Nascituro Flavio Tartuce

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    A SITUAO JURDICA DO NASCITURO: UMA PGINA A SER VIRADA NO

    DIREITO BRASILEIRO1

    Flvio Tartuce2

    A RUBENS LIMONGI FRANA,

    Jurista Notvel.

    Sumrio. 1. A importncia do tema. 2. O conceito de nascituro. 3. A teoria natalista. 4. A teoria da personalidade

    condicional. 5. A teoria concepcionista. 6. Nossa posio e questes prticas envolvendo a proteo dos direitos donascituro. 7. Referncias bibliogrficas.

    1. A IMPORTNCIA DO TEMA

    A proteo da pessoa humana o tema do momento do Direito Civil

    Brasileiro e, por isso, no nos cansamos de pregar a prevalncia de um Direito Civil

    amparado na proteo da pessoa, distanciado de uma viso anterior, que era essencialmentepatrimonialista.3 Aqui, essa viso personalista ganha relevo no estudo das questes

    atinentes ao nascituro.

    1 Artigo publicado originalmente na obra Questes Controvertidas no novo Cdigo Civil. Volume 6,coordenada por Mrio Luiz Delgado e Jones Figueirdo Alves (So Paulo: Mtodo, 2007). O trabalho foiexposto como palestra por ocasio do Congresso Jurdico em Homenagem aos 80 Anos do Professor Rubens

    Limongi Franarealizado na Universidade de So Paulo, entre os dias 5 e 6 de outubro de 2007. O texto foirepublicado em: Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro: Instituto de Direito ComparadoLuso-Brasileiro, n. 33, 2007, p. 155-1772

    Mestre em Direito Civil Comparado e Especialista em Direito Contratual pela PUC/SP. Graduado pelaFaculdade de Direito da USP. Coordenador e professor dos cursos de ps-graduao da Escola Paulista deDireito (EPD So Paulo). Professor convidado em outros cursos de ps-graduao lato sensu. Professorconvidado da Escola Superior da Advocacia da OAB/SP e da Escola da Magistratura do Estado do Rio deJaneiro. Advogado em So Paulo.3Por todos aqueles que pregam a prevalncia da personalizao, da reconstruo do sistema segundo o valorda pessoa humana, citamos Pietro Perlingeri, para quem No suficiente, portanto, insistir na afi rmao daimportncia dos interesses da personalidade no direito privado; preciso predispor-se a reconstruir o DireitoCivil no com uma reduo ou um aumento de tutela das situaes patrimoniais, mas com uma tutela

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    Por bvio que, para a anlise da pessoa humana e das conseqncias

    advindas da sua proteo mxima, estampada no Texto Maior (art. 1, inc. III, da

    Constituio Federal de 1988),4 preciso saber o momento a partir do qual a pessoa

    encontra-se amparada pelo manto da proteo legal.

    As discusses a respeito do nascituro, da sua concepo como pessoa

    humana e da proteo de seus direitos no nova no Direito Brasileiro. Entre ns,

    obrigatria a leitura da brilhante obra da Professora Associada da Faculdade de Direito da

    Universidade de So Paulo Silmara Juny Chinelato, que serviu como referncia para o

    presente artigo.5

    A contribuio do presente trabalho justamente a de defender a teseconcepcionista, ou seja, de que o nascituro pessoa humana, gozando de ampla proteo

    legal. Acredita esse autor que o momento de reflexo profunda e, quem sabe, de virar as

    pginas bibliogrficas que defendem as outras teses relativas ao nascituro, e que no lhe

    atribuem personalidade jurdica, o que, para um Direito Civil Personalizado, algo

    inadmissvel. Tambm, pelo surgimento da quarta gerao ou dimenso de direitos,

    aqueles relacionados com a proteo do patrimnio gentico da pessoa humana,

    acreditamos que as teses que negam personalidade ao nascituro esto totalmente

    ultrapassadas.

    qualitativamente diversa. Desse modo, evitar-se-ia comprimir o livre e digno desenvolvimento da pessoamediante esquemas inadequados e superados; permitir-se-ia o funcionamento de um sistema econmicomisto, privado e pblico, inclinado a produzir modernamente e a distribuir com mais justia. O pluralismoeconmico assume papel de garantia do pluralismo tambm poltico e do respeito dignidade humana. ODireito Civil reapropria-se, por alguns aspectos e em renovadas formas, da sua originria vocao de iuscivile, destinado a exercer a tutela dos direitos civis em uma nova sntese cuja conscincia normativa temimportncia histrica (arts. 13-57 e 1-12 Const.) entre as relaes civis e aquelas econmicas e sociais(Perfis do direito civil: introduo ao direito civil constitucional. Traduo de Maria Cristina De Cicco. 2. ed.

    Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 34).4 O art. 1, inc. III, da Constituio Federal de 1988 consagra como um dos fundamentos da RepblicaFederativa do Brasil a proteo da dignidade da pessoa humana. Trata-se daquilo que denominado comomacroprincpio, ou superprincpio, ou princpio dos princpios. A importncia do princpio da dignidadehumana para o Direito Civil Brasileiro na atualidade muito bem exposta por Maria Celina Bodin de Moraesem seu artigo intitulado O princpio da dignidade humana (In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.).

    Princpios do direito civil contemporneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006).5CHINELATO, Silmara Juny. Tutela civil do nascituro. So Paulo: Saraiva, 1999. H que se ressaltar que adoutrinadora tambm responsvel pela formao jurdica e pelas concluses a que chegou este autor.

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    Mesmo com a concluso pela teoria concepcionista, no deixaremos de

    analisar as outras teorias, apontando os seus principais defensores no Brasil. Superadas

    essas teses, e para amparar nossa posio, abordaremos as questes prticas atinentes

    consagrao de direitos ao nascituro: a possibilidade de ele pleitear danos morais, os danosmorais advindos da sua morte, a sua legitimidade para o ingresso da ao de investigao

    da paternidade, os alimentos do nascituro, a possibilidade de ele ser adotado e de ser-lhe

    nomeado um curador. Como o trabalho essencialmente personalista, deixaremos de tratar

    de questes patrimoniais relativas ao nascituro. Quanto s questes sucessrias, essas so

    objeto de trabalho, escrito em co-autoria com Jos Fernando Simo. 6

    Como se sabe, as discusses envolvendo os direitos sucessrios do

    nascituro e do embrio so das mais controvertidas, merecendo, portanto, uma pesquisa

    prpria. Sem prejuzo disso, as concluses deste trabalho no deixam de influir tambm nas

    questes patrimoniais relacionadas com o nascituro.

    Em suma, o propsito do artigo trazer concluses que visualizam

    horizontes de valorizao da pessoa humana na proteo dos direitos do nascituro, belo

    destino para onde caminha o nosso Direito Privado.

    2.

    O CONCEITO DE NASCITURO

    De Plcido e Silva ensina que a expresso nascituro deriva do latim

    nasciturus, particpio passado de nasci, designando aquele que h de nascer. Em suas

    palavras, nascituro designa, assim, o ente que est gerado ou concebido, tem existncia no

    ventre materno: est em vida intra-uterina. Mas, no nasceu ainda, no ocorreu o

    nascimento dle, pelo que no se iniciou sua vida como pessoa. 7 Em seu Dicionrio

    jurdico, Maria Helena Diniz conceitua o nascituro como sendo Aquele que h de nascer,

    6TARTUCE, Flvio; SIMO, Jos Fernando. Direito civil. Direito das sucesses. So Paulo: Mtodo, 2007,v. 6.7DE PLCIDO E SILVA. Vocabulrio jurdico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973, v. III, p. 1051.

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    cujos direitos a lei pe a salvo.8O nascituro justamente aquele que foi concebido e ainda

    no nasceu.9

    O Cdigo Civil de 2002 trata do nascituro em seu art. 2, cuja redao

    muito prxima do art. 4 da codificao anterior, sendo interessante transcrever ambos os

    dispositivos para uma anlise aprofundada, basilar para as nossas concluses:

    Art. 2 do Cdigo Civil de 2002. Art. 4 do Cdigo Civil de 1916.

    A personalidade civil da pessoa comea do

    nascimento com vida; mas a lei pe a salvo,

    desde a concepo, os direitos do nascituro.

    A personalidade civil do homem comea do

    nascimento com vida; mas a lei pe a salvo

    desde a concepo os direitos do nascituro.

    Ambos os dispositivos trazem como contedo a personalidade, que a

    soma de aptides ou caracteres da pessoa. Com todo o respeito ao posicionamento em

    contrrio, deve-se entender que a personalidade no se confunde com a capacidade de

    direito, prevista no art. 1 do atual Cdigo Civil, que vem a ser a condio que a pessoa tem

    de ser sujeito de direitos e deveres, na ordem privada.10

    Pois bem, como se pode perceber, a confrontao dos dispositivos

    transcritos no quadro traz a concluso de que, na essncia, so idnticos, com a pequena

    observao de que o Cdigo Civil de 1916 utilizava a expresso homem, enquanto que o

    Cdigo Civil de 2002 prefere pessoa. Isso, para uma melhor adaptao ao que consta da

    prpria Constituio, que no seu art. 1, inc. III, utiliza a ltima. Tambm, a expresso

    pessoa conquista do movimento feminista, que sempre pregou a denominao na flexo

    universal, no mais se utilizando o termo homem, no masculino.

    8DINIZ, Maria Helena.Dicionrio jurdico. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, p. 378.9Para o nosso conceito, foram preciosos os ensinamentos de Rubens Limongi Frana, para quem o nascituro aquele que h de ou deve nascer. Distingue-se da prole eventual, tambm protegida pelo direito (CC, art.1.718, in fine), e a diferena especfica, face da cincia jurdica, est no fato de ser o nascituro o ente jconcebido. Assim, para os jurisperitos, nascituro a pessoa que est por nascer, j concebido no ventrematerno (Instituies de direito civil. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 1996, p. 48).10Prev o art. 1 da atual codificao privada que Toda pessoa capaz de direitos e deveres na ordem civil.

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    Mas ambos os dispositivos transcritos apresentam o problema da

    utilizao das expresses nascimento e concepo, no tomando uma posio concreta

    quanto personalidade do nascituro.11 Por isso que, supostamente, a dvida quanto

    posio da codificao persiste entre ns.

    Uma outra indagao que surge do art. 2 do atual Cdigo se ele

    engloba ou no o embrio, o que divide grandes estudiosas do tema no Brasil.

    Maria Helena Diniz responde negativamente, conceituando o embrio

    como sendo o produto da fecundao do vulo pelo espermatozide, tendo vida extra-

    uterina.12 Justamente por isso, a Professora da PUC/SP elaborou proposta legislativa que

    inspira o PL n. 6.960/2002, de autoria original do saudoso Deputado Ricardo Fiuza, e pelaqual o art. 2 da atual codificao ficaria com a seguinte redao: A personalidade civil da

    pessoa comea com o nascimento com vida, mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os

    direitos do embrio e do nascituro. Ressalte-se que o referido projeto legislativo foi

    reproposto recentemente pelo Deputado Lo Alcntara, recebendo o nmero 276/2007.

    Na mesma esteira, a Professora Helosa Helena Barboza, em palestra

    proferida no I Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional, na cidade do Rio de

    Janeiro, em setembro de 2006, deixou claro o seu entendimento de que a figura donascituro no se confunde com o embrio, merecendo ambos um tratamento diferenciado,

    principalmente no tocante aos direitos sucessrios de ambos.13

    11Por isso que tem total razo o jurista mineiro Csar Fiza quando escreve que o legislador parece umtanto pleonstico (...). Perdeu o legislador a oportunidade histrica de pr fim controvrsia entre natalistas econcepcionistas. Os natalistas entendem que a personalidade tem incio com o nascimento com vida. Osconcepcionistas defendem a tese de que a personalidade comea a partir da concepo. Qual seria a posiodo Cdigo Civil? Os natalistas propugnam por sua tese; afinal, esta seria a inteno literal do legislador, ao

    afirmar que a personalidade civil comea com o nascimento com vida. Ocorre que, logo a seguir, o mesmolegislador dispe que os direitos do nascituro sero postos a salvo. Direitos s detm as pessoas, sendo assim,por interpretao lgica, o texto legal estaria adotando a tese concepcionista. O Cdigo de 1916 j era dbio.Faltou coragem ao legislador de 2002 (FIZA, Csar. Cdigo Civil anotado. In: PEREIRA, Rodrigo daCunha. Porto Alegre: Sntese, 2004, p. 24).12DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 22. ed. So Paulo: Saraiva, 2005, v. I, p. 192.13 BARBOZA, Helosa Helena. Aspectos controversos do direito das sucesses: consideraes luz daConstituio da Repblica. Palestra proferida no I Congresso Internacional de Direito Civil Constitucional daCidade do Rio de Janeiro Interpretao do Direito Civil contemporneo: novos problemas luz da legalidade

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    Mas essa respeitvel corrente doutrinria e mesmo a proposta legislativa

    esto longe de ser unnimes.

    O prprio Ricardo Fiuza demonstrava que havia fortes crticas

    proposio, assinadas, entre outros, por Miguel Reale e por Silmara Juny Chinelato. Para a

    ltima doutrinadora, a expresso nasciturotambm engloba o embrio.14Vale dizer, alis,

    que a Professora da USP mudou de entendimento, pois antes, nos idos de 1983, tambm

    defendia que o embrio no se confundia com o nascituro, o que demonstra que realmente a

    questo controvertida, a deixar dvidas at na mente do mais sapiente aplicador do

    Direito. A mudana de entendimento da professora da USP se deu diante dos notveis

    avanos das tcnicas de reproduo assistida, trazendo a nova realidade de tratamento

    jurdico do embrio pr-implantatrio.15

    Tambm compartilhando do ltimo posicionamento, Giselda Maria

    Fernandes Novaes Hironaka sustenta que

    o conceito tradicional de nascituro ser concebido e ainda no nascido ampliou-se para alm dos limites da concepo in vivo (no ventre feminino),compreendendo tambm a concepo in vitro (ou crioconservao). Talampliao se deu exatamente por causa das inovaes biotecnolgicas que

    possibilitam a fertilizao fora do corpo humano, de modo que nascituro, agora,

    constitucional, sob a coordenao cientfica do Professor Gustavo Tepedino (UERJ), em 23 de setembro de2006.14FIUZA, Ricardo. O novo Cdigo Civil e as propostas de aperfeioamento. So Paulo: Saraiva, 2004, p. 32.15Essa mudana de entendimento pode ser percebida pela leitura da obra especfica da Professora SilmaraChinelato: Assim sendo, na expresso j concebido no ventre materno, que consta do conceito de nasciturode R. Limongi Frana, dever-se-ia subentender gravidez. No se consideraria concepo, no sentidoestrito, como sinnimo do ato de fecundao, isto , unio do espermatozide com o vulo para formar umzigoto, primeira clula humana, mas o de gravidez (binmio ovo-me ou embrio-me). Em 1983,

    pareceu-me adequada e cautelosa essa reflexo provisriarestritiva do conceito de pessoa/nascituro, ao serj implantadodiante de inovao tecnolgica de to graves conseqncias, no s para o Direito como paraa Biotica. Passados dezesseis anos, ao longo dos quais enriquecemos nossas pesquisas com inmeras obras,

    bem como por meio de lies hauridas nos diversos congressos nacionais e internacionais dos quaisparticipamos, pensamos no ser a melhor tese a que faz coincidir a personalidade com a implantao do ovoou do embrio in anima nobile, quando se inicia a gravidez, a qual garante a sobrevida do ovo. Garantir aviabilidade de desenvolvimento no significa negar a natureza ontolgica e biolgica do ser humano. Asnovas tcnicas de reproduo, amplamente utilizadas em diversos pases, inclusive no Brasil, trazem maisuma realidade para a preocupao dos juristas. Trata-se da tutela civile penal, a ser definida expressamente

    pela legislao, tendo em vista o princpio basilar Nullum crimen, nulla poena sine lege do embrio pr-implantatrio, impropriamente denominado pr-embrio, enquanto ainda in vitro ou crioconservado(CHINELATO, Silmara Juny. Tutela civil do nascituro, cit., p. 12).

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    permanece sendo o ser concebido embora ainda no nascido, mas sem que faaqualquer diferena o locusda concepo.16

    Estamos filiados a essa ltima corrente, ou seja, entendemos que a

    expresso nascituro, constante do art. 2 do Cdigo Civil, deve ser lida em sentido amplo,e incluir tambm o embrio, inclusive aquele que se encontra crioconservado, entendimento

    que ser basilar para amparar a nossa tese, como se ver ao final.

    Por oportuno, importante dizer que o Deputado Vicente Arruda, ento

    nomeado como relator para analisar o antigo PL n. 6.960/2002 na Comisso de

    Constituio e Justia e de Redao na Cmara dos Deputados, vetou a proposta de

    alterao do art. 2 do atual Cdigo Civil.17

    Superado esse ponto, interessante aqui demonstrar as trs principais

    correntes quanto personalidade jurdica do nascituro, j que o art. 2 do Cdigo Civil no

    toma um posicionamento firme quanto questo, utilizando tanto as expresses

    nascimento quanto concepo. Estudaremos ento, pela ordem, a teoria natalista, a

    teoria da personalidade condicionale a teoria concepcionista.

    16 E conclui Giselda Hironaka, confirmando o entendimento de Silmara Chinelato, a quem dedica a suaexposio naquele Congresso Internacional: O conceito de nascituro abarca, portanto, o conceito de embrio,sendo desastroso a separao jurdica ou legislada dos termos, pois que pode trazer mais confuso do quesoluo, pela interpretao (errada) de que sejam diferentes casos. Embrio, afinal, singularmente um dosestgios de evoluo do ovo, que se far nascituro. Ainda que no implantado, o embrio est concebido e,desde que identificado com os doadores de gametas, a ele ser possvel conferir herana, assim como aonascituro, eis que o art. 1.798 do Cdigo Civil admite estarem legitimados a suceder no apenas as pessoasnascidas, mas tambm aquelas concebidas ao tempo da abertura da sucesso (As inovaes biolgicas e o

    direito das sucesses. Palestra proferida no I Congresso Internacional de Direito Civil Constitucional daCidade do Rio de Janeiro. Interpretao do Direito Civil contemporneo: novos problemas luz dalegalidade constitucional, sob a coordenao cientfica do Professor Gustavo Tepedino (UERJ), em 23 desetembro de 2006).17 Foram as razes do veto: A introduo do termo embrio, que certamente est contido no conceito denascituro, s pode pretender assegurar o direito ao embrio concebido fora do tero materno. Parece-nos, a

    bem da prudncia, que a matria deva ser tratada em legislao especial, a ser elaborada com todo o critrio,porquanto a matria envolve inmeros aspectos tcnicos e ticos que refogem ao Direito. Coloc-la, desde j,no Cdigo, seria temerrio, haja vista as conseqncias jurdicas que da adviriam, como, por exemplo, as

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    3. A TEORIA NATALISTA

    A teoria natalistaprevalecia entre os autores modernos do Direito Civil

    Brasileiro, para quem o nascituro no poderia ser considerado pessoa, pois o Cdigo Civil

    exige, para a personalidade civil, o nascimento com vida. Assim sendo, o nascituro no

    teria direitos, mas mera expectativa de direitos.

    Como adeptos dessa corrente, da doutrina tradicional, podemos citar

    Slvio Rodrigues,18 Caio Mrio da Silva Pereira19 e San Tiago Dantas.20 Na doutrina

    contempornea, filia-se a essa corrente Slvio de Salvo Venosa.21Partem esses autores de

    uma interpretao literal e simplificada da lei, que dispe que a personalidade jurdica

    comea com o nascimento com vida, o que traz a concluso de que o nascituro no pessoa, e ponto final.

    O grande problema da teoria natalista que ela no consegue responder

    seguinte constatao e pergunta: se o nascituro no tem personalidade, no pessoa; desse

    modo, o nascituro seria uma coisa? A resposta acaba sendo positiva a partir da primeira

    constatao de que haveria apenas expectativa de direitos.

    Alm disso, a teoria natalistaest totalmente distante do surgimento das

    novas tcnicas de reproduo assistida e da proteo dos direitos do embrio. Tambm est

    distante de uma proteo ampla de direitos da personalidade, tendncia do Direito Civil

    ps-moderno.

    Do ponto de vista prtico, a teoria natalista nega ao nascituro mesmo os

    seus direitos fundamentais, relacionados com a sua personalidade, caso do direito vida,

    investigao de paternidade, aos alimentos, ao nome e at imagem. Com essa negativa, a

    atinentes ao direito sucessrio. Pela rejeio (Disponvel em: www.flaviotartuce.adv.br. Sesso Legislao.Acesso em: 31 out. 2006).18RODRIGUES, Slvio.Direito civil. 33. ed. So Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 36.19 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de direito civil. Atualizado por Maria Celina Bodin deMoraes. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 216.20DANTAS, San Tiago.Programa de direito civil. Aulas proferidas na Faculdade Nacional de Direito (1942-1945). Rio de Janeiro: Rio, 3. tiragem, p. 170.21VENOSA, Slvio de Salvo.Direito civil. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2003, v. I, p. 161.

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    teoria natalistaesbarra em dispositivos do Cdigo Civil que consagram direitos quele que

    foi concebido e no nasceu. Essa negativa de direitos mais um argumento forte para

    sustentar a total superao dessa corrente doutrinria.

    4. A TEORIA DA PERSONALIDADE CONDICIONAL

    A teoria da personalidade condicional aquela pela qual a

    personalidade civil comea com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro esto

    sujeitos a uma condio suspensiva, ou seja, so direitos eventuais. 22 Como se sabe, a

    condio suspensiva o elemento acidental do negcio ou ato jurdico que subordina a sua

    eficcia a evento futuro e incerto. No caso, a condio justamente o nascimento daquele

    que foi concebido. Como fundamento da tese e da existncia de direitos sob condiosuspensiva, pode ser citado o art. 130 do atual Cdigo Civil.23

    Como entusiastas desse posicionamento citamos Washington de Barros

    Monteiro,24 Miguel Maria de Serpa Lopes25 e Clvis Bevilaqua.26 Na doutrina atual,

    Arnaldo Rizzardo tambm parece seguir esse entendimento.27

    O grande problema dessa corrente doutrinria que ela apegada a

    questes patrimoniais, no respondendo ao apelo de direitos pessoais ou da personalidade a

    favor do nascituro.28 Vale ressaltar, por oportuno, que os direitos da personalidade no

    podem estar sujeitos a condio, termo ou encargo, como propugna a corrente. Alm disso,

    essa linha de entendimento tambm acaba reconhecendo que o nascituro no tem direitos,

    22Cf. CHINELATO, Silmara Juny. Tutela civil do nascituro, cit., p. 155.23CC, art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condio suspensiva ou resoluti va, permitido

    praticar os atos destinados a conserv-lo.24 BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de direito civil. Parte geral. Atualizado por Ana Cristina de

    Barros Monteiro Frana Pinto. 39. ed. So Paulo: Saraiva, 2004, p. 64.25SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Barros, 1962, v. I, p.263.26BEVILAQUA, Clvis. Cdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil. Edio histrica. Rio de Janeiro: Rio,1977, 3. tiragem, p. 178. O autor claro ao dizer que o Cdigo Civil de 1916 adotou a teoria da personalidadecondicional.27RIZZARDO, Arnaldo.Parte geral do Cdigo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 142. Essa nossaconcluso se d porque Rizzardo cita o entendimento de Serpa Lopes, concordando com este.28A crtica tambm formulada por Silmara Chinelato (Tutela civil do nascituro, cit., p. 158).

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    mas apenas direitos eventuais sob condio suspensiva, ou seja, tambm mera expectativa

    de direitos.

    Na verdade, com todo o respeito ao posicionamento em contrrio,

    consideramos que a teoria da personalidade condicional essencialmente natalista, pois

    tambm parte da premissa de que a personalidade tem incio com o nascimento com vida.

    Por isso, em uma realidade que prega a personalizao do direito civil, uma tese

    essencialmente patrimonialista no pode prevalecer.

    5. A TEORIA CONCEPCIONISTA

    A teoria concepcionista aquela que sustenta que o nascituro pessoa

    humana, tendo direitos resguardados pela lei. Esse o entendimento defendido por Silmara

    Juny Chinelato,29Pontes de Miranda,30Rubens Limongi Frana,31Giselda Maria Fernandes

    Novaes Hironaka,32 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, 33 Roberto Senise

    Lisboa,34Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, 35Francisco Amaral,36Guilherme

    Calmon Nogueira da Gama,37Antonio Junqueira de Azevedo,38Gustavo Rene Nicolau,39

    Renan Lotufo40e Maria Helena Diniz.41

    29

    CHINELATO, Silmara Juny. Tutela civil do nascituro, cit., p. 161.30PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Parte Geral. 4. ed. So Paulo: RT, t. I, 1974, p. 166.31 A despeito de contar (ainda) com minoria entre os autores, a doutrina racional aquela que admite acondio de pessoa a partir da concepo (LIMONGI FRANA, Rubens.Instituies de direito civil. 4. ed.So Paulo: Saraiva, 1996, p. 49).32HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. As inovaes biolgicas e o direito das sucesses. Palestra

    proferida no I Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de JaneiroInterpretao do Direito Civil contemporneo: novos problemas luz da legalidade constitucional, sob acoordenao cientfica do Professor Gustavo Tepedino (UERJ), em 23 de setembro de 2006.33GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 4. ed. So Paulo:Saraiva, 2003, v. I, p. 94.34SENISE LISBOA, Roberto. Manual de direito civil. 3. ed. So Paulo: RT, 2003, v. 1, p. 295.35 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald ensinam que Sem dvida, a partir da concepo h

    proteo personalidade. Com efeito, o valor da pessoa humana, que reveste todo o ordenamento jurdico, estendido a todos os seres humanos, sejam nascidos ou estando em desenvolvimento no tero materno.Perceber essa assertiva significa, plano principal, respeitar o ser humano em sua plenitude (Direito civil.Teoria geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 185).36Para Francisco Amaral, no se pode negar ao nascituro a titularidade jurdica, pois O nascimento no condio para que a personalidade exista, mas para que se consolide (AMARAL, Francisco. Direito civil.Introduo. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 223).37Em comentrios ao art. 2 do atual Cdigo Civil, ensina o professor da UERJ que Referida proteo, noobstante a doutrina mais tradicional a exemplifique como casos concernentes a valores patrimoniais em jogo,

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    A maioria dos autores citados aponta que a origem da teoria est no

    Esboo de Cdigo Civil elaborado por Teixeira de Freitas, pela previso constante do art. 1

    da sua Consolidao das Leis Civis, pelo qual As pessoas considero -se como nascidas

    apenas formadas no ventre materno; a Lei lhes conserva seus direitos de sucesso ao tempode nascimento.42Assim, ao considerar como nascidas as pessoas concebidas, o Esboo de

    Teixeira de Freitas atribui direitos ao nascituro. Como notrio, esse Esboo inspirou o

    Cdigo Civil Argentino, que adota a teoria concepcionista.

    Para todos esses autores, o nascituro tem direitos reconhecidos desde a

    concepo. Quanto Professora Maria Helena Diniz, h que se fazer um aparte, pois alguns

    autores a colocam como seguidora da tese natalista, o que no verdade. A renomada

    doutrinadora, em construo interessante, classifica a personalidade jurdica em formal e

    material. A personalidade jurdica formal seria aquela relacionada com os direitos da

    personalidade, o que o nascituro j tem desde a concepo; enquanto que a personalidade

    jurdica material manteria relao com os direitos patrimoniais, e o nascituro s a adquire

    com o nascimento com vida.43Mais frente, a jurista diz que a razo est com a teoria

    concepcionista,filiando-se, portanto, a essa corrente.44

    Tambm no Direito Comparado no tem sido diferente o

    posicionamento de alguns juristas. Na Itlia, Pierangelo Catalano adepto da doutrina

    concepcionista, defendendo a equiparao do nascituro s pessoas nascidas.45 Entre os

    autores portugueses, esse tambm parece ser o posicionamento de Jos de Oliveira

    pode e deve ser estendida s situaes existenciais que envolvem o nascituro, entendido como o embrioimplantado no ventre materno, abrangido pelo princpio da dignidade da pessoa humana por se tratar de entedotado de vida e capaz de ser amado (NOGUEIRA DA GAMA, Guilherme Calmon. Direito Civil. ParteGeral. So Paulo: Atlas, 2006, p. 13).38

    AZEVEDO, Antonio Junqueira. Caracterizao jurdica da dignidade da pessoa humana. In RevistaTrimestral de Direito Civil. Volume n 9. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 3.39NICOLAU, Gustavo Rene.Direito civil. Parte geral. Srie Leituras Jurdicas. So Paulo: Atlas, 2005, p. 29.40Renan Lotufo demonstra entusiasmo pela tese, diante das novas tcnicas de reproduo assistida ( CdigoCivil comentado. So Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 13).41DINIZ, Maria Helena. Cdigo Civil anotado. 11. ed. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 10.42TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto. Consolidao das leis civis. Braslia: Senado Federal, 2003.43DINIZ, Maria Helena. Cdigo Civil anotado, cit., p. 8.44DINIZ, Maria Helena. Cdigo Civil anotado, cit., p. 10.

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    Ascenso, ao reconhecer at mesmo direitos sucessrios ao nascituro.46 No Direito

    Espanhol, Luis Dez-Picazo e Antonio Gulln demonstram toda uma preocupao de

    proteo dos direitos do concepturo, principalmente pela proteo da sua vida.47

    O que se percebe pela pesquisa que formulamos que, entre ns e

    atualmente, prevalece a teoria concepcionista e no a mais a teoria natalista. Alm dos

    argumentos doutrinrios, vrias questes prticas trazidas a lume reforaro a tese de que,

    realmente, o nascituro deve ser dito como pessoa humana, dotado de proteo quanto aos

    seus direitos da personalidade. Demonstraremos a seguir as razes pelas quais filiamo-nos

    tambm a esse entendimento.

    6.

    NOSSA POSIO E QUESTES PRTICAS ENVOLVENDO A PROTEODOS DIREITOS DO NASCITURO

    Um dos grandes mritos da atual codificao privada refere-se previso

    de proteo dos direitos da personalidade, constante entre os seus arts. 11 a 22. Esses

    direitos podem ser conceituados como sendo aqueles inerentes pessoa e sua dignidade,

    sendo os principais o direito vida, integridade fsico-psquica, honra, imagem, ao

    nome e intimidade. Quanto proteo da vida do nascituro, a corrente concepcionista

    reconhecida como regra pelo Direito Penal, que tipifica como crime o aborto. 48

    45 CATALANO, Pierangelo. Diritto e persone: studi su origin e attualit del sistema romano. Torino:Giappichelli, 1990.46ASCENSO, Jos de Oliveira.Direito civil. Teoria Geral. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 50.47DEZ-PICAZO, Luis; Gulln, Antonio. Sistema de derecho civil. 11. ed. Madrid: Tecnos, 2003, v. 1, p.217.48Tipifica como crime o art. 124 do Cdigo Penal provocar abortoem si mesma ou consentir que outrem lho

    provoque: Penadeteno, de 1 (um) a 3 (trs) anos. Em complemento, tipifica o art. 125 do Cdigo Penal:Provocar Aborto, sem o consentimento da gestante: Pena recluso, de 3 (trs) a 10 (dez) anos. Mais ainda(art. 126 do CP): Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena recluso, de 1 (um) a 4 (quatro)

    anos. Pargrafo nico. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante no maior de 14 (quatorze) anos, ou alienada ou dbil mental, ou se o consentimento obtido mediante fraude, grave ameaa ou violncia.Tambm interessante citar o art. 127 do Cdigo Penal, pelo qual As penas cominadas nos dois artigosanteriores so aumentadas de um tero, se, em conseqncia do aborto ou dos meios empregados para

    provoc-lo, a gestante sofre leso corporal de natureza grave; e so duplicadas, se, por qualquer dessas causas,lhe sobrevm a morte. O art. 128 do Cdigo Penal autoriza o aborto necessrio, prevendo que No se puneo aborto praticado por mdico: Ise no h outro meio de salvar a vida da gestante; IIse a gravidez resultade estupro e o aborto precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representantelegal. Quanto autorizao do aborto necessrio, entendemosque o prprio legislador fez uma ponderao,

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    Por bvio, a proteo constante da atual codificao no esgota a matria,

    no se podendo afastar a proteo de outros direitos, principalmente dos direitos

    fundamentais, constante da Constituio Federal de 1988 nos seus dispositivos iniciais

    (arts. 1 a 5). Por isso que correto afirmar que, quanto aos direitos da personalidade, oCdigo Civil atual adota um sistema aberto, que no afasta a proteo de outros direitos

    assegurados constitucionalmente.49Em concluso, temos em vigor uma verdadeira clusula

    geral de tutela da pessoa humana, que ampara uma proteo ampla e integral, como afirma

    Gustavo Tepedino.50

    Essa proteo ampla dos direitos da personalidade tambm inclui o

    nascituro, que, pelo sistema atual, tem direitos reconhecidos e assegurados pela lei, e no

    mais mera expectativa de direitos, como antes se afirmava.51Eis aqui o argumento principal

    para dizer que o nosso sistema adotou a teoria concepcionista, pois no se pode negar ao

    nascituro esses direitos fundamentais e tidos como de personalidade. Assim, o nascituro

    tem direito vida, integridade fsico-psquica, honra, imagem, ao nome e

    intimidade.52

    Sem prejuzo disso, pode-se dizer que a prpria Constituio Federal

    protege os direitos do nascituro ao prever, em seu art. 225, a proteo do Bem Ambiental,

    do meio ambiente ecologicamente equilibrado, visando a sadia qualidade de vida das

    preferindo proteger a dignidade da me. Por isso, no h que se falar que a autorizao do aborto necessrioconstitui uma negao da teoria concepcionista. Ademais, essa autorizao no regra, mas exceo.49Nesse sentido, foi aprovado enunciado na IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justia Federal,realizada entre os dias 25 a 27 de outubro de 2006, com o seguinte teor: Os direitos da personalidade,regulados de maneira no exaustiva pelo Cdigo Civil, so expresses da clusula geral de tutela da pessoahumana contida no art. 1, III, da Constituio (princpio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisoentre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a tcnica da ponderao (Enunciado n.274). O enunciado aprovado rene propostas dos juristas Mrio Luiz Delgado e Maria Celina Bodin de

    Moraes.50TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In. Temasde direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 23-58.51Tem total razo Silmara Chinelato quando afirma que o nascituro tem direitos desde a concepo, e noexpectativa de direitos (CHINELATO, Silmara Juny. Tutela civil do nascituro, cit., p. 175).52Nesse sentido, prev o Enunciado n. 1 do Conselho da Justia Federal, aprovado na I Jornada de DireitoCivil, que A proteo que o Cdigo defere ao nascituro alcana tambm o natimorto no que concerne aosdireitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.Como se percebe, o enunciado reconhecedireitos ao nascituro e tambm ao natimorto, essencialmente direitos da personalidade.

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    presentes e futuras geraes.53 Justamente diante da proteo dos direitos das futuras

    geraes, o que engloba as pessoas concebidas e no nascidas, denota-se hoje a existncia

    de direitos transgeracionaisou intergeracionais, consagradores do princpio da eqidade

    intergeracional.54

    Outro argumento para dizer que o nascituro, cujo conceito engloba o

    embrio, pessoa humana refere-se previso da Lei de Biossegurana, Lei n. 11.105, de

    2005. O art. 5 desse diploma legal permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilizao de

    clulas-tronco embrionrias obtidas de embries humanos produzidos por fertilizao in

    vitro e no utilizados no respectivo procedimento, mas desde que atendida uma sria de

    exigncias. O que se percebe que essa utilizao no traduz regra, mas exceo,

    justamente porque se deve proteger a integridade fsica do embrio.

    De incio essa utilizao somente possvel nos casos de embries

    inviveis, que no podem mais ser utilizados para reproduo. Alm dessa situao,

    tambm possvel a utilizao das clulas embrionrias no caso de embries congelados h

    trs anos ou mais, na data da publicao da lei, ou j congelados na data da publicao da

    norma, depois de completarem trs anos, contados a partir da data de congelamento. Para

    53PIVA, Rui Carvalho.Bem ambiental. So Paulo: Max Limonad, 2001.54Quanto proteo das futuras geraes, particularmente no tocante responsabilizao civil por danosambientais, ensina Lucas Abreu Barroso: Cumpre lembrar que agora a obrigao de indenizar deve tambmencarar um novel desafio, o de satisfazer as expectativas das futuras geraes, haja vista a insero do

    princpio da eqidade intergeracional no texto da Constituio (art. 225, caput), ainda que isso importealgumas novidades no esquema de instrumentos jurdicos contudo, sem relegar os postulados da

    juridicidade estatal. Resulta, ento, que as relaes jurdicas obrigacionais, tradicionalmente pensadas aoredor do consentimento (acordo de vontades), devem cambiar seu enfoque para o interesse protegido.Somente assim ser possvel garantir s futuras geraes os direitos que desde logo lhes so assegurados,dentro de um critrio de igualdade com os atuais participantes das obrigaes civis. Todavia, realizar tal

    princpio consubstancia uma rdua tarefa, que ensejar permanente esforo e dedicao por parte dosestudiosos e operadores do direito de todos os tempos. O balanceamento desejvel entre os interesses a

    proteger de hoje e do porvir no fcil de ser encontrado, exigindo consideraes de ordem tica, cientfica eeconmica das geraes atuais e uma avaliao prospectiva das necessidades futuras, nem sempre possveisde serem conhecidas e medidas no presente. No entanto, as dificuldades que se nos apresentam no podemconstituir bice para o atendimento ao ditame contido no princpio em comento, posto no haver primazia da

    presente gerao no cotejo com as futuras geraes, sendo impretervel tornar efetiva paralelamente com asolidariedade social a solidariedade intergeracional. [BARROSO, Lucas Abreu. Novas fronteiras daobrigao de indenizar. In: DELGADO, Mrio Luiz; Alves, Jones Figueirdo (Coord.). Questescontrovertidas no novo Cdigo Civil. So Paulo: Mtodo, 2006, v. 5, p. 365]. Essa preocupao que as

    presentes geraes devem ter quanto s futuras, sem dvida alguma, confirmao da teoria concepcionista.

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    todos os casos, h necessidade de consentimento dos genitores do embrio (art. 5, 1, da

    Lei n. 11.105/2005). No obstante tudo isso, vedada a comercializao do material

    biolgico, implicando a sua prtica crime tipificado no art. 15 da Lei n. 9.434/1997.55

    Ora, parece-nos que o que faz o dispositivo proteger a integridade e

    tambm a vida do embrio, cujo conceito, como exposto, confunde-se com o de nascituro,

    no tocante proteo dos direitos da personalidade. Isso porque as suas clulas

    embrionrias somente podem ser utilizadas nos casos de inviabilidade para a reproduo,

    ou aps um perodo de trs anos. Na opinio deste autor, a lei est prevendo essa utilizao

    em casos em que se presume a morte do embrio, ou seja, a impossibilidade de sua

    utilizao para fins reprodutivos. Como a regra a sua no-utilizao, foi adotada a teoria

    concepcionista, reconhecendo-se que o nascituro uma pessoa humana.

    De qualquer forma, como reconheceu o Supremo Tribunal Federal em

    maio de 2008, no h que se falar em qualquer inconstitucionalidade da norma. Primeiro,

    porque a utilizao de clulas-tronco embrionrias somente possvel em casos

    excepcionais. Segundo, porque a lei presumiu a morte do embrio nas situaes descritas.

    Terceiro, porque h necessidade de autorizao dos genitores para o uso de tais clulas.

    Quarto, pois os interesses coletivos evoluo cientfica devem prevalecer em casos tais. 56

    Superados esses argumentos dos entendimentos doutrinrios expostos,

    entendemos ser perfeita a construo de Maria Helena Diniz, para quem o nascituro tem

    personalidade jurdica formal relacionada com os direitos da personalidade; mas no

    personalidade jurdica materialrelacionada com os direitos patrimoniais, o que somente

    adquirido com o nascimento com vida.57Justamente porque o nascituro somente adquire

    55Art. 15. Comprar ou vender tecidos, rgos ou partes do corpo humano: Pena recluso de trs a oitoanos, e multa, de 200 a 360 dias-multa. Pargrafo nico. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia,facilita ou aufere qualquer vantagem com a transao.56 Julgamento do Supremo Tribunal Federal na Ao Declaratria de Inconstitucionalidade n. 3.510/DF,

    proposta pela Procuradoria Geral da Repblica. O julgamento foi encerrado em 29 de maio de 2008,concluindo aquele Tribunal, por maioria de votos, pela constitucionalidade da norma.

    57DINIZ, Maria Helena. Cdigo Civil anotado, cit., p. 8. pertinente salientar que essa definio de MariaHelena Diniz no pacfica na doutrina nacional. Diz Francisco Amaral que Pode -se ser mais ou menos

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    direitos patrimoniais com o seu nascimento com vida que se pode dizer que a doao a

    nascituro, prevista no art. 542 do atual Cdigo Civil, forma de doao condicional, ou

    seja, cuja eficcia depende de um evento futuro e incerto, que no caso o nascimento com

    vida daquele que foi concebido.58

    Partindo para uma anlise prtica, de confirmao da teoria

    concepcionista, pode-se dizer, inicialmente, que o nascituro tem direito reparao por

    danos morais suportados. Como se sabe, os danos morais podem ser conceituados como

    sendo aqueles que atingem os direitos da personalidade e, no caso da pessoa humana, a sua

    dignidade. Como se reconhecem direitos da personalidade ao nascituro, possvel a leso a

    esses direitos, concluindo-se pela possibilidade de o nascituro pleitear a correspondente

    indenizao por danos imateriais. Assim j entendeu o Superior Tribunal de Justia, em

    recente julgado, cuja ementa merece transcrio destacada:

    DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO.

    COMPOSIO FRREA. AO AJUIZADA 23 ANOS APS O EVENTO.

    PRESCRIO INEXISTENTE. INFLUNCIA NA QUANTIFICAO DO

    QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS

    DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAO. FIXAO NESTA

    INSTNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I

    Nos termos da orientao da Turma, o direito indenizao por dano moral no

    desaparece com o decurso de tempo (desde que no transcorrido o lapso

    prescricional), mas fato a ser considerado na fixao do quantum. II O

    nascituro tambm tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a

    circunstncia de no t-lo conhecido em vida tem influncia na fixao do

    quantum. IIIRecomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo,

    inclusive nesta instncia, buscando dar soluo definitiva ao caso e evitando

    capaz, mas no se pode ser mais ou menos pessoa (AMARAL, Francisco. Direito civil. Introduo, cit., p.220). Tambm comunga desse ltimo entendimento Silmara Juny Chinelato (Tutela civil do nascituro, cit.).58Prev o art. 542 do CC em vigor que A doao a nascituro valer, sendo aceita pe lo seu representantelegal. Parece-nos que a aceitao pelo representante est no plano da validade desse contrato, enquanto que onascimento com vida, no plano da eficcia, sendo este nascimento uma condio suspensiva para o negcio,do ponto de vista patrimonial.

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    inconvenientes e retardamento da soluo jurisdicional (STJ, REsp n.

    399.028/SP, Rel. Ministro SLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA

    TURMA, julgado em 26.02.2002,DJ15.04.2002, p. 232).

    No caso transcrito, entendeu-se que um filho teria direito a uma

    indenizao pela morte de seu pai, por um fato ocorrido quando sequer tinha nascido, ou

    seja, quando era um nascituro. Por bvio, parece-nos que o julgado adota a teoria

    concepcionista, pois, se o nascituro no tivesse direitos, no poderia requerer

    indenizao por um fato ocorrido quando no os tinha. O prprio julgado faz referncia

    doutrina de Yussef Said Cahali, pela qual o nascituro tem direito indenizao por

    danos morais.59

    Em outro julgado interessante, o mesmo Superior Tribunal de Justia

    considerou que o nascituro pessoa e tambm atribuiu indenizao por danos morais ao

    seu genitor em decorrncia da sua morte. No caso em questo, a responsabilidade civil

    atingiu o Estado, diante de um acidente de trnsito causado por seu agente, sendo a

    indenizao por danos morais fixada em 300 salrios mnimos, pela morte do nascituro

    e de sua genitora.60 Do julgado extrai-se que tanto o nascituro quanto a sua me

    59CAHALI, Yussef Said.Danos morais. 2. ed. So Paulo: RT, p. 162.60RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO COLISO DE VIATURA POLICIAL MORTE DAGENITORA PARTURIENTE E DO NASCITURO AO DE REPARAO DE DANOS PETIOINICIAL PEDIDO DE INDENIZAO POR DANO MORAL NO VALOR DE TREZENTOSSALRIOS MNIMOS POR AMBOS OS BITOS SENTENA QUE ARBITROU A INDENIZAO

    NO VALOR DE TREZENTOS SALRIOS MNIMOS PELA MORTE DA GENITORA E TRINTASALRIOS MNIMOS PELA MORTE DO NASCITURO VALORES CONFIRMADOS PELOACRDO DA APELAO ALEGADA OFENSA AO ARTIGO 460 DO CPC OCORRNCIA SENTENA ULTRA PETITA REDUO DA VERBA INDENIZATRIA AO QUANTUMREQUERIDO PELAS AUTORAS ALEGADA OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTS. 20, 4 E 70,INCISO III, DO CPC, 1.524 DO CDIGO CIVIL E 38 DO CDIGO DE TRNSITO BRASILEIRO AUSNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DIVERGNCIA JURISPRUDENCIAL NOCONFIGURADA. Decidiu a egrgia Corte de origem deveriam ser confirmados os termos da sentena que

    condenou o Poder Pblico estadual ao pagamento de indenizao para as autoras no valor de 300 (trezentos)salrios mnimos para cada uma, pela morte da me e 30 (trinta) salrios mnimos pela do nascituro, ambas attulo de dano moral, constituindo o valor lquido e nico de R$ 79.200,00 (setenta e nove mil e duzentosreais), incidindo juros de mora, desde esta data, na base de meio por cento ao ms e atualizao monetria,ambas at a efetiva liqidao. Essa concluso, data venia, no se mostra compatvel com o pedidoformulado na petio da ao indenizatria, que prev, de forma expressa, unicamente a condenao doEstado ao pagamento de indenizao pelas duas mortes, a ttulo de dano moral (Sum. STJ, Verbete n. 37,REsp n. 5.768, relator Min. Barros Monteiro), de 300 (trezentos) salrios mnimos, para cada uma dasautoras, a serem pagos de uma s vez (p. 10/11 grifos no originais). Deve-se primar pela obedincia ao

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    receberam o mesmo tratamento, j que a indenizao fixada foi pela morte de ambos.

    Outra questo de grande interesse do ponto de vista prtico refere-se ao

    reconhecimento da paternidade do nascituro. De incio, quanto ao tema, vale dizer que o

    Cdigo Civil de 2002 continua trazendo as presunes de paternidade, no seu polmico art.

    1.597.61As presunes so dedues lgicas feitas pela lei ou pelo aplicador do Direito, que

    parte de algo conhecido para chegar a algo desconhecido. O fato conhecido a existncia

    de casamento ou unio estvel.62 O fato desconhecido a paternidade do marido ou

    companheiro, que no caso presumida.

    O dispositivo est amparado na velha mxima latina mater semper certa

    est et pater is est quem nuptiae demonstrant,que pode ser resumida da seguinte forma: amaternidade sempre certeza, a paternidade presuno. Ao trazer a presuno de

    paternidade, seja absoluta ou relativa, o dispositivo, de forma indireta, acaba reconhecendo

    o direito paternidade a favor do nascituro. Isso, mesmo com a certeza de que o comando

    legal perdeu parte de sua efetividade prtica, diante da busca da verdade biolgica pelo

    exame de DNA.

    O inc. I do art. 1.597 do CC prev que se presume a paternidade dos filhos

    nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivncia conjugal. Como se v,

    princpio da correlao ou da congruncia existente entre o pedido formulado e a deciso da lide (art. 460 doCPC), j que o prprio autor imps os limites em que pretendia fosse atendida a sua pretenso. de bomconselho, destarte, em nome da celeridade e economia processuais, a reduo da verba indenizatria para 300salrios mnimos para cada uma das autoras da ao, a ttulo de indenizao por ambos os bitos. No tocante alegada ofensa ao disposto nos arts. 20, 4 e 70, inciso III, do CPC, 1.524 do Cdigo Civil e 38 do Cdigode Trnsito Brasileiro, impe-se o no conhecimento do recurso ante a ausncia de prequestionamento(Smulas n. 282 e 356/STF). Divergncia jurisprudencial no demonstrada (Superior Tribunal de Justia,ACRDO: REsp n. 472276/SP (200201405330), 504655 RECURSO ESPECIAL, DATA DA DECISO:26.06.2003, ORGO JULGADOR: SEGUNDA TURMA, RELATOR: MINISTRO FRANCIULLI

    NETTO, FONTE:DJ 22.09.2003, p. 299).61

    Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constncia do casamento os filhos: I nascidos cento e oitentadias, pelo menos, depois de estabelecida a convivncia conjugal; II nascidos nos trezentos diassubseqentes dissoluo da sociedade conjugal, por morte, separao judicial, nulidade e anulao docasamento; IIIhavidos por fecundao artificial homloga, mesmo que falecido o marido; IV havidos, aqualquer tempo, quando se tratar de embries excedentrios, decorrentes de concepo artificial homloga; V

    havidos por inseminao artificial heterloga, desde que tenha prvia autorizao do marido.62Seguimos a corrente doutrinria que prega a possibilidade de aplicao do art. 1.597 do CC tambm unioestvel, caso de Maria Helena Diniz (O estado atual do biodireito. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2002, p. 479) eRodrigo da Cunha Pereira (Cdigo Civil anotado, cit., p. 1129).

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    a presuno leva em conta o incio do casamento, havendo uma presuno relativa ( iuris

    tantum), que admite prova em contrrio, via exame de DNA.

    Outra presuno relativa de paternidade consta do inc. II, quanto aos filhos

    nascidos nos 300 dias subseqentes dissoluo da sociedade conjugal por morte, separao

    judicial, nulidade ou anulao do casamento.

    O inc. III do art. 1.597 do CC prev que haver presuno de paternidade

    dos filhos havidos por fecundao artificial homloga, mesmo quando falecido o marido.

    Vale dizer que a fecundao homloga aquela efetuada com o material gentico dos

    prprios cnjuges.

    O inc. IV tambm prev a presuno de paternidade quanto aos filhos

    havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embries excedentrios, decorrentes

    tambm de concepo artificial homloga. Tais embries so aqueles decorrentes da

    manipulao gentica, mas que no foram introduzidos no ventre materno, estando

    armazenados em entidades especializadas, em clnicas de reproduo assistida. 63 A

    fecundao, em casos tais, ocorre in vitro, na proveta, por meio da tcnica ZIFT, ou seja, a

    fecundao ocorre fora do corpo da mulher.64

    Por fim, o inc. V traz a presuno de paternidade dos filhos havidos por

    inseminao artificial heterloga, tcnica de reproduo assistida em que se utiliza material

    gentico de terceiro, desde que haja prvia autorizao do marido. A situao do marido

    que autoriza a mulher a fazer uma inseminao artificial em banco de smen, com material

    gentico que no lhe pertence. Para que exista a presuno de paternidade, h necessidade

    dessa prvia autorizao, caso contrrio a presuno no existe.

    Quando das Jornadas de Direito Civil, realizadas pelo Conselho da JustiaFederal (CJF) e pelo Superior Tribunal de Justia (STJ), alguns enunciados foram

    63 LBO, Paulo Luiz Netto. Cdigo Civil comentado. In: AZEVEDO, lvaro Villaa (Coord.). So Paulo:Atlas, 2003, v. XVI, p. 51.64 Cf. DELGADO, Mrio Luiz; ALVES, Jones Figueirdo. Cdigo Civil anotado. So Paulo: Mtodo, 2004,

    p. 2.

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    aprovados visando resolver alguns problemas de Biotica e Biodireito decorrentes do novel

    dispositivo. Alguns desses enunciados acabam trazendo como contedo a teoria

    concepcionista.

    O primeiro deles o Enunciado n. 107, da I Jornada de Direito Civil, pelo

    qual

    finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a regra do inc. IV somentepoder ser aplicada se houver autorizao prvia, por escrito, dos ex-cnjuges,para a utilizao dos embries excedentrios, s podendo ser revogada at oincio do procedimento de implantao desses embries.

    Assim, no caso do marido ou companheiro que d a autorizao para a

    inseminao heterloga e depois pretende revog-la, deve ser aplicada a vedao do

    comportamento contraditrio, a mxima venire contra factum proprium non potest, que

    relacionada com a boa-f objetiva.65Para impossibilitar essa revogao, tambm podem ser

    invocados os princpios do melhor interesse da criana (best interest of child) e da proteo

    integral constante do Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990). No caso em

    questo, a proteo dos direitos do nascituro, pois a criana ainda no nasceu.

    J pelo Enunciado n. 127 do CJF, tambm da I Jornada de Direito Civil,

    h proposta de alterar o inc. III do art. 1.597 para constar apenas havidos por fecundao

    artificial homloga, retirando-se a meno ao falecimento do marido. Foram as

    justificativas da proposta de alterao legal: Para observar os princpios da paternidade

    responsvel e dignidade da pessoa humana, porque no aceitvel o nascimento de uma

    criana j sem pai. A proposta encontra-se muito bem fundamentada nos princpios que

    protegem a criana. De forma indireta, h a tutela dos direitos do nascituro, o que confirma

    a teoria concepcionista.

    No que tange ao reconhecimento de nascituro como filho de formavoluntria, vale dizer que o prprio Cdigo Civil o possibilita, ao prever que o

    reconhecimento pode preceder ao nascimento ou ser posterior ao falecimento (art. 1.609,

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    pargrafo nico, do CC). Ora, ao prever a possibilidade de reconhecimento do filho no

    nascido, esse dispositivo tambm consagra direitos ao nascituro, que, para os

    concepcionistas, deve ser considerado pessoa. Por bvio, somente possvel reconhecer a

    paternidade de uma pessoa, no de uma coisa.

    Ainda no tocante ao reconhecimento de paternidade do nascituro, debate

    interessante envolve a legitimidade do nascituro para a propositura de ao de investigao

    de paternidade.66

    Fazendo pesquisa na jurisprudncia recente do Tribunal de Justia de

    So Paulo, encontramos julgado pelo qual somente o nascituro teria a legitimidade para

    promover a ao investigatria, devidamente representado pela me.67

    Por bvio,concordamos com o julgado, pois a ao investigatria personalssima e o nascituro

    deve ser considerado pessoa. Mas, para um outro entendimento, a ao deve ser proposta

    pela me, sendo substitudo o plo ativo da ao aps o nascimento da criana.68Esse

    ltimo julgado acaba adotando a corrente natalista, ao prever que a ao, inicialmente,

    deve ser proposta pela me. Com ele, portanto, no concordamos.

    No que concerne aos alimentos do nascituro, a doutrina brasileira tem-se

    posicionamento no sentido de sua possibilidade.69Os alimentos so prestaes devidas a

    65Sobre o tema, recomendamos a leitura da monografia de Rose Venceslau, defendida na UERJ, intitulada Oelo perdido da filiao: entre a verdade jurdica, biolgica e afetiva no estabelecimento do vnculo paterno-filial. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.66 A discusso no nova no Direito Civil Brasileiro, sendo tambm exposta pela Professora Silmara J.Chinelato (Tutela civil do nascituro, cit., p. 291).67Investigao de paternidade Alimentos Nascituro Ao proposta pela gestante, em nome prprio,contra o suposto paiIlegitimidade de parte reconhecida Ao personalssimaArtigos 3 e 6 do CPCSentena mantidaRecurso desprovido (Tribunal de Justia de So Paulo. Apelao Cvel n. 340.115-4/0Avar5 Cmara de Direito PrivadoRelator: Silvrio Ribeiro10.11.2004v.u.).68 Investigao de paternidade Nascituro Possibilidade cientfica e jurdica Extino dos autos em

    primeira instncia por falta de interesseDescabimentoPossibilidade conferida pela lei processual mepara ser investida na posse dos direitos cabentes ao nascituro e a proteo legal da dignidade d este ltimo,tudo aliado ampla garantia constitucional da proteo vida Incluso do nascituro no plo ativo, pois jdeve ter nascido Apelo provido (Tribunal de Justia de So Paulo, Apelao Cvel n. 349.128-4/4 Itaporanga5 Cmara de Direito PrivadoRelator: Dimas Carneiro02.02.2005v.u.).69 CHINELATO, Silmara Juny. Tutela civil do nascituro, cit., p. 243; DIAS, Maria Berenice. Manual dedireito das famlias. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 457; STOLZE GAGLIANO, Pablo;PAMPLONA FILHO, Rodolfo.Novo curso de direito civil, cit., p. 94. Segundo os autores baianos por ltimocitados, o nascituro tem direito a alimentos, por no ser justo que a genitora suporte todos os encargos da

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    quem no pode prov-las pelo prprio trabalho, estando fundamentados em relao de

    parentesco, casamento ou unio estvel, nos termos do art. 1.694 do atual CC.70 O

    pagamento dos alimentos visa pacificao social, estando amparado nos princpios da

    dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, ambos de ndole constitucional.Ao se reconhecer o pagamento de alimentos ao nascituro, temos a consagrao da sua

    dignidade, o que um caminho sem volta. Dessa forma, no temos dvida de que o

    nascituro tem direito a esses alimentos, o que tambm confirmao da teoria

    concepcionista.

    Outra questo polmica refere-se adoo por nascituro. Silmara Juny

    Chinelato entende pela possibilidade dessa adoo, como forma de tutela dos direitos de

    quarta gerao da pessoa humana.71 De fato, se o nascituro pessoa, tendo direitos da

    personalidade (personalidade jurdica formal), no h que se afastar a possibilidade de sua

    adoo. Lembramos que possvel o reconhecimento do nascituro como filho, conforme

    prev especificamente o art. 1.609, pargrafo nico, do CC. Se for possvel reconhec-lo

    como filho, por que no seria possvel adot-lo? Entendemos que h um contra-senso nesse

    entendimento que nega a possibilidade de adoo. Alis, h quem entenda que a adoo no

    possvel, pois h necessidade de consentimento da me, aps o nascimento da criana.72

    De qualquer forma, esse ltimo entendimento est balizado em uma anlise especfica dainviabilidade da medida, o que, contudo, no significa o amparo na doutrina natalista.

    gestao sem a colaborao econmica do seu companheiro reconhecido. Tal matria, embora no seja objetoainda de legislao expressa, pode ser reconhecida judicialmente em funo da necessidade de proteo dofeto para seu regular desenvolvimento.70Art. 1.694. Podem os parentes, os cnjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de quenecessitem para viver de modo compatvel com a sua condio social, inclusive para atender s necessidadesde sua educao. 1 Os alimentos devem ser fixados na proporo das necessidades do reclamante e dosrecursos da pessoa obrigada. 2 Os alimentos sero apenas os indispensveis subsistncia, quando asituao de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.71CHINELATO, Silmara Juny. Adoo de nascituro e a quarta era dos direitos: razes para e alterar o caputdo artigo 1.621 do novo Cdigo Civil. In: DELGADO, Mrio Luiz; Alves, Jones Figueiredo (Coord.).Questes controvertidas no novo Cdigo Civil. So Paulo: Mtodo, 2003, v. 1, p. 355.72Esse o entendimento de Maria Berenice Dias, citando a doutrina especializada de Paulo Luiz Netto Lbo,Maria Claudia C. Brauner e Maria Regina Fay de Azambuja (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das

    famlias, cit., p. 440).

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    Como o devido respeito, no concordamos com o entendimento, ainda

    majoritrio, de que a adoo a nascituro no seria possvel, por supostamente no haver

    norma autorizadora para tanto. Ora, a norma autorizadora para a adoo de nascituro o

    Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), conforme sustenta a prpriaProfessora Silmara Chinelato, no artigo citado.

    De lege ferenda, a Professora Silmara Chinelato fez proposta de alterao

    do atual art. 1.621, do CC, por intermdio do Projeto de Lei n. 6.960, de 2002, de autoria

    do saudoso Deputado Ricardo Fiuza, com a incluso da possibilidade de adoo de

    nascituro.73 Com a alterao do dispositivo, o caputpassaria a prever que A adoo

    depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais do nascituro ou do incapaz,

    e da concordncia deste, se contar mais de 12 (doze) anos. Por bvio, concordamos com a

    proposta legislativa, o que significa a confirmao da teoria concepcionista.74

    Por fim, o Cdigo Civil de 2002 introduziu, como forma de curatela

    especial, a curatela do nascituro. Prev o art. 1.779, caput, do CC que Dar-se- curador ao

    nascituro, se o pai falecer estando grv ida a mulher, e no tendo o poder familiar.

    Eventualmente, se a mulher estiver interditada, seu curador ser tambm o do nascituro (art.

    1.779, pargrafo nico, do CC). Esse reconhecimento da possibilidade de nomeao de um

    curador para o nascituro tambm acaba amparando a teoria concepcionista, ou seja, de que

    o nascituro pessoa humana.

    73 a atual redao do art. 1.621 do CC: A adoo depende deconsentimento dos pais ou dos representanteslegais, de quem se deseja adotar, e da concordncia deste, se contar mais de 12 anos. 1 O consentimentoser dispensado em relao criana ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sidodestitudos do poder familiar. 2 O consentimento previsto no caput revogvel at a publicao dasentena constitutiva da adoo.74

    Transcreve Ricardo Fiuza o parecer da Professora Silmara Chinelato que inspirou o projeto de lei (FIZA,Ricardo. O Cdigo civil e as propostas de aperfeioamento, cit., p. 249). Nesse parecer, a Professora da USPdiz expressamente que o nascituro seria uma criana, sendo possvel a sua adoo pelo que consta daConveno sobre os Direitos da Criana, tratado internacional ratificado pelo Brasil, e do prprio Estatuto daCriana e do Adolescente. Para fundamentar o seu parecer, cita doutrina nacional e estrangeira que entende

    pela possibilidade dessa adoo, caso de Francesco Durante, Maria Rita Saulle, Srgio Gischkow Pereira,Maria Alice Zaratin Soares Lotufo e Arthur Marques das Silva Filho. Concordamos com essa afirmao e,assim, o nascituro uma criana merecendo a proteo integral constante do Estatuto da Criana e doAdolescente.

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