o contexto de

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    anlise deste estudo, so abordados os aspectos mais especficos do processo de construo

    do discurso museogrfico. Sendo assim, pode-se dizer que foi realizado um trabalho

    dissertativo monogrfico com uma temtica voltada para um assunto que aprofunda o

    conhecimento no campo museolgico, da mesma forma que preenche, como dissemos, uma

    lacuna terica da nossa formao acadmica. Ou ainda, segundo a definio de monografia

    de PDUA (1989, p.150): o resultado do estudo cientfico de um tema, ou de uma

    questo mais especifica sobre determinado assunto; vai sistematizar o resultado das leituras,

    observaes, crticas e reflexes feitas pelo educando.

    Nesta perspectiva, a presente monografia dissertativa inicia com a explanao dealguns conceitos que se encontram subjacentes na prpria prtica museolgica, tais como:

    cultura, museu, museologia, histria e memria. A partir do terceiro captulo, analisa-se, em

    maior profundidade, os aspectos comunicacionais e informacionais das exposies,

    entendida como um processo de interao scio-cultural entre o museu e o sujeito social.

    O conceito de informao desenvolvido, no somente como matria-prima do

    trabalho museolgico, mas tambm como possibilidade de transformao das prticassociais e culturais da sociedade moderna. Enfocando o museu como um espao

    contextualizador e delimitador de trocas culturais e sociais, viu-se a informao como algo

    construdo para atingir o plano cognitivo/afetivo do sujeito social e a exposio como um

    vetor, canal de sua transferncia. O conceito de informao abordado como um processo

    de produo de sentido, que envolve intencionalidade, comunicao, contexto e concepo

    de mundo. Neste caso, um determinado emissor tem a inteno de transmitir uma

    mensagem que reflete seu sistema de valores e cdigos com o objetivo de produzir um

    efeito modificador no sistema do receptor. Com esta finalidade, encontrou-se suporte

    terico em autores das reas de Cincia da Informao como N. J. BELKIN, T. D. WILSON

    e G. WERSIG, e da Museologia como I. MAROEVIC e P. V. MENSCH. Recorreu-se

    tambm produo cientfica de alguns mestres e doutores do IBICT1, que ao longo das

    aulas no mestrado, ou atravs de seus artigos, contriburam substancialmente para o

    1IBICT - Instituto Brasileiro de Informao, Cincia e Tecnologia

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    embasamento terico desta dissertao, como R. MARTELETO, A. BARRETO, L. V.

    PINHEIRO, M. N. G. GMEZ e R. F. SOUZA. Utilizou-se, ainda, os trabalhos de

    dissertao e as teses dos alunos do curso do PPGCI2 e da ECO3, como os de A. L. S.

    CASTRO, J. M. LOUREIRO, L. S. PACHECO, O. M. VERNA, V. L. D. DODEBEI e L.

    T. CARREGAL, que ampliaram a reflexo sobre a questo informacional e comunicacional

    e contextualizaram os caminhos da produo cientfica brasileira nessas duas reas.

    A dissertao focalizou, predominantemente, a exposio e as suas diferentes

    estratgias museogrficas, uma vez que constitui a rea de atuao profissional da aluna, e

    expressa todo o procedimento informacional adotado pelo museu. Entendendo a exposiocomo atividade comunicacional de transferncia de informao, e preocupada com o estudo

    da atitude discursiva proposta nas diferentes montagens, encontrou-se subsdios tericos

    para analisar a questo cultural e a prpria museografia em antroplogos como C.

    GEERTZ, J. CLIFFORD e N. CANCLINI e em muselogos como M. L. P. HORTA, M.

    CHAGAS, T. SCHEINER e G. DEAN. Preocupada, ainda, com o carter de historicidade

    da exposio, que ocorre em lugar determinado, num tempo preciso, e entendendo que esta

    carrega as marcas de quem a concebeu e produziu, abordou-se os conceitos de discurso eautoria como forma de compreenso das regras e cdigos que caracterizam as prticas

    discursivas das exposies, utilizando-se de autores como C. GEERTZ, M. FOUCAULT,

    E. ORLANDI. Este arcabouo conceitual serviu de fio condutor para a anlise da exposio

    como vetor de produo de sentido, na qual o indivduo produz os significados na relao

    sujeito-objeto.

    Os processos classificatrios e de pesquisa do museu so considerados, tanto na sua

    conceituao geral como no seu aspecto metodolgico, pois estes constituem-se no

    instrumento-chave para novas conexes e associaes entre os diferentes significados do

    objeto. A perspectiva da interdisciplinaridade discutida no processo de classificao, uma

    vez que somente o registro da riqueza de contextos e significados referentes ao objeto

    fornecer elementos para elaborao de uma exposio que explore todo o seu potencial

    2PPGCI - Programa de Ps-graduao em Cincia da Informao

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    argumentativo. A viso interdisciplinar faz-se importante na superao dos problemas

    referentes rea de conhecimento da tipologia do museu - Histria.

    Outro ponto enfocado dentro do conceito geral de classificao refere-se questo

    comunicacional da exposio, mais especificamente formao de sentido no receptor

    atravs de processos cognitivos classificatrios. Aqui, apoiou-se no embasamento terico

    de D. LANGRIDGE, J. PIAGET, P. ARTIRES, P. MEREDITH, e nas dissertaes de M.

    L. C. MIRANDA e M. C. CACELLA. Tentou-se demonstrar que os princpios

    classificatrios constituem um processo presente em todas as atividades informacionais do

    museus, at mesmo como padro operatrio dos cdigos em jogo nas exposiesmuseolgicas. Da mesma forma, apresentou-se a atividade de pesquisa como aquela que

    possibilitar apresentar a Histria sob diferentes ngulos e dimenses, reintroduzindo no

    cenrio a dinmica complexa e conflitual da sociedade.

    Considerando que as prticas informacionais que do suporte exposio, sejam de

    pesquisa e classificao, sejam de construo narrativa e estratgia museogrfica, tm nos

    profissionais de museus os seu mediadores e agenciadores, abordamos o papel dosprofissionais, evidenciando as diferentes lgicas de ao informacional que so colocadas

    em prtica nas exposies. Discutiu-se o papel do historiador e do muselogo na

    interpretao destas informaes, recorrendo-se a tericos de ambas as reas, tais como U.

    C. MENESES, M. L. P. HORTA e J. SIMO NETO. Explorou-se, tambm, aspectos da

    especificidade tipolgica do museu e do objeto histrico.

    Pelas caractersticas apontadas no presente trabalho, destacando-se a abordagem

    interdisciplinar desta dissertao, mostrou-se necessrio um estudo da bibliografia nas

    diferentes reas j mencionadas, com o intuito de ampliar o panorama reflexivo sobre os

    conceitos de informao, comunicao, exposio, pesquisa, classificao, discurso, cultura

    e museu. Procurou-se tambm como suporte teorias scio-antropolgicas, como forma de

    insero das relaes sociais e culturais que caracterizam o ambiente do museu. Este

    3ECO - Escola de Comunicao da UFRJ

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    trabalho de levantamento bibliogrfico teve a finalidade de estabelecer os conceitos

    operatrios da dissertao, e contextualiz-los em funo do nosso objeto de estudo, quais

    sejam o discurso e as estratgias de exposio dos museus.

    Nesta perspectiva, observou-se a informao como algo construdo, elaborado a

    partir do acervo museolgico e trabalhado com o objetivo de apresent-la de uma

    determinada forma e tempo, em um espao contextualizador: o Museu. Entendendo que a

    interpretao do significado moldada pela interpretao do contexto. (HODDER apud

    PACHECO, 1992, p.30), abordamos o trabalho de produo e organizao do

    conhecimento em museus atravs de um enfoque comunicacional, analisando a informaosob o prisma das suas condies especficas de produo, transmisso e recepo, num

    processo de significao para gerao de sentido.

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    2. Cultura, Museu e Museologia

    Como ponto de partida da reflexo sobre o discurso museogrfico e o seu processo

    de construo, optou-se por desenvolver alguns conceitos-chave para compreenso do

    campo de estudo, qual seja o Museu, visto como uma instituio cultural que se insere num

    determinado contexto histrico e social, com uma prtica especfica.

    Alguns conceitos aqui abordados da rea de museologia muitas vezes no se

    encontram reunidos em um corpusterico capaz de fornecer uma matriz do pensamento em

    Museus. Por isso mesmo, busca-se apoio em outras reas do conhecimento como a

    Antropologia e a Semitica, numa abordagem interdisciplinar que amplia e consubstancia a

    reflexo terica sobre o campo estudado.

    2.1 Cultura: um conceito antropolgico e semitico

    Ao abordar a exposio nos museus necessitamos de uma definio operacional do

    termo Cultura, estabelecendo qual o enfoque aqui utilizado. O termo Cultura, assim como

    Informao, vem sendo interpretado e reinterpretado, atravs dos tempos, com diferentes

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    enfoques e perspectivas de acordo com os objetivos propostos. Desta forma, o conceito de

    cultura muitas vezes torna-se de tal forma abrangente e relacional que perde a sua

    especificidade quando usado como arcabouo terico para um trabalho monogrfico

    cientfico. Assim sendo, foi necessrio iniciar esta dissertao com uma definio de

    Cultura, trabalhando o seu conceito a partir da rea do conhecimento da Antropologia, com

    apoio da Semitica.

    Tal como proposto por MUNIZ SODR (1988, p.43), acredita-se que a cultura

    remete sempre ao relacionamento com as diferenas, logo, com o sentido., portanto faz-se

    importante traar o surgimento dessa questo da diferena, que encontra na Antropologiao seu frum de discusso.

    Numa perspectiva evolucionista, os antroplogos europeus explicaram a diferena

    nas sociedades primitivas atravs da histria. Pressupondo a existncia de uma essncia

    comum, de uma natureza humana universal, os diferentes estgios da potencialidade

    humana foram explicados atravs da teoria da degenerescncia, baseada numa abordagem

    biolgica linear, resumida na frase: evoluir ou degenerar. O tempo para o evolucionismopossua uma lgica prpria. O desenvolvimento do esprito levava necessariamente

    evoluo. Como afirma LVI-STRAUSS (1967, p.15): A interpretao evolucionista ,

    em etnologia, a repercusso direta do evolucionismo biolgico. A civilizao ocidental

    aparece como a expresso mais avanada da evoluo das sociedades humanas, e os grupos

    mais primitivos como sobrevivncias de etapas anteriores, cuja classificao lgica

    fornecer, simultaneamente, a ordem de apario no tempo.

    O evolucionismo, apesar do seu projeto de homogeneizao do homem, possui um

    aspecto humanista que valoriza o ideal de igualdade baseado numa espcie comum. Esta

    unidade na diversidade que vai configurar o objeto de estudo da Antropologia, pois a

    partir desta unidade pode-se estabelecer mnimas generalizaes no estudo da sociedade.

    Logo, podemos dizer que a Antropologia estuda o homem pelas suas manifestaes

    culturais. Mas que homem este e com qual conceito de cultura a Antropologia trabalha?

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    Na Antropologia, tal conceito foi forjado para lidar com o dilema das diferenas,

    que problematiza a capacidade do homem de se relacionar com as diferentes formas. A

    prpria idia de cultura foi produzida para construir um saber sobre a diversidade.

    Contudo, GONALVES vai alertar para o fato de que ao construrem a noo de cultura

    para pensar as experincias humanas, as diferenas entre civilizados e primitivos, entre

    ns e os outros, trouxeram algo que, simultaneamente, desencadeia e cura a doena; ao

    mesmo tempo, veneno e remdio ( 1996, p.159).

    Na passagem para a modernidade, o trabalho do antroplogo passa a ser,primordialmente, as atividades etnogrficas. Percebe-se a ruptura com a linearidade e a

    aceitao da pluralidade, evidenciada pela aposio do s na palavra cultura. A

    Antropologia passa a estudar a maneira como cada grupo manifesta-se culturalmente. Surge

    o Difusionismo, que ainda se insere na lgica da temporalidade, mas valoriza o trabalho de

    campo para elaborao de uma analogia entre os traos culturais de sociedades vizinhas.

    Entretanto, LVI-STRAUSS (1967, p.18) critica os difusionistas, mostrando que uma

    anlise dos fragmentos retirados de categorias diferentes no fornece subsdios suficientespara a formao de um arcabouo conceitual, as coordenadas espaciais e temporais

    resultam da maneira pela qual os elementos foram escolhidos e compostos entre si, ao invs

    de conferir uma unidade real ao objeto.

    O funcionalismo rompe com a perspectiva diacrnica, abandonando a vertente

    histrica e passando a adotar a anlise etnogrfica dos padres culturais dentro de uma

    determinada sociedade. No interessa mais o passado e a evoluo histrica. O

    funcionalismo inaugura uma perspectiva sincrnica na Antropologia. As sociedades passam

    a ser vistas como sistema, sendo analisado o seu funcionamento, ou seja, como as diversas

    partes da sociedade esto relacionadas entre si. A metfora ainda biolgica, mas introduz,

    mais claramente, a noo de corpo, de organismo.

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    O evolucionismo e o funcionalismo so perspectivas adotadas pela maioria das

    exposies dos museus, no importando a sua tipologia (histrica, antropolgica, cientfica,

    artstica,...), uma vez que se evidencia a adoo de uma perspectiva universalista, tendncia

    enfatizada por essas duas correntes citadas.

    A crtica a esta linha antropolgica parte de LVI-STRAUSS (1967,p.23) em

    relao ao trabalho com os acontecimentos do presente. O autor salienta que estes esto

    ligados necessariamente a significados que variam no tempo e no contexto de cada

    sociedade e se impes a tarefa de reconstruir o objeto de estudo, fragmentado pelos

    difusionistas, elaborando uma teoria formulada a partir da anlise dos mecanismosinconscientes. Recorre s descries da Etnografia sobre as manifestaes das diversas

    sociedades e Etnologia para extrair da anlise as estruturas lgicas universais. Segundo

    ele, a etnologia no pode permanecer indiferente aos processos histricos e s expresses

    mais altamente conscientes dos fenmenos sociais. Mas, (...), para chegar, por uma

    espcie de marcha regressiva, a eliminar tudo o que devem ao acontecimento e reflexo

    (1967, p.39).

    GEERTZ (1997) contrape-se aLVI-STRAUSS quando afirma que o nvel da

    lgica uma abstrao pouco operacional para a produo do conhecimento sobre o

    outro, sobre as sociedades, sobre a cultura. Ele tambm ressalta o carter analtico da

    descrio etnogrfica, enfatizando sua importncia na construo do conhecimento.

    Para GONALVES (1996, p.160) existem dois paradigmas da Antropologia. O

    primeiro refere-se teoria, prpria constituio de uma cincia; o segundo trata das

    interpretaes sobre o real. Em MARCUS e FISCHER, as discusses na rea de humanas e

    nas cincias sociais indicam que no momento no se procura elaborar grandes teorias ou

    paradigmas, mas aprofundar questes como a contextualizao, o significado da vida

    social para aqueles que a legitimam, e a explicao para as excees e indeterminaes em

    detrimento das regularidades na observao do fenmeno(MARCUS, FISCHER, 1986

    p.8).

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    O paradigma das interpretaes sobre o real refere-se ao prprio limite da

    perspectiva do relativismo cultural. A afirmao de que no existe uma situao em

    abstrato, mas sim que esta se configura por articulaes onde esto em jogo uma srie de

    propostas e interesses, alinha a Antropologia de GEERTZ com as propostas dos Estudos

    Culturais, destacando-se as idias e conceitos deJAMENSON. Para ambos, importante

    analisar quais as relaes constitutivas, as vantagens e desvantagens em relao as pessoas

    envolvidas, quem se legitima nessa articulao e as suas conseqncias. JAMENSON

    (1994) aponta o seu objeto de estudo como a textualidade do seu entorno - do mundo -, e

    traando dois caminhos de atuao, o poltico e o social, alinha algumas reas doconhecimento a respeito deste objeto de estudo. Neste sentido, o autor cita o movimento

    ingls Novo Historicismo, mas chama a ateno para a existncia de uma idia de

    construo histrica, na qual o fato a matria prima do discurso ou interpretao que ir

    construir a Histria.

    Outra disciplina que contribui para a anlise da textualidade a Sociologia. Numa

    citao de JANET WOLFF, o autor evidencia sua posio: Uma abordagem que integre aanlise textual com a investigao sociolgica de instituies de produo cultural e

    daqueles processos e relaes sociais e polticas nos quais esta se d (JAMENSON. 1994.

    p. 15). Por fim, destaca a Antropologia como uma das reas fundamentais anlise do

    cruzamento das questes culturais com o discurso social. Questionando o critrio da

    diferena, da distncia, do referencial para estabelecermos o outro, a Antropologia

    Interpretativa reconhece o texto como sendo o produto do trabalho do antroplogo, e afasta

    a idia de um retrato da realidade. Segundo o autor, esta aproximao d-se atravs de uma

    nova Antropologia Textual ou Interpretativa, a qual - apresentando uma semelhana

    familiar distante com o Novo Historicismo- emerge completamente desenvolvida no

    trabalho deCLIFFORD e tambm no de MARCUS E FISCHER (com o reconhecimento

    devido aos exemplos precursores de GEERTZ, TURNER e outros) (JAMENSON, 1994,

    p. 17).

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    O caminho de anlise das prticas culturais proposto por JAMENSON refere-se

    anlise dos espaos polticos pelo conceito de articulao. A idia de articulao

    eminentemente conjuntural, para pensar o coletivo mantendo as diferenas e os conflitos

    internos, uma vez que estes so constitutivos, portanto podem ser elaborados e no

    resolvidos. O conceito de articulao implica uma espcie de estrutura rotativa, uma troca

    de ons entre vrias entidades, na qual as pistas ideolgicas associadas a uma delas

    atravessam e se misturam com a outra - mas, apenas provisoriamente, num momento

    historicamente especfico, antes de entrar em novas combinaes, ... (JAMENSON. 1994.

    p.28).

    O autor, citando STUART HALL, salienta que esta unidade formada pela

    combinao ou articulao configura-se numa estrutura complexa, uma estrutura na qual

    as coisas esto relacionadas, tanto atravs de suas diferenas quanto de suas

    semelhanas(JAMENSON, 1994, p.28). A articulao funciona como uma estrutura

    poltica operativa, dentro de uma lgica de interesse. O uso do conceito grupos de

    interesse se aplica neste contexto, em detrimento dos chamados grupos de identidade,

    uma vez que a idia de grupos de identidade hoje em dia no se sustenta por se tornar difcilestabelecer e situar historicamente uma identidade.

    A prpria idia de identidade vem sendo substituda pela noo de subjetividade.

    Esta configura-se numa construo social, elaborada pelo indivduo a partir de um

    vocabulrio social, inserido num processo histrico, datado e com ao contnua, portanto

    situacional e contextual, sendo permevel a uma ao diferenciada e momentnea. A

    subjetividade associa o individual e o coletivo, construdo dentro de um contexto de

    relaes sociais. O sujeito define-se na forma como articula contextualmente os seus

    projetos, como organiza as idias e conceitos num ambiente relacional especfico.

    No campo museolgico, marcado pelas prticas culturais e sociais, os museus

    deparam-se com uma dificuldade de articulao de um projeto poltico hegemnico, tendo

    em vista a multiplicidade de grupos e interesses que se articulam momentanemante em

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    funo de demandas culturais e sociais especficas. Neste sentido, uma das alternativas de

    atuao dos museus tem sido explicitar a articulao desses grupos e dos seus projetos

    polticos pela interpretao dos seus discursos. Esses discursos so apresentados

    circunscritos ao seu contexto histrico e social em virtude do seu carter dialgico

    constitutivo, que tem o outro como referncia (BAKHTIN apud CLIFFORD, 1998,

    p.44).

    A Antropologia Interpretativa vai se preocupar com o significado da criao do

    outro atravs da escrita, com o estabelecimento de uma verdade cientfica e quais os

    processos que a legitimam, ou seja, com a anlise do autor e seu poder frente textualidadedo mundo. GEERTZ trabalha o particular, a situao numa atitude narrativa. Isto se insere

    numa contraposio ao primado da representao pelo da narrativa. A representao

    pressupe uma capacidade efetiva de representar o real, descrevendo algo exterior que tem

    uma realidade prpria. A atitude narrativa v o real como algo produzido atravs do

    discurso, assumindo o carter ficcional da etnografia.

    No nvel do significado e do sentido, as sociedades e seus indivduos produzem ossignificados na relao sujeito-objeto. A cultura uma inveno da fala e situa-se no campo

    da semitica. Como conceitua GEERTZ, apoiado na sociologia de MAX WEBER - O

    homem um animal amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu (WEBER. apud

    GEERTZ, 1989, p.15) -, assumo a cultura como sendo essas teias e, a sua anlise,

    portanto, no como uma cincia experimental em busca de leis, mas como uma cincia

    interpretativa, procura do significado (GEERTZ, 1989 p. 15).

    A Antropologia Interpretativa tem como objeto de estudo o comportamento e

    procura estud-lo atravs do discurso, de seus fluxos. Pode-se usar como fonte de anlise os

    documentos escritos, uma vez que estes esto inseridos num fluxo de discurso, contextual e

    determinante do seu significado. GEERTZ (1989, p.20) esclarece esta opo, dizendo que

    fazer etnografia como tentar ler (no sentido de construir uma leitura de) um manuscrito

    estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerncias, emendas suspeitas e comentrios

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    tendenciosos, escrito no com os sinais convencionais do som, mas com exemplos

    transitrios de comportamento modelado.

    Sendo assim, o comportamento humano caracterizado como uma ao simblica,

    uma ao com significado, que deve ser questionado sobre a importncia, o contedo, a

    freqncia e os agenciadores envolvidos. Adotar essa perspectiva entender a cultura

    como uma teia de significados, que existe apenas na narrativa. O significado est no uso,

    na maneira como os padres so postos em prtica por determinadas estratgias. Busca-se

    analisar como esta relao construda na prtica da ao social: Como sistemas

    entrelaados de signos interpretveis (...), a cultura no um poder, algo ao qual podem seratribudas casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituies ou os

    processos; ela um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma

    inteligvel - isto , descritos com densidade.(GEERTZ, 1989, p. 24).

    O foco do trabalho da Antropologia Interpretativa microscpico. Estuda a relao

    geral / particular utilizando-se de categorias abstratas, como poder e hegemonia, para

    analisar a forma como elas so colocadas na prtica da vida social, em uma situaoparticular - procurar o comum em locais onde existem formas no-usuais ressalta no,

    como se alega tantas vezes, a arbitrariedade do comportamento humano (...), mas o grau no

    qual o seu significado varia de acordo com o padro de vida atravs do que ele informado.

    Compreender a cultura de um povo expe a sua normalidade sem reduzir a sua

    particulariedade. (GEERTZ 1989 p.24).

    Portanto, o modo de ver o mundo, os conceitos de ordem moral e valorativa, os

    comportamentos sociais constituem o resultado de compartilhar um sistema simblico entre

    os membros de um determinado grupo social. Uma Cincia que busque uma interpretao

    da cultura, como a Antropologia, procura considerar os sinais no apenas como um meio de

    comunicao ou um cdigo a ser decifrado, mas como formas de pensamento passveis de

    serem analisadas e interpretadas. A busca recai no s nos mltiplos sentidos, mas numa

    explicao para esses sentidos atribudos s coisas pelos sujeitos. Ou, como proposto por

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    GINZBURG (1987), um modelo de conhecimento conjectural utilizado como recurso para

    compreenso das motivaes, idias e comportamentos de um sujeito frente a uma

    deteminada situao.

    Todo este universo semitico tem no museu, e por conseguinte no objeto, um campo

    de reflexo e anlise por excelncia, perpassando todas as atividades museolgicas. Por isso

    mesmo, torna-se importante desenvolver uma abordagem sobre o conceito de Museu e

    Museologia, procurando relacionar o conceito antropolgico e semitico de cultura aqui

    exposto, com algumas perspectivas tericas atuais da rea de museologia.

    2.2 Museu, Museologia e Exposio

    Na presente abordagem optou-se por analisar diferentes conceitos de museu que,sem embargo do contexto histrico e social em que surgiram, ainda hoje convivem nos

    Museus, no importando as diferentes tipologias que os caracterizam. Ao invs de elaborar

    uma sntese histrica da evoluo do conceito de museu, preferiu-se destacar aqueles que

    mais se adequam ao objetivo desta dissertao. Neste sentido, procurou-se privilegiar as

    perspectivas informacionais, principalmente aquelas que se aproximam do conceito

    semitico de cultura proposto no item anterior.

    O museu, segundo VARINE (apud RIVARD, 1989, p.39), ex-secretrio geral do

    ICOM4, caracteriza-se como instituio preservadora da memria e patrimnio cultural,

    representados por seus acervos, geradora de uma produo artstica preocupada com os

    processos sociais e com a adoo de um conceito contemporneo e dinmico de

    museologia. Este conceito envolve o desenvolvimento do potencial criativo do ser humano

    4International Council of Museology

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    para o pleno exerccio da cidadania, mediante um programa enfatizador do seu carter

    experimental, que lida com a ordem do sensvel na transferncia informacional.

    Segundo PERKINS (1994, p.7), diretor da MUS INFO5, o negcio do museu a

    informao. A funo do museu preservar, administrar, pesquisar e comunicar a

    informao.

    O muselogo RIVARD (1989, p.38) analisa os museus como instrumentos de

    relao entre os indivduos e a cultura material, sua funo prover meios para que as

    pessoas possam conhecer o seu patrimnio. Seguindo esta linha de raciocnio, omuselogo MENSCH (1989, p.47) definiu o escopo do estudo de museus: a

    museologia abarca todo o complexo de preservao, investigao e comunicao das

    evidncias materiais do homem e seu meio. O muselogo, em outro texto, especifica

    esse conceito dizendo que a preservao inclui coleta, conservao, restaurao,

    armazenamento e documentao; a investigao refere-se interpretao cientfica do

    valor informativo do patrimnio cultural e natural; a comunicao compreende todos os

    mtodos possveis para transferir a informao a uma audincia: publicaes,exposies e atividades educativas adicionais.(MENSCH apud CARVALHO, 1998,

    p.9)

    Inscrito numa outra perspectiva da museologia, baseada na existncia de uma

    responsabilidade social dos museus, HAINARD (1983, p.13), muselogo do Museu de

    Etnografia de Neuchatel, conceitua o trabalho museolgico, afirmando: Ns nos alegramos

    de tratar temas passados, a criar perspectivas novas, aumentando os exemplos e neles

    inserindo a atualidade, (...) Nosso objetivo no de confrontar o visitante naquilo que ele

    espera do museu, mas, de question-lo, de interrog-lo, de incomod-lo em seus hbitos,

    tentando faz-lo compreender que todos os humanos tm muitos problemas idnticos e que

    atravs das diferenas, eles respondem de maneira estranhamente parecidas. Tambm

    5Firma de consultoria canadense mentora do projeto CIMI- Computer Interchange of Museum Information

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    preocupado com a questo das diferenas, PESSANHA (p.82) realaa existncia de uma

    multiplicidade cultural, que deve ser preservada e compreendida enquanto diferente.

    Reelaborando os conceitos aqui expostos, e fazendo a devida meno ao trabalho de

    RUSSIO e CHAGAS, entende-se que o museu constitui um espao aberto para as mltiplas

    interaes entre o sujeito social e o objeto museolgico.

    A museologia, segundo CHAGAS (1996, p.31), caracteriza-se como uma disciplina

    que estuda a relao entre o homem/sujeito e os objetos/bens culturais num espao/cenrio

    denominado museu (institucionalizado ou no). O autor elabora um trip de sustentao daanlise museolgica: homem/sujeito, objeto/bem cultural e espao/cenrio. E salienta, tal

    qual GODOY (1997, p.94), que o museu deve ser visto como algo em movimento, um

    processo - e a sua definio tem que ser contextualizada em termos histricos e sociais.

    Citando TAYLOR, GODOY enfatiza: cada gerao se viu forada a interpretar esse termo

    impreciso museu, de acordo com as exigncias sociais da poca. Sendo assim, o museu

    pode ser visto como um espao de conflito, no s oriundo da relao com o pblico, mas

    tambm como espao de conflito interno. O conflito neste caso, como analisado porJAMENSON, constitutivo tanto quanto o consenso, e deve ser motivo de reflexo e

    anlise, e por que no dizer de exposio. Apresentar o museu sempre como consenso, com

    uma verdade absoluta, pode significar mascarar o prprio movimento processual do museu

    enquanto instituio inserida nas prticas culturais da sociedade.

    A museografia pode ser entendida como a execuo da museologia, ou mais

    explicitamente, o estudo das condies prticas e operacionais de ocorrncia do fato

    museal (CHAGAS, 1996, p.33). O fato museal definido por BRUNO (1992, p.28) como

    o processo de comunicao e apreenso da idia apresentada (tema/ conhecimento

    produzido), atravs da exposio de um objeto (coleo) em um cenrio (museu) e por

    RUSSIO (1991) como a relao profunda entre o homem, sujeito conhecedor, e o objeto

    que parte da realidade qual o homem pertence e sobre a qual ele age.

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    Essa atividade de construo do conhecimento na relao homem/objeto nos obriga

    a recorrer Antropologia, porque em nenhum momento o homem se desembaraa das suas

    teias de significados manifestas nas suas crenas, objetos, imagens e hbitos mentais.

    Desta forma, como afirma PEREIRA (apud CHAGAS, 1996, p.19), o pesquisador

    transforma inevitavelmente o problema da elaborao de uma teoria no apenas numa

    questo de lgica, mas uma questo eminentemente Antropolgica.

    Uma vez que a realidade apreendida por intermdio de representaes, mentais ou

    fsicas, construdas e partilhadas nas prticas sociais, o objeto de estudo da museologia

    situa-se necessariamente no plano do signo. Isto nos remete a uma anlise semitica dasprticas de atribuio de significados feita pelos sujeitos sociais aos objetos culturais. Esta

    perspectiva defendida por HORTA (1994, p.19) uma vez que a semitica estuda o modo

    de significao, o modo de comunicao, os cdigos e os sistemas de expresso e o modo

    de interpretao das mensagens recebidas. Procura-se ver o objeto cultural como uma

    possibilidade de construo de signos, que sem eliminar definitivamente a funo primeira

    dos objetos/bens culturais, acrescenta-lhes novas funes, transformando-os em

    representaes, em documentos ou suportes de informao (CHAGAS, 1996, p.56).

    A exposio museolgica, atravs da sua museografia, tal qual a leitura de textos e o

    seu percurso intertextual, faz do objeto fsico um ponto de partida para outras construes e

    imagens mentais. A exposio configura-se como a arte de organizar e articular essas

    unidades, esses objetos/signo, em discursos coerentes e significantes para a sociedade.

    (HORTA, 1994, p.25). A prpria caracterstica da funo comunicacional das exposies

    refere-se a construo deste discurso por parte dos muselogos, mas que s se efetiva na

    construo do discurso feita pelo leitor/visitante. Portanto, as exposies museolgicas no

    constituem uma verdade absoluta, mas um discurso possvel, dentro de muitos outros, que

    carrega as marcas de um determinado contexto histrico e social, e das diferentes

    subjetividades que trabalharam na sua construo. Na afirmao de HORTA (1997, p.123),

    os objetos no falam por si, eles no falam por ns; ns que falamos, lemos, fazemos os

    nossos discursos interiores. Neste caso, assume-se que o reconhecimento desta

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    produtividade do signo e de suas infinitas possibilidades pode ser um instrumento de

    enriquecimento do mobilirio mental dos usurios do museu, dos leitores dos nossos

    discursos, e as conseqncias deste instrumento no processo fundamentalmente educativo

    da comunicao museolgica podem ser melhor avaliadas e compreendidas (HORTA

    (1992: 16) apud CHAGAS 1996, p.61)

    Ressaltando a funo educativa dos museus, acredita-se que uma ao pedaggica

    eficaz inicia-se pela discusso das prprias prticas museolgicas, fazendo uma reflexo

    desde a poltica de formao dos acervos at os processos de recepo do contedo

    informacional das exposies pelo visitante. O setor educativo do museu poderia trabalharintegrado ao setor museolgico, principalmente nas atividades que tm na comunicao a

    sua perspectiva principal, no intuito de promover uma melhor interao entre museu e

    usurio.

    Uma proposta semelhante tem sido desenvolvida pela Tate Gallery, Museu de Artes

    Plsticas Britnico, situado na cidade de Londres, que conta com um acervo artstico do sculo

    XVI ao XX. Em 1993, a Tate Gallery criou um Departamento de Interpretao integrado ao

    Departamento de Educao encarregado pela criao e edio de todo material escrito sobre a

    coleo e a exposio, e ainda com a tarefa de orientar os muselogos na comunicao com o

    grande pblico (WILSON apud LORD et LORD, 1997, p.119). Neste caso, o Departamento de

    Interpretao responsvel pelas diferentes formas de comunicao entre o museu e o pblico,

    incluindo a informao sobre os espaos fsicos do museu, o perfil da instituio e das colees

    apresentadas, a elaborao de textos e etiquetas, o gerenciamento da informao, englobando desde

    o treinamento dos funcionrios para responder as perguntas dos visitantes at a formao de um

    centro de informao sobre a temtica do museu. Ambos os Departamentos atuam de acordo com apoltica cultural adotada pela Direo do Museu e com as diretrizes estabelecidas para cada

    exposio: o objetivo, o tema, a estratgia de apresentao, a freqncia almejada, a abrangncia

    (local, regional, nacional ou internacional), o evento (comemorativo) e as atividades (seminrios,

    conferncias, cursos). Nos dois Departamentos trabalham profissionais de museologia e de

    educao, e ainda outros especialistas com formaes acadmicas distintas.

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    Segundo HORTA (1997, p.118), o poder do museu reside na possibilidade de

    transmitir, quase que sem palavras, pela simples arrumao do espao, uma determinada

    informao. Atravs de atividades educativas, palestras e publicaes refora-se o discurso

    elaborado para a exposio. Mas, como afirma a museloga, um dos poderes do museu

    essa comunicao sem palavras, uma comunicao por sensibilidade, por sensibilizao e

    percepo.

    Definindo o sujeito como o elemento mais importante para a museologia, CHAGAS

    (1996, p.95) aponta como tarefa principal da museologia ter uma postura crtica frente aos

    contedos musealizados e reconhecer no objeto uma fonte de informao capaz de provocarquestes, suscitar reflexes. Como coloca DEAN (1997, p.223) o importante que os

    museus tem que se conscientizar do potencial comportamental e informacional que existe

    naquilo que apresenta, e dedicar-se a tomar decises sobre como apresentar suas exposies

    de uma forma consistente com suas preocupaes.

    Baseando-se no quadro do muselogo iugoslavo SOLA (apud HEIZER, 1998,

    p.120) em que compara o museu tradicional e o museu novo, pode-se ter uma perspectivadas questes surgidas no mbito da museologia e que tem levado a uma mudana na

    abordagem das prticas museolgicas e museogrficas. O terico faz a seguinte

    comparao:

    Museu Tradicional Museu Novo

    . Puramente racional . Leva em conta as emoes

    . Especializado . Manifesta a complexidade

    . Orientado para o produto . Orientado para o processo

    . Centrado nos objetos . Tenta visualizar os conceitos

    . Orientado para o passado . Interessa-se tambm pelo presente

    . Aceita unicamente os originais . Aceita cpias

    . Enfoque formal . Enfoque informal

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    . Enfoque autoritrio . Enfoque comunicativo

    . Objetivo cientfico . Orientado para a inovao

    Fonte: Ata do Comit Argentino do ICOM. la funccin educativa del museo: un desafio permanente.Buenos Aires, 1992, p.4.

    Tendo como parmetro as proposies de SOLA para um novo museu, a perspectiva

    da museologia social procura ir alm do enfoque informal/comunicativo reafirmando a

    necessidade da democratizao da informao, rompendo com qualquer discurso autoritrio

    (ainda que informativo) (HEIZER, 19998, p.123). Esta corrente da museologia almeja asocializao dos museus e do patrimnio cultural. Para tanto, ela questiona os conceitos

    institucionais de cultura e bens legtimos, assim como atribuio de valores s obras de arte

    e aos objetos museolgicos, discutindo o valor daquilo que foi excludo pela cultura

    hegemnica. Insere-se na discusso da subjetividade, elaborada dentro de um contexto de

    relaes sociais. Realiza um discurso democrtico e participativo que objetiva, atravs do

    enfoque informao/comunicao, gerar conhecimento no sujeito, considerando como

    premissa bsica a pluralidade de sentidos e significados.

    Portanto, olhar a exposio como uma teia de significados possveis, preocupada

    em fornecer os cdigos e estratgias para as mltiplas leituras do seu discurso, oferecendo

    conexes entre as diferentes situaes do presente e do passado que possibilitar uma

    prtica transformadora, situar-se dentro das questes apresentadas pela museologia

    social (SANTOS, 1998 p.20).

    Abordadas algumas das questes atuais presentes no universo dos museus e da

    museologia, pretende-se no prximo captulo levantar alguns temas de permanente reflexo

    no mbito do conhecimento museolgico, tais como memria e Histria. Procura-se

    enfocar, ainda, aspectos relativos ao objeto histrico, evidenciando a sua complexidade e

    especificidade, alm de tecer consideraes acerca do trabalho de construo do

    conhecimento dos profissionais da museologia e dos historiadores.

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    3. Exposio, Museu e Histria

    O captulo anterior procurou trazer para o campo museolgico alguns conceitos

    gerais que norteiam as suas prticas culturais. Nesta etapa, prope-se delimitar melhor o

    campo estudado trazendo algumas idias e conceitos referentes a Museu e Histria, uma vez

    que aas dimenses espao e tempo so fundamentais para a construo do saber museal.

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    Desta maneira, pretende-se refletir sobre os conceitos de Histria e Memria, e o modo

    como estes se articulam no fazer museolgico.

    Numa segunda fase, aborda-se o elemento museolgico em torno do qual se realiza

    o trabalho de produo do conhecimento - o objeto histrico, procurando enfoc-lo como

    documento e buscando explorar as diferentes perspectivas na sua abordagem museogrfica.

    Por fim, discute-se o trabalho de construo do conhecimento realizado pelos

    muselogos e pelos historiadores a partir do objeto histrico, mostrando algumas

    aproximaes e diferenas em ambas prticas metodolgicas e cientficas.

    3.1 Memria e Histria

    A questo da memria foi, primordialmente, campo da

    Histria e com esta se funde e confunde. E os materiais

    da Histria, documentos, estavam tradicionalmente

    guardados nas instituies-memria (Le Goff), nos

    lugares topogrficos da memria (Nora) ou instituies

    de memria cultural (Namer): bibliotecas, arquivos e

    museus.

    PINHEIRO (1991: 11 apud CHAGAS p.48)

    Neste captulo pretende-se destacar dentro do tema Histria e Memria, alguns

    pontos importante para o desenvolvimento do foco principal desta dissertao. Acredita-seque este tema pode constituir-se, por si s, num objeto de mltiplas dissertaes, tendo em

    vista a sua complexidade e abrangncia. Portanto, a partir de algumas consideraes acerca

    do campo de conhecimento da Histria, faz-se uma reflexo sobre o conceitos de memria e

    procura-se trazer para o contexto museolgico, atravs do trabalho de dissertao de

    SANTOS, o reflexo na prtica museogrfica desta discusso.

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    No sculo XIX, FURET (Apud SANTOS, 1997, p.39) definiu a Histria como a

    rvore genealgica das naes europias e da civilizao de que so portadoras, contando

    com um patrimnio de textos, de fontes, de monumentos que deveriam permitir

    reconstituir fielmente o passado. Neste foco, o autor retrata as inquietaes da poca,

    voltada para a questo nacionalista e a construo do conhecimento. A memria servia

    como base da Histria para o resgate do passado, e esta tornava-se fonte de legitimao das

    nacionalidades em construo. A Histria era vista como uma celebrao - de um heri,

    de um personagem, de um evento, de uma identidade. O museu nasce desta celebrao,

    constituindo-se no espao por excelncia para exaltar e expressar estes heris. Partindo-se

    do fato histrico, chegava-se ao acontecimento, histria linear e memria progressiva.Mais do que resgatar o passado, procurava-se estabelecer uma definio ideolgica que

    determinava qual passado teria direito perpetuidade e, portanto, visibilidade.

    Esta viso remete a prpria inaugurao do Museu Histrico Nacional no Rio de Janeiro,

    em 11 de outubro de 1922. Com um acervo constitudo de armas e objetos militares relacionados

    com as guerras travadas pelo Brasil, e instalado no antigo arsenal de guerra da Marinha, a

    exposio inicial cultuava os grandes feitos e os grandes homens do pas. Conforme

    mencionado por ELKIN (1997, p.121): A inaugurao do Museu representou a primeira tentativa

    de consagrar, em bases permanentes, uma viso da histria nacional brasileira. Em diversos

    aspectos, este fato representou a culminncia de um conjunto de relaes simbiticas e bastante

    complexas entre as exposies e museus, que remontava aos meados do sculo XIX. E tambm

    por CASTRO (1997, p.249): O surgimento dos grandes museus est associado ao fortalecimento

    do nacionalismo e a noo de patriotismo podia ser - e foi - associada s glrias militares.

    Discordando desta perspectiva absolutista da Histria, LE GOFF e NORA (1995,p.12), mostraram que a tomada de conscincia pelos historiadores do relativismo de sua

    cincia impulsionou as mudanas no conhecimento histrico, que passou a ser visto como o

    produto de uma situao, de uma articulao presente e passado. O fato histrico constitui

    uma construo para dar conta de um problema histrico. Neste sentido, o historiador

    BLOCH (apud LE GOFF, 1997, p.162) contesta a definio de Histria como cincia do

    passado e estabelece o objeto de estudo desta Nova Histria: o carter humano, enfocando

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    o homem com suas deliberaes, intenes e objetivos, integrado num grupo social; e as

    relaes presente/passado, analisando tanto o presente pelo passado como o passado pelo

    presente. O passado tem, no presente, uma construo e uma reinterpretao, atravs de

    novas selees, organizaes e leituras de documentos luz de problemas histricos atuais:

    organizar o passado em funo do presente: assim se poderia definir a funo social da

    histria (1949, p. 438 apud LE GOFF, 1997, p.164).

    O interesse da Histria no mais recai nos grandes homens, ou nos acontecimentos.

    A Nova Histria, que valoriza o seu carter humano, volta-se para o homem comum,

    renuncia ao tempo linear e analisa os tempos vividos, procurando os nveis em que oindividual se enraza no social e no coletivo (NORA apud LE GOFF ,1997, p.44).

    O museu trabalhando com a constituio de uma memria coletiva - entendida aqui

    como o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem no passado

    (NORA apud LE GOFF ,1997, p.44) -, tem no objeto a sua principal fonte de ligao entre

    passado e presente, uma vez que este constitui-se na representao de uma percepo ou

    viso especfica de mundo. A memria coletiva construda a partir da memria individuale serve de subsdio para elaborao de uma memria social que registra a ideologia de

    diferentes pocas e grupos sociais. Nesta instncia coletiva so atribudos os sentidos e

    significados aos objetos. Segundo SCHEINER (1998, p.38), o museu uma instncia de

    consagrao de todas as modalidades de memria, no tempo e no espao. A autora afirma

    que o museu constroi uma memria social particular denominada memria cultural -

    chamada por NAMER de memria social virtual- uma vez que constitui uma memria

    construda artificialmente, sem ter sido elaborada por nenhum grupo especfico. O trabalho

    museogrfico consiste em apresentar essa memria cultural, esse universo simblico

    individual e coletivo, atravs de uma perspectiva do presente, num contexto comunicacional

    e cognitivo atual. Desta forma, atravs da exposio perpetua-se o processo da memria

    humana, de fixar percepes, imagens, idias, que se conectam e reconectam

    indefinidamente, de acordo com o contexto experenciado. Como afirma SCHEINER (1998,

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    p.35), Toda memria no seno uma reconstituio do que j foi construdo, a partir da

    viso de mundo atual do indivduo ou grupo.

    No olhar de NORA (1993, p.7), atualmente tudo que chamamos de memria na

    verdade Histria, pois na falta de uma memria espontnea que propicie uma vivncia das

    lembranas despertas pelo gesto, pela imagem, pelo objeto, o que se faz construir lugares

    de memria de acordo com uma viso temporal e linear presente na Histria. A construo

    do conhecimento histrico se funde e se confunde com a memria, uma vez que debrua-

    se na experincia e na construo, na histria vivida e na histria construda, oscilando

    entre uma postura relativizadora dos resultados e uma confiana no rigor metodolgicocientfico.

    Procurando resgatar o passado atravs da memria, a Histria tradicional trabalhava

    sob dois prismas: o monumento, herana do passado e o documento, escolha do

    historiador (LE GOFF, 1997, p.95). O documento, para a Escola Positivista do fim do

    sculo XIX, constitui-se no fundamento do fato histrico que, mesmo proveniente de uma

    escolha do historiador, apresenta-se como prova histrica - testemunho escrito. Aimportncia do documento para o mtodo histrico enfatizada por SAMARAN, que

    declara: No h histria sem documentos (1961, p. XII apud LE GOFF, 1997, p.98), e

    por LEFEBVRE: No h notcia histrica sem documentos (1971, p. 17 apud LE GOFF,

    1997, p.98).

    Conforme assevera LE GOFF (1997, p.98) este documento era entendido,

    inicialmente, como um texto escrito. A noo de documento somente se ampliou atravs de

    uma nova abordagem histrica proposta pelos fundadores da revista Annales dhistorie

    conomique et sociale (1929): A histria faz-se com documentos escritos, sem dvida.

    Quando estes existem. Mas pode fazer-se com ou sem documentos escritos, quando no

    existem (LEFEBVRE 1949, 1953, p. 428 apud LE GOFF, 1997, p. 98). Nesta linha,

    SAMARAN conclui sua afirmao anterior acrescentando que o conceito de documento

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    engloba o documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a imagem, ou de qualquer

    outra maneira (1961, p.XII, apud LE GOFF, 1997, p.98).

    O trabalho histrico definido por FOUCAULT como sendo o questionar do

    documento (1969, p. 13). E logo recorda: O documento no o feliz instrumento de uma

    histria que seja, em si prpria e com pleno direito, memria: a histria uma certa maneira

    de uma sociedade dar estatuto e elaborao a uma massa documental de que se no separa

    (ibid., p. 13). Amplia-se, assim, a histria social para englobar a histria das representaes

    sociais, das ideologias, das mentalidades - e o lugar. Da mesma forma que possibilita

    determinadas abordagens, interdita outras, em funo da sua relao com os problemashistricos do presente.

    A Nova Histria trabalha sob a perspectiva da memria coletiva, procura no mais o

    resgate de um passado, mas a construo do saber cientfico, tendo como princpio o

    problema (ao invs do documento) e o estudo dos lugares da memria coletiva. Esses

    lugares podem ser os topogrficos (arquivos, bibliotecas, museus), os monumentais

    (cemitrios ou arquiteturas), os simblicos (comemoraes, peregrinaes, aniversriosou emblemas), os funcionais (manuais, autobiografias, associaes) (NORA apud LE

    GOFF, 1997, p.44).

    importante ressaltar que, no entender de NORA, deve-se procurar analisar os

    verdadeiros lugares da histria - os que criam e atribuem significado memria coletiva:

    Estados, meios sociais e polticos, comunidades de experincias histricas ou de geraes,

    levadas a constituir os seus arquivos em funo dos usos diferentes que fazem da

    memria. (NORA apud LE GOFF, 1997, p.45). A operao histrica passa a ser a

    articulao entre um lugar social e as prticas cientficas. Este lugar configura-se num

    centro de produo scio-econmica, poltico e cultural, atravessado por um feixe de

    interesses e privilgios, em funo do qual definem-se os mtodos, os conceitos, as

    questes, os documentos.

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    At o momento procurou-se mostrar como a questo da Histria e da memria

    andam juntas no movimento de construo do saber histrico, tal qual proposto pela

    epgrafe do presente trabalho. Da mesma forma, dada a importncia da noo de documento

    para a rea de museologia, procurou-se explorar tal conceito no campo da Histria.

    Esclarece-se que os Museus caracterizados tipologicamente como histricos

    trabalham com discursos sobre a histria. Neste sentido, o lugar constitui fator

    determinante na abordagem discursiva, pois, como afirma SIMO NETO (1988, p.261):

    ocultando o lugar da emisso desses discursos, oferecem representaes dos processos

    histricos, como se fossem naturais, neutros, verdadeiras mquinas do tempo nas quais osvisitantes embarcam para conhecer o seu passado. Assim, os museus histricos,

    especialmente aqueles de mbito nacional, fornecem ao visitante um pano-de-fundo

    marcadamente ideolgico que influencia a articulao presente-passado e, portanto, o

    processo de construo de identidade. O museu se compromete com uma viso, com uma

    leitura particular de um determinado momento histrico, direcionando a interpretao do

    visitante e afastando-o da sua vivncia e experincia espao-temporal.

    A Antropologia, rea do conhecimento em que esta dissertao colhe alguns

    subsdios conceituais, adota como premissa bsica que aquilo que se v depende do lugar

    em que foi visto, e das outras coisas que foram vistas ao mesmo tempo Desta maneira, no

    importa se lidamos com o passado ou com o presente, as formas do saber so sempre e

    inevitavelmente locais, inseparveis de seus instrumentos e de seus invlucros (GEERTZ,

    1997, p.11).

    Pretende-se ainda lanar algumas consideraes sobre as estratgias adotadas pelos

    museus na apresentao da Histria. Para isso, utiliza-se o trabalho dissertativo de

    SANTOS - Histria, Tempo e Memria -, que retrata, atravs da anlise das exposies

    do Museu Histrico Nacional e do Museu Imperial, dois tipos de abordagens histricas.

    A primeira abordagem museu-memria, assim denominada pela referida autora,

    constitui estratgia museogrfica que aposta no objeto como instncia capaz de suscitar uma

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    experincia com o passado, procurando apenas pela dimenso afetiva e aurtica, trazer

    aquilo que seria uma lembrana esquecida no presente. Neste caso, o carter emocional e o

    apelo fora do objeto como detonador de um conjunto de imagens carregadas de

    emoes, constitui a chave para o processo de identificao entre passado e presente. Os

    objetos constituem um fragmento de um todo, uma representao metonmica do passado

    (SANTOS, 1989, p.11).

    A segunda trata do museu-narrativa, que se apoia no discurso histrico, racional e

    moderno para desenvolver a sua argumentao museogrfica, apoiada basicamente na

    linguagem verbal, retirando a fora do objeto museolgico. No pretende uma identidade narelao presente e passado, trabalha com a crtica e os objetos so utilizados para construir

    uma metfora do que foi o passado segundo a lgica do tempo (SANTOS 1989, p.10).

    Neste caso, como afirma SANTOS (1989, p.11), a concepo de memria est

    intimamente ligada a uma concepo linear e progressiva.

    Diante do exposto, estas duas abordagens museogrficas no exploram todas as

    possibilidades e significados que os objetos quando trabalhados podem conter. Tornar umobjeto uma ilustrao do conhecimento ou apostar apenas no seu carter afetivo em

    detrimento do cognitivo, no parecem ser as melhores alternativas. Apesar da complexidade

    do universos dos museus, acredita-se que trabalhar com um conceito de histria e memria

    que integre tanto o afetivo como o cognitivo constitui um caminho possivelmente mais rico,

    do ponto de vista museolgico, para o trabalho com as exposies.

    Nas palavras de SANTOS (1989, p.6): Evento e narrativa nem so duas partes

    distintas, autnomas de uma mesma realidade, nem se confundem ou se anulam compondo

    um fenmeno nico, mas antes mantm-se em constante relao dialtica, na qual a

    narrativa, alm de representao, imediatamente discurso criador. Da mesma forma que a

    Histria e a memria se fundem e se confundem lidando com narrativas e experincias, a

    exposio nos museus procuraram mergulhar neste processo de fuso, estabelecendo um

    jogo que ora tangencia o universo da linguagem, ora busca no objeto a sua experincia

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    primeira. Esta perspectiva aceita, assim como na Histria, a concomitncia entre narrativa e

    cincia na museologia, e tem nos museus - instituies de memria cultural (NAMER) - o

    espao social adequado para trabalhar a memria sob estes dois prismas.

    No intuito de ampliar a reflexo sobre a especificidade dos museus histricos, e por

    conseguinte das suas exposies, resta definir um dos aspectos que melhor o caracterizam,

    que vem a ser o objeto histrico. No prximo segmento aborda-se o universo especfico e

    relacional do objeto, tipologicamente classificado como histrico.

    3.2 Objeto Histrico

    A formao das grandes colees dos museus remonta ao sculo XIX, quando os

    objetos eram selecionados por critrios advindos da concepo positivista da Histria. Os

    dois critrios estabelecidos para a seleo dos objetos eram o valor museolgico, embasado

    na autenticidade e originalidade, e o valor delegado, referente ao contato do objeto com

    algum personagem ou fato relevante que lhe delegava o poder de transmisso de

    significado (SIMO NETO, 1988, p.251). No dizer do autor esses valores consagravam

    uma histria que se apoiava na origem para o trabalho de construo do conhecimento, e

    portanto reduzia vida e aos feitos dos grandes homens - imperadores, generais,

    governantes - toda a complexidade e riqueza do processo histrico e da vida social. (1988,

    p.251).

    Nesta mesma perspectiva, MENESES (1998, p.93) afirma que o objeto histrico se

    caracteriza pela impregnao de um sentido oriundo da contaminao externa com alguma

    realidade transcendental. A partir do momento que so retirados de circulao, eles

    perdem o seu valor de uso, e adquirem uma aura que os coloca na posio de objetos a

    cultuar. Essa contaminao com uma realidade transcendental, se por um lado confere

    ao objeto o seu carter aurtico, por outro insere-o numa categorizao sociolgica, uma

    vez que a realidade - at mesmo a transcendental - apreendida pelo sujeito atravs de

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    representaes que so articuladas nas prticas sociais e culturais. Essas representaes

    esto inseridas num sistema simblico partilhado pelos sujeitos sociais, que lhes atribuem

    sentido e significados. Do mesmo modo, ao ser retirado do contexto original e transferido

    para o museu - instituio que trabalha na vertente da organizao e construo do

    conhecimento - ao objeto atribudo o carter de documento.

    Para MENESES (1998, p.93), o objeto histrico merece duas categorias de anlise:

    a primeira a dimenso sociolgica e a segunda a dimenso cognitiva. A dimenso

    sociolgica refere-se prpria prtica humana de construir e partilhar na sociedade

    representaes, as quais so atribudas significados sociais que espelham a realidadeexperimentada. Como afirma o autor (1994, p.20), os objetos histricos so fontes

    excepcionais para se entender a sociedade que os produziu ou reproduziu enquanto objetos

    histricos ou, ainda, como menciona SIMO NETO (1988, p.262), os objetos no

    significam por si, mas constituem um sistema vinculado a um eixo de significados

    referentes sociedade na qual so produzidos.

    Ressalte-se que os objetos histricos tm uma trajetria, com transformaes tantona forma como no significado. Portanto, precisam ser analisados em relao tanto com o

    contexto e as prticas sociais e culturais que o produziram, como em relao a outros

    objetos organizados numa exposio. O historiador SIMO NETO (1988, p.257) chama a

    ateno para este carter relacional do objeto, assim como MENESES (1998, p.92) prope

    investig-los em situao, ou seja, nas diversas modalidades e efeitos das apropriaes

    de que foram parte. No se trata de recompor um cenrio material, mas de entender os

    artefatos na interao social.

    A dimenso cognitiva do objeto constitui o seu carter de documento. A palavra

    documento compreendida como aquilo que ensina - doccere-, ou como suporte de

    informaes. As funes muselogicas de comunicao e educao provavelmente advm

    da primeira assertiva, enquanto a segunda deve se referir investigao e preservao. Esta

    caracterstica de suporte de informao conferida ao objeto pela prpria necessidade de

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    construo do conhecimento. Como afirma MENESES (1998, p.95): , pois, a questo do

    conhecimento que cria o sistema documental. O historiador no faz o documento falar: o

    historiador quem fala e a explicitao de seus critrios e procedimentos fundamental para

    definir o alcance de sua fala. Toda a operao com documentos, portanto, de natureza

    retrica. No h porque o documento material deva escapar destas trilhas, que caracterizam

    qualquer pesquisa histrica.

    Quanto necessidade de preservao do objeto, justifica-se no apenas pelas suas

    propriedades fsicas, mas pela possibilidade de informao. Contudo, SIMO NETO

    (1988, p.262) aponta para o carter seletivo imposto pela atribuio de sentidos: preservarum objeto , porm, codific-lo, adapt-lo a um discurso, criando significados, s vezes

    permanentemente, impossibilitando a emergncia de outros olhares.

    Acrescenta-se a estas duas dimenses do objeto histrico, aquela de carter esttico,

    na qual o objeto considerado como obra de arte captado pelos sentidos humanos. A

    percepo esttica se faz de incio atravs do olhar, que forma e modela o objeto no espao,

    que informa as suas caractersticas - volume, formas, desenho, proporo -, e que associadaaos outros sentidos estabelece uma relao entre sujeito, objeto e espao.

    Precisa-se ainda definir o objeto no contexto museogrfico, analisar as diferentes

    perspectivas do objeto inserido numa organizao que procura integrar o afetivo e o

    cognitivo num determinado espao comunicacional, de forma a produzir sentido para a

    gerao de conhecimento. Como aborda MENESES (1994, p.108) a exposio

    museolgica , em ltima anlise, a formulao de idias, conceitos, problemas, sentidos,

    expressos por intermdio de vetores materiais. Assim, o historiador MENESES relaciona

    quatro abordagens do objeto numa exposio: fetichista, metonmica, metafrica e objeto

    no contexto.

    A fetichista baseia-se no deslocamento, para os objetos, dos sentidos gerados nas

    relaes sociais, como se os sentidos atribudos fossem uma propriedade intrnseca do

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    objeto. Neste caso, ignora-se o potencial de criao de sentidos do objeto, sua capacidade

    de re-significar e sua trajetria histrica. Da mesma forma, aprisiona o objeto num

    determinado sentido atribudo segundo a anlise de um sistema documental, no

    contemplando as mudanas de padres da rea de conhecimento, a qual esto relacionados,

    como a Histria. Em algumas exposies pode-se ver um objeto sem nenhum valor

    intrnseco, mas que se transformou em relquia, sendo fetichizado por ter sido tocado por

    algum personagem histrico.

    Um exemplo da abordagem fetichista pode ser encontrado no acervo do Museu Histrico

    Nacional, no Rio de Janeiro, na coleo referente a D. Pedro I. Em um determinado momentohistrico, o Museu selecionou e coletou para integrar o seu acervo museolgico algumas pedras da

    praia onde desembarcou Pedro I no retorno a Portugal. Estas pedras adquiriram o carter de

    relquia apenas por terem sido pisadas pelos ps do monarca (CASTRO, 1997, p.257). Este

    exemplo se repete em diferentes museus, com tipologias variadas, como o Museu dos Teatros, que

    guardava a dentadura de um artistas de teatro, ou o pedao do crebro de um famoso msico

    brasileiro.

    A metonmica enfatiza, no objeto, o seu carter emblemtico, no qual se estabelece

    uma associao direta entre o objeto (parte) e o sentido (todo). No pensamento de

    MENESES (1994, p.110), esta perspectiva muito adotada em exposies antropolgicas e

    como recurso de sntese, utilizando-se o esteretipo para retirar o aspecto conflituoso e

    complexo das relaes sociais.

    A metafrica utiliza os objetos como ilustraes de idias, conceitos ou problemas.

    Apoia-se basicamente no texto, para no apenas desenvolver uma argumentao, mastambm para express-la, retirando do objeto toda a sua potencialidade de significao.

    A abordagem do objeto no contexto tenciona inseri-lo numa determinada

    reconstruo ambiental, que privilegia os seus aspectos visuais, alm de congelar o objeto

    num tempo e local histrico especfico. Esta perspectiva, tal qual a fetichista, desconsidera

    a trajetria do objeto e seu potencial de significao. Desconsidera, tambm, o espao

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    museal como local de produo do conhecimento e o carter documental do objeto, que

    permite a sua re-significao no presente.

    A relevncia da noo de tempo para os objetos histricos reside no compromisso

    destes com o presente, tempo no qual so produzidos e reproduzidos como categoria de

    objeto e a cujas necessidades devem atender. Esta relao presente/passado, e a teia de

    relaes que configuram a sua existncia como representao, conferem ao objeto histrico

    importante papel na construo de uma identidade pessoal. Isto porque a construo de uma

    identidade caracteriza-se por um processo relacional baseado na diferena/ semelhana, e

    no numa essncia comum, ou ainda conforme reala MENESES (1998, p.96), umasituao de interao: o eu se define, sempre, diante do outro, de preferncia na escala

    de grupos ou sociedades.

    Este jogo interacional eu/outro e presente/passado estabelecido pelo sujeito/visitante

    frente ao objeto histrico, numa atividade eminentemente comunicacional, como a

    exposio, possibilita o surgimento de novas interpretaes e significados, configurando,

    num amplo sentido, uma etapa da produo e gerao de conhecimento. Esta atividade deproduo de conhecimento inicia-se com o trabalho museolgico de seleo e coleta do

    objeto histrico, percorrendo as atividades de preservao e investigao, at a etapa

    comunicacional - no caso a exposio. Todo esse processo no museu realizado por um

    corpo de profissionais tcnicos-cientficos que ampliam o universo relacional de

    conhecimento do objeto.

    A seguir, pretende-se abordar o trabalho dos muselogos e historiadores, uma vez

    que estes constituem os principais profissionais responsveis pela produo, organizao,

    representao e comunicao do conhecimento no Museu Histrico.

    4.3 Historiadores e Muselogos

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    A verdade se encontra muito alm da realidade;

    l onde s a imaginao alcana.(SABINO, 1983, p.37)

    Nesta etapa da dissertao intenciona-se analisar o papel do historiador e do

    muselogo na construo do discurso museogrfico, que encontra no esforo da prtica

    construtiva pontos em comum, como a presena da subjetividade do pesquisador no

    trabalho construdo, como articulador daquele saber, quer seja como ordenador dos objetosmuseais, quer seja de um tema especfico.

    De incio, importante ressaltar que todo trabalho de construo ou reconstruo

    carrega no seu cerne os padres e cdigos do sistema cultural no qual o pesquisador est

    inserido, ser sempre uma representao que reflete no apenas os elementos constitutivos

    do objeto de estudo, mas tambm as imagens do inconsciente coletivo arquivadas na mente

    do pesquisador.

    Um trabalho de anlise do papel do historiador e do muselogo foi elaborado pela

    museloga HORTA (1997, p. 108), que apesar de enfocar o problema das casas histricas,

    pretendo aqui enfocar para levantar algumas das questes do trabalho dos historiadores e

    dos muselogos.

    Quanto ao trabalho de investigao do historiador, no contexto de museus, a autora

    estabelece trs abordagens concomitantes: a perspectiva espacial, em que se v o objeto de

    estudo nas suas relaes formais internas e externas; a temporal, em que se analisa a

    trajetria do objeto, no que se refere as suas transformaes, desde no nvel funcional at as

    modificaes geradas no espao fsico, social e cultural; e a perspectiva scio-cultural, que

    ser analisada atravs do fluxo de comportamento dos sistemas sociais e simblicos. O

    objeto ento est posicionado no mbito da anlise cultural.

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    No caso dos museus, espao que abriga colees de objetos sgnicos, os

    historiadores encontram nestes objetos indicadores que, se no servem como ponto de

    partida, atuam como contrapontos para o trabalho de reflexo e construo do discurso

    histrico. Os objetos museolgicos, vistos como documentos histricos, so selecionados,

    agrupados, classificados e analisados, desta vez pelo historiador, segundo parmetros

    correspondentes a novas pertinncias intelectuais e sociais. O historiador funciona como

    um ator num encadeamento de uma histria a ser feita (ou refeita) (CERTEAU, 1995,

    p.31). Este trabalho constitutivo do prprio processo de pesquisa para elaborao do

    discurso museogrfico, confere exposio o seu carter documental, na afirmativa dohistoriador FERREIRA JNIOR (1997, p.171): Toda exposio expressa uma atitude de

    organizao e seleo de objetos a partir de determinados parmetros, conceitos e idias que

    tm diversas historicidades. Um museu um documento da histria da cultura que se

    expressa atravs de uma museologia e sua operacional museografia que, por seu turno,

    tambm tm uma historicidade.

    Neste sentido, podemos afirmar que o papel do historiador o de reconstruir ahistria. Mas como os museus, enquanto espao contextualizador, determinado histrica e

    socialmente, atuam reconfigurando a prtica do historiador? Pode-se dizer que uma das

    importantes caractersticas do espao do museus refere-se ao seu carter pblico, como

    constata HORTA (1997, p.126): os museus fazem e esto fazendo uma histria pblica,

    que no a histria feita pelos historiadores, uma outra histria com recortes, com

    limitaes, com exatamente coisas que ficam nebulosas.

    A responsabilidade do historiador se torna ainda maior, uma vez que essa histria

    contada nos museus encontra lacunas e simplificaes, que tendem a se tornar uma verso

    oficial pela prpria institucionalizao do saber acumulado e produzido historicamente nos

    museus. Talvez a funo dos historiadores nos museus, ao lado da reconstruo da histria,

    seja a de relativizar este saber institucionalizado, abrindo espao para a realizao, por parte

    dos muselogos, de exposies questionadoras das lacunas e das verdades absolutas,

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    levando a reflexo sobre os fatos e o processo conflituoso e dialtico da histria. abrir a

    Caixa Preta de LATOUR, mostrando que a construo histrica uma combinatria de

    sries racionalmente isoladas onde serve para marcar, um aps outro, os cruzamentos, as

    condies de possibilidade e os limites da validade (CERTEAU, 1995, p.37). A

    compreenso da prpria histria encontra-se ligada capacidade de organizar as ausncias e

    relativizar as certezas, uma vez que constituem formalizaes cientficas datadas e

    historicamente determinadas.

    Neste rumo, o trabalho de mediao do historiador basicamente de interpretao e

    construo, ou como afirma MENESES (1994, p.21): O historiador no faz o documentofalar: o historiador quem fala e a explicitao de seus critrios e procedimentos

    fundamental para definir o alcance de sua fala. Toda operao com documentos, portanto,

    de natureza retrica.

    Sendo assim, resta definir o trabalho de investigao do muselogo. O museu,

    espao que se constitui, anlogamente, num continente de significados, local

    privilegiado para a perspectiva semitica. Constatar que o museu um continente designificados e mapear as suas ocorrncias, no constitui o cerne do trabalho museolgico.

    Segundo a museloga HORTA ( 1997, p.112), cabe ao muselogo desconstruir,

    decodificar e desmistificar os elementos da teia de relaes de significados, que configuram

    o espao e o objeto museal, de modo a levar o pblico a perceber esses inmeros sentidos

    deles decorrentes. Faz-se importante colocar que o trabalho do muselogo transcende este

    espao museal, atingindo as prprias prticas sociais e culturais, pois por um lado dos

    artefatos e por outro da ao social que as formas culturais encontram articulao. Os

    objetos museais passam a representar as relaes sociais e culturais que configuravam, num

    determinado momento histrico e contextual, um grupo social. Da mesma forma que no

    termina na atividade de desconstruo, o trabalho do muselogo, especialmente na

    produo de um discurso museogrfico, configura-se pela construo, na fabricao (e aqui

    se aproxima do conceito de fico - fictio) de conjecturas e possibilidades para advinhar os

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    significados (GEERTZ, 1989, p.30), e elaborar a melhor forma de museografar os

    significados possveis.

    Este advinhar de significados advm da constatao de que a linha entre o modo

    de representao e o contedo substantivo to intravel na anlise cultural como na

    pintura(GEERTZ, 1989, p.26). A superao, tanto de um discurso conteudista como de

    um esteticista, reside na constatao de que a unidade entre a forma e o seu contedo ser

    dada pela anlise do objeto como um feito cultural. Pode-se aqui tentar levantar a bandeira

    de defesa do statusobjetivo do conhecimento museolgico. Todavia, convm lembrar que

    to importante quanto este status a responsabilidade social do museu com o seu pblico,expressa pela preocupao com os processos culturais e sociais de atribuio de valores

    identitrios com os sujeitos sociais.

    Entendendo a exposio como o ambiente para essas relaes de mltiplos

    significar, acreditamos que os sentidos esto na nossa mente, e que o muselogo constroi

    um discurso acerca do objeto sgnico que s efetiva o seu carter polissmico, oriundo da

    sua prpria materialidade do objeto, na ao dialgica entre autor e leitor, ou, no caso dasexposies, entre discurso museogrfico e visitante. Desta forma, o trabalho museolgico se

    baseia na interpretao, buscando no fluxo do discurso social atribuidor dos significados

    aos objetos, desemaranhar a rede de relaes simblicas configuradoras do universo das

    colees dos museus.

    O trabalho do historiador e do muselogo se encontra na construo de uma

    interpretao - acerca de um tema, um fato, um objeto - que, no espao pblico de trocas

    sociais e culturais dos museus histricos, se unem num mesmo objetivo, qual seja a

    produo de um discurso, marcado pelo seu tempo e lugar, que tem, como pressuposto de

    sua concretizao, o despertar de uma experincia reflexiva no visitante. Par