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FACULDADE NOSSA SENHORA DE LOURDES - FNSL MÁRIO SÍLVIO PATERNOSTRO MENEZES NAS FENDAS DO TEMPO - O inconformismo Político nas canções de Chico Buarque PORTO SEGURO 2013

NAS FENDAS DO TEMPO - O inconformismo Político nas … · Monografia apresentada à Faculdade Nossa Senhora de Lourdes – FNSL, como um dos ... “Diz ao primeiro que passa que

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FACULDADE NOSSA SENHORA DE LOURDES - FNSL

MÁRIO SÍLVIO PATERNOSTRO MENEZES

NAS FENDAS DO TEMPO - O inconformismo Político nas canções de Chico Buarque

PORTO SEGURO

2013

MÁRIO SÍLVIO PATERNOSTRO MENEZES

NAS FENDAS DO TEMPO - O inconformismo Político nas canções de Chico Buarque

Monografia apresentada à Faculdade Nossa Senhora de Lourdes – FNSL, como um dos requisitos para a colação de grau no curso de Letras – Licenciatura.

Orientador: Professor Ms. Messias Nunes Correia

PORTO SEGURO

2013

MÁRIO SÍLVIO PATERNOSTRO MENEZES

NAS FENDAS DO TEMPO – O INCONFORMISMO POLÍTICO NAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE

Monografia apresentada à banca examinadora do curso de Letras da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes – FNSL, como um dos requisitos para a colação de grau no curso de Letras – Licenciatura.

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________

Professor orientador: Ms Messias Nunes Correia

________________________________________

Professor Avaliador 1

Aprovação: __________________

PORTO SEGURO

2013

DEDICATÓRIA

Dedico a mim e só a mim, pois, os erros e acertos são meus. As horas

presenteadas pelas noites de insônia, em busca do conhecimento, são os

suores que derramei amiúde, solitariamente, acompanhado de determinação e

livros; livros à mão grande. Dedico e dedicarei, sempre, a mim e a mim todas

as derrotas e vitórias, pois o troféu da vida quem levantará será eu.

AGRADECIMENTOS

Agradecer é agradar; e eu devo agradar a quem ou ao quê? Prefiro

romper e quebrar a palavra obrigado e continuar brigando com os meus deuses

e demônios; morrer e nascer na noite de insônia e perceber que aos fracos e

covardes o agradecimento é a desculpa de antemão. Não pretendo agradar,

prefiro ao desagrado e ao desequilíbrio, pois, a partir deles, nascem o

conhecimento e a liberdade.

Agradecer é verbo que vilipendia o suor e transformam as olheiras

noturnas e o cansaço do corpo em uma necessidade de ser aceito. Todo

discurso, que tem o outro como objetivo, é uma forma de violentar e se

violentar, por isso, fico com todo o grito do silêncio e repudio todo verbo, toda

palavra que produza resultados viciados.

Caso, fosse obrigado a agradecer, eu agradeceria ao meu desequilíbrio

e ao paradoxo discursivo que sustenta a minha insônia produtiva. Agradeceria

ao ruído do sono e ao barulho dos sonhos; não durmo e, tampouco, sonho;

todavia, luto, refuto e desagrado a estabilidade e determinismo da vida com

minha desobediência enquanto um ser. Um ser sem verdade e mentira, além

nem aquém, simplesmente, um ser que não agradece nem a sol que nasce e

nem a lua que surge, pois entende que tudo tem uma ordem e por saber disso,

busca a desordem e a contra-ordem das coisas.

Agrado à escuridão, pois nela tateio e encontro a luz da liberdade que

me conduz ao conhecimento e à minha total ambição; O além-do-homem.

EPÍGRAFE

“Diz ao primeiro que passa que eu sou da cachaça mais do que do amor.”

(CHICO BUARQUE)

RESUMO

Com base na Análise do Discurso de linha francesa, esse trabalho é fruto de uma pesquisa em torno da construção e constituição do discurso, formação discursiva e do aparelho ideológico presentes em três letras de canções de Chico Buarque: Fica, Bom tempo e Cálice, com o objetivo de investigar de que forma aparece e se constitui o inconformismo político do povo representado no discurso do cantor. A metodologia se deu, por meio de uma pesquisa, inicialmente, exploratória, pela necessidade de envolvimento com o tema e logo, em seguida, a bibliográfica. O trabalho está dividido em três partes e é um convite à reflexão em torno de questões de linguagem discursivas e históricas, contribuindo para novos olhares acerca do tema investigado. Palavras-chave: Análise do Discurso. Chico Buarque. Inconformismo Político. Cantor. Canções.

ABSTRACT

Based on discourse analysis of French line, this work is a result of a research on the construction and constitution of speech, discursive formation and ideological apparatus present in three lyrics from Chico Buarque songs: “Fica”, “Bom Tempo” and “Cálice”, in order to investigate how it appears and represents the political nonconformity of the people represented in the discourse of the singer. The methodology is given by means of a search initially exploratory, due to the need of engaging with the subject and then followed by the bibliographic search. The work is divided into three parts and is an invitation to reflect upon the language issues and historical discourse, contributing to new insights about the topic investigated. Keywords: Discourse Analysis. Chico Buarque. Political nonconformity. Singer. Songs.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9

1. CAPÍTULO - O CENÁRIO, A CENA E AS FENDAS: As canções de Chico

Buarque e o inconformismo político. ........................................................... 12

1.1 Regime Militar: o “Cálice” das palavras ...................................................... 12

2. CAPÍTULO - OS EN-CANTOS E OS DISCURSOS NA ARTE MUSICAL ... 20

2.1 Do sublime à Palavra: a dialética dos Sentidos .......................................... 20

2.2 Palavras em movimento ............................................................................. 24

3. CAPÍTULO - NAS FENDAS DO TEMPO - O inconformismo Político nas canções de Chico Buarque............................................................................ 28

3.1 Chico Buarque: agora era o herói .............................................................. 28

3.2 Análise das canções: cantar, canta uma esperança .................................. 29

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 40

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 43

ANEXOS ......................................................................................................... 45

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INTRODUÇÃO

O estado da arte em relação às pesquisas em torno do fenômeno musical

como denúncia social é extenso no Brasil e, em consequência desse campo amplo

de discussões, a literatura catalogada, fruto de investigações em torno desse objeto

de pesquisa, é farta e consubstancia outras pesquisas no que tange a outros

recortes dentro do mesmo tema. Diante da necessidade de ampliação da pesquisa

em torno do fenômeno musical como protesto e denúncia, solo fértil no Brasil,

durante a ditadura na história do país, nas décadas de 60 e 70, é que surgiu o

interesse em pesquisar a situação política sob a faceta do inconformismo e luta

contra o sistema estabelecido em letras de músicas de Chico Buarque (Fica 1965;

Bom tempo 1968 e Cálice, 1972).

O corpus para a consecução da pesquisa é o universo da Música Popular

Brasileira, das décadas 60 e 70, mais especificamente, de três letras de canções de

Chico Buarque, que retratam a realidade política, com vistas a detectar o

inconformismo político, pois esse se configura como o problema central de

investigação.

As letras das canções que serão analisadas pertencem a momentos da

história do país, décadas de 60 e 70 e registram o quadro político do Brasil, em que,

o discurso do inconformismo é percebido e, portanto, há uma uniformidade

discursiva entre elas. O sujeito por trás das letras das canções se revela como uma

voz denunciativa, registrando através da sua obra as realidades e mazelas

estabelecidas pelo sistema governamental.

Percebe-se que a canção, sempre serviu como instrumento de denúncia,

desvelando, através do seu discurso, os problemas políticos do país.

Em letras de canções como “Fica”, “Bom tempo” e “Cálice” são perceptíveis

vozes de inconformismo em relação à estrutura política do Brasil daquele contexto

histórico e, por meio de uma análise do discurso, nessa pesquisa, buscar-se-á

entender como isso se revelava nas canções.

Nesse sentido, reiterando-se a motivação para a pesquisa, pode-se afirmar

que a escolha desse tema justifica-se, plenamente, dada a relevância de discutir e,

principalmente, contribuir para ampliar a base de pesquisa sobre o tema investigado,

servindo, assim, como literatura para pesquisas futuras, dentro do recorte da

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proposta dessa pesquisa que, em princípio, pretende analisar “como o

inconformismo político se revela nas letras das canções de Chico Buarque (Fica,

1965; Bom tempo; 1968 e Cálice, 1972)”.

Acredita-se que as canções de Chico Buarque contribuíram para a denúncia e

formação política nacional do sujeito subjugado, dessa forma, uma pesquisa em

torno de algumas canções, que pertencem a sua vasta obra, pode vir a esclarecer

como o discurso de inconformismo político se revela nas letras de suas canções, no

contexto do Regime Militar.

Em que medida os discursos deblaterados nas canções de Chico Buarque

apresentavam uma instabilidade política ao regime estabelecido? O sujeito-autor,

por trás do discurso, representa as vozes caladas pela insatisfação do momento,

denunciando o regime estabelecido e desvelando a situação com discursos

qualificados e ordenados, no qual, percebe-se a denúncia do inconformado e a voz

do subjugado diante da situação estabelecida.

Contextualizar os aspectos políticos, nas décadas 60 e 70; identificar e

comparar os elementos discursivos nas letras de canções do sujeito-autor e analisar

os discursos das canções de Chico Buarque como resistência ao Regime

estabelecido, permitirão ratificar o inconformismo político, no período da Ditadura

Militar.

A proposta metodológica para efetivar o processo de pesquisa é, inicialmente,

exploratória pela necessidade de envolvimento com o tema e, ainda, pela coleta de

material para referência. Consideramos também a pesquisa de caráter qualitativa,

pelo tipo de fonte a serem pesquisados, ou pela natureza dos dados e, também,

pelo tipo de análise resultante das informações.

A análise das canções: Fica, Bom tempo e Cálice será feita à luz das teorias e

pressupostos da análise do discurso e, para tanto, observar-se-á, por meio das

unidades discursivas e outros elementos linguísticos, os construtos sócio históricos

reveladores de inconformismos sociais.

Propõe-se, portanto, contextualizar os aspectos sócio-políticos do Brasil das

décadas de 60 e 70, através de pesquisa bibliográfica, por meio da qual foi possível

verificar a situação histórico-política e o inconformismo político. Entender o discurso

como forma de resistência e como a música contribuiu para a propagação do

discurso do subjugado. O sujeito inconformado com a situação estabelecida se

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revela através das construções discursivas por meio de elementos linguísticos nas

letras das canções, já citadas.

Diante dessas informações, reitera-se que a pesquisa propõe identificar e

pesquisar o inconformismo político, apresentando uma análise sobre o tema, através

de referencial teórico, consistente, para a análise das canções “Fica”, “Bom tempo” e

“Cálice”, partindo do marco referencial a análise do discurso.

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I CAPITULO

1.1 O CENÁRIO, A CENA E AS FENDAS: As canções de Chico

Buarque e o inconformismo político.

1.2 Regime Militar: o “Cálice” das palavras

A música sempre participou, com seu discurso, para a formação do indivíduo,

entretanto, ela não modifica, diretamente, a realidade brasileira, porém pode agir nas

pessoas em forma de esclarecimento e, através dessa tomada de consciência é

capaz de realizar uma mobilização social e política e, por meio de suas letras,

apontar opiniões e argumentos, no qual, o discurso da mudança estará inserido.

A Música Popular Brasileira, MPB, esteve sempre presente no

desenvolvimento político do país e, nitidamente, relatou em suas canções fatos

importantes da história, servindo, muitas vezes, como voz de representação de um

povo. Seu discurso denunciou o inconformismo político e o autor por trás das

canções, representou, através de sua criação, o descontentamento político do

sujeito inconformado com a situação.

No início da década de 60, o país vivia “anos de otimismo, embalados por

altos índices de crescimento econômico e pelo sonho realizado da construção de

Brasília” (FAUSTO, 2001, p. 233). Juscelino Kubitscheck cunhou o slogan de

“cinquenta anos em cinco” e enfatizou em seu discurso que o país necessitava de

desenvolvimento e de ordem, objetivos gerais compatíveis com as ideologias das

Forças Armadas. A música, nesse momento cantava “o amor o sorriso e a flor”, era a

Bossa nova e sua linguagem voltada para a simplicidade da vida e a beleza do

amor. JK, como era conhecido Juscelino, também era chamado de presidente

Bossa-nova; a canção e o governo cantavam o sorriso, mas nem tudo eram flores

nesse período.

Os gastos governamentais para sustentar o programa de industrialização e a construção de Brasília e um sério declínio dos termos de intercâmbio com o exterior resultaram em crescentes déficits do orçamento federal. O déficit passou de menos de 1% do PIB em 1954 e 1955 para 2% em 1956 e 4$ em 1957 (FAUSTO, 2001, p. 238).

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O país crescia economicamente, mas deixava seus débitos para a população

proscrita, que não conseguia usufruir das benesses desse desenvolvimento.

Jânio Quadros assumiu a presidência logo após o termino do mandato e

Juscelino Kubitschek e o seu governo agradou ao FMI (Fundo Monetário

Internacional), mas sofreu rechaça por uma boa parte da população. No dia 25 de

agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou.

A renúncia não chegou a ser esclarecida. O próprio Jânio negou-se a dar uma versão clara dos fatos, aludindo sempre às “forças terríveis” que o levaram ao ato. A hipótese explicativa mais provável combina os dados de uma personalidade instável com um cálculo político equivocado (FAUSTO, 2001, p. 243).

João Goulart assumiu a presidência no dia 07 de setembro de 1961; o país

vivia momentos difíceis. Jango, como era conhecido, investia em obras públicas

consideradas básicas e, assim, obrigava o governo a emitir dinheiro. Tal fator

contribuiu para o aumento exagerado da inflação, achatou os salários e agravou a

tensão entre patrões e empregados. Havia no discurso de Jango, assuntos

desproporcionais à importância do cargo que ocupava como “a proibição do lança-

perfume, do biquíni e das brigas de galos. No plano das medidas sérias, combinou

iniciativas simpáticas à esquerda com medidas simpáticas aos conservadores”

(FAUSTO, 2001, p. 241). Toda essa agitação popular acabou de certa maneira

influenciando o engajamento político de alguns intelectuais e artistas da classe

média em projetos sociais. O discurso já procurava ter responsabilidade com a

situação e Carlos Estevam Martins e Ferreira Gullar afirmavam que uma arte deve

ser voltada para os interesses da população brasileira. Sendo assim, essa arte teria

que se associar aos processos materiais e à realidade socioeconômica nacional. A

mensagem política foi priorizada e o importante era transformar o público, o leitor e o

ouvinte num sujeito politizado.

Depois de um comício organizado na Central do Brasil, no Rio de Janeiro,

Jango anunciou para mais de 300 mil pessoas que daria início as reformas e livraria

o país do caos em que estava vivendo. Este comício, entretanto, foi mais um motivo

para que a oposição o acusasse de comunista. A partir daí, houve uma mobilização

social anti-Jango. João Goulart renuncia e na madrugada de 31 de março de 1964

os militares assumem o poder. “O movimento de 31 de março de 1964 tinha sido

lançado para livrar o país da corrupção e do comunismo e para restaurar a

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democracia” (FAUSTO, 2001, p. 257). O novo regime começou a implantar o seu

discurso e a mostrar o braço forte contra aqueles que, de certa maneira, não

comungavam com a proposta. A ditadura mostrou seus poderes e Castelo Branco

assumiu e, imediatamente, utilizou seu “braço de ferro”; aprisionou líderes sindicais,

estudantes e intelectuais; funcionários públicos, considerados “subversivos”,

perderam seus empregos. Nessa perspectiva, Fausto pontua o seguinte:

O governo Castelo completou as mudanças nas instituições do país fazendo aprovar pelo Congresso uma nova Constituição em janeiro de 1967. Submetido a novas cassações, o Congresso fora fechado por um mês em outubro de 1966 e reconvocado para se reunir extraordinariamente a fim de aprovar o novo texto constitucional (FAUSTO, 2001, p. 262).

O novo regime começou a transformar as instituições do país através dos

chamados Atos Institucionais (AI), que legitimam e legalizam ações políticas dos

militares, dando-lhe poderes extra constitucional e, dessa forma, mantinha a

legalidade e o domínio dos militares e segundo Fausto (2001) esses atos

institucionais foram justificados como decorrência do exército do Poder Constituinte,

essencial em todas as revoluções.

A Música Popular Brasileira cantava a inocência em suas letras e os jovens

demonstravam rebeldia e atitudes através de sua imagem. A Jovem Guarda invadiu

a televisão e influenciou toda a uma geração. Com “a criação do programa Jovem

Guarda incluía a realização de pesquisas especializadas de mercado, inclusive para

indicar com que palavras e gestos o ídolo deveria dirigir-se ao seu público”

(TINHORÂO, 1998, p. 337). Com roupas extravagantes e cabelos compridos o

movimento mostrava atitudes através de estereótipos criados como propaganda e

buscava, dessa maneira, se aproximar da juventude da época.

Concebido como promoção Global, envolvendo interesses artísticos (da figura de Roberto Carlos e seus parceiros de programa, o compositor Erasmo Carlos e a cantora Vandeléia de seus shows em clubes sociais, etc), editoriais, fonográficos e de comércio paralelo [venda de roupas – camisetas, calças, saias, blusas, bolsas, sapatos, botas e artigos escolares – sob a marca registrada Calhambeque, que aproveitava o sucesso da música de 1963] (TINHORÂO, 1998, p. 337).

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Esse movimento se diferencia da Bossa-nova, pois procuravam letras e

melodias mais simples. A ditadura começou a mostrar a sua força e a impor a

censura prévia, mas a Jovem Guarda, liderada por Roberto Carlos e Erasmo Carlos,

não sofriam a rechaça do atual governo, suas canções falavam de carrões, namoros

e em nada atingiam o regime ditatorial estabelecido. A censura cerceava tudo que

pudesse macular a imagem do governo, mas, nesse período ainda estava branda a

sua perseguição.

O general linha dura, Costa e Silva, assumiu e em seu governo as

manifestações contra o regime tornavam-se mais constantes.

(...) o seu mandato não emanava do povo, nem das forças políticas, mas das Forças Armadas, a quem devia gratidão e de cujo apoio dependia sua sobrevivência política. Como dizia Castellinho, “ele era ao mesmo tempo o mais alto dos paisanos e o mais alto dos milicos” (VENTURA, 1988, p. 240).

Nesse agitado ano de 1968, intelectuais e artistas de nome e todos aqueles

revoltados com o regime ditatorial, participaram de umas dezenas de manifestações

convocadas pelos estudantes, dentre elas está a Passeata dos Cem Mil, no Rio de

Janeiro, no mês de junho, causada pela morte de um estudante – Edson Luís de

Lima Souto - pela Polícia Militar.

Esses fatos criaram condições para uma mobilização mais ampla, reunindo não só os estudantes como setores representativos da Igreja e da classe média. O ponto alto da convergência dessas forças que se empenhavam na luta pela redemocratização foi a chamada passeata dos 100 mil, realizada em junho de 1968 (FAUSTO, 2001, p. 264).

.

Nesse panorama de tensão, a MPB se adequou aos novos tempos, mudou

seu discurso, tornando-o mais embasado e comprometido com a situação politica

que se estabeleceu. Para o governo a Música Popular Brasileira era um ser nocivo

para o Estado, capaz de fazer mal à população. Segundo o governo, elas eram

ofensivas às leis, à moral e aos costumes. Os artistas cansados de ver seus

trabalhos sendo mutilados, começaram a apresentar uma linguagem mais

metafórica para retratar o político-social em que se encontrava o país; tudo para

conseguir ludibriar os censores. A censura procurava cercear e coagir, uma maneira

de mutilar o trabalho do artista e averiguar o discurso da obra. Para Maingueneau

(2005) o discurso é uma disseminação de vários textos, cujo modo de inscrição

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histórica permite determinar o espaço de regularidades enunciativas. Para esse

autor, o discurso não opera sobre a realidade das coisas, mas sobre outros

discursos e todo enunciado de um discurso se constitui na relação polêmica com

outro.

O discursivo pode ser definido como um processo social cuja especificidade está no tipo de materialidade de sua base, a materialidade linguística, já que a língua constitui o lugar material em que se realizam os efeitos de sentido. Daí decorre que a forma da interpretação - leia-se: da relação dos sujeitos com os sentidos - historicamente modalizada pela formação social em que se dá, e ideologicamente constituída (ORLANDI, 1996, p. 57).

As canções passam a ter um cunho político forte e os discursos, nelas

contidos, passam a ter ideologias e refletir a condição do país. Surgiram, então, os

grandes festivais e em um “país onde as manifestações de massa se limitavam a

novelas de televisão e partidas de futebol, esses festivais reuniam a mais talentosa

geração de compositores (GASPARI, 2002, pag. 321)”. Diante da força dos festivais

da MPB, no final da década de sessenta, o regime militar vê-se ameaçado.

Movimentos como Tropicalismo, conforme Tinhorão (1998) é o movimento

conhecido como Tropicália e surgiu em São Paulo, na década de 60, por ação de

compositores baianos herdeiros da Bossa Nova, nos meios universitários de

Salvador, apontando irreverência, mais de teor social-cultural do que político-

engajado. A Tropicália, Tinhorão apud Veloso (1998), obteve a retomada de uma

linha evolutiva de tradição da música brasileira na medida em que João Gilberto fez

e, assim, encontrava na própria tradição da música brasileira o discurso para suas

canções. Os militares não entendiam o discurso tropicalista e se equivocavam em

suas conclusões.

A reação dos militares constituía um equívoco, pois o tropicalismo resumia tudo que o Poder poderia pedir para a sua tranquila perpetuação. O inconformismo manifestado pelos tropicalistas expressava apenas o sentimento de frustração das classes médias do mundo ocidental com o desfecho da Segunda Guerra Mundial (TINHORÂO, 1998, p. 325).

A censura passou a ser a melhor forma de o regime militar combater as

músicas de protesto e de cunho social que pudessem extrapolar a moral da

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sociedade dominante. Com a promulgação do AI-5, em 1968, esta censura à arte

institucionalizou-se.

O AI-5 foi um instrumento de uma revolução dentro da revolução ou de uma contra-revolução dentro da contra-revolução. Ao contrário dos Atos anteriores, não tinha prazo de vigência. O presidente da República voltou a ter poderes para fechar provisoriamente o Congresso, o que a constituição de 1967 não autorizava. Restabeleciam-se os poderes presidenciais para cassar mandatos e suspender direitos políticos, assim como para demitir ou aposentar servidores públicos (FAUSTO, 2001, p. 267).

Surgiram artistas com discursos mais comprometidos com a condição política;

a música popular brasileira começou a cantar em suas letras a situação político-

social do país e apontar através de seus versos a indignação e a revolta contra o

regime estabelecido. O regime militar investigou pessoas, supostamente,

caracterizadas por subversivas e a perseguição levavam tais pessoas a

abandonarem seus empregos, família e partir para a clandestinidade. Artistas foram

perseguidos por cantarem contra o regime e obrigados a saírem do país; o exílio

tornou-se a fuga de quem queria o discurso da mudança política. Assim o discurso

passou a incomodar e Foucault (2004) diz que temos consciência de que não nos é

permitido dizer tudo o que queremos dizer e nem tudo nos é permitido falar.

Durante o governo do general Costa e Silva, os militares, transformaram a

tortura e a censura em instrumentos para manter a ordem e o poder e afastar, dessa

maneira, os opositores. A MPB continuou sua resistência e como disse Chico

Buarque em Zappa (2011), normalmente, o pessoal escrevia uma canção

engordurava de palavras, para que algumas fossem cortadas, todavia a palavra que,

realmente, importava para mandar a mensagem de protesto contra o regime

passava pelos censores e chegava ao público.

Nesse período o Brasil fervilhava culturalmente, não só na música, mas

também no teatro e em outras manifestações culturais, o país passou pela época

mais “arbitrária” de sua História. O endurecimento do regime motivou o

aparecimento da luta armada, numa forma de resistência. Fausto (2001) esclarece o

fato e aponta que os grupos de luta armada começaram as suas primeiras ações em

1968. Uma bomba foi deixada no consulado americano na cidade de São Paulo;

surgiram também as “expropriações”, ou seja, os assaltos para reunir fundos.

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Costa e Silva sofreu um derrame. Desrespeitando a constituição, o Comando

Militar elege Emílio Garrastazu Médici para a presidência. O presidente Médici

propagou o slogan: ame-o ou deixe-o e o seu discurso mostrava o braço forte, ainda,

da ditadura. Algumas canções passaram a retratar o ufanismo e o Brasil vivia seu

“Milagre brasileiro”.

O período do chamado “milagre” estendeu-se de 1969 a 1973, combinando o extraordinário crescimento econômico com taxas relativamente baixas de inflação. O PIB cresceu na média anual de 11,2% no período, tendo o seu pico em 1973, com uma variação de 13%. A inflação média não passou de 18%. O milagre tinha uma explicação terrena. Os técnicos que o planejaram, com Delfim à frente, beneficiaram-se, em primeiro lugar, de uma situação da economia mundial caracterizada pela ampla disponibilidade de recursos (FAUSTO, 2001, p. 268).

O regime militar mascarava as perseguições e cerceava intelectuais e artistas

que o desafiavam. As canções passaram a ser esmiuçadas e dissecadas, os

censores queriam entender cada verso e cada palavra escrita, fazendo com que o

autor, escrevesse, muitas vezes, recados subliminares. As prisões continuaram

constantes e as torturas amiúde; o regime perseguia todos que eles, de alguma

maneira, suspeitavam que faziam parte da resistência ao estado de governo.

A perseguição era arbitrária e no curso de uma onda repreensiva, o jornalista

Wladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, foi intimado a

comparecer ao DOI-CODI - Destacamento de Operações de Informações (DOI) que

era a instituição responsável pela inteligência e repressão do governo e esse órgão

era subordinado ao Centro de Operações de Defesa Interna (CODI). As duas

instituições juntas geraram a temida sigla DOI-CODI da ditadura militar. Herzog foi

preso por suspeitas de ter ligações com o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e dali

não saiu vivo. A “sua morte foi apresentada como suicídio por enforcamento, uma

forma grosseira de encobrir a realidade: tortura seguida de morte” (FAUSTO, 2001,

p. 271). Em nota oficial o Exército informou que Vladimir havia confessado a

participação no PCB antes de se suicidar por enforcamento; a notícia da morte do

jornalista chocou a sociedade brasileira. Seguindo essa linha, Markun (1988) afirma

que morto e enterrado, Vladimir Herzog transformou-se em um símbolo e uma

ameaça. Grande parte da sociedade começou a compreender que era indispensável

reagir.

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Em 1979, a campanha popular pela anistia “ampla, geral e irrestrita”

conseguiu uma vitória: Figueiredo concedeu anistia aos presos, cassados e exilados

pelo regime militar. É importante frisar, porém, que a anistia não foi “geral e

irrestrita”: milhares de militares afastados dos seus cargos por discordarem do golpe

de 1964 não puderam reintegrar-se às Forças Armadas. Em 1978 o AI-5 foi

revogado e a ditadura começou a perder força, tinha início um lento processo de

redemocratização que só iria se concluir com a campanha Diretas Já.

Com a anistia, os exilados retornaram e a MPB e o discurso do inconformismo

político serviu como palco temático e material fundamental para o compositor Chico

Buarque, que passou a denunciar, através de suas canções, a situação estabelecida

e foi porta-voz de todo um contexto político em que estava inserido.

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II CAPÍTULO

2.OS EN-CANTOS E OS DISCURSOS NA ARTE MUSICAL

2.1 Do sublime à Palavra: a dialética dos Sentidos

A música sempre provocou discussões e análises mais profundas, até

mesmo, na área da filosofia e conforme Schopenhauer, (2003) ela é uma arte

elevada e majestosa capaz de fazer o efeito mais poderoso que qualquer outra no

mais íntimo do homem, dessa maneira, desperta interesses e estimula estudos

sobre o seu discurso e os sentidos que ela provoca. (NIETZSCHE 1967, p.114)

aponta que “quando se ouve música, ela o envolve rapidamente e o leva a um

estado de semi-sono e de desejo”. A música tem a capacidade de provocar

sentimentos e anseios inefáveis, todavia, é importante salientar que ela permite ao

ouvinte atribuir diversos sentidos e para Nietzsche, (2008) não se consegue

estabelecer diferença entre as lágrimas e a música. Nesse sentido, a música tem

mais que palavras e melodias; é a exposição da essência intima, no qual há um

conjunto de sentidos e que a sua função é produzir o deslocamento do sujeito em

relação ao tempo e espaço, fazendo-o refletir e não se tornar, apenas, um

entretenimento, sendo assim, Kovadloff, diz que:

A música oferece ao homem um espelho onde, ao se contemplar, pode reconhecer-se invisível. Este reconhecimento equivale ao do tempo concebido como núcleo da existência. Ver-se invisível é sentir-se passar, saber-se criatura, aceitar-se como demanda insaciável de fundamento (KOVADLOF, 2003, p. 68).

Através da música, o homem experimenta diversos estados de emoções e

nesse turbilhão de sentimentos, ele amplia o seu mundo e entende o lado sublime

da vida; para tanto, nota-se que:“...a música, em verdade, dá a cópia completa e

perfeita da vontade, mas a vontade mesma, portanto o real propriamente dito,

permanece distante e com ele, todo tormento, o qual se encontra só

nele”(SCHOPENHAUER, 2003, p. 238).

Vou ainda dizer umas palavras para os ouvidos mais selectos (sic): o que propriamente exijo da música. Que ela seja serena e profunda,

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como uma tarde de Outubro. Que seja peculiar, exuberante, terna, uma pequena e doce mulher com insidia e encanto (NIETZCSHE, 2008, p. 36).

A música não pretende esclarecer e nem estabelecer novos paradigmas,

permite a aquele que a ouve, se reconhecer e experimentar sentimentos a partir da

compreensão de mundo que se tem. De acordo com (NIETZCSHE, 1967 p. 118)

“não vê o que se passa na cena, a música dramática é um absurdo; como também o

é o perpétuo comentário dum texto perdido”. Para tanto, o texto musical é repleto de

intenções, sendo assim, “a música em seu todo é a melodia da qual o mundo é o

texto” (SCHOPENHAUER, 2003, p. 235), portanto, ela provoca interpretações

variadas e com reflexões diversas; percebe-se então que, a linguagem musical é

universal. Destarte, a música é um discurso, no qual, compreende-se a sua força e a

sua penetração na sociedade, com isso ela vai movendo o sujeito através do seu

som e como afirma Schopenhauer, (2003), somente a melodia tem plena conexão

de sentido e uma intenção, do começo ao fim, dessa maneira, conjuminada com a

letra, ela faz o sujeito refletir sobre os discursos nela contidos.

Diante disso, faz-se imprescindível entender e perceber que a música sempre

teve uma participação ativa e fundamental na sociedade. Sua força de penetração

faz com que seu discurso se propague mais facilmente, tornando-a penetrável e

acessível a todos. O autor, por trás da musica, representa as vozes e os anseios de

uma época, propagando em seus versos, no qual, suas palavras não são suas, mas

são resultados de vozes ecoadas e, assim, esse autor precisa de entender que a

música e o seu discurso estão livres para buscar intepretações diversas. Nietzsche

(ano 1967, p. 100) em um de seus aforimos diz: “Não quero mais ler autor nenhum

em que se percebe que êle (sic) quis escrever o livro. Não lerei mais senão aqueles

cujas idéias (sic) se tornaram inopinadamente livro”. Sabendo disso, o autor deixa de

ser dono e passa a contribuir com a sua arte – música - e a ser a voz de todos o que

comungam com as suas palavras.

...a lingüística acaba de fornecer à destruição do Autor um instrumento analítico precioso, ao mostrar' que a enunciação é inteiramente um processo vazio que funciona na perfeição sem precisar de ser preenchido pela pessoa dos' 'interlocutores’; linguisticamente," o autor nunca é nada mais para além daquele que escreve,' tal' como eu não é senão aquele que diz eu: a linguagem conhece um «sujeito», não uma «pessoa», e. esse sujeito, vazio fora da própria enunciação que o define, basta para fazer «suportar» a linguagem, quer dizer, para a esgotar (BARTHES, 2004, p. 3).

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O discurso musical passa a ter seus sentidos naqueles que ouvem a canção,

dessa maneira, apenas, as ideias são propagadas e as palavras nas entrelinhas

ganham sentidos e interpretações ilimitadas. A música – entenda como canção; letra

e melodia – tem poder discursivo além de seu autor e segundo Foucault (1969) será

que importa quem fala? Dessa maneira, a música chega ao ouvinte sem os vícios e

registros do autor. Perde uma “identidade” e ganha nova vida a partir da

compreensão de mundo daqueles que buscam seu discurso e sua ideologia. A

ideologia aparece representada em suas letras e não na figura do autor, destarte,

percebe-se que a música tem que se libertar da autoria para que possa ser

desvelada e, assim, ampliado o seu discurso. Ter o autor atrelado a obra poderá

limitar a exegese e determinar as intenções de suas palavras.

Enfim, o nome do autor funciona para caracterizar um certo modo ele ser do discurso: para um discurso, o fato de haver um nome de autor, o fato de que se possa dizer "isso foi escrito por tal pessoa", ou "tal pessoa é o autor disso", indica que esse discurso não é uma palavra cotidiana, indiferente, uma palavra que se afasta, que flutua e passa, uma palavra imediatamente consumível, mas que se trata de uma palavra que deve ser recebida de uma certa maneira e que deve, em uma dada cultura, receber um certo status (FOULCAULT, 1969, p. 13).

Como afirma Barthes (2004, p. 2) “apesar de o império do Autor ser ainda

muito poderoso (a nova crítica não fez muitas vezes senão consolidá-lo)”,

certamente, busca-se atrelar obra e autor, com isso o discurso passa a ter a

ideologia do seu autor-dono. Percebe-se que não há mais uma autoria de fato e,

sim, alguém que assina e não determina os caminhos de uma obra. Barthes (2004)

diz que a sua origem, a voz não são é único e verdadeiro lugar da escrita, porém, a

leitura e, entendendo disso, compreende-se que o texto só ganha vida quando o

autor morre. A morte desse autor é algo que acrescenta para os múltiplos e diversos

sentidos que se pode ter um texto. O autor não é dono de suas palavras, não é o

detentor dos sentidos, não pode apontar as direções do discurso; ele é vitima de

todo um jogo de enunciados e enunciações.

Ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível. Gostaria de perceber que no momento de falar uma voz sem nome me precedia há muito tempo: bastaria, então, que eu encadeasse, prosseguisse a frase,

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me alojasse, sem ser percebido, em seus interstícios. Como se ela me houvesse dado um sinal, mantendo-se, por um instante, suspensa. Não haveria, portanto, começo; e em vez de ser aquele de quem parte o discurso, eu seria, antes, ao acaso de seu desenrolar, uma estreita lacuna, o ponto de seu desaparecimento possível ( FOUCAULT, 2004, p.3)

Não há uma origem, porém, um destino. As construções discursivas ganham,

dessa maneira, seus múltiplos sentidos no trajeto, no percurso de sua jornada.

Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha de palavras, libertando um sentido único, de certo modo teológico (que seria a«mensagem» do Autor-Deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escritas variadas, nenhuma das quais é original: o texto é um tecido de citações, saldas dos mil focos da cultura (BARTHES, 2004, p. 4).

A música, como arte, é a que consegue chegar mais perto do seu objetivo,

porém ainda carrega consigo a voz da autoria muito forte. A ideologia do discurso da

obra vem atrelada a voz do autor, que, muitas vezes, busca colocar seu sentido e

aprisionar a palavra em sua assinatura. Barthes (2004) afirma que o autor tem

apenas o poder de misturar as escritas, mas, ele não pode reter e, tampouco,

determinar a direção do discurso na obra. Barthes (2004) ainda afirma que oferecer

um Autor a um texto é impor a esse texto um mecanismo de segurança, de prisão e

dotá-lo de um significado último, fechando, assim, os múltiplos sentidos da escrita.

A música como discurso passa a ganhar suas interpretações e a contribuir

com sua ideologia, relatando fatos pertinentes e relevantes de uma época. Todavia,

o ouvinte absorve o discurso contido em suas letras e determina a direção dos

sentidos, contribuindo para a pluralidade de sentidos e ampliando as ideias.

Um texto é feito de escritas múltiplas, saídas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar em que essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se tem dito até aqui, é o leitor: o leitor é o espaço exato em que se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que uma escrita é feita; a unidade de um texto não está na sua origem, mas no seu destino, mas este destino já não pode ser pessoal: o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psicologia; é apenas esse alguém que tem reunidos num mesmo campo todos os traços que constituem o escrito (BARTHES, 2004, p. 5).

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A música passou a ter papel fundamental e pertinente em nossa sociedade,

pois nela está o discurso da época e as vozes culturais; uma crônica cantada com

ideais e ideologias. Portanto, uma arte prenhe de sentidos e de interpretações, na

qual, o leitor/ouvinte esmiúça as várias possibilidades e se apropria da obra através

do discurso.

2.2 Palavras em movimento

O discurso são sentidos em movimento em busca de objetivos, um deles,

pode ser o inconformismo político, destarte, é necessário saber o que se encontra

no subscrito de cada palavra de uma ordenação discursiva, para compreender o

discurso é necessário compreender que “os sentidos não se esgotam no imediato.

tanto é assim que fazem efeitos diferentes para diferentes interlocutores” (ORLANDI,

2005, p.50). Para Foucault (2004) não é permitido falar em qualquer época,

tampouco, de qualquer coisa; não é fácil dizer algo que seja novo, percebe-se que o

sujeito fala sempre em um tempo e um lugar. Foucault relaciona a língua com outras

práticas, no que se refere ao campo social e aponta que o discurso deve ser, antes

de tudo, pensado para manter uma “ordem discursiva”.

Não podemos confundir com a operação expressiva pela qual o indivíduo formula uma ideia, um desejo, uma imagem; nem com a atividade racional que pode ser acionada num sistema de inferência; nem com a “competência” de um sujeito falante quando constrói frases gramaticais; é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, numa dada época, e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercícios da função enunciativa (FOUCAULT, 1984, p. 136).

O discurso para Foucault (2004) é a soma dos sistemas de controle das

palavras, resultado de práticas castradoras que determinam o que pode ou não ser

dito. Através de uma análise do discurso é possível compreender os mecanismos de

controle que permitem o que deve ser pronunciado, ou não, em cada época.

(...) em toda a sociedade a produção do discurso é simultaneamente controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos que têm por papel exorciza-lhe os poderes

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e os perigos, refrear-lhe o acontecimento aleatório, disfarçar a sua pesada, temível materialidade ( FOUCAULT, 2004, p 4).

É preciso que esse discurso esteja qualificado para ser pronunciado, porém

todo discurso é permitido, é determinado, atende às necessidades e responde aos

anseios da sociedade. Caso, o discurso não esteja qualificado, há um patrulhamento

que busca ridicularizar, banalizar e desautorizar aqueles que não pautam pela

coerência discursiva. O discurso, como poder, domina o discurso. Percebe-se a luta

pelo domínio discursivo e o discurso passa a ser o objeto de desejo. “[...] O discurso

não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas

aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”

(FOUCAULT, 2004, p.5). Disciplinar é uma forma de manter o controle e a produção

do discurso, e há mecanismo que contribuem para essa violência e, como afirma

Foucault (2004) o ritual é que define a qualificação que possui os indivíduos que

falam. Ao impor condições de regras, obriga-se a respeitar as exigências do discurso

e qualificá-lo, dessa maneira, exclui-se e ordena o discurso.

O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes? (FOUCAULT, 2004, p. 17).

O discurso deixa de ser, apenas, um conjunto de signos e representação de

sentidos e “por aí podemos perceber que as palavras não têm um sentido nelas

mesmo, elas derivam seus sentidos das formações discursivas em que se

inscrevem” (ORLANDI, 2005, p. 43) e esse aspecto também é comentado por

Foucault (2004) que aponta que a análise do discurso não revela a universalidade

de um sentido, mas traz a raridade imposta por um poder de afirmação. O discurso

deixa de ser, simplesmente, esse conjunto de signos e significados pelo qual se luta,

se debate e há embates e, passa a ser, ele mesmo, o objeto desejado. Dessa

maneira, percebe-se o seu poder intrínseco, de propagação e de dominação.

[...] o discurso nada mais é do que um jogo, de escritura, no primeiro caso, de leitura, no segundo, de troca, no terceiro, e essa troca, essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos. O discurso se anula, assim, em sua realidade, inscrevendo-se na ordem do significante (FOUCAULT, 2004, p.19).

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Para tanto, é perceptível que nem tudo pode ser apontado e denunciado,

pois, sabe-se que “não temos o direito de dizer o que nos apetece; que não

podemos falar de tudo em qualquer circunstância; que quem quer que seja,

finalmente, não pode falar do que quer que seja.” (FOUCAULT, 2004, p. 5), O

mecanismo aponta a necessidade de um discurso coerente e embasado e

utilizando, um certo número de regras. Não é permitido que todos tenham acesso,

pois, segundo Foucault (2004) ninguém entra na ordem do discurso se não satisfizer

a certas exigências e se não for qualificado.

Há uma complexidade em propagar o discurso, pois, o próprio discurso

exerce o seu próprio controle (classificando, ordenando e distribuindo) e é “essa

vontade de verdade apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional que

tende a exercer sobre os outros discursos uma espécie de pressão e como que um

poder de coerção” (FOUCAULT, 2004, p.8). Mas essa vontade da verdade, o próprio

autor afirma que é, apenas, um desejo de poder. As instituições mantêm o poder,

controlando os discursos e são excluídos aqueles que vão de encontro a ordem

vigente.

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III CAPÍTULO

3.Nas Fendas do Tempo - O inconformismo Político nas canções de

Chico Buarque

3.1 Chico Buarque: agora era o herói

Francisco Buarque de Holanda ou, simplesmente, Chico Buarque, filho do

Historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda e da pianista Maria Amélia,

Chico já nasceu em berço esplêndido, no qual, a música e a intelectualidade

permeavam.

Chico Buarque desponta para o meio artístico, prematuramente. Musica“

Morte e vida Severina” de João Cabral de Melo e recebe a sua primeira encomenda

musical – Tem Mais samba, 1964. Logo em seguida lança o seu primeiro compacto

com “Pedro pedreiro”, 1965 e daí em diante a sua produção musical cresceu

exponencialmente.

Em 1966, ganha o festival com a sua canção “A banda”, defendida por ele e

Nara Leão. “A banda” leva o seu autor ao celebre mundo das celebridades, e é

cantada como símbolo de ingenuidade e singeleza, recebendo até uma crônica do

poeta Carlos Drummond de Andrade.

A felicidade geral com que foi recebida a passagem dessa banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na sua tradição lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoroçando novos e velhos, dá bem a ideia de como andávamos precisando de amor, escreveu Drummond (SOUZA apud DRUMMOND, 1989, p. 72).

Chico participa de outros festivais de música, consolida-se como um grande

cantor/compositor e participa ativamente do cenário político da época. Com canções

que atacavam o regime militar, que vigorava na época, passa a ser observado de

perto pelos censores, que analisavam e censuravam suas canções e peças de

teatros. É perseguido pelos militares e resolve, por livre e espontânea pressão,

abandonar o país. Refugia-se na Itália, segundo Zappa (2011) ele tinha viajado para

um festival na Itália e foi convencido a adiar a sua volta.

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As canções de Chico Buarque retratam e registram a história e por meio delas

podemos perceber um documentário histórico e a visão, do Chico politico, sobre os

acontecimentos da época.

Talvez, no caso de Chico, melhor do que falar em “canção de protesto”, seja falar em canções de repressão. Algumas delas dizem mais a respeito da época em que surgirem do que muitos livros sobre o assunto. Não que elas pretendam ser o registro fotográfico dessa época, ou que representam (como de fato são) um documentário histórico: mas porque nelas, introjetado, está o “clima” do seu tempo (MENEZES, 1982, p. 72).

Quando se fala em Chico Buarque, por conseguinte, lembramo-nos da sua

construção poética e do seu lirismo; suas canções, com letras engajadas,

denunciaram, apontaram e retrataram um período, mas, jamais esteve presa a uma

época. O próprio Chico Buarque se define, em uma de suas canções, “Noite dos

mascarados”, 1966, como “seresteiro, poeta e cantor”, mas, sabe-se que ele vai

muito mais além. Tom Jobim, em uma carta escrita ao Chico, 1989, diz: “Chico, meu

herói nacional; Chico, gênio da raça; Chico, salvação do Brasil” (SOUZA apud

JOBIM, 1989, p. 7). Tom Jobim não exagerou em seus elogios. Ao ouvir sua canção,

“João e Maria” (Chico Buarque e Sivuca, 1977), o próprio Chico diz: “agora eu era o

herói” (...) (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 152). E o discurso do sujeito

inconformado começou a se estabelecer, através das canções.

3.2 Análise das canções: cantar, canta uma esperança

Como já foi abordado, percebe-se que a música contribuiu efetivamente como

representação de sua época e, como discurso, apontou fatos e acontecimentos

políticos. O autor, por trás das canções, representa as vozes dos inconformados

com a situação politica que se estabeleceu; Ditadura Militar. Francisco Buarque de

Holanda – Chico Buarque – participou efetivamente da vida politica do país e

contribuiu com suas canções para uma reflexão acerca do discurso que estava se

inserindo na década de 60 e com o seu próprio discurso. Analisar o discurso nas

canções e entender as diversas relações existentes dentro de um discurso torna-se

imprescindível e, para Orlandi, (2005), a Análise do Discurso não trata,

29

simplesmente, da língua, nem da gramática, ela trata do discurso. O discurso nada

mais é do que palavras em movimento.

Verifica-se que, na década de 60, não há, apenas, um discurso, e certamente

o autor – Chico Buarque - percebeu tal afirmação, pois nota-se o nascimento do

sujeito crítico e inconformado com a situação que se estabeleceu. “Fica”, de 1965, é

composta logo após os militares assumirem o poder e o recado do sujeito autor é

cantado em seus versos. Diz que eu não sou de respeito, diz que não dá jeito, de

jeito nenhum (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 37). O discurso do inconformado

parece nascer nesses versos e o jovem Chico Buarque mostrava rebeldia e atitude

em sua música; o regime militar iniciava e a canção de protesto começava a mostrar

o inconformismo e, apontar que “tudo que dizemos tem, pois, um traço ideológico

em relação a outros traços ideológicos” (ORLANDI, 2005, p. 43). A figura de Chico

Buarque representava a luta por um ideal; o de restabelecer a democracia, mas, o

artista-intelectual produzia sua obra no intuito de denunciar a situação politica

estabelecida, sem se preocupar com os sentidos, para tanto, “podemos dizer que o

sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas

em jogo no processo sócio histórica em que as palavras são produzidas” (ORLANDI,

2005, p 42). Percebe-se, então, que o discurso político e a crítica ao regime militar

estabelecido, é o grande mote para o compositor apresentar sua música.

O problema político essencial para o intelectual não é criticar os conteúdos ideológicos que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática científica seja acompanhada por uma ideologia justa; mas saber se é possível constituir uma nova política da verdade. O problema não é mudar a "consciência" das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade (FOUCAULT, 1984, P 11).

Em 1965, o “regime militar” já fazia parte da realidade brasileira, os Atos

Institucionais começavam a cercear a liberdade e, é nessa época, que Chico

Buarque avisa: Diz que sou subversivo, um elemento ativo, feroz e nocivo, ao bem-

estar comum (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 37). O recado ao regime militar

estava sendo dado e nos versos acima, notam-se, em seu discurso, a figura do

sujeito que não irá se subordinar à nova situação política em que se encontrava o

país e, na visão de Orlandi, (2005) não há discurso sem um sujeito e nem sujeito

sem ideologia.

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Através da letra de “Fica” é perceptível que a música, em seu discurso, já

oferece traços de revolta e ao afirmar “feroz e nocivo”, o autor é a voz de rechaça e

poder contra a autoridade ditatorial. Em 1965, ano que a música foi composta, a

situação política ainda permitia a voz do inconformado e a desobediência discursiva.

Era o inicio de uma ditadura militar e um poder unilateral.

Se a violência for grande, há o risco de provocar revoltas; ou, se a intervenção for muito descontínua, há o risco de permitir o desenvolvimento, nos intervalos, dos fenômenos de resistência, de desobediência, de custo político elevado (FOUCAULT, 1984, p.120).

A canção passou a ser uma forma de expressão e de comunicação com o

sujeito inconformado politicamente e a representar essa voz.

Diga ao primeiro que passa Que eu sou da cachaça Mais do que do amor Diga e diga de pirraça De raiva ou de graça No meio da praça, é favor (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 37).

Verifica-se, na letra, um sujeito que vai de encontro ao que se espera de

alguém politizado e preocupado com a situação politica que se instaurou. Mas, não

seguir as normas que uma sociedade e um sistema capitalista ditatorial impõem, é

também um discurso de revolta. E Chico Buarque aponta, justamente, essa atitude

como discurso. A desobediência é o reflexo de uma situação de imposição, na qual,

a voz é substituída por ações e atitudes repletas de rebeldia. O discurso não é,

simplesmente, uma expressão verbal, mas que ele é todo um conjunto organizado

de poder. O discurso, então, é aquilo que se pode apoderar para que se tenha

poder.

(...) o discurso (...) não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que - isto a história não cessa de nos ensinar - o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar (FOUCAULT,2004, p.5).

Diz que é pra tomar cuidado, Sou um desajustado e o que bem lhe agrada,

meu bem (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 37). Os versos, com uma carga de

ameaça, vão afirmando que o discurso do inconformismo estava se instaurando. Em

um recado direto ao regime militar estabelecido, os versos da canção apontam a

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revolta contra a situação política e, com uma carga irônica, nota-se, no trecho final

do verso, uma pergunta sobre o que esse novo discurso – regime militar -, que foi

inserido, deseja.

A canção “Fica” é o preâmbulo do discurso do inconformismo e Chico

Buarque, em suas músicas, vai denunciar e apontar a situação política e se tornar

um cronista musical de uma época.

No tenebroso ano de 68, no qual, o AI-5 foi decretado e, segundo Ventura

(1990), o ano que não terminou, a canção “Bom Tempo” foi composta. Enquanto a

ditadura cerceava direitos e controlava as formas de expressão, com a censura

prévia, Chico Buarque anunciava uma canção de esperança, que já no título – Bom

tempo – demonstrava o otimismo e anunciava o fim dos “anos de chumbo’. Uma

canção, que parece despretensiosa, sem um discurso de revolta, aparentemente.

Porém, olhando além da decodificação da palavra e buscando a interpretação e

localizando-a no tempo e no espaço em que ela foi produzida, nota-se uma ironia,

diante da situação política e “o fato mesmo da interpretação, ou melhor, o fato de

que não há sentido sem interpretação, atesta a presença da ideologia” (ORLANDI,

2005, p.45) e ainda de acordo com (ORLANDI, 2005 p.9) “não há neutralidade nem

mesmo no uso mais aparentemente dos signos. A entrada no simbólico é

irremediável e permanente: estamos comprometidos com o sentido e o político”.

Outro aspecto apontado pelo autor é que há modos de se interpretar e que nem

todos podem interpretar de acordo com sua vontade, portanto, a canção vai

ganhando seus sentidos em cada ouvinte e, assim, dar-se-á o movimento do

discurso político. Na figura do pássaro, do pescador e do marinheiro, a notícia do

bom tempo é anunciada.

Um marinheiro me contou Que a boa brisa lhe soprou Que vem aí bom tempo O pescador me confirmou Que o passarinho lhe cantou Que vem aí bom tempo (SOUZA apud BUARQUE 1989, p. 55).

Na estrofe é anunciado dias melhores, uma situação favorável e a afirmação

de que tudo corre bem; não obstante, na estrofe abaixo, notam-se a luta e as

agruras do dia a dia. Nota-se “a partir dessa primeira estrofe, a estrutura do poema

repousa em duas linhas: a do principio de realidade e a do principio do prazer”

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(MENESES, 1982, p.108). Outro aspecto levantado por Meneses (1982) é a

possibilidade que esse “Bom tempo” seja a perspectiva do não trabalho e,

consequentemente a possibilidade de curtir a vida.

Dou duro toda semana Senão pergunte a Joana Que não me deixa mentir Ando cansado da lida Preocupada, corrida, surrada, batida Dos dias meus Mas finalmente é domingo Naturalmente me vingo E vou me espalhar por aí (SOUZA apud BUARQUE 1989, p. 55).

Não se pode fechar uma interpretação; todo discurso está em movimento e os

sentidos não estão presos a uma única interpretação.

A análise do Discurso não estaciona na interpretação, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos processos de significação. Também não procura um sentido verdadeiro através de uma “chave” de interpretação. Não há esta chave, há método, há construção, de um dispositivo teórico. Não há uma verdade oculta atrás do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender (ORLANDI, 2005, p.26).

A ditadura oprimia a criação com a censura, cortava versos e perseguia seus

autores. O bom tempo era a esperança que se anunciava, a vida nascendo como

um domingo de sol. Joana debaixo do braço, carregadinha de amor (SOUZA apud

BUARQUE, 1989, p. 55), certamente, não é uma namorada ao que a letra se refere,

pois a arma do compositor é a caneta e o violão e, certamente, “Joana”, era o nome

que Chico Buarque deu ao seu violão. Sabe-se que Chico gostava de colocar nome

de gente nas coisas, principalmente, em seus violões.

Gostava de dar nome de gente às coisas. Seu primeiro carro, um fusquinha verde-claro de segunda mão, era o “Clóvis”. O AeroWillys bordô dos pais era o “Nelson”. “Nelson” era também o violão no qual compôs a Marcha para um dia de sol e Tem mais samba. Com “Joaquim” fez Pedro, pedreiro, Sonho de um carnaval e Olê, Olá, com “Julieta”, A banda” (SOUZA, 1989, p. 25).

O violão é a arma do compositor e, nele, o discurso é propagado. Debaixo do

braço, cheio de intenções, a canção vai disseminando seus sentidos e ressoado,

através do som do violão, o inconformismo apontado às avessas, na letra de “Bom

tempo”. O artista usa desse subterfúgio para desviar a atenção e evitar os

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mecanismos de controle do discurso que estava instaurado naquela época,

porquanto, “em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo

controlada, selecionada, organizada e redistribuída por números de procedimentos

que tem por função conjurar seus poderes e perigos” (FOUCAULT, 2004 p. 8-9).

Satisfeito, a alegria batendo no peito, o radinho contando direito a vitória do

meu tricolor (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 55). Os versos apontam para o

entretenimento: o rádio, o futebol e a alegoria de uma vida alienada, sem

compromissos com a situação política em que o país estava passando. O Brasil já

era bicampeão de futebol e se preparava para o terceiro título e, ao mesmo tempo,

sofria com perseguições e controles do regime militar. Os versos, na verdade, são

uma crítica, uma alegoria e uma denúncia de que é preciso entender o que estava

acontecendo com o país, naquele momento, e usar a palavra é um ato social. A

MPB se estabeleceu como movimento de luta e resistência contra a ditadura; era a

canção engajada e com responsabilidade política. Era censurada, muitas vezes, por

denunciar a ordem estabelecida e “esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo

tempo, o traço da relação da língua com a exterioridade” (ORLANDI, 2005, p.47).

A canção “Cálice” foi composta na década de 70, na qual, o AI-5 silenciava

opiniões e cerceava direitos políticos e, nessa situação limite da repressão e da

censura, Chico Buarque canta sua “Cálice”; um hino que representa a situação

política em que o país estava passando, politicamente. “Cálice” remete a angústia de

Cristo, no Monte Getsêmane, quando suou sangue e implorou ao Pai – Deus – para

que não fraquejasse em sua missão.

Pai, afasta de mim esse cálice/ afasta de mim esse cálice / afasta de mim

esse cálice / de vinho tinto de sangue (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 108).

Cale-se ou cálice? De um substantivo, foneticamente, entende-se que é um verbo,

em uma frase imperativa. A canção, já no título, demonstra o silêncio imposto e o

silêncio assumido. O sangue como representação da tortura e dos castigos impostos

por aqueles que insistem em não calar e, nesse jogo de palavras, o sentido é

desconstruído e, certamente, “não há sentido sem metáfora. As palavras não têm,

nessa perspectiva, um sentido próprio, preso a sua literalidade” (ORLANDI, 2005, p.

44) e Meneses (1982) também comenta que se trata de um silêncio contagiador,

cujo poder é paralisante e vai aos poucos tomando conta do ser total. Percebe-se

que os “mecanismos linguísticos constituem pano de fundo para uma reflexão

“filosófica” (PÊCHEUX, 2010, p. 81). Seguindo essa linha e “de acordo com a análise

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do discurso, o sentido não existe em si, mas é determinado pelas posições

ideológicas colocadas em jogo no processo sócio histórico em que as palavras são

produzidas” (ORLANDI, 2005, p. 42).

Tragar a dor, engolir a labuta / silêncio na cidade não se escuta/ melhor seria

ser filho da outra (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 108). Esses versos mostram

bem o clima fervoroso que se mantinha contra a ditadura, porém, os planos, os

conchavos eram feitos às escuras, às escondidas, para que não houvesse

perseguição e repressão da ditadura. No verso adiante, no qual, encontra-se a

palavra “outra”, a omissão da palavra “puta” fica explícita, essa troca é feita para

driblar a censura que pairava, todavia, ao escutar essa frase na canção, mesmo

ouvindo “melhor ser filho da outra”, os ouvintes, de imediato, substituem pelo

palavrão, citado acima.

...Essas condições abrangem o contexto histórico-social, ideológico, a situação, os interlocutores e o objeto do discurso, de tal forma que aquilo que se diz significa em relação ao que não se diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação aos outros discursos e etc (ORLANDI, 1999 p.85).

Se na calada da noite me dano (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 108). A

letra mostra a perseguição a quem ia de encontro ao regime militar e, durante a

noite, arrancados de suas casas, eram levados para os porões e às salas de

torturas.

Lançar um grito desumano (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 108). O regime

calou a democracia, e, talvez, só poderia ser ouvido, alguém que falasse a mesma

língua desumana da ditadura, destarte, entende-se que “o discurso se constitui em

seus sentidos porque aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma formação

discursiva e não outra para ter um sentido e não outro” (ORLANDI, 2005, p. 43).

Nota-se que o discurso é mais profundo do que aquilo que “se ouve”, do que se lê. A

força do discurso mostra-se perigosa e, dessa maneira, é censurada e silenciada.

Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo elo sujeito que fala (FOUCAULT, 2004, p. 5).

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Esse silêncio todo me atordoa (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 108).

Nesse trecho, a letra mostra a agonia e a vontade de gritar o descontentamento, a

repulsa. A ditadura silencia com o medo e impõe o seu grito torturador.

Evidentemente, num primeiro nível, uma decodificação político-social do poema se impõe, e é cristalina: trata-se do silêncio imposto, Da Censura do Governo Médici (o poema é de 73) que silencia a voz do poeta. Mas não apenas a ela: o arbítrio da repressão silenciosa – no limite, com o silêncio definitivo da morte – todos aqueles que ousassem falar (MENESES, 1982, p.95).

Ver emergir o monstro da lagoa (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 108). O

monstro é a própria ditadura, a censura. O regime militar assusta com seus

desmandos e arbitrariedades, condenando com seus Atos Institucionais, todos

aqueles que gritassem e não calassem, como bisa a canção, em seu refrão..

Quero morrer do meu próprio veneno (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p.

108). Morrer sem ser assassinado, sem que alguém determine a morte, sem ter que

responder por crimes que não cometeu. Morrer dos seus próprios erros e não

morrer, sob tortura, nos porões da ditadura.

.Quero inventar o meu pecado (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 108).

Nesse trecho a canção mostra a ditadura impondo o que é certo e errado;

entretanto, o autor desdiz dizendo que quer cometer seus deslizes e não pagar por

algo que foi imposto por um regime.

De muita gorda a porca já não anda De muito usada a faca já não corta Como é difícil, pai, abrir a porta Essa palavra presa na garganta Esse pileque homérico no mundo De que adianta ter boa vontade Mesmo calado o peito, resta a cuca Dos bêbados do centro da cidade (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 108).

Na estrofe acima se percebe a economia alavancada pelo “milagre brasileiro”,

mas o país estava atolado em corrupção e os métodos, representados pela faca, já

demostravam a ineficiência da politica utilizada. Na estrofe, acima, abrir a porta, não

é fácil, pois aqueles que detinham o poder fechavam as saídas para uma nova

perspectiva e através da violência, mantinham, com braço-de-ferro, o contexto

repressivo. A palavra presa na garganta era calada com veemência e a liberdade, a

vontade, a livre expressão era cerceada por mecanismos de castração dos direitos.

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Mas, verifica-se na estrofe que, cala-se o corpo, mas os pensamentos são livres e

produzem resistência e lutam contra o poder estabelecido.

O movimento da palavra cálice para cale-se demonstra que o discurso do

inconformado e subjugado produz sentidos por meio das palavras, “em princípio não

há sentido sem metáfora. As palavras não têm, nessa perspectiva, um sentido

próprio, preso a sua literalidade”. (ORLANDI, 2005, p. 44)

Talvez o mundo não seja pequeno (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 108)

pode ser representado pela tentativa de fuga desse mundo que foi criado pelo

regime militar. Um mundo reduzido ao medo, silêncio e uma censura que cerceava a

liberdade. O mundo não se resume, apenas, ao poder dominador estabelecido; as

fronteiras da liberdade de expressão não devem estar distantes, segundo a letra da

canção.

Nem seja a vida um fato consumado (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p. 108),

o governo militar impunha como se deveria viver e responder às ordens do regime

militar, tornando a vida um acontecimento pré-determinado e sem novidades,

somente, a obediência e a servidão à ditadura eram regras. A lei impunha o silêncio

e a submissão às ordens da ditadura.

Em Quero morrer do meu próprio veneno (SOUZA apud BUARQUE, 1989, p.

108), há uma metáfora para as sessões de tortura realizadas por militares, que

geralmente, acabavam em mortes e desaparecimentos – eis aí todo o veneno e o

silêncio dentro do cálice amargo.

Tendo enfim em conta o fato de que compreender é desconstruir teoricamente, chegamos à formulação de mais um aspecto da historicidade que caracteriza o discursivo: o conceito histórico (político) de compreensão. O que nos leva a outra afirmação igualmente relevante: não há compreensão sem historicidade. E isto está de acordo com a afirmação da análise de discurso de que a textualidade é histórica (ORLANDI, 1999, p.117).

Para chegar a tal análise, foi preciso situar a canção dentro do período em

que foi composta. Conhecer a história e a sua função denunciadora. Para analisar

cada verso da letra, foi preciso saber o que é discurso e entender a mensagem que

está nas entrelinhas. Fazer as analogias corretas e, buscar a interpretação mais

fidedigna, requer um conhecimento literário. A letra passeia por insinuações bíblicas

e frases rebuscadas, tudo para passar pela censura autoritária da época. A letra fora

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da época cai em um abismo de interpretações, no vácuo das divagações, por isso, o

conhecimento literário e o histórico são imprescindíveis para uma analise.

O fato mesmo da interpretação, ou melhor, o fato de que não há sentido sem interpretação, atesta a presença de ideologia. Não há sentido sem interpretação e, além disso, diante de qualquer objeto simbólico o homem é levado a interpretar, colocando-se diante da questão: o que isto quer dizer? Nesse movimento da interpretação o sentido aparece-nos como evidência, como se ele estivesse já sempre (ORLANDI, 2005, p. 45-46).

Assim sendo, foi preciso situar a canção dentro de um contexto político do

país, no exemplo citado, o da ditadura militar. Além disso, ocorreu caso de

intertextualidade explícita com uma passagem bíblica; o grau de informatividade do

texto é muito grande, pois a informação dada foi inesperada e imprevisível, sendo

necessária uma análise mais profunda. Por fim, o recurso de uma linguagem

metafórica traduz a intencionalidade da canção em velar as informações de

oposição à forma de governo da época, já que estava exposta à censura.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arte musical é construída e constituída a partir de discursos ideológicos e,

portanto, portadora de sentidos políticos, históricos e sociais. Por entender que a

música contribuiu, muitas vezes, com seu discurso para apontar fatos pertinentes da

época, é que se busca a partir de fundamentação teórica uma reflexão acerca das

canções de Chico Buarque. As letras são campos discursivos, onde cada palavra

desponta como arena de combate de sentidos e polifonia discursiva a partir de

vozes individuais e coletivas.

O discurso musical serve como registro linguístico e fato histórico de denúncia

política e, a partir das letras de Chico Buarque há a possibilidade de investigar e

analisar a situação política brasileira da década de 60 e 70, detectando nas

estruturas linguístico-discursivas das canções objeto de investigação, a situação

estabelecida e o inconformismo político.

Sendo a música uma arte e com uma penetração mais efetiva em todas as

classes, nota-se seu poder discursivo, dessa maneira, percebe-se a relevância em

estudá-la. O discurso, como palavras em movimento, provoca sentimentos

indescritíveis, assim, a música contribui para a formação do sujeito crítico,

reorganizando e apontado, por meio de ideologias, a voz da insatisfação e do

inconformismo político. O sujeito autor, por meio de seu discurso, apontava, através

de suas canções, o desejo de mudança e registrava a história do país, numa forma

de denuncia e critica. Servindo como registro de uma época, as canções de Chico

Buarque denunciavam as mudanças e retratavam os discursos que permearam a

década de 60 e 70, apontando a democracia, o início do regime militar e a total

censura estabelecida. Sua participação efetiva no cenário político da época é de

grande relevância, pois contribuiu para o entendimento da história do país. As

canções, como forma de protesto, eram a voz e a representação do subjugado,

relatando fatos pertinentes e, dessa maneira, verifica-se no contexto histórico os

acontecimentos, pelos quais, o país passou e os vários discursos contidos; tanto no

dominado, como no inconformado. O registro histórico, por meio das canções de

Chico Buarque, citadas acima, é de suma importância para o entendimento da

condição política que o país vivia.

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Ao analisar o discurso presente nas letras Fica, Bom tempo e Cálice,

percebe-se um compositor com uma percepção sócio-histórico-político que denuncia

os inconformismos da sociedade. O cantor-compositor, por meio de sua arte, faz

ecoar outras vozes, outros discursos e, assim, parece revelar as angústias de uma

coletividade social oprimida pela política da época.

Chico Buarque sempre foi referência para quem busca qualidade musical e

comprometimento com a realidade e suas canções, de cunho sócio-político, sempre

denunciaram e registraram a história do país. Destarte, sempre despertou interesse

analisar alguma de suas canções e apontar a contribuição da sua obra para a

representação de toda uma época em que o país buscava a liberdade e a

democracia.

As canções de Chico Buarque apresentavam, de forma contundente, o

inconformismo estabelecido na época e em seu discurso continha a denuncia ao

regime militar que predominava. Buscando representar as vozes dos subjugados e a

representar a insatisfação política, a canção passou a ser o brado de rechaça do

inconformado. Percebe-se, por meio de pesquisa bibliográfica, que a canção

contribuiu para a formação política nacional do sujeito inconformado, pois, muitas

delas, foram caladas e censuradas pelo regime político – ditadura – numa forma de

censurar o seu discurso. Para burlar a censura o artista usava de subterfúgios e, nas

entrelinhas de suas letras, percebia o discurso do inconformismo político.

A partir de uma análise das letras da canção Fica, Bom tempo e Cálice,

percebe-se que as canções incomodavam ao regime militar estabelecido e

incitavam, por meios de seus versos, todos que se sentiam subjugados pelo sistema

político que se estabeleceu, naquele momento. Para tanto, importunava a ordem

estabelecida, através do discurso que representava as vozes da insatisfação do

momento.

As letras das músicas analisadas confirmam o inconformismo político e

percebe-se a denúncia e a vontade de mudança. Analisar tais canções foi fator

preponderante para compreender a voz do sujeito subjugado e entender, através da

análise do discurso, o funcionamento da ideologia que está conjuminada com a

interpretação e os sentidos que estão implícitos nas letras das canções, já citadas. A

partir da análise verifica-se todo um contexto politico e o inconformismo que se

estabeleceu, dessa maneira, entende-se que as canções de Chico Buarque

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representaram, de forma relevante, a época em que estava inserida e apontando a

voz do inconformismo político.

Diante de tudo o que fora externado, esse trabalho desponta com uma fonte a

mais na busca de conhecimentos sobre a canção e sua representação, mais

especificamente, o discurso por trás de suas letras. Pode-se dizer que foram

profícuas as discussões em torno da análise do discurso, tão presente nos dias

atuais e que, portanto, merece uma atenção especial, não somente na perspectiva

de uma análise, mas, também, na visão da interdisciplinaridade, pois onde há

humanos, há discursos, há inconformados, há vozes de representação, destarte, tal

riqueza da obra de Chico Buarque permite a continuidade de pesquisas

semelhantes, quem sabe, mais aprofundadas, possibilitando a ampliação do

conhecimento, visto que, é possível estudos sobre o tema dessa pesquisa. As

canções de Chico Buarque servem como fonte histórica e permitem a compreensão

da situação política da época em que ela foi proferida. Isso leva a pensar que várias

de suas canções ainda podem ser analisadas, para que, dessa maneira, aumente o

arcabouço de conhecimento e a pluralização dos sentidos, por meio da

interpretação.

41

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTHES, Roland. A morte do autor. O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes,

2004]. Disponível em: http://ufba2011.com/A_morte_do_autor_barthes.pdf. Aceso em: 20 de

agosto de 2013.

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42

ORLANDI, Eni P. Análise de discurso Princípio & Procedimento. Ed. 6 Campinas S.P. Editora: Pontes 2005. ORLANDI, Eni P. et ai.. Sujeito e texto. Série Cadernos PUC, n.31, São Paulo: EDUC, 1988. ORLANDI. Eni Pulcinelli. Discurso e Leitura. Ed. 4. Campinas, SP. Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1999. (coleção passando a limpo). PÊCHEUX. Michel. Semântica e discurso. Ed. 4. São Paulo. Editora da UNICAMP, 2009. SILVA, Hélio. 1964: Golpe ou contragolpe? Ed. 2. Rio Grande do Sul. Editora: L&PM, 1978. SCHOPENHAUER, A.. Metafísica do belo. São Paulo: Editora: Unesp, 2003. Edição original: 1820. SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação. III Part. São Paulo: Col. Os Pensadores, Abril Cultural, 1980. Edição original: 1818 TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo. Editora: 34, 1998 VENTURA, Zuenir. 1968, o ano que não terminou. Ed. 90. São Paulo. Editora: Circulo do livro, 1988. ZAPPA, Regina. Para seguir minha jornada – Chico Buarque. Rio de Janeiro. Editora: Nova fronteira, 2011. .

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ANEXOS

FICA Diz que eu não sou de respeito Diz que não dá jeito De jeito nenhum Diz que eu sou subversivo Um elemento ativo Feroz e nocivo Ao bem-estar comum Fale do nosso barraco Diga que é um buraco Que nem queiram ver Diga que o meu samba é fraco E que eu não largo o taco Nem pra conversar com você Mas fica Mas fica ao lado meu Você sai e não explica Onde vai e a gente fica Sem saber se vai voltar Diga ao primeiro que passa Que eu sou da cachaça Mais do que do amor Diga e diga de pirraça De raiva ou de graça No meio da praça, é favor Mas fica Mas fica ao lado meu Você sai e não explica Onde vai e a gente fica Sem saber se vai voltar

Diz que eu ganho até folgado Mas perco no dado E não lhe dou vintém Diz que é pra tomar cuidado Sou um desajustado E o que bem lhe agrada, meu bem Mas fica Mas fica, meu amor Quem sabe um dia Por descuido ou poesia Você goste de ficar

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Bom Tempo Um marinheiro me contou Que a boa brisa lhe soprou Que vem aí bom tempo O pescador me confirmou Que o passarinho lhe cantou Que vem aí bom tempo Do duro toda semana Senão pergunte à Joana Que não me deixa mentir Mas, finalmente é domingo Naturalmente, me vingo Eu vou me espalhar por aí No compasso do samba Eu disfarço o cansaço Joana debaixo do braço Carregadinha de amor Vou que vou Pela estrada que dá numa praia dourada Que dá num tal de fazer nada Como a natureza mandou Vou Satisfeito, a alegria batendo no peito O radinho contando direito A vitória do meu tricolor Vou que vou Lá no alto O sol quente me leva num salto Pro lado contrário do asfalto Pro lado contrário da dor Um marinheiro me contou Que a boa brisa lhe soprou Que vem aí bom tempo Um pescador me confirmou Que um passarinho lhe cantou Que vem aí bom tempo Ando cansado da lida Preocupada, corrida, surrada, batida Dos dias meus Mas uma vez na vida Eu vou viver a vida Que eu pedi a Deus

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CÁLICE

Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue

Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga Tragar a dor e engolir a labuta? Mesmo calada a boca resta o peito Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa? Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta

Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa Atordoado eu permaneço atento Na arquibancada, prá a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa

Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda (Cálice!) De muito usada a faca já não corta Como é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!) Essa palavra presa na garganta Esse pileque homérico no mundo De que adianta ter boa vontade? Mesmo calado o peito resta a cuca Dos bêbados do centro da cidade

Pai! Afasta de mim esse cálice Pai! Afasta de mim esse cálice

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Pai! Afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno (Cale-se!) Nem seja a vida um fato consumado (Cale-se!) Quero inventar o meu próprio pecado (Cale-se!) Quero morrer do meu próprio veneno (Pai! Cale-se!) Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!) Minha cabeça perder teu juízo. (Cale-se!) Quero cheirar fumaça de óleo diesel (Cale-se!) Me embriagar até que alguém me esqueça (Cale-se