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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
Revista acadêmica da graduação em Letras
Ano 2 nº 2 janeiro/junho 2011
ISSN 2236-3335
Revista
Universidade Estadual de Feira de Santana
J Ano 2
nº2 janeiro/junho 2011
Graduando entre o ser e o saber
Revista Acadêmica da Graduação em Letras
Revista
Re i t o r
J os é Ca r l os Bar r e t o d e San ta na
V i ce -Re i t o r
Gen i v a l Co r r êa de Souza
P r ó -Re i to r d e G ra dua ção
Rubens Edson A l ves Pe r e i ra
P r ó -Re i to r a d e Ex t ens ão
Ma r i a H e l en a da Rocha Besnos i k
P r ó -Re i to r a d e Pesqu i sa e Pós -G ra dua ção
Ma r l u ce Mar i a A ra ú jo Ass i s
D i r e t o r a do Depa r tamen to de Le t r as e A r t es
Máv i s D i l l K a i pp e r
V i ce -D i r e t o ra do Depa r t amen to de Le t ra s e A r t es
Ma r i a C r is t i na Br aga Masca r enhas
Coo rdenado ra do Co l eg ia do de Le t ras e A r t es
Va l é r ia Ma r ta R i b e i r o Soa r es
V i ce -Coo rdenador a do Co l eg i ado de Le t r as e Ar t es
I r an i l d es A lme id a de O l i v e i ra
UNDEC\CODAE
Che fe (UNDEC) : Consue l o P ene lu B i t en cou r t
Coo rd . ( CODAE ) : Vandson de O l i v e i r a Na s c imen to
D i r e t ó r i o Acadêm i co de Le t ra s e A r t es J os é J e r ôn imo de Mo ra i s
G r a d u a n d o R ev i s t a Ac ad êm i c a d a G r adu aç ão em L e t r a s
I n s t i t u c i o n a l nº2 jan./jun. 2011
e n t r e o s e r e o s a be r
U EF S / R e v i s t a G r a du an do
Av en i d a T r a n s n o r d es t i n a , S / N , B a i r r o N ov o Ho r i z o n t e . Te l . : 3 1 6 1 - 8 0 0 0
C E P 440 36 - 9 0 0 – Fe i r a d e S a n t a n a – B a h i a – B r as i l . M ó d u l o 2 , M T 25 b .
H om e : h t t p : / / ww w 2 . u e f s . b r / d l a / g r a d u a n d o
E -m a i l : r e v i s t a g r a d u a n d o @gm a i l . c o m B l o g : w ww . r ev i s t a g r a d u a n d o . b l o g s p o t . c om
Revista
Exp ed i e n t e C o n s e l h o E d i t o r i a l
A n d r é i a C a r i c c h i o C a f é G a l l o A n t ô n i o G a b r i e l E v a n g e l i s t a d e S o u z a
C a r l a L u z i a C a r n e i r o B o r g e s C l e d s o n J o s é P o n c e M o r a i s
E d s o n D i a s F e r r e i r a E l i z a b e t e B a s t o s d a S i l v a
E l v y a S h i r l e y R i b e i r o P e r e i r a F a b r í c i o d o s S a n t o s B r a n d ã o F r a n c i s c o F e r r e i r a d e L i m a
G i r l e n e L i m a P o r t e l a H um b e r t o L u i z L i m a d e O l i v e i r a
J o l a n t a R e k a w e k J o s a n e M o r e i r a d e O l i v e i r a
J u r a c i D ó r e a F a l c ã o N i g e l A l a n H u n t e r
N e l m i r a M o r e i r a d a S i l v a N o rm a L ú c i a F e r n a n d e s d e A l m e i d a R i t a d e C á s s i a R i b e i r o d e Q u e i r o z
V a l é r i a M a r t a R i b e i r o S o a r e s
R e v i s ã o A d e v a l d o P e r e i r a A r a g ã o
A l i n e d a S i l v a S a n t o s A n a l i d i a d o s S a n t o s B r a n d ã o
D i n a m e i r e O l i v e i r a C a r n e i r o R i o s E d n a R i b e i r o M a r q u e s Am o r i m
E n a C a r o l i n e L é l i s X a v i e r M a r i a n a F a g u n d e s d e O l i v e i r a
N i g e l A l a n H u n t e r N o rm a S o e l i R e i s M e n e s e s R e n i l d a R i b e i r o d a F o n s ê c a
S i l v a n i a C á p u a C a r v a l h o We l l i n g t o n G om e s d e J e s u s
C o m i s s ã o E d i t o r i a l A l i n e d a S i l v a S a n t o s
D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a E l i s e u F e r r e i r a d a S i l v a
We l l i n g t o n G om e s d e J e s u s
C o l a b o r a d o r a J u l i a n a P a c h e c o O l i v e i r a N e v e s
I m a g e m d e c a p a E l i s e u F e r r e i r a d a S i l v a
E d i t o r a ç ã o D a n i l o C e r q u e i r a A l m e i d a
W e b d e s i g n e r L e o n a r d o N u n e s d a S i l v a
I m p r e s s ã o Im p r e n s a U n i v e r s i t á r i a — U E F S J
Revista
J
Sumário
AP R ES EN TAÇÃO Com iss ão Ed i t o r i a l
P ág i n a 7
CU LT URA NA E SCOLA
Ar abe l l e Nogue i r a A lve s ,
Au r ea Vand i an Ramos
Car l a V iv i ane L ima Ce r que i r a
Ka l i l a C ar l a Gomes d a S i l v a
Sar a Cr i s t i n a d a S i l v a
P ág i n a 1 1
COMO E POR QUE TRABALHAR COM A POE S IA NA SALA D E AULA
E l i seu F e r r e i r a da S i l v a
We l l i n g t on Gomes de Je sus
P ág i n a 2 1
ANÁL I SE D O S C L Í T I C O S EM JO RNA I S F E I R E N SE S D O SÉ CU LO XX
Adm i l son F agundes dos S an t o s
C l a r i ss e Beze r r a de S an t ana
C l e i d e S i l v a de Azev edo
Dan i e l e Po r t uga l d e A lme id a
Dan i l o Ce r que i r a A lme id a
Dav i San t an a de L ar a
Den i se Na sc imen t o Pau l o
Ren i l t o n dos S an t o s L im a
P ág i n a 35
A N ÁL I SE COMP AR AT IVA D E DO I S AU TO S D E D E F L OR AMEN TO S :
A QUE ST ÃO R AC I AL EM D E ST AQUE
Jac i l e n e Mar ques Sa l omão
P ág i n a 49
O D I SCUR SO NA PO ES IA D E I L DÁ S IO TAVAR ES : UM E S TU DO
D A COE SÃO E DA CO E R Ê NC I A T EX T UA L
F l áv i a Rod r i g ues dos S an t o s
P ág i n a 63
Revista
J
O CON T EX T O E O I N T E R T EX TO NA M Ú S ICA P RA NÃO D I Z E R QUE N ÃO FA LE I D E F L OR E S , D E GE R AL DO VA ND R É
Ad r i an a A lves S an t ana
Jose ane de Jesu s Pe r e i r a A r au jo
La i l a Ke l l y A lme id a Je sus
Te lma de O l i v e i r a S an t ana
P ág i n a 75
O P R OCE S SO D E T RA N SP O S I ÇÃO D E L I N GUAGEM NA OBR A O P AGA DO R D E P R OME S SA S
Nayar a Car ne i r o San t i ago
P ág i n a 87
J E SU S CR I S TO H UMAN IZA DO EM O EVAN GE LHO S EGUN DO J E SU S CR I S TO : R E L E I TUR A C R Í T I C A D A H I ST ÓR I A B Í B L I C A
Ana Cé l i a Coe l h o
Ed i l é i a Pe r e i r a dos San t o s
Gr ac i e l y C ând id o Macêdo
Jose ane de Jesu s Pe r e i r a A r au jo
P ág i n a 95
H AN S ST A DE N E ME U QUE R I D O CA N I B AL : V I SÕ E S A NTAGÔN I CA S
NA CO N ST R UÇÃO D A I D E N T I D ADE NAC IO NA L
Ana Cé l i a Coe l h o
P ág i n a 1 07
E L AM OR D E VO TA DO A D UL C I N E A P OR
D O N QU I J OT E D E L A MA NC HA : U N B R E VE COME NT AR IO
Ar abe l l e Nogue i r a A lve s
P ág i n a 1 1 9
R E T R AT OS DO SE R T ÃO N O VOCA BU LÁ R I O D A O BR A E S SA T E R R A , D E AN TÔ N IO T OR R E S
Ana Cé l i a Coe l h o
Ivane t e Mar t i n s de J esus
Jac i l e n e Mar ques Sa l omão
Ja i lm a do s S an t o s F i g ue r edo
Po l i an a dos San t o s A lexand r i n o
P ág i n a 1 2 9
O R E F L E XO SOC I AL D O AM OR NA P OE S IA D E
CAM ÕE S E JO R GE D E SE NA
Ju l i e l son A lb e r naz de O l i v e i r a
P ág i n a 1 4 1
N O R MA S P A R A E N V I O D E A R T I G O S E R E S E N H A S P ág i n a 1 52
Revista
J
A P R E S E N TA Ç Ã O
Chegamos ao segundo número . E a í , o que fazer? Vang lo -
r i ar -se po r ter chegado a té aqu i ou re l a ta r que não é nada , que
um grupo qua lque r pode o rgan izar , ed i ta r , d iag ramar , e pub l i car
uma rev i s ta – cu j o ob j e t i vo mai or é rep resenta r a produção de
um curso e mater i a l i z a r o conhec imen to de seus graduandos?
Nesse sen t ido , ou t r as rev i s tas d i scen tes não só de l e t r as , mas
de ou tros cursos , também ex i s tem , e não só em nossa un ivers i -
dade , como em IES ( Ins t i tu ições de Ens ino Super io r ) de ou tros
es tados . O processo de fo rmação de uma rev i s ta passa pe l a
busca de referênc i as sob re a c r i ação , func ionamen to , pos tu ra e
ges tão , como na e l aboração de um ar t igo ou um p ro je to que se
quer e terno enquan to p ro te j a sua capac i dade de renovação no
exerc í c io do i nd i spensáve l .
O acesso à rev i s ta Boca da T r ibo , da Un ivers i dade Federa l
de Mato G rosso , propo rc ionou en tender a organ i zação de um
per iód ico , essenc i a l para imp l an ta r e con t i nuar a rev i s ta acadê-
m i ca no cu rso de Le tr as da Ue fs . A Zephyrus , su rg ida sob a
chance l a de um "Caderno de In i c i ação C ien t í f i ca em Le t ras" –
des ta un i vers i dade – , mos t rou que a produção d i scen te ex i s te e
é de cons ideráve l va lor acadêmi co . En tão , ta l vez nem uma co i sa ,
nem ou t ra , nem se vang l or i a r , nem d izer que é fác i l , apenas fa-
zer o necessár i o .
O tex to i n trodu tór io do p ro je to da rev i s ta t r az a jus t i f i ca t i -
va para a sua c r i ação : ‚observação e aná l i se da v ivênc i a aca-
dêmi ca do Cu rso de Graduação em Le t ras da Uefs ‛ e ausênc i a
de uma pub l i cação que d ivu lgasse o t r aba l ho c i en t í f i co e as c r i a-
ções l i ngu í s t i co - l i t er á r i as dos seus a lunos . Ago ra ex i s te uma pu-
b l i cação que au tor represen ta uma imagem do curso de Le t r as
da Ue fs . No tamos que , se a i nda não há um subs tanc i a l ( r e ) co-
J
Revista
nhec imen to e i n te ração por par te dos es tudan tes , pe lo menos
en t re os conse l he i r os da rev i s ta – du ran te o per íodo de ava l i a -
ção dos ar t igos e resenhas da presen te ed ição – a expec ta t iva
f o i grande . Comen tá r io s como ‚ i sso pode d imi nu i r a rev i s ta ‛ ou
‚ i sso es tá aquém do que eu l i na pr ime i r a ed ição‛ demons t ram
ma i s do que uma expec ta t iva , uma preocupação com a qua l id ade
técn i ca , es té t ica e in te lec tua l do per iód i co , a l ém do reconhec i -
men to e dese jo de me lho ra a cada ed i ção . Esperamos fazer
desses comen tár io s incen t i vo para con t inuar a susc i tá- lo s e su-
perá- los , ass im como ou t ros que possam surg i r .
No tex to de apresen tação da p r ime i r a ed ição d i ssemos que
‚A ex i s tênc i a de ref lexões acadêm icas en t re os graduandos em
L íngua Vernácu l a , Espanho l a , Ing lesa e Francesa não só os in -
se re no un i ve rso acadêmi co como também os torna su j e i tos de
seu tempo , agen tes i n terdependen tes , se res aos qua i s o saber
se o ferece pe l a a t i tude de busca‛ . (g r i fo nosso) . Cremos que
essa busca se dá po r vár io s caminhos e de d i versas formas .
Começamos a ver resu l tados , não espec i f i camen te na evo lução
dos graduandos e da rev i s ta , mas num en r iquec imen to l en to e
g radua l do cu rso e das pessoas a e le con temp l adas por me io
da pub l i cação , da l e i tura ou da mera i n formação de ex i s tênc i a
des te per iód ico . Se j am graduandos , g raduados , pós-g raduados
ou le i to res , e l es fazem par te do un ive rso l e tr ado , ao qua l não se
pode negar o pape l da l e i tura e da escr i ta na ( tr ans) fo rmação
do p róp r i o e do nosso (g r i fo nosso ) l ugar no mundo .
A rev i s ta Graduando tem um b log , e ne l e há a lgumas se-
ções . Ma is espec i f i camen te duas , ‚ Inscrevo , l ogo i ns i s to ‛ e
‚Graduandos .b logspo t ‛ , d i a logam sens i ve lmen te com os es tudan-
tes . A ‚ Insc revo , logo i ns i s to‛ pe rmi te aos a lunos de l e t r as es-
creverem sob re o que qu i serem . É um espaço para os seus
pensamen tos ma i s d i versos sobre o mundo , a soc i edade em s i ,
poes i as , con tos , crôn i cas ou mesmo murmúr ios e dese j os de um
curso me l ho r . A ou t r a seção é a ‚Graduandos.b logspo t ‛ , que na-
da mai s é do que uma fo rma de os es tudan tes terem seus
b logs d ivu lgados a tr avés da rev i s ta , p romovendo ass im um con-
ta to en t re g raduandos em l e t r as , ou tros b logue i r os e dema i s le i -
Revista
J
to res nes te mundo cada vez mai s v i r tua l e cong lomerador de
i de i as comuns .
Percebe-se ao le r os tex tos : são re l a tos de v i agens , do
t r aba l ho , da ro t in a , do co t id i ano , de p ro tes tos, a lém de poes i as ,
c rôn i cas e re f l exões a par t i r do que v i venc i amos . De tec tamos a
d i ta "evo lução do curso de le t r as " ao ana l i sa rmos os escr i tos
das seções sup rac i tadas . Não se pode , en tão , a t r ibu i r en fa t i ca-
men te que o es tudan te de Le tr as é um "rep rodu tor de con teú-
do " , como acham ou pensam a lguns . Es tamos para a l ém d i sso .
Somos se res pensan tes , r epar t i dores da cu l tura adqu i r id a , med i -
adores e um dos in ter locu tores en tre o que es tá escr i to e o
que deve ser fe i to .
Lamen tamos por um fa to ocorr ido na pr ime i r a ed ição des ta
rev i s ta . Po r um descu i do nosso , pub l i camos ar t igos com os abs-
t r ac ts , ou resumos em l í ngua ing l esa , sem a verdade i r a co rreção
do membro permanen te do Conse lho Ed i to r i a l e também rev i sor
em L í ngua Ing lesa , o pro fessor N ige l A l l an Hun ter . E les foram
pub l i cados com as cor reções rea l iz adas an tes do processo de
rev i são . Come temos um erro , o qua l r e l a tamos aqu i como um
ped ido de descu lpas , fe i to pessoa lmen te e ace i to , mas necessá-
r io para que ou t r as pessoas ( a comun idade acadêmi ca , os g ra-
duandos , graduados , núc leos que recebem a rev i s ta , esco l as ,
conse l ho ed i tor i a l e in s tânc i as que a apó i am) possam saber . Tra-
ba lhamos para que er ros não acon teçam, mas se v i erem a a-
con tece r , es ta remos d i spos tos a co rr ig i - lo s e a proporc i onar ,
a t r avés de nossa a t i tude d i an te dessas s i tuações , um mode lo
acadêmi co de condu ta .
A lgumas f r ases marcam essa segunda ed i ção . Uma de E-
duardo Ga l eano , d i z : "Somos o que fazemos , mas somos , pr inc i -
pa lmen te , o que fazemos para mudar o que somos" . A rev i s ta
nasceu com uma ó t i ca , mudar a cara do curso de le t r as , dar
novas perspec t i vas e rep resen ta t i v i d ade aos es tudan tes . Po r
i sso , tudo o que fo i fe i to a té aqu i tem um só i n tu i to , mudar . Mu-
dar sempre , mas para me lhor , mudar a nossa v i são de mundo ,
de curso , de compor tamen to , para en tender o ser e o tempo .
A inda que tenhamos ‚apenas duas mãos e o sen t imen to do
Revista
J
mundo . . . " , como d iz Drummond , nossas l e tr as impu l s i onam a ne-
cess idade de expand i r , a von tade de conhecer pessoas , lugares
e ide i as d i f eren tes . O sen t imen to de mudar o mundo es tá sed i -
men tado nos i ns tan tes em que são tocados os sen t imen tos ma i s
necessár ios à con t inu i dade das p roduções humanas . Sabe mu i to
bem o condore i ro poe ta ba i ano que
[ . . . ] Bend i to [ é ] o que seme i a
L ivros . . . l i vros à mão che i a . . .
E manda o povo pensar !
O l i v ro ca i ndo n ' a lma
É germe – que faz a pa lma ,
É chuva – que faz o mar .
Comissão Ed i to r i a l
J 11
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
CULTURA NA ESCOLA
Arabe l l e Nogue i r a A lves
L i c e n c i a t u r a em Le t r a s c om E sp an ho l
e s p a nh o l c l a s e @y ah oo . c om . b r
Aurea Vand i an Ramos L i c e n c i a t u r a em Le t r a s c om E sp an ho l
a u r ea . v a nd y@ ho tma i l . c o m
Car l a V iv i ane L ima Cer que i r a L i c e n c i a t u r a em Le t r a s c om E sp an ho l
c a r l a v i v i f s a@ ho tma i l . c o m
Ka l i l a Car l a Gomes da S i l v a L i c e n c i a t u r a em Le t r a s c om E sp an ho l
k a l i l a ca r l a @ gma i l . c o m
Sar a Cr i s t in a da S i l v a L i c e n c i a t u r a em Le t r a s c om E sp an ho l
s r a y nd i a @ ho tma i l . c o m
P ro f a . Dr a . Mar in a l va Lopes R ib e i r o 1 ( o r i en t ador a ) Un i v e r s i d a d e E s ta d u a l d e F e i r a d e Sa n t a n a ( U E F S )
ma r i n a l v a _ b i o d a nz a@ ho tma i l . c o m
Resumo : Es te tr aba lho inves t i gou prá t icas cu l tu ra i s esco l ares cu-
j a fundamen tação de nossas re f l exões es tão em Bou rd ieu ( 1998 ) ,
Gardner ( 1998 ) , LDB 9394/96 e PCN e as con fron tamos com o
ver i f i cado nas esco l as . Par t ic ip aram da pesqu i sa ( qua l i t a t i va) 12
a l unos de esco la púb l i ca e pr ivada (ens ino fundamen ta l e méd i o )
e 2 pro fessores de Educação F í s i ca e Ar tes . Usou-se o ques t io -
nár io como co l e ta de dados . Ver i f i camos que as prá t icas cu l tu -
ra i s nessas esco l as não obedecem à LDB (Le i de D i r e tr iz es e
Bases da Educação Nac i ona l ) , nem aos PCN (Parâme tros Cur r i cu -
l a res Nac iona i s ) , f azendo com que ques t i onemos a efe t iv id ade
de l as e o processo de formação de va lo res é t i co-mora i s nos
seus a lunos .
Pa l av ras-chave : Prá t i cas cu l tura i s ; Esco la ; Bene f íc io s .
Resumen : Es te t rabaj o inves t i gó prác t i cas pedagóg i cas cu l tura les
en escue l as púb l i cas y p r i vadas . Fundamen tamos nues tr as re-
ISSN 2236-3335
J 12
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
f l ex i ones en Bou rd i eu ( 1998 ) , Gardner ( 1998 ) , LDB 9394/96 y PCN
y l as conf ron tamos con l o ver i f i cado en nes tas escue l as . Par t ic i -
paron en la i nves t i g ac ión ( cua l i t a t iva ) 12 a lumnos de escue l a
púb l i ca y p r i vada ( enseñanza fundamen ta l y med i a ) y 2 profeso-
res de Educac ión F í s i ca y Ar tes . Se usó e l cues t ionar io como
co l e ta de da tos . Ver i f i camos que l as p rác t icas cu l tu ra l es en l as
escue l as no obedecen a l a LDB (Ley de D i r ec t r ices y Bases de
Educac i ón Nac iona l ) , tampoco a los PCN (Paráme tros Cur r i cu l ares
Nac iona les ) , hac i endo cues t ionar su e fec t iv id ad y e l p roceso de
formac i ón de va lo res é t icos y mora l es en sus a lumnos .
Pa l ab ras c l ave : P rác t icas cu l tura l es ; Escue l a ; Benef ic io s .
INTRODUÇÃO
O nosso i n te resse em pesqu i sa fo i desper tado a t r avés da
l e i tura de Lamper t ( 2008 , p . 13 2 ) onde af i rma que :
É impo r t a n t e a p esqu i sa na sa l a d e a u l a po rq u e pode
d esvenda r , e l u c i da r fa to s , f enômenos e d esm is t i f i c a r
v e rdad es a t é en tã o a ce i t a s como un iv e r sa i s . E l a mos t ra
a r ea l i dad e s ob d i s t i n t os o lh a res : como as p es soa s v i -
v em , so b rev i vem , como p a r t i c i pam na s o c i edad e , ou s e
s ão ex c l u í das d a mesma .
Já o in teresse em pesqu i sa r sobre o tema , Cu l tu ra na es-
co l a , nasceu do conhec imen to sob re a def ic iênc i a ex i s ten te nas
esco l as em re l ação ao desenvo l v imen to de a t i v id ades cu l tura i s ,
bem como do dese jo de saber o i n teresse que ta i s a t i v id ades
desper tam nos a lunos e a respos ta que t r azem ao processo de
ap rend i zagem. In te ressa-nos , também, conhecer qua is a t i v i d ades
cu l tura i s são promov idas pe l as esco l as .
Ressa l temos que cu l tura é uma carac te r í s t i ca humana , po i s
só o homem pode p roduz i - l a , e soc i a l porque o homem não po-
de desenvo lvê- l a i nd i v i dua lmen te . Quando t r a tamos sob re cu l tura
fa l amos em a lgo ab rangen te , po i s e l a envo l ve toda produção ra-
c iona l humana , p rec isamen te , toda produção da in te l i g ênc i a hu-
mana e não somen te l i t er a tura , c i nema e tea tro .
I nves t ig a r sobre a cu l tura no amb i en te esco l ar é de ex tre-
J 13
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
ma impo r tânc i a , tan to para d i scen tes quan to para os docen tes ,
uma vez que con t r ibu i para o conhec imen to da rea l i d ade e das
necess idades das ins t i tu ições de ens ino e o func i onamen to das
mesmas . A par t i r dos resu l tados , en tão , se rá poss í ve l ava l i ar os
bene f í c io s que as a t iv id ades cu l tura i s podem tr aze r ao p rocesso
de ens ino/aprend izagem.
O tema cu l tura na esco la se mos t ra re l evan te , na med i da
em que d iversos au tores se ocupam em pesqu i sá- l o , a exemp lo
de Bourd i eu ( 1998 ) , Ven tura ( 20 10) e Pa im e Bonor i no ( 20 10) .
Segundo Ven tu ra ( 20 10 ) as a t i v i d ades ar t í s t i cas e cu l tura i s
como a mús ica , a lém de serem p razerosas , es t imu l am áreas do
cé rebro que permi tem o desenvo lv imen to de ou t r as formas de
l i nguagem. São a t i v id ades que aguçam a sens i b i l i d ade do a l uno ,
me lhoram sua capac idade de concen t ração e a i nda sua memór i a .
Gardner ( 1998 ) , au to r da Teor i a das In te l i g ênc i as Mú l t i p l as2
comprova a impor tânc i a da mús ica na formação do educando e
nos a l er ta sobre a necess idade de es t imu l ar e desenvo l ve r nos
a l unos a in te l i g ênc i a mus ica l , a l ém das ou t r as formas de in te l i -
gênc i a , j á que o au to r de fende que a i n te l i gênc i a humana se ma-
n i f es ta de se te fo rmas d i f eren tes , a saber : l i n gu í s t i ca , s i nes tés i -
ca , lóg ico -matemát i ca , espac i a l , in te rpessoa l , i n t r apessoa l e mus i -
ca l .
A LEI Nº 1 1 .769 de 18 de agos to de 2008 , que a l tera a Le i
n º 9 .3 94 , de 20 de dezembro de 1996 , Le i de D i re t r i zes e Bases
da Educação , de te rmina a inc l usão do con teúdo ‚músi ca ‛ como
‚con teúdo obr iga tó r io , mas não exc lus ivo , do componen te cu rr i -cu l a r ‛ ens ino da ar te ( componen te cu rr i cu l ar t r a tado no § 2 º do
Ar t . 26 ) .
Para Bou rd i eu , ( apud CRESTANI , 20 10 ) os conhec imen tos
cu l tura i s da famí l i a in f lu enc i am no êx i to do educando , ass im co-
mo a c lasse soc i a l da mesma também in f l uenc i a na t r ansm i ssão
da cu l tu ra , e essa cu l tura t r ansmi t i d a pe l a fam í l i a o au tor deno-
mina ‚cap i ta l cu l tu ra l ‛ . Podemos d i ze r , ass im , que todos os a lu -
nos j á chegam ao amb ien te esco l ar t r azendo um l egado cu l tu ra l
que se d i fe renc i a med i an te a c l asse soc i a l a que per tença . E
sobre essa des igua ldade cu l tu ra l den tro do amb ien te esco l ar e a
função da esco l a Bourd i eu ( apud CRESTANI , 20 10 ) a f i rma que :
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
[ . . . ] é n ecess á r i o e su f i c i en te qu e a es co l a i gn o re , n o
âmb i t o d os con teúdos do ens i no qu e t ra nsm i t e , do s mé-
t od os e t écn i cas d e t ran sm iss ão e d os c r i t é r i os d e ava -
l i a ção , a s d es ig ua lda des cu l t u r a i s en t r e as c r i an ças d as
d i f e r en t es c l a ss es so c ia i s . Em ou t ras pa l a v ras , t ra t an do
t od os os edu ca ndo s , po r ma is d es ig ua i s q u e s e j am e l e s
d e fa t o , como ig ua i s em d i r e i t o s e d eve res , o s i s t ema
es co la r é l evado a da r sua san ção à s d es i gua ld ad es
i n i c i a i s d i an t e d a cu l t u ra .
De aco rdo com a Le i de D i re t r i zes e Bases da Educação
( LDB 9394/96) , a esco l a deve desenvo l ver nos educandos va lo -
r es un i ve rsa i s como é t ica , respe i to humano e c idadan i a que de-
vem ser tr ansmi t i dos não apenas em con teúdos espec í f i cos ,
mas , pr inc ipa lmen te , por a t i tudes e ges tos do educador e na sua
p rá t i ca d i á r i a con tr ibu indo , ass im , para a fo rmação de c idadãos
capazes de conv iver com a d i vers i dade e respe i ta r as d i fe ren-
ças .
Com o ob je t i vo de prop i c i a r o desenvo l v imen to in tegra l dos
a l unos , o respe i to aos va lo res é t icos e humanos , acred i tando na
impor tânc i a do desenvo l v imen to das d iversas in te l i g ênc i as para
me lhor i n se r i - l o s no mercado de tr aba lho con tempo râneo , Ven tu -
ra ( 20 10 ) desenvo l ve um p ro je to de ex tensão com d i versas a t i v i -
dades que não se l im i tam apenas à t r ansmi ssão de conhec imen-
tos aos a lunos . Ass im , o Co l ég i o Un i ve rs i tá r io de Ap l i cação da
Un ive rs idade Federa l de V i çosa – COLUN I tem p romov ido a t i v i -
dades que envo lvem a dança , mús ica , poes ia , tea t ro e tex tos
l i t er ár io s , in ser indo-as em even tos programados no ca l endár io
esco l ar como : Semana de conf ra te rn ização , Carnava l do COLUN I ,
Sábados cu l tu ra i s , Fe i r a do conhec imen to , Festas j un inas , Cu rsos
de for ró , en t re ou t ros , j á po r i n i c i a t i va dos p róp r i os a lunos
(VENTURA , 20 10 ) .
De aco rdo com Pa im e Bonor i no ( 20 10 ) , a Educação F í s i ca é
uma área do conhec imen to que t raba lha o corpo e o mov imen to
como par te da cu l tu ra humana . Nessa perspec t i va , deve-se as-
soc i a r seus benef íc io s às ques tões f i s i o lóg i cas dos se res huma-
nos e também ao au toconhec imen to co rpo ra l , e levando a au to -
es t ima , e favorecendo que o a luno se conheça me lho r . Sabemos
que a t i v i d ades f í s i cas a j udam a desenvo l ve r hab i l i d ades mo to ras
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e cogn i t ivas sendo capazes de levar o a luno a desenvo lver es-
t r a tég i as . Pa im e Bono r ino ( 20 10 ) d izem que :
Com o aux í l i o d o p l an e j amen to es co la r , os p ro f es sores
p odem comp reende r as d i f e ren t es fo rmas , p on t os d e
v i s t a e l i nh as de comun ic a ção ex i s t en tes n o u n i v e rs o ,
i n t e r ag in do e d es envo lv endo a au to ex p ressã o e a s oc i a -
l i za çã o sob o pon to d e v is t a c r í t i c o e r e f l e x i vo , d esa f i -
a ndo ass im os p ro cesso s d e c r i ação e v i vên c i as , t en do
como pon t o d e pa r t i da a r ea l i dad e s o c i a l e o comp rome-
t im en to i n t e l e c tu a l a t r avés d a s ens ib i l i dad e e c r i a t i v i dad e .
Segu indo essa l i n ha de rac ioc í n io , Pa im e Bonor ino ( 20 10)
conc l u í r am que a educação f í s ica esco l a r é uma das mai s e f i c i -
en tes fo rmas para promover o ens i no-ap rend i zagem de mane i r a
comp le ta , comp l exa e lúc ida , a lém de se r capaz de , pe lo mov i -
men to , co locar em ev idênc i a as d i f erenças cu l tura i s , corpora is e
soc i a i s da popu l ação envo l v ida .
Bona to ( 20 10 ) de fende que o es tudo de ar te na esco l a
também se faz necessár i o po rque a t r avés da ar te o se r humano
se to rna ma i s cr í t i co , observado r e sens í ve l ao mundo que o
rode i a , podendo o a l uno se expressar das mai s var i adas fo rmas
j á que a ar te é uma fo rma de expressão cu l tu ra l presen te na
c i v i l i z ação desde as pr ime i r as man i f es tações do homem. Essas
man i f es tações re f l e tem uma grande var iedade de represen ta-
ções ar t í s t i cas que coex is tem a t r avés dos tempos , sendo e l as a
p in tura , escu l tura , tea tro , mús ica , a g ravura e ou tr as .
Acred i ta-se que a i nse rção de a t i v i d ades ar t í s t i cas no am-
b ien te esco l a r pode prop i c i a r au l as ma i s human izadas a lém de
desper ta r o i n teresse do a luno l evando-o a re f l exões , me lhor
percepção da rea l i d ade , con tr ibu indo para a formação de c ida-
dãos com pensamen tos cr í t i cos . E o educador , es tando cônsc io
de seu pape l med i ado r e de sua impor tânc ia no desenvo l v imen to
dos ind i v íduos , deve re l ac i onar os con teúdos p rog ramát i cos à
rea l i d ade de seus a l unos para desper tar o in te resse dos mes-
mos e consegu i r me l ho r e mai or aprove i tamento e rend imen to .
V imos que os tex tos suprac i tados abordam a educação
f í s i ca e as ar tes separadamen te enquan to cu l tura na esco l a ,
po i s o in teresse de nossa pesqu i sa é ev idenc i ar o tema
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
‚ cu l tu ra‛ de fo rma bas tan te ar t i cu l ada , v i s to que o prob l ema que
queremos compreender é como são desenvo lv idas as a t i v i d ades
cu l tura i s nas esco l as e o i n teresse dos es tudan tes em ta i s a t i v i -
dades .
Em s í n tese , o p resen te t raba lho teve como ob j e to de es tu -
do a cu l tura no amb i en te esco l ar a tr avés do desenvo l v imen to de
a t i v id ades ar t í s t i cas , cu l tura i s e espor t i vas .
O PROCESSO METODOLÓG ICO DE ESTUDO
Nossa pesqu i sa de cunho qua l i t a t i vo teve como campo de
aná l i se duas esco l as do mun ic íp io de Fe i r a de San tana , a saber ,
uma da rede púb l i ca a qua l denominaremos esco l a A e ou t r a da
r ede pr ivada a qua l denom inaremos de esco l a B .
Uma abordagem qua l i t a t i va , de acordo com Bogdman e B i -
k l en ( 1994) , r equer que os inves t ig ado res desenvo l vam empat i a
com as pessoas que fazem par te do es tudo e que façam esfor -
ços concen t rados para compreender seus vár ios pon tos de v i s-
ta .
Para a l cançar os ob j e t i vos t r açados por es te es tudo esco-
l hemos como ins t rumen to de co l e ta de dados a observação e a
en t rev i s ta . A observação fo i rea l i z ada nos tu rnos matu t ino , ves-
per t ino e no tu rno , du ran te do i s d i as , per fazendo um to ta l de 4h
em con jun to com a ap l i cação de um ques t i onár io que e l abora-
mos em anexo com pergun tas sob re recursos áud io-v i sua i s e
sua u t i l i z ação , ex i s tênc i a de a t i v i d ades cu l tu ra i s nas esco l as co-
mo grupos de tea t ro , grupos mus i ca i s , excursões e ou t r as .
A esco l a A é c l ass i f i cada como de por te méd io cu j as au l as
se des t in am ao púb l i co do 5º ao 8 º ano , ens ino méd io e EJA nos
t r ês turnos . A esco l a con ta com sa l as bem equ ipadas , bons re-
cursos áud io-v i sua i s , a exemp lo de Mon i to r Educac i ona l , ven t i l a -
dores ou ar cond ic ionado , quad ro b ranco e quadro de g iz , uma
b ib l i o teca , uma sa l a de v ídeo e uma sa l a de i n formát i ca .
A esco l a B possu i quad ra po l i espo r t i va , sa l a de i n formát ica
e b ib l i o teca com s i s tema de emprés t imo , po rém os en t rev i s tados
se que ixaram do acervo a l egando es ta r mais vo l tado para as
sé r i es i n i c i a i s . A esco l a é c l ass i f i cada como de pequeno por te e
a tende a um púb l i co que var i a das sér i es i n i c i a i s a té o ens ino
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méd i o , func ionando no tu rno d i urno .
Os su j e i tos de nossa i nves t i g ação na esco la A fo ram 2
p ro fessores (um de Educação F í s ica e um de Ar tes) , 5 a l unos
( do i s do ens ino méd io e t r ês do ens ino fundamen ta l ) e 7 a l u -
nos do EJA (Educação de Jovens e Adu l tos) . Na esco l a B , i n -
ves t ig amos 4 a lunos . As en t rev i s tas foram rea l i z adas em sa las
de au l a e no pá t i o das refer id as esco l as .
NA PRÁTICA
De acordo com Sav i an i ( 2005 ) , a tua lmen te , a educação f í s i -
ca serve para aux i l i ar e i n s tau rar na esco l a os saberes c i en t í f i -
cos , técn icos , es té t i cos , den t re ou tros , e ass im reve l ar a lgo de
d i f eren te na v i da dos envo l v i dos e da soc i edade .
Dos dados co l e tados nas en t rev i s tas podemos en tão a f i r -
mar que : a esco l a A não possu i um amb i en te favo ráve l para
p rá t i cas espor t ivas dev ido às i nadequadas cond i ções f í s icas do
espaço em con jun to com a desqua l i f i cação e pos tu ra que nos
pareceu descomprome t id a do pro f i ss iona l responsáve l 3 .
Quan to à esco l a B , ver i f i camos que há um amb ien te favo-
r áve l para as prá t icas espo r t i vas com es tru tura f í s i ca adequada
e que sa t i s f az os a l unos , cu j as au l as es tão d iv id i d as en t re prá-
t i cas e teór i cas .
Ven tura ( 20 10) , d iz que a t i v i d ades mus ica i s , a lém de serem
p razerosas , es t imu l am áreas do céreb ro que perm i tem o desen-
vo l v imen to de ou t r as formas de l i n guagem, aguçam a sens i b i l i d a-
de dos a l unos , me lhoram a capac i dade de concen t ração e , con-
t r a r i ando es tas a f i rmações , tan to a esco l a A quan to a B man têm
ta i s a t i v i d ades com a l unos de sér i es in i c i a i s somen te para apre-
sen tações em da tas fes t ivas , quando dever iam ser f requen tes
no co t id i ano esco l a r .
A educação ar t í s t i ca na esco l a A ocor re a t r avés de p ro f i s -
s i ona i s qua l i f i cados que promovem a t i v id ades em c l asse como :
p rodução com mate r i a l r ec ic l áve l , a t i v id ades c í v i cas , a t i v i d ades
ex t r ac lasse como v i s i tas a museus , excursões , e tc . Na esco l a B ,
educadores qua l i f i cados p romovem a t i v id ades ar t í s t i cas conforme
a fa ix a e tár i a dos a lunos , ou sé r i es , em c l asse e ex t r ac l asse
( que não envo l vem as sér ies i n i c i a i s ) como v i s i tas a museus , ex-
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cursões , e tc . Ambas as esco l as não promovem a t i v i d ades cu l tu -
ra i s regu l a res a exemp l o de uma fe i ra de c i ênc i as , e não es t imu-
l am a p rodução ou c i r cu l ação de jo rna i s , pe r iód i cos ou rev i s tas
den t ro das esco l as .
CONSIDERAÇÕES F INA IS
Sabe-se que p rá t i cas cu l tu ra i s no amb i en te esco l a r rea l i z a-
das de mane i r a con t inuada têm consegu i do rever ter o quad ro
de evasão e abandono , a lém de in teg rar a lunos e famí l i as à es-
co l a , con t r i bu indo para o bom desempenho in te lec tua l e desen-
vo l v imen to de va lo res é t icos e mora i s .
En t re tan to , a tr avés dos dados co l e tados fo i poss íve l ob-
se rvar que as a t iv id ades que envo l vem p roduções ar t í s t i cas es-
tão concen t radas , pr inc ipa lmen te , em per íodos fes t i vos , quando
dever i am ser p roduz i das duran te todo o ano le t i vo .
Já em re l ação às p rá t i cas espo r t i vas , observamos que as
esco l as v i s i tadas não sa t i s f azem aos ob je t ivos que a d i sc ip l i n a
de educação f í s i ca p ropõe .
Con tudo , sobre ‚Cu l tura na esco l a‛ , cons ta tou-se que as
p ropos tas ap resen tadas pe l a LDB e pe los PCNs não têm s ido
p ra t i cadas e fe t i vamen te no amb i en te esco l a r , ao menos nas ins-
t i tu i ções em ques tão . E com i sso , f az-se necessár io repensar
a l gumas a t i tudes na esco l a , e que os p ro fesso res re f l i t am ma i s
p ro fundamen te sobre ques tões acerca da educação e se cons-
c i en t izem da necess idade de va lo r iz a r propos tas i novado ras ,
passando a co locá- l as em p rá t i ca a f im de que se a lcance uma
cu l tura esco l ar de qua l id ade .
REFERÊNC IAS
BONOR INO , S . L . ; PA IM , M . C . C . . Impor tânc i a da Educação F í s i ca
esco l ar , na v i são de p ro fessores da rede púb l i ca de San ta Mar i -
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J 19
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
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vo l ume02/a t i v i d adesCu l tura i s .pdf > . Acesso em: 5 ou t . 20 10 .
NOTAS
1 Depar t ament o de Educação
2 A l te rn at i v a par a o conce i to de in te l i g ênc i a como uma capac id ade
i n a t a , g er a l e ún i ca , que perm i t e aos in d iv í duos uma per formance ,
ma io r ou menor , em qua lquer á rea de atu ação .
3 Há uma i n sat i s f ação dos a l unos em re l ação ao p ro f i ss io na l e com
as p rópr i as au l as de educação f í s i c a .
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COMO E POR QUE T RABALHAR COM A POES IA
NA SALA DE AULA
E l i seu Fe r r e i r a da S i l v a
L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
z e u l i s o@ gma i l . c o m
We l l in g ton Gomes de Jesus ( coau t or ) L i c e n c i a t u r a em Le t r a s c om E sp an ho l
l l e wgome z @gma i l . c o m
Resumo : Sabemos da impor tânc i a da poes i a na v i da de todos .
Porém , há mu i to tempo que , mu i tas esco l as i ns i s tem em não t r a-
ba lhá- l a na sa l a de au l a , esco lhendo tr aba lha r com ‚co i sas ma i s
sé r i as e impo r tan tes ‛ , p r inc i pa lmen te nas sér ies in ic i a i s . E a inda
quando se t raba lha l i t er a tura na esco l a , a opção é pend i da para
os tex tos p rosód i cos , o que tem p r i vado o a luno de uma
‚ exper i ênc i a i n igua l áve l ‛ , con fo rme a ten ta Zancan F ran tz ( 1998 , p .
80 ) . P re tendemos most rar nes te ar t i go como ap r imo rar o uso da
poes i a na sa l a de au l a a t r avés de exper i ênc ias bem suced idas ,
r esga tando , ass im , os prazeres da le i tu ra-poé t ica , essa capaz
de mudar o mundo .
Pa l av ras-chave : Poes i a , Esco l a , L i tera tura , Sa l a de au l a .
Resumen : Sabemos de l a impor tanc i a de l a poes í a en l a v ida de
todos . Pe ro , hace t i empo que , muchas escue l as i n s i s ten en no
t r aba j a r l a en l as c l ases , e l i g iendo tr abaj a r ‚cosas más ser i as e
impor tan tes‛ , p r i nc ipa lmen te , en l a educac ión in fan t i l . Y aun
cuando se tr aba j a l i t er a tura en l a escue l a , l a opc i ón es pend ida
para los tex tos prosód icos l o que p r i va los a lumnos de una
‚ exper i enc i a i n igua l ab le ‛ , con forme a ten ta Mar i a He lena Zancan
F ran tz ( 1998 , p . 80) . Se p re tende mos t rar en es te ar t ícu l o como
per fecc i onar e l uso de l a poes í a en c l ase a tr avés de exper i en -
c i as b ien ocu rr id as , r esca tando as í , e l p l acer de la l ec tura poé t i -
ca ; capaz de camb i a r e l mundo .
Pa l ab ras- l l ave : Poes í a , Escue l a , L i tera tura , C l ase .
ISSN 2236-3335
J 22
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
I NTRODUÇÃO
Es te ar t igo é uma ten ta t i va de resga ta r um pouco dessa
mag i a , desse poder de encan ta r que a poes i a e a l i t e r a tu ra têm
– en t re tan to , sem a p re tensão de esgo ta r a fo r tuna c r í t i ca e te-
ó r i ca a respe i to do tema – , e que na mai or ia das vezes é es-
quec i da ou subs t i tu íd a tão fac i lmen te pe l os novos ve í cu l os de
m í d i a ex i s ten tes , pe l as inovações tecno lóg icas . Nesse sen t ido , ao
mesmo tempo em que nos deparamos com a le i tu ra do tex to
e l e trôn i co ou com o uso de mu l t im íd i a , tão comuns à soc i edade
con temporânea , não desmerecemos o l iv ro imp resso , nem a b i -
b l i o teca . Resga temos a l e i tura da poes i a em voz a l ta , que serve
como mo t ivação aos a l unos , mas não descons i de remos a le i tu ra
s i l enc iosa , ind i v idua l .
METODOLOG IA
Compreendemos a poes ia como l i nguagem na sua carga
máx ima de s ign i f i cado e de re f l exão , poes i a-pensan te , mas tam-
bém r i tmo , dança , mús i ca , sen t imen to , emoção , revo lução , poes i a
que tem função soc i a l , poes i a de cará te r human izador , é t i co , ca-
paz de mudar o mundo . E para tudo isso é necessár io que haj a
o con ta to , senão es tar í amos fa l ando às paredes , dev ido o quase
i nex i s ten te con ta to que o a luno tem na esco l a com esse t ipo de
Gênero L i terá r io . Ana E l v i r a Gerbara em seu tex to , Re f l exões sobre o ens ino de poes i a 1 , d iz que chegado o poema à sa l a de
au l a , a l gumas pergun tas também às acompanham:
Como t rab a l ha r com gêne ros l i t e r á r i os qu e n ão pa recem
f az e r pa r t e do co t i d i a no ? Como t o rná - lo s s ig n i f i ca t i v os
p a ra os no sso s a lu nos ? Como t r aba l ha r com a a u to r i a
em g êne ro s qu e ex i gem dom ín i o d a t r ad i ção e uma bu s -
ca p e l a i no va çã o - r eco r t e da ma t é r i a l i n gu í s t i ca e t emá-
t i ca d e fo rma s ing u la r? 2
O poema mu i tas vezes en tr a na sa l a de au l a e é apresen-
tado aos a l unos a t r avés do pro fessor , quase sempre é o su f i c i -
en te para que aque l e se j a ace i to e tr aba lhado em sa l a de au l a .
Porém , os poemas devem ser ap resen tados de modo que sua
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comp le tude possa esc l a recer as tr ad i ções descr i tas pe los poe-
tas que escreveram e pe l os que nes tes se basearam para es-
c rever , ou se j a , os seus an teceden tes . Po r isso , a au tora nos
d iz que
Dessa fo rma , ens ina r po es ia ( em t od os os seus s ubgê-
n e ros ) é t rab a l ha r o t ex t o como res po s ta a uma neces -
s id ad e , a a lgu ém (o l e i t o r ) , a um t empo d e f i n i do . A p oes i -
a d en t ro d essa con cepção é um modo d e v i v e r o mundo
( v e r , s en t i r , exp e r imen t a r e p ro j e t a r ) e ca da compos iç ã o
poét i ca r e f l e t e qu em s omos , o qu e p en samos , s en t imos
e bu scamos . 3
Os poemas reve l am rep resen tações , conexões , man i f es ta-
ções das ma is var i adas formas que encon t ramos desde tempos
remo tos — época das cavernas — a té os nossos í nd i os em torno
de fogue i r as , mas , a inda ass im , re l ac ionadas à cu l tura popu l ar
em subgêneros poé t icos com r i tmos e r imas , com o prazer e o
encan tamen to que a poes i a o ra l nos evoca . E nas produções
poé t i cas dos a lunos , essas represen tações se apresen tam de
forma ora l como o corde l ou os poemas em quadras , nos qua i s
podemos no ta r do i s cam inhos a segu i r para dar con t inu i dade à
p resença do poema em sa l a de au l a , a le i tu ra e esc r i ta . Recor re-
mos mai s uma vez a Gerbara :
O p r ime i ro cam i nh o é o da f r u i ç ão , o u s e j a , d epo is d e
t an t o t ra ba lho com o po ema , p rec i s amos r ecupe ra r a
g r a tu i dad e da p res en ça d ess es t ex tos em sa l a s imp le s -
men t e po rqu e f az em p a r t e da nos sa cu l t u r a e s ão exp e-
r i ê n c i as va r i a das qu e o a l uno p rec i sa t e r , pa r a co ns t ru i r ,
p e l a i n t e r f e r ên c ia d ess a p resen ça , a s ua l e i t u r a i n t e r p r e -
t a t i va , a companhada d e um gos t o p esso a l . O s egundo é
o d a p ercepção q ue ca da p ro f ess o r co ns t r ó i e po d e s e r
co nden sado em t r ês q u es t õ es : Os a lu nos são p oet as
p a ra vo cês? O s a lun os s ão a u to r es pa ra vo cês ? Vocês
s ão l e i t o res dos s eu s a l uno s? 4
Ao responder essas ques tões também es taremos in i c i ando
um novo percurso : o de não cumpr i r uma a t iv id ade ‚po rque
s im‛ . Ass im , uma prováve l causa de os pro fessores não tr aba-
l h arem a poes i a em sa l a de au l a se deve à fa l ta da p rá t i ca de
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l e i tu r a desse gênero nas esco l as . Segundo Bamberger ( 1986 , p .
74-75) :
E s tá c l a r o q ue a p e r son a l i dad e do p ro fesso r e , pa r t i c u -
l a rmen t e , seus há b i t os d e l e i t u ra sã o impo r t a n t í s s imos
p a ra d es envo lv e r os in t e r es ses e há b i t os d e l e i t u ra n as
c r i an ça s , sua p róp r i a edu ca ção t ambém con t r i bu i d e fo r -
ma es sen c i a l p a ra a i n f l u ên c ia q ue e le ex e rce .
Na sa l a de au l a , a l e i tura de poes i a p rec isa to rnar-se um
háb i to , e se isso não acon tece , se o a l uno não for es t imu l ado a
l er , o professo r re je i ta essa l e i tura . I sso oco rre desde o in í c i o
de sua fo rmação enquan to educado res de L íngua Mate rna . Po-
demos d izer que se o professor não t iver o háb i to da l e i tura de
poemas , se e l e ‚ [ . . . ] não se sens ib i l i z ar com o poema , d i f i c i lmen te
e l e consegu i r á emoc ionar seus a lunos [ . . . ] ‛ (CUNHA , 1986 , p . 95 ) .
LEITURA DE POESIA NA SALA DE AULA : EXERCÍC IO CR ÍT ICO E
LE ITURA
O es t imu l o à l e i tu ra não se resume apenas a fazer com
que os a lunos l e iam , mas que esse se j a um ato e exerc í c i o c r í t i -
co . Para i sso , um me io é o desenvo l v imen to de o f i c in as g ra tu i tas
que propo rc ionem aos a lunos o con ta to com a l i t er a tura . Of ic i -
nas es tas que o r i en tem os a lunos sobre o que l er e façam com
que e l es descub ram a l e i tura . É necessár io apresen ta r a l i t e r a tu -
ra às pessoas , der rubar preconce i tos , quebrar barre i r as e rom-
per a re j e i ção das pessoas por l i te r a tu ra de mane i r a ge ra l e por
poes i a espec i f i camen te . A conexão l i t e r a tu ra in fan t i l -esco l a faz
par te da o r igem do gênero , ou se j a , ta l l i g ação surg iu porque a
l i t er a tura i n fan t i l nasceu para cumpr i r o pape l de educar a cr i an -
ça para a soc i edade moderna que se aprox imava . De acordo
com Z i l be rman ( 2005) , desde o começo da l i te r a tura i n fan t i l b ra-
s i l e i r a , no in í c i o do sécu lo XX , a poes i a es teve p resen te , porém
acompanhava a es té t i ca parnas i ana da época , que , de aco rdo
com a es tud i osa , era ‚pouco a fe i ta ao gos to da c r i an -
ça‛ (Z ILBERMANN , 2005 , p . 127) . É só com o prog rama modern i s-
ta , a par t i r da década de 20 , que aparece a ma io r i a dos l i vros
ded icados às cr ianças , agora ev i denc i ando técn i cas e p r inc í p io s
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ma i s l i v res e l i be r tár io s . Ass im sendo , mu i tos poe tas modernos
b ras i l e i ros escreveram para c r i anças . Escrever versos para cr i -
anças e esperar que essas aprec iem a le i tu ra é es tabe lecer uma
conexão en t re br incar e escrever , por i sso , o ângu lo l úd i co é
fundamen ta l em todo o poema d i r ig i do aos pequenos . Fo i ju s ta-
men te ‚a va lo r i z ação do l ado lúd i co da l i n guagem que p rop i c iou
a expansão da poes i a endereçada à in fânc i a , a par t i r dos anos
80‛ (Z ILBERMAN , 2005 , p . 129 ) , quando se descob r iu a poes ia
para cr i anças . Devemos levar a poes i a para as nossas casas ,
para o nosso t r aba lho , para os nossos momen tos de laze r e
d iversão , po i s os prazeres da le i tu ra são mú l t i p l o s e mal cabem
em uma só pessoa , e les tem de ser compar t i l h ados para que
ma i s e mai s pessoas possam sen t i r -se em um mundo de sonhos
sem f im , como num caminho sem vo l ta onde o passapor te é a
l e i tura .
L ITERATURA , POESIA E A FORMAÇÃO DE C IDADÃOS CRÍT ICOS
A poes i a es tá presen te no d i a a d i a de todas as pessoas ,
e essa l i nguagem é cada vez ma i s necessár ia à v i vênc i a huma-
na por se r uma das mai s represen ta t ivas formas de ar te . O p re-
conce i to que chega a todas as esferas da v ida soc i a l , in c l us i ve
à esco l a , nu t re no professor um cer to des i n te resse , e a té mes-
mo um cer to mal -es tar ou cu lpa , por ocupar suas au l as com a
l e i tura de tex tos poé t i cos . Essa pos ição do pro fessor se assoc i a
não apenas ao desconhec imen to das poss i b i l i d ades de uso da
l i t er a tura em gera l , a t ravés da poes i a , mas também como da
p róp r i a função da ar te no desenvo lv imen to da pe rsona l id ade hu-
mana , que es tá d i r e tamen te l i g ada à própr ia s i tuação da ar te na
tex tura soc i a l . Ao op ta r po r e l im i nar à ar te de seus i t i n erá r io s
p rog ramát i cos , a esco l a apenas re f l e te a a t i tude da soc i edade
em gera l . Ve j amos i sso em Drummond :
A es co la en ch e o men in o d e ma t emá t i ca , d e g eog ra f i a ,
d e l i ng ua gem , s em , v i a d e r eg ra , fa z ê - l o a t ra vés d a p o -
es i a da ma t emá t i ca , d a g eog ra f i a , d a l i ng uagem . A es co l a
n ão r epa ra em s eu se r po é t i c o , nã o o a t en d e em s ua
ca pa c i da de d e v iv e r po et i camen t e o conhec imen to e o mundo [ . . . ] . O qu e eu p ed i r i a à es co l a , se não me fa l t a s-
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s em lu z es p ed agóg ic as , e ra con s i d e ra r a po es ia como
p r ime i ra v i sã o d i r e t a das co i sas , e d epo is como ve í cu l o
d e in fo rmação p rá t i c a e t eó r i ca , p r es e rv ando em ca da
a lu no o f un do mág i co , l ú d i c o , i n t u i t i v o e c r i a t i vo , q u e s e
i d en t i f i ca bas i camen t e com a s en s i b i l i d ad e po ét i c a .
( D RUMMOND apud AVERBUCK , 1 98 8 , p . 6 6 -67 )
Como j á d iz i a D rummond , é nesse me io que se insere a
esco l a , como fac i l i t ado ra do p rocesso que e l eva a impo r tânc i a
‚de um ens i no vo l tado para a cr i a t i v i d ade como me io formador
da sens ib i l i d ade ‛ (AVERBUCK , 1988 , p . 67) . A poes i a es tá para
a l ém da l i nguagem poé t i ca , es tá na l i nguagem da v ida . A impor -
tânc ia de tr aba lha r es te tema deco rre de se r e l e pouco d i f und i -
do en t re as sé r i es in ic i a i s , de ixando ass im um rombo eno rme
nas sér ies subsequen tes que con t inuam sem ver a poes i a na
sa l a de au l a , e resum indo a l i te r a tu ra , na ma i or i a das vezes
quando tr aba lhada , a tex tos prosód icos , f icando ass im a poes i a
à margem do que é ens inado nas esco l as . O que acon tece é
uma superva lo r iz ação da prosa l i t er á r i a em re l ação à poes i a .
Mas a poes i a , a l ém de ser uma l i n guagem ex t remamen te a tua l ,
ano ta-se como necessár i a para a fo rmação de novos c idadãos
c r í t i cos e se rá u t i l i z ada por toda a v i da do a luno , não só na v i da
esco l a r, como fora de l a também. Dese j a-se a t ravés da l i n guagem
poé t i ca e do l i vro esc r i to i n s t i g ar os a lunos e educadores a c r i ar
e cu l t i var bons háb i tos de l e i tu ra e que ass im possam se por ta r
f r en te aos inúmeros d i scu rsos/ l inguagens que o cercam na so-
c i edade a qua l es tão inser idos .
LETRAMENTO LITERÁR IO COMO EST ÍMULO A LEITURA DE
POESIA
R i ldo Cosson , no l iv ro Le tr amen to l i t er á r io : teo r i a e prá t i ca ,
de fende que o processo de l e t ramen to l i te rá r io é d i fe ren te da
l e i tura l i t er á r i a po r f ru i ção , a l i ás , uma depende da ou tr a . Para e le ,
a l i t er a tura deve ser ens inada na esco la :
[ . . . ] devemos comp reende r q u e o l e t r amen t o l i t e rá r i o é
uma p rá t i ca s o c i a l e , como ta l , re sp ons ab i l i dad e da esco -
l a . A qu es t ão a s e r en f r en t ada n ão é s e a es co la deve
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ou n ão es co la r i za r a l i t e ra t u ra , como b em nos a le r t a
Magd a Soa res , mas s im como fa z e r e a es co la r i z açã o
s em des ca ra ct e r i zá - l a , s em t r ans fo rmá - l a em um s imu la -
c ro d e s i mesma qu e ma is n ega do qu e con f i rma s eu
pode r d e human iz a ção . ‛ (COSSON , 2009 , p . 2 3 )
O au tor comp l e ta a inda d izendo que , des ta forma , no le t r a-
men to l i t er ár io não podemos s imp lesmen te ex ig i r que o a luno le i a
a ob ra e ao f i na l f aça uma p rova ou f icha , po is a l e i tura é cons-
t ru í da a par t i r dos mecan i smos que a esco l a desenvo l ve para a
p ro f i c i ênc i a da l e i tura l i t e r ár ia . Em seu tex to , Cosson apresen ta
um in teresse c l aro pe lo ens ino de l i t e r a tu ra na esco la bás i ca ,
l evan tando qua t ro e tapas necessár i as à in i c iação do l e t ramen to
l i t er ár io , a saber, a mo t i vação , a in t rodução , a le i tu ra e a in ter -
p re tação . Con tudo , é a in terpre tação que nos t r az uma impo r -
tan te v i são a respe i to dos resu l tados daque la ação – o le t r a-
men to . Con fo rme o au to r, a i n terp re tação se dá em do i s momen-
tos : um in ter io r e ou t ro ex ter io r. O momen to in te r io r compreende
a dec i f r ação , é chamado de ‚encon t ro do l e i to r com a obra ‛ e
não pode , de fo rma a lguma , se r subs t i tu ído por a lgum t i po de
i n termed i ação como resumo do l i vro , f i lmes , m in i ssé r i es . Já o
momen to ex ter i o r é a ‚ma te r i a l i z ação da in terp re tação como a to
de cons t rução de sen t ido em uma de term i nada comun ida-
de‛ (COSSON , 2009 , p . 65 ) . A esco l a tem pape l s i ngu l ar nesse
momen to , v i s to ser e l a ta l vez a p r inc i pa l r esponsáve l pe l a fo r -
mação e conso l id ação de a l unos le i to res , para que se j am cr í t i cos
e c idadãos a tuan tes de fa to .
A LE ITURA L ITERÁRIA COMO ENCORAJADORA DA LEITURA
POÉT ICA
Como d i to ac ima , a prosa l i t er á r i a , com sua superva lo r iz a-
ção , ocupou espaços que an tes eram des t in ados à poes i a , e
i sso se deve à forma como e l a é t r aba lhada nas esco l as , não
de uma forma que faça com que os a lunos se encan tem e te-
nham gos to pe l a l e i tura , mas sem a h i s tór i a , sem o con tex to em
que a poes i a fo i escr i ta , sem o dev ido va lo r que a poes i a mere-
ce . O impor tan te é que o professo r es t imu le os seus a l unos a
escu tar essa l i nguagem (poé t i ca) , desper tando ass im seus ouv i -
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dos para os versos , e que a c r i ança descub ra em s i mesma es-
ses versos e ne l es se encon t re , re faça-se e se reencon t re . En-
fa t i zemos aqu i a necess i dade de se c r i ar o háb i to da l e i tura de
poes i as , con jun tamen te com a sua escr i ta e aná l i se l i ngü í s t ica ,
desde as sér i es in i c i a i s , po r se r ma i s apropr i ado para o seu fu -
tu ro en tend imen to . Por i sso , a impor tânc i a da p romoção do le t r a-
men to l i t er á r io no p rocesso de esco l ar iz ação da l i te r a tu ra . O ob-
j e t ivo não é tr ansformar os a l unos em grandes escr i to res de
poes i as , a té por que não se faz poe tas , só es t imu l am-se a l er e
esc rever desde cedo , e poe tas nascem com esse dom. O ob j e-
t i vo é t r ans fo rmá- los em l e i tores ap tos a in te rp re tar e compre-
ender o que o poe ta qu i s tr ansm i t i r a t r avés dos versos . A ide i a
vem re fe rendada pe l a pesqu i sa de vár i os au to res que têm es tu -
dado as ques tões de l e i tura e de tr aba lhos com poes i a em sa l a
de au l a , como P inhe i ro ( 2002 ) ; Mi che l e t t i ( 200 1 ) ; F r an tz ( 1997) , Cu-
nha ( 1986) , os qua i s inves t ig am as d i f i cu l dades que os a lunos
possuem em in te rpre ta r esses tex tos , não só pe l a fa l ta de co-
nhec imen to p rév i o , como também pe l o pouco con ta to que e l es
têm com a poes ia . Consc i en tes de que a poes i a a inda é um
gênero l i te r ár io d i s tan te da sa l a de au l a , é prec i so descobr i r for -
mas de fam i l i ar i z á- l a e torná- l a p róx ima das cr i anças , ado lescen-
tes e j ovens . Mu i tas pessoas desconhecem a poes i a , v i s to a
p rosa se r ma i s fác i l e es tar d i r e tamen te l i g ada com o rea l . A po-
es i a possu i uma l i nguagem mai s espec ia l i z ada . Se a p rosa nar ra
ações , a poes i a quebra núc l eos e apresen ta me tá foras , me ton í -
m i as , paráf r ases , a l ém de poder ser parod i ada, como no caso da
‚Canção do Ex í l i o ‛ , que veremos à f ren te . Mas l er poes ia não é
tão d i f í c i l quan to se pensa , bas ta se acos tumar à l i nguagem. Es-
sa fo rma de fam i l i a r iz ação e ap rox imação deve ser fe i ta com
moderação , e a t r avés de um p l ane j amen to a longo prazo , para
ev i tar af i rmações como : poemas são d i f í ce i s de en tender , com-
p reender e i n terp re ta r . P inhe i r o ( 2002 , p . 23 ) , a f i rma que ‚ [ . . . ] a
l e i tu r a de tex tos poé t icos tem pecu l i ar i d ades e carece , por tan to ,
de mai s cu idados que a prosa . ‛ Ass im , percebemos que a poe-
s i a não é de d i f í c i l en tend imen to , apenas necess i ta de mai s cu i -
dado e a tenção , para que ha j a um en tend imen to da mesma . Se-
gundo Suassuna ( 2006 , p . 227) , du ran te mu i to tempo
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[ . . . ] em v i r t ud e d e uma concepção d e l i ng uag em como
s i s t ema/cód ig o , [ . . . ] o en s i no d e po r t ug uês cen t r a l i zo u -
s e n as reg ras g rama t i c a i s qu e n o rma t i za vam a v a r i e da d e
l i ng u í s t i ca pa d rão , ap res en tad a nas g ramá t i c as t ra d ic i o -
n a i s , com ba se em ex emp l os da l i t e ra t u ra , como mode l o
d e b om uso da l í n gua
Tomando po r base o que fo i d i to ac ima , podemos perceber
que a fo rma de se ens inar a le i tu ra e a esc r i ta no âmb i to do
ens i no fundamen ta l e méd i o , p r inc i pa lmen te no tocan te à L i tera-
tu ra , sempre fo i v i s ta como um s i s tema de obras e au to res , h i s-
tó r i a l i t er á r i a ou con jun to de tex tos consagrados de g randes au-
to res , mas sem con tex to nenhum com a rea l id ade que c i rcun-
dam os a lunos . Uma d idá t ica de t r ansm i ssão de in formações
f r agmen tá r i as acerca da l i t er a tura , a exemp lo de b iogra f i as dos
au tores e t í tu l o s de ob ras , das da tas e per iod ização , resumos e
t r echos de obras com suas respec t ivas caracte r í s t i cas , ao invés
do exerc í c i o o r ig in a l da l e i tura da obra e da escr i ta , ass im como
a sua aná l i se l i n gu í s t i ca , numa concepção f r agmen tá r i a de ens ino
na qua l se t inha separadamen te l í n gua , l i t e ra tura e redação .
A ap rend i zagem da i n terp re tação da poes i a compreende o
desenvo l v imen to em coo rdenar conhec imen tos dos vár i os sen t i -
dos que um tex to poé t i co propo rc iona . Uma fo rma para me lhorar
a ap rend i zagem é a aprox imação cons tan te da poes i a , como
também a u t i l i z ação do conhec imen to prév io . O conhec imen to
p rév i o eng loba o conhec imen to l i ngu í s t i co , que abrange desde o
conhec imen to sob re p ronunc i a r o po r tuguês , passando pe l o co-
nhec imen to de vocabu l ár i o e regras da l í ngua , chegando a té o
conhec imen to sobre o uso da l í ngua . O conhec imen to do tex to ,
que se re fere às noções e conce i tos sob re o tex to , e , por ú l t i -
mo , o conhec imen to de mundo , que é adqu i r i do i n formalmen te
a t r avés das exper i ênc i as do conv ív io numa soc i edade , cu ja a t i -
vação , no momen to opor tuno , é também essenc i a l à compreen-
são de um poema . Se es tes conhec imen tos não fo rem respe i -
tados , o en tend imen to e a compreensão do poema podem rea l -
men te f ica r pre j ud icados , e , ass im como fo i d i to an te r io rmen te ,
de d i f í c i l i n te rpre tação . Como exemp lo do que fo i d i to ac ima , ve-
j amos o poema ‚Ba l ada do amor a t r avés das i dades‛ (ANDRADE ,
1973 ) .
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Eu te g os t o , vo cê me gos ta d esd e t empos imemo r i a i s .
E u e ra g rego , vo cê t ro i a na
T ro i ana mas nã o He l en a .
Sa í do cava lo d e pa u
P a ra ma t a r s eu i rmão .
Ma t e i , b r i gamos , mo r r emos .
[ . . . ]
Mas d epo i s de m i l pe r i péc i a s ,
E u , he ró i da Pa ramoun t ,
T e ab r a ço , b e i j o e ca samos .
O en tend imen to do poema pode ser de d i f í c i l compreensão
se o le i to r não t i ve r um dos conhec imen tos ac ima c i tados . A po-
es i a de And rade ex i ge do a luno um bom conhec imen to de mun-
do e da h i s tó r i a para que e le compreenda a poes i a , po i s ne l a é
c i tado , de ce r ta fo rma , a Guerra de Tro i a , os cos tumes romanos ,
como também ex ibe o nome de um dos maio res es túd ios de Ho l -
l ywood , f azendo re fe rênc i a aos f in a i s fe l i z es dos f i lmes . Para
to rnar menos árduo os p rob lemas do d i s tanc i amen to , de i n ter -
p re tação e de compreensão poé t i ca , é p rec i so que o p ro fessor
en tenda que o a to de in terpre tar um poema não pode res t r ing i r -
se a sua forma de apresen tação sobre uma pág ina , ou se j a , co-
mo ocorre a d i spos i ção das pa l av ras , dos versos , das r imas e
das es t ro fes , e nem somen te aos ques t ionamen tos ap resen tados
nas a t i v i d ades de i n te rp re tação p ropos tas nos l i vros , po is como
a f i rma Mi che l e t t i ( 200 1 , p . 22 ) ‚ Frequen temente a in te rp re tação
tex tua l dadas nos l i vros e mate r i a i s a f i n s tem um cará te r
‘ impress i on i s ta ’ , ou se j a , o au to r das ques tões propos tas ou dos
comen tá r io s reg i s t r a as suas i n tu ições , as suas impressões so-
b re o tex to . ‛ Para José ( 2003 , p . 1 1 ) , ‚v i vemos rodeados de poe-
s i a ‛ , ou se j a , poes i a é tudo que nos cerca e que nos emoc i ona
quando tocamos , ouv imos ou provamos , poes ia é a nossa insp i -
r ação para v iver a v ida . ‚ [ . . . ] se r poe ta é um dom que ex ige ta-
l en to espec i a l . B r incar de poes i a é uma poss i b i l i d ade aber ta a
todos [ . . . ] ‛ ( JOSÉ , 2003 , p . 10 1 ) . Todas as fórmu l as capazes de
desper ta r na cr i ança e no ado l escen te a sens i b i l i d ade para a
poes i a são vá l id as . É necessár i o , para i sso , que a poes i a se j a
f r equen temen te t r aba l hada para que oco rra um in teresse po r
e l a . É i n teressan te des tacar também que c r i ar um l oca l para a f i -
xar vár i o s t ipos de poes i a é um mé todo ef icaz para o incen t i vo
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da l e i tura e in terpre tação poé t i ca , po i s quan to mai s se lê , ma i s
se aprende e se c r i a o háb i to da le i tu ra não só de poes i a como
de ou t ros t ipos de tex tos . P inhe i r o ( 2002 , p . 26 ) af i rma que :
Imp rov i sa r um mu ra l , o nd e o s a lu nos , du ra n t e uma s e -
mana , um mês , ou o a no t odo co lo cam os ve rsos d e
q u e ma i s g os t am [ . . . ] d e qua l qu e r ép o ca ou au to r s ão
p ro ced imen tos q ue vão c r i a ndo um amb i en t e [ . . . ] em que
o p r az e r d e l ê - l a pass a a t oma r f o rma .
Ou tras fo rmas de tr aba lha r a poes i a na esco la e de forma
l úd i ca é tr aba lhando com mé todos como a in te rpre tação tea t r a l
de poes i as , desenho , dança ou ou t r as fo rmas que o professo r
cons iderar impo r tan tes e das qua i s os a l unos gos tem . Temos um
exemp l o d i sso na ‚Canção do Ex í l i o ‛ , de Gonça l ves D i as , com a
qua l o professo r pode t r aba lhar a poes i a e as da tas comemora-
t i vas , como é o caso do d i a 07 de Se tembro , momen to em que
os b ras i l e i ros mos tram seu pa t r i o t i smo comemorando a Indepen-
dênc i a do Bras i l . O pro fessor poder i a fazer p r ime i r amen te uma
l e i tura cr í t i ca , levando os a lunos a observar a poes i a , e t r açar
um para le lo da época em que a canção fo i f e i ta , observando se
a te rr a na ta l ( Bras i l ) ho j e é tão pe rfe i ta como apresen ta Gonça l -
ves D i as em sua poes i a . Apesar de bas tan te cr i t i cada , também
é uma forma prove i tosa de aprender a gosta r e in terpre tar a
poes i a , a l ém de o p ro fessor poder fazer pon tes com ou t ros gê-
neros l i t er á r io s , como o Modern i smo , f ase na qua l a ‚Canção do
Ex í l i o ‛ fo i mu i to parod i ada e para f raseada e con t inua sendo a té
ho j e .
Esse t i po de poes i a só se torna cha to , ru im de t r aba l har ,
pobre , sem cr i a t i v id ade , quando l embrado só nes tas da tas . No
poema ‚O B i cho ‛ , de Manue l Bande i r a , temos a re tr a tação da
des i gua l dade soc i a l . Ex tr a í do da no t í c i a de j orna l , o poema incen-
t i va a produção de uma narração , re l a tando o co t id i ano hum i lde
das pessoas desp res t ig i adas soc ia lmen te , levando o a luno a
descob r i r qua l o tema apresen tado na poes i a para depo i s esc re-
ver de acordo com o tema so l i c i t ado . A poes ia pode e deve ser
t r aba l hada não só nas au l as de l i t er a tura e redação ( i sso quan-
do t r aba lham) como nas au l as de H i s tó r i a , Geog raf i a , en tre ou-
t r as , como é o caso de ‚A Rosa de H i rox ima‛ , de V in í c i u s de
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Moraes , que re t r a ta e d i a l oga com o t r i s te acon tec imen to da Se-
gunda Guer ra Mund i a l , e exp losão da Bomba A tômi ca em H i r ox i -
ma .
A ROSA DE H IROX IMA
P ens em na s c r i an ças
Muda s te l ep á t i cas
P ens em na s men ina s
Cegas in exa tas
P ens em na s mu lh e r es
R o ta s a l t e r ada s
P ens em na s f e r i das
Como rosas cá l i das
Mas oh n ão s e es queçam
Da rosa d a ro sa
D a rosa d e H i ro x ima
A ros a he red i t á r i a
A ros a ra d i oa t i va
E s tú p i da e i n vá l i da
A ros a com c i r ros e
A an t i r r osa a t ôm i ca
Sem co r s em pe r f ume
Sem ros a sem nad a .
A poes i a suprac i tada pode se r t raba lhada numa au l a de
h i s tó r i a , em que o pro fessor , a t r avés dos versos , possa exp l i ca r
todo o con teúdo desse hor r í ve l acon tec imento , o po rquê de o
poema se chamar ‚A Rosa de H i rox ima‛ , como também exp l i ca r
que os escr i to res modern i s tas tr ans fer iam o momen to v i v i do pa-
ra as poes i as , como é o caso de V in í c i u s de Moraes .
CONCLUSÃO
Os pro fessores devem tr aba lha r com a poes i a com seus
a l unos , po rque es ta a t i v i d ade vem sendo ind icada como um dos
me ios ma i s e f i cazes para t r aba lhar o desenvo lv imen to das hab i l i -
dades de percepção sensor i a l da c r i ança e do ado l escen te , do
senso es té t i co e de suas compe tênc i as le i to ras e s imbó l i cas . A
i n teração com a poes i a é uma das responsáve i s pe lo desenvo l-
v imen to p l eno da capac idade l i ngu í s t ica da cr iança e do ado l es-
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cen te , a t r avés do acesso e da fami l i ar id ade com a l i nguagem
cono ta t i va e ref in amen to da sens ib i l i d ade para a compreensão
de s i próp r i a e do mundo , o que faz es te t i po de l i n guagem uma
pon te imp resc ind í ve l en t re o i nd i v íduo e a v ida . É mu i to impo r -
tan te t r aba l har a poes i a no con tex to esco l ar com o apo i o do
p ro fessor , v i s to a sa l a de au l a se r , an tes de tudo , um terr i tó r i o
da i nven t iv id ade e na maio r i a das vezes também lugar onde se
i ns t i guem as poss ib i l i dades de c r i ação e i novação . A poes i a en-
can ta pr i nc ipa lmen te os ado l escen tes , c r i anças e jovens e é se r
imag inosa , f an tas iosa , a lém de ter o poder de desper tar para
a l go que já é seu : a a legr i a de v i ver , a espontane idade , a graça ,
a inven t i v id ade e a sua c r i a t iv id ade . É poss i ve lmen te nesse as-
pec to , o da g ra tu idade da poes i a , que es ta rá a respos ta para o
como e o po rquê de tr aba lha r com a poes ia na sa l a de au l a ,
po i s não se t r a ta de ‚ faze r poe tas ‛ , a esco l a não tem essa fun-
ção , mas s im de assumi r a responsab i l i d ade de desper ta r , de-
senvo l ver no a l uno ( l e i to r ) a hab i l i d ade para sen t i r a poes i a , e
cabe ao professor o pape l de provocador des te es tado de sen-
s i b i l i z ação , de i l uminado r de caminhos para a l e i tura poé t i ca . Lo-
go , sens ib i l i zados os do i s – professo r e a luno - , cumpre-se o
cam inho da poes i a .
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j u n . 20 1 1 .
2 I dem .
3 I b id em .
4 I dem , Ib i d em .
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ANÁL IS E DOS CLÍT I COS EM JORNA I S FE I RENSES
DO SÉCULO XX 1
Adm i l son F agundes dos San t o s 2
C l a r i sse Bezer r a de San t ana
C l e i d e S i l v a de Azevedo
Dan i e l e Po r tuga l d e A lme id a
Dan i l o Cer que i r a A lme id a
Dav i San t ana de Lar a
Den i se Nasc imento Pau lo
Ren i l t o n dos San t o s L ima
Resumo : Es te t raba lho cons i s te numa aná l i se dos pronomes
c l í t i cos em orações f in i tas com o verbo na segunda pos i ção , em
con tex tos var i áve i s , de pe r iód i cos do sécu lo 20 . Foram
observados e co l e tados c l í t i cos em j orna i s para inves t ig a r se o
por tuguês em ques tão se adequa mai s à var i an te europe i a ou
b ras i l e i r a , segundo apor tes sobre noção de l í n gua chomsk i ana e
as man i fes tações l i ngu í s t i cas do po r tuguês , d íspares a tr avés da
h i s tó r i a .
Pa l av ras-chave : c l í t i cos ; Por tuguês Bras i l e i ro , Por tuguês Europeu .
Abs trac t : Th i s work presen ts an ana l ys i s o f c l i t i c p ronouns in
f in i te sen tences w i th the verb in second pos i t i on , in vary i ng
con tex ts , f r om per iod i ca l s o f the 20 th cen tu ry . The c l i t i c s were
observed in and co l l ec ted f rom newspapers to inves t ig a te
whe the r the Po r tuguese in ques t ion i s more adequa te to the
Eu ropean o r Braz i l i an var i an t , i n con fo rmi ty wi th con t r i bu t i ons on
Chomsky ’s no t i on of l anguage and l i ngu i s t ic express ions o f Por -
tuguese , d i ss im i l ar throughou t h i s to ry .
Keywords : c l i t i c s , B raz i l i an Po r tuguese , Eu ropean Po r tuguese .
ISSN 2236-3335
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1 INTRODUÇÃO
Nes te ar t igo i r emos tr a ta r de um tema reco rren te nos es-
tudos l i ngü í s t i cos do po r tuguês , a co locação dos c l í t i cos . Abo r -
daremos , a t r avés de um co rpus ( jo rna i s fe i renses do sécu l o XX ) ,
a presença de ênc l i ses e p róc l i ses em contex tos espec í f i cos ,
observando suas ocor rênc ias no per íodo re fe ren te a 19 10- 1954 .
Os pronomes pessoa i s do caso ob l í quo , po r sua carac te-
r í s t i ca foné t ica ( o fa to de se rem á tonos) são chamados de pro-
nomes c l í t i cos . Por esse fa to , f i cam no dom ín io do verbo , poden-
do f i car em pos i ção enc l í t i c a , ou se j a , pos ter io r ao verbo , como
em ( 1 ) e p roc l í t i c a , an tes do verbo , como em ( 2 ) . Ex i s te também
a pos i ção i n te rmed i á r i a , a mesóc l i se , em que o pronome enca i xa-
se no cen t ro do verbo . Con tudo , não nos a te remos a esse ca-
so .
por ind i cação do | med i co admin i s trou- l he a Emu l são de
Sco t t Leg i t ima . (Anúnc io 6 , 19 10)
Desde o | p r ime i ro fr asco se no tou uma mudança favorá-
ve l . (Anúnc io 6 , 19 10 )
O ob j e to de es tudo do presen te ar t igo é o c l í t i co em pos i -
ção V2 , i s to é , ve rbo em segunda pos i ção preced ido de espec i -
f i cado r , do t i po su j e i to neu tro , advérb ios não moda i s3 e s in tag-
mas p repos ic iona is , ou se j a , e l emen tos que não ‚a t r aem‛ os c l í t i -
cos .
O es tudo dos c l í t i cos nessas duas pos ições é de funda-
men ta l impor tânc i a para de tec tarmos a a tuação dos mesmos nas
duas var i an tes da l í ngua po r tuguesa – Po r tuguês Eu ropeu
( do ravan te , PE ) e Po r tuguês Bras i l e i r o (do ravan te , PB) . Es tudos
an te r io res sobre c l í t i cos a f i rmam que no PB ex i s te uma predom i -
nânc i a de p róc l i ses , enquan to que no PE ( exce tuando os desen-
cadeado res de próc l i se , como em frases com advérb ios de ne-
gação , por exemp lo ) a pos i ção enc l í t i c a é reg ra gera l . Essa d i f e -
renc i ação passou a f i gu ra r-se com um mai or d i s tanc i amen to a
par t i r do sécu lo XX . An tes d isso , o PB e o PE osc i l avam numa
‚dança‛ de afas tamen to e aprox imação que marca a evo l ução
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do Por tuguês no Bras i l .
Como não poder i a se r d i f eren te , t r a tando-se de uma l í ngua
v i va , o Po r tuguês apresen ta mudanças bas tan te cons ideráve i s
em sua d i acron i a , po i s se compararmos o Por tuguês mai s an t igo
ao de nossos d ias , ve remos o pr ime i ro como uma l íngua to ta l -
men te es tr anha . Esse compor tamen to to rna-se ma i s ev i den te
quando cons i de ramos a in ter ferênc i a na tura l da l í n gua fa l ada na
escr i ta do PB duran te o processo de aqu i s i ção da l í n gua mater -
na . Ka to ( apud MORA IS e R IBE IRO , 2004 , p .25 ) a f i rma que :
[ . . . ] N o B ra s i l , a o con t r á r i o do qu e o co rr e em Po r t uga l , a
g ramá t i ca d a fa l a e a ‘g r amá t i c a ’ da esc r i t a ap res en tam
uma d is t ân c i a d e t a l o r d em que a aq u i s i çã o d es ta pe l a
c r i an ça p ode t e r a na t u r eza d a ap ren d i za gem de uma
s egunda l í ngu a .
O ar t igo será desenvo l v i do abordando a noção de l í n gua
Chomsk i ana (CHOMSKY , 198 1) e sua carac te r iz ação un i versa l de
qua lque r l í ngua , ap l i cáve l em con tex tos de d i spar id ade en t re l í n -
guas fa l ada e esc r i ta (KATO , 2005 ) , e a inda a rep resen tação das
re l ações i n te rnas que se cons t roem du ran te o uso dos te rmos
de uma l í ngua . No co rpus examinado será ana l i sada a presença
dos c l í t i cos em j orna i s fe i renses do sécu lo XX sob de l im i tação
de sua pos i ção na sen tença . U t i l i z aremos R ibe i r o e Mora i s
( 2004) , que ass im como Pago t to e Duar te ( 2005 ) ev idenc i am a
d i ac ron i a da l í ngua pe l a abordagem do PE e PB , a l ém dos seus
en t recruzamen tos na ques tão dos c l í t i cos .
2 DA GRAMÁTICA UN IVERSAL PARA UMA NOÇÃO DE L ÍNGUA
P re tendemos com es te tóp ico ap resen ta r um mode lo de
aná l i se gramat i ca l para o corpus des te t r aba lho , compreendendo
que ‚os es tudos den tro da chamada teor i a dos P r i nc íp i o s e Pa-
r âme tros , de o r i en tação gera t i v i s ta tem t r az ido um avanço teór i -
co s ign i f i ca t i vo para a compreensão do PB den t ro do quadro
gera l das dema i s l í nguas român i cas‛ (MORAIS e R IBE IRO , 2004 ,
p .23 ) . Uma vez que as fr ases ana l i sadas podem d i f i cu l tar um en-
tend imen to vá l i do e impor tan te para o ( a ) l e i tor ( a ) , sa l i en tamos
que , apesar de es ta rem c ien t i f i camen te conce i tuadas sob no-
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menc l a tu ras d i fe ren tes , as denom inações PE e PB compar t i l h am
matr izes de man i fes tação , a lgumas das qua i s ve r i f i cadas e ana l i -
sadas segundo os apo r tes p ropos tos aba i xo .
Segundo Chomsky ( 198 1 ) , cada fr ase d i ta ou ouv i da de uma
l í ngua é uma nova comb inação de pa l av ras , que aparece pe l a
p r ime i r a vez na h i s tór i a do un i verso . Logo , o cé rebro deve con-
te r a lguma rece i ta ou p rog rama que cons iga cons tru i r um núme-
ro i n f in i to de fr ases a par t i r de uma l i s ta f i n i ta de pa l av ras . A
esse prog rama damos o nome de Gramát ica Un i ve rsa l (GU) . Sendo a GU um con jun to de p r i nc íp i o s s i n tá t icos como teo r i a do
conhec imen to , base i a-se na es t ru tura in te rna da men te humana
e na expos ição aos dados ou a uma l í n gua par t i cu l a r . En tão , sob
o pos tu l ado da ex i s tênc i a de un i versa i s l i ngü ís t i cos , o au tor v in -
cu l a a l i nguagem aos mecan i smos ina tos da espéc i e humana . De
acordo com essa v i são , o homem vem equ ipado , no es tág io in i -
c i a l ( So ) , com uma (GU ) , do tada de pr inc íp io s un iversa i s per ten-
cen tes à facu ldade da l i n guagem e de parâmetros não -marcados
que adqu i r em seu va lo r no con ta to com a l í ngua mate rna .
Dessa fo rma , Chomsky ( 198 1 ) co loca a concepção da capa-
c idade de aqu i s ição da l i nguagem como um "ó rgão men ta l ‛ , ór -
gão espec i a l i z ado , a ‚ f acu l dade da l i nguagem‛ . O d i spos i t i vo de
aqu i s i ção , que é ina to , a t i vado pe l a exper i ênc i a l i ngü í s t ica , pro -
porc iona a geração da Gramát i ca Nuc l ear (L íngua X ) de uma de-
te rm inada l í ngua , que ago ra passará a oferece r represen tações
es t ru tu radas de expressões l i ngü í s t icas ao ind i v í duo .
Ass im , para Chomsky , gramát ica i n te rna é L íngua- I e es tá
d i r e tamen te rep resen tada na men te do fa l an te . É , por tan to ind i v i -
dua l , como uma compe tênc i a , e in tenc iona l , uma vez que o co-
nhec imen to não é cons t i tu í do de um con jun to ex tenc i ona l de
sen tenças , mas dos pr inc íp io s e parâme tros . A pr ime i r a l í ngua-I
é chamada de materna ou L 1 e as demai s de L2 . E l e também
apon ta a L íngua-E como uma noção de l í n gua ex terna , uma co-
l e ção de sen tenças e ob j e to ex te rno da men te , po i s se t r a ta
também de um con jun to de enunc i ados . É a t r avés da L í ngua-E
em expos i ção que se dá a p rodução da l i nguagem humana .
Chomsky expõe que ‚a GU é tomada como uma carac ter i -
zação do es tado i n i c i a l p ré- l i ngu í s t i co da cr i ança‛ (CHOMSKY ,
1993 apud S ILVA , 20 10 , p .5 ) , no qua l a marcação dos parâme-
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t r os da GU cr i a a gramát i ca nuc l ear . Apon ta também a imprev i s i -
b i l i d ade da ass imi l ação nas l í nguas como emprés t imos , d i acron i a
l i ngü í s t ica , con f l i to en t re var i an tes , en t re ou t ros .
Ao cons i de rar o mode lo Chomskyano da gramát i ca , un iver -
sa l para i den t i f i car o i n í c io do p rocesso de aqu i s i ção e produção
de uma l í n gua qua l quer , podemos i n te rpe l a r a h i s tór i a para i n -
ves t ig a r como esse p rocesso acon tece numa es fe ra de aná l i se
d i f eren te desse pon to de v i s ta ma i s i nd i v i dua l .
En t re Por tuga l e B ras i l ex i s te uma d i acron i a l i n gu í s t i ca e-
xemp l i f i cada pe l a in terseção h i s tór i ca cons tan te de suas l í n guas .
Ka to ( 2006 ) argumen ta que ap render a esc rever para a c r i ança
b ras i l e i r a no mode lo por tuguês eu ropeu é como ap render uma
segunda l í n gua . Com re l ação à aqu i s i ção da escr i ta como de L2 ,
é de fend i da po r es ta au tora a h ipó tese do não acesso à GU ,
po i s , de acordo com es ta teo r i a , enquan to o ap rend i z de L 1 par -
te da GU e a t inge a L í ngua- I , po r se leção de va lores dos Parâ-
me tros , num aprend iz de uma L2 , com exceção do b i l í ngue , não
há acesso à GU nem d i re to nem ind i r e tamen te , con tex to em que
a aprend izagem se dá a t r avés de um mecan i smo mu l t i func i ona l .
3 MUDANÇA L INGU ÍST ICA
Ao longo do tempo , com a in f lu ênc i a de ou tras cu l turas , o
PB vem d i s tando do PE , pr i nc ipa lmen te na l í ngua fa l ada . Es tudos
mos t ram que , du ran te os anos , houve um processo o ra de a-
fas tamen to , ora de aprox imação dessas duas var i an tes . Observa
-se ho j e uma d i f erenc i ação ev i den te en tre PB e PE , apesar de
na l í ngua escr i ta normat iva ado tada nas esco las segu i rmos sem-
p re o mode lo gramat i ca l eu ropeu . Ka to ( apud VAREJÃO , 2009 ,
p . 134) d iz que
a g ramá t i c a do l e t ra do b r as i l e i ro , em a l gun s as pec to s ,
n ão cor r esponde à do l e t r ado p or tu gu ês , j á qu e a es -
co la r i z a ção cons e rva es t ru t u ras da g ramá t i c a a n t i ga
( e u rop e ia ) , mas não ‚ co r r i g e‛ a lg umas ino va ções in co r -
po ra das da f a l a b ras i l e i ra i no va do ra .
Ass im , no âmb i to das consequênc i as des ta adoção , os re-
cursos do s i s tema g ramat i ca l do PB e PE apresen tam d i screpân-
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c i as s ign i f i ca t i vas , as qua i s são acen tuadas e pe rpe tuadas em
função de não permi t i r em um d i á logo amp lo – e cada vez mai s
necessár io a f im de que me lhore a ref lexão en t re c idadãos , fa-
l an tes e educado res – a respe i to da var i an te b ras i l e i r a do por tu -
guês .
Ao abo rdar mai s de ta lhadamen te a ques tão da l í ngua escr i -
ta , Mo ra i s e R i be i r o ( 2004 p .22 ) a f i rmam que ‚a escr i ta é mai s
conservadora e tem ob j e t i vos espec í f i cos que a par t icu l ar iz am
em re l ação à fa l a ‛ , e uma dessas par t i cu l a r i dades se r i a , ta lvez , a
r ig idez com que essa se compor ta e a d i f i cu l dade de ader i r às
mudanças que ocor rem com ma ior fr equênc i a , f ac i l i d ade e d ina-
m i smo na l í ngua fa l ada . Po r i sso , a té ho j e , essa d i f i cu ldade de
nos expressarmos bem na l i n guagem escr i ta , j á que , d i fe ren te
do que ocor re em Po r tuga l , a nossa fa l a se d i s tanc i a mu i to do
que nos é so l i c i t ado ao red ig i rmos tex tos , tendo esses que se-
gu i r em a norma do Po r tuguês pad rão , o eu ropeu . Por ou t ro l ado ,
a l i nguagem pub l i c i t ár i a – nossa propos ta de corpus – tende a
u t i l i z ar recursos prosód icos a f im de to rnar a mensagem mai s
a t r a t i va . Me lo ( apud Vare j ão , 2009) apon ta a eufon i a4 como um
dos recursos u t i l i z ados pe lo escr i tor , po l í t i co e jorna l i s ta José de
A lencar para esco lha da co locação dos c l í t i cos nos tex tos . Ta l
se l eção se r i a um dos fa tores de d i f erenc i ação en tre PE e PB ,
embo ra não se conhecesse a i nda , na época , as d i co tomi as
saussu r i anas de l angue e paro l e , pub l i cadas no Curso de l i ngu í s-t i ca Gera l em 19 16 .
4 H IPÓTESES
Sabemos que , t ra tando-se de um momen to in ic i a l do d is-
tanc iamen to l i n gu í s t i co en t re PB e PE , o qua l a tua lmen te se f igu -
ra mai s ev i den te , cons ta tar í amos cer to equ i l í b r io en t re as co lo -
cações dos c l í t i cos .
Um fa to que nos d i rec i ona a essa h ipó tese é a ide i a de
que , por serem anúnc ios de jorna i s , os reda tores se preocupar i -
am em adequar suas p roduções a um po r tuguês ma i s forma l , ou
se j a , o eu ropeu – cons i de remos que a té ho j e es tudamos na es-
co l a a ap l i cação de uma g ramát i ca normat i va que se base i a pre-
fe renc i a lmen te no po r tuguês l us i tano . No en tan to , também lança-
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
r i am mão de uma l i nguagem de fác i l acesso e en tend imen to para
a l cançar o mai or número poss íve l de l e i tores/consumidores do
per iód ico .
5 CORPUS E CONTEXTOS ANAL ISADOS
O corpus des te t r aba l ho é compos to por anúnc i os pub l i ca-
dos no Jorna l Fo lha do No r te , de Fe i r a de Santana , no sécu l o XX
( 1 9 10 - 1954) . Esses jo rna i s es tão sob a guarda do Núc l eo de
Es tudos Fe i r enses – Museu Casa do Ser tão/Un ive rs idade Es ta-
dua l de Fe i r a de San tana e na B ib l i o teca Mun ic ip a l de Fe i r a de
San tana . Os anúnc ios foram co le tados po r uma equ i pe de a l unos
de Le t r as da Un ive rs i dade Es tadua l de Fe i r a de San tana no Cur-
so de Pós-Graduação em L ingü í s t i ca , em 2006 . São 156 anún-
c ios , em sua grande mai or ia p ropagandas de med i camen tos e
p rodu tos de h ig i ene pessoa l .
Duran te a aná l i se do corpus , a lém das d i f i cu ldades na tura is
de buscar LI em LE , uma vez que se t ra ta de uma l í n gua escr i -
ta , ex i s t iu a ques tão de cará ter ed i tor i a l , na qua l a ten tamos para
o v iés pub l i c i t ár i o dos reda to res quan to à esco lha do c l í t i co .
Os segu in tes i tens in tegraram os cr i té r i o s para c l ass i f i car o
corpus :
i ) o uso de próc l i se e de ênc l i se com o verbo na segunda
pos i ção (V2 )
Ênc l i se : ( 5 ) a ) . a acção de-│ senvo l ve-se na epocha das
Cru-│ zadas . (Anúnc i o 56 , 1929 ) ;
Próc l i se : ( 6 ) a) Com freqüênc i a se enca tar rhoava (Anúnc io
06 , 19 10 ) ;
i i ) os e lemen tos an tes do con jun to verbo c l í t i co com as se-
gu in tes var i an tes : su je i to neu t ro , s in tagmas adverb i a i s não-
moda i s , e s in tagmas p repos i c i ona i s
Su j e i to neu tro
( 7 ) a) A dô r e o ma l es tar to rnavam-se tão in tensos ,
(Anúnc io 83 , 1929) ;
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Advérb i os não moda i s :
( 8 ) a) Ago ra os ve jo chegar sem medo (Anúnc io 86 , 1929 ) ;
S in tagmas p repos i c i ona i s
( 9 ) a) para a l l i v i -│ a l -a dessa te rr í ve l dôr de cabeça . ½
(Anúnc io 90 , 1932 ) ;
i i i ) os per í odos que se d i v i dem em do i s : 1 º - de 1900 – 1925 ;
2 º - de 1926 – 1950
Ass im , as ocorrênc i as do corpus fo ram observadas a t r a-
vés dos cr i té r io s de aná l i se das sen tenças f i n i tas V2 em con-
tex tos var i áve i s sem ‚a t ra tor ‛ . Ca lcu l amos os resu l tados ao
t r anspormos o co rpus ana l i z ado pe lo prog rama compu tac iona l
GOLDVARB , espec i a l i z ado em aná l i ses es ta t í s t i cas de var iáve i s
l i ngü í s t icas , desenvo lv ido por Rand e Sanko ff ( 200 1 ) . Os resu l -
tados da pesqu i sa rea l i z ada e sua re l ação com dados de ou tros
es tudos serão ap resen tados a segu i r de mane i r a m inuc i osa e
ana l í t i c a .
6 RESULTADOS
As tabe l as aba ixo mos t ram as ocor rênc i as do corpus ana l i -
sado .
Tabe l a 1 : Oco rrênc i as dos e l emen tos an tes do con jun to verbo-
c l í t i co .
Amost r as
Ênc l i se P róc l i se To t a l
Co lo ca ção
S in t agmas pr epos i c iona i s N °
%
5
3 6
9
64
1 4
1 00
Su je i t o neu t ro N °
%
1 0
56
8
44
1 8
1 00
S in t agmas adve rb i a i s n ão
moda i s
N °
%
1
50
1
50
2
1 00
TOTAL N °
%
1 6
47
1 8
53
34
1 00
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Na tabe l a de número 1 , no tam-se as ocor rênc i as dos c l í t i -
cos em presença dos e l emen tos que in t roduzem suas ap l i cações
nas sen tenças . Ass im , observamos que p reced idos pe los s in tag-
mas p repos i c i ona i s , os casos de próc l i ses são super i ores aos
de ênc l i ses . Por sua vez , em opos i ção a essa ap l i cação , no ta-
mos que em p resença do su j e i to neu tro , a i nc idênc i a de próc l i -
ses dec l in a em comparação com as de ênc l i ses . Já nos con tex-
tos em que os s in tagmas adverb i a i s não moda i s in t roduzem os
c l í t i cos , ve r i f i camos um equ i l í b r io en tre os casos . O corpus ana l i -
sado sob re a co l ocação dos c l í t i cos nas sentenças mos t ra que
em nenhum dos casos oco rre predominânc ia cons ideráve l da
ênc l i se . I sso con f i rma os es tudos c i tados por Mora i s e R ibe i r o
( 2004) . Embora se j am ana l i sados em corpora de d i f eren tes épo-
cas ( 1988 e 1900- 1950) , a respe i to da d i s t i nção en t re o PE e o
PB ex i s te a mesma ver i f i cação : a ‚prefe rênc i a po r ênc l i se vs .
p róc l i se nas f r ases em que es tão ausen tes os a t i vado res de
p róc l i se a fa to res d i versos‛ (MORAIS e R IBE IRO , 2004 , p .24-25 ) .
Essa , por sua vez , é man i fes tada no PE mais enc l í t i co e o PB
ma i s proc l í t i co .
Ve j amos a tabe l a aba i xo , que ap resen ta o to ta l de dados
por pe r í odo de tempo : I ( 1900- 1925 ) e I I ( 1926-1950 ) .
Tabe l a 2 : P resença dos c l í t i cos na p r ime i r a metade do sécu l o XX .
Amost r as Séc . XX
Jo rna i s
Per í odos Per í odo I
( 1 900 - 1 925 )
Per í odo I I
( 1 92 6 - 1 950)
Co locação dos
C l í t i co s P róc l i se Ênc l i se P róc l i se Ênc l i se
N °
%
5
( 7 1% )
2
( 2 9%)
1 3
( 48% )
1 4
( 52% )
Tot a l ge r a l 5 2 1 3 1 4
TOTAL 34
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A tabe l a 2 mos tra que a ocor rênc ia de ênc l i ses no per íodo
I é menor que o número dos casos de próc l i se no mesmo per í -
odo , o que não acon tece no per íodo I I , no qua l as oco rrênc i as
p ra t i camen te se equ i va l em . Cons i de rando os resu l tados da tabe-
l a , percebemos que os c l í t i cos aparecem com ma i or i nc idênc i a
no per í odo I I (o per íodo I possu i ap rox imadamen te 1/4 das a-
mos t ras do per íodo I I ) . Embora i sso oco rra en t re os do i s per ío -
dos , ao tomar como base de ava l i ação as porcen tagens encon-
t r amos no per í odo I I uma queda cons i de ráve l de próc l i se em re-
l ação ao per íodo I . Pe rcebe-se , des ta r te , que o número reduz i do
de amost ras ap resen ta uma re l ação com as porcen tagens ta l
que não permi te a tr ibu i r cons i s tênc i a aos resu l tados .
7 CONSIDERAÇÕES F INA IS
Os j orna i s do sécu lo XX ana l i sados reve l am um equ i l í b r io
no uso das pos ições enc l í t i c as e proc l í t i c as , con fo rme prev i s to
em nossa h ipó tese . Cons i de rando o to ta l das oco rrênc i as de c l í -
t i cos em V2 , exc l u indo-se a mesóc l i se , cons ta tamos que 53%
das oco rrênc i as es tão na pos ição proc l í t i c a , com a margem de
d i f erença de apenas 6% em re l ação à pos ição enc l í t i c a , es ta de
43% . Essa d i f erença mos t ra uma pre fe rênc i a dos reda to res do
j o rna l ana l i sado pe lo Por tuguês Bras i l e i ro , embo ra haj a mu i ta ên-
c l i se , dev i do ao fa to de nossa norma escr i ta basear-se no Po r -
tuguês Lus i tano .
Nossa h ipó tese en tão fo i con f i rmada , a i nda que os dados
ap resen tassem um pequeno desequ i l í b r io en tre as pos ições en-
c l í t i c as e proc l í t i c as . Soma-se a esse desequ i l í b r io a l im i tação
quan t i ta t i va das nossas amostras e o cará ter exper imen ta l des te
t r aba l ho . Logo , não p re tendemos esgo ta r a ques tão da co loca-
ção dos c l í t i cos , tema deveras ex tenso e d i verso .
REFERÊNC IAS
L i vros , ar t igos e me io e le t rôn i co
CHOMSKY , Noan . Lec tures on government and b ind ing . Dordrecht :
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J 45
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
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tado – 19 10- 1950 . Traba lho não pub l i cado .
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NOTAS
1 Ar t i go e l abor ado a par t i r d e um t r aba l ho exper imen t a l , desenvo lv i do
na d i sc ip l i n a L i ngu í s t i c a I I I (LET 303 ) , como requ i s i t o p ar c i a l de ava l i a -
ção , semest r e 2007 . 1 , ano 2008 .
2 Os au t or es são g r aduados e gr aduandos do cu r so de L i cenc i at u r a
em Let r as Ver nácu l as pe l a UEFS . Ema i l p a r a con t at o : cer que i r a-
dan@yahoo . com .br .
3 Advérb io s moda i s ( bem , ma l , j á , sempr e , t ambém e a i n da, cá , l á ,
ma is , me lh or , ma io r ) d i sse bem= d i sse bem d i t o . Os advérb i o s não
moda i s ( advér b io de tempo , modo e l ugar , a sabe r : ago r a , d epr essa ,
f i n a lmen te , aqu i , en t ão , f e l izment e , a l i , a í , ou t rora , con f id enc i a lment e ,
o r a , s i ncer ament e , pe r to , ho j e , ( h ) on t em , t a lvez , en t r e t an t o , opor tu-
nament e , segundo , a l i ás , i n var i ave lment e , s im , presen t emen te , en f im ,
a f i n a l , an tec ip adamen te , lo go , d epo i s , ou t r o ss im , e tc . ) .
4 qua l id ade acúst i c a f avor áve l d a em issão e/ou da aud i ção de um
s i g n i f ic an t e pe l a a r t i cu l ação de ce r to s f onemas [No dom ín io f ôn i co , a
eu fon i a procur a ev i t a r sons es t r anhos , con t r astan tes , d i scordan t es,
r epet i ções desagr adáve i s ; em fonét i c a , exp l ic a ce r t as mudanças , po-
dendo ser f at o r de ass im i l ação ou de d i ss im i l ação . ] Fon t e : D i c ion á r io
E l e t r ôn i co Houa i ss da L ín gua Por t uguesa (2009 ) .
ANEXOS
Sen t enças ana l i sadas em nosso Co rpus ( pP 1 Com fr eqüênc i a se enca t ar r hoava
( pP 1 Em t a l es t ado se suspendeu t odo o t r a t ament o
( eP 1 .po r in d icação do | méd i co adm in i st rou- | l he a Emu l são de Sco t t
Leg í t im a .
( pP 1 Desde o pr ime i ro f r asco se no tou uma mudança favor áve l .
( pP 1 seu semb l an t e de amar e l ado se | to rnou r osado
( eP 1 no | exer c í c io de sua pro f i ssão encar- | r ega-se de qua l quer
t r aba lh o de | p r o these e c l i n i c a den t ar i as
( p S1 E s te acr ed i t ado es t abe l ec imento se acha em |
( eP2 Na secção de pape l ar i a | d es t a « f o lh a » i nd i ca- se | quem os t em
par a vender |
( eS2 Ar t i s t as , l avr ador es , ca ix e i r o s , | oper ar i o s , i n screve i -vos no
«Banco de Cr ed i t o Agr í co l a | Popu l ar » .
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( eS2 a acção de-│ senvo lve-se na epocha das Cru-│ zadas .
( eP2 Com o ANKYLOL f az-se o t r at amen to r ac i ona l e sc i en t i f i co
( pS2 um canhão | myst er i o so se achava .
( pP 2 Com fr equenc i a se enca t ar r hoava
( pP2 Com fr equenc i a se enca t ar r hoava
( eP2 por in d i cação do | med i co adm in i s t rou- l h e a Emu lsão de Sco t t
Leg i t im a .
( pP 2 Desde o | p r ime i ro f r asco se no tou uma mudança f avor ave l .
( pP 2 seu semb l an t e de amar e l ado se | t o rnou r osado
( eS2 A dô r e o ma l est a r to rn avam-se│ t ão in t ensos ,
( eS2 Os seus i ncommodos causavam-│ l h e t odos os mezes
( eS2 Do i s compr im i dos a l l i v i am-│ l he as dor es por comp le t o ,│
( pA2 ‚Agor a os ve jo chegar sem medo ‛ !
( eS2 A t i a Joaqu i n a pr omp t i f i c a- se em│
( eP2 par a a l l i v i -│ a l-a dessa t er r í ve l dôr de cabeça . ½
( eS2 As c r i anças│ tomam-no pr op t ament e
( eS2 a casa encheu│ - se de a l egr i a
( eP2 DESNUTR IÇÃO DAS CR IANÇAS como cor r i g i l- a? ½
( pP 2 uma dô r phys i ca nos a f f l ig e?
( eS2 O JORNAL f az-se o eco
( eA2 depo i s desen |vo lveu-se fo r t e er u |p ção
( pS2 G ILLETE – EU TE D IGO :
( pS2 G i l l e t t e½ eu t e d ig o :
( p S2 Seu FORD½ lh e dar á ma i s lu cr os. . . ½
( pS2 ISTO SE REPETE?
( pS2 Po i s ê le se esque | c eu
( eS2 As mat r i cu l as acham½ se aber t as . ½
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ANÁL IS E COMPARAT IVA DE DO I S AUTOS DE
D EF LORAMENTOS : A QUESTÃO RAC IAL
EM DESTAQUE
Jac i l e n e Mar ques Sa l omão 1
L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
j a c i l e n e _ma rq u es @h o tma i l . c o m
R i t a de Cáss i a R ib e i ro de Que i r oz 2 (o r ien t ador a ) Un i v e r s i d a d e es t a d u a l d e F e i r a d e S an t a n a ( U E F S )
r c r q u e i r o z @u o l . c o m . b r
RESUMO : O presen te tr aba lho re fe re-se à Ed ição Semid ip lomát ica
de do i s documen tos manuscr i tos da tados ao in íc io do sécu l o XX ,
sendo esses l avrados em Fe i r a de San tana en t re os anos de
1902 e 1904 (o processo de Senhor inha Soares de L ima) e 1908
(processo c r ime de Mar i a Nerys da Cos ta ) ; r ecebendo es tes a
denominação de que ixas-c r ime (au to de de f lo ramen to ) . No pr i -
me i r o documen to es tá reg i s t r ado o p rocesso c r ime l av rado con-
t r a A l exandre Ad r i ano de A lme ida , po r haver v io len tado a menor
Senhor inha Soares de L ima , de se te anos de idade . D i r ec ionando
para o segundo documen to pos to em aná l i se , Theof i l o Mar inho
Borges é acusado de seduz i r e come te r a desonra na menor
Mar i a Ne rys da Cos ta , de dezesse te anos . Os refer idos docu-
men tos in teg ram o acervo do Cen tro de Documen tação e Pes-
qu i sa (CEDOC - UEFS ) . Faz-se ind i spensáve l sa l i en tar que o re-
fe r ido ar t igo é fru to da un i ão da F i l o l og i a com os ins t rumen tos
da Aná l i se do D i scu rso que v i ab i l i z aram o desve l ar das d i f eren-
ças e seme lhanças en t re os processos em ques tão .
Pa l av ras-chave : Ed ição Sem id ip l omát i ca . De f lo r amen to . Jus t i ça .
D i scurso .
Abs tr ac t : Th i s work concerns Semid i p lomat ic .Ed i t i on o f two ma-
nuscr ip ts documen ts da t i ng to the beg i nn i ng of XX cen tury , the-
se be i ng recorded i n Fe i r a de San tana be tween the years 1902
and 1904 ( the case o f Senho r inha Soares de L ima ) and i n 1908
ISSN 2236-3335
J 50
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
( the case o f Mar i a Nerys da Cos ta) ; bo th denom ina ted cr im ina l
comp l a in ts (def lower i ng ) . In the f i r s t documen t a re reg i s tered the
c r im ina l p roceed ings aga ins t A l exandre Adr i ano de A lme ida fo r
hav i ng v io l a ted the m ino r Senhor inha Soares de L ima , seven ye-
ars of age . Turn ing to the second documen t sub j ec t to ana lys i s ,
Theof i l o Mar inho Bo rges i s accused of seduc ing and d i shonor ing
the m ino r Mar ia Nerys da Cos ta , seven teen years o f age . These
documen ts be long to the arch ive of the Cen ter o f Documen ta t ion
and Research (Cen tro de Documen tação e Pesqu i sa - CEDOC/
UEFS ) . I t mus t be s t ressed tha t the sa i d ar t ic l e i s a fru i t o f the
un ion o f Ph i lo logy wi th the ins t rumen ts o f D i scou rse Ana lys i s
tha t make v i ab le the reve l a t ion o f d i f fe rences and s imi l a r i t i e s
be tween the cases in ques t ion .
Keywords : Sem id i p lomat ic Ed i t i on . Def lower ing . Jus t i ce . D i scou rse
Analys i s
1 A IMPORTÂNCIA DOS DOCUMENTOS MANUSCRITOS
Os documen tos an t igos , por guardarem i n formações h i s tó -
r icas , são de suma impor tânc i a para a compreensão das soc i e -
dades e porque não d izer do presen te , j á que é a t r avés daque-
l es que se podem v i sua l iz ar e compreender a lguns compor ta-
men tos cu l tu ra i s de cada per í odo e seus resqu í c io s na a tua l i d a-
de . Para haver a prese rvação dessa memór i a , dos fa tos c i r cun-
dan tes passados , os f i l ó l ogos a tuam efe t i vando a recuperação e
a p reservação de documen tos va l io sos e ún icos ; v i ab i l i z ando ,
a t r avés da ed i ção do documen to , que d i ve rsos pesqu i sadores
possam descob r i r e in terag i r com os fa tos a l i r ed ig idos , sem ha-
ver a necess idade de con ta to d i re to com o documen to , ass im
p reservando-o po r ma i s tempo .
Con forme a f i rma Que i roz ( 2007 , p . 24 ) :
Todas as açõ es do h omem es tã o pos tas n o pap e l : s ua
l i t e ra t u ra , sua c i ênc i a , s eu d i r e i t o , su a r e l i g i ão , e t c .Tu do
i s s o s e cons t i t u i em a r t e fa t o d a es c r i t a ‛ . Po r i ss o a es -
c r i t a es tá es t r i t amen t e l i ga da à nos sa f o rma d e v iv e r ,
p od e-s e d iz e r qu e es ta é a fo r ça mot r i z qu e r eg e uma
s o c i edad e .
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
Podem-se a t r avés dos documen tos an t igos , adqu i r i r conhe-
c imen tos de d iversas c iv i l i z ações , povos e cu l tu ras que j á fo ram
ex t in tas ; as qua i s man t iveram-se e man têm-se v ivas por have-
rem reg i s tr ado suas par t i cu l ar id ades d i á r i as , se j am em rochas ,
made i r as , ossos , barro ou em papy rus . Ass im , como a f i rma A-
c io l i ( apud QUEIROZ , 2007 , p . 2 1 ) : ‚O documen to manuscr i to é
cons iderado a mo l a-mes t ra da h is tór i a [ . . . ] É ind i scu t íve l que e l e
p roporc i ona recursos ines t imáve i s ao h i s tor i ador , represen tando
o me l hor tes temunho do passado , fon te d i re ta de in fo rmação
bás ica para o es tudo da h i s tó r i a ‛ . Por tan to é ind i scu t íve l a va l io -
sa impo r tânc i a da F i l o l og i a ( e do f i l ó logo ) para a a tua l i d ade e às
gerações pos te r io res . Para reforçar a i de ia red ig i d a an ter i o rmen-
te se ap resen ta uma af i rmação de Que i roz ( 2007 , p . 26) :
A pa r t i r do t ra ba lh o d o f i l ó l og o , o t ex to pod e s e r es t u -
d ado na sua ess ênc ia , p o i s as sua s ca r a ct e r í s t i cas ma i s
impo r t a n t es f o ram p res e rv ada s , des ta r t e , a f i l o l og i a co n -
t r i b u i s ob remane i r a p a ra a p res e rv a ção do s manus c r i t os
b a i an os e b ra s i l e i ros .
2 CAMINHOS DA ANÁLISE DO D ISCURSO
Sabendo-se que o su j e i to é fru to de seu tempo , por ta-voz
de ide i as e i dea i s , consequen temen te i sso se re f l e te d i r e tamen te
em suas ações ; em seu compor tamen to de mane i r a gera l . Em
tex tos escr i tos essa carac ter í s t i ca é re forçada , j á que cada pa-
l avra possu i uma carga de i deo log i a p ra t i camen te ún i ca e a lguém
p red i spos to a pe rsuad i r , convencer e/ou sub jugar o ou tro com
sua op in i ão esco lherá com cau te l a e prec i são as pa l av ras para
o desenvo l v imen to de seu tex to/ d i scurso . Segundo a f i rma Pe-
cheux ( 1997 , p . 160) :
É a i d eo l og i a q ue f o rn ece a s ev id ên c i as pe l a s qu a i s
‚ t od o mundo sab e‛ o qu e é um so ld ad o , um ope rá r i o , um
p a t rã o , uma fá b r i c a , uma g reve , e t c . , ev i d ên c ias q u e
f az em com que uma pa la v ra ou enunc ia do ‚q u e i r am d i -
z e r o q u e r ea lmen t e d iz em ‛ e q u e mas ca ram , ass im , s ob
a ‚ t r ans pa rên c ia da l i ng uag em‛ , aq u i l o q u e chama remos
o ca r á t e r ma t e r i a l do s en t i do das p a l av ra s e d os enunc i -
a dos .
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Como não ex i s tem s inôn imos perfe i tos , por mu i tas vezes , o
ar t i cu l i s ta não consegue encon tra r a pa l avra com o efe i to a lme-
j ado no corpus do d i scu rso ; ass im , po r necess i dade de se con-
c lu i r o tex to , se vê ob r igado a u t i l i z ar a l gum te rmo ma i s próx imo
do sen t ido dese j ado ; a lgo que , mu i tas vezes , não propo rc iona o
impac to esperado pe l o a r t i cu lado r . Com i sso se prova que cada
pa l av ra possu i sua carga semân t i ca , sua roupagem espec i a l , é
de fa to ún ica e po r i sso é empregada e se l ec ionada tão cu i da-
dosamen te por aque l es que conhecem sua rea l força e poder .
Para O r l and i ( 2005 , p .43 ) :
[ . . . ] as p a l av ra s não t êm um s en t i do n e l as mesmas , e l as
de r iv am s eus s en t i dos da s f o rmações d i s cu rs iva s em
que s e in s c revem . A s fo rmações d i scu rs iv as , po r s ua
vez , r ep res en t am no d i s cu rs o as fo rmações id eo l óg i ca s .
D ess e modo os s en t i do s s ão d et e rm i nad os i d eo lo g ic a -
men t e . N ão há sen t i d o q u e nã o o s e j a . Tu do o qu e d iz e -
mos tem , p o i s , um t ra ço id eo ló g ico em re l a çã o a ou t r o s
t r aços id eo l óg i cos . E i s t o é , na mane i ra como , n o d i s cu r -
s o , a i deo log i a p ro duz s eu s ef e i t os , ma t e r i a l i zan do -s e
n e l e .
Por tan to , para se desenvo l ver a p rá t i ca ana l i s ta (Aná l i se do
D i scurso ) com êx i to , pr ime i r amen te , o ana l i s ta deve se deb ruçar
sobre a matr iz men ta l , que envo l ve o ar t i cu l i s ta do d i scurso em
ques tão . Por ou tro l ado , não se deve es ta r em busca de um
sen t ido verdade i ro e/ou un i l a tera l de um d i scu rso ; e s im , p reo-
cupar-se com a esco l ha lex i ca l do ar t i cu l i s ta do d i scurso ; ou se-
j a , a u t i l i z ação de uma re fe r id a pa l avra em vez de ou tr a , sua
pos i ção e frequênc i a de uso ao l ongo do tex to/d i scu rso .
3 PROCESSOS CR IME EM FOCO COMPARAT IVO
Aborda-se , nesse tóp i co , um es tudo comparat i vo en t re os
do i s p rocessos c r ime , os au tos de de f lo ramen to de Senhor i nha
Soares de L ima e o de Mar i a Ne rys da Cos ta , ambas pobres e
neg ras e meno res de i dade . A pr ime i r a , na época , t i nha se te a-
nos , j á a segunda , dezesse te anos . A p ropos ta segu ida , nes te
pon to , é apon ta r as d i f erenças e seme lhanças en t re aque l es ,
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co l ocando em ev idênc i a a s i tuação das v í t imas , em re l ação ao
d i scurso empregado pe l a jus t iça , ev idenc i ando as rea i s e/ou
poss í ve i s i n teresses e in tenções dos ar t i cu l i s tas .
Tendo os do i s documen tos uma ex tensão cons ideráve l e
sendo vár ios ar t i cu l i s tas em ques tão , fez-se ind i spensáve l se l e -
c ionar a lguns fó l i o s daque l es para se e fe t i var o j á re fer i do es tu -
do . A p r inc í p io se ana l i sará os fó l i o s 3 r e v do documen to de
Senhor inha Soares de L ima , nos qua i s se encon tra red ig i d a a
que ixa e fe t i vada po r seu pa i con tr a A l exandre Ad r i ano de A lme i -
da :
O P romoto r Pu b l i co da Coma rca usa n/do d as a t r i bu i çõ es
q u e l h e con f e r i a l e [ s ]/ g i s l ação em v ig o r n em pe ran t e
Voss a d enun/c ia r d e A l ex and re Ad r i a no d e A lme i da/po r
h ave r , no d i a 27 d e Dezemb ro d o/ anno co r ren t e , na
F r egu es ia d e T an/qu i nho , d es t a c ida d e , d e f l o rad o a me/
no r Senho r i nh a Soa res d e L ima , do / f a to qu e pa ssa a
n a r ra r ./ Es ta ndo em s ua casa , n o l oga r/a c ima r ef e r i do , a
meno r o f f end i da /com s eus i rmão , t ambem de meno r/ [d e ]
i d a d e e a ch ando -s e a us en t e An to -/ n i o J u l i ã o d e L ima ,
p a i dos me/no res , e i s qu e , ap pa rece A l exand re/Ad r i a no
d e A l em i da a p ro cu ra/d e Senho r i nha pa ra comp ra r/
ovo s ; Senho r i n ha d i r i ge - se pa r a/ uma ve lha casa con t i -
g ua , o nd e/os t i nha gua rdado , a f im d e bu s -/ ca los pa r a
vende r , é a companh a/d a po r Ad r i an o qu e em chegan -
do ,/ a l eva p o r t e r ra , sub j u l ga -a/ i mp oss i b i l i t a nd o -a d e
r es i s t i r e d e/ f end e r -s e , a t t en t a a sua impos s i b i l i -/ da d e
de fo r ças e i da d e e sa t i s - [ . . . ] f a z o s s eu s b es t i a i s i n s -
t i n c t u s , p ro -/ du s i n d o - l h e a s o f f en s a s p h y s i c a s /
dese r i p t o s n o au to d e co rp o d e/de l i c t o a p ez a r d os g r i -
t os da v i c -/ t im a qu e p ro cu rava l i b e r t a r -s e/das g a rr a s
do mons t r o qu e lh e/ p repa r ava a d eshon ra , n a t e r/ na
i d a d e d e 7 annos .
A ten tando-se aos termos em des taque , pode-se perceber
que o d i scurso empregado pe l o ar t icu l i s ta é favoráve l a v í t ima ;
po i s , em nenhum momen to , perm i te ou tr a poss í ve l in te rpre tação
acerca do caso ; a lém de ro tu l ar o réu como um ‚mons t ro ‛ re-
f orçando ass im a i r a da jus t i ça . Somen te po r um de ta l he , o d i s-
curso , aqu i desenvo l v ido , não é to ta lmen te fe l i z para a v í t ima : o
fa to de c l ass i f i ca r o seu caso como def loramen to , quando deve-
r i a ser denom inado como es tupro .
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Abaixo o f . 3 r , t r anscr i to do documen to de Mar i a Nerys da
Cos ta , no qua l es tá red i g id a a que ixa fe i ta po r sua mãe con t ra
Theof i l o Mar inho Bo rges :
Venanc ia N e ry da S i l v a r es id en t e n es ta c id ad e /vem
req u eren t e [ . . . ] q u e i xa r -s e d [ e ] Th eo f i l o d e t e r /p o r t e r
es t e em d ias d o mês d e Novemb ro p r im e i r o /p assado ,
d e f l o ra do su a f i l ha meno r d e 17 a nnos/ emp regado pa r a
t a l f i m s educçã o d e p romessa s d e / casamen t o . E p o r
que a Supp l i c an t e se j a m iamen t e pob re/ como p rova
com os f i ns d o cumen to s in c lu i n do e não p o -/d endo in s -
t au ra r o cumpe t t en t e p rocesso con t ra o s u [s ] pe [ i t o ] /
v em requ e re r o aux i l i o da j us t i ça p ub l i c a pa ra / p romove r
a pun i ç ão a o c r im e , uma vez qu e o d e -/ f l o ra do r n ão
q u e r r ep a ra r o ma l na f o rma es ta b e l e -/c i da p e l a l e i .
An tes de aden t rar propr iamen te na aná l i se des te fó l i o , f az-
se necessár i o esc l arece r um pon to impo r tan t íss imo nes te . Quan-
do o escr i vão escreve ao f in a l : ‚o de f lo r ado r não quer r eparar o
ma l na forma es tabe l ec ida pe l a le i ‛ ; não é po r acaso , ou que e l e
que i r a favo recer a v í t ima ; i sso envo l ve ou tr as ques tões ma i s
i n tr ín secas da soc i edade da época . Po i s , no in íc io do sécu lo XX ,
a soc iedade b ras i l e i r a buscava , po r i n terméd io da le i , imp l an tar
p r inc íp i o s de mora l id ade ; pr inc ipa lmen te , nas camadas popu l ares .
Sendo a mu lher e l e i ta como a propagadora e/ou d i f usora da
mora l i z ação dos cos tumes na soc i edade ; es ta dever i a conservar
sua honra , se r ‚h ig i en izada‛ . Es teves ( 1989 , p .3 1 ) af i rma acerca
des te fa to que :
Uma vez ‚b em pun i dos ‛ , a t ra vés d a d i s c r im ina çã o/
ma rg ina l i z ação do s compo r t amen to s e va lo r es popu la r es
e/ ou in t e rv en çã o sob re su as r e l a çõ es amo ro sas , pos s i -
b i l i t a va -s e o es ta b e l e c imen to e a d i fus ão d e um de te rm i -
n ado t i po d e n orma s exua l e h on ra fem i n ina ; co n t r i bu í a -
s e pa r a d im i nu i r o núme ro d e nas c imen tos i l e g í t i mos ( o
h omem ass um ia a su a r espons ab i l i dad e ) , pa ra a p ro t eçã o
d e fam í l i a s qu e t i vess em educado sua s f i l has d en t ro d os
p ad rões es tab e l ec i dos p e l a j u s t i ç a , ou a i nd a p a ra a fas ta r
a p oss ib i l i da d e de uma mu lh e r n ão h ig i en iz ada cons t i t u i r
f am í l i a . [ . . . ] A q u es t ão n ão e ra ap enas d im i nu i r o n úme ro
d e amanceb ados ou a imo ra l i dad e q u e t an to es ca nda l i z a -
v a os v ia j an t es do pe r í odo co l on i a l e do sécu l o X IX , mas
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f az e r com que as fam í l i a s p ro duz i ss em c ida dã os o rd e i -
r o s , t r aba l had o res , e nã o só pa ren t es .
Mas , a par t i r da c i tação , surgem ou t ras ques tões como ,
por exemp lo , o que vem a se r uma mu l he r h ig i en izada para o
per íodo referen te? Suc in tamen te fa l ando , e l a não dever i a ser mal
v i s ta , nem frequen tar loca i s que aos o lhos da jus t iça e da soc i -
edade v i gen te eram c l ass i f i cados como indev idos para uma mo-
ça p reocupada em prese rvar a sua honra . Só poder i a dar uma
s imp l es sa í da à rua , mesmo que a l uz do d i a . Os l oca i s c l ass i f i -
cados como indev idos para a época e ram as fes tas popu l ares
( sa lvo as de cará ter re l i g i o so ) , fes tas no tu rnas , loca i s suspe i tos
de p rá t i cas de pros t i tu ição , hospedar i as e tc . Segundo Es teves ,
( 1 989 , p . 5 1 ) :
A mu l h e r não ma is po d e r i a d es cu id a r -s e da s aúde , d e
s eu co rpo e d e su a ves t im en ta . Ao s méd i cos ca b i a o r i -
en tá - l a d e modo a s e to r na r uma mu l he r u rba na , s egun -
do as n ecess ida d es d e uma so c i eda d e g r adu a lmen t e
a j us t ad a à s t r ans fo rmações econôm i cas do cap i t a l i smo
eu rop eu .
Vo l tando para o documen to de Mar i a Ne rys , no ta-se que o
d i scurso ar t i cu l ado nes te fó l i o man tém uma pos ição pra t icamen te
neu t r a po r par te do escr i vão acerca do fa to oco rr ido com Mar i a
Ne rys da Cos ta . I sso se ev i denc i a por não haver u t i l i z ação de
te rmos pe jo ra t i vos para carac ter iz ação do réu ; nem são u t i l i z a-
dos te rmos para a j udar ou p re jud i car a v í t ima . Mas , essa neu-
t r a l i d ade i r á d i ss ipa r -se ao deco rrer do p rocesso .
Os termos esco lh i dos pe lo escr ivão , nes te fó l i o , apenas
i n formam o ocorr ido com super f i c i a l i d ade ; não procu ra descre-
ver , com exa t id ão , o fa to ocor r ido , como no documen to de Se-
nhor inha Soares . Lóg i co que o caso oco rr i do com a meno r Se-
nhor inha fo i mu i to d i fe ren te : enquan to Senhor inha fo i def lo r ada
de forma bru ta l ( ou se j a , fo i es tuprada ) , Mar i a Nerys fo i seduz ida
com p romessas de casamen to e , po r ta l mo t ivo , cedeu aos de-
se jos do acusado . Ass im , nes te pon to levanta-se j á uma d i fe -
rença fundamen ta l en t re os processos : sedução é d i fe ren te de
v io lênc i a sexua l , es tupro .
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A par t i r da d i fe rença levan tada no parág rafo ac ima , ou tro
ques t ionamen to surge acerca dos do i s documen tos : se há tan-
tas d i fe renças en t re os do i s casos , por que en tão ambos são
denominados como au to de de f l oramen to? O ma i s p rováve l é
que o termo es tup ro f osse quase inu t i l i z ado pe l a jus t iça fe i r ense
da época ; ta l vez a pre fe rênc i a pe l a pa l avra de f lo r amen to fosse
por es ta possu i r uma carga semân t i ca mai s branda que es tupro , d iminu indo , ass im , o impac to no recep tor da mensagem. Por ou-
t ro l ado , não se pode ignorar que a cond i ção femi n ina , pr i nc ipa l -
men te a de mu lhe res negras e pob res , e ra bas tan te des favorá-
ve l aos o lhos , não só da jus t i ça , mas da soc iedade fe i r ense co-
mo um todo .
P rossegu indo com a p ropos ta , se ana l i sará , ago ra , o exame
de co rpo de de l i to das v í t imas . Aba ixo es tão as pe rgun tas que
os per i tos , se l ec ionados pe l a jus t iça , dever i am responder , a par -
t i r do exame rea l iz ado nas v í t imas :
1 º H ouve com e f e i t o o d ef l o r amen to ?/ 2 º Qu a l o me i o
emp rega do? 3 º Houve conpu la ca rna l ?/ 4 º Ho uve v io l e n -
c i a pa r a f i ns l i b i d i nos os? 5 º Qu a i s f o ram essas / v i o l en c i -
a s? 6 º Em v i r t ud e d o me i o emp regado f i co u a o f f en d i da
imposs i b i l i t a da de r eg i s t i r e d ef end e r -s e? ( Do cumen t o d e
Senho r in ha Soa res d e L ima , f . 1 2 r )
[ . . . ] 1 ° s e houve d ef l o ra -/men to , 2 º qu a l o me i o emp reg a -
do , 3 ° s e / houve copu l a ca rna l , 4 ° s e h ouve v io/ l enc i a
p a ra f i m l i b i d i n oso . 5 º qu a l o / me io emp reg ado s e fo r ça
p h is i c a ,/ s e o u t r os me i os qu e p r i vas s e a mu -/ l h e r d e
r es i s t i r e d ef en d e r- se . ( Do cumen to de Ma r i a N e rys da
Cos t a , f .7 r )
Ev i denc i a-se , a par t i r de uma mera observação acerca das
pergun tas ( red ig id as ac ima ) , que pouca co i sa d i f erenc i a um au to
de pergun tas do ou t ro ; no en tan to , há a lgumas d i fe renças que
va l em a pena se rem d i scu t id as , como por exemp l o , a u t i l i z ação
do termo o ffend ida no au to de pergun tas de Senhor i nha , en-
quan to no de Mar i a encon tra-se o termo mu l he r ; o que reve l a
que , aos o l hos da jus t iça l oca l fe i r ense , ou me lhor , d ian te do ar -
t i cu l i s ta do d i scurso , Mar i a Nerys j á não era v i s ta como uma
‚menor ‛ , mas s im , como a l guém c ien te de seus a tos . Além d i s-
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so , a ques tão da v io lênc i a é mai s enfa t iz ada no pr ime i r o au to .
Ve j amos as respos tas dos per i tos para ta i s pe rgun tas ; pr i -
me i r amen te no de Senhor inha ( f . 1 2 r e v) :
[ . . . ] En con t ra ram n a meno r/Senho r i nha d e co r p a rd a ,
ca be l l o s com / v i da , cons t i t u i ç ão f o r t e d e 7 a 8 a nno s/
a nnos p rezum i ve i s as s egu in t e s l e zõ es no /o rgão s exu -
a l ; o s g ra nd es e p equenos/ lab io s r u b ros e con t u j os a
mea to u r i -/ na r i o i n f l amada , a memb ran a ./ h ymem ro ta d e
d ecen t e pa ra t ra s fo r - / mando d o i s r e t a l hos , em a d i r e i -
t a / e o u t ro a es que rda o cons id e ra ve lmen t e/ i n f l amada e
a va g i na d i l a t ad a ./A cam iza com que es tav a ves t i da a /
p a c i en t e no ac to d o d ef l o ramen to , /s egundo d iz o Pa i d a
men i na a pp res en-/ t ava g r a nd es manchas d e s angue/
t an t o n a p a r t e i n t e r na q ua n to na /p a r t e p os t e r i o r t am-
bém espe rma t i / cas ; pe l o qu e r espondem os p e r i t os p e -
l a /mane i ra s egu in t e : A o 1 º S im ; 2 º mem/b ro v i r i l ; 3 º s im ;
4 º S im ; 5 ºs up e r i o r i / da de d e f o rças ; 6 º S im ;
A lgo , no m ín imo , i n tr ig an te encon t ra-se ao i n í c io da respos-
ta dos per i tos : ‚ [ . . . ] Encon t raram na meno r Senhor inha de cor
parda , cabe l lo s com v ida , cons t i tu i ção for te de 7 a 8 annos [ . . . ] ‛ .
Ass im , l evan ta-se a segu in te ques tão : po r que a necess idade de
d izer a cor da v í t ima ; f a l ar que os seus cabe los possuem v ida
ou que Senhor inha possu í a uma imagem for te? In fe l i zmen te , i sso
reve l a que os pe r i tos p rocuravam poss í ve i s mo t i vos para jus t i f i -
ca r a ação de A lexand re Ad r i ano (o es tup rado r ) para com a v í t i -
ma . Nessa descr i ção , os termos esco lh idos não foram por acaso
na ten ta t i va de , d i s farçadamen te , abrandar a i r a da jus t i ça con-
t r a o c r ime . Ou tro fa tor aqu i deve se r abordado : a ên fase que
se deu ao sangue que , segundo o pa i da menor , es tava em sua
cam i sa no momen to do es tupro . Essa no t i f i cação não é po r aca-
so . Segundo Es teves , ( 1989 , p . 6 1 ) :
As mu l h e res q u e d es e j a v am s e r p ro t eg i d as p e l a j u s t i ç a ,
a l ém d e a t r i b u í r em em s eu s r e l a t o s t o da a çã o ao h o -
mem , d eve r i am d a r mu i t a ên f as e à d o r e a o s a ngue .
E r am o s emb l emas d a p e rd a da v i r g i n d a d e .
P ross i ga-se com o exame de corpo de de l i to de Mar i a
Ne rys ( f .7 v ) :
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[ . . . ] mu lh e r p a rda d e cons t i t u i ção r ob us cá , / es t a tu ra r e -
gu la r d emon t ando a i da de de d i s es et e pa r a d ezo i t o a n -
n os ma is o u/ menos [ . . . ] / Comp l e t a/ au z enc ia da mem-
b rana h ymem , tu ne fa c/ ção dos p ronunc i ada d o ca na lv a -
g i na l , o/ co l l o d o u t e ro d i f f i c i lm en te a ccess ív e l ,/ um
poucodesv i ado pa ra t raa z , d ig o p a -/ ra t r az , e p a ra a
d i r e i t a , amo l l i c i a do em/ s eu s do is t e r ços in fe r i o res e o f -
f e r ece -/ do uma p equen a d i l a t a ção ; co ns id e -/ ra ve l d esen -
vo lv imen to d o ab domem de-/no ta ndo ad ia n t a do es ta do
d e g es t a ção /da pa c i en t e po r qu an t o a in da obs e rva -/
mês mov imen tos a ctu ves e pass i v e i s/ do f e to s ens ív e l
o b l i qü id ad e do fu n -/do do ú t e ro qu e , a t t i ng e o i t o a de i s
cen t i -/men t r os ac ima da c i ca t r i z ação umb i - / l i ca l pa r a
f r en t e e pa r a o l ad o esque r -/do , e a i nda pe l a aus cu l l a -
çã o obs e rva -/mos o s mov imen t os ca rd í a co s do f e t o . [ . . . ]
a o 1 ° s im , h ouve o d ef l o r amen to . ao 2 °/memb ro v i r i l , ao 3 °
s im , ao 4 ° não , ao / 5 º p r e j ud i ca do com a r es pos ta do
q ua r -/ to .
Mu i tas d i fe renças são encon t radas nesse pon to dos pro-
cessos : pr ime i r amen te , como j á fo i s in a l i z ado em aná l i ses an ter i -
o rmen te e fe t i vadas , os per i tos não enxergavam Mar i a Ne rys co-
mo uma menor de idade , ou me lho r , e les e/ou a jus t iça em s i
que r i am re t r a tar a v í t ima como uma mu lher , não como a lguém
que necess i tasse de a juda . A l ém d i sso , a descr i ção de l a d i r ec io -
na para um fo r ta l ec imen to dessa ide i a . Nesse âmb i to a in tenção
é c l a ra : r e t i r ar a supos ta ingenu idade que poder i a se r um fa to r
de favorec imen to para a menor ; ou se ja , ten ta r inocen ta r o acu-
sado (Theoph i l o Mar inho ) con tr a o cr ime de sedução e de f l o ra-
men to daque l a .
A lém d i sso , pode-se perceber que o ar t i cu l i s ta se man tém
neu t ro a té um de te rmi nado pon to do d i scu rso ; po i s , ao fa l ar da
ges tação da v í t ima , aque l e descreve de ta lhes espec í f i cos , p ra t i -
camen te descreve , com exa t id ão , o oco rr ido no exame . Com i s-
so , mesmo não usando te rmos para sens ib i l i z a r o recep to r da
mensagem, e le ap resen ta a b ru ta l i d ade que é fe i ta com Mar i a
Nerys e seu bebê ; tan to o é que e l e descreve os ‚mov imen tos
ac tuves e pass i ve i s do fe to sens í ve l ‛ no au to do exame .
O corpo de de l i to pe lo qua l passaram as re fe r i d as meno-
res , sem dúv ida , é uma das par tes do processo , em que mai s
se expõe e abusa do ps ico lóg i co des tas . Mesmo po rque o d i to
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exame e ra rea l i z ado por per i tos homens (ao menos no caso
des tes refer idos processos) ; ass im o cons t r ang imen to e ra mu i to
ma i or ; sem fa l ar na fa l ta de recu rsos do per íodo para a efe t i va-
ção daque l e : o exame e ra efe t i vado a par t i r do ‚ toque d ig i ta l ‛ e
por vár i o s homens , como forma de haver uma ava l i ação e/ou
con fron to co l e t ivo acerca do caso .
No fó l i o ( 16 r ) , par te i n tegran te do documen to de Senhor inha
Soares de L ima , o réu é in te rpe l ado quan to ao seu es tado c iv i l ,
ao qua l r esponde : ‚ma i s ou menos so l te i r o‛ . A par t i r dessa res-
pos ta , pode-se perceber ( ao menos den tro desse d i scu rso ) que
o réu não es tá levando a sé r i o o processo em ques tão . A l exan-
d re Ad r i ano se re fe re ao c r ime como : ‚de f lo r ado a cr i anssa‛ ;
r eve l a não saber a i dade exa ta da menor : ‚meno r de se i s para
se te annos‛ , a lgo que ev idenc i a que Senho r inha Soares não t i -
nha um co rpo evo l u ído ou a lgo que a f i zesse parecer ma i s ve-
l ha . Pode-se também af i rmar que a v í t ima não possu í a carac te-
r í s t i cas sedu toras , como ten taram ins inuar os per i tos .
Segu indo para o fó l i o 16 v , no qua l A l exandre Ad r i ano
( es tuprador de Senho r inha Soares ) depõe a sua versão acerca
do fa to ocor r ido :
[ . . . ] e s t eve pa r a co nve rsa r e nã o es tan do o s
i rmã os da meno r es ta mesmo o con
v i da ra pa r a aqu e l l e f i m , e e l l e
v i nd o com e l l a pa ra o u t ra casa
con t i g ua a ca sa d e mo ra da a l i
a d es on ra .
A par t i r de um breve o lha r c r í t i co , se percebe que o d i s-
curso , ar t icu l ado ac ima , ten ta jus t i f i ca r o c r ime como a lgo con-
ced ido pe la meno r . No ta-se que o réu não nega que def lorou
Senhor inha Soares , no en tan to , não se cons idera um cr im inoso ;
j á que a f i rma que es ta o i nduz i r a e pe rmi t i r a a consumação do
a to sexua l . A lém desse fa to , no d i scurso do acusado , se v i sua l i -
za to ta l f r ieza em re l ação ao seu a to c r im i noso , po i s , desc reve-
o como a lgo na tura l ; sem ap resen ta r a meno r cu lpa . Esse t ipo
de men ta l i d ade e/ou compor tamen to ex is ten te no per íodo se dá
por in terméd i o de duas h i pó teses : a pr ime i r a , por se re fe r i r a
uma men ina pobre , neg ra e sem mãe ; ass im , aos o lhos do réu ,
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
es ta se j a v is ta apenas como um ob j e to , a l go descar táve l u t i l i z a-
do para seu prazer apenas ; o que , de imed ia to , d i r ec iona para a
segunda opção : resqu í c i os v i s íve i s da soc i edade escravag i s ta no
Bras i l .
I n fe l i zmen te não será poss íve l f aze r uma comparação en-
t re o d i scu rso dos do i s réus em ques tão , po i s Theoph i lo Mar i nho
Borges , acusado de seduz i r e de f l o r a r a meno r Mar i a Nerys da
Cos ta , não efe t ivou seu depo imen to . Apenas es te comparec i a
nos d i as em que as tes temunhas comparec i am ao Paço Mun ic i -
pa l , para darem seu parecer em re l ação ao caso em ques tão .
Com i sso , se ana l i sa rá um d i scurso de uma das tes temunhas
nos presen tes fó l i o s 17r , v e 18 r , o senho r Pr isco Pere i ra da S i l -
va , o qua l , na época , t inha v i n te se te anos de idade , era negoc i -
an te e so l te i r o . Tendo o depo imen to da re fe r id a tes temunha uma
ex tensão s ign i f i ca t i va , serão pos tas apenas a l gumas passagens
des te , focando ma i s na aná l i se do d i scu rso ar t i cu l ado nes te .
O d i scu rso da refe r id a tes temunha é to ta lmen te ar t i cu l ado
no in tu i to de p re jud ica r a o fend i da ; po i s a ro tu l a como uma mu-
l he r fác i l , desp rov i da dos pr i nc íp io s de mora l i dade prescr i tos pe l a
l e i do pe r íodo : [ . . . ] ‚ t i nha vár i os namorados e en t re es tes fre-
qüen tava a caza de Joaqu im Coe l ho e Manoe l Pequeno em ho-
r as ad i an tadas da no i te ‛ . Somen te por essa a f i rmação da tes te-
munha , Mar i a Ne rys se v iu car ica tura r como uma mu lher ind igna
de rec l amar seus d i re i tos peran te a j us t i ça , j á que es ta , apenas ,
busca de fender as men inas inde fesas ; aque las que te r i am s ido
i nduz idas ao a to sexua l ( pe rda de sua honra/membrana) por ha-
verem s ido a l vo de homens sedu tores .
A in tenção do d i scurso da refer id a tes temunha é obv i a :
i nver te r a s i tuação , ou se j a , a v í t ima passar i a a ser a ré em
ques tão ; j á que , após os esc l a rec imen tos do depoen te , co loca-
se em dúv ida o def lo r ado r da menor e , po r consequênc i a , o pa i
do bebê que es ta esperava . Para re fo rçar essa ide i a , o advoga-
do do acusado pergun ta a tes temunha : ‚ se e l l a tes temunha ou-
v iu apenas da mãe de Mar i a Nerys [ . . . ] ter s i do o accuzado o
de f lo rado r des ta , ou se de mai s pessoas‛ . ESTEVES ( 1989 , p .59 )
a f i rma em seu l i vro que os advogados dos acusados [ . . . ]
‚ ten tavam encon t ra r a mu lher mundana e sedu to ra nas o fend i -
das‛ .
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CONSIDERAÇÕES F INA IS
O presen te t r aba lho , como se pode no tar , encon t ra-se em
p rocesso de l ap idação . Dev ido à r iqueza dos do i s documen tos
se l ec ionados ; a inda há mu i to que ser ana l i sado e d i scu t ido . An-
tes de aden tra r nas poss í ve i s conc l usões , é i nd i spensáve l sa l i -
en ta r que o presen te tr aba lho con temp l a e é f ru to de duas
g randes áreas do conhec imen to : a F i l o log i a e a Aná l i se do D i s-
curso , sendo ambas ind i spensáve i s para a efe t i vação desse ar -
t i go ; po i s , a p r ime i r a v i ab i l i z ou o resga te da h is tó r i a de duas ne-
g ras , an t ig as morado ras da c idade de Fe i r a de San tana ; enquan-
to a segunda d i spon i b i l i zou ins t rumen tos para se desve l ar o d i s-
curso , as en t re l i nhas do documen to em ques tão . Ass im , a par t i r
d e ssa f u são , po d e -se co n c l u i r qu e o se r f em i n i no
( p ar t icu l armen te a mu lher neg ra ) no in í c i o do sécu lo XX , so fr ia
f or tes humi lh ações quando se refe r i a a i r r ec lamar seus d i r e i tos
peran te a l e i . Mesmo se tr a tando de uma cr i ança (Senhor i nha
Soares ) , o mach i smo en tr anhado no se io da soc i edade quer i a
i nduz i r a cu l pab i l i d ade à v í t ima e se i nocen ta r o réu com uma
s imp l es ‚ reparação‛ a t r avés do casamen to . Já Mar i a Ne rys , que
es tava ges tan te do acusado , teve o seu processo arqu i vado
por causa de um ‚a tes tado‛ ap resen tado à jus t i ça , por par te do
advogado do réu , no qua l cons tava que Mar i a Nerys j á hav i a
perd ido um f i l ho , l ogo após seu nasc imen to ; r e t i r ando ass im , a
cu l pab i l i d ade do réu pe l a perda da pureza daque l a . Porém , o su-
pos to documen to não fo i anexado ao corpo do processo
( apenas se fa l a sob re e l e e o que ne l e con tém) , f a to es te que
perm i te ques t ionar a verac i dade e , a té , a ex i s tênc i a des te .
REFERÊNC IAS
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
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NOTAS
1 Bo l s i s t a PROB IC .
2 Depar t ament o de Let r as e Ar tes .
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O D I SCURSO NA POES IA DE IL DÁS IO TAVARES :
UM ESTUDO DA COESÃO E DA
COERÊNC IA T EXTUAL
F l áv i a Rodr i gues dos San to s 1 L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
f l a v i n h a r o d r i g u e s . f s a @gma i l . c o m
P ro f a . Dr a . G i r l ene L ima Por te l a ( o r i en t ador a ) Un i v e r s i d a d e E s ta d u a l d e F e i r a d e Sa n t a n a
g i r l e n e l i m a po r t e l a @ gma i l . c o m
Resumo : O presen te ar t igo é f ru to de pesqu i sa rea l i z ada du ran te
a In ic i ação C ien t í f i ca , enquan to bo l s i s ta do pro j e to de Pesqu i sa
i n t i tu l ado : ‚A sá t i r a na poes i a de I ld ás i o Tavares : uma aná l i se da
coesão como fa tor de tex tua l i d ade‛ . T ra ta-se de um reco r te de
uma das aná l i ses rea l i z adas de e l emen tos tex tua i s/d i scu rs i vos ,
tendo como supor te teó r i co a L ingu í s t ica Tex tua l , buscando
most rar o quan to a coesão e a coerênc i a são impo r tan tes para
o es tabe l ec imen to da conexão en tre fa tores de ordem d i scu rs i va
e tex tua i s em a lguns poemas de I ld ás io Tavares .
Pa l av ras-chave : L ingu í s t ica tex tua l . D i scu rso . Poes i a ba i ana .
Resumen : Es te ar t í cu l o es resu l tado de inves t i g ac ión rea l i z ada
duran te e l proceso de i nves t i g ac ión c ien t í f i ca nombrado : ‚La
sá t i r a en l a poes í a de I ld ás io Tavares : un aná l i s i s de l a cohes ión
como fac tor de tex tua l i d ad ‛ . Es te es un ex t rac to de un aná l i s i s
r ea l i z ado en e l tex to/d i scurso , con e l apoyo de la l i ngü í s t ica teó-
r ica tex tua l , tr a tando de mos tra r cómo l a cohes i ón y l a coheren-
c i a son impor tan tes para es tab l ece r l a conex ión en t re l o s fac to -
res d i scurs i vos y tex tua les en a l gunos poemas de I ld ás i o Tava-
res .
Pa l ab ras-c l ave : L i ngu í s t i ca Tex tua l . D i scu rso . Poes í a ba i ana .
ISSN 2236-3335
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I NTRODUÇÃO
Ap l i cada pe l a p r ime i r a vez por Weinr ich , a L ingu í s t i ca de
Tex to , que se rve de base para en tendermos o p rocesso de
p rodução tex tua l , passou por um percu rso no qua l teor i as d i fe -
renc i adas mos t ravam o quan to seu desenvo lv imen to segu iu vá-
r i as ver ten tes , passando po r um momen to de tr ans ição , v is to
que an tes o tex to era encarado como uma es t ru tu ra acabada .
Tendo um es tudo vo l tado ao n í ve l da fr ase , pos te r io rmen te es te
ganha um novo rumo , sendo en tão cons iderado como uma a t i v i -
dade de comun i cação un i ve rsa l . (MUSSAL IM , 200 1 ) .
En t re tan to , fo i a par t i r da década de 1980 que es tud iosos
amp l i ar am a concepção de tex to , não que essa mudança tenha
s i do rad i ca l , opondo-se comp l e tamen te aos es tudos an ter io res ,
a té mesmo po rque an tes os es tudos eram vo l tados para os e le -
men tos coes ivos , pos ter i o rmen te , cons i de rado um dos se tes fa-
to res de tex tua l i d ade , cr i ados por Beaug rande e Dress l er ( 1997) .
P receden temen te , os es tud iosos da L ingu ís t i ca Tex tua l es tavam
ma i s in te ressados na aná l i se t r ans frás t i ca , também cons ide rada
por a lguns pesqu isado res como a cons t rução de g ramát i cas do
tex to , sendo depo i s essa concepção amp l i ada .
D i an te da g rande v i são s ign i f i ca t i va vo l tada para o tex to ,
Koch ( 2009 ) des taca que houve uma expansão no conce i to de
coerênc i a , a qua l passou a se r tr a tada como um fenômeno mai s
no táve l , formada a par t i r da i n teração en tre i n te r locu tores de um
de term inado a to comun i ca t i vo – o tex to e seus usuár ios , envo l -
vendo fa to res de ordem l i ngu í s t i ca , soc iocu l tura l , cogn i t i va e in -
te rac i ona l .
No caso des te t raba lho , l eva-se em cons ideração a pre-
sença de do i s fa tores responsáve is pe l a tex tua l i d ade , também
cons iderados como o mater i a l conce i tua l e l i n gu í s t i co do tex to ,
tendo como pon to de ancoragem a L ingu í s t i ca Tex tua l , buscando
compreender sua impo r tânc i a para a tess i tu ra tex tua l , a par t i r da
re l ação que aque l es es tabe l ecem com a l i n guagem e as cond i -
ções de produção de um dado tex to . Em segu ida , serão aborda-
dos a lguns pressupos tos teó r i cos da Aná l i se do D i scurso , p ro -
curando en tender de que modo esse campo de es tudo l i ngu í s t i -
co en tende e ana l i sa o tex to .
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Va le ressa l ta r que , nes te es tudo , se rão ana l i sados os tex-
tos poé t i cos de I ld ás io Tavares , um g rande poe ta ba i ano , ensa-
í s ta , compos i to r , t r adu tor e professo r . Ana l i sa r -se-á também a
mate r i a l i d ade l i ngu í s t i ca de seus tex tos , com base em vár ias te-
o r i as de es tud iosos desses do i s r amos da L i ngu í s t i ca .
A COESÃO E A COERÊNCIA
Também conhec ida como sequenc i ação tex tua l , a coesão ,
ass im como assegura Koch ( 2009) , é a mane i ra pe l a qua l os e l e -
men tos presen tes na superf íc ie tex tua l se veem in ter l i g ados , por
me io de recu rsos l i ngu í s t i cos , man tendo o sen t indo do tex to .
Sendo ass im , e l a garan te a p rogressão tex tua l e man tém o f io
d i scurs i vo . ( KOCH , 2009 )
Para Marcusch i ( 2008) , a coesão faz par te dos c r i té r io s
cons t i tu t i vos da tex tua l i d ade e preva l ece a tr avés da conexão
re fe renc i a l e a conexão sequenc i a l . A p r ime i r a se rea l i z a a par t i r
de aspec tos semân t i cos , e a segunda po r me io de e l emen tos
conec t i vos . O au to r a i nda a f i rma que para mu i tos es tud iosos e l a
é o c r i tér io ma i s impo r tan te da tex tua l i d ade .
A t ravés dessas premi ssas , percebe-se que e l a p romove o
re l ac i onamen to dos e l emen tos l i ngu í s t icos presen tes na superf í -
c i e tex tua l como cons ta tamos nos termos de Va l ( 1999 , p . 6 ) :
‚ advém da mane i r a como os conce i tos e re lações sub j acen tes
são exp ressos na superf íc i e tex tua l . Responsáve l pe l a un i dade
forma l do tex to cons t ró i -se a tr avés de mecan i smos g ramat i ca i s
e l ex ica i s . ‛
No que se refere à coesão referenc i a l , e l a pode ocor re r
com ou sem reco rrênc i a , como a f i rma Koch ( 2009 ) , sendo que
quando e l a é rea l i z ada com e l emen tos recor ren tes , tem-se des-
taque : reco rrênc i a de termos ; recorrênc ia de es t ru turas
( p ara le l i smo s in tá t ico ) ; reco rrênc i a de con teúdos semân t i cos
( pará fr ase) ; r eco rrênc i a de recu rsos fono lóg icos segmen ta i s e/
ou suprassegmen ta i s e recor rênc i a de tempo e aspec to verba l .
Já a coesão sequenc i a l é qua l i f i cada por Koch ( 2008 , p .
53 ) como a segunda moda l id ade de coesão tex tua l que d i z res-
pe i to :
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[ . . . ] a os p ro ced imen to s l i ngü í s t i c os po r me io do s q ua is s e
es t ab e l ecem , en t r e s egmen t os do t ex to ( en un c ia do s ,
p a r t es d e enunc ia dos , pa rág r a f os e s eqüênc i as t ex tua i s ) ,
d i v er sos t i p os d e r e l a ções semân t i c as e/ou p ragmá t i ca s ,
à med i da qu e s e faz o t ex to p rog red i r .
Dos e l emen tos coes i vos , en tão c i tados , des taca-se no po-
ema ‚ In tenção de Ou tono 3 ‛ a reco rrênc i a de tempo verba l e as-
pec to verba l , que por sua vez é c l ass i f i cada como uma coesão
re fe renc i a l :
. . . . Q u e r i a comp reende r o ou t on o , Tan t os e d i v e rso s ama re l os , Sa i a t a p eta ndo o ch ão . . . .
Percebe-se a presença de recor rênc ia do mesmo tempo
verba l – o imperfe i to do i nd i ca t ivo , a t ravés dos verbos ‚Quer i a‛
e ‚Sa i ‛ que , como menc iona Koch ( 2009 ) , func i onam como uma
i nd i cação ao le i to r , r e fe r indo-se ao segundo p l ano de uma nar -
ra t i va . Esse mecan i smo coes i vo va i assegurar a l i n ear id ade do
sen t ido presen te no tex to .
Sendo ass im , a reco rrênc i a de um mesmo tempo verba l , na
p rog ressão tex tua l , i nd i ca ao le i to r/ouv in te a mane i r a pe l a qua l o
tex to deve se r in te rpre tado . Será cons iderado como comen tado
quando o au to r assum i r a responsab i l i d ade do que d iz , se j a a-
t r avés de uma c r í t i ca ou op in i ão , ou como um re l a to quando não
houver um re l ac ionamen to os tens i vo do narrador com o que es-
tá sendo nar rado . ( KOCH , 2009) .
Va le ressa l ta r , ass im como des taca a au to ra , que em po r -
tuguês os tempos do mundo comen tado são o p resen te do i nd i -
ca t i vo , o pre tér i to per fe i to e o fu turo do presen te , enquan to os
tempos do mundo narrado são o pre tér i to imper fe i to , o pre tér i to
per fe i to s imp les , o p re té r i to mai s -que-perfe i to e o fu turo do ind i -
ca t i vo .
Já no poema ‚Ode ao s i l ênc io 4 ‛ , nos versos : ‚Não me im-
por ta o que tu/És ou não és ,/Mas o que tan to fos te/E que per -
s i s te ‛ , chamo a a tenção para a con junção ‚mas‛ , con j unção ad-
versa t i va conhec ida na Aná l i se do D i scurso como operado r a r-
gumen ta t i vo , v is to que o emprego argumen ta t ivo dos enunc i ados
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
não es tá apenas vo l tado para as in fe rênc i as , mas , sobre tudo
para a compreensão das man i fes tações l i ngu í s t i cas p resen tes
nos enunc i ados . ( DUCROT , 198 1 ) .
Todav i a , esse conec to r es tá func i onando como um e l emen-
to de coesão sequenc i a l que , para Ducro t ( 1980 apud KOCH ,
2008 , p . 73 ) e l e ‚ [ . . . ] pode exp r im i r um mov imen to ps i co l óg i co
en t re c renças , op in iões , emoções , dese j os , a inda que imp l í c i to s ,
quando or i en tados em sen t idos con t rár i o s . . . ‛ . No poema em
ques tão , po r tan to , o ‚mas‛ in t roduz o enunc iado de ou t r a ora-
ção , opondo-se ao que fo i d i to na o ração an ter io r ,
‚de te rmi nando - l h e a o r i en tação argumen ta t i va‛ . ( KOCH , 2008 , p .
72 ) .
No que tange à coerênc i a tex tua l , e l a é cons ide rada o fa tor
p r inc ipa l da tex tua l i d ade , po i s tem a ver com o sen t ido do tex to .
Enquan to a coesão assegura a l i gação en t re os e l emen tos pre-
sen tes na superf íc ie tex tua l , a coerênc i a conf i gura os conce i tos
e a re l ação sub j acen tes à super f í c i e tex tua l . (VAL , 1999) .
Uma vez sendo responsáve l por aspec tos semân t i cos ,
consequen temen te , dependerá do par t i l h ar de conhec imen tos
en t re os in ter locu to res , po i s se não houver essa re l ação , não
haverá a comun icação en t re e l es . Par t i ndo dessa ide i a , conc l u i -
se , no en tan to , que o s ign i f i cado de um tex to não es tá un i ca-
men te ne l e , uma vez que e l e também ganhará sen t i do de aco rdo
com a in te rpre tação do recep tor .
Sendo ass im , a d i scussão acerca da coerênc ia tex tua l nos
l eva a pensar nos va lo res e nas re l ações soc i a i s , cu l tu ra i s e
po l í t i c as , po i s ta i s fa to res são pr imo rd i a i s para a i n teração en t re
os in ter locu to res , po i s só podemos cons i de ra r como um tex to ,
quando e l e for cons t i tu ído em to rno de um s ign i f i cado .
A par t i r dessas premi ssas e das teor i as , en tão menc iona-
das , em re l ação à coerênc i a tex tua l p resen te no poema , é pos-
s í ve l cons ta ta r a necess idade do conhec imen to de mundo po r
par te do recep to r , para que a mensagem p resen te se j a in te rpre-
tada de mane i r a lóg ica e , por f im , ha j a in teração en tre os i n ter l o -
cu tores , o que s ign i f i ca a p resença de um tex to coeren te . Por -
tan to , é necessár i o que o recebedo r tenha conhec imen to de que
o ou tono é uma das es tações do ano , que marca a t r ans i ção
en t re o verão e o i nve rno , tendo como pr inc ipa l carac ter í s t i ca a
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mudança da co loração das fo lhagens das árvo res , passando pa-
r a tons amare l ados e averme lhados : ‚Quer i a compreender o ou-
tono ,/Tan tos e d i ve rsos amare los ,/Sa i a tape tando o chão ‛ .
O D ISCURSO
É p ruden te des tacarmos que o sen t ido de um tex to , para a
L ingu í s t i ca Tex tua l , depende da capac idade de comun i cação en-
t re os i n te r l ocu to res . Por con ta d i sso , o sen t ido es tá es t re i ta-
men te l i g ado à noção do con teúdo p resen te no tex to .
Em se t r a tando da Aná l i se do D i scurso , ou t r a base teó r i ca
dos es tudos l i ngu í s t i cos , os sen t i dos de um tex to não es tão
guardados para serem encon trados . E l a se preocupa com a
ques tão de como os sen t i dos são produz idos, ou se j a , tomando
as pa l av ras de Or l and i ( 2008 , p . 19 ) , ‚ a f in a l i dade do ana l i s ta do
d i scurso não é in terpre tar mas compreender como um tex to
func i ona , ou se j a , como um tex to p roduz sen t idos . É prec i so
l emb rar que nes ta f i l i ação teór ica não há sen t ido em s i . . . ‛
Devem-se l evar em con ta do i s pon tos impo r tan tes ao con-
s i de rarmos a Aná l i se do D i scurso como base para uma aná l i se
tex tua l ; a ‚ma ter i a l i d ade l i ngu í s t i ca – i n tr ad i scurso ( espaço da
tex tua l i z ação ) e o i n terd i scurso (espaço da memór i a ) . ( D IAS ,
2007 , p . 12 ) . Nessa perspec t i va , tomando como base o poema
‚Rondó da ca l çada5 ‛ , sob re tudo a segunda es trofe :
O sonho fo i aco rd ado P o r r eg resso e po r d es o rd em . Vamos s en ta r na ca l çad a E ve r o b lo co p ass a r .
Os do i s ú l t imos versos ‚Vamos sen ta r na ca lçada/E ver o
b loco passar . ‛ carregam o sen t ido de des i l u são , represen tando o
homem sem esperança e sem so l ução para a sua v i da . Nesses
do i s versos , também ocor re o in te r tex to 6 com a canção ‚A ban-
da‛ de Ch i co Buarque 7 . Fa l a r do i n ter tex to é d izer o que ex i s te
em comum com as vozes p resen tes nos textos envo lv idos . Em
re l ação ao poema menc ionado e a canção de Ch i co Buarque ,
cada um es tá empregado em um con tex to soc ioh i s tór i co d i f eren-
te . Po rém , o pon to em comum é que ambos fazem denúnc i as
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soc i a i s (mesma temát i ca) . Enquan to a canção se re fe re à d i tadu-
ra mi l i t a r , s i tu ação em que o Bras i l passava na década de 1960 ,
o poema most ra o descon ten tamen to com o pa í s nos d i as a tua i s
( 20 10 ) .
No en tan to , cons ta ta-se que fa l ar da i n te r tex tua l i dade é
mos t rar o d i á l ogo 8 e a re l ação ex i s ten te en tre e l es , não é ne-
cessár io que es te jam empregados em um mesmo con tex to h i s tó-
r ico . As mensagens em cada um de l es ap resen ta rão uma época ,
re f l e t i ndo acon tec imen tos reco rren tes e , toda vez que são re-
l embrados ( a memór i a d i scurs i va va i sendo rea t i vada ) , vão ga-
nhando novos sen t idos , também conhec i dos como i n terd i scurso 9 .
Com base nessa concepção , o verso : ‚Po r reg resso e po r
deso rdem‛ , pará f r ase da mensagem presen te na bande i r a do
Bras i l ‚Ordem e Prog resso ‛ , tem o ob j e t ivo de descons tru i r a
i de i a presen te na mensagem da bande i r a , f azendo uma denúnc i a
da verdade i r a s i tuação bras i l e i r a . No que d iz respe i to à paród i a ,
San t ’Anna ( 2000 ) af i rma que é uma fo rma de r id i cu l ar iz ar ou
con tes ta r ou tro tex to .
Sendo ass im , o tex to l i te r ár io terá vár io s s ign i f i cados , po i s
é cons t i tu í do por d i á logos en tre a superf íc ie de vár i os tex tos ,
a l ém de ter i n te r fe rênc i as soc iocu l tura i s do escr i tor e do le i to r , a
depender do con tex to h i s tór i co e i deo lóg i co em que se encon t ra .
CONSIDERAÇÕES F INA IS
Ana l i sa r a l guns poemas de I l dás io Tavares serv iu para de-
p reender que mu i tos dos e l emen tos de tex tua l i d ade usados pe lo
au tor fo i uma esco lha consc i en te , po i s ta i s e l emen tos apon tam
para um g rau a l to de denúnc i a de fa tos soc i a is .
No ta-se a impo r tânc i a dos e l emen tos de tex tua l i d ade e do
d i scurso , sobre tudo da coesão tex tua l para a cons trução e or -
gan ização de um tex to . No caso do presen te ar t igo , buscou-se ,
a t r avés de uma b reve aná l i se tex tua l /d i scu rs iva , cor roborar com
os es tudos sobre os fa tores de tex tua l i d ade para a compreen-
são con tex tua l , o que se dá com a le i tu ra cons tan te de d i f eren-
tes mater i a i s , desembocando ass im na coerênc i a tex tua l .
Sendo ass im , des tacou-se que a par t i r dos conhec imen tos
de tex tua l i d ade e da ques tão do d i scu rso , que por sua vez é
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i ncomp l e to e aber to , presen te no tex to , os ob j e t i vos foram a l -
cançados , po i s pe rmi t iu me lho r en tender como a in tenc i ona l id ade
do au tor pôde se r i n te rp re tada , a tr avés dos mecan i smos cons t i -
tu t i vos do tex to , segundo a L ingu í s t ica Tex tua l .
REFER ÊNC IAS
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J 71
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
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ção dos sen t i dos . 3 ed . Camp i nas-SP : Pon tes , 2008 .
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ed . São Pau l o : Á t i ca , 2000 .
TAVARES , I l d ás i o . 50 poemas esco l h idos pe l o au to r . R i o de Ja-
ne i r o : Ga l o B ranco , 2006 .
NOTAS
1 Bo l s i s t a PROB IC/UEFS .
2 Depar t ament o de Let r as e Ar tes ( DLA ) .
3 O poema comp le to encon t r a- se em anexo .
4 O poema comp le to encont r a- se em anexo .
5 O poema comp le to encont r a- se em anexo .
6 Ma ingueneau ( 1 976 , p . 3 9 apud Koch 2007 ) a f i rma que ‚um d i scur so
não vem ao mundo numa inocen te so l i t ude , mas const ró i- se at r avés
de um j á d i t o em re l ação ao qua l t oma pos i ção .
7 A canção ‚A banda‛ de Ch i co Buar que dó i ex t ra í d a do s i t e : ht tp ://
l e t r as . t er r a . com .b r/ch i co -buarque/45099/
8 An tes do t ermo in t er tex to , Bakh t in (2005) j á h av i a cunhado um
conce i t o pa r a a i n t er pene t r ação de um t ex t o em out ro , a que e l e
chamou de ‚d i a l og i smo‛ .
9 Segundo Or l and i ( 2001 ) , o in t er d i scur so é todo o con jun to de for -
mu lações f e i t as e j á esquec i d as que dete rm in am o que d i zemos .
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ANEXOS
I n tenção de ou tono
Quer i a compr eender o ou t ono , t an to s e d iver sos amar e lo s , ca i n do e at ape t ando o chão .
F ác i l e o ver ão , seu espet ácu lo de so l sobre o azu l . E a pr imaver a com seu r ama lh et e de b romé l i as f ebr i s ; d e acác i as
e de or qu í deas se lvagens.
Quer i a compr eender o ou t ono , seus amar e lo s que caem ;
sua i n t enção de aos poucos avançar a t é a neve – o inve rno
com seu hor i zon t e de chumbo .
Ode ao s i l ênc io
Ves t i o s i l ên c i o com t eu r o sto .
Na passagem das hor as , f i que i menos só ; f i que i ma i s t r i s t e .
Soment e ao const r u i r
a t u a ausênc i a é que pude en t ender
de que cons i s te .
Não me impor t a o que t u és ou não és ,
mas o que t an t o fo s t e e que per s i s t e ,
o rnamen t ado o s i l en c io .
As pa l avr as te recr i am
do f undo i r r e t ocáve l do passado como uma s i l huet a móve l .
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
Rondó da ca lçada
Não há ma i s o que f azer o dado j á f o i l an çado :
vamos sen t ar n a ca l çada e ver o b lo co passar .
O sonho fo i aco rdado
por r egr esso e por desor dem . Vamos sen t ar n a ca l çada
e ver o b lo co passar .
Descar r egue a escopet a e j ogue fo r a a marm i t a :
vamos sen t ar n a ca l çadae e ver o b lo co passar .
A esper ança empardeceu
a t é na mesa de bar : vamos sen t ar n a ca l çada
e ver o b lo co passar .
E nquant o ex i st i r ca l çada . E nquant o o b l oco passar .
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O CONTEXTO E O I NT ERTEXTO NA MÚS ICA PRA NÃO D IZER QUE NÃO FALE I DE FLORES , DE
GERALDO VANDRÉ
Adr i ana A lves San t ana
L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
d r i c a a l v e s 20 @h o tma i l . c o m
Joseane de Jesus Per e i r a Ar au jo L i cen c i a t u r a em Le t r as V erná cu la s
a nny l ev i t a 36@ho tma i l . com
La i l a Ke l l y A lme id a Jesus , L i cen c ia t u ra em Let ra s V e rn á cu las
k e ly .a l eme id a@yahoo . com .b r
Te lma de O l i v e i r a San t ana L i cen c ia t u ra em Let ra s V e rn á cu las
t e lma o l i v e i r a3 2@gma i l . c om
Resumo : A mús i ca P ra não d izer que não fa l e i de f l o res , do
compos i tor b ras i l e i ro Gera ldo Vandré , tem grande impo r tânc i a na
h i s tó r i a po l í t i co -soc i a l do Bras i l e suas con t r i bu i ções para a
t r ans formação da soc i edade bras i l e i r a perdu ram a té os d i as
a tua i s . A le t r a de uma mús ica t r az cons igo pensamen tos de uma
época , ideo l og i as e carac te r í s t i cas da cu l tura de um povo e ,
como um tex to , é formada po r e lemen tos p ragmát icos que
t r azem in format i v id ade e a s i tuc iona l id ade de sua compos i ção .
Nes te t r aba l ho , abo rdamos os aspec tos p ragmát icos como a
i n ter tex tua l i d ade e o con tex to h i s tór ico da época – a década de
60 e sua in te r ferênc i a na compos i ção da mús ica .
Pa l av ras-chave : Con tex to ; I n ter tex to ; Década de 60 .
Resumen : La mús ica P ra não d izer que não fa l e i de f lo res , de l
can tau tor bras i l eño Gera ldo Vandré , t i ene g ran impo r tanc i a en l a
h i s to r i a soc i a l y po l í t i c a de Bras i l y sus con tr ibuc i ones a l a
t r ans formac i ón de l a soc iedad bras i l eña pers is te has ta hoy . La
l e t r a de una canc i ón tr ae pensami en tos de una época , l as
i deo log í as y l as carac ter í s t i cas cu l tu ra l es de un pueb l o y ta l cua l
ISSN 2236-3335
J 76
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un tex to , es tá formada por e lemen tos p ragmát i cos que tr aen
s i tuc iona l i d ad e in fo rmat i v i d ad en su compos i c ión . En es te
t r abaj o se abordan los aspec tos p ragmát i cos ta l es como l a
i n ter tex tua l i d ad y e l con tex to h i s tó r i co de l a época - lo s años 60
y su in f lu enc i a en l a compos ic ión mus i ca l .
Pa l ab ras-c l ave : Con tex to , I n te r tex to , Decen i o 60 .
INTRODUÇÃO
Nes te ar t i go , propomo-nos a faze r uma aná l i se sobre os
f a to res de tex tua l i d ade presen tes na mús ica ‚Pra não d izer que
não fa le i de f lo res ‛ 1 do compos i to r b ras i l e i ro Gera ldo Vandré .
Para tan to , es te tr aba lho cons i s te na aná l i se dos fa tores
p ragmát icos de con tex tua l i d ade , em que a mús ica fo i p roduz i da ,
e de in te r tex tua l i d ade encon t rada na l e t r a da canção a par t i r do
re fe renc i a l teó r i co das au toras Mar i a da G raça Va l ( 199 1 ) e
Ingedore V i l l aça Koch & Vanda Mar ia E l i as ( 2009 ) .
A esco l ha desse t ipo de tex to jus t i f i ca-se por en tendermos
que a mús i ca , como qua l quer ou t ro tex to , busca de a l guma
forma tr ansm i t i r i n formações ao recep to r , p r inc i pa lmen te as que
foram compos tas en t re as décadas de 60 e 80 , que gera lmen te
ev idenc i am a s i tuação soc ia l , po l í t i c a e a va l or iz ação cu l tu ra l da
época . Como af i rma Bak th in ( 1997 :330) , todo tex to tem um
su je i to , um au to r ( que fa l a , esc reve) . Formas , aspec tos e
subaspec tos que o a to do au to r pode assum i r . I sso jus t i f i ca a
esco lha da mús i ca de Gera ldo Vandré para es ta aná l i se , po r
es te ser um compos i tor que desper tou po l êmi ca pe l a sua
mane i r a d i r e ta de a tacar o governo . A mús ica sempre fo i
u t i l i z ada para exp ressar pensamen tos e i deo l og i as e mu i tas
vezes u t i l i z ada por man i fes tan tes em seus p ro tes tos e
re i v ind icações . D i an te da r i queza de e l emen tos que cons t i tu i a
l e t r a de uma mús i ca , achamos per t i nen te a u t i l i z ação desse
gênero tex tua l em nossa aná l i se .
A mús i ca de Gera ldo Vandré t r az uma temát ica re l a t i va ao
momen to h is tór ico-po l í t i co -soc i a l da década de 60 , momen to em
que o Bras i l , após um go lpe de es tado , v iv i a em p l ena d i tadura
m i l i t a r . A par t i r dessa aná l i se , ob je t ivamos fazer a compreensão
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do sen t ido do tex to numa perspec t i va h i s tór i ca e a tua l , ten tando
cor re l ac ionar o in te resse do au tor na compos i ção da mús i ca
com os acon tec imen tos h i s tó r i co-soc i a i s , tendo em v i s ta que a
mús ica ap resen ta a mane i r a como o au tor compreende os fa tos
e reve l a , mu i tas vezes de fo rma f igura t iva , a mob i l i z ação
popu l ac iona l con t r a a censura v i v ida na época , tr ansm i t i ndo ,
ass im , uma v i são cr í t i ca da rea l i d ade dos anos 60 .
Nossa ten ta t iva é fazer com que o l e i to r a tua l conheça a
h i s tó r i a do seu pa í s e passe a reconhecer a impor tânc i a da
mús ica ‚P ra não d izer que não fa le i de f lo res ‛ no con tex to
po l í t i co -soc i a l do Bras i l , como também as suas con tr ibu ições
para a tr ans fo rmação da h i s tór i a da soc i edade bras i l e i r a a té os
d i as de ho j e .
CONTEXTO H ISTÓRICO
A músi ca ‚P ra não d izer que não fa l e i de f lo res ‛ do can to r
e compos i tor Gera ldo Vandré fo i compos ta no ano de 1968 . Esse
ano fo i marcado por d i ve rsos acon tec imen tos tan to no Bras i l
quan to no mundo . Fo i um ano que marcou a h i s tó r i a mund i a l em
todos os seus aspec tos , como con f i rma Lopes R . ( 2008) ao d izer
que depo i s de 1968 o mundo nunca ma is ser ia o mesmo . Nesse
ano acon tec ia a Guerra no V i e tnã , a P r imavera de Praga , houve
o assass ina to de Mar t in Lu ther K ing e Rober t Kennedy , o
Fes t i va l de C inema de Cannes . No Bras i l , fo i impos to o A I-5 e o
houve surg imen to de mov imen tos como a T rop icá l i a , e tc .
A canção fo i compos ta em p l ena d i tadura m i l i t a r , quando o
governo Méd i c i prend i a , tor turava e ex i l ava mu i tas pessoas .
Hav i a a censu ra no tea t ro , na TV , no c i nema , na mús i ca e a té
nas un ivers idades , o que imposs i b i l i t ava a ge rmi nação de uma
cu l tura cr í t i ca . Po r esses mo t i vos , surg iu naque l a época uma
e fervescênc i a de mov imen tos con t rár io s à d i tadura . É nesse
cenár i o que a mús ica en t rou como um impor tan te ob j e to de
p ro tes to u t i l i z ado nas passea tas pe los d ive rsos grupos de
man i f es tan tes .
‚Pra não d i ze r que não fa l e i de f lo res ‛ , também conhec i da
por ‚Caminhando ‛ , fo i a v ice-campeã do 2º Fes t i va l In te rnac iona l
da Canção e fo i cons iderada um h ino con t r a a d i tadu ra por se r
J 78
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
uma af ron ta d i re ta ao governo e à tor tu ra a que a lguns eram
submet idos pe los mi l i t a res . Em seus versos , Vandré c i ta a l u ta
a rmada e a imob i l i d ade das pessoas que de fend i am a d i p lomac i a ,
cr i t i ca os mov imen tos que pregavam ‚paz e amor ‛ , mos t rando
que de nada ad i an tava ‚ fa l a r de f lo res ‛ àque les que a tacam com
armas . Por esse mo t ivo , a canção fo i p ro i b id a e Gera ldo Vand ré
teve que i r para a Europa e du ran te anos fo i comp l e tamen te
esquec ido pe l o púb l i co .
Gera ldo Ped roso de Araú j o D i as Vand reg í s i l o , o Gera l do
Vandré , nasceu na C idade de João Pessoa , Para íba , em 12 de
Se tembro de 1935 , era um can tor popu l a r de fa l a du ra e ob j e t iva ,
qu e compôs vár i a s mús i c as como ‚B and e i r a B ran ca ‛ ,
‚D i sparada‛ , ‚Sonho de um carnava l ‛ , en tre ou tr as . F i cou ma i s
conhec i do a tr avés da mús ica ‚Pra não d izer que não fa le i das
f lo res ‛ , na qua l assumiu de forma mai s in tensa o seu cará te r
ques t ionado r e o fens i vo con t ra o reg ime d i ta to r i a l e po r con ta
d i sso fo i ex i l ado du ran te o AI -5 . Após o ex í l i o , Vandré compôs a
mús ica ‚ Fab i ana‛ em homenagem à Fo rça Aérea Bras i l e i r a ,
abandonou a v ida púb l i ca e v i veu a fas tado do mundo ar t í s t i co .
Con tam-se duas l endas sobre o ex í l i o de Gera ldo Vandré : a
p r ime i r a , e mai s d i fund ida , é que e l e fo i p reso , to r tu rado e
cas t r ado e como consequênc i a te r i a en louquec ido ; a segunda é
que e l e fez um acordo com os ó rgãos de rep ressão na sua
vo l ta e , para tan to , compôs ‚Fab i ana‛ . No en tan to , de acordo
com e le , e l e não ter i a s ido preso , s imp l esmen te abandonou o
pa í s pe l a persegu ição que so fr i a .
A mús i ca fo i rea lmen te um produ to da época e fo i
compos ta de acordo com o con tex to em que a soc iedade
es tava envo lv ida naque l e momen to . E como o con tex to pode ,
rea lmen te , de f in i r o sen t i do do d iscu rso e , no rmalmen te , or ien ta
tan to a p rodução quan to a recepção , o au to r compôs a l e tr a da
mús ica com o ob je t i vo de p ro tes ta r con tr a o s i s tema d i ta tor i a l .
De acordo com Koch & E l i as ( 2009) , o tex to é lugar de i n teração
de su je i tos soc ia i s , os qua i s , d i a l og i camen te , ne l e se cons t i tuem
e são cons t i tu ídos . A mús i ca de Vandré é um tex to que busca
i n terag i r com a soc iedade , com a in tenção de desper ta r as
pessoas que ass im como e l e es tão v i vendo sob o j ugo da
d i tadura , en t re tan to , esse tex to não in terage somen te com a
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soc i edade de 1968 , é um tex to de sen t ido a tua l que fa l a da lu ta
soc i a l e da busca po r mudanças tan to po l í t i c as quan to
educac iona i s e soc i a i s .
A mús i ca , a l ém de se r um p ro tes to , é uma chamada à
m i l i t ânc i a pe l a l i b er tação da d i tadu ra . E todas as camadas soc i a i s
sen t i r am-se inser id as nesse conv i te . Nos do is pr ime i ros versos ,
o au tor d iz : ‚Caminhando e can tando e segu indo a canção/
Somos todos igua is b raços dados ou não‛ . Es ta f r ase também
nos mos tra que , independen te de c renças e i de i as , as pessoas
são igua i s , es tando e l as do mesmo l ado ou não . Em ou tro
p ar ág r a fo , e l e d i z : ‚N as esco l a s , n as ruas , c ampo s ,
cons t ruções‛ , o que s ign i f i ca que as man i f es tações e ram
compos tas de pessoas de d i versos amb ien tes , mas que
possu í am o dese j o de mudanças em comum: agr i cu l to res ,
j orna l i s tas , i n te lec tua i s , pad res e b i spos . A mane i r a encon t rada
para pro tes ta rem pe los seus d i re i tos era jun tar aque les que
também possu í am i de i as de mudança e dese jo por um pa í s
me lhor .
Segundo Dárc i o F ragoso 2 , Vand ré fo rmou -se em d i re i to e
se in teressava por mov imen tos es tudan t i s , era membro do CPC
(Cen tro Popu l a r de Cu l tu ra) e da UNE (Un i ão Nac iona l dos
Es tudan tes ) , era um mi l i t an te dos mov imentos que surg i r am
con t ra a d i tadu ra e , po r tan to , t inha conhec imen to sobre o que
es tava escrevendo e com que i n tenção es tava escrevendo .
Com base nesses p ressupos tos h i s tór icos , passaremos aos
e l emen tos de coesão e coerênc i a presen tes no tex to da mús i ca .
INTERTEXTUAL IDADE
A in ter tex tua l i d ade ocor re quando , em um tex to , es tá
i n se r ido ou t ro tex to ( in te r tex to ) an ter i o rmen te p roduz ido , que faz
par te da memór i a soc i a l de uma co le t i v id ade . Segundo Va l ( 199 1 ) ,
o in te r tex to é o que faz um tex to dependen te do conhec imen to
de ou t ros . Inúmeros tex tos só fazem sen t ido quando en tend i dos
em re l ação a ou t ros tex tos , que func ionam como seu con tex to .
No caso da mús ica de Gera ldo Vand ré , percebemos que os
i n ter tex tos u t i l i z ados es tão nos acon tec imen tos da época , o
s l ogan de paz ‚ Faça amor e não faça a guerra ‛ , as
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man i f es tações e pa l av ras de o rdem: ‚Só o povo organ izado
conqu i s ta o poder‛ , gr i tadas nas caminhadas .
Segundo Koch & E l i as ( 2009 ) , a i n te r tex tua l i dade oco rre de
forma imp l í c i t a , quando não há c i tação expressa da fon te , ou
exp l í c i t a , quando há c i tação da fon te do in te r tex to . Na mús i ca de
Vandré , não percebemos a pr inc í p io a lguma in te r tex tua l i d ade . No
en tan to , em sua produção predomina uma in ter tex tua l i d ade
imp l í c i t a , po i s ocor re sem c i tação exp ressa da fon te , cabendo ao
i n ter l ocu to r recuperá- l a na memór i a para cons t ru i r o sen t i do da
canção . Só após a adesão de a lguns conhec imen tos de ou t r as
mús icas compos tas po r e l e e por compos i tores da época ,
podemos en tão iden t i f i car a lgumas i n ter tex tua l i d ades . Ve j amos :
A u t i l i z ação da pa l avra ‘ f lo res ’ no t í tu lo da mús ica é uma
r e tomada à ide i a in ic i ada por Ch ico Buarque de Ho l anda na
compos i ção da peça Roda V iva :
P a ra nó s , no Un iv e rs o
Só ex is t e p az e amo res Nós só ca n tamos um ve rso
Que f a l a em f l o res , f l o r es , f l o r es . H á qu em nos fa l e d e gu e r ra
Mo r t e , m i s é r i a t e r r o res Quando no s fa l am d e t e r ra
P l a n t amos f l o res , f l o r es , f l o r es .
Segundo Da l ton 3 , o t í tu lo da mús i ca de Vandré é a
con t inuação de um d i á logo com a peça de Ch i co Buarque . A inda
segundo Da l ton , há um d iá logo ar t í s t i co de cunho soc i a l en tre
Vandré e Ch i co Buarque em d iversas mús icas compos tas por
e l es . O que percebemos também nos segu in tes versos de
Vandré :
Cam in hando e ca n ta ndo e s egu i ndo a can çã o
Somos t od os i gua i s b ra ços da dos o u não
E l es se asseme l ham aos versos de Ch ico Buarque na
mús ica ‚Marcha para um d i a de So l ‛ :
Eu qu e ro ve r um d ia
Numa s ó ca n ção
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O pob re e o r i c o Andando mão a mão .
Em d i á logo com suas própr i as canções , Vandré re tomou ,
nessa mús ica , tr echos per tencen tes à ou t r a compos i ção sua , a
mús ica ‚Sonho de um carnava l ‛ , no t r echo :
E ra uma can çã o , Um s ó co rdã o . E uma von ta d e
De t oma r p e l a mão De cad a i rmão p e la c id ad e .
Esse t recho compara-se com os versos :
Pe la s ru as ma rch ando i nd ec i sos co rdõ es A in da fa z em da f l o r s eu ma is f o r t e re f rã o
Nos versos : ‚Nos quar té i s lhes ens inam an t ig as canções ,
de morrer pe l a pá t r i a e v i ve r sem razão ‛ , parece f i car exp l í c i to
que essas an t ig as canções d izem respe i to ao ref r ão do H ino da
Independênc i a do Bras i l :
B rava gen t e b ras i l e i r a L onge vá t emo r s e rv i l ; Ou f i ca r a pá t r i a l i v r e , Ou mo r r e r p e lo Br as i l . Ou f i ca r a pá t r i a l i v r e , Ou mo r r e r p e lo Br as i l
. Esse h ino con t r a a d i tadu ra represen ta as passea tas que
reun i am , em sua ma ior i a , j ovens que en toavam h inos e mús i cas .
A l e t r a da mús i ca é uma represen tação da rea l i d ade e por i sso
é também um tex to in format i vo a t r avés do qua l é poss í ve l
compreender os acon tec imen tos soc i a i s da época . Observamos ,
en tão , que a mús i ca de Vandré é cons t i tu íd a a par t i r de vár i as
ou tr as l e i turas e a i den t i f i cação da in ter tex tua l i d ade imp l í c i t a ou
exp l í c i t a presen te no tex to va i depender do conhec imen to de
mundo possu ído pe l o le i to r e da recuperação de i n formações
i n ter i o r iz adas na sua memór i a , para que ass im se cons t rua o
sen t ido do tex to .
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CONSIDERAÇÕES F INA IS
De acordo com Bak th in ( 1997 : 334) , o a to humano é um
tex to po tenc i a l e não pode ser compreend i do (na qua l id ade de
um a to humano d i s t i n to da ação f í s ica ) fora do con tex to
d i a lóg i co de seu tempo (em que f igu ra como rép l i ca , pos ição de
sen t ido , s i s tema de mo t i vação) . Nesse sen t i do , a mús ica de
Gera ldo Vand ré é bas tan te c l ara para aque l es que se
fam i l i ar i z aram com a década de 60 . Para ou t ros , no en tan to , e l a
tem a função de consc ien t i z ar e in formar sobre o ano de 1968 e
os demai s que se segu i r am de d i tadu ra m i l i t a r , f azendo repensar
sobre a t i tudes e i dea i s , sob re o ve lho e o novo , e como o
d i tado ‚um por todos , e todos con t ra um‛ fo i tão in tenso
duran te aque l es anos . Os es tudan tes daque l a época podem não
te r de rrubado a d i tadu ra , mas fo ram v is tos como par te
impor tan te e ind i spensáve l na h i s tór i a do Bras i l . D i fe ren temen te
desses , os j ovens de ho j e parecem não lu ta r pe los seus
i n teresses , apenas rec l amam pe l a i n sa t is f ação con t ra a
cor rupção , a i n jus t i ça e todos os prob l emas soc i a i s , mas não
passam de rec l amações , não há lu ta , pe lo menos tão express i va
como as da década de 60 , pe l a cons trução de uma soc i edade
me lhor e democrá t i ca .
Mesmo depo i s de 40 anos , essa compos i ção a inda pode
expor-nos a impor tânc i a da lu ta pe l os nossos ob je t i vos , dese jos
e idea i s , mas pr inc ipa lmen te como o conhec imen to dos própr ios
d i r e i tos e deveres é impresc ind í ve l para que se cons t rua uma
soc i edade me l hor e democrá t i ca , a l ém de ser o nosso pr inc ipa l
dever como c idadão . A tua lmen te a canção fo i u t i l i z ada , ma i s
p rec i samen te em 2006 , como in ter tex to numa propaganda do
Governo Federa l , u t i l i z ada como t r i l h a sono ra de campanhas de
po l í t i c as de educação como o PROUNI – Programa Un ivers i dade
Para Todos , que oferece bo l sas de es tudos em ins t i tu ições de
educação super io r p r i vadas – e o ENEM, Exame Nac iona l do
Ens ino Méd io , que a l ém de se r usado se lec ionar bo l sas do
PROUN I , também é u t i l i z ado no processo se l e t i vo de facu ldades
de todo o pa í s . Fo ram execu tados t rechos i so l ados e num r i tmo
d i f eren te do or i g in a l . Dessa fo rma , a mús ica que fo i cons i de rada
uma ameaça ao Governo D i ta tor i a l passou a ser usada para a
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pub l i c id ade do governo no per íodo da democrac i a .
Segundo Marcusch i ( 2008) o tex to é uma en t i d ade
s i gn i f i ca t iva e de ar te fa tos sóc i o-h i s tór icos , at r avés do qua l se
recons t ró i o mundo , po r i sso e le pode se r u t i l i z ado e/ou
reu t i l i z ado de acordo à i n tenc iona l i d ade e a s i tuac iona l i dade do
momen to . De aco rdo com Koch & E l i as ( 2009) , o tex to tem uma
ex i s tênc i a independen te do au tor e en t re a p rodução do tex to
esc r i to e a sua l e i tura , pode passar mu i to tempo , por tan to , as
c i r cuns tânc i as da escr i ta ( con tex to de p rodução) podem ser
abso lu tamen te d i f eren tes das c i r cuns tânc i as da l e i tura ( con tex to
de uso) . Fo i exa tamen te o que acon teceu com a mús ica de
Vandré . Mu i tos que a escu tam ho j e não conseguem absorver a
i n tenc iona l i d ade do au to r no momen to da escr i ta , acham a l e t r a
bon i ta e mo t i vadora , mas não conseguem l igá- l a ao per í odo da
D i tadura Mi l i t ar .
Ao reu t i l i z a r a mús i ca , o Governo Federa l ob je t i vou
a l cançar ou tro t ipo de púb l i co . Um púb l i co que , de ce r ta mane i r a ,
se i den t i f i ca com a le t r a e se enxerga den t ro de l a , po rém , não
conhece a sua h i s tó r i a . Ao con t rár io do que fez Vandré , a
i n tenção do Governo não fo i a de mob i l i z ar a popu l ação para
marchar e lu ta r pe l os seus d i r e i tos , mas s im de incen t i var os
j ovens a ace i ta r os seus i n teresses e de ce r ta forma lu ta r ao
seu favor .
REFERÊNC IAS
BAKHTIN , M ikha i l . Es té t i ca da c r i ação verba l . 2 . ed . São Pau l o :
Mar t in s Fon tes , 1997 .
DALTON . Roda v i va – O d i v i so r das f lo res . MPB Sap iens .
D i spon í ve l em : <h t tp ://mpbsap i ens .com/roda-v i va-o-d iv i so r -das-
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FRAGOSO , Dárc io . Mús icas bras i l e i r as de todos os tempos .
D i spon í ve l em : <www.pa ixaoeromance .com > . Acesso : 13 ma io
20 10 .
KOCH , I n gedo re V i l l a ç a ; E L IAS , V anda Ma r i a . Ler e compreender :
os s en t i d o s do t ex to . 3 . ed . S ã o Pa u lo : C on tex to , 2 009 .
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LOPES , Re ina ldo José . O ano que sacud iu o mundo . Rev i s ta
Aven turas na H i s tó r i a , n . 58 , p . 24-37 , ma i o , 2008 .
MARCUSCHI , Lu iz An tôn i o . Produção tex tua l , aná l i se de gêneros
e compreensão . São Pau l o : Parábo l a Ed i to r i a l , 2008 .
VAL , Mar i a da Graça Cos ta . Redação e tex tua l i d ade . Mar t i n s
Fon tes , 199 1 .
VANDRÉ , Gera l do . P ra não d izer que não fa le i das f lo res . São
Pau lo : D i scos RGE-Fermata , p . 1979 . 1 LP .
NOTAS
1 A l e t r a da mús ica Pr a não d i ze r que não f a l e i de f lo res encont r a- se
em anexo .
2 Dár c io F r agoso é pesqu i sador , h i sto r i ado r mus ica l e d ivu lg ador de
m ú s i c a s p o p u l a r e s b r a s i l e i r a s , D i s p o n í v e l e m < h t t p : / /
www.pa i x aoer omance . com . br > , acesso em : 1 3 ma io 201 0 .
3 Da l t on é ana l i s t a e pesqu i sador mus i ca l . D i spon íve l em
<www .mpbsap iens. com > . , acesso em : 13 ma io 2010 . .
ANEXO
P ra não d izer que não fa l e i de f lo res
Ger a ld o Vand ré
Cam inhando e can t ando E segu in do a canção Somos t odos i gua i s
B r aços dados ou não Nas esco l as , n as r u as Campos , const ruções
Cam inhando e can t ando E segu in do a canção Vem, vamos embor a
Que esper ar não é saber Quem sabe f az a hor a Não esper a acont ece r
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Pe lo s campos há fome Em gr andes p l an t ações Pe l as ru as marchando
Indec i sos cordões A inda f azem da f l o r
Seu ma i s fo r t e r ef r ão E acr ed i t am nas f lo res Vencendo o canhão Vem, vamos embor a
Que esper ar não é saber Quem sabe f az a hor a Não esper a acont ece r Há so ld ados a rmados
Amados ou não Quase t odos perd i dos
De a rmas na mão Nos quar t é i s l hes ens in am
Uma an t ig a l i ç ão : De mor r er pe l a pát r i a E v iver sem r azão
Vem, vamos embor a Que esper ar não é saber
Quem sabe f az a hor a Não esper a acont ece r Nas esco l as , n as r u as Campos , const ruções Somos t odos so ld ados
Armados ou não Cam inhando e can t ando
E segu in do a canção Somos t odos i gua i s
B r aços dados ou não Os amo res na ment e As f l o r es no chão
A cer teza na f r en t e A h i st ó r i a n a mão
Cam inhando e can t ando E segu in do a canção
Apr endendo e ens i n ando Uma nova l i ç ão
Vem, vamos embor a Que esper ar não é saber
Quem sabe f az a hor a Não esper a acont ece r
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O PROCESSO DE T RANSPOS IÇÃO DE
L INGUAGEM NA OBRA O PAGADOR DE P ROMESSAS
Nayar a Carne i ro San t i ago 1
L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
n a y a r i n h a _ s a n t i a g o @h o tma i l . c o m
C láud io C l edson Novaes 2 ( o r i en t ado r ) Un i v e r s i d a d e E s ta d u a l d e F e i r a d e Sa n t a n a
c c n ov a es . u e f s@ gma i l . c o m
Resumo : Es te ar t igo é resu l tado dos es tudos sobre os aspec tos
é t i cos e es té t icos comparados en t re l i t er a tura e c inema , a par t i r
da aná l i se da t r anspos i ção da peça tea t r a l O Pagador de Pro-messas para o f i lme homôn imo , d i r ig ido po r Anse lmo Duar te . O
tex to d i scu te como o d i re tor consegu iu adap ta r em imagens a
es tó r i a t r ág ica da re l i g io s i dade popu l ar da peça de D i as Gomes .
Pa l av ras-chave : L i ter a tura , C inema , Adap tação , S incre t i smo , D is-
cr im inação .
Abs tr ac t : Th i s a r t i c l e i s the resu l t o f s tud ies abou t the e th i ca l
and aes the t i c compar i son be tween l i t er a ture and c i nema from
the ana lys i s o f the t r anspos i t i on o f the p lay The Payer of Prom-i ses fo r the eponymous f i lm d i r ec ted by Anse lmo Duar te , d i s-
cuss i ng how the d i r ec to r managed to adap t in images the t r ag ic
s to ry o f the popu l a r re l i g io s i ty o f the p iece D i as Gomes .
Keywords : L i ter a ture , C inema , Adap ta t i on , Syncre t i sm , D i sc r im i na-
t i on .
INTRODUÇÃO
Ex i s tem mu i tos f i lmes adap tados de romances, o que é a l -
go prev i s í ve l , po i s a a t r ação do c inema pe l a l i t e r a tura tr anspare-
ce desde o ro te i ro c inematográ f i co . A l i t e r a tura e o c i nema ca-
ISSN 2236-3335
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minham l ado a l ado . Nessas duas ar tes , os temas podem ser
l oca i s , quando se abo rda uma rea l id ade espec í f i ca , mas , ao mes-
mo tempo , também podem ser g l oba i s , quando essa mesma rea-
l i d ade absorve a veross imi l h ança en tre as rea l i d ades l oca i s de
ou tr as par tes do mundo . Há um in tenso d i á l ogo en t re essas du-
as l i nguagens que cada vez mai s se asseme lham . A essênc i a
dos personagens na adap tação fe i ta pe lo d i re to r Anse lmo Duar -
te , na obra O Pagado r de Promessa , fo i mod i f i cada , i n tens i f i can-
do as carac ter í s t i cas de a l guns personagens . É re l evan te perce-
ber como os au tores das obras , Anse lmo Duar te e D i as Gomes ,
p reocupam-se com p rob lemas soc i a i s . Do ponto de v i s ta nar ra t i -
vo , D i as Gomes l im i tou o espaço do c l ímax da mov imen tação dos
personagens da sua ob ra . Dá-se em uma p raça com duas ruas ,
onde ocor re o con f l i to é t i co e re l i g i o so que move o d rama . A
peça tea tr a l é d i v id id a em t rês a tos . O pr ime i ro , com do i s qua-
d ros , ap resen ta o momen to em que os personagens Zé-do-
Bur ro e Rosa chegam à Igre j a de San ta Bárbara e , en tão , f i ca-
mos sabendo o mo t i vo da p romessa fe i ta pe lo dono do bur ro .
A lém d i sso , é também o momen to da recusa de padre O l avo em
perm i t i r o acesso à Igre j a . No segundo a to da peça , também
subd i v i d ido em do i s quadros , aparecem ma i s pe rsonagens que
vão se envo l ve r com a h i s tó r i a de Zé-do-Bur ro e con t r i bu i r para
o f im t r ág i co e ép i co da narra t iva . Nesses quadros , começa a
ap rox imação das pessoas que querem se aprove i ta r da s i tuação
do pro tagon i s ta da peça . No terce i r o a to , oco rre o des fecho
d ramát i co , Zé-do-Bu rro não é truc i dado só pe l a Igre j a Ca tó l i ca ,
mas por toda uma o rgan ização soc ia l dominante . Em torno de Zé
g i r am personagens que são a s í n tese do pa ís em que v ivemos ,
um pa í s en tre o moderno e o med ieva l , onde as pessoas não
têm chance de res is t i r às face tas do esquema exp lorador . Zé é
des t ru í do por uma soc iedade cor rup ta , in to le r an te .
D i as Gomes a f i rma que a exp lo ração da qua l Zé-do-Bur ro
é v í t ima é uma exp lo ração que cons t i tu i um dos a l i ce rces da so-
c i edade a tua l . O personagem Zé faz na peça o que o au to r D i as
Gomes gos ta r i a de fazer na v ida rea l : mor rer para não ceder .
Na versão c i nematog ráf ica de O Pagado r de P romessas , Anse l -
mo Duar te u t i l i zou a peça homôn ima como base , porém i nc lu i u
espaços e even tos ausen tes na obra pr ime i ra e exc lu iu poucas
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f a l as e fa tos . A adap tação da ob ra , no en tan to , não so freu
g randes mod i f i cações a pon to de fug i r do tex to o r ig in a l . Embora
o d i re tor do f i lme tenha ac rescen tado a l guns even tos , esses só
enr iqueceram o drama . A exemp lo , o f i lme mos t ra o percu rso de
Zé e a esposa a té a Igre j a , os povoados po r onde passaram e
as pessoas assus tadas e saudando-o como se fosse um p ro fe-
ta . O l i vro não descreve como fo i esse percurso , in ic i ando-se j á
com os personagens chegando à Igre j a . Ou tro exemp lo é que
Zé-do-Bur ro e Rosa , no l i vro , ao chegarem à c idade , descem a
l ade i r a sem a presença de pessoas , no s i l ênc io da madrugada ;
no f i lme , e l es encon t ram um grupo de pessoas que zombam de-
l es . Não sen t imos fa l ta das fa l as que foram cor tadas no f i lme ,
mesmo po rque , embora a d i r eção e o ro te i ro se j am de Anse lmo
Duar te , o d i a l ogu i s ta da adap tação fo i o própr io au tor da peça .
O PAGADOR DE PROMESSAS : CONHECENDO SUA H ISTÓR IA
O f i lme O Pagado r de P romessas , d i r i g i do por Anse lmo Du-
ar te , ún i co f i lme bras i l e i r o a receber a Pa lma de Ouro no Fes t i va l
de Cannes , em 1962 , e pr ime i r o f i lme bras i l e i r o a se r ind icado ao
Oscar , fo i baseado na peça tea t r a l homôn ima de D i as Gomes ,
esc r i ta em 1959 . Segundo o c ineas ta G l auber Rocha ( 2003 ) , em
Rev i são c r í t i ca do c i nema bras i l e i r o , o d i re tor p roduz iu o f i lme O Pagado r de Promessas v i sando pr ime i r amen te concor re r no Fes-
t i va l de Cannes . Imp regnado de r i tmo popu l a r , Duar te consegu i u
de forma c l ara t r anscrever em imagens a es tó r i a da re l i g io s i dade
popu l ar escr i ta por D i as Gomes . Quando apresen tado pe l a pr i -
me i r a vez , em 1962 , o f i lme en tus i asmou a p l a te i a presen te . Após
receber o p rêm io do Fes t i va l de Cannes , O Pagador de p romes-sas l evou o Bras i l a vár i as manche tes de c inema . Essa p rodu-
ção , en t re tan tas ou t r as , como O cangace i r o , V idas Secas , Deus e o D i abo na Terra do So l e Cen t ra l do Bras i l , compõe o mapa
da c i nematogra f i a ser tane j a . O c inema ser tane j o bras i l e i ro , p r inc i -
pa lmen te duran te o per í odo do C inema Novo , in s t ig a vár i as in -
ves t ig ações acerca do d i á logo en tre a l i t e r a tura e o c inema , por
se r um tema reco rren te em ta i s a r tes no Bras i l .
No enredo da produção de Anse lmo Duar te , temos como
p ro tagon i s ta Zé-do-Bur ro , como e ra conhec ido em sua c idade ,
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um homem humi l de que en fren ta a in t r ans igênc i a da Igre j a Ca tó -
l i ca ao ten ta r cumpr i r uma promessa fe i ta em um te rre i r o de
candomb l é : car regar uma cruz pesada por um longo percu rso
a té a Igre j a de San ta Bárbara mai s próx ima da sua casa , que se
s i tuava no in ter io r da Bah i a . Zé é o dono de um pequeno peda-
ço de ter r a no No rdes te do Bras i l e seu me l ho r am igo é um bur -
ro chamado N i co l au . Quando N ico l au adoece , após ser a t ing ido
por um ga l ho de uma árvore que ca i após ser ace r tado por um
ra io , Zé faz vár i as ten ta t ivas de soco rrer o seu bur ro e chega ,
por f im , a i r a té um ter re i r o de candomb l é para fazer uma pro-
messa a uma mãe de san to : se seu bu rro se recuperasse i r i a
d iv id i r suas te rr as , em par tes igua is , com l av radores mai s po-
b res que e le , para revo l ta de sua esposa Rosa , e l evar i a uma
cruz ‚ tão pesada quan to a de C r i s to‛ da sua ter r a a té a Igre ja
de San ta Bárbara , a ma i s próx ima de sua casa . O que e l e não
sab i a era que a Ig re j a es tava a se te léguas . Ass im que seu
bur ro se recuperou , Zé deu i n í c io ao seu percu rso . O cam inho
a té a Ig re j a fo i marcado po r fome , sede , ventan i as , chuvas . Na
obra f í lm ica , as pessoas dos povoados po r onde Zé passava
mos t ravam respe i to com a sua passagem cu r iosa , saudando-o
como se fosse um profe ta , segu i do f ie lmen te pe l a sua esposa .
Chegaram à Ca ted ra l de madrugada , onde foram zombados por
g rupos de pessoas , dev ido aos seus t r a j es e à cruz que Zé
carregava . O padre l oca l r ecusou a cruz de Zé após ouv i r de l e
a razão da promessa , bem como a c i r cuns tânc i a ‚pagã‛ em que
es ta fo i f e i ta . Todos ao redor de Zé-do-Bur ro ten tam t i r a r p ro -
ve i to de sua inocênc i a e de sua ingenu i dade . Os pra t ican tes do
candomb l é querem usá- l o como l íd er con tr a a d i sc r im inação que
so frem da Igre j a Ca tó l i ca , os j orna i s sensac iona l i s tas tr ans fo r -
mam sua p romessa de d iv id i r as te rr as com os pob res em gr i to
de reforma ag rár i a . A po l í c i a é chamada para p reven i r a en t r ada
de Zé na Ig re j a , e e le acaba assass i nado em um conf ron to v io -
l en to en t re po l i c i a i s e man i f es tan tes a seu favor . Na ú l t ima cena
do f i lme , os man i fes tan tes co locam o co rpo de Zé-do-Burro em
c ima da Cruz e en t r am à fo rça na Ca tedra l . Para Rocha ( 2003 ) ,
acon tece um equ í voco no desfecho da obra :
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[ . . . ] a f o r ça d o povo , a r evo l t a do p ovo , a d ig n ida d e d o
povo r es u l t am num ges to eva s i vo , en t r am na I g re j a ,
co nsa g ram o m ís t i co aos p és d o a l t a r , é o su p remo ca -
t o l i c i smo a l can çado p e lo s a c r i f í c i o : o povo , ex p l od ind o ,
s an t i f i ca Zé-do -Bu r ro . (ROCHA , 2003 , p . 1 64 ) .
O dramaturgo D ias Gomes , na peça tea t r a l O Pagador de P romessas , preocupa-se com p rob l emas soc ia i s . A lém da i n to l e -
r ânc i a re l i g i o sa , o au to r aborda temát i cas como a so l id a r i edade e
a t r a i ção humana , des lea ldades , in teresses e ego í smo . Na obra ,
há um engaj amen to po l í t i co- ideo lóg ico do auto r . Gomes p l e i te i a
uma soc iedade j us ta e to l eran te . O con f ron to re l i g io so en t re Zé-
do-Bur ro e a Igre j a , pe rsonagens que desempenham papé i s so-
c i a i s , acon tece pr i nc ipa lmen te pe lo fa to de Zé-do-Bu rro per ten-
ce r ao mundo dos i l e t r ados , desprov idos de capac idade para
ap render os mecan i smos su t i s de func ionamen to e dominação
de uma c l asse que sempre procurou assegu rar pr i v i l ég ios e in -
te resses de uma minor i a que sempre es teve d i s tan te do povo
sem voz e vez . D i as Gomes tr aba lha com a fa l ta de uma l i ngua-
gem comum en t re os homens . A l i nguagem, que deve se r um
e lo , pode se r t ransformada em uma ter r í ve l fon te de mau en ten-
d imen to , ocor rendo ass im um choque en t re men ta l i d ades . A d i s-
c r im inação do negro e de suas man i f es tações cu l tura i s ocupa
espaço na prá t ica re l i g io sa , e o con f l i to que a v i são u fan i s ta e
p i to resca tende a roman t iz ar e ocu l ta r reve la-se em momen tos
como o reg i s t r ado na peça O Pagado r de Promessas : bas ta o
poder c l er ica l ver-se ameaçado para o véu ca i r e a face pre-
conce i tuosa da Igre j a man i fes ta r-se com toda sua força . Tan to
a adap tação f í lm i ca da peça tea t r a l quan to e l a própr i a se des ta-
cam po r t raze r à tona p rob lemát i cas ex i s tenc i a i s , temát i cas un i -
ve rsa i s , como a iden t i d ade do ser , da comun icação e da l i n gua-
gem humana , a so l id ão e a a l i enação . Nas ob ras , há um fa l so
conce i to de l i b erdade soc i a l : Zé-do-Bu rro é um homem l i v re po r
de f in ição , mas a exp l oração de que e le é v i t ima cons t i tu i um dos
a l i cerces da soc i edade em que v i vemos .
A h i s tó r i a do f i lme é baseada na cu l tura popu l ar . Zé é um
rep resen tan te des ta cu l tu ra e um t íp ico homem rura l . Bas tan te
re l i g io so , sua re lação com San ta Bárbara é quase pessoa l . Sua
esposa chega a af i rmar que San ta Bárbara é mu i to sua amiga .
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Em gera l , os homens rura i s man têm fo r tes re l ações com os
San tos da Igre j a Ca tó l i ca . Para e l es , os San tos represen tam me i -
os de consegu i r m i l agres , devendo- lhes respe i to , f id e l i d ade , co-
mo f i ca ev iden te no f i lme . Chegam a o ferece r fes tas que l hes
homenage i am , esperando , com i sso , a juda e pro teção em mo-
men tos d i f í ce i s , como a seca . E Zé man tém essa re l ação com
San ta Bárbara . A promessa que fez , de carregar uma c ruz a té
o i n ter i o r da Ig re j a de San ta Bárbara mai s p róx ima e repar t i r seu
s í t i o com os pobres , mos tra a devoção pe l a San ta e o temor
que e l a o descred i te , caso não cons i ga l evar a cruz ao l ugar
p rome t i do . Para Zé-do-Bu rro , humi l de e sem ins t rução , Yansã ,
na mi to log i a neg ra , ou San ta Bárbara , na Igre j a Ca tó l i ca , são as
mesmas en t id ades . Sendo ass im , não consegu i a ve r prob l ema
quando reco rreu ao rezador P re to Ze fer i no e , pos ter io rmen te ,
ao ter re i ro de candomb lé para curar seu bur ro N ico l au . Porém ,
Zé encon t rou a repu l são do padre O l avo , represen tan te da cu l -
tu ra o f i c i a l da Igre j a Ca tó l i ca , no f i lme , que vê no a to de Zé uma
‚bruxar i a‛ , sendo resqu íc io s da época da escrav i dão , quando os
neg ros , não podendo cu l tuar seus deuses , f ing i am cu l tua r os
San tos Ca tó l i cos fazendo correspondênc i as en t re e l es . Ass im ,
San ta Bárbara era Yansã , e esse s i nc re t i smo re l i g io so se encon-
t r a v i vo a té ho j e . O s incre t i smo re l i g i o so , que dá mo t ivo ao dra-
ma , não pode se r tomado como s imp l es conv i vênc i a pac í f i ca e
espon tânea das d i f erenças , mas como uma a l te rna t i va para o
neg ro conv i ve r com a dom inação e preservar o cu l to a fro . O
a t r aso soc i a l e o s incre t i smo re l i g io so , que provocaram os con-
f l i to s é tn icos , es tão p resen tes na rea l i d ade bras i l e i ra . O soc i ó lo -
go Manue l D iégues Jún io r ( 1980) em Etn i as e Cu l turas no Bras i l , f az re fe rênc i a ao tempo da escrav idão para exp l i car como o
s i nc re t i smo re l i g i o so fo i in tr oduz i do no Bras i l e como também o-
cor reram os p rocessos t ranscu l tura t ivos :
Não pude ram o s esc r avos n eg ros man te r í n t eg ra s ua
cu l t u ra , n em u t i l i z a r p r ef e r en t emen t e su as t écn i cas em
re l a ção ao n ovo me io . Não fo i p oss ív e l a os n eg ros r eve-
l a r em e ap l i ca r em to do o seu con j un to cu l t u ra l : ou po r -
q u e , ao con ta c to com ou t r os g rup os n eg ros , r eceb e ram
ou p e rd er am ce r t os e l emen t os cu l t u ra i s , ou po rqu e , co -
mo es cr avos , t i v e ram su a cu l t u ra d e tu rp ada . Da í os s in -
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c re t i smos e os p ro cess os t r ans cu l t u ra t i vo s . ( D IÉGUES
JÚN IOR , 1 980 , p . 1 0 0 ) .
CONSIDERAÇÕES F INA IS
O ob j e t i vo do p resen te tr aba lho fo i es tudar a t r anspos i ção
f í lm ica , fe i ta po r Anse lmo Duar te , da peça tea t r a l O Pagador de P romessas , de D i as Gomes , a f im de ob ter uma v i são g l oba l dos
aspec tos soc i as p resen tes na obra f í lm i ca . Pe rcebemos como é
i ns t i g an te es tudar l i t er a tura e c inema como ar tes que se comp l e-
tam , como ocor reu a tr anspos i ção da peça tea t r a l para a obra
f í lm ica , como es ta consegu iu co locar em imagens a h i s tór i a da-
que l a , não perdendo suas carac ter í s t i cas pr i nc ipa i s e a inda sen-
do bem ace i ta pe lo púb l i co . Pe rcebemos como o s inc re t i smo re l i -
g ioso af ro -b ras i l e i ro deu mo t i vo ao d rama e como fo i in t roduz ido
no Bras i l . Teó r i cos e pesqu i sado res como Maduro ( 1983 ) , Va l en te
( 1 955) e Gomes ( 1998 ) nos o fe receram um v iés que nos enr ique-
ceu sob re o s i nc re t i smo re l i g io so e a lu ta de c l asses na peça ,
do mesmo modo que au to res como Xav i er ( 200 1 ) , Rocha ( 2003 )
e Novaes ( 2000 ) nos poss ib i l i t a r am a aná l i se da p rodução c ine-
matográ f i ca bras i l e i r a , como O Pagador de Promessas . De posse
de fon tes teór icas como es tas , par t imos para a aná l i se dos as-
pec tos es t ru tura i s , técn icos , temát i cos e tc . do co rpus des ta
pesqu i sa .
Um t raba lho des ta na tureza se tornou poss í ve l dev ido a
uma razoáve l b ib l i og raf i a re fe ren te a a lguns aspec tos l i g ados ao
tema e às ob ras menc i onadas . D i versos cr í t i cos d i scor rem sobre
ques tões re l ac i onadas aos temas em nossa d i scussão e nos
se rv i r am como referênc i as para a rea l i z ação desse ar t igo .
REFERÊNC IAS
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Paz e Terra , 2006 .
NOTAS
1 Bo l s i s t a P i b i c/CNPq de I n i c i ação C i en t í f i c a , tendo como t í t u lo do p l a -
no de t r aba l ho O Pagador de Promessas e a Lu ta de C l asses , or i en-
t ada pe lo Pro f essor Dou to r C l áud i o C l edson Novaes .
2 Docent e do Depar t amento de Let r as e Ar t es , P esqu i sador do Pro -
g r ama de Pós-Gr aduação em L i ter a tu r a e D iver s i d ade Cu l tu r a l , d a
UEFS , Mest r e em Es tudos L i t er ár i o s pe l a UFBA e Dou tor em C iênc i as
da Comun icação pe l a USP .
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J ESUS CR I STO HUMAN IZADO EM O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CR ISTO : R EL E I TURA CR ÍT I CA
DA H ISTÓR IA B Í BL ICA
Ana Cé l i a Coe lh o
L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
h a n n a _ c e l i a @ i g . co m . b r
Ed i lé i a Per e i r a dos San to s L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
l e i n h a 8 9 06@ ho tma i l . c o m
Grac i e ly Când id o Macêdo L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
g r a c i e l y _ g a l @ y a ho o . com . b r
Joseane de Jesus Per e i r a Ar au jo L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
a nn y l e v i t a 36 @h o tma i l . c o m
Resumo : O Evange l ho Segundo Jesus Cr i s to ( 1 99 1 ) , do escr i tor
por tuguês José Saramago , t r az uma narra t iva que ob j e t i va hu-
man izar a f igu ra de Jesus , desm i s t i f i cando a sua d i v i ndade e
co l ocando-a no p l ano de um ser comum, com von tades e dese-
j os humanos . Nes te ar t igo , abo rdaremos a f igura de um Jesus
human i zado , co locado en t re Deus e o Pas to r , sob a ó t ica de um
narrador -au tor que se igua l a a Deus como cr i ado r on i sc ien te e
que ‚perm i te ‛ ao p rópr i o Jesus con tar a sua versão da h i s tó r i a .
Des ta fo rma , José Saramago faz uma rev i são c r í t i ca da h i s tó r i a
de Jesus , desmon tando-a e ques t ionando seu es ta tu to de ver -
dade .
Pa l av ras-chave : Evange l ho . Jesus . Deus . Pas to r .
Abs tr ac t : The Gospe l Acco rd ing to Jesus Ch r i s t ( 199 1 ) , by the
Por tuguese wr i te r José Saramago , of fers a narra t ive tha t a ims
to human i ze the f igu re o f Jesus , demyst i f y ing h i s d i v in i ty and
p l ac ing i t on the leve l of a common be ing , w i th human wan ts
and des i res . I n th i s a r t i c l e , we focus on the f igure o f a human-
i zed Jesus , p l aced be tween God and the Good Shepherd f rom
ISSN 2236-3335
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the pe rspec t ive o f a narra tor-au tho r who equa tes h imse l f to
God as omn i sc i en t crea tor and who "pe rmi ts " Jesus to te l l h i s
own s tory . Thus , José Saramago carr ies ou t a c r i t i ca l r ev i s ion o f
the s to ry o f Jesus Chr i s t , d i sman t l i ng i t and ques t i on i ng i ts
s ta tus as t ru th .
Keywords : Gospe l . Jesus . God . Good Shepherd .
INTRODUÇÃO
A verac i dade das h i s tó r i as b íb l i cas acerca de Jesus C r i s to
‒ seu nasc imen to , sua p regação , sua mor te e ressu rre i ção ‒
gera lmen te , é pouco ques t i onada . As h i s tór ias são ace i tas e
respe i tadas po r todo aque le que se denomina cr i s tão , mesmo
que sur j am dúv idas e es t r anhezas . A f in a l , a B í b l i a é soberana , e
a Pa l avra de Deus é verdade i r a . Quem ousar i a con tes tá- l a?
Quem a con tes ta é José Saramago , um escr i tor a teu que
u t i l i z a como temát ica pr inc ipa l , em a lgumas de suas obras , a re-
l e i tura de tex tos b íb l i cos , ev idenc i ando a f i gura de Deus a par t i r
do pon to de v i s ta de a l guém que ne l e não ac red i ta e que busca ,
em sua escr i ta , descarac ter iz ar a imagem de um Deus C r i ador ,
Bondoso e Soberano . Em O Evange lho Segundo Jesus C r i s to
( 1 99 1 ) , Deus é crue l , egocên t r ico , t i r ano , ego ís ta e sangu i nár i o ;
não se impor ta com a cr i a tura humana , apenas p re tende u t i l i z á-
l a para sa t i s f azer as suas von tades mesqu inhas .
A descrença nas h i s tó r i as con tadas na B í b l i a parece se r
uma fo r te carac te r í s t i ca da escr i ta desse au to r . Em suas perso-
nagens , percebe-se a i n f lu ênc i a c l a r a de seu ce t i c i smo e a te í s-
mo , a pon to de , em a l guns tex tos , ‚d i v in iz a r‛ o homem e
‚c r i a tu r i z ar ‛ Deus . A p resença de Deus na ob ra de José Sara-
mago é uma cons tan te , e a cr í t i ca ao Cr i s t i an i smo é fe i ta de
modo a u t i l i z ar , con t r a a próp r i a B íb l i a , f a tos ne l a nar rados , uma
capac idade ineren te apenas a a lguém que conhece , profunda-
men te , a Teo log i a e as pe rsonagens b íb l i cas em gera l .
Nes te ar t igo , p re tende-se ana l i sar o romance O Evange lho Segundo Jesus Cr i s to , de José Saramago , no qua l o au tor faz
um deca lque da f igu ra de Jesus f ren te à face de Deus e do
Pas tor , sob a ó t i ca de um nar rador-au tor que , i gua l ando-se a
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Deus , cons idera-se um cr i ador on i sc i en te ; t r a ta-se de uma re le i -
tu ra cr í t i ca da h i s tó r i a b íb l i ca .
A F IGURA DE JESUS CR ISTO ENTRE DEUS E O PASTOR
Jesus , o esco lh ido f i l h o de Deus , po r aparecer na ob ra sa-
ramagu i ana com uma f igura human i zada , v i ve as mesmas sensa-
ções e con fusões que os s imp les mor ta is . Saramago , a l ém de
fazer uma re le i tu ra da h i s tór i a con tada pe la B íb l i a ace rca do
nasc imen to , v ida e mor te de Jesus Cr i s to , t raz uma nova v i são
dessa h i s tór i a , de modo a preencher a l gumas l acunas , ques t i o -
nando as con t rad i ções ex i s ten tes nos tex tos b íb l i cos por me i o
de de ta lhes do co t id i ano das pessoas . O au tor , em nenhum mo-
men to , p re tende negar a h i s tó r i a t r az ida pe l a B í b l i a , e , s im , su-
p lemen tá- l a , num in tenso d i a log i smo com a mesma .
Em toda a narra t i va , f ica exp l í c i to que , desde a concepção
de Jesus ( j á que , na versão saramagu i ana , mesmo conservando
a na tu reza d i v ina de Jesus , o a to sexua l não fo i abo l ido ) a té a
sua mor te , es te homem é um ser humano como qua lquer ou tro :
Ma r i a o lh a o s eu p r imogén i t o , qu e po r a l i an da ga t i n ha n -
d o como fa z em tod os os c r i os humanos na sua i dad e ,
o l ha -o e p ro cu ra n e l e uma ma rca d i s t i n t i va , um s in a l ,
uma es t r e l a na t e s t a , um s ex t o d edo na mão , e n ão vê
ma i s d o q ue uma c r i an ça ig ua l à s o u t ras , ba ba -s e , su j a -
s e e cho ra como e l as , a ún i ca d i f e r ença é s e r s eu f i l h o
( SARAMAGO , 1 99 1 , p . 6 5 ) .
C r i ado den tro dos mo ldes das tr ad i ções juda ico-c r i s tãs ,
Jesus conhece e segue todos os pr i nc íp io s da sua re l i g i ão . Des-
de cr i ança , f r equen ta a S inagoga , es tuda as l i ções re feren tes à
sua a l f abe t iz ação e demons tra uma enorme fac i l i d ade para a-
p rendê- l as , e , pos ter io rmen te , mos tra-se conhecedor dos tex tos
sag rados como a Torá . Reve l a-se , ass im , um ind i v í duo l i g ado às
ques tões re l i g io sas , bem como subserv i en te aos seus prece i tos
c r i s tãos :
Quando J esu s en t rav a em casa , o pa i p e rg un t ava - lh e ,
Que fo i qu e ap rend es te h o j e , e o men in o , qu e t i v e ra a
s o r t e d e n as ce r com uma ex ce l en t e memó r i a , r epe t i a
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t i n t i m p o r t i n t i m , s em fa l has , a l i çã o d o mes t r e , f o ram
p r ime i ro os n omes d as l e t ras d o a l f a b eto , d epo is as p a -
l a v ras p r i nc ip a i s e , ma is p a ra d i a n t e , f ra s es comp le t as
d a To ra , pass ag en s i n t e i r as , q ue J os é a companhava
com mov imen t os r í tm i co s da mão d i r e i t a , a o mesmo tem-
po qu e a cen ava l en t amen t e a cab eça ( SARAMAGO , 1 9 9 1 ,
p . 6 8 ) .
Após a mor te de José , seu pa i te rreno , Jesus par te para
Be lém , em busca da cova de seu nasc imen to , por encon tra r-se
num es tág io de cu lpa pe l a mor te das v in te e c inco cr i anças ,
que , segundo e l e , poder i a te r s i do ev i tada por José .
O narrador , po r sua vez , an tes de inser i r de fa to o encon-
t ro de Jesus com o Pas tor , sa l i en ta ao l e i to r as co inc idênc i as e
os encon tros de que a v ida é fe i ta . E , em se t r a tando das par t i -
cu l a r id ades da v i da de Jesus , o que não l he fa l tam são encon-
t ros .
O p r ime i ro encon t ro narrado re tr a ta Jesus , na cova em
que nasceu , com a aparade i r a que es teve presen te em seu
nasc imen to , a esc rava Ze lom i . É nesse loca l que Jesus dec i de
por f i car soz inho , a f im de re f l e t i r sob re a g rande cu lpa que
carrega cons i go .
Saramago re fo rça a f igu ra human i zada de Jesus , compa-
rando-a aos demai s jovens de sua idade , dev i do ao fa to de não
te r a judado a ve lha escrava :
F o i -s e embo ra Ze lom i n o s eu va c i l a n t e a nd a r d e ve lh a ,
p ass o a p ass o pa lpa ndo a f i rmeza do ch ão com o ca j a -
d o segu ro a mãos ambas , o ra , ma is b on i t a a cçã o te r i a
s id o a d o r apa z se t i v ess e a j u dado a pob re e s ac r i f i c a -
d a c r i a t u ra a r eg res sa r a casa , mas a j uv en tu de é a s-
s im , eg o í s t a , p r es un çosa , e Jesus , q u e e l e sa iba , n ão
t em mot i vos pa ra s e r d i f e r en t e d os d a su a i da d e
( SARAMAGO , 1 99 1 , p . 2 2 2 ) .
É nessa caverna onde nascera que Jesus tem l embran-
ças de seu nasc imen to , demons t rando carregar cons i go a cu lpa
de seu pa i terreno .
Nas c i aq u i , p ensava , d o rm i na qu e la man j ed ou ra , nes ta
p ed ra em que me s en to s en t a ram -s e meu pa i e m in ha
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mãe , aq u i e s t i v emos es cond i dos enquan to na a l de i a os
s o l da dos de H e rod es an davam a ma ta r as c r i an ça s , p o r
ma i s q ue fa ça nã o cons egu i r e i ouv i r o g r i t o d e v ida q u e
d e i a o na sce r , t ão -p ouco ou ço os gr i t os de mo r t e d os
men i nos e dos pa i s q u e o s v i am mo r r e r [ . . . ] .
( SARAMAGO , 1 99 1 , p . 2 2 3 ) .
Nesse loca l , Jesus permanece por a l gum tempo e chega
a té a adormecer e a sonhar . Em seu sonho , o seu esp í r i to faz
l evan ta r o seu co rpo para que ambos vão a Be l ém con fessar
para os pa i s a t r emenda cu lpa que os a tormen ta : a mor te de
seus f i l hos .
O desper ta r de Jesus desse sonho dá-se pe la apar ição da
f igura do Pas to r – descr i to como um homem bas tan te a l to , qua-
se que g i gan tesco . A par t i r desse momen to , Jesus e o Pas tor
conv i verão po r mu i to tempo , mesmo após a descober ta de Je-
sus de que esse pas tor e ra o D i abo .
É o nar rado r de O Evange lho Segundo Jesus Cr is to quem
dá p i s tas ao l e i tor de que esse pas tor não é p rop r i amen te um
‚pas to r de ove lhas‛ , j á que ‚não tem ao menos um amo que o
governe , para cobrar a l ã , o le i te ou o que i jo ‛ . Faz ques tão de
r essa l ta r as ide i as e conv i cções , de Jesus e do Pas tor , sobre
Deus e sob re os dogmas de sua re l i g i ão . Jesus reve l a-se um
j ovem ap rend i z , af i rmando que toda a sua ap rend i zagem cr i s tã
deve-se aos ens i namen tos repassados pe l a s inagoga . Já o Pas-
to r procura reba te r as conc l usões de Jesus , ques t ionando não
só o ‚poder ‛ do D i v ino , mas também a re l i g i ão em ques tão .
De mane i r a bem i rôn i ca , o nar rado r reve l a que Jesus pas-
sará qua t ro anos ao l ado do Pas to r e , depo is d i sso , encon t rará
Deus . No en tan to , af i rma que essa conv i vênc ia não é de grande
re l evânc i a para as in tenções d i v i nas :
Daqu i a qua t ro an os J es us en con t ra rá Deus . A o faz e r
es t a i n es p e rad a r eve la çã o , q u i çá p rema tu r a à l uz d as
r eg ra s do b em na r r a r a n t es menc io nad as , o qu e s e pre -
t end e é t ã o -só bem d is po r o l e i t o r d es t e evange l ho a
d e ix a r- s e en t r e t e r com a lgu ns vu lga r es ep i só d i os d e
v i da pa s to r i l , embo ra es tes , ad i an t a -s e d es de j á pa r a
q u e t en ha d es cu lpa qu em f o r t en tad o a pas sa r à f r en t e ,
n ada d e su bs t an c ios o venh am t raz e r ao p r i n c ipa l da
ma t é r i a ( SARAMAGO , 1 99 1 , p . 228 ) .
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Apesar de o nar rado r dar pouca impor tânc i a aos anos que
Jesus passará com o Pas tor , ‚ é nesse per í odo que a persona l i -
dade da personagem começa a se mod i f i car , que suas conv i c-
ções mora i s e re l i g io sas começam a ru i r d i an te dos ques t iona-
men tos que seu novo mes tre lhe faz‛ ( SOUZA, 2007 , p . 1 10 ) .
No decor re r da narra t i va , pe rcebe-se que o D i abo tem um
cará ter con tr á r io àque l e no qua l o senso comum acred i ta , pe l o
que lhe fo i passado pe l a Igre j a . De acordo com P inhe i ro ( 2007 ) ,
o ‚D i abo é um ins t ru to r ze loso que p rocura sempre reav i var a
consc i ênc i a de Jesus e torná- lo lúc i do . E l e or ien ta Jesus , ens i -
nando- lhe o o f í c i o de pas to rear ove lhas . Esse homem o ins tru i ,
desper ta seu esp í r i to c r í t i co e con tes tador ‛ (P INHE IRO , 2007 , p .
54 ) .
Os anos em que Jesus v i ve com o Pas tor serv i r am- l he de
g rande ap rend izagem, i nc lus i ve sob re a sua p rópr i a na tu reza :
‚Deus não poderá re j e i ta r como obra não sua o que l eva en t re
as pernas‛ ( SARAMAGO , 199 1 , p .237 ) . Tendo por base P inhe i ro
( 2007 , p . 54-55 ) , pode-se des tacar a no tór ia i r on i a saramagu iana
peran te à f i gura de Jesus en t re Deus e o Pasto r :
[ . . . ] se J es us sa iu d e ca sa em bus ca d e um mode lo d e
um p a i novo pa r a ama r e r esp e i t a r , o en con t rad o n ão
f o i D eus , e s im , o D i a bo . O pas to r fo i q uem o a co l heu ,
q u em lh e ens in ou o o f í c i o de pa s to r ea r o ve l has – J es us
n ão ch egou a ap ren d e r o o f í c i o d e ca rp in t a r i a com Jo s é
– , e qu em o a con s e l ho u a r epensa r su a f é . O mode l o
p a t e rn o , qu e s ubs t i t u i u o pa i mo r to e p eca do r d e J esu s ,
f o i o D i a bo . ‘L eva ram s emp re , en qua n to j un t os , uma b oa
v i da , o h omem ens ina ndo s em impa c i ên c i as d e ma i s v e -
l h o as a r t es da pas to r í c i a , o r apa z a p rend endo -as como
s e s u a v i d a f o s s e d e p e n d e r m a x i m a m e n t e
de la s ’ ( SARAMAGO , 1 99 1 , p . 240 ) .
O p r ime i ro encon t ro de Jesus com Deus reve l a uma su r -
p resa ao le i to r , j á que Deus é re t r a tado como um ser crue l , a r -
rogan te e au to r i tá r i o :
Ouv i r - t e , meu Senho r , é ob edece r , ma s t en ho d e faze r -
t e a in da uma p ergun ta , N ão me abo r r eças , Senho r , é
p r ec i s o , F a l a , P oss o l eva r a m in ha ove lha , Ah , e ra i ss o ,
S im , e ra só i sso , po sso , Nã o , P o rq u ê , P o rqu e ma va is
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s ac r i f i ca r como p enho r d a a l i an ça qu e a ca bo de ce l eb r a r
co n t i g o , E s ta ove l ha , S im , Sa cr i f i c o - t e ou t r a , vo u a l i ao
r eb anho e vo l t o j á , Não me con t ra r i es , qu e ro es ta , Mas
r ep a r a , Senho r , q u e t em d ef e i t o , a o r e lha co r t a da , E ng a -
n as - t e , a o r e l ha es tá i n t a c t a , r epa ra , Como é p oss ív e l ,
E u so u o Senho r , e ao Senho r na da é imposs í v e l , Mas
es t a é a m in ha ove lha , O u t ra v ez t e enga nas , o co rde i r o
e r a meu e tu t i ras t e-mo , a go ra a ove lh a pa ga a d í v i d a ,
Se j a como que res , o mundo tod o p e r t en ce - t e e eu s ou
o t eu s e rvo , Sa c r i f i ca en tão , ou nã o h ave rá a l i an ça [ . . . ]
( SARAMAGO , 1 99 1 , p . 2 63 - 264 ) .
Passado a lgum tempo , Jesus torna a encon t rar Deus ; des ta
vez , de fo rma bas tan te d i f eren te do p r ime i r o encon t ro , ha j a v i s-
ta que o segundo encon t ro fo i espec i a lmen te p l ane j ado por Deus
para que todos os ques t ionamen tos de Jesus fossem sanados .
A essa a l tu ra da nar ra t i va , Jesus es tava morando às mar-
gens do r i o Jo rdão , com Mar i a Magda l a e v ivendo da pescar ia .
Cer to d i a , Jesus se deparou com o mar , o qua l j á es tava hab i -
tuado a ver e aden tra r ; e sen t iu que aque l e se r i a o momen to e
o lugar onde toda a sua v ida ser i a exp l i cada :
Po r t rás d o s eu omb ro , Ma r i a de Magda la p e rg un t a , Ten s
d e i r , e J es us r espondeu , Já e ra t empo , Nã o comes , Os
o l hos es tã o em j e j um qu ando se ab rem d e manhã . Abra -
çou -a e d i ss e , E n f im , v ou s ab e r q u em sou e pa ra o q u e
s i r vo [ . . . ] ( SARAMAGO , 1 99 1 , p . 1 9 1 ) .
A mane i r a que Deus esco l heu para reve l a r a Jesus os
seus verdade i r os p ropós i tos com a v ida de l e na ter r a fo i o ne-
voe i r o . Den t ro de le , ocorreu o encon tro en t re Deus , Jesus e o
Pas tor . O nevoe i ro se rve j us tamen te para que ex i s tam apenas
e l es t r ês e nada ma i s , como se es t i vessem pro teg i dos de todas
as ou t r as co i sas que pudessem a tr apa lha r a conversa .
O nevoe i r o a b re- s e p a ra Jesus p assa r , ma s o ma is l o n -
g e a qu e os o l hos chegam é a p on ta d os remos , e a
p op a , com a s ua t raves sa s imp l es a s e rv i r de ba n co . O
r es t o é um mu ro , p r im e i r o b aço e c in zen t o , d epo is , à
med i da q u e a ba rca se ap ro x ima d o d es t i no , uma c l a r i -
d ad e d i f usa começa a t o rna r b r an co e b r i l ha n t e o nevo -
e i r o , qu e v i b ra como s e p ro cu rass e , s em o cons egu i r ,
n o s i l ên c io , um s om ( SARAMAGO , 1 9 9 1 , p . 1 9 1 ) .
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Segundo P inhe i ro ( 2007 , p . 47 ) , ‚O nevoe i ro ocor rerá para
desve l ar o cará ter de Deus como egocên tr ico e crue l . Já o d i a-
bo aparecerá como con tr i to e p i edoso‛ . Ass im , pode-se obser -
var que , du ran te todo o d i á l ogo , Deus se mos t rou impac ien te e
r í sp i do com Jesus , respondendo a suas pergun tas , demons t ran-
do en fado :
Deus f ez um mov imen to d e en fad o , como quem a ca ba
d e ve r -s e p reso na r ed e a rmada pe la s s uas p ró p r i as
p a l av ra s , e p ro cu rou , s em conv i cção , uma evas i va , O ra ,
meu f i l ho , o f u t u ro é eno rme , o f u t u ro l eva mu i t o t empo
a con t a r , Há qu an t o t empo es tamos n ós a qu i n o me io d o
ma r , ce r cados d e n evoe i ro , p e rg un t ou J es us , um d i a , um
mês , um a no , po i s b em , con t i nu emos ou t r o a no , ou t r o
mês o u ou t r o d i a ( SARAMAGO , 1 99 1 , p . 1 99 ) .
A f igu ra do Pas to r/D i abo , que , segundo o senso comum,
dever i a se r má e c rue l , se mos t ra o opos to do esperado : se re-
no e , de ce r ta mane i r a , inocen te , como se pode observar nes ta
passagem da narra t i va :
E t u , P as t o r , qu e nos d i zes des t es f u tu ros e as sombro -
s os cas os , D i go qu e n i ngu ém que es t e j a em s eu pe r fe i t o
j u í zo p od e rá v i r a a f i rma r qu e o D i ab o f o i , é , o u se r á
cu lp ad o d e t a l mo r t i c í n i o e t a i s cem i t é r i os , s a l vo se a
a lg um ma lva do o co r r e r a l emb ran ça ca lu n ios a d e me
a t r i bu i r a r esp ons ab i l i dad e d e faz e r nas ce r o deus q u e
va i s e r i n im igo d es t e , Pa r ece -me c l a r o e ó bv io qu e n ão
t ens cu lp a , e , qu an t o ao t emo r d e qu e te a t i r em com a s
r es pon sab i l i da des , r esp onde rás q u e o D i abo , sendo men -
t i ra , nu n ca p ode r i a c r i a r a v e rd ad e qu e Deus é , Mas
en tão , pe rgu n to u Pa s to r , qu em va i c r i a r o Deu s i n im i g o
( SARAMAGO , 1 99 1 , p . 205 ) .
Ass im , no ta-se a i nve rsão de va l ores en t re as f i guras de
Deus e do D i abo . Saramago aborda a r i sp idez de Deus , conse-
quen te da sua soberan i a e au tor id ade , a té mesmo em re l ação ao
p róp r i o D i abo , j á que es te va i reve l ando-se como a lguém pass i -
vo . No desenro l a r de toda essa conversa , Jesus se mos t ra
con fuso em me i o a tan tos esc l a rec imen tos , se compor tando co-
mo um homem que es tá sem argumen tos d i an te das a f i rmações
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de Deus e , por te r t i do ma ior con ta to com o Pas tor , busca ne l e
um refúg i o :
J es us o l hou o P as t o r como s e d e le esp e ras se , nã o um
a ux í l i o , ma s , s endo fo r ço samen t e d i f e r en t e o en t en d i -
men to qu e e l e t e rá das co is as d o mundo , p o i s h omem
n ão é n em fo i , n em d eus fo i o u há -d e s e r , t a lv ez q u e
um o lh a r , um s ina l de so b ran ce lha s , p ud ess em suger i r -
l h e ao menos uma respos ta há b i l , d i l a t ó r i a , q u e o l i be r -
t ass e , mesmo só p o r uns t empos , da s i t ua ção d e an ima l
a cuado em que s e en con t ra . ( SARAMAGO , 1 9 9 1 , p . 1 9 7 ) .
Como se pode observar , Jesus não encon tra re fúg io . Des-
sa fo rma , du ran te toda a conversa , no ta-se que Deus es tá sem-
p re po r in te rpe l ar o d i á logo , e Jesus es tá sempre buscando
conso lo no Pas tor .
Saramago apresen ta Jesus , Deus e o D i abo de uma forma
que con tra r i a o tr ad i c iona l i smo re l i g i o so ; o au to r faz uma re le i tu -
ra das tr ês pe rsonagens , numa v i são com carac te r í s t i cas mo-
dern i s tas e desa f i ado ras .
CONSIDERAÇÕES F INA IS
Em O Evange lho Segundo Jesus Cr i s to ( 199 1 ) , Saramago
r esga ta e ress i gn i f i ca a f igura de Jesus Cr i s to , t i r ando toda aura
de per fe i ção que o re l a to b íb l i co lhe a tr ibu i . Nes te evange lho ,
Jesus não ve io predes t in ado a morre r por amor à human idade ;
nem ve i o à te rr a , sabendo as dec i sões que dever i a tomar . Je-
sus aqu i é co locado d i an te de Deus e do Pas to r como um ho-
mem indec i so quan to as suas esco l has e capaz de come ter er -
ros/pecados como qua l quer ou t ro se r humano .
Uma f in a i ron i a marca toda a ob ra , na qua l o au to r u t i l i z a-
se de personagens conhec idas do nosso imag inár io , para cr i ar
novas h i s tó r i as e p reencher a lgumas l acunas da narra t iva b íb l i ca
sobre a v i da de Jesus . Segundo S i lva ( 1996 ) , o narrador sarama-
gu i ano não é neu tro , nem é só uma personagem que v ive a h i s-
tó r i a con tada . E le man tém uma d i s tânc i a cr í t i ca em re l ação aos
fa tos nar rados e usa , com compe tênc i a , recu rsos para a i ron i a
e a amb igu idade .
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Es ta ob ra ap resen ta carac te r í s t i cas pós-modernas , po i s o
au tor prob l emat i z a e ques t iona o es ta tu to de verdade do re l a to
b íb l i co e , f i cc iona lmen te , pe rmi te a Jesus con ta r sua versão dos
fa tos , mi s tu rando , ass im , h i s tó r i a e f i cção . É um l i v ro r iqu í ss imo
na cr i a t i v i d ade , onde se mesc l am fan tas i a e rea l i d ade , desper -
tando a cur ios i dade do l e i tor em conhecer o re l a to b íb l i co .
Saramago ques t iona , me tod i camen te , a concepção juda i co-
c r i s tã do Deus de Amor ; de um Deus jus to e bondoso que o fe-
rece seu f i l ho ún i co como sacr i f í c io . O au tor mos t ra um Deus
que não perdoa Lúc i fe r e cas t ig a mai s os jus tos do que os in -
j us tos ;um Deus que vê Jesus como um ins t rumen to usado ape-
nas para sa t i s f azer seu ego e torná- lo o Deus mai s conhec i do
do mundo . O D i abo é cons iderado como uma ten ta t i va de mudar
os rumos da h i s tó r i a a par t i r da não-ace i tação dos p ropós i tos
de Deus .
A re l e i tura c r í t i ca da h i s tó r i a b í b l i ca fe i ta nes te romance
por José Saramago con tr ibu i com a cons t rução de um ser hu-
mano ma i s consc ien te , po i s faz as pessoas compreenderem que
o d i scurso nunca é neu tro , mas sempre for j ado no con tex to do
mundo soc i a l , emba l ado por re l ações de poder . Como a f i rma o
l i ngu i s ta russo Bakh t in ( 1988 ) , a l i nguagem não é um me io neu t ro ;
ao con tr á r io , es tá povoada e sobrepovoada de i n tenções . Po r -
tan to , a t r avés da cr í t i ca às f iguras de Deus , de Jesus e de ep i -
sód ios do Ve l ho e do Novo Tes tamen to , o au to r-nar rador tr ans-
m i te ao l e i tor seus pon tos de v i s ta sob re o mundo e ten ta pe r -
suad i - l o da verac i dade dos fa tos nar rados .
REFERÊNC IAS
BAKHTIN , M . M . Ques tões de l i t er a tura e de es té t i ca : a teor ia do
romance . Trad . Au rora F . Bernard i n i e t a l . São Pau l o : HUC ITEC ,
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P INHE IRO , Vanessa Neves R i ambau . O tr ág i co e o demon í aco em
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<h t tp ://www. lume .u frgs .br/hand l e/ 10 183/ 10789> . Acesso em: 12
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J 105
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
SARAMAGO , José . O evange lho segundo Jesus C r i s to : romance .
São Pau lo : Companh i a das Le tr as , 199 1 .
S ILVA , V i tor Manue l de Agu i a r e . Teor i a da l i te r a tura . 8 . ed . Co-
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SOUZA , Rona ldo Ven tura . O Jesus de Saramago e a l i t e r a tu ra
que rev i s i ta Cr i s to . São Pau l o : USP , 2007 . D i sse r tação (Mes t r ado
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d i s p o n i v e i s / 8 / 8 1 5 0 / t d e - 0 1 1 1 2 0 0 7 - 1 4 5 9 4 9 / p u b l i c o /
TESE_RONALDO_VENTURA_SOUZA .pd f > . Acesso em: 12 dez . 20 10 .
J 107
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
HANS STADEN E MEU QUER I DO CAN I BAL :
V I SÕES ANTAGÔN ICAS NA CONSTRUÇÃO DA
I D ENT IDADE NAC IONAL
Ana Cé l i a Coe lh o 1 L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
h a n n a _ c e l i a @ i g . co m . b r
Rober t o Henr i que Se id e l 2 (O r ien t ador ) , Un i v e r s i d a d e E s ta d u a l d e F e i r a d e Sa n t a n a ( U E F S )
r h s e i d e l @ i g . c o m . b r
Resumo : O p resen te ar t igo ana l i sa o modo como o romance Meu Quer ido Can iba l ( 2003 ) , de An tôn i o Torres e o f i lme Hans S taden
( 2000) , do d i r e to r Lu iz A lber to Pe re i r a , baseado no l i vro Duas v i agens ao Bras i l ( 1974 ) , se ap rop r i am , resga tam e ress i gn i f i cam
a h is tór i a e a cu l tura ind ígena , a f im de cons t ru i r seu d i scu rso
em torno da iden t id ade nac iona l . Es tas ob ras focam o momen to
de fo rmação do povo b ras i l e i ro ( sécu lo XV I ) , quando en t r am em
con ta to (e em choque) o eu ropeu ‚c i v i l i z ado‛ e o ‚se lvagem‛ na-
t i vo . Todav ia , as respos tas sobre o ‚cará te r b ras i l e i ro ‛ que cada
um dos au tores o ferecem são opos tas .
Pa l av ras-chave : Cu l tura ind ígena ; i den t i dade nac i ona l ; Hans S ta-den ; An tôn io To rres .
Abstrac t : Th i s a r t i c l e ana l yses how the nove l Meu Quer ido Can i -ba l ( 2003 ) , by An ton io Tor res , and the f i lm Hans S taden ( 2000 ) ,
d i r ec ted by Lu iz A lber to Pe re i r a , based on the book Duas v i agens ao Bras i l ( 1974) , appropr i a te and re fr ame ind igenous h i s-
to ry and cu l ture in o rder to cons truc t the i r d i scuss ions o f na-
t i ona l id en t i ty . These works focus on the momen t o f fo rmat i on o f
the Braz i l i an peop l e ( in the s i x teen th cen tury ) , when the
"c i v i l i z ed " Eu ropean and the "savage " na t ive come in to con tac t
( and con f l i c t ) . However , the answers concern ing "B raz i l i an char-
ac te r " tha t each o f the au tho rs o f fe r are opposed .
Keywords : Ind igenous cu l ture ; na t iona l id ent i ty ; Hans S taden ;
An tôn io To rres .
ISSN 2236-3335
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
1 INTRODUÇÃO
Es te ar t igo apresen ta os p r ime i ros resu l tados do pro j e to de
i n i c i ação c i en t í f i ca — " H i s tór i a e cu l tura em Meu quer ido can iba l e
Hans S taden : um es tudo compara t ivo "— , v incu l ado ao p ro j e to
temát i co : "Descaminhos do v i andan te – espaço nac i ona l , f ron te i -
r as e des locamen tos na obra de An tôn io Tor res " , apo i ado pe l a
CNPq/UEFS . A in tenção des te es tudo é d i scu t i r acerca da cu l -
tu ra e da i den t i d ade nac iona l a par t i r da aná l i se cr í t i ca de ro -
mances e f i lmes que abo rdam a temát i ca iden t i tár i a , focando as
rep resen tações do índ io na cons trução do imag inár io bras i l e i r o .
O in te resse in ic i a l des te es tudo , na perspec t i va compara-
t i s ta , se deu pe l a forma como o c inema se cons tró i em espaço
de d ivu l gação da h i s tó r i a , ass im como a l i te ra tu ra ao t r a ta r de
temas que poss ib i l i t em o deba te de fa tos h i s tó r i cos , que podem
ser ress ign i f i cados tan to pe l a v i são do au tor/d i r e to r , como do
l e i tor/espec tador . U t i l i z a-se como corpus teó r ico : Când ido ( 1993 ) ;
Cou t i nho ( 200 1 ) ; Nag ib ( 2006 ) , den tre ou t ros .
A pergun ta pe l a iden t id ade cu l tura l da nação b ras i l e i r a tem
receb ido mu i tas respos tas ao longo dos sécu los X IX e XX . No
sécu lo XIX , essa d i scussão ocor reu pr i nc ipa lmen te no âmb i to da
l i t er a tura . Fo i a par t i r do roman t i smo que se passou a compre-
ender a formação da i den t i d ade nac iona l como resu l tado do
p rocesso de fusão cu l tu ra l e , com i sso , en tender o í nd i o como
s ímbo l o de nac iona l id ade e também como expressão das ma-
t r izes fo rmat i vas da iden t id ade cu l tura l b ras i l e i r a . Recen temen te ,
as comemorações dos qu inhen tos anos de h i s tór i a do Bras i l ,
desencadearam amp l a d i scussão sobre a s i tuação a tua l dos
í nd i os e re l ançaram o deba te sob re a nação . Inúmeras pub l i ca-
ções fo ram l ançadas com en foque nes te tema , p r inc i pa lmen te
d i scu t i ndo sobre o que ter i a s ido o descobr imen to e a fo rma
como e le se deu .
O f i lme Hans S taden ( 2000 ) , do d i r e tor car ioca Lu iz A lber to
Pere i r a e o romance Meu Quer i do Can i ba l (2003 ) , do escr i tor
ba i ano An ton i o Tor res foram l ançados como par te in teg ran te
dessas comemorações pe l os 500 anos de ‚descobr imen to ‛ . Am-
bas as obras apresen tam d i scursos que se ar t i cu l am com o de-
ba te em torno da i den t id ade cu l tura l , tendo como p i l ar re l a tos
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h i s tó r i cos , que servem de base tan to para o f i lme quan to para o
romance de To rres . Ambas focam o r i tu a l an t ropo fág i co ou can i-
ba l í s t i co dos Tup inambás , mas apresen tam v i sões an tagôn i cas
sobre o índ io , seus cos tumes e na cons t rução de uma
‚ id en t id ade bras i l e i r a ‛ .
2 A TEMÁTICA IDENT ITÁRIA NA L ITERATURA NAC IONAL
A re l ação en tre d i scu rso l i t er á r io e i den t i d ade nac i ona l é
uma cons trução re l a t ivamen te recen te . Ass im como o conce i to
de ‚nação ‛ , ho j e v i s to como uma c r i ação do sécu lo XVI I I , a
noção de ‚ l i t er a tu ra nac iona l ‛ or ig i nou-se na v i r ada do sécu lo
X IX , com os român t i cos a l emães , que d i vu lgavam a ide i a de que
uma l i t er a tura se de f ine pe l a sua a f i l i ação nac iona l , e pe lo fa to
de que deve i nco rporar o que se en tend i a como carac ter í s t i cas
espec í f i cas de uma nação .
No Bras i l do sécu lo X IX , a independênc i a po l í t i c a mob i l i zou
nos i n te lec tua i s o dese jo de con tr ibu i r para a fundação de uma
i den t i d ade nac iona l e a f i rmação da l i t er a tura emergen te . Segundo
Când i do ( 1993 ) , cons tru i r uma l i t e r a tu ra nac iona l , nesse per íodo ,
passou a se r uma espéc ie de m i ssão dos escr i tores b ras i l e i ros ,
que se l ançaram , en tão , na busca de aspectos que pudessem
con fer i r espec i f i c id ade a sua produção , tornando-a d i s t in ta , e
i nc lus i ve , po r es ta mesma par t i cu l ar id ade , à a l tu ra da que
emanava da Eu ropa .
A prob l emát ica da i den t i dade nac iona l en t re l aça-se po r
vár i as rep resen tações do í nd i o na cons t rução do imag inár io b ra-
s i l e i ro . De ingênuos , ignoran tes , bes tas se lvagens , indo l en tes , a
guerre i ros can iba i s , as represen tações dos i nd í genas , a l i ada à
descr i ção do espaço na tu ra l bras i l e i r o , g i ram em torno da inven-
ção de uma iden t id ade imag i nár i a e pode ser cons ide rada uma
cons tan te de nossa t r ad i ção l i t er á r i a . Para os chamados
‚ c ron i s tas dos descob r imen tos‛ , como Hans S taden , os hab i -
tan tes da te rr a ‚descober ta‛ em 1500 , pe l os por tugueses , eram
seres an ima l escos , sem va l ores c r i s tãos , a quem ta lvez nem
mesmo a ca tequese pudesse conver ter e sa l var , o que , des ta
perspec t iva co lon izadora , ju s t i f i ca r i a os genoc íd i os come t idos
pe l as mi ssões re l i g io sas e m i l i t a r es .
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A par t i r do f in a l do sécu l o XV I I I , quando o pro j e to român-
t i co re toma a f igura do índ io , uma nova perspec t i va é p ropos ta ,
subme t id a ao cr ivo de um o lhar oc iden ta l co lon izador e h i e rar -
qu izado . De acordo com Se ide l ( 2006) , o í nd i o nas obras român-
t i cas ind i an i s tas é carac te r iz ado como um eu ropeu educado e
‚ c iv i l i z ado ‛ , ocor rendo mesmo uma exacerbada idea l i z ação e uma
f a l s i f i cação de sua cu l tura e rea l i d ade . Desse modo , o índ io se
to rna o he ró i m í t i co e lendár io , s ímbo l o e e l emen to fo rmado r da
nac i ona l id ade bras i l e i r a .
Essa v i são m i to lóg ica ar t i f i c i a l de nossas or igens e a es t i l i -
zação eu rope izan te e cava lhe i resca do í nd i o fo ram duramen te
sa t i r i z adas pe l os modern i s tas da pr ime i r a fase , espec ia lmen te
por Oswal d de Andrade , que enxergou cr i t i camen te a amb i gu i -
dade fundamen ta l de p re tendermos ce l eb ra r nossas ra ízes ,
nossa pecu l i ar i d ade como povo , den t ro de uma ó t i ca que denun-
c i ava , em s i mesma , o nosso t r ansocean i smo , a nossa de-
pendênc i a cu l tura l da Eu ropa . Em 1928 , é pub l i cado o Man i fes to
An tropó fago , que p ropõe "devorar " in f luênc i as es t r ange i r as para
impor o cará ter bras i l e i r o à ar te e à l i t er a tura . Segundo O l i v i er i -
Gode t ( 2009 ) , o per í odo modern i s ta , in augu rado em 1922 , é o se-
gundo momen to impor tan te da in ter rogação s i s temát ica sobre a
p rob lemát i ca da iden t id ade nac iona l , depo i s do Roman t i smo .
Con tempo raneamen te , au tores au to imbu ídos da m i ssão de
recon ta r as h is tór i as sob a pe rspec t iva do co lon izado , do mar-
g ina l i z ado pe l a h i s tó r i a o f i c i a l e na ten ta t i va de conf ron ta r a
o r igem fundadora da nac iona l i d ade , rep resen tam o ind ígena em
uma versão mai s p róx ima do índ i o rea l , a exemp lo de An ton io
Tor res em Meu quer i do can iba l ( 2003 ) . Es ta narra t iva mu i to se
u t i l i z a da in te r tex tua l i d ade para recons tru i r , num es t i l o ao mesmo
tempo dramát ico e paród ico , a h i s tó r i a do Bras i l nos p r imó rd ios
da co lon ização ; ques t iona não somen te a versão o f i c i a l da
h i s tó r i a , mas também o l ugar que a nação bras i l e i r a rese rva ao
í nd i o , a rqué t ipo degradado no imag inár io nac iona l .
Percebe-se que as con trad i ções en tre pon tos de v i s ta de
co l on i zado res e co lon izados a i nda podem ser co locadas em d i s-
cussão , no sen t ido de uma permanen te re invenção po l í t i c a da
i den t i d ade b ras i l e i r a . Po r exemp l o : em que med ida o can iba l Cun-
hambebe de Hans S taden , re t r a tado no f i lme de Pere i r a , d i a l oga
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com o Cunhambebe , narrado po r Tor res? No en tan to , as repre-
s e n t a ç õ e s d a i m a g e m i n d í g e n a , ‚ c o l o n i z a d a s ‛ o u
‚desco lon izadas‛ , g i r am em to rno da invenção de uma i den t i d ade
i mag inár i a . Como af i rma Cou t inho ( 2002 , p . 54-55 ) :
As na ções s ão ‚comun ida d es im ag ina das ‛ , c r i ada s em
con t ex tos h i s t ó r i co s esp ec í f i cos e l i ga das a i n t e r ess es
p o l í t i c os d e g rupos d et e rm ina do s . [ . . . ] A s l i t e ra t u ras n a -
c i on a i s sã o ao mesmo tempo p ro du tos e cons t i t u i n t es
p a rc i a i s d a n a ção e d e s eu sen t i d o co l e t i vo d e id en t i -
d ad e na c ion a l ; [ . . . ] nã o s e r á n un ca um conce i t o h o -
mogêneo , ma s s ão con t rá r i o s a uma con s t ru çã o em
a b e r to , com amp l as e d iv e rs as fa ceta s , e qu e va r i a r á d e
a co rdo com as n ecess ida d es de a f i rma ção e au tod e-
f i n i çã o d e ca da moment o .
Por tan to , a aná l i se do percurso da p rob l emát i ca i den t i tá r i a na
l i t er a tura b ras i l e i r a reve l a a pe rs i s tênc i a de uma temát i ca que
perm i te exp l ora r ques tões fundamen ta i s que d izem respe i to ao
i nd i v í duo e à soc iedade , ev i denc i ando o pape l da l i te r a tu ra en-
quan to prá t ica de produção e de in terpre tação da cu l tura .
Desse modo , a re l ação da es té t i ca l i t e r ár i a com a cu l tu ra es tá
em cons iderá- l a como uma escr i ta que apresen ta imag inação ,
per tencen te a uma dada l í n gua , nação e per íodo de tempo . A
l i t er a tura mo lda e é mo ldada pe l a cu l tura v igen te ; cada geração
e l ege a sua l i t er a tu ra .
3 MEU QUER IDO CANIBAL ( 2003 )
O romance Meu Quer ido Can iba l ( 2003 ) , ten ta recuperar e
r ess i gn i f i car a f i gura de Cunhambebe , che fe supremo da nação
Tup inambá , que organ izou e comandou a Confederação dos Ta-
mo ios , em meados do sécu lo XVI . Dev i do às l acunas , à fa l ta de
re l a tos h i s tór i cos esc r i tos que comprovassem a h i s tó r i a dos ín -
d ios Tup inambás , o au tor u t i l i z a-se da es tr a tég i a de en t re l açar
passado e p resen te , rea l i d ade e f i cção , gerando ass im dúv i das e
ques t ionamen tos nos le i to res . Segundo Se ide l ( 2006 ) , nes ta nar -
ra t i va , o au to r enquan to nar rado r se im i scu i cons tan temen te ,
chegando por vezes a nos confund i r em re l ação aos l im i tes en-
t re o âmb i to f i cc iona l , o b i og ráf ico e o h i s tór ico .
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An ton io To rres , nes ta obra , ade re aos mi tos , às lendas so-b re os Tup i nambás , espec i a lmen te sob re Cunhambebe para po-der cons t ru i r o p ro tagon i s ta e preencher os vaz ios da h i s tó r i a , c r i ando ass im , um re l a to fasc inan te . Tor res (2003 , p . 9) in i c i a a
narra t iva com a famosa fr ase : ‚Era uma vez um í nd i o ‛ . Com i s-so , o au tor co loca o l iv ro em tom de fábu l a , de encan tamen to e i n troduz os l e i tores no un i verso mág i co do l í de r i nd í gena e con ta as be l ezas desse ‚para í so ‛ an tes da invasão po r tuguesa — a sagaz res i s tênc i a f í s ica e cu l tu ra l dos Tup inambás a t r avés da Con federação dos Tamo ios — , r eun i ão dos che fes índ ios da reg i -
ão do l i to r a l nor te pau l i s ta e su l f l uminense que oco rreu en tre 1554 e 1567 , cu jo pr inc ipa l ob je t i vo era expu l sa r os por tugueses que quer i am tomar suas te rr as , ma tando-os e/ou escrav i zando-os .
Como o p rópr i o t í tu lo anunc i a , na ob ra em ques tão , pe rce-be-se que há o envo l v imen to a fe t i vo do nar rador com o seu
personagem, o que se con f i rmará logo na l e i tu ra das p r ime i r as pág inas do l iv ro . Ass im , a versão de To rres da h i s tó r i a se assu-me p lenamen te como um exerc íc io de he ro ic iz ação dos índ ios Tup inambás e , em par t i cu l a r , de Cunhambebe . Ao l ongo da narração , o nar rado r ind i ca os l im i tes da recons t rução dos fa tos h i s tó r i cos , como sub l inha o uso reco rren te à pa l av ra
‚presum ive lmen te ‛ . Desse modo , o tex to p rob l emat iz a as narra t ivas h i s tó r i cas que mi n im i zaram o pape l e impo r tânc i a do g rande l í d e r Cunhambebe na res i s tênc i a aos co lon izadores .
No ta-se que as pr i nc ipa i s carac ter í s t i cas do heró i ind ígena re l ac i onam-se com o r i tu a l can i ba l í s t i co dos Tup inambás :
I l us t r í ss imo Cunhambebe . P e rm i t am-no s cons id e rá - lo o
p r im e i ro h e ró i d es t e pa í s d e a ven t u r e i r os , náu f ra go s , d eg reda dos , t ra f i ca n t es , p i ra t a s e co n t ra band is t a s . Um
t i p o i n esqu ec ív e l . [ . . . ] T i n ha um ód i o mo r t a l ao s co l on iz a -d o res . Ta n to q u e e ra ca paz d e f i ca r d i as e d i as sem
come r s e nã o t i vess e um po r tug u ês moqueado pa ra o s eu r ep as t o . Po r t an t o : o p r im e i r o r e i do B r as i l e ra um
ca n i ba l . Devo rava o in im ig o venc i do , so l en emen t e , pa r a r ecupe ra r as en e rg i a s d esp end i das n o emba t e [ . . . ]
( TO RRES , 2003 , p . 37 ; 4 2 ) .
O romance é organ izado em t rês par tes que marcam as
tempora l i d ades d i ve rsas da narra t iva : na pr ime i r a par te – ‚O ca-
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n iba l e os cr i s tãos‛ – a ação s i tua-se no tempo h i s tó r i co do p r i -
me i r o sécu lo da co lon ização b ras i l e i r a , foca l izando a d ispu ta en-
t re por tugueses e fr anceses pe l a conqu i s ta do ter r i tó r io que ho-
j e cor responde à c idade do R io de Jane i r o . Nes ta par te , o au tor
foca também o r i tu a l an tropo fág ico ou can iba l í s t i co dos índ ios , o
q u a l c au s a r a mu i t o e s t r an h amen to ao s co l o n i z ad o r e s
‚ c iv i l i z ados‛ .
Segundo To rres ( 2003 ) , os índ ios tup inambás devoravam o
i n im i go venc ido , so l enemen te , em reun iões fes t i vas , prá t icas de
cará ter re l i g io so , em qua l quer momen to da v ida co t id i ana . O sa-
c r i f í c i o dos p r i s ione i ros obedec ia a um ca lendár io de a t iv id ades ,
que pod i am du rar de do i s a tr ês meses . Pr ime i ro e les e ram pas-
sados por um per í odo de engorda , no qua l eram mu i to bem tr a-
tados , receb i am boa a l imen tação e a sa t i sf ação de todas as su-
as necess i dades , ‚quando o can iba l i smo tornava-se amoroso : a
cada pr is ione i ro e ra oferec ida uma mu l he r‛ ( TORRES , 2003 , p .
42 ) . Quando chegava o d i a do sac r i f í c io , todos os v iz inhos e ram
conv i dados para o banque te .
Na segunda par te do romance – ‚No p r inc í p io Deus se cha-
mava Monan ‛ – o narrador t r anspor ta-nos para o tempo mí t i co
das narra t ivas sobre a cr i ação do mundo , conf ron tando o l i vro
do Gênes i s às narra t ivas mí t i cas dos índ ios tup inambás ; na ter -
ce i r a par te – ‚V i agem a Angra dos Re i s ‛ – , o au tor s i tua a ação
no ‚ l im i a r do sex to sécu l o do descobr imen to do Bras i l ‛ , des lo -
cando repen t in amen te o le i to r para o tempo da sua con tempora-
ne i dade . O l i vro é um tex to h í br ido e inse re-se numa das ten-
dênc i as modernas da f i cção con tempo rânea que ques t iona os
seus l im i tes pe l a he terogene idade de formas e de vozes que
absorve , po i s o au to r co l oca de mane i r a rad ica l a ques tão da
f ron te i r a dos gêneros ao i ncorporar uma d ive rs i dade de formas
narra t ivas como : o re l a to h i s tór ico , a crôn i ca , o d i á r io , a narra t i -
va mí t i ca , sem con tudo , renunc i a r à f i cção .
4 HANS STADEN ( 2000 )
O f i lme Hans S taden ( 2000 ) , d i r i g ido po r A lber to Pere i r a ,
con ta a h i s tór i a de Hans S taden , um a l emão que fo i apr i s ionado ,
duran te nove meses , pe los Tup i nambás no l i to r a l f lumi nense , em
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1554 . S taden consegu iu sobrev i ve r dev i do aos seus conhec i -
men tos em ar t i l h ar i a e , ao re tornar para Hessen , sua c idade na-
ta l , esc reveu um dos p r ime i r os bes t-se l l e r s sobre o Novo Mun-
do , cu j a p r ime i r a ve rsão em l i vro fo i fe i ta em Marbu rg , na A l e-
manha , em 1557 , i n t i tu l ado P r ime i r os reg i s tros esc r i tos e i l us t r a-dos do Bras i l e seus hab i tan tes , no qua l descreveu as duas v ia-
gens ao ‚Bras i l ‛ . Es te l i vro de S taden é um dos c l áss icos da l i te -
r a tura h i s tór ica nos pr inc íp io s do co lon i a l i smo .
Nasc ido também na es te i r a das comemorações pe los qu i -
nhen tos anos de h i s tór i a do Bras i l , o f i lme Hans S taden , ass im
como o l i vro de To rres , foca l iz a o momen to de fo rmação do po-
vo bras i l e i ro e abo rda um ou tro aspec to impo r tan te da mi to log i a
do descobr imen to : o can iba l i smo ou an t ropofag i a . De acordo com
Nag i b ( 2006) , vár i as carac te r í s t i cas de Hans Staden apon tam não
apenas o l iv ro de S taden , mas também o f i lme , Como era gos to -so meu fr ancês ( 1 970) , como fon te p r ime i r a . Es te f i lme d i r ig i do
por Ne l son Pere i r a dos San tos t r a ta da an t ropo fag i a e base i a-se
também em re l a tos do a l emão Hans S taden , bem como nas des-
c r i ções do v i a j an te fr ancês Jean de Léry , escr i tas em seu d i ár io
de bordo em meados do sécu lo XVI .
A canção ind ígena da aber tura de Hans S taden faz eco ao
t í tu l o do f i lme de Ne l son San tos . Reco lh id a da t r i bo tupar i e re-
t r aba l hada po r Mar lu i M i r anda , e l a d iz em tup i : ‚Você é bom
[ gos toso ] , eu vou comê- l o ‛ (PERE IRA , 2000) . Também como no
f i lme an ter io r , esse can to guerre i ro dos índ ios acompanha os
c réd i tos in i c i a i s . E a inda como no f i lme de Ne l son San tos , cada
personagem fa l a sua l í n gua , ge rando a necess i dade de l egendas .
Mas ao mesmo tempo em que homenage ia o f i lme an te r i o r , Hans S taden não esconde a p re tensão de cor r ig i r as in f i de l i d ades h i s-
tó r i cas e v i sua i s de seu mode lo . O d i re tor qu is man ter -se o ma is
f i e l poss í ve l ao re l a to de Hans S taden , procurando embasamen to
h i s tó r i co para locações , mús i cas , danças , p in tu ras , e cos tumes
i nd í genas .
Desde o in íc io , a opção pe l a f id e l i d ade ao depo imen to de
Hans S taden de te rmi na um pon to de v i s ta narra t i vo ún ico . A h i s-
tó r i a é narrada em pr ime i r a pessoa , pe l a voz over do p róp r io
a to r Car los Eve l yn , que faz S taden , e as imagens se supõem
i lu s t r ações f i é i s de sua narra t i va . Ass im , o í nd i o bras i l e i ro ( no
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caso , tup inambá ) se apresen ta como a l te r id ade exó t i ca , po i s sua
imagem resu l ta do o l har descon f i ado e de fens i vo do narrador . A
mon tagem c l áss i ca em campo-con tra-campo reproduz o pon to
de v i s ta sub j e t i vo do heró i .
Como são v i s t o s po r o l hos es t r an ge i r os , os í n d i os t êm
s uas ca ra ct e r í s t i cas ‚ a u t ên t i c as ‛ exag e ra das a pon t o d e
be i ra r a d e fo rmação ex p ress io n i s t a . Quando can tam e
d an çam , t u do n e l es é ameaçador : o b ra n co d os o lh os
r ess a l t ad o p e l a p i n t u r a ve rme lha d o corpo , as b o ca s ,
t omadas em c lo s e-up e movendo-s e em esg ares , o s
ges to s e can t os [ . . . ] . As d an ça s e os can tos cons ta n t es
d os í nd io s , qu e ass im pa recem se man i f es t a r a ca da
n ovo a con t ec imen t o , a ca bam po r t r ans fo rma r o f i lm e
n um es t r anho mus i ca l em p l ena s e lv a , r e fo r ça ndo o co -
l o r i d o ex ó t i co (NAG IB 2006 , p . 1 1 2 ) .
Ass im , no f i lm e de A lb er to Per e i r a , o s í nd i o s f ic am exc lu í dos da
const rução do pont o de v i st a , ao con t r ár io de Meu quer id o can i b a l , cu j a nar r a t iv a é cen t r ada no per sonagem í nd i o . Ao t omar o r e l at o de
S t aden ao pé da l e t r a , em lu gar de apr ox imar- se do documento , H ans S t aden se en t r ega dec i d id amen te à f i c ção e ao c in ema de gêner o , no
caso , a nar r at i v a de aven tur a . O pon to a l to do f i lm e de A lb er to Per e i-
r a é a descr i ç ão/ex ib i ç ão det a lh ada dos cos tumes dos tup i s , n a qua l
S t aden re l a t a espan t o sament e sua exper i ênc i a de se r ameaçado
const an tement e de ser ob j e t o de um r i t u a l an t ropo f ág i co . Segundo o
au tor , f o i Deus quem o sa lvou de se r devo r ado pe l o s se res
‚ se lvagens e cr ué i s‛ , bem como de ou t r as s i t u ações per i gosas . Já no
l i v ro S t aden dec l ar a :
Ca ro l e i t o r ! D esc rev i t ão b revemen t e m in has v ia gen s
t e r r es t r es e ma r í t imas , p o i s a p ena s q u is na r ra r o i n í c i o
d e l a s , qu ando es t i v e em pode r do p ovo s e lv ag em e cru -
e l . Qu is mos t ra r como o Sa lv ado r d e t od os o s ma le s ,
N os so Senho r e Deus , com s eus pode res l i b e r t ou -me ,
s em que eu pudess e esp e rá - lo , do dom í n i o do s s e lv a -
g ens ( STADEN , 1 9 74 , p . 1 1 5 ) .
Desse modo , o f i lme se t r ans fo rma numa nar ra t i va de mi l a -
g res , r ea l i z ados ou parc i a lmen te encenados po r um eu ropeu as-
tu to , que só poder i a l evar a me lho r sobre í nd ios i ncu l tos e ingê-
nuos . Em per fe i ta consonânc i a com o re l a to de S taden , no f i lme ,
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
os í nd i os aparecem em carac te r iz ação i n fan t i l i z ada , a começar
pe l o can to agudo das mu l he res com voz de cr i ança . Apesar das
boas i n tenções ev iden tes do f i lme , o can i ba l i smo aparece como
uma cur ios i dade de um povo que f i ndou , sem de i xar tr aços , num
passado remo to , t r ans formando-se ago ra em fon te de humor
neg ro .
Para Nova i s ( 2009 , p . 36 ) S taden ao descrever o can iba l
Cunhambebe como ‚um grande homem, mas também um grande
t i r ano que gos tava de comer carne humana‛ , não rep resen ta o
r econhec imen to do va l or r i tu a l ou do sen t ido mora l da f igura de
Cunhambebe ; tr a ta-se de uma es t r a tég i a po l í t i c a que deno tava a
sua as túc i a em l id a r com os au tóc tones , para e l e , ignoran tes .
Mu i to do imag inár io que perpassa a imagem do índ io em
nossa soc i edade é pe rcep t í ve l nos f i lmes de f icção ou mesmo
documen tár io s , que en focam soc i edades ind ígenas . No en tan to ,
mu i tos desses f i lmes t iveram como re fe rênc ia não o índ io rea l ,
mas aque l e cons t ru í do pe l a L i tera tura de V i agens e/ou Român t i -
ca , marcadamen te idea l i zado , como a tes tam Hans S taden e os
i números "guaran i s " e " i r acemas " do nosso c inema .
5 CONSIDERAÇÕES F INA IS
A l i t e r a tu ra e o c i nema cons t i tuem documentos h is tór icos
va l i o sos para se compreender que rep resen tações uma soc i eda-
de cons tró i acerca de um de term inado tema . Produz idas em
tempora l i d ades d i s t i n tas , es tas man i f es tações ar t í s t i cas pe rmi tem
não apenas d i sc r im inar os t ipos de re l ac ionamen tos que se es-
tabe lecem en t re cu l tu ras d i vers i f i cadas , como também c l ar i f i ca r o
con jun to de imagens e sen t idos que con f i gu ram pa i sagens iden-
t i t á r ias do Nós e do Ou tro que , nas en t re l i n has de nar ra t i vas
f i cc iona i s , exp ressam s imbo l i smo de ordem h i stó r i co-cu l tu ra l .
No romance Meu quer ido can iba l d i scu te-se a man i pu l ação
da h i s tó r i a pe lo europeu e a subversão dos cos tumes i nd í genas .
O au to r avança na prob l emát i ca do s i l ênc i o do co lon izado e dá
voz ao Ou tro , ao índ io tup inambá , denunc i ando uma h i s tór ia de
b ru ta l i d ades come t id as pe los co l on i zado res . A ob ra é cons idera-
da como uma f icção pós-moderna , po i s desmascara o e tnocen-
t r i smo europeu para ques t ionar o d i scurso h i stó r i co . Tor res mer-
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
gu lha na cu l tura ind ígena em busca de vozes e ep i sód i os apa-
gados ou d i s torc idos nos reg i s t ros of ic i a i s da h i s tór i a que são
‚ abso rv idos e regurg i tados sob ou t r a fo rma , em uma can iba l i z a-
ção que busca a p róp r i a t ransg ressão dos l im i tes do romance
nac i ona l e das noções es tereo t ip adas de b ras i l i d ade que c i r cu-
l am en t re nós‛ ( SANTOS , 2006 , p . 156 ) ; t r az novas def in i ções do
pape l do í nd i o e de sua con t r i bu ição para a cu l tu ra b ras i l e i r a .
O f i lme Hans S taden o ferece uma versão a tua l i z ada da i -
den t id ade nac iona l , s i n ton izada com o esp í r i to g l oba l iz ado e o
c inema comerc i a l , embora foca l iz e o mesmo momen to fundador
da nação bras i l e i r a , ao ado ta r de modo ac r í t i co o pon to de v i s ta
de um ún i co pe rsonagem, de ixa de l ado o í nd io . O bras i l e i r o a tu -
a l , sugere o f i lme , deve se iden t i f i ca r com Hans S taden , eu ropeu
como tan tos que a inda v i vem no Bras i l de ho je e compõem as
c l asses i l u s t r adas . Os cos tumes i nd í genas aparecem como a tos
bárbaros de povos incu l tos , ju s t i f i cando a lu ta do bom heró i S ta-
den para l iv r ar -se de les e a l cançar o f i n a l f e l i z , ou se j a , r e tornar
a uma Europa c i v i l i z ada e saneada das ameaças an t ropofág icas ,
l i b er tá r i as e eró t i cas que fasc i naram os modern i s tas dos anos
20 e o c inema do f i n a l dos anos 60 . Em lugar da u top ia , tem-se
apenas um f i n a l f e l i z .
REFERÊNC IAS
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
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NOTAS
1 Bo l s i s ta In i c i ação C i en t í f i ca .
2 Depar tamen to de Le t r as E Ar tes (DLA) .
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E L AMOR DEVOTADO A DULC I N EA POR DON
QU IJOTE DE LA MANCHA : UN BREVE
COMENTAR IO
Arabe l le Nogue i r a A lves L i c en c i a t u r a em Le t r a s com L í n g u a Esp anho l a
e s p a nho l c l a s e@ya hoo . com . b r
Pro f . Ms. Edson O l iv e i r a da S i lv a 1 (o r i en t ador ) Un i v e r s i d a d e Es t a d u a l d e F e i r a d e San t a n a ( U E F S )
e d s onn . o l i v e i r a 2 8@y ahoo . com . b r
Resumen : Es te tr abajo tr a ta de un breve es tud i o sobre e l amor
de Don Qu i jo te por Du lc i nea en l a obra de Migue l de Cervan tes.
I n ic i aremos e l tr aba jo con una ac l arac ión sobre e l amor de l as
nove l as de caba l l er í a para l a mejor comprens ión de l sen t im ien to
que le t i ene e l pro tagon i s ta a su seño ra . Luego , haremos una
descr ipc ión acerca de l amor qu i jo tesco de l im i tando paráme tros y
rasgos de es te sen t im i en to , expon iendo a lgunos pasaj es de la
obra . An te lo d i cho , l a f ina l i d ad de es te es tud io es inves t i ga r co-
mo se demues tra d i cho amor en la re lac ión de Don Qu i jo te hac i a
Du lc i nea , ten i endo en cuen ta a lgunas teo r í as de l amor co r tés y
o tros rasgos de l amor en l a nove l a .
Pa l abras c l ave : Nove l as de caba l l er í a ; Amor qu i jo tesco ; Don Qu i jo-
te .
Resumo : Es te tr aba lho tr a ta de um breve es tudo sobre o amor
de dom Qu ixo te por Du lc i ne i a na obra de Migue l de Cervan tes .
I n ic i aremos o t raba lho com uma ac la ração sobre o amor das no-
ve l as de cava l ar i a para a me lho r compreensão do sen t imen to
que tem o p ro tagon i s ta por sua senhora . Em segu ida , f aremos
una descr ição sob re o amor qu ixo tesco de l im i tando parâme tros e
t r aços desse sen t imen to , expondo a lgumas passagens da ob ra .
D ian te d isso , a f ina l i d ade des te es tudo é inves t ig ar como se de-
mons tra ta l amor na re l ação de dom Qu ixo te para com Du lc ine i a ,
l evando em cons ideração a lgumas teo r i as do amor cor tês e ou-
ISSN 2236-3335
J 120
Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
t ros tr aços do amor no romance .
Pa l av ras-chave : Nove l as de cava la r ia ; Amor qu ixo tesco ; Dom Qu i -
xo te .
INTRODUCC IÓN
E l p resen te ar t í cu lo t r a ta de descr ib i r a l gunos pun tos sob re
e l amor de don Qu i jo te a Du lc inea en l a obra de Mi gue l de Cer -
van tes , además de es to , enseñaremos nues t ras re f l ex iones per -
sona l es y va lo rac iones acerca de ese tema .
In i c i a remos e l t r aba j o con una breve ac l a rac ión sobre e l
amor de l as nove l as de caba l l er í a para l a me jo r comprens i ón de l
amor que le t i ene don Qu i j o te a Du l c i nea . Luego , haremos una
descr i pc ión acerca de l amor qu i j o tesco de l im i tando paráme tros y
rasgos de es te sen t im i en to , expon i endo a lgunos pasa jes de l a
obra Don Qu i j o te de l a Mancha para l a iden t i f i cac ión de d i chos
rasgos en l a nove l a .
Según Ca l l e j a ( 2005) , e l amor en l a obra de Cervan tes t i ene
una concepc i ón no tadamen te idea l i s ta y es ta v i s i ón pos i t i va de l
amor s i rve para v incu l ar n í t i d amen te a don Mi gue l de Cervan tes
con e l Renac imi en to y para a l e j a r lo de l escep t i c i smo desconf i ado
y desengañado de l Barroco .
Basado en un es tud io senc i l l o y c l aro de l amor venerado a
l a mu je r en Don Qu i jo te de La Mancha , l a f ina l i d ad de es te ar t í -
cu l o es i nves t ig ar como se demues tra d icho amor en l a re l ac ión
amorosa de Don Qu i jo te hac i a Du l c inea en l a nove l a , ten iendo en
cuen ta a lgunas teo r í as de l amor co r tés .
1 RASGOS DEL AMOR CABALLERESCO
An tes que nada , para hab l ar sobre las carac te r í s t i cas de l
amor caba l l eresco es impor tan te que comen temos sobre e l amor
en l os l i b ros de caba l l e r í a , sobre todo l os p resen tes en e l Renac i -
m i en to españo l , que es tán basados en l a narra t iva de l amor
cor tés .
Según Romero ( 2008 ) , es sab i do que e l amor cor tés no es
un cód igo con normas es tab lec i das . No obstan te , s imp l i f i cando
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mucho , podemos reco rdar lo s s igu i en tes pun tos fundamen ta l es
que carac te r iz an ese amor :
1 .-E l aman te ha de se r obed i en te a su dama ;
2 .-As imi smo ha de man tenerse f i e l y l ea l ;
3 .-Se debe guardar e l secre to de amor y ev i ta r as í a lo s
ca lumn i adores ( l o s ‚ l auzeng ie rs‛ provenza les o l os ‚mezc l adores‛
de l a l i t er a tura cas te l l ana) ;
4 .-Po rque e l amor se con temp l a espec i a lmen te fuera de l
ma t r imon io , es un amor adú l tero .
5 .-E l aman te cons idera que su amada es un se r super io r a
é l ;
6 .-Por e l l o , para expresar sus sen t im i en tos acude a l len -
guaj e de l feuda l i smo :
6 . 1 .-En e l que é l se ve como e l vasa l lo , mi en t ras que ;
6 .2 .-Su amada es su señor feuda l (de ah í que se u t i l i c e e l
mascu l ino para re fer i r se a e l l a : ‚mi dons‛ o , en cas te l l ano , ‚mi se-
ñor ‛ ) ;
6 .3 .-A l a que debe e l se rv i c io de amor , ca l co de l serv i c i o
feuda l ;
7 .-En ocas iones , la d i s tanc i a en tre aman te y amada aumen-
ta has ta e l in f in i to , de manera que l a dama se conv i er te en e l
d ios de l aman te ; es to se ha l l amado l a re l i g ión de amor .
S i n embargo , con tr a r i ando l as carac te r í s t i cas de l amor
cor tés , descr i tas ar r i b a , para Mar i á tegu i ( 1969) , e l amor de l inge-
n ioso h ida l go es una consecuenc i a de su l ocu ra . Don Qu i jo te no
en l oquece po r es tar enamorado . Se enamora por es ta r loco . E l
amor en e l l i b ro de Cervan tes es tá , pues , en l a ca tegor í a de
s imp l e s ín toma de un desequ i l i b r io men ta l . Por o t r a par te , e l amor
de don Qu i j o te no es , rea lmen te , amor , s i no una i l u s ión de amor .
Es una au tosuges t i ón e ró t ica . Don Qu i jo te no se enamora , e fec t i -
vamen te , en n i ngún momen to . Se enamora só lo cuando recuerda
que un caba l l e ro andan te debe es tar enamorado y que é l ha
descu i dado tan impor tan te par t i cu l a r . Se enamora po r ser en to -
do , ta l como los caba l l eros descr i tos en los l i b ros de caba l l er í a .
M i en t r as que Ca l l e j a ( 2005 ) a f i rma que e l pe rsonaj e don
Qu i j o te e j emp l i f i ca en sus ú l t imos ex tremos e l cód igo caba l l eres-
co de l amor . E l amor con sus cua l id ades insos l ayab l es de cas to ,
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l e a l , sub l ime y d i f í c i lmen te a l canzab l e , es e l f a ro cons tan te de
todas sus acc i ones y e l máx imo ac ica te de todas sus empresas .
De en t re todos los caba l l e ros andan tes de l pasado , para Don
Qu i j o te será sobre todo Amad í s de Gau l a e l p ro to t i po y e l más
d igno de im i tac ión , espec i a lmen te en su compor tami en to de ena-
morado ; po r esa razón l a conduc ta de Don Qu i j o te se rá s i empre
equ iparab l e a l a de Amad í s .
Mar i á tegu i ( 1969 ) af i rma que s i Don Qu i j o te hub ie ra l e í do en
l os l i b ros de caba l l er í a que hab í an ex i s t i do muy famosos caba l l e -
ros andan tes s in amor y s i n dama , habr í a dudado much í s imo pa-
ra enamorarse . Y s i hub i e ra le ído que los caba l l e ros andan tes no
hab í an menes ter de enamorarse , no se habr í a enamorado por
n ingún mo t i vo . Con lo cua l se habr í a ahor rado l a desven tura de
que l os desag radec idos y v i l l anos ga leo tes lo agrav i asen y tun-
d iesen por haber l es dado l a orden imper i osa de que , en agrade-
c imi en to de su l i b er tad , fuesen a con ta r a Du l c i nea l a hazaña
cump l id a po r su caba l l ero en su nombre y obsequ io . E l amor t i e -
ne en Don Qu i jo te , como acabamos de ver , además de un pues-
to ad je t i vo , un sen t ido i rón ico , bur lesco y socar rón .
2 EL AMOR QU IJOTESCO Y PASAJES DE LA OBRA
2 . 1 EL AMOR COMO MOT IVAC IÓN PARA LA VALENTÍA DE UN
CABALLERO ANDANTE
Uno de los rasgos de l amor de don Qu i j o te es que su sen-
t im i en to hac i a Du l c inea s i rve como mo t i vac ión para su va l or y
va l en t í a , l o que se puede ver i f i car en e l cap í tu lo V I I I de l a pr i -
mera par te (CERVANTES , 2004 , p . 82 ) :
- ¡ Oh , s eño ra d e m i a lm a , Du l c i n ea , f l o r d e l a h e rmosu ra ,
s o co r r ed a es t e vu es t r o caba l l e ro , qu e p o r sa t i s fa cer a
l a vues t ra mucha b ond ad en es t e r i gu roso t ra n ce s e
h a l l a !
E l d ec i r es to , y e l ap r e t a r l a es pa lda , y e l cub r i rs e b i en
d e s u rod e la , y e l a r r emet e r a l v iz ca ín o , t o do f u e en u n
t i empo , l l e va ndo d et e rm i na c i ón d e a ven t u ra r l o t od o a l a
d e u n go lp e so lo .
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2 .2 EL AMOR QUIJOTESCO ES IDEALZADO Y SUBLIME
Para Don Qu i jo te , Du lc inea abarca todas l as pe rfecc iones ,
es be l l a , r e f in ada , per fumada , su amor po r e l l a y e l se r caba l l ero
andan te hace ver l a de fo rma idea l iz ada . Lo que se demues t ra
en e l cap í tu lo X de l a segunda par te , en l a que Don Qu i jo te a t r i -
buye a l os encan tadores e l conver t i r se a su Du l c inea en una
‚ a ldeana fea y con un o lo r de a jos crudos‛ (CERVANTES , 2004 ,
p . 622 ) :
[ … ] Y ha s t amb i én d e a dve r t i r , San cho , qu e no s e con -
t e n t a r on es t os t ra i do r es d e h ab e r vu e l t o y t ra ns f o rmado
a m i D u lc i nea , s i n o q u e l a t ran s fo rma ro n y vo lv i e ro n en
u na f i g u ra t a n ba j a y t an fea como l a d e aq ue l l a a l dea -
n a , y j un tamen t e l e qu i t a r on lo qu e es t an s uyo d e l as
p r i nc i pa l e s s eño ras , q ue es b u en o lo r , po r an da r s i emp re
en t re ámba res y en t re f l o r es . Po rqu e t e hago sab e r ,
Sa n cho , qu e cu ando l l e gu é a su b i r a Du l c i n ea so b re s u
h a can ea , s eg ún tú d i c es , qu e a m í me pa rec ió b or r i c a ,
me d io un o l o r de a j os c rudo s , q u e me enca l ab r i nó y
a tos ig ó e l a lma .
Según Ca l l e j a ( 2005 ) , para Don Qu i j o te , Du lc inea es e l
cúmu lo de todas l as per fecc iones : be l l eza , hones t i dad , d i scre-
c ión , re f i n ami en to , y eso porque su amor por e l l a , y su cond i c i ón
de caba l l ero andan te le induce a ver l a de fo rma to ta lmen te idea-
l i z ada .
Concordando con e l pár rafo an te r i o r , Don Qu i jo te no ahorra
ha l agos a l descr i b i r a es ta mu je r amada , como se re f l e j a en e l
cap í tu l o XXV de l a pr imera par te (CERVANTES , 2004 , p . 244 ) :
[ … ] Po rq u e h as d e s ab e r , Sa n cho , s i no l o s ab es , q u e
dos cosa s so la s i n c i t a n a ama r , má s q ue o t r as , qu e s on
l a mucha h e rmosu ra y l a b uena f ama , y es tas dos cos as
s e ha l l a n co nsumadamen t e en Du lc i nea , po rqu e en s e r
h e rmos a , n in gu na l e i g ua l a , y en l a b uena fama , po cas l e
l l e gan .
Según Reyes ( 2006) l a presenc i a de Du l c i nea es e térea .
Don Qu i jo te comenzó po r escoger su p rop io nombre ; después
buscó lo de su caba l l o y por ú l t imo pensó que n i ngún pape l har -
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í a como Caba l l ero Andan te s i no f i j aba sus ardo res sen t imen ta l es
en una dama que tuv ie ra todas l as per fecc iones . Su ce rebro
buscaba a una pr incesa emparen tada con todo lo d i v ino a l a
cua l pod í a é l some terse env i ándo l e a lo s caba l l e ros que pud i ese
der ro ta r en e l campo de ba ta l l a ; ta l es seño res deb í an i r a l Tobo-
so , l ugar de buen nombre y de espec i a l be l l eza na tu ra l , donde ,
h incándose de rod i l l as , le d i j er an a l a d iosa que su enamorado
l os hab í a venc i do en buen combate y l es hab í a ordenado pre-
sen ta rse an te e l l a . Na tura lmen te l a pe rmanen te presenc i a de Du l -
c inea era sub l ime y e té rea . Para ca ta l ogar e l amor de don Qu i j o -
te tamb i én es impos ib le y puede cons idera rse tamb ién como una
i n terp re tac ión román t i ca de una pas i ón soñada y nunca v i s ta .
En e l cap í tu l o XXX I de la pr imera par te , tr as Sancho en-
con t rarse con l a presun ta Du lc inea , le d ice a don Qu i jo te : ‚Lo
que sé dec i r es que sen t í un o lo rc i l l o a lgo hombruno , y deb í a de
se r que e l l a , con e l mucho e je rc ió , es taba sudada y a l go co rreo-
sa‛ (CERVANTES , 2004 , p . 3 12 ) .
Con mucha segur idad l e con tes ta Don Qu i jo te a Sancho
que ‚No ser í a eso , s ino que tú deb í as de es ta r romad izado o te
deb i s te de o l er a t i mi smo , po rque yo sé b ien a l o que hue le
aque l l a rosa en tre esp i nas , aque l l i r i o de l campo , aque l ámbar
des l e í do . ‛ (CERVANTES , 2004 , p . 3 12 ) :
La af i rmac i ón de don Qu i jo te re f l e ja e l amor idea l i z ado y
sub l ime que é l s ien te por Du l c i nea , pues to que l a de f i ende todo
e l t i empo y es un amor p ro tec tor que no perm i te que nad i e l e
haga in j ur i as , lo que es una carac ter í s t i ca de l amor t rovadoresco
( REYES , 2006) .
2 .3 LA LEALTAD Y FIDEL IDAD DEL AMOR QUIJOTESCO
La l ea l tad y f ide l i d ad es o tro rasgo de l amor de Don Qu i jo -
te , lo que se ver i f i ca en e l cap í tu l o XXX de l a p r imera par te ,
cuando Sancho se eno j a con su amo cuando és te d i ce que no
se casará con l a p r i ncesa que le dará muchas r i quezas po r p re-
fe r i r a Du lc inea (CERVANTES , 2004 , p . 306 ) :
¡ Vo to a m í y j u r o a m í qu e no t i en e vu es t r a merced , s e -
ñ o r don Qu i j o t e , ca ba l j u i c i o ! P u es ¿cómo es po s i b l e q u e
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pone vues t ra me rced en duda e l cas a rs e con t a n a l t a
p r i ncesa como aqués ta ? ¿P i en sa q ue l e ha d e o f r ecer l a
f o r t una t r as cada ca n t i l l o seme ja n t e ven tu ra como l a q u e
a ho ra s e l e o f r ece? ¿Es po r d i cha más h e rmosa m i s e -
ñ o ra Du l c i n ea? No , po r c i e r t o , n i aú n con l a m i t ad , y a un
es t oy p o r d ec i r q u e no l l eg a a su za pa t o d e l a qu e es tá
d e l a n t e . As í , no rama la a l ca nza ré yo e l co nda do qu e es -
p e ro , s i v u es t ra me rced s e an da a p ed i r co tu fas en e l
g o l fo . C ás es e , cás es e lu ego , en com i én do l e yo a Sa ta ná s ,
y tome ese r e in o q u e s e l e v i en e a l a s manos d e vob is
vob is , y en s i en do r ey , hág ame ma rq u és o a d e l an t ado , y
l u eg o , s i qu i e ra , s e l o l l e v e e l d i ab lo t o do .
D on Qu i j o t e , qu e t a l es b l as f em i as oyó d ec i r co n t ra su
s eño ra Du l c i n ea , no lo pudo su f r i r , y , a l za ndo e l l anzón ,
s i n ha b l a r l e pa l a b ra a San cho y s in dec i r l e es ta es m ía ,
l e d io t a l e s do s p a l os , q u e d io con é l en t i e r ra ; y s i n o
f u e ra po rqu e Do ro t ea l e d i o vo ces qu e no l e d i e ra más ,
s i n d ud a l e qu i t a r a a l l í l a v id a .
En e l pár rafo an ter io r , podemos perc i b i r lo f i e l y lo lea l que
es don Qu i j o te con su amada , aunque se l e hub i eran dado l a
opor tun idad de poder casarse con una p r incesa que l e har í a r i -
co , se man t i ene f i e l a Du l c inea , l l egando has ta e l pun to de i r se a
go lpes con su escudero y amigo Sancho .
2 .4 . EL AMOR SUFR IDO Y NO CORRESPOND IDO
E l amor qu i jo tesco tamb ién se carac ter i z a po r ser su fr ido y
no cor respond i do y se demues tra en e l cap í tu lo XXV de l a p r i -
mera par te (CERVANTES , 2004 , p . 238 ) :
… ¡Oh Du l c i n ea d e l T oboso , d í a d e m i no ch e , g l o r i a d e m i
pena , no r t e d e m is cam in os , es t r e l l a de m i v en tu ra : as í e l
c i e l o t e l a d é bu en a en cua n to a ce r t a r es a p ed i r l e , q u e
cons id e r es e l l u ga r y e l es t ad o a qu e tu au sen c i a me ha
conduc i do , y qu e con b uen t é rm i no co r r es ponda s a l q u e
a m i f e s e l e d ebe ! ¡O h so l i t a r i o s á rbo l es , qu e d es de h oy
en a d e l an t e h ab é is d e ha ce r compañ ía a m i s o l edad , d ad
i n d i c i o con e l b l an do mov im i en t o de vu es t ra s ramas q u e
n o os d esa g rad e m i p r es en c ia ! ¡O h t ú , es cude ro m ío ,
a g rad ab l e compañe ro en m is p rós pe ros y a dve rs os s u -
ceso s , t oma b i en en l a memo r i a l o qu e aq u í me verá s
h a ce r , p a ra qu e l o cu en t es y r ec i t es a l a ca usa to t a l d e
t od o e l l o ! .
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E l sen t im i en to presen te aqu í es tá cargado de suf r im i en to
para Don Qu i j o te . No obs tan te , é l c ree que sus ac t i tudes y va-
l en t í a l e harán d igno un d í a a l co razón de Du l c i nea . Ese f r ag-
men to tamb i én sug i ere que ese amor ta l vez nunca ocur ra , por
esa razón , se carac te r i z a como no cor respond ido , tan to que l e
p ide a Sancho para que memor i ce todas sus hazañas y aven tu -
ras para que és te d iga a l a gen te cuá l ha s ido l a causa , como s i
sup i era que term inar í a sus d í as s in tener a su l ado a l a amada .
2 .4 . EL AMOR ES UN IPERSONAL Y UN ILATERAL
A l o la rgo de l a nove l a , no tamos que e l Caba l l ero Andan te ,
sa l e de s i y se o l v ida de su persona para pensar so l o en Du l c i -
nea . La amada no se encuen tra cerca . Es un amor un ipersona l
y un i l a tera l . Hay de todo en es ta pas i ón un i l a te ra l : e l su j e to s i en -
te in fe l i c id ad y a l t i empo a l egr í a , como ocu rr ía con los famosos
aven tu re ros de l amor cor tés que ten í an como norma e l amor
pos te rgado has ta e l i n f in i to que se confunde con e l masoqu i smo
y que según a lgunos l a pas ión va aumen tando cuan to más es
humi l l ada (REYES , 2006 ) .
CONSIDERACIÓN FINAL
As í , a tr avés de a lgunos pasaj es de l a nove la y de nues-
t r as ref lex iones persona l es , cor roboradas con l os argumen tos
de a lgunos au to res , podemos s i tua r e l amor qu i j o tesco den t ro de
l as carac ter í s t i cas de un amor co r tés , i dea l i s ta y devo tado . En
es te sen t ido , esperamos que nues tro abo rda je invo l uc re aún
más a los que l ean es ta nove l a , que es tan impor tan te de l a l i t e -
ra tura españo l a y que con t r ibuya de a lgún modo a amp l i a r l o s
conoc imi en tos acerca de es ta obra cervan t in a .
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
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f eb . 20 1 1 .
NOTAS
1 Depar tamen to de Le t r as e Ar tes (DLA ) .
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R ETRATOS DO SERTÃO NO VOCABULÁR IO DA
OBRA ESSA T ERRA , DE ANTÔN IO TORRES
Ana Cé l i a Coe lh o 1
L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
h a n n a _ c e l i a @ i g . co m . b r
I v anet e Mar t i n s de Jesus 2 L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
v on e _d e j e s u s@ ho tma i l . c o m
Jac i l e n e Mar ques Sa l omão 3 L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
j a c i l e n e _ma rq u es @h o tma i l . c o m
Ja i lm a dos San t o s F ig ue redo L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
j a i _ h t a@ ya hoo . com . b r
Po l i an a dos San to s A lexandr i no L i c e n c i a t u r a em Le t r a s Ve r n á c u l a s
p o l i _ a l e x a nd r i n o@ ho tma i l . c o m
Resumo : No presen te ar t igo encon t ra-se um levan tamen to l ex i ca l
r e fe ren te ao un i ve rso t ip icamen te se r tane j o , presen te na obra
Essa Terra ( 2008) , do escr i tor An tôn i o Tor res. O romance narra
o drama de uma fam í l i a nordes t in a , cu jo f i l ho Ne lo m igra para
São Pau lo , em busca de me lho res cond ições de v i da , so f rendo
es te as consequênc i as ps i co lóg icas e soc i a i s da mi gração . Sabe-
se que o l éx ico de uma l í ngua na tura l é i n t imamen te l i g ado à
h i s tó r i a e à cu l tura de um povo , e acaba por reproduz i r va lo res
e reco r tes ún i cos da soc i edade . Por tan to , a par t i r dos vocábu los
l ex ica i s se l ec ionados , aborda-se o s ign i f i cado/sen t ido des tes ,
quando u t i l i z ados den t ro do con tex to ser tane jo .
Pa l av ras-chave : Léx ico ; cu l tura ; soc i edade
Abs trac t : In the p resen t a r t i c l e i s found a l i f t i n g l ex i ca l r egard i ng
the un iverse typ ica l l y in l and , p resen t in the work Essa Ter ra
( 2008 ) , wr i t ten by An tôn i o Torres . The nove l te l l s the drama o f a
Nor theas te rn fam i ly , whose son Ne lo m i gra tes to São
Pau lo ,search ing fo r be t te r l i v i ng cond i t i ons , su f fe r i ng the
ISSN 2236-3335
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psycho l og i ca l and soc i a l consequences o f mi gra t ion . We know
tha t the lex i con of a na tura l l anguage i s in t ima te l y connec ted to
h i s to ry and cu l ture o f a peop l e , and rep roduces soc i e ty ´s va l ues
and typ i ca l c l i pp i ngs . There fo re , f rom the l ex ica l words se l ec ted ,
ana lyzes the mean i ng o f words , when used w i th in the i n l and
con tex t .
Keywords : Lex i con ; Cu l ture ; Soc ie ty .
1 INTRODUÇÃO
An tôn io To rres é romanc i s ta , con t i s ta e cron i s ta , nasceu
em 13 de se tembro de 1940 , no povoado do Junco , ho je a
c idade de Sá t i ro D i as/BA . Sua ob ra f icc i ona l , que , a té o p resen te
momen to , cons ta de dez romances e uma b reve an to log i a de
con tos , encon tra-se i n t imamen te l i g ada a sua b iog raf i a . O
escr i tor conv iveu , desde a in fânc i a , com as ag ru ras da seca e
os f l uxos m ig ra tó r io s , deco rren tes das d i spar id ades soc i a i s en t re
as reg iões bras i l e i r as , em espec i a l , no que tange ao No rdes te e
ao Sudes te , bem como o des locamen to in t raes tadua l – nes te
caso , para mun ic íp i o s in te r io r anos v i z inhos (A l ago inhas e Fe i r a
de San tana) e para a reg i ão me tropo l i t ana de Sa l vador . Mudou-
se aos 20 anos para São Pau lo , v i vendo e l e p róp r io a
exper iênc i a de m ig ração i n te rna .
Não por acaso , o des l ocamen to cons tan te e os encon tros
e desencon t ros com as ra ízes são temas reco rren tes nas
p roduções to rres i anas , bem como os con f l i to s iden t i tár io s t íp icos
de ta i s s i tuações . A es tre i a na l i t er a tura deu-se em 1972 , com
Um cão u ivando para a lua , no qua l a l i n guagem empregada
r eve l a j á uma carga reg i ona l i s ta do tada de s i gn i f i ca t i va
p rop r i edade f ren te às incu rsões mai s t rad i c i ona i s no gênero . A
par t i r da í , temas como a a l ter id ade na es fera da h i s tó r i a
b ras i l e i r a não o f ic ia l , a mig ração , a sensação de não
per tenc imen to e a r i queza con trad i tór i a das memór i as ser i am
temas abordados em sua f i cção .
O romance Essa Terra ( 2008 ) , de An tôn io Tor res , narra
uma h i s tó r i a que se passa no i n te r i o r da Bah i a , em uma
c idadez inha chamada Junco , do se r tão no rdes t ino , e re l a ta a
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exper iênc i a de uma fam í l i a que padece as consequênc i as da
seca , na caa t i nga ba i ana . Também re tr a ta o d rama da m ig ração
nordes t in a para São Pau lo e suas consequênc i as ps ico lóg i cas e
soc i a i s . Sob a ó t i ca do nar rado r-personagem To tonh im , o i rmão
ma i s novo de Ne l o , é poss íve l conhecer as nuances desse
fenômeno soc i a l tão f requen te na rea l i d ade bras i l e i r a .
Os t raços ser tane jos na cu l tura e no modo de v i da dos
hab i tan tes do Junco são t r az idos por Tor res , nes ta obra ,
formando um perfe i to re t r a to do lugar e do povo a t r avés de
recu rsos imagé t i cos , sono ros e l i n gu í s t i cos . No p resen te es tudo ,
o en foque se rá dado aos recursos l i ngu ís t i cos usados no
romance para re tr a ta r a essênc i a cu l tu ra l de uma c idade no
se r tão ba i ano . Sendo a l í n gua a expressão p r ime i r a da cu l tura
de um povo , é a t r avés das esco lhas l ex ica is dos fa l an tes do
Junco , re t r a tadas po r An tôn io To rres , que se rá poss í ve l uma
imersão no modo de v ida se r tane j o .
2 SOBRE O ROMANCE ESSA TERRA ( 2008)
O romance Essa Terra fo i pub l i cado em 1976 , a tua lmen te
es tá em sua 23 ª ed ição e j á fo i tr aduz i do para o fr ancês , i ng lês ,
a l emão , i ta l i ano , ho l andês , heb ra i co e espanho l (Cuba) . É o l iv ro
que consagrou An tôn io Torres como um dos mai s l i d os e
quer idos escr i tores b ras i l e i ros con temporâneos . Em 2000 , o
esc r i tor ba i ano teve o reconhec imen to de f in i t i vo , ao receber o
P rêm io Machado de Ass i s , da Academi a B ras i l e i r a de Le tr as , pe lo
con jun to da sua ob ra .
A ob ra em aná l i se apresen ta-se d i v id id a em qua tro par tes :
‚ Essa te rr a me chama‛ , ‚Essa ter r a me enxo ta ‛ , ‚Essa ter r a me
en l ouquece‛ e ‚Essa terr a me ama‛ . É nar rado em pr ime i r a
pessoa , cu jo narrador é To tonh im , um dos doze i rmãos de uma
fam í l i a pobre que mora no in ter io r da Bah i a . A narra t i va tem
como cenár io o ser tão b ras i l e i ro e sua t r i s te rea l i d ade : a fome , a
m i sér i a , a seca e a re l i g io s i dade . O espaço no qua l se desen ro l a
a t r ama é o Junco , um pequeno povoado do i n ter i o r ba i ano ;
todos os membros des ta famí l i a hab i tavam e moravam na roça ,
a té que Ne lo , o f i l ho mai s ve lho , mi gra para São Pau l o , em busca
de me l hores cond i ções de v ida , para s i e para os seus .
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Como se sabe , ao l ongo da h i s tór i a do Bras i l , a mig ração
se to rnou um processo compu l só r io : os mi gran tes são
obr i gados a de i xar sua terr a em busca de uma v i da me lhor em
ou tro l ugar ou ou tro pa í s . Os mi gran tes mais desprov idos de
recu rsos econômicos – a ma ior i a abso l u ta – encon t ram mu i tas
d i f i cu ldades nesse processo de mi gração , que acaba po r se
to rnar uma grande i l u são , f azendo com que mu i tos desses
des i lud idos tomem o cam inho de vo l ta , quando i sso é poss í ve l .
É nesse emaranhado de con tras tes que se s i tua a narra t iva de
An tôn io Tor res no romance Essa te rra ( 2008 ) , cu j os
personagens v ivenc i am exper i ênc i as f rus t r an tes de m igração .
A lém de sua própr i a von tade de sa i r do Junco , Ne lo
sempre fo i in cen t i vado e , a l gumas vezes , a té forçado por sua
mãe a i r embo ra , v i s to que e l a sempre ac red i tou que e l e
consegu i r i a enr iquecer na c idade grande e vo l tar para a judar a
f am í l i a : ‚Cresce logo , men ino , pra você i r para São Pau lo ‛ (Essa te r r a , p . 63 ) . Seu pa i não conco rdava com a ide i a , ac red i tava
que e l es t inham que te r amor à ter r a e , po r i sso , dev i am
permanecer ne la . O pa i não gos tava das mudanças propos tas
pe l a mu lhe r , que r i a que os f i l hos t r aba l hassem na te rr a , com a
enxada ass im como seu pa i e seu avô hav iam fe i to .
Aos v in te anos , Ne lo f in a lmen te par te para São Pau l o ,
l evando na bagagem todas as esperanças de sua famí l i a e de
todo povo do Junco . Porém , a rea l i d ade encarada por Ne lo , em
São Pau l o , é bem d iversa da imag inada pe los que f ica ram no
Junco .
[ . . . ] um d i a p egou um cam in hão e sum i u n o mundo pa r a
s e t ran s f o rma r , como que p o r en ca n tamen t o , num
homem be l o e r i co , com s eu s d en t es d e o u ro , s eu ter n o
f o lga do e q u en t e d e ca s im i r a , s eus ra y -ba ns , s eu r ád i o
d e p i l ha [ . . . ] . O ex emp lo v ivo d e qu e a n oss a t er r a
t ambém pod ia g er a r g r and es h omens [ . . . ] . – Ca boco
s et en ta . T u va l e po r s et en ta d es t e l uga r . (TORRES , 2008 ,
p . 1 1 )
A cond i ção de exc l usão e marg ina l i z ação a que é
subme t ido na c idade g rande , gera em Ne lo a cond i ção de su j e i to
sem l ugar de f in ido : de um l ado , o Junco com a sua pobreza , o
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caos fami l i ar e a cer teza de um fu turo mi seráve l ; do ou t ro , São
Pau lo , t i d a como o sonho dou rado de uma v ida d igna ,
ap resen tando-se agora como um i n fe rno , um l ugar onde e l e não
quer i a es ta r .
Aqu i v i v i e mo r r i um pouco t odo s os d i as . N o me i o da f umaça , n o me io d o d inh e i ro . N ão s e i s e f i co o u se vo l t o . N ão s e i s e es tou em São Pau l o o u n o J un co . (TORRES , 2008 , p . 6 3 )
Não tendo ma i s como sobrev i ve r na c i dade g rande e
após uma des i lu são amorosa , quando vê sua fam í l i a des t ru í da ( a mu lher e os do i s f i l hos fogem para morar com o seu p r imo ) , Ne lo dec ide en tão vo l tar para o Junco , após v in te anos em São Pau lo , sem saber ao ce r to o que lhe aguardava . Com uma es tad i a um tan to quan to tu rbu len ta em São Pau lo , o regresso às ra ízes parece se ap resen ta r como a a l te rna t iva ma i s v i áve l .
A p ob r ez a , o s u bd es en vo l v im en t o , a f a l t a d e o po r tun i dad es [ . . . ] p od em f o r ça r a s p esso as a m ig r a r , o q u e cau sa o espa l hamen to – a d i s pe r são . Mas ca da d i s s em ina çã o ca r r ega cons i go a p romessa do r e to rn o r ed en to r (HALL , 2003 , p . 2 8 ) .
Porém , o que Ne l o tr az i a na bagagem era frus t r ação e seu
re torno não t inha a áurea que a c idade esperava . Ao chegar , é
receb ido por To tonh im , seu i rmão ma i s novo – o ún i co de sua
fam í l i a que a i nda res ide no Junco – e pe l o povo daque l a te rr a ,
que v i am em sua chegada a respos ta de a lguém que venceu na
c idade grande : ‚Um monumen to v i vo , em carne e osso . O
exemp l o v i vo de que a nossa te rr a também pod i a ge rar g randes
homens‛ (TORRES , 2008 , p . 1 1 ) .
Essa respos ta é v is ta qua t ro semanas depo i s , quando , não
encon t rando forças para des t ru i r as expec ta t i vas daque le povo
em re l ação ao seu supos to sucesso , u t i l i z a-se da mor te como
re fúg io , sendo encon trado por seu i rmão , pendurado em um
amar rado r de rede , na sa l a da casa do avô . O su ic íd io de Ne l o
causa grande espan to e comoção no povoado ; seus paren tes
f i cam mu i to aba l ados e o se i o fam i l i a r deses tru tu rado ; sua mãe ,
to rna-se , po i s , tempo rar iamen te , l ouca .
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3 RELAÇÃO ENTRE LÉX ICO CULTURA E SOC IEDADE
O léx ico se cons t i tu i ou se def ine como um acervo ou
pa t r imôn i o l i n gu í s t ico de uma comun i dade , represen tando os
fa l ares de povos d i ve rsos . Po i s , sendo o l éx ico um s i s tema
aber to e in f in i to da l í n gua , aque l e abarca em sua con jun tura
d i a l e to s , g í r i as , l í n g ua popu l a r e p ad rão , n eo l o g i smo s ,
es t r ange i r i smos e tc . Esse processo d i nâmi co do léx ico re f l e te ou
d i r ec iona a v i vênc i a h i s tór ica e cu l tura l de uma soc i edade . Dessa
mane i r a , não há como se es tudar a h i s tó r i a e cu l tu ra de um
povo sem levan ta r o seu con jun to l ex ica l ; ambos são
i nd i ssoc i áve i s , uma vez que o léx i co se faz como o esp í r i to de
gerações , reve l ando suas id i o ss inc ras i as . Segundo a f i rma
Abbade ( 2006 ) :
L í ngu a , h i s t ó r i a e cu l t u r a cam i nh am s empre d e mãos
d ada s e , p a ra conhece rmos cad a um des s es as pect os
f az -s e n ecess á r i o me rgu l ha r no s ou t r os , p o i s n enhum
de l es cam inh a s oz in ho e i nd ependen t e . P o r t a n t o , o
es t ud o da l í n gu a d e um povo é , con seqüen t emen te , um
me rgu lh o n a h i s t ó r i a e cu l t u ra d es t e p ovo . (A BBADE ,
2006 , p . 2 14 )
Sendo o s i s tema l ex ica l de uma dada soc i edade a
exp ressão pr ime i r a soc iocu l tu ra l daque l a , pode-se conhecer a
h i s tó r i a e a fo rma de apropr i ação de conhec imen to produz ido
pe l os seus usuár i os . Ass im , o l éx i co se con f igura como
verdade i r a j ane l a para as vár i as v ivênc i as que i n f lu enc i am na
soc i edade e sua organ ização , po i s o n íve l de desenvo l v imen to
daque l a de te rmi na o léx ico de l í n gua , reve l ando-se , por f im , os
seus va lores , crenças , cos tumes e mod i smos. Ou se j a , a par t i r
de um es tudo l ex ica l em uma l í ngua , pode-se perceber as
nuances que reve l am os caminhos e descam inhos pe l os qua i s
perco rreram a soc i edade usuár i a daque l a e , po r consequênc i a , a
human i dade .
A par t i r da evo l ução das soc i edades , novas exp ressões
são cr i adas e inco rpo radas ao l éx i co para abarcar novos
conhec imen tos , novos háb i tos e cos tumes . Com i sso , as
mudanças soc i a i s , cu l tura i s e econômicas oco rr id as em uma
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
soc i edade de term inam in tensamen te as cons tan tes mod i f i cações
no s i s tema lex i ca l , uma vez que , esse s i s tema tem função soc i a l
e serve às necess idades de comun icação de seus usuár ios .
Por se r a l i t er a tu ra também uma man i f es tação cu l tu ra l ,
aque l a abarca reco r tes ún i cos de um dado per íodo e de um
povo . Ass im , a par t i r da esco lha l ex i ca l de cada escr i tor ,
nuances de uma soc i edade se rão reg i s t r adas em um dado
per íodo . Por tan to , em Essa ter r a , pode-se perceber a fo r te
re l ação es tabe l ec ida en t re o re t r a to soc i a l e o vocabu l á r io
se l ec ionado pe lo au tor . Esse cons t ró i , po is , o un i ve rso do
homem no rdes t i no e reve l a suas carac ter í s t i cas soc iocu l tura i s
par t i cu l ares .
4 O ESTUDO DO VOCABULÁR IO
Para se efe t iva r um es tudo léx i co-semân t i co na obra Essa Terra , f az -se ind i spensáve l cons iderar o contex to no qua l fo i
p roduz ida , po i s , dessa mane i r a , o s i gn i f i cado dos te rmos
u t i l i z ados pe lo au to r ao longo do romance poderá ser perceb ido
com ma i s fac i l i d ade .
Depara-se no refe r ido romance com a v i vênc i a t ip icamen te
se r tane j a de um povo rura l , o qua l apresen ta a sua l i nguagem
reg iona l i s ta a tr avés da l i t er a tura em seus var i ados aspec tos :
f í s i cos , soc i a i s , econômi cos , po l í t i cos , cu l tura is e , em p r i or i d ade ,
os aspec tos l i ngu í s t i cos do un i verso se r tane jo . Esse vocabu l á r io
é , ce r tamen te , l im i tado po r sof re r in f lu ênc i as do modo d i scu rs i vo
do narrador , o qua l , a i nda que se r tane j o , so freu in f l uênc i a de
ou tr as rea l i d ades l i ngü í s t i cas , como também pe l a sua própr i a
educação e conhec imen tos l i t er á r io s . Cor robo ra-se acerca da
obra de Tor res , no que tange ao l éx i co reg iona l do ser tão do
Junco , na af i rmação de Chaves que segue :
A p res ença l im i t a da d o r eg i ona l i smo l i n gü í s t i c o pode r i a s e r ex p l i ca da t ambém pe la t end ênc ia mode rn a po r uma ce r t a un i f o rm iza ção d o l i n gu a j a r popu la r , d eco r r en t e d a a t ra ção q ue a l i n gua g em das á r eas ma is d es envo l v id as d o pa í s exe rce s ob re a p opu l ação s e r t an e j a [ . . . ] . E l e r eve la , n o en ta n to , um dom í n i o i nsu f i c i en t e da l i ngu agem ‚ s u l i na ‛ , ‚ cu l t a ‛ , a o d e f i n i r N e lo como ‚ um cap i t a l i s t a ‛ , a t r i bu in do à pa l a v ra o s en t i d o d e ‚ v e rda d e i r o homem d as
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ca p i t a i s ‛ . P o r cons egu in t e , a l i ng ua gem não d i a l e t a l d o r omance nã o in d i ca um a fas tamen to da r ea l i da d e s e r t an e j a , ao con t rá r i o , co n f e r e co e rên c ia au t en t i c i da d e à n a r r a t i v a . (C HAVES , 2008 , p . 1 5 1 )
I n ten tando-se por uma me l hor compreensão do es tudo
l ex ica l den t ro do co rpus e le i to para aná l i se se d i v i d i u os
vocábu los se lec i onados em macrocampos : dos an ima i s , das
p l an tas , dos es tabe l ec imen tos comerc i a i s , dos me ios de
t r anspor te , dos ob je tos , das ações , das ad j e t ivações do homem
ser tane jo e da sexua l id ade , os qua i s se encont ram aba ixo :
4 . 1 DOS ANIMAIS
4 . 1 . 1 So f rê - s .m . ‘Cor rup i ão , Roux ino l : pássaro que mede cerca
de 23 cm, o qua l é encon t rado exc l us i vamen te no Bras i l , do
l es te do Pará , Maranhão , Ceará e Pe rnambuco , es tendendo-se
para o oes te a té Go i ás , e para o su l a té Bah ia e Minas Gera i s . É
comum em áreas da caa t inga e zonas secas aber tas . ’ < [ . . . ] um
pássaro verme l ho chamado So frê , que ap rendeu a can ta r o h ino
nac i ona l [ . . . ] . > ( p . 16 ) .
4 . 1 . 2 Jega- s . f . ‘Equ i va l e à jumen ta . ’ < [ . . . ] e estava pensando em
ar ran j ar uma j ega , a ma is fogosa que houvesse para o famoso
Ne lo mata r a saudade de um ve l ho amor . [ . . . ] . > (p . 15 ) .
4 . 1 . 3 Jumen ta- s .f . ‘An ima l mamí fe ro seme lhante ao cava lo , mas
gera lmen te de menor tamanho e o re lhas ma i s longas , com
pe l agem c inza ou marrom . ’ < [ . . . ] Mu lher? Gos to de fêmea e l e só
exper imen tara o das j umen tas . Sobre essas A l c ino pod i a fa l ar .
Conhec i a- l hes todos os ses t ros , man i as e v íc io s [ . . . ] . > ( p .95 ) .
4 .2 DAS PLANTAS
4 .2 . 1 a l ec r im- s .m . ‘arbus to aromát ico ’ < A barra do d i a mai s
bon i to do mundo e o pô r–do-so l ma i s longo do mundo . O che i ro
do a l ecr im e a pa l avra açucena . > ( p . 16 ) .
4 .2 .2 baraúna- s . f . ‘Grande árvo re de made i r a du ra e quase
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neg ra . ’ < [ . . . ] um paren te nosso que encon t ramos pendurado num
ga lho de baraúna , em nossos própr ios pas tos . > ( p .3 6 ) .
4 .2 .3 cap im ango l inha- s .m . ‘p l an ta for rage i r a , da famí l i a das
g ramíneas , na t i va da Áf r i ca . ’ < [ . . . ] o corpo nu se re f l e te na água
l i mpa , esverdeada , à sombra do cap im ango l inha , cap im de be i r a
de r io . > (p .60 ) .
4 .2 .4 mata-pas to- s .m . ‘des ignação comum a a l gumas p l an tas da
f am í l i a das compos tas e a vár i as da fam . das l eguminosas , esp .
do gên . Senna , da sub fam . cesa lp i n io ídea , invaso ras dos pas tos ,
mu i tas vezes tomando toda sua super f í c ie e matando as
g ramíneas de que se a l imen ta o gado ; ex : p icão , p i cão-pre to ,
men tras to . . . ’ < Erva dan inha? Ser i a sobre e l es que Ne lo fa l ava?
Mata-Pas to . Seu nome , por favor? Famí l i a Ma ta-Pas to? > (p . 1 12 ) .
4 .2 .5 mana íbas- s . f . ‘pé de mand ioca . ’ < [ . . . ] que se embaraça e
se a t rapa lha nas mana í bas . > (p .28 ) .
4 .2 .6 mu l ungu- s .m . ‘á rvore de a té 5 m , com tronco reves t ido de
esp i nhos . ’ < [ . . . ] — Vem me ens i nar como se f lu tua em c ima de
um t ronco de mu l ungu . [ . . . ] > (p . 15 ) ; < [ . . . ] Pegou um t ronco de
mu lungu e d i sse : — Segura aqu i com as duas mãos . > (p .6 1 ) .
4 .2 .7 s i sa l - s .m . ‘p lan ta de fo lhas espa tu l adas , gera lmen te sem
esp i nhos nas margens , mas com um esp i nho fo r te no áp ice ;
f ornece f ib r a áspera e res i s ten te , de exce lente qua l id ade . ’ < [ . . . ]
s i sa l n inguém sab i a p l an tar , a í é que es tava a encrenca . > ( p . 19 ) .
4 .3 DOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS
4 .3 . 1 b i rosca- s .f . ‘pequena venda , de i ns ta l ações s imp l es ’ < E
as mu lheres , Ped ro? Po r que é que nessa b i r osca nunca en t r a
mu lher? > ( p .27) .
4 .3 .2 bo t ica- s . f . ‘ l ugar onde se vend i am reméd i os e a f i n s ;
f a rmác i a ’ < [ . . . ] da sua bo t i ca n i nguém sa í a sem reméd io [ . . . ] . >
( p .40 ) .
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4 .3 .3 brega- s . f . ‘ lo ca l onde mu lheres se pros t i tuem ; vendem
sexo ’ < É verdade aqu i não tem brega [ . . . ] . > (p .96 ) .
4 .3 .4 pu te i ro - s .m . ‘p ros t íbu lo ; casa des t i n ada à pros t i tu i ção ;
borde l ’ < Ora , A l c i no . Nunca fo i num pu te i ro? > (p .96 ) .
4 .4 DA SEXUAL IDADE
4 .4 . 1 ó rgãos sexua i s femi n inos
4 .4 . 1 . 1 ch ib iu - s . f . ‘ó rgão sexua l femi n ino : vag ina ’ < [ . . . ] Como o
pecado e os ou tros nomes fe ios : tabaco , ch ib iu e a pu ta que as
par iu . Vaca , bezerra , égua e jumen ta também têm tabaco [ . . . ] . >
( p . 17 ) .
4 .4 . 1 . 2 tabaco- s . f . ‘ó rgão sexua l fem in ino : vag ina ’ < [ . . . ] Como o
pecado e os ou tros nomes fe ios : tabaco , ch ib iu e a pu ta que as
par iu . Vaca , bezerra , égua e jumen ta também têm tabaco [ . . . ] . >
( p . 17 ) .
4 .4 . 1 . 3 tabaco ensebado– s . f . ‘mu l he r em i dade madura que a i nda
se conserva v i rgem ’ < [ . . . ] – Vão mor rer no barr icão , loucas e
com o tabaco ensebado , para pagar a l í ngua [ . . . ] > ( p . 17 ) .
4 .4 .2 Ó rgãos sexua i s mascu l i nos
4 .4 .2 . 1 cu lhões- s .m . ‘ó rgão sexua l mascu l i no ’ < Cadê os seus
cu l hões , Pedro? . Só servem para mi j ar? > (p .44 ) .
4 .4 .2 .2 desmarcado- ad j . - ‘ que tem membro sexua l g rande
demai s , fora dos padrões ’ < [ . . . ] todos sab i am que A l c i no era um
desmarcado . E o sab í amos porque e l e não t inha o háb i to de
usar cueca [ . . . ] . > ( p .29) .
4 .4 .2 .3 mana íba- s .m . ‘ó rgão sexua l mascu l ino ’ < [ . . . ] a t r ás de l a , a
f úr i a de um homem nu , que se a tr apa lha nas mana íbas , v í t ima da
sua próp r i a mana íba . > (p .28 ) .
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
5 CONSIDERAÇÕES F INA IS
Sabe-se que o l éx ico de uma l í ngua v iva es tá em
cons tan te mov imen to , passando por d i nami smo vocabu l a r , numa
con t ínua renovação . Ass im , nesse t r aba l ho , pode-se observar
par te do vocabu l ár io ser tane jo do Junco (Sá t i ro D i as-BA ) e
reg iões c i r cunv i z inhas ( Fe i r a de San tana , Inhambupe , A l ago inhas) ,
exp l i c i t ando , a tr avés dos vocábu los l ex ica i s se lec i onados , as
necess idades , os anse i os e a iden t id ade do ser tane jo , em um
dado momen to h i s tór ico .
Rep resen tan te da geração de 1970 , Antôn i o To rres
p rob lemat iz a na ob ra Essa Terra , um momen to h i s tó r i co em que
a fa l ta de pe rspec t i va e a ameaça à sobrev i vênc i a no me io ru ra l
f iz eram da mig ração uma a l terna t i va para o homem nordes t ino .
M i s turando dor , t r i s teza e esperança , de uma forma i rôn i ca e
humor í s t i ca em sua nar ra t i va , o au tor d i rec i ona e/ou cons tró i o
un i ve rso do se r t ane j o reve l ando , ass im , car ac te r í s t i c as
soc i ocu l tura i s par t i cu l a res daque le espaço , p resen tes em um
dado per íodo da soc i edade no rdes t i n a .
REFERÊNC IAS
ABBADE , Ce l i n a Márc i a de Souza . F i l o l og i a Textua l e o Es tudo do
Léx i co . In : Cadernos do X Cong resso Nac iona l de L ingu í s t ica e
F i l o l og ia , vo l ume X , número 09 - F i l o log i a e Ecdó t i ca . R io de
Jane i ro : C í rcu l o F lumi nense de Es tudos F i l o l óg icos e L ingu ís t i cos ,
2006 . D i spon íve l em : <h t tp ://www. f i l o log i a .o rg .b r/xcn l f/9/ 12 .h tm > .
Acesso em: 22 ju l . 20 1 1 .
CARDOSO , João Ba t i s ta . H i s tór i a , f i cção e mi st i c i smo em An tôn io
Tor res . In : RAVERTTI , Grac i e l a ; FANT INI , Mar l i (Org . ) . O lhares
c r í t i cos : es tudos de l i t er a tura e cu l tura . 1 ed . Be lo Hor izon te :
UFMG , 2009 , p . 134- 150 .
HOUA ISS , An tôn i o ; V ILLAR , Mauro de Sa l l es . D i c ionár i o Houa iss
da l í ngua por tuguesa . 1 . ed . R i o de Jane i r o : Ob j e t iva , 2009 .
NOVA IS , C l áud io C l edson ; SE IDEL , Rober to Henr i que (Org . ) .
Espaço nac iona l , f ron te i r as e des l ocamen tos na obra de An ton i o
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
Tor res . Fe i r a de San tana : UEFS , 20 10 .
TORRES , An tôn io . Essa te rr a . 23 . ed . R io de Jane i ro : Record ,
2008 .
NOTAS
1 Bo l s i s ta de In i c iação C i en t í f i ca PROBIC/UEFS .
2 Bo l s i s ta de In ic iação C i en t í f i ca PROBIC/UEFS .
3 Bo l s i s ta de In ic i ação C i en t í f i ca PROBIC/UEFS .
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O REF LEXO SOC IAL DO AMOR NA POES IA D E
CAMÕES E JORGE DE SENA
Ju l i e l son A lb er naz de O l i ve i r a 1
G r a du an do d e L e t r a s c om I n g l ê s
J u l i e l s o n f s a@ ho tma i l . c o m
A lessandr a Le i l a Bor ges Gomes 2 (Or i en t ador a ) Un i v e r s i d a d e E s ta d u a l d e F e i r a d e Sa n t a n a
a l l e x l e i l l a @ i g . c o m . b r
Resumo : Es te ar t igo ana l i sa a fo rma como o tema do amor a tua
na poes i a de au to res de épocas d i s t in tas . A través da observa-
ção dos mi tos e conce i tos que perme i am o tema , pe rcebe-se
que essas re l ações permanecem presen tes du ran te os sécu los ,
podendo se r readap tadas a par t i r dos aspec tos soc i a i s de cada
época . Nes ta pesqu i sa não buscou-se apenas mos t rar as in f lu -
ênc i as que a L i tera tura so f re da soc i edade , mas , também, como
e l a pode ag i r de forma in f lu en te . Fo ram esco l h idos para aná l i se
um poe ta qu i nhen t i s ta , Camões , e ou tro contemporâneo , Jo rge
de Sena .
Pa l av ras-chave : Amor ; Camões ; Jorge de Sena ; Poes i a ; Soc ieda-
de .
Abs tr ac t : Th i s ar t ic le ana l yzes how the theme o f l ove works in
t h e po e t ry o f au tho rs f rom d i f f e r en t e r a s , Th roug h
the observa t ion o f the my ths and concep ts tha t permea te the
sub j ec t , r ea l i zes tha t these re la t ionsh i ps rema i n presen t du r i ng
the cen tu r i es may be re-adap ted th rough the soc i a l aspec ts of
each t ime . No t on l y seek ing to show the in f lu ences wh i ch L i te ra-
tu re su ffers by soc i e ty , bu t a l so how i t can ac t in f l uen t i a l ,
Were se l ec ted to ana lyze a s i x teen th cen tury poe t , Camões , and
ano ther con tempo rary , Jo rge de Sena .
Keywords : Love ; Camões ; Jo rge de Sena ; Poet ry ; Soc i e ty .
ISSN 2236-3335
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
I NTRODUÇÃO
Sabe-se que o pensamen to de uma época exerce in f lu ên-
c i a sobre o t r aba lho dos poe tas , ass im como suas exper i ênc i as
pessoa is também in ter ferem na cr i ação . Des ta fo rma , é impo r tan-
te s i tua r as obras poé t i cas em seus de te rm i nados con tex tos
h i s tó r i cos , cons i de rando os aspec tos b iográ f i cos que no r te i am
as par t icu l ar id ades de cada uma de l as . O amor , tema sempre
reco rren te na poes i a , pe rpassa no tempo como um mi s tér io a
se r reve l ado , en tend i do e d i sc ip l i n ado pe l as ma i s d i versas áreas
de conhec imen to , se tornando um dos temas ma i s desa f i adores
por quem busca en tender o compor tamen to humano , dev i do à
comp lex idade ex i s ten te nos mai s var i ados m i tos , conce i tos e ex-
per iênc i as que formam cada ide i a de amor .
Fa l ando de amor e de poes i a , é comum l embrar o nome de
Lu í s Vaz de Camões , o maio r poe ta da l í ngua por tuguesa , e um
dos mai ores do mundo . Conhec i do como ‚o poe ta do amor‛ , e le
ap resen tava uma v i são amorosa que pode rep resen ta r sua épo-
ca , tan to nos aspec tos soc i a i s , como no l i te r ár io . V i vendo em
Por tuga l , no séc . XV I , quando a l i t er a tura na Europa de fend i a o
resga te da cu l tura c l áss ica g reco-romana (C l ass ic i smo Renas-
cen t i s ta ) , o poe ta po r tuguês t r az i a em sua obra fo r tes tr aços do
pensamen to de P l a tão , sob re tudo acerca do amor e de sua i de-
a l i z ação , jun to à in f luênc i a da ide i a de amor cor tês presen te na
l í r i ca t rovado resca do sécu l o X I I , que exa l tava um amor i n fe l i z , e
às suas própr i as exper iênc i as amorosas , que supos tamen te não
foram bem suced i das . A par t i r des tes fa tores , fo rmou-se a v i -
são camon i ana do amor , que passou a ser uma insp i r ação para
as gerações pos ter i o res , sobre tudo na cr i ação poé t i ca , como no
caso do au to r por tuguês Jo rge de Sena .
Cons i de rado um dos mai ores camon i s tas do sécu lo XX , por
possu i r um amp lo e ap ro fundado es tudo teór i co sob re Camões ,
como os ensa ios : Uma canção de Camões ; T r i n ta anos de Ca-mões ; A es tru tura de Os Lus í adas I , I I , I I I e IV ; e Os sone tos de Camões e o sone to qu inhen t i s ta pen insu la r , Jorge de Sena
também traz em sua l í r i ca uma inev i táve l r e l ação in te r tex tua l com
a obra do poe ta qu i nhen t i s ta , pub l i cando poemas que t r azem
desde refe rênc ias d i r e tas ao nome do au to r , como : Camões d i r i -
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
ge-se aos seus con temporâneos na I l ha de Moçamb ique , a té os
que t r azem as in f lu ênc i as i n ter tex tua i s que são na tura i s a um
dec l arado admi r ado r da obra de um au tor , sendo o amor um dos
p r inc ipa i s temas a ap rox imar a ob ra dos do i s poe tas , quer pe l a
convergênc i a de mi tos , que r pe l os conce i tos c l áss i cos . En t re tan-
to , apesar de ‚beberem da mesma fon te‛ , d i ferenc i am-se a par t i r
de suas exper i ênc i as pessoa i s e pe l a in f lu ênc ia receb ida por ca-
da um de les da época em que v i veu .
As in f l uênc i as do pensamen to de P l a tão no tema do amor
em Camões vêm, sob re tudo , do d i scurso de Sócra tes em O Banque te , no qua l o f i l ó so fo , ao fa l ar de Eros , t r a ta de um amor
baseado na incomp le tude , par t indo de uma dup l a def in i ção : o a-
mor é dese jo e o dese j o é fa l ta ( SPONV ILLE , 1999 , p . 124) . Esse
amor , quando rea l i z ado , cu lm ina em sua próp r i a ex t inção , por -
tan to , es tá to ta lmen te fadado ao fr acasso ou à mor te , é um s i -
nôn imo de in fe l i c i dade .
Ve j amos o sone to de Camões :
A lma m in ha g en t i l qu e t e pa r t i s t e
T ão cedo d es ta v ida , d es con t en t e ,
R epousa l á no Céu et e rnamen t e
E v i va eu cá n a t e r r a s emp re t r i s t e .
-
Se l á n o ass en to e t é r eo , on d e s ub is t e ,
Memó r i a d es t a v i da s e cons en t e ,
N ão t e esqueça s daque l e amo r a rd en te
Que j á nos o lh os meus t ão pu ro v i s t e .
-
E s e v i r es qu e pode me rece r - t e
A lg uma co isa a d o r q u e me f i co u
D a mágua , s em reméd io , d e p e rd e r - t e .
-
R og a a Deus , qu e t eu s a no s en cu r to u ,
Que t ã o cedo d e cá me l ev e a ve r - t e ,
Qu ão cedo d e meus o l hos t e l evou .
Compos to supos tamen te em memór i a de D inamene , uma
o r i en ta l que morre ra num nau frág io por quem Camões te r i a sen-
t i do um amor avassa l ador , esse sone to expõe de fo rma no tó r i a
a imposs ib i l i d ade da rea l iz ação co rpórea do amor , e a t r i s teza
que essa não rea l iz ação causa ao eu- l í r i co . Pe rcebe-se um amor
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Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011
i ma te r i a l i z ado , que tr anscendeu a um p l ano super io r , quando é
ped ido à amada que se lembre desse amor , mesmo no ‚assen to
e té reo‛ onde e l a se encon t ra , r es tando-o apenas a esperança
de vê- l a novamen te após a mor te , a qua l é dese j ada pe lo eu-
l í r i co , com um g rande a fã . O amor se man tém v i vo pe l a fa l ta .
Esse can to ao amor in fe l i z e a exa l tação da f igura femi n ina
são carac te r í s t i cos do amor cor tês , p resen te na l í r i ca t rovado-
resca do sécu l o X I I . Segundo Den i s de Rougemon t , o amor co r-
tês nasceu de uma reação con t ra a anarqu i a bru ta l dos cos tu -
mes feuda i s . O casamen to no sécu lo X I I e ra t ido como um
‚negóc i o‛ , um me i o de en r iquec imen to e de anexação de ter r as
( ROUGEMONT , 1988 p .29 ) , em reação a i sso o amor cor tês p ro-
punha uma f ide l i d ade independen te do casamen to , na qua l , o ca-
va l e i r o bre tão , ta l como o trovado r mer id i ona l , cons iderava-se
vassa lo de uma Dama , que receb i a o pape l que an te r io rmen te
e ra do suserano 3 . Essa re l ação de vassa l agem en t re os aman tes
era conhec ida em provença l como danno i ou domne i . Segundo Rougemon t , da mesma forma que o danno i se o-
põe ao casamen to (po r represen tar uma mera un ião de corpos
‚ou a té mesmo de f in anças‛ ) , opõe-se à ‚sa t i s f ação‛ de amor 4 .
A dama nunca es tá to ta lmen te à d i spos i ção do cava l e i ro , a l imen-
tando sempre o dese j o ge rado pe l a fa l ta , ass im como no pensa-
men to p l a tôn ico . Como re fe rênc i a ao danno i , Rougemon t usa o
mi to de Tr i s tão e I so lda , cu j os pro tagon i s tas se apa ixonam após
beberem um f i l t ro , que os ‚ob r ig a ‛ a se amarem po r tr ês anos .
Porém, mesmo com o surg imen to de opor tun idades para a rea l i -
zação desse amor , os próp r ios pro tagon i s tas c r i avam os empe-
c i l hos para que e le não se rea l iz asse , te rminando com a mor te
de Iso lda , que s imp lesmen te ‚mo rre de amor‛ , depo i s de ver o
corpo de T r i s tão , mo r to po r uma l ança envenenada .
Esse romance sem au to r i a de term inada insp i rou o poe ta
Jo rge de Sena em seu l iv ro ‚A Ar te da Mús i ca ( 1968 )5 ‛ , a c r i ar o
poema ‚A Mor te de Iso lda ‛ , que descreve o momen to da mor te
da pro tagon i s ta , pe l os o lhos do au to r por tuguês :
Nes ta f l u i dez con t í nua d e um t ec ido v i vo
Que s e d i s t end e a r fa ndo como um lo ngo s exo
V is co samen t e se en ro l and o em t o rn o a o mundo
Que n ão p en et r a mas an s i osamen t e
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E s t ra ngu la em úm i dos an é is
F os fo r ecen t es de a ns ieda de d o ce
E r es ign ada à mo r t e
Em ron co s e es t r i d ên c ias l a c r imos as ,
P a l p i t a a f ru s t ra çã o do amo r ma ld i t o
P o rq ue d e um f i l t r o só nas ceu .
P o r ma is qu e d e c res cen t es d e l i r an t es
Se evo l em as vo l u t a s d e uma chama amb í gua ,
N es ta f l u i dez s em t empo não h á gozo a l gum ,
Mas o p raz e r r emo to do q u e não f o i v i v i do
Sen ão como en t r essonho e fa t a l g es t o ;
E mesmo es t e ba l a nço l a r gamen t e ha rmôn i co
Que s e exas p e ra e exp i ra em tã o agudas p oss es
é cópu l a men ta l .
N es ta d oçu ra q ue a o s i l ên c io imóve l
A caba r e to rn ando , nã o há uma p az do s ros t os qu e se pousam ,
E nquan to os s exos s e demo ram p enet ra do s
No pu ro e t ã o t r an qu i l o esgo tamen to d a ch egad a
Que s ó t e r nu ra t o rna s imu l t ân ea .
N ão há , mas só t r i s t eza in f i n da e f i n a
E t ã o t er r í v e l d e qu e , es t ra ngu l ad o ,
O amo r no mundo é mo r t e impene t rá ve l : do i s
s e res q ue o s exo d es t r u i u ,
es t é r e i s como o s op ro da s e rp en te e t e rn a .
F i ca -nos o g os t o da p i eda de .
E uma von ta d e de en te r r á - l os j u n to s
P ’ r a qu e t a lv ez n a mo r t e — im ag in ada — s e conheçam
Me lh o r do qu e s e ama ram . E t ambém o a rdo r
D e uma impo t ên c ia qu e s e qu is só s exo
V i rg em d ema is pa ra um amo r da v i da .
Ao af i rmar que no amor de T r i s tão e I so lda ex i s t i a apenas
um ‚prazer remo to ‛ , e ao negar a ex i s tênc i a de um gozo na re-
l ação dos p ro tagon i s tas , o eu- l í r i co expõe a insa t i sf ação como a
carac te r í s t i ca fundamen ta l para a sobrev i vênc i a do amor cor tês :
a não rea l i z ação do a to sexua l . V i vendo no sécu lo XX , Sena so-
f re a in f l uênc i a de seu tempo , no qua l oco rre ram mudanças de
o lhares cons tan tes sob re o tema da sexua l idade , p r i nc ipa lmen te
com a c r i ação da ps icaná l i se , e os d ive rsos deba tes f i l o só f i cos
sobre as ide i as de seu cr i ado r : S i gmund Freud .
A i de i a fr eud i ana de sub l imação af i rmava que cada se r hu-
mano t i nha uma quan t id ade de te rminada de l i b ido , a qua l não se
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desgas tava apenas no a to sexua l , podendo se r u t i l i z ada em a t i -
v idades d i ve rsas . Herber t Marcuse ( 1975 , p .27 ) , ao ana l i sa r f i l o -
so f i camen te o pensamen to de Freud , a f i rma que ‚o sacr i f í c io
metód i co da l i b ido , a sua su j e i ção r ig i d amen te impos ta às a t i v id a-
des e expressões soc i a lmen te ú te i s , é cu l tu ra ‛ . Essa a f i rmação
mostra que as con t r ibu i ções da ps icaná l i se de F reud não só po-
d i am in f luenc i ar no âmb i to sóc io -cu l tura l , como também na fo rma
de pensar a própr i a cu l tura . Sobre esse cará te r da ps i caná l i se ,
Ro l l o May ( 1973 , p .55 ) a f i rma :
A l ém do ma is , uma evo lu çã o cu l t u ra l com a ps ic aná l i se é
t an t o ca usa como e f e i t o : r e f l e t e e exp ress a a s t endên -
c i as qu e es tão eme rg ind o em nos sa cu l t u ra , a ss im como
a s amo lda e i n f l u en c ia . Se t i v e rmos cons c i ên c i a do q u e
es t á a con t ecendo pode remos , mesmo que l i g e i r amen t e ,
i n f l u en c ia r a d i r e çã o da s t en dênc i as . E c r i a r en tão , es -
p e r an ços amen t e , n ovos va lo r es r e l eva n t es pa ra a nova
s i t ua çã o cu l t u ra l .
Jo rge de Sena ref le te as tendênc i as de sua cu l tu ra , ao es-
co l he r um m i to c l áss i co da l i te r a tu ra , e dar a e le um novo des-
fecho . Sabendo que a rea l i z ação do a to sexua l cu lminar i a na
mor te do amor co r tês , Sena re l ac iona a mor te dos aman tes com
a mor te do amor , na rea l i z ação do a to sexua l . Des ta fo rma , nos
versos : ‚No pu ro e tão tr anqu i l o esgo tamen to da chegada /Que
só te rnu ra to rna s imu l tânea . /Não há , mas só t r i s teza in f i nda e
f in a /E tão ter r í ve l de que , es t r angu l ado , /O amor no mundo é
mor te impene tráve l : do i s/ se res que o sexo des t ru i u ,‛ , o eu-
l í r i co c i ta um esgo tamen to s imu l tâneo , que nos dá a ide i a da
consumação do a to sexua l (orgasmo) , o que acabar i a com a
‚ t r i s teza in f i nda e f in a ‛ , que acompanha o amor não rea l i z ado .
Porém, o eu- l í r i co encara a mor te dos aman tes como uma co isa
‚ imag inada‛ , e af i rma que nos res ta por e l es ‚a p iedade e a
von tade de en te rrá- l o s jun tos‛ , para que se conheçam me lhor ,
porque se a mor te do amor oco rreu pe lo a to sexua l , o dese j o
se concen trava apenas n i s to , e o f im do amor , a par t i r des te
dese jo sac i ado , demons t ra que o sen t imen to e ra ‚v i rgem demai s
para um amor da v ida‛ .
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Jo rge de Sena parece tomar consc iênc i a da evo lução cu l -
tu ra l sup rac i tada por May , e ten ta l i ge i r amen te faze r par te de l a ,
i n f lu enc i ando com sua poes i a . Sob re essa carac ter í s t i ca de Se-
na , Teresa Cr i s t in a Cerde i r a , d iz em seu ensa i o Uma ar te de a-mar no avesso da doxa ( 2003 ) :
[ . . . ] Se a l a rg a a i nd a o con ce i t o d e ero t i smo p a ra o d e
f o r ça v i t a l , impu lso d e cons t r ução e d e ba r ra g em da
mo r t e , en t ão p odemos d i z er qu e a sua po es ia é p o l i t i c a -
men t e e ró t i ca , qu e r s e t ra t e da re l a ção h umana ma i s
í n t im a , qu e r po nha o h omem f a ce a o mundo q ue ex i g e
d e l e comp rom i sso e t e s t emunho . A e ró t i ca s en i ana é ,
d es t e modo , um emb l ema d e con f r on t a ção com a esc l e -
r o s e e com t udo q u e s i gn i f i q u e a p equenez do t ra to
h umano , com as i de i a s co nge lad as , as no rmas impos ta s ,
o s v a l o r es es t i gma t i za dos do s ens o comum . A e ró t i c a
s en i ana s e cons t r ó i po r i s so mesmo , s ob a fo rma es t r u -
t u ra l d o pa r ad oxo , ou da qu i l o q u e s e cons t r ó i no aves so d a dox a .
Podemos no tar com mai s c l a reza essa ‚confron tação com
as i de i as conge l adas pe l o senso comum‛ , em seu poema ‚A r te
de Amar ( 1989) ‛ , em que Sena expõe d ida t icamen te sua ide i a de
amor :
Quem d i z d e amo r fa z e r qu e os a ct os não s ão b e los
q u e sab e ou s onha d e be l ez a? Quem
s en t e qu e su j a ou é s u j ado p o r fa zê - lo s
q u e goz a d e s i mesmo e com a lg u ém?
Só n ão é b e lo o q u e s e n ão d es e j a
o u o qu e ao n oss o des e jo ma l r esp onde .
E s u j a o u é su j ad o qu e nã o se j a
f e i t o do a rd o r qu e s e não n ega ou es conde .
Que g es tos h á ma is b e l os qu e o s do s exo?
Que co rpo b e l o é menos b e lo em mov imen t o?
E q u e move r -s e um co rpo no d e um ou t r o o amp l exo
n ão é d os co rp os o ma is p u ro i n t en t o?
O lh os s e fech em não pa ra nã o ve r
mas pa ra o co rpo ve r o qu e e l es nã o ,
e no s i l ê n c i o se o u ça o só ran g e r
d a ca rn e qu e é da ca rne a só ra zão .
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Ao d i ze r : ‚Quem d i z de amor faze r que os ac tos não são
be l os/ que sabe ou sonha de be leza? Quem/ sen te que su j a ou
é su j ado por fazê- l o s/ que goza de s i mesmo e com a lguém?‛
O eu- l í r i co ques t iona os es t i gmas soc i a i s que se formaram ao
l ongo dos sécu los desde o surg imen to do cr i s t i an i smo , quando
fo i c r i ado um novo con jun to de p ro i b i ções que aos poucos
‚mode l ou‛ novas v i sões sob re a sexua l i d ade . Com o for te pen-
samen to man ique í s ta ex i s ten te no sécu lo IV , o pensamen to do
B i spo Agos t i nho de H ipona , sobre a con tensão dos dese jos se-
xua i s para o man t imen to da pu reza da a lma , logo se es tabe l eceu
nos c í r cu los in te l ec tua i s da época , in f l uenc i ando também toda a
soc i edade c r i s tã . Pe te r Brown , em seu l i vro Corpo e Soc i edade : O homem, a mu l he r e a renúnc i a sexua l no in í c i o do cr i s t i an i smo
( 1990 , p .347) , d i z :
Mas , n o p en samen to d e Agos t i n ho , a sexu a l i d ad e a tend ia
a uma ún i ca f i n a l i d ad e es t r i t amen t e d e l im i t a da : s imbo l i z a -
v a , com t e r r í v e l p r ec i são , um ún ico e d ec is iv o a con tec i -
men to d en t ro da a lma . E co ava no co rp o a cons eqüênc i a
i na l t e r áve l d o p r im e i ro p eca do da human ida d e . F o i p o r
ess e po ço i so l a do , es t r e i t o e p ro f undo q u e Agos t i n ho
p ass ou a o lha r pa r a a s p róp r i a s o r i g ens da f r ag i l i da d e
h umana . As p o lu çõ es no t u rna s na da l h e pod i am d iz e r
s ob re o s i l en c io so d es l o camen to de fo r ça s na a lma d e
d e te rm i na do i nd iv í duo : e l as rep res en tav am pa ra t od os os
h omens uma s ó co i sa — um d epós i t o fa t a l de co n cup is -
cên c ia a l i d e ixa do p e l a qu ed a d e Adão . E ssa e ra uma
v i são d ra s t i camen t e l im i t a da d e um f en ômeno comp l exo .
‚O própr io fa to de a Europa e a Amér i ca modernas te rem
nasc i do do mundo c r i s tão que subs t i tu iu o Impér io Romano na
Idade Méd i a garan t iu , que a inda ho j e , essas noções con t inuem a
nos impor tunar como p resenças pá l id as e ameaçado-
r as ‛ ( BROWN, 1990 , p .347 ) . Des ta forma , v i vendo em me io a uma
mudança cu l tura l causada pe l a ps icaná l i se , Jorge de Sena , bus-
cou con fron ta r os conce i tos an t igos que se ‚cr i s ta l i z aram‛ na
soc i edade , em to rno do tema da sexua l id ade . Ao d ize r , na se-
gunda es t ro fe : ‚Só não é be l o o que se não dese j a/ ou o que
ao nosso dese j o mal responde ./E su j a ou é su j ado que não se-
j a/ fe i to do ardor que se não nega ou esconde ‛ , o eu- l í r i co af i r -
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ma que tudo que desper ta dese jo é , de fa to , be l o , negando a
carac te r í s t i ca ‚su j a ‛ , a t r i bu í da ao sexo , pe l as pessoas a quem
e l e se re fe re .
Na terce i r a es trofe , são fe i tas pe rgun tas re tó r i cas , para
a f i rmar a be leza ex i s ten te e negada ao a to sexua l : ‚Que ges tos
ma i s be los que os do sexo?/ Que co rpo be lo é menos be l o em
movimen to? ‛ . Os versos dão um ar de pureza ao sexo quando
conc l u i : ‚ E que mover-se um corpo no de um ou t ro o ampe l xo/
não é dos corpos o mai s pu ro in ten to? ‛ .
Os o lhos fechados que são c i tados na ú l t ima es t ro fe do
poema reme tem à vergonha da expos i ção do corpo , que é fru to
das noções an t ig as de con tenção dos dese jos sexua i s , porém ,
para o eu- l í r i co , o i n ten to dos co rpos fa l a ma i s a l to , e a be l eza
do amor se con f i rma no a to sexua l .
CONSIDERAÇÕES F INA IS
De modo g e ra l , é mu i t o d i f í c i l ve r i f i c a r a i n f l u ên c ia d as
a r t e s na v ida quo t i d i an a d e uma época . ‚A mús i ca su a -
v i za o s cos t umes?‛ D e m i nha pa r t e , n ão s ab e r i a d izê - l o
e n i ngu ém pode r i a d emons t rá - l o . E a p in t u ra , qua l se r i a
s ua a ção? Quan to à a rqu i t e t u ra , a o menos podemos h a -
b i t á - l a , mas não é d essa f o rma qu e s e man i fe s t a s eu
ca rá t er d e a r t e . O mesmo pode remos d iz e r des ta o u
d aque la f o rma d e f i l oso f i a . Mas qu ando s e t r a t a d e uma
l i t e ra t u ra em re l a ção à q ua l s e pod e d emons t ra r , h i s t o r i -
c amen t e , q u e empres to u s ua l i ng ua gem à pa ixã o , a
q u es t ão s e to rn a b em d i f e r en t e ( ROUGEMONT , 1 98 8 ,
p . 1 2 5 )
No tam-se , com o passar dos sécu los , reações l i t er á r i as às
s i tuações po l í t i co -soc i a i s de cada época . Quando o casamen to
era um ‚negóc i o‛ com in tu i to de somar f i n anças en tre as fam í -
l i a s , assum i a-se o compromi sso a té mesmo sem o conhec imen to
dos côn juges . A par t i r do sécu lo XI I , o mi to do amor-pa ixão ga-
nha força na l i te r a tu ra , ge rando ce r ta ‚apo log i a ‛ à i n f id e l i d ade
nos casamen tos , po i s ‚sem o adu l té r i o , que se r i a de todas as
nossas l i t er a turas? E l as v i vem em função da c r i se do casamen-
to ‛ (ROUGEMONT , 1988 , p . 18 ) . Des ta fo rma , cons iderando que os
j ovens oc iden ta i s são educados para o casamen to , a a tmosfe ra
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român t ica gerada pe l a l i t e r a tu ra ag iu e age de fo rma in f lu en te , e ,
em seu s imbo l i smo , es tá a ide i a de que ‚a pa i xão é a exper iên -
c i a sup rema que todo homem deve um d i a conhe-
cer‛ (ROUGEMONT , 1988 , p . 195 ) .
O m i t o , no s en t i d o ma is r i go roso do t e rmo , s e cons t i t u i u
n o s écu lo X I I , i s t o é , num pe r í odo em que as e l i t es r ea l i -
z avam um g rand e es f o rço em p ro l d a o rd ena çã o s oc i a l
e mo ra l . T ra t ava -s e de con t e r p r ec i samen t e o s impu ls os
d o i ns t i n t o d es t ru id o r : po i s a r e l i g i ã o , ao comba t ê- l o ,
a gu çava -o a in da ma is . O s c ro n i s t a s , o s s e rmões e as
s á t i ras daque l e s écu lo r eve lam que h ouve uma p r ime i r a
‚ c r i s e d o casamen to ‛ n ess a épo ca . Impunha - se uma
r ea çã o en é rg i c a . O su ces so do R omance d e T r i s t ão f o i ,
p o r t a n t o , o de o rd ena r a pa ixã o n um quad ro em que e l a
p ôd e s e ex p r im i r a t ravés d e sa t i s fa ções s imbó l i ca s .
( D es ta f o rma , a I g r e j a h av ia ‚ i n co rpo ra do‛ o pa ga n i smo
em s eu s r i t o s . ) (ROUGEMONT , 1 98 8 , p .2 2 )
Com a l i t e r a tu ra ag indo de forma tão a t i va no o rdenamen-
to soc i a l , um au tor da impo r tânc i a de Lu í s de Camões , a lém de
te r so f r ido toda a i n f lu ênc i a da l i t er a tura de sua época , e de su-
as re fe rênc i as co t id i anas , acabou rea l i z ando , a t r avés da g rand i -
os idade de sua obra , um pape l de agen te nesse processo . A
exa l tação do amor in fe l i z , f e i ta pe lo poe ta , ag iu de fo rma in f l uen-
te , tan to na l i te r a tu ra , como na soc i edade , pr i nc ipa lmen te em
Por tuga l . Jo rge de Sena , como um dos poe tas que v iveram a
herança me l ancó l i ca de ixada po r Camões em seu pa í s , é um
g rande exemp lo de como a i nda é fo r te a rep resen tação da v i -
são camon i ana na con tempo rane idade . Cons iderando o d inam i s-
mo do processo l i t er ár io ag indo sob re os cos tumes , Jorge de
Sena , pode também, in f l uenc i ar seus l e i tores e a soc i edade , com
as par t i cu l ar i d ades de sua v i são amorosa , e o tamanho dessa
i n f lu ênc i a é tendenc i osamen te re l a t i va à grand ios idade de sua
obra .
REFERÊNC IAS BROWN, Pe ter . Co rpo e soc i edade : o homem, a mu lher e a re-núnc i a sexua l no in íc io do cr is t i an i smo . Trad . Vera R ibe i ro . R i o de Jane i ro : Jorge Zahar , 1990 .
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CERDEIRA , Te resa Cr i s t i n a . Uma ar te de amar no avesso da do-xa . In : SANTOS , G i ld a . Jo rge de Sena : r essonânc i as e c inquen ta poemas . R i o de Jane i r o : 7Le t r as , 2006 .
COMTE-SPONV ILLE , André . Pequeno tr a tado das grandes v i r tu -des . T rad . Eduardo Brandão . São Pau l o : Mar t i ns Fon tes , São Pau-l o , 1995 .
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TORRALVO , Ize t i F r aga ta ; MINCHILLO , Car los Cor tez (Orgs . ) . So-ne tos de Camões : sone tos , r edond i lh as e gêneros ma iores . Co t i -a : A te l i ê , 1998 . NOTAS 1 Bo l s i s ta de In i c iação C i en t í f i ca .
2 Depar tamen to de Le t r as e Ar tes (DLA ) .
3 Ib idem , p .29 .
4 Ib i dem , p .30 .
5 Nes te l iv ro , Jorge de Sena adap ta peças mus ica i s à sua poe-s i a . O poema ‚A mor te de Iso l da‛ é uma adap tação da Ópera ‚Tr i s tão e I so lda ‛ de R ichard Wagner , que po r sua vez , é uma adap tação mus ica l do romance .
Revista
NORMAS PARA ENVIO DE ARTIGOS E RESENHAS
Resenhas e ar tigos para aprec iação , elaborados por graduan-
do(a) (s) em Letras da UEFS, deverão ser encaminhados à comissão edi tor ia l por v ia ele trônica , anexados ao e-mai l , en tre para o ende-reço revistagraduando@gmai l .com . Somente serão acei tos trabalhos nas áreas de Lingu íst ica , Li teratura , Ar tes e Educação , em formato e le trônico e inédi tos , ou se ja , não publ icados no formato so l ic i tado em qua isquer outros per iód icos. As l ínguas nas quais eles poderão ser escr i tos serão todas as ex istentes na grade curr icu lar do Cur-so de Graduação em Letras da UEFS (Por tuguês, Ing lês , Francês e Espanhol ) .
ORIENTAÇÕES GERAIS
Os traba lhos, enviados à Rev ista Graduando , d ig i tados em for-mato Word , deverão devem conter a seguin te formatação :
1 .Fonte Times New Roman ; ] 2.Tamanho 12 ( t í tu lo , subt í tu lo (se houver ) , tóp ico e corpo do tex-
to ) ; 3 .Espaçamento entre l inhas 1 ,5 ; margens esquerda e super ior de
3 cm, d i re i ta e in fer ior de 2 cm; 4 .O tamanho da fonte da ci tação deve ser menor que o corpo
do texto ( tamanho 10) e o espaçamento entre as l inhas deve ser s imp les ;
5 .Ci tações com mais de 3 l inhas deverão ser escr i tas sem as-pas e ter recuo de 04 cm da margem esquerda, a lém de não apre-sentar recuo na margem d ire i ta e ter espaçamento s imples em rela-ção ao corpo do texto ;
6.Ci tações com até 3 l inhas devem aparecer referenciadas no corpo do texto e conter aspas;
7.Pa lavras estrangei ras e tí tu los de obras devem ser escr i tos em i tá l i co ;
8 .Os casos omissos serão resolvidos pela comissão ed i tor ia l .
ORIENTAÇÕES ESPECÍFICAS
RESENHA CRÍTICA Serão acei tas resenhas cr í t i cas com mín imo de 04 e no máx i-
mo 07 páginas, inclu indo referências . J
Revista
A estru tura deve conter :
1 .T í tu lo e/ou subtí tu lo ; 2.Apresentação e aval iação in ic ia l do obje to da resenha; 3 .Descr ição e aval i ação de par tes do ob je to da resenha; 4.Recomendação /cons ideração f ina l sobre o obje to da resenha; 5 .Referências .
Nome completo do autor na forma d ire ta , antecedido pela pa-
lavra «Por» e acompanhado , no parágrafo segu in te , de um breve curr ícu lo , sendo : curso , inst i tu ição e e-mai l . Informações ad ic iona is devem ser escr i tas em nota de rodapé .
ARTIGO
Serão acei tos ar tigos com mín imo de 07 e no máximo 10 pág i-
nas, inclu indo referências .A estru tura deve conter : 1 . T í tu lo e/ou subt í tu lo ; 2. Resumo; 3 . Palavras-chave; 4. In trodução ; 5 . Corpo do ar t igo ; 6. Conclusão/ cons iderações f inais ; 7. Referências . Nome completo do (s) autor (es) na forma d ire ta , acompanhado
(s ) , no parágrafo seguin te , de um breve curr ícu lo , sendo : nome da i nsti tu ição , curso e e-mai l . In formações adic iona is devem ser escr i -tas em nota de rodapé .
Resumo na l íngua do texto deve apresentar , de forma conci-sa , os obje tivos, a metodo log ia e os resul tados a lcançados, não de-vendo ul trapassar 100 pa lavras nem conter c i tações. Além disso , deverá apresentar o resumo pr inc ipal , escr i to na l í ngua do ar t igo , e o resumo secundár io em um id ioma da própr ia esco lha (Por tuguês, Espanhol , Francês e ing lês) . Em caso de o art igo ser escr i to em l íngua estrangeira f ica o ar ticu l i s ta obr igado a escrever o resumo secundár io em Língua Por tuguesa.
Pa lavras-chave como elemento obr igatór io , f igurando logo a-ba ixo de cada resumo (na l í ngua do ar tigo e estrangeira ) , cujo nú-mero de palavras não deve exceder a 5 e não ser infer ior a 3 ,
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