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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SEMIÓTICA E LINGUÍSTICA GERAL NATÁLIA CIPOLARO GUIRADO Um sistema semiótico sincrético: a linguagem cinematográfica. São Paulo 2013

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LINGUSTICA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SEMITICA E LINGUSTICA GERAL NATLIA CIPOLARO GUIRADO

Um sistema semitico sincrtico: a linguagem cinematogrfica.

So Paulo 2013 NATLIA CIPOLARO GUIRADO [email protected] Um sistema semitico sincrtico: a linguagem cinematogrfica. DissertaoapresentadaaoProgramadePs-GraduaoemSemiticaeLingusticaGeral doDepartamentodeLingusticadaFaculdade deFilosofia,LetraseCinciasHumanasda Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de mestre em Lingustica. rea de concentrao: Semitica e Lingustica Geral Orientador: Prof. Dr. Waldir Beividas So Paulo 2013 Nome: GUIRADO, Natlia Cipolaro Ttulo: Um sistema semitico sincrtico: a linguagem cinematogrfica. DissertaoapresentadaaoProgramadePs-GraduaoemSemiticaeLingusticaGeral doDepartamentodeLingusticadaFaculdade deFilosofia,LetraseCinciasHumanasda Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de mestre em Lingustica. rea de concentrao: Semitica e Lingustica Geral Orientador: Prof. Dr. Waldir Beividas Aprovado em: ___/___/2013 Banca Examinadora Prof. Dr. Waldir Beividas Instituio: Universidade de So Paulo (USP) Julgamento: ______________________ Assinatura: _______________________ Prof. Dr. Iv Carlos Lopes Instituio: Universidade de So Paulo (USP) Julgamento: ______________________ Assinatura: _______________________ Prof. Dr. Jos Roberto do Carmo Jnior Instituio: Universidade Federal do Paran (UFPR) Julgamento: ______________________ Assinatura: _______________________ Ao Daniel, que me acompanha desde antes de surgiremasideiasiniciaisparaesta dissertao. Fonte de entusiasmo, felicidade e amor imenso em todo o percurso. AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Prof. Waldir Beividas, pelas ideias que me inspiraram, pela colaborao e grande confiana durante a elaborao deste trabalho.AoProf.AntonioVicentePietroforte,queguioumeuspassosiniciaisem semitica na Iniciao Cientfica. AoProf.JeanCristtusPortela,sempreatencioso,quetantocontribuiu coma leitura do meu texto para o exame de qualificao. Prof NormaDiscini,porsuasincrveisaulasdeLingusticaquemuitome motivaram. Prof Elizabeth Harkot-de-la-Taille, ao Prof.Iv CarlosLopes e ao Prof. LuizTatitqueprocuraramcolaborarcomsuassugestes a cadavezemquetiveram contato com meus trabalhos. Aos amigos do Ges-usp: Carolina Tomasi, Luis Damasceno, Ilca Suzana Lopes, DanielaBracchi, ThiagoCorrea,CleytonFernandes, CntiaMarinho, BrunaZerbinatti, LucasShimoda, TasdeOliveira, ElianeDomaneschi,SueliRamos,JuliaLourenoe Eliane Soares de Lima, pelas diversas contribuies e pela rica convivncia. rica, ao Robson e ao Ben-Hur, pelo constante auxlio e pacincia. Aos meus pais, Silvia e Antnio, por sempre valorizarem meus sonhos.minhaavBerenice,portodososensinamentosepelaforainfindaamim transmitida.AomeuirmoGabrieleaosmeusprimosVitor,NetoeCaio:minhas preciosidades.tiaIzenaeaoEsvildo,portodoapoio,especialmentepormereceberemem So Paulo para iniciar os estudos da graduao.Ao tio Fausto e tia Carmem, pela ternura constante. Ao meu sogro Wilson, por todo carinho e ateno. minha sogra Snia, que me incentiva em todos os momentos possveis de se imaginar, interlocutora assdua durante a realizao deste trabalho. AnaPaulaGirardi,LouiseBonassi,Wilma Juquiram,JliaRosa,Izabella Guirado e Tamara Prior, grandes amigas que sempre me animam. Aos meus amigos de Catanduva, presentes h tantos anos.AoConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientficoeTecnolgico(CNPq), pelo financiamento desta pesquisa. Quando a derradeira e trmula imagem de uma seqncia de cenas se desvanecia e se fazia luz na sala, exibindo multido o campo das vises em forma de uma tela vazia, faltava at uma oportunidade para bater palmas. No estava presente ningum que se pudesse aplaudir e admirar, graas arte por ele demonstrada. Os artistas que se haviam reunido para dar o espetculo que o pblico acabava de desfrutar fazia muito se tinham dispersado. O que se vira eram apenas as sombras das suas faanhas, milhes de imagens, brevssimos instantneos, em que se dissecara a sua atividade durante o processo fotogrfico, para que fosse possvel restitu-la ao elemento do tempo, cada vez que se quisesse, num curso tremeluzente de tanta rapidez. _________________________________ Thomas Mann, A Montanha Mgica RESUMO GUIRADO,NatliaCipolaro.Umsistemasemiticosincrtico:alinguagem cinematogrfica. 2013. 105f. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, 2013. Nestadissertao,partimosdabasetericadasemiticafrancesaparaabordaro sincretismo da linguagem cinematogrfica, sistema semitico no qual possvel obter a significaohomogneadaformacdicasincrticaapartirdasincretizaode linguagens concorrentes. Procuramos estabelecer o lugar do cinema na teoria semitica paraqueaanlisedosobjetossincrticospossaserelaboradademaneiraampla considerando todas as linguagens envolvidas em sua manifestao. Assim, partimos das colocaes do conceito de sincretismo de Hjelmslev (1975), Greimas e Courts (1979) e dos avanos tericos de Beividas (1983) para aprofundar a discusso a respeito de como podeocorreroarranjoeaorganizaodaslinguagensparticipantesdosistemade sincretizao na linguagem do cinema, tendo em vista que se colocariam como funes dosistemasincrticoetambmcomofuntivosdenovasfunesqueseriamcriadas.Pretendemosdemonstrarcomapropostadomodelodesincretizaodaformacdica sincrticaqueumfilmepodeseranalisadoemumaabordagemabrangenteda sincretizaoparaquesealcanceacomplexidadedalinguagemqueconstrisua significaopormeiodaorganizaodediversasformascdicas,aslinguagens individuaisqueparticipamdosistemasincrtico.Porfim,buscamosabarcaras peculiaridadesformaisemateriaisdalinguagemcinematogrficacomaanlise semitica de seu sistema de significao. Palavras-chave:Semitica.Sincretismo.Linguagemcinematogrfica.Semantismoda expresso. Modelo da forma cdica sincrtica. ABSTRACT GUIRADO,NatliaCipolaro.Asyncreticsemioticsystem:thecinematiclanguage. 2013.105f.Dissertao(Mestrado)FaculdadedeFilosofia,LetraseCincias Humanas, Universidade de So Paulo, 2013. In this dissertation, we depart from the theoretical basis of French semiotics to treat the syncretism of cinematiclanguage, semiotic system in which it is possible to obtain the homogeneoussignificationofthesyncreticcodeformfromthesyncretizationof concurrent languages. We aim at establishing the place of cinema in semiotic theory so that the analysis of syncretic objects can be broadly elaborated considering all languages involvedinitsmanifestation.Thus,weassumetheconceptualizationofsyncretismby Hjelmslev(1975),GreimasandCourts(1979)andthetheoreticaladvancesproposed byBeividas(1983)todeepenthediscussionabouthowthearrangementandthe organization of languages that participate in the system of syncretization in the language of cinema may occur, assuming that they would act as functions of the syncretic system, andalsoasfunctivesofnewfunctionswhichwouldbecreated.Weintendto demonstrate with a model of syncretization of the syncretic code form that a movie can be analyzed in a broad approach of syncretization so that the complexity of the language thatconstructsitssignificationisachievedthroughtheorganizationofseveralcode forms, the individual languages that participate in the syncretic system. Finally, we aim atcoveringtheformalandmaterialpeculiaritiesofcinematiclanguagethroughthe semiotic analysis of its system of signification. Keywords:Semiotics.Syncretism.Cinematiclanguage.Semantismoftheexpression. Model of syncretic code form. SUMRIO Introduo ................................................................................................................ 08 1.Primeiros desenvolvimentos tericos sobre o cinema .......................................... 13 1.1 Gramtica da linguagem cinematogrfica ................................................... 14 1.2 Abordagens estticas do cinema .................................................................. 19 1.3 A proposta de Christian Metz para anlise da linguagem dos filmes .......... 31 2.A importncia do plano da expresso para os estudos semiticos ..................... 39 2.1 Semitica visual e seus fundamentos ........................................................... 40 2.2 Contribuies tericas e analticas de Jean-Marie Floch ............................. 42 2.3Definiesdesincretismo:contrastesentreo textosincrticoealinguagem sincrtica ............................................................................................................ 46 3.O lugar do cinema nas pesquisas semiticas ........................................................ 52 3.1 Desenvolvimento terico do sincretismo na atualidade .............................. 53 3.2 O semantismo do plano da expresso .......................................................... 57 3.3 Outras abordagens semiticas do cinema .................................................... 67 4.Modelo de anlise sincrtica da linguagem cinematogrfica .............................. 73 4.1 Consideraes sobre a abordagem semitica do cinema ............................. 74 4.2 Uma proposta de anlise da linguagem cinematogrfica: o modelo daforma cdica sincrtica ................................................................................................ 76 4.3 Aplicao do modelo de anlise da forma cdica sincrtica em uma cena de Cidade de Deus .................................................................................................. 83 Concluso ..................................................................................................................... 94 Referncias bibliogrficas ........................................................................................... 98 Referncias filmogrficas..........................................................................................102 8 INTRODUO Uma obra de arte deve reproduzir o processo pelo qual, na prpria vida, novas imagens so formadas na conscincia e nos sentimentos humanos. ___________________ Sergei Eisenstein 9 Atendnciaestruturalistaquesesolidificounadcadade30naLingusticatemsuas origensnosestudosdeFerdinanddeSaussure,precursordealgumasdoutrinasdeestudodo signo lingustico que transformaram as teorias da linguagem. A semitica surgiu na dcada de 60naFrana,recebeuinflunciasdeconceitosdaLingusticasaussurianaeprimeiramente enfatizou em seu campo de abrangncia os estudos do plano do contedo de objetos verbais e o processo de significao capaz de gerar os signos. Sendoassim,asemiticavisualteveseusdesenvolvimentostericosiniciadosnas dcadasqueseseguiramcomumapropostadeanlisesemissimblica,jqueasignificao poderiaserconstrudapeloarranjodasordenaessignificantesqueimpemmudanasnas operaesperceptivas,instigandoossentidosaparticiparassociativaeinteracionalmentede rearticulaes significantes.Tendo em vista que os sistemas de significao tm diferentes maneiras de manifestar aestruturadaimanncia,pensamossernecessriodesenvolverumaestratgiadeanlise semitica para o cinema a partir do ponto de vista do fenmeno do sincretismo, uma vez que a observaodasparticularidadesdedeterminadoobjetopodefazercomqueosmtodosde anlise disponveis em uma teoria sejam discutidos e ampliados.Aspesquisasquebuscaramsistematizaralinguagemdosfilmesnochegarama resultadossatisfatriososuficientenosentidodedefinirdemodoabrangentesuas especificidadeseasparticularidadesdosresultadosproduzidos.Pensamosqueacoerodo plano da expresso da linguagem cinematogrfica na construo da significao pode ser alvo deinvestigaesparaquesejaabordadacommincia,considerandoosdesenvolvimentos tericos a respeito do sincretismo.Atualmente,aanlisedetrechosdefilmespossibilitapesquisasarespeitodas estratgiasenunciativaselaboradasnocinema.possvelencontrarentreosestudos acadmicosteoriasarespeitodospersonagens,derepresentaesculturaisregionais,da construodoespaoedotemponanarrativadosfilmes,assimcomoafrequente aproximao terica e analtica entre o cinema e a literatura.Sabe-se que os crticos cinematogrficos produzem textos que podem ser considerados literatura histrica sobre o cinema, abordagens importantes que fornecem materiais teis para estudosgeraisdesenvolvidossobreosfilmes.Contudo,aindanofoicriadaumateoriaque 10 considerealinguagemcinematogrficaobjetoexclusivodeestudoequepossaabordarsuas especificidades de modo profundo. Consideramos,dessaforma,queaabordagemsincrticadocinemapertinenteaos desenvolvimentosdateoriasemitica,poisasdiversaslinguagensqueserelacionampara criarumfilmepossuemmateriaisdiversoseconstroemumalinguagemcomplexaapartir dessa peculiaridade. necessrio verificar a importncia do arranjo lingustico sincrtico para o processo de construo da significao no cinema. Com isso, as anlises das manifestaes particulares,osfilmes,poderoconcedermateriaisparaaverificaodasarticulaes semiticasgeraisvlidasparadiversosobjetosflmicose,qui,paraoutraslinguagens complexas. nocampodasemiticafrancesadesenvolvidaporAlgirdasJulienGreimasenos trabalhosdossemioticistasqueoseguiramqueconstamospressupostostericosdesta pesquisa, tendo em vista que a teoria semitica ainda se encontra em amplo desenvolvimento. Serutilizadaemnossainvestigaoametodologiadoconceitodesincretismoexpostano segundocaptulo.Nessesentido,otrechodofilmeanalisadosertilparaaanlisedo sistemadesincretizaoeaconstataodeseusdiversosresultadosnalinguagem cinematogrfica.Paraaaplicaodeumateoriadeanliseemdeterminadalinguagem,devemos conhec-lademodoamplocomsuasdiversascorrentestericaseperodosde desenvolvimento.Comisso,importanteterodomniodasregrasinternas,nestecaso,da linguagem do cinema, uma vez que no se trata apenas de um conjunto de normas prescritivas adotadasporalgunstericos,masdoprpriosistemadesignificaodelimitadopelasobras queforamproduzidasatentoeinclusiveporaquelasqueseroelaboradasfuturamente. Concebemoscomofundamentaloconhecimentodasproduesclssicasdocinema,filmes consagradospelacrticacinematogrficaoupelopblicoespectador,sejaporexplicitaros ideais e os fatos de uma poca, seja por suas inovaes tcnicas e estticas.Buscamos realizar um trabalho sistemtico a respeito da imagem em movimento edo sincretismodocinemaconsiderandoqueaperspectivadehomologaoentrecategoriasdo planodaexpressoedoplanodocontedocoloca-secomoocaminhomaisseguido usualmentepelossemioticistasparaabordarobjetosvisuais,poiscoordenartaiselementos pode levar a concluses produtivas a respeito da significao. 11 Nocaptulo1,tivemosapreocupaodesondaralgunsdosprimeiros desenvolvimentos tericos a respeito da linguagem cinematogrfica, considerando a tentativa desistematizaodestacomautilizaodefundamentosdalinguagemverbal.Tambm procuramosverificarcertosestudossobreaestticadocinemaquetiveramcomoobjetivo analisarascaractersticasespecficasdessaarte.Depois,consideramosimportanteabordar determinadas ideias de Christian Metz para anlise dos filmes. Esse captulo introdutrio tem o objetivo de traar um breve panorama a respeito de alguns pontos de vista a partir dos quais ocinemafoiestudadoaolongodosculoXX.Dessamaneira,diversosposicionamentos sero encontrados e contribuiro de modo particular para nossa pesquisa a respeito do objeto escolhido. Aps contemplar algumas abordagenstericas com o intento de compreender melhor asespecificidadesdalinguagemdocinema,ocupamo-nosnocaptulo2dareflexosobreo tratamentodadoaoplanodaexpressonosestudossemiticos.Consideramosimportante colocaraspropostasdasemiticavisualeaspesquisasdeJean-MarieFloch,para,em seguida, apontar algumas concepes sobre o sincretismo com o propsito de definir aquela a ser seguida nos desenvolvimentos de nosso trabalho.JnoCaptulo3,procuramostratarmaisespecificamentedolugardocinemanas pesquisassemiticas,questofundamentalparanossotrabalho.Paraisso,tencionamos apontardesenvolvimentossemiticosatuaissobreofenmenodosincretismo,almde abarcarosprincipaispontosdosestudosdeBeividas(1983)arespeitodasincretizaona linguagem do cinema.Porconseguinte,ocaptulo4teveafinalidadededemonstraraspeculiaridadesde nossoposicionamentotericoarespeitodaabordagemsemiticadocinemaapsas colocaesdosargumentosencontradosnoscaptulosanteriores.Aseguir,propusemoso modelo da forma cdica sincrtica a partir da anlise da sincretizao que pode ser verificada, osistemadefunesefuntivosemqueseconstrialinguagemcinematogrfica.Para demonstrar os avanos alcanados com tal desenvolvimento terico a respeito do sincretismo, colocamos uma anlise semitica sincrtica do trecho de um filme.O corpus selecionado para anlise com a aplicao desse modelo trata-se de uma cena de Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, produzido a partir do romance homnimo dePauloLins.Arespeitodessacenaserdescritaespecificamenteamanifestaoda 12 categoriadotempoeseufuncionamentosincrtico.Estapesquisatemorientaodedutiva, portanto,coloca-senaposiodeconstruirummodelotericohipotticocomointuitode explicaracomplexidadedasemiticasincrticaqueconstituialinguagemcinematogrfica, nossoobjetosemiticodeanlise.Postoisso,enfatizamosoobjetivodeaprofundara abordagemdocinemacomosemiticacomplexa,bemcomodivulgaralgumasinvestigaes da interface entre a semitica da Escola de Paris e o cinema.Pensamossernecessriotrataralinguagemcinematogrficaapartirdosavanos atuaisdateoriasemitica,vistoqueseusdesenvolvimentoscriampossibilidadesde investigaoparaqualquertipodeproduosignificante,entreelas,ocinema.Nossa finalidadeobservarofenmenodosincretismocomoconceitosemiticoesuas particularidades,visandoapossibilidadedeanalisarobraspertencenteslinguagem cinematogrfica com a utilizao do modelo da forma cdica sincrtica. Reforaremos, dessa forma, a importncia deabordar outros elementos alm da plasticidadee da narratividadeda linguagem cinematogrfica. 13 1.PRIMEIROSDESENVOLVIMENTOSTERICOS SOBRE O CINEMA O filme tal como o conhecemos no uma mistura instvel; isto porque os seus elementos no so incompatveis. __________________ Christian Metz 14 1.1 Gramtica da linguagem cinematogrfica Nestecaptuloseroabordadosalgunspontosdevistaarespeitodocinemaedas singularidadestrazidasemsualinguagemapartirdasdiversasmanifestaesquepodemser encontradasnosfilmes.Assim,pontuaremosalgunsestudosafimdesondarquais peculiaridadesforamconcebidaspelostericoscomooriginaisequaloelementotomado como constituinte fundamental dessa linguagem sincrtica. Algunstericosprocuraramabordaragramticadocinemacomoobjetivode sistematizaremmodelosnormativosalinguagemcinematogrficalevandoemconsiderao parmetrossemelhantesquelespresentesnosmanuaisdegramticadalinguagemverbal. Assim, houve grande questionamento a respeito da maneira de ler, compreender e interpretar a significao das imagens como texto e essas investigaes tiveram grande importncia para os estudos posteriores sobre o cinema. Comentaremos trechos de quatroobras que buscaram analisar a linguagem cinema, suas regras, princpios e peculiaridades. Tais abordagens foram selecionadascomointuitodeexemplificarospensamentosexistentesemtornodocinemae de suas particularidades. EmAlinguagemcinematogrfica1,aobuscarestabelecerasnormaseospadresdo cinema, Marcel Martin explorou procedimentos tcnicos da filmagem ao coment-los a partir deseusvariadosusosemdeterminadosfilmes.Assim,analisouautilizaodacmera,do someseusefeitosemrelaoaoespaocnicoeconstruodanoodetemponas narrativas.Parajustificarseupontodevistaeabordarocinemademodoamplo(2005,p. 297), defende que: para sintetizar a evoluo da linguagem cinematogrfica a partir das origens, possvel,esquematizandoumpouco,distinguirentreosrealizadoresduas abordagensfundamentaisdomundo.Umadelascerebraleconceptual (Eisenstein,Dreyer,Gance,Welles,Bergman,Visconti,Resnais,Bresson, Godard, Tarkovski, Duras) e a outra sensorial e intuitiva (Griffith, Chaplin, Dovjenko,Flaherty,Murnau,Ozu,Renoi,Buuel,Mizoguchi,Rossellini, Angelopoulos, Wenders, Fellini, Antonioni). Os realizadores pertencentes ao primeirogrupotmtendnciaparareconstruiromundoemfunodasua visopessoal e,paraisso,preocupam-secomaimagem,sendoestaomeio essencial paraconceptualizar osseusuniversosflmicos. Ossegundos,pelo

1 Originalmente lanado em 1953 como Le langage cinmatografique. 15 contrrio, tm tendncia para se apagar perante a realidade, fazendo emergir osignificadoqueprocuramtirardasuarepresentaodirectaeobjetiva: esteomotivoporqueotrabalhodeelaboraodaimagemtem,paraeles, menos importncia do que a sua funo natural de figurao do real. Martinacrescentaqueoperodonoqualaexploraominuciosadalinguagemdo cinemaexerciaumafunodominanteparaoscineastastratava-sedapocaemquehaviao domniodosdiretorescerebrais,sendoqueosoutrosdiretores,nomeadossensoriais, apontavamparaumavisolibertadaobsessodaconceptualizaodosfilmes.Segundoo autor,osdiretorescerebraistinhammaiorpreocupaocomaelaboraodasimagense seusresultadosnoprocessodesignificao,enquantoosdiretoressensoriaisconcebiamo trabalhocomombitovisualumfatordemenorimportnciaparaaelaborao cinematogrfica.Criando tal diviso, Martin buscava esclarecer os efeitos das criaes apresentadas nos filmescomosdiferentesusosdastcnicasdefilmagemesuasconsequnciasnaconstruo da significao de acordo com o objetivo de cada realizador. Dessa maneira, so colocados os elementosqueseriamfundamentaisparaaelaboraodalinguagemflmica,quepoderiam conferirrealismoeinterferirnapercepodoespectador:osom,omovimentodasimagens, ascores,osposicionamentoseosmovimentosdacmera,osenquadramentos,osplanos,os ngulos da filmagem e a polivalncia da significao das imagens.Sondar exaustivamente a atuao de cada um desses componentes tcnicos nos filmes parecia trazer a possibilidade de resultados efetivos para a maior compreenso de seus efeitos naconstruodasignificao.Aimagemseria(2005,p.27)amatria-primaflmicaque poderiaseramplamentearticuladapelosdiversostiposdemontagens,movimentosde cmeras e enquadramentos, bem como ter a significao incrementada pelo uso das cores e do som.Assim,Martinilustroucomdiversosfotogramasasanlisesdosaspectosquebuscou apontarcomoinovadoreseatmesmoexmiosexemplaresdeaplicaodatcnica cinematogrfica 2. ApartirdaobservaodaspropostasdeMartin,pensamosquenonoscabeneste trabalho considerarreducionista ou parcial a nomenclatura dadaa cadagrupo, assim como a tentativadediscernimentodasprioridadesdosdiretoresaoarticularemdeterminados

2NoDicionriotericoecrticodecinema,adefiniodotermofotogramaconstadoseguintemodo:a imagem unitria de um filme, tal como registrada sob a pelcula (AUMONT; MARIE, 2006, p. 136). 16 elementos tcnicos em suas obras. Segundo nosso objetivo no presente estudo, o importante verificarque,desdeoinciodosestudossobreocinema,jsefaziamnotarosdiferentes estilosdosfilmesproduzidos,eeramelaboradasreflexesarespeitodadiversidadede significaes criadas com o uso de mltiplas tcnicas da linguagem cinematogrfica.Portanto,aideiadeobservarastcnicasdafilmagemeosdiversosprocedimentos tecnolgicosquecontribuemparaaconstruodalinguagemdocinemafazia-sepertinente emrelaoaosseusobjetivos.Paranossaabordagemsemitica,consideramosqueapenas elencar os tipos de significaes obtidas em determinados gneros de filmes ou nos trabalhos deumdiretorespecficonocontribuemespecificamenteparaacompreensodas particularidades da linguagem do cinema. EmsuasreflexesnoEstticaesemiticadocinema,otericorussoYuriLotman argumentou, de outra maneira, quea percepo visual do mundo forma a base da linguagem cinematogrfica (1978, p. 75), e seria possvel perceber que: tudooquenotamosduranteaprojecodeumfilme,tudooquenostoca actuasobrens,possuiumasignificao.Aprenderaassimilarestas significaes to indispensvel como para quem quer compreender a dana clssica, a msica sinfnica ou qualquer outra arte suficientemente complexa eassentenumalongatradionecessrioconheceroseusistemade significaes. Partindodessareflexo,asignificaodosfilmesnecessitariaserrecebidacom ateno pelos espectadores para que pudessem compreender o funcionamento lingustico das estruturasnarrativasveiculadas.Acomplexidadequepoderiasernotadanaprojeodeum objetoflmiconoseriadecifradademodosimplescomfocoparcialemdeterminada linguagematuante.Ento,aapreciaoampladetodoselementosutilizadosparaconstruira linguagemdocinemaseriafundamentalparaafruiototaleparaacompreensodas significaesobtidas.Oautorexplica(1978,p.181)queocinemaseriacapazdetransmitir umamensagempormeiodevriasvozesdemodoaformarcontrapontoscomplexosque necessitariam ser estudados com profundidade.Porconseguinte,paracompreenderasignificaodosdiversosmateriaisreunidosna composiodalinguagemcinematogrficaseriaprecisoassimilaracomplexidadedetal 17 mensagem,jquehaveriaumagrandediversidadedeelementostrazidosaopblico.Ao observaraspropostasdeLotman,notamosquehgrandepreocupaoemenfatizara complexidadedocinema,oquevaideencontrocomnossaconcepodaamplitudeque possui a linguagem sincrtica com as linguagens participantes da sincretizao.Auniodeelementosheterogneosnalinguagemdocinemapode,assim,elaborara merarepresentaodocotidianoemumfilme,oudeoutromodo,criarumadeformaona realidade conhecida pelo espectador. Dessa forma, h a superao da expectativa do pblico. Comnossainvestigao,buscamoscompreenderdequemaneirasalinguagemdocinema pode sustentar esses modos variados de construo da significao.EmCinemaeideologia,otericoJean-PatrickLebelelaborouumraciocnioa respeito do que abarcaria a linguagem cinematogrfica em um projeto de pesquisa normativo noqualapontavaqueocinemaeraconscientedomodocomoumaideologiapoderiase incorporarnosfilmes.Assim,afirmou(1989,p.174)queocampoabrangidopelocinema poderiaserconsideradoumvastocampodesignosequesignificaeseformas cinematogrficassedeterminamreciprocamenteumassoutrasenoadquirem verdadeiramenteoseusentidosenoemfunodasrelaesdialticasqueseestabelecem entre elas.Ora,dopontodevistatericodasemiticafrancesa,umsupostograude conscinciaeodomniotcnicodeumcineastasobreoaparelhotecnolgicoaseudispor nointerferemnalinguagemcinematogrficaemsi.Acompetnciadoidealizadornoir determinaranaturezadessalinguagem,assimcomoparaosestudosdaLingusticano importaacompetnciadeumfalantecomofatordeterminantedanaturezadesualngua natural.Diantedaspropostasdesseautor,nossoentendimentoqueaintenoideolgica dos realizadores de um filme no nos serve para indicar de modo fundamental a significao queserdadanoobjetoflmicoobtidoaofinaldesuaproduo.Dessamaneira,aideiade Lebelnonosserveparaoestudoqueprocuramoselaborar.Aintenoideolgicadeum cineasta, concebida de tal maneira, no se coloca como elemento pertinente linguagem dos filmes.Ento,nosercontempladanasemiticasincrtica,mbitodeanlisedanossa perspectiva, e no relevante para a abordagem semitica do cinema. 18 PodemosobservartambmasideiasdePeterWollenemSignoseSignificaono Cinema (1984, p. 09), no qual prope que a pesquisa a respeito da linguagem cinematogrfica temdeestaraparedepoderrespondersalteraesedesenvolvimentosnosestudosdos outrosmeios,dasoutrasartes,dasoutrasformasdecomunicaoeexpresso.Pesquisara respeito do cinema no deveria ser uma atividade estanque e superficial,j que deveria estar relacionadaaoconhecimentodeoutrasformasartsticas.Arespeitodaimportnciade relacionar os estudos do cinema com as pesquisas da rea da Lingustica e defini-lo como uma linguagem, Wollen posiciona-se (1984, p. 117) como podemos observar a seguir: tornou-secada vezmaisclaro que as teorias tradicionais da linguagem eda gramticacinematogrficas,quesedesenvolveramespontaneamenteao longo dos anos, necessitam ser reexaminadas e relacionadas com a disciplina estabelecidaquealinguistica.Sesevaiutilizaroconceitolinguagem, deve-sefaz-lodemodorigorosoenocomoumamerametforasolta, muito embora sugestiva. OautorconsideraqueasteoriasdaLingusticateriamapossibilidadedeestabelecer basesconsistentesparaosestudosdalinguagemcinematogrficadentrodeseucampode pesquisacomalgumasadaptaesaocinemademodobemfundamentadoeexemplificado com anlises para que este no fosse mais tratado como detentor de uma linguagem apenas de modosuperficialnosdiversosestudosaseurespeito.SegundoWollen,seriainteressante investigarprofundamenteedefinirdequemaneiraaLingusticapoderiacontribuirparaa abordagem da linguagem do cinema e sua anlise sistemtica. Pensamos que o esforo de sistematizar inicialmente a linguagem cinematogrfica por meiodeelementosquebuscavamdeterminarregrasgeraisdefuncionamentodosfilmes, considerandooscritriosdeorganizaoedeanlisedalinguagemverbal,comouma abordagemgramatical,tevegrandeimportnciaparapesquisasposterioressobreocinema. Issoseconfirmaprincipalmentenoquedizrespeitoaodiscernimentoquesedeveterem relao utilizao da linguagem tcnica dos realizadores dos filmes e dos crticos de cinema, lembrando que o intento e as finalidades de cada um dos usos efetuados por essas atividades so bastante diversos.possvelnotarquedesdeoinciodasprojeesdosfilmesverificou-sequeuma novalinguagemhaviasidocriadacomosurgimentodosobjetoscinematogrficos, 19 especialmentepelasdiversasmaneiraspossveisdeestruturarsuasignificao.Comisso, consideramospertinentesosesforosetentativasdealgunstericosdeestabelecerasregras defuncionamento,aordenaoediscriminaroselementosconstituintesdalinguagemdo cinema. Dessaforma,possvelobservaraolongodahistriadocinemadiferentesposturas tericasentreosquelidamcomastcnicasdofazercinematogrfico,sejamosprofissionais que tm a possibilidade de trabalhar na realizao de um filme, sejam aqueles que procuram estudar as obras produzidas e tecer anlises a seu respeito. 1.2 Abordagens estticas do cinema Aartedocinemapossuiespecificidadesmateriaiseformaisemsuaconstruo enquantolinguagem,tendoemvistaqueseconstituicomoumsistemadesignificaocom maneiras especficas de funcionamento, o que o torna diferente das linguagens verbal, sonora, visual e de outras formas de expresso.Percebemos que, at os dias atuais, em diversas propostas de anlises dos filmes usou-seimensamenteorecursometodolgicodeaproximaestericasdecunhosociolgico, filosfico e psicolgico para explicar a significao desses objetos. Entretanto, de acordo com oobjetivodestetrabalho,observaremosalgumasabordagensestticasparamelhor compreender a linguagem do cinema, pois todo sistema semitico deve ser abordado em suas especificidades para que os modelos de anlise articulados possam abarcar suas mais diversas dimenses.Selecionamos algumas obras que abordam a esttica cinematogrfica para comentar os elementosmencionadoscomodeterminantesnaconstruodalinguagemdocinema.Tais colocaespodemcontribuircomnossasreflexesaoapontarostemastratadosemcada poca,osaspectosespecficosconsideradosrelevanteseosposicionamentosdosautoresa respeito das questes que se colocaram. 20 EmAartedocinema3,RudolfArnheimnospropeumareflexoarespeitoda articulao do movimento nas imagens dos filmes (1957, p. 134), como podemos notar: Dadoqueastentativasderepresentaromovimentocomomovimentono forammuitobemsucedidas,osinventoresinteressaram-sepelomovimento ilusrio.Verificaramquepodiamcriarasensaodemovimentopela combinaosucessivadeimagensparadas.Surge,aqui,umapergunta tericacuriosa:nohaverumacontradioinerenteaotentarfixarcoisas emtransformao?Comopoderemosregistrarumadeterminadafasedo movimento no mesmo lugar onde, momentos antes, registmos para sempre a fase precedente se estamos em busca do registo permanente? Nessapassagem,oartifciodailusodomovimentocriadopordiversasimagens concatenadascomamontagemcolocadoporArnheimcomoprincipalresponsvelpela construodasignificaodosfilmes.Portanto,serianecessriopensaroestatutosemitico domovimentoqueasimagensdocinemapossuemconsiderandoomodocomoofilme ordenadoparacriaroespaoeotemponarrativo,bemcomoosistemasincrticoda significao global.Compreendemosqueaimportnciadatcnicademontagemnaorganizaoena concepodaformanarrativadadaaosroteiroschamavaaatenodosrealizadoresedos tericosdocinemadesdeoinciodosculoXX,poisosdiversosefeitosconferidos significao a partir desse artifcio eram notados e investigados. Havia grande curiosidade por partedosdiretoresemexperimentarasconsequnciasdaaplicaodessatcnicaede investigar as maneiras de manipulao das imagens aps terem sido filmadas, antes de serem apresentadas ao pblico.Comamontagem,criam-seaorganizaoeasrelaesentreosplanosdeumfilme queconferemsequncialgicanarrativa.Ento,osefeitosdasmaneirasdiferenciadasde elaborarasucessodosplanosforamamplamenteexperimentadospormeiodamontagem narrativa, da montagem expressiva e da montagem impressionista, por exemplo, com o intuito de organizar de modo diversificado a progresso do filme. Ao refletir a respeito da primazia da montagem e sua relevncia para a linguagem do cinema, o cineasta Sergei Eisenstein explica (1969, p. 72) que sem admitir que ela seja tudo

3 Originalmente lanado na Alemanha em 1932 como Film als Kunst. 21 ou ento nada, achamos necessrio lembrar, agora, que a montagem faz intrinsecamente parte daobracinematogrfica,tendoamesmaimportnciaqueosdemaiselementosque contribuemparaaeficciadessaarte.Consideradomundialmenteoprincipaldiretora teorizaratcnicadamontagem,exemplificandoinclusiveemdiversosfilmesseusefeitos criativos, Eisenstein relativiza a importncia desse recurso tcnico e valoriza outros artifcios que poderiam contribuir com o fazer cinematogrfico de modo eficaz e at mesmo inovador. Em uma abordagem bastante minuciosa da histria do cinema4, podemos notar que o italianoGuidoAristarcoapontaqueocrticodecinemaLonMoussinacconsideravaa tcnicadamontagemoespecficoflmico.Acriatividadequesepoderiatercomousode diversasimagensrelacionadaspermitiriaaexistnciadeumalinguagemuniversalcapazde alcanar todos os tipos de espectadores, grande virtude do cinema. Com isso, explica (1961, p. 206) que: com a montagem, o verdadeiro material para a criao de um filme j no a realidade.Arealidadeexiste(e,deresto,bemlimitada,comoveremos adianteaofalardeArnheim)nosdiversosbocadosdepelcula,maso realizador,encurtando-oseligando-osentresisegundoumaexigncia ntima,aotempoeaoespaoreaiscontrapeoseuespaoeoseutempo ideais, isto , cinematogrficos; cria, assim, uma nova realidade no ligada aaesquesedesenvolvemnumespaoeduranteumperododetempo determinados e, portanto, inseparveis. Arealidadequepoderiaserregistradanafilmagemimportariamenosprtica cinematogrficaqueamaestriadoprocedimentoutilizadoposteriormentenaediodesse material,amontagemdassequnciasesuaorganizaonarrativa,orecursotcnicoque elaborariaumanovaordemsimagens.Logo,acriaodenovastemporalidadese espacialidadesnocinema,diferentesdaquelasqueobservamosnocotidiano,considerada virtude da tcnica de montagem.Aristarcocomentaque,nadcadade30,abordaroespecficoflmicotratava-sede uma tendncia nos estudos histricos cinematogrficos. Pensava-se que as tcnicas aplicadas nas artes precisavam ser compreendidas a partir dos meios especficos de cada obra artstica. ArespeitodosdesenvolvimentosdeArnheimsobreasobrasdeartecompostaspordiversos

4 Histria das teorias do cinema (1961), de Guido Aristarco. 22 meiosartsticos,comoalinguagemverbal,asimagensemmovimentoeamsica,Aristarco refora (1961, p. 281) que: oenriquecimentoquenaartepodenascerdoconcursodevriosmeios afirma Arnheim no igual quela fuso de percepes sensoriais de toda a espcie que caracteriza a nossa imagem do mundo real. A unidade de todos esteselementossensoriais no igual que o artista podecriar servindo-se doconcursodediversosmeios:naarteaheterogeneidadedoselementos sensoriaistornanecessriasseparaesentreestesltimos,separaesque apenas se podem anular atravs de uma superior unidade. Afusodaspercepesmltiplasqueoespectadorpodetercomafruiodeum objeto artstico seria diferente da heterogeneidade material da qual dispe o artista para criar a superior unidade final de sua obra, como argumenta o autor. Percebemos que tal pluralidade demateriais,diferenteseindependentesenquantosemiticas(verbal,musicalevisual,por exemplo), s pode anular suas condies individuais para participar de um todo significante demodocoesonalinguagemcomplexasetaiselementosforemunidoscomafinalidadede construir uma significao plena.Aristarco nos lembra que, para Arnheim (1961, p. 283), uma obra de arte compsita spossveldesercriadaquandoorganismoscompletos,criadospormeiosisoladosno disseremamesmacoisa,massecompletaremnosentidodeexprimir,demododiverso,um assunto comum, o que acredita constituir a natureza do cinema, uma arte complexa.Comoutropontodevista,UmbertoBrbaro,emElementosdeesttica cinematogrfica (1965), apresenta algumas reflexes a respeito do roteiro, da importncia dos atores, da relao entre o cinema e a realidade e a colocao da montagem como especfico cinematogrfico, visto que esta seria a possibilidade de idealizar os espaos e os tempos da viso, tamanha sua importncia.Oautorexplicaque,nocinemamudo,aausnciadesomeratomadacomopositiva poralgunstericos,comoCharlesChaplin.Assim,osinterttulosnarrativosededilogos funcionavam como fio condutor da trama e eram constitudos por frases de efeito ou citaes deaforismosqueserviamparaagregarcomicidadenarrativa.Porm,outrostericos consideravam que tais letreiros prejudicavam a ao, e o cinema considerado superior (1965, 23 p. 19) era concebido como puro de toda intruso de recursos no-especficos do filme, entre os quais at mesmo a msica de acompanhamento.Eracomumbuscarumadistinoemrelaoaosaspectospertencenteslinguagem dos filmes. Sobre os recursos utilizados no acompanhamento da narrativa no cinema, sabe-se que,noJapo,desdeoinciodaproduodefilmesmudoshaviaumnarradordasimagens projetadas,assim,encontrava-seposicionadoaoladodatelaecomentavaashistriasdos filmes ao pblico durante as exibies5. A respeito do uso do som no cinema, em A msica do filme, Tony Berchmans explica (2006,p.105)quenafaseinicialdedesenvolvimentodosomsincronizado,aproduoda trilha sonora era um processo caro e complexo. Devido ao estgio de evoluo tcnica, todo o somtinhadesergravadoaovivo,juntocomacenafilmada.Poucosfilmeseram completamentemudosdesdeoinciodocinema,jquehaviafrequentementeo acompanhamentosonorodesolosdepianoeatmesmodeorquestrasnomomentoda projeodasimagensparaopblico.Entretanto,nadcadade20,comainclusodosom tcnicadocinemaeajunomecnicaentreafontedeimagemeafontedesomhouveo processo de sonorizao de alguns filmes mudos j existentes6.Aindasobreautilizaodamsicanocinema,Berchmansafirma(2006,p.20)que atualmente parece haver um consenso entre a maioria dos compositores no sentido de que a msicadeveserviraofilme.Eladeveauxiliaranarrativa,seuspersonagens,seuritmo,suas texturas, sua linguagem, seus requisitos dramticos. Podemos concluir que a importncia da msica para a significao nos filmes imensa, pode ser articulada de diversas maneiras com oplanodocontedoeoplanodaexpressodaobra.Diversastrilhassonorassoinclusive criadasespecialmenteparaalgunsfilmesouentosoescolhidasminuciosamenteapsa filmagem e a montagem.

5Benshieraonomedado aosnarradores dos filmesmudosno Japo, como podemos verificarno artigoVozes que conduziam ao sonho, de Olga Futemma e Jos Francisco Mattos (Revista USP, maro/maio 1996). 6Osmmicos queatuavamem filmesmudosforam substitudos nasgravaesdefilmessonorospor atores da Broadway,poisosproprietriosdasgrandesindstriascinematogrficasperceberamquehaviagrandepoder comercial na novatcnica,umavezqueosfilmes sonorizados faziamgrandesucesso com o pblico etraziam grandeslucrosfinanceiros.Parademonstraressatransiodocinemaesuasdiversasconsequncias,Oartista (2011),deMichelHazanavivius,ganhadordoOscardemelhorfilmeem2012,trazahistriadeumatorde Hollywoodqueatuavaemfilmesmudosecomosuacarreiraentrouemdeclniocomoinciodautilizaodo som no cinema. 24 Notamosquedesenvolvimentosimportantestambmpodemserencontradosem Estticaesemiticadocinema(1978,p.60),noqualLotmanexplicaomodocomoa significao pode se estruturar nos filmes, considerando que cadaimagemprojectadanumcranumsigno,querdizer,temum significado,portadoradeinformao.Contudo,estesignificadopodeter um carter duplo. Por um lado, as imagens do cran reproduzem objectos do mundo real. Entre estes objectos e estas imagens do cran estabelece-se umarelaosemntica.Osobjectostornam-seossignificadosdasimagens que so reproduzidas no cran. Por outro lado, as imagens podem revestir-se designificaessuplementares, por vezes completamenteinesperadas. A iluminao,amontagem,acombinaodosplanos,amudanade velocidade,etc.podemdaraosobjectosreproduzidosnocran significaessuplementares:simblicas,metafricas,metonmicas,etc. (grifos do autor) Paraoautor,asinformaestrazidasaoespectadorpormeiodasimagensnocinema tmapossibilidadedeconstarcomoregistrosdefatosdocotidianoedeelementosda naturezaquepodemsermeramentereproduzidosapsseremfilmados.Todavia,ha possibilidadederevestirtaisimagensdesignificaessuplementaresapartirda manipulaooferecidapelatcnicadamontagem,daqualcadadiretorpodeapropriar-se conformedesejar.Apsabordaralgunstiposdesignificaesdoselementos cinematogrficos,explicaopontodevistasemiticoadotadoemsuapesquisaarespeitodo tema e coloca (1978, p. 65) a fundamentao a seguir: Cria-senocinemaumasituaooriginaldopontodevistasemitico:um sistemaaoqualsequeraplicaradefinioclssicadalinguagemdeve possuirumnmerofinitodesignosqueserepetemequepodemser representados a todos os nveis por feixes de traos diferenciais ainda menos numerosos.Afirmarqueossignosdalinguagemcinematogrficaeosseus critriossemntico-distintivospodemmuitobemconstituir-seadhoc, contradizer esta regra. Lotmanconsideraalinguagemcinematogrficaumsistemaquesearticulapormeio de traos distintivos da significao e menciona que no se deve afirmar que haveria signos de nmerofinitoqueseconstituemparatalfinalidadedeorganizaosemntico-distintivano cinema. Tais signos, compreendidos peloautorcomo unidades mnimasda significao, no 25 existiriam somente para criar determinadas articulaes dessa linguagem. Os diversos usos da tcnicaeosarranjosdediferentesefeitoscomoamsicaeamontagemdosplanosos organizariam em outrasposies, estabeleceriam relaes a partir das quais seriam definidos traos diferenciais na obra completa e novas significaes poderiam ser construdas. EmEstticasdocinema(1985),deEduardoGeadasocolocadostextosdediversos autores com perspectivas tericas diferentes a respeito do cinema. Comentaremos O cdigo-matriz do cinema clssico7 (1985, p. 97-113), no qual Daniel Dayan aborda a importncia da construodoobjetoflmicoequestionaopapeldoespectadornocinemaearelaodeste comasimagensdeumfilme(1985,p.107),poisocinemanopodeserreduzidoaos sistemasdapinturaoudafotografia.Naverdade,asucessocinematogrficadasimagens ameaainterromperoumesmoexporedestruirosistemaderepresentaoqueorientao sistema esttico da pintura e da fotografia, segundo o autor.A variao do ponto de vista narrativo com suas influncias na significao no cinema tambmapontadacomofatoraserinvestigadodemodoquesepossacompreendercomo soestruturadasasimagens.Dayanargumenta(1985,p.112)que,aoassistiraumfilme,o espectador tem a possibilidade de compreendera narrativa coma sucesso de planos, assim, o significado de uma imagem dado retrospectivamente, no se encontra no plano que est no cran, mas to somente na memria do espectador. O que faz com que a compreenso de umfilmeocorranecessariamentepormeiodeumprocessoretroativo,conformeexplicao autor. Entre os estudos de esttica do cinema, tambm se faz necessrio mencionar Estetica del discurso audiovisual (1986), de Luis Fernando Huertas Jimnez, no qual se esclarece que o cinema no pode ser considerado apenas como produto do que seria a soma da imagem ao som,mascomounidadeaudiovisual.Considerandoqueosompossuiimensacapacidade expressiva e poderia ser mais eficaz que a imagem em alguns casos de seu uso nos filmes, sua interveno pode ser decisiva no processo de fruio esttica.Comisso,ocarterdinmicodaimagemflmicaabordadoporJimnez(1986,p. 164)paradefenderqueomovimentoseriaumadasforasvisuaismaisimportantesna experinciahumana,sendoelementopredominantenocinema.Oautorafirmaaindaque aspectoscomooespao,otempo,eomovimento,tratadosseparadamenteemdiversos

7 Publicado originalmente na revista estadunidense Film Quarterly em 1974. 26 estudosarespeitodocinema,precisamserreavaliadosapartirdeabordagens,poisofilme costumava ser considerado como uma soma de diversas partes, no como totalidade. Jimnez explica(1986,p.170)queaspectosformaissofundamentaisparaqualquermeiode expressovisual,especialmenteparaocinema,linguagemnaqualoselementosutilizados nessembitodeterminamosignificadodaobraporcompletoeafetamdecisivamenteseu resultado para o espectador. possvel observar no livro Esttica do cinema, de Grard Betton a colocao (1987, p.01)dequefazerumfilmeorganizarumasriedeelementosespetacularesafimde proporcionar uma viso esttica, objetiva, subjetiva, ou potica do mundo. Dessa forma, so analisados pelo autor os movimentos e ngulos da cmera, a contrao e a dilatao do tempo na narrativa, o cenrio, a iluminao, o figurino,a colocao dos dilogos, o uso da msica, bem como a montagem, que recebe um captulo especial para tratar de suas especificidades.Podemosperceberqueoteatroealiteraturasocomparadosaocinema,masBetton chega concluso de que ambos se tratam de meios de expresso diferentes e que as diversas formasdeexpressoartsticanonecessitamsernecessariamentecomparadas.Omaterial sonoro tambm era considerado bastante relevante (1987, p. 48), auxiliaria na compreenso da narrativa, a msica teria a funo de evocar, sugerir sutil e discretamente, suscitar operaes daconscincianoespectador.Notamosqueautilizaodascoresconcebidacomofator quepodeauxiliarnodesenvolvimentodaaonosfilmes,jquecompeaelaboraoda atmosfera de uma cena. OutrasideiasdiferentespodemserobservadasnotextoemqueJacquesAumont abordaaimagemnotempoeotemponaimagemnaobraAimagem,comoobjetivode criar uma tipologia da categoria do tempo das imagens nas artes considerando (2002, p. 160) que o tempo antes de tudo, do ponto de vista psicolgico, a durao experimentada. Para Aumont,haveriaimagensnotemporalizadas,commodificaesinsensveisparao espectador,eimagenstemporalizadasquesemodificamaolongodotempo,sema intervenodoespectadoreapenaspeloefeitododispositivoqueasproduzeapresenta, como ocorre no cinema.Oautorexemplificaadivisoentreimagemfixaeimagemmvel,imagemnicae imagemmltipla,assimcomoimagemautnomaeimagememsequncia.Sobreoque poderiaserdefinidocomootempodoespectadoreotempodaimagem,Aumontaponta 27 (2002,p.162-163)queoessencialnoconfundirotempoquepertenceimagemcomo que pertence aoespectador, eindica que aoassistir a um filme s se poder permanecer o tempodaprojeodiantedaobra,namedidaemquesetratadeumaimagemdenatureza temporal limitada.Seriaprecisoconsiderarentoquesomenteasimagensapresentadasnotempo mutveisounotmexistnciatemporalintrnseca.Comisso,noseriaaimagema detentoradotempoemsi,masaimagememseudispositivotecnolgico.Osexemplosde imageminstauradanotempocolocadosporAumontsoafotografia,primeiramente,eo cinemacomaparticularidadedecriarsequnciasemmontagem,pois(2002,p.168)o cinema se baseia em uma imagem temporalizada.Considerando que a maioria dos filmes submetida ao processo de montagem antes de ser concludo, tal caracterstica gera a sequencializao de um tempo artificial, sinttico, que relacionablocosdetempono-contguosnarealidade.Atemporalidadeconcebidacomo resultado do artifcio criado pela montagem com a segmentao e continuidade dos planos nos filmes, e a sequncia criada pelas cenas confere ao tempo diegtico a caracterstica planejada pelo diretor em relao estratgia enunciativa. Tambm podemosapontar outras perspectivas em A esttica do filme (2011), obra de Aumonteoutrosautores,naqualforamtratadosaspectosimportantesdaestticadocinema como o espao utilizado na filmagem, a representao sonora, a montagem e a narratividade dos filmes, alm de uma discusso a respeito do conceito de linguagem cinematogrfica e da relao do espectador com o objeto flmico. Entre as diversas teorias de estudo do cinema h a teoria esttica, responsvel por abordar a significao dos filmes e as reflexes a respeito dos fenmenos artsticos, como Aumont indica (2011, p. 15) brevemente: aestticadocinemaapresentadoisaspectos:umavertentegeral,que consideraoefeitoestticoprpriodocinema,eumavertenteespecfica, centrada na anlise de obras particulares: a anlise de filmes ou a crtica no sentidoplenodotermo,talcomoutilizadoemartesplsticasou musicologia. O fato de haver imagens em movimento faz com que seja preciso refletir a respeito da durao e da transformao das narrativas no cinema. A imagem que possui duratividade 28 notempoequepodesetransformardemodoprogressivoouregressivonanarrativa, dependendodalinearidadeoualinearidadediegticaaserconstruda,trata-sedeuma caractersticaespecficadessalinguagem.Consequentemente,odesenvolvimentoda narratividade no cinemateve grande importnciapara que este pudesse ser consideradouma arte.Ocarternarrativodosfilmespodeserconsideradoextracinematogrfico,pois qualquer obra artstica pode express-lo, visto que no se trata de uma caracterstica exclusiva do cinema. Aumont explica que a narrativa flmica considerada em diversas anlises apenas um enunciado, e para tratar da narratividade, o modelo actancial de Greimas sugerido (2011, p.131)comoferramentaadequadaparaainvestigaoesistematizaodaarticulaodos personagens na fico. Segundooautor,arepresentaonalinguagemdocinemabaseadaemquestes tcnicas e estticas, pois a reproduo do movimento e da sonoridade confere duratividade ao tempodofilmenoespaodatelaefazcomquepossaparecerumaartemaisrealistase comparadasoutras,especialmenteapartirdasdiversasinovaestcnicasdaatualidade, comoasnovasdimensesaseremexploradasnarelaodoespectadorcomosfilmes. Consideremos, como exemplo, o realismo do cinema ampliado com as tecnologias do cinema 3De5D,avanosrelativamenterecentesdessarea,queintensificaramaimpressode realidade que pode ser causada pela coerncia do universo diegtico8.Aafirmaoarespeitodaexistnciadeumalinguagemcinematogrfica,como argumentaMichelMarienessamesmaobra(2011,p.157),serviuparaconsagrarocinema como meio de expresso artstica, pois a fim de provar que o cinema era de fato uma arte, era preciso dot-lo de uma linguagem especfica, diferente da linguagem da literatura e do teatro. Assim,tiveramorigemexpressescomocinelngua,gramticadocinema,cine-estilstica e retrica flmica em pesquisas sobre o tema com o intuito de traar um paralelo entre o cinema e as outras artes a fim de melhor defini-lo.

8Comatecnologia3Dutilizadanocinema,usa-seculosespeciaisparaperceberosefeitosdeimagensque parecem sair da tela em direo ao pblico. criada a iluso de volume e de profundidade no filme devido terceira dimenso proporcionada. A ampliao dessa tecnologia se d, por exemplo, com o 5D, considerando que as poltronas dos espectadores so movidas de acordo com o movimento das imagens na tela. Pode tambm haver vento, fumaa,vapor ou bolhas de sabo dentro da sala escura de projeo para criar efeitos mveis e tteis no pblico. 29 MariemencionaquegrandeatenodeveserdadasreflexesdeJeanMitryem Esttiqueetpsychologieducinma(1963),noqualocinemadefinidocomoumaforma esttica, j que possui imagens como matria significante a ser organizada de maneira lgica paragerarumalinguagemconstitudacomosistemadesignosqueproduzempensamentos. Mitryrelacionaocinemacomoutrasartesequestionaombitocriativoemquesepoderia pensararespeitodoverdadeiroautordeumfilme.Encaminhareflexessobrearelao entre palavra e imagem, sobre o ritmo da montagem, a estrutura e a esttica da imagem. Em seusescritosarespeitodaestticadocinema,colocaashiptesesdoqueconsiderava constituirapinturafilmadaetambmasdiferenasentreasartesplsticaseodinamismo da imagem animada no cinema.Comisso,Marieexplica(2011,p.174)queMitrypensaocinemacomoumaforma estticaporconceberqueasimagensconcatenadascomomeiodeexpressoformamum sistemadesignos,tendoemvistaquehumalinguagemcinematogrficamesmoseesta elabora seus significados no a partir de figuras abstratas mais ou menos convencionais, mas pormeiodareproduodorealconcreto,isto,dareproduoanalgicadorealvisuale sonoro.Paraabordaraquestodaheterogeneidadedalinguagemcinematogrfica(2011,p. 192),afirmaqueospioneirosdaestticadocinemanocessavamdereivindicara originalidadedocinemaesuatotalautonomiacomomeiodeexpresso.Seriapreciso, dessarte, considerar que em um filme h propriedades exclusivas do cinema e elementos que podem estar presentes em outras artes.ObservamostambmacolocaodeMarie(2011,p.193-194)dequealinguagem cinematogrficaapresentaumgraudeheterogeneidadeimportante,poiscombinacinco materiaisdiferentes,atrilhadeimagem,omovimento,osletreirosquepodemsubstituiras imagens, a linguagem falada e a trilha sonora, sendo que a trilha sonora veio acrescentar trs novos materiais da expresso: o som fnico, o som musical, e o som analgico (os rudos).Naconclusodeseutexto,enfatizaonicodosaspectosmencionadosque,defato, poderiaserconsideradoumespecficocinematogrfico:aimagememmovimento.Parao autor(2011,p.199),poderamosconstatarqueofilmeseriaolugardeencontrodeum enorme nmero de cdigos no especficos e de um nmero muito mais reduzido decdigos especficos.Dessamaneira,poderamoscompreenderofazercinematogrficoesuprira necessidadedediscernirosfatoresespecficosdoprocessoemqueseconstrisua significao. 30 Aconstantecomparaodeoutrasartescomocinemajrendeudiversos desenvolvimentostericoseanalticos.Porm,possvelobservarquehouvenfase principalmentenaabordagemdasdiferenasentreessasformasartsticas.Hgrande pertinnciaemdesvendarasespecificidadesquesustentamalinguagemdaqualtratamose, com isso, obter encaminhamentos a respeito de seu processo de construo do sentido. Percebemos,emsuma,queosdiversosestudosdeestticacinematogrficabuscaram descreveredefiniramltiplamaterialidadedosobjetosflmicos,suasespecificidadeseas consequncias de seu uso de modo diversificado. No incio do sculo XX, criar uma oposio conceitualentrealinguagemverbalealinguagemcinematogrficatinhafundamental importncia para que se pudesse tratar o cinema como um novo meio de expresso.Considerado inicialmente a arte da imagem, quando os primeiros filmes eram mudos e nopossuamosomdavozdosatores,alinguagemfalada,ocinemarepresentavaemsua expresso a soberania das imagens em relao a outras linguagens em sua totalidade. Com o surgimentodocinemafalado,rejeitadoinicialmentepordiversostericosecineastas,o paradigmadaprimaziadaimagemsemodificou,poisosfilmeseramconcebidosatento como reproduo da realidade ou de um espetculo previamente encenado. A nova tecnologia quepossibilitavaasincronizaodasvozesdosatoressimagensnosfilmesalterou drasticamenteoscaminhosdaindstriadocinema,otrabalhodosdiretoreseaarticulao dessa linguagem. Comtaisapontamentosarespeitodosestudosqueprocuraramdelinearaspectosda estticacinematogrfica,podemosverificarque,naprimeirametadedosculoXX,a montagemeraconsideradaacaractersticaespecficaefundamentaldocinema,foi sistematizadaemdiversosestudosdapoca.Entretanto,podemosentenderqueestaideiase transformou nos escritos sobre esttica do cinema com o passar do tempo. Na segunda metade dosculoXX,novostericospostularamapropriedadedaimagememmovimentocom duratividade no tempo como o verdadeiro especfico flmico.Compreendemos que o objeto final da linguagem cinematogrfica seria composto por uma multiplicidade de linguagens que funcionam em um sistema. Cada uma delas a seu modo podeserarticuladaemanipuladaparaconstruir,juntamentesoutras,asignificao homognea.A complexidade final da linguagem sincrtica possui caractersticas de todas as linguagensconcorrentesquesecolocamaservioumasdasoutras,complementando-se, 31 enriquecendo-seeproporcionandoaoespectadorumaamplaexperinciasensorialde apreciao das diversas linguagens ao mesmo tempo.Verificamos, enfim, que a importncia da teorizao inicial da montagem nos estudos sobre o cinema foi imensa e pode ser encontrada na maioria dos desenvolvimentos tericos e abordagens dos filmes ao longo das dcadas, conforme a linguagem cinematogrfica se tornou maiscomplexa.Assimsendo,notamosqueaimagememmovimento,consagrada posteriormentecomoaprincipalcaractersticaespecficadocinema,foicontempladacom diversosavanostecnolgicosquelheconferiramnovascaractersticasemsuasformasde representao e modificaram consideravelmente a prtica do fazer cinematogrfico. 1.3 A proposta de Christian Metz para anlise da linguagem dos filmes ChristianMetzconsideradootericopioneiroaaplicarconceitosdoestruturalismo em suas reflexes a respeito do mecanismo de funcionamento da linguagem cinematogrfica e compararaorganizaodossignosflmicoscomalinguagemverbal.Conferiremosalguns elementostericostrazidosporsuasideiaseverificaremosdequemaneiraoparadigma estruturalistainfluenciousuapesquisasobreocinema,interferiuemsuapropostadeanlise dos filmes e na consolidao do conceito de linguagem cinematogrfica.NotextoAssemiticasousmias,deCinema,estudosdesemitica9(1973),Metz aborda a importncia do uso da expresso linguagem cinematogrfica pela possibilidade de representaroconjuntodosfenmenosqueessareadeestudostemapossibilidadede investigar. Uma vez que a autonomia do cinema em comparao ao texto verbal enfatizada em sua argumentao, a expresso linguagem cinematogrfica proposta como designao doobjetodeestudodasemiticacinematogrfica,oquecontribuiuparaasolidificao dessa linguagem que se estabelecia.Trataremos mais especificamente do livro A significao no cinema10 (1972), no qual Metz posiciona-se a respeito de temas importantes sobre os quais tericos do cinema h muito

9PublicadooriginalmentenarevistaCommunicationsem1966comottuloLessmiotiques,ousmies-A propos de travaux de Louis Hjelmslev et dAndr Martinet. 10 Lanado em 1968 com o ttulo Essais sur la Signification au cinma. 32 se debruavam. Como podemos observar, para o autor, o movimento considerado a maior diferenaquesepoderiaapreenderentreocinemaeafotografia,tendoemvistaquetal caracterstica(1972,p.20)resultarianondicederealidadesuplementareacorporalidade dosobjetosqueconstriaimpressoderealidadedosfilmes,poisomovimento imaterial,noseofereceaotato,masvisodoespectador.Dessarte,Metzbusca categorizar cenas de filmes e definir termos como cinema, filme, enunciado e lngua para discernir, por exemplo, que a tela do cinema seria o lugar onde se encontra o significante e a diegese seria o mbito do significado de um filme.Notamosqueadistinoentresignificanteesignificado,representadapelostermos mencionados,trata-sedeumatentativadeorganizaraexpressoeocontedodoobjeto cinematogrfico segundo a perspectiva saussuriana a respeito do signo lingustico. H, assim, o intento de explicar o sistema semitico do cinema e fundament-lo como linguagem na qual a arte cinematogrfica se diferenciaria da arte literria ao criar uma sintaxe prpria. Podemos perceber grande esforo terico por parte de Metz para estabelecer e definir uma terminologia quepudesseserutilizadaporaquelesqueelaboravamestudostericossobreocinema, adequada a essa finalidade e diferente dos termos tcnicos consagrados pelos realizadores dos filmes.NocaptuloCinema:lnguaoulinguagem?,oautorabordaodesenvolvimento tcnicoenarrativodesdeocine-lnguaatocinema-linguagem.Percebemosquepara colocarseuposicionamentoarespeitodacondiodocinemacomoumalinguagemsem lngua, diz (1972, p. 60) que para quem encara o cinema sob um ngulo lingustico, difcil noserjogadoconstantementedeumaaoutradasevidnciasentreasquaisserepartemos estudiosos:ocinemaumalinguagem;ocinemainfinitamentediferentedalinguagem verbal.Haveria,dessaforma,limitesparaamanifestaodosaspectosverbaisemumfilme, os quais podem ser ultrapassados a partir da utilizao das imagens. Verificamos a afirmao constantedequeocinemasetratadeumalinguagem.Porm,pensamosqueinvestig-loe procurarcaracteriz-losomenteapartirdosmesmoselementosestruturaisdalinguagem verbal mostra-se um procedimento limitado e at mesmo infrutfero, dependendo do objetivo que se tiver. 33 Entendemos que o autor enfatiza a importncia de analisar o mbito visual dos filmes, mas o principal objetivo colocado na obra qual nos detemos alcanar a anlise e descrio donvelsintticodefuncionamentodalinguagemcinematogrfica,suasarticulaese contribuiesssignificaesdeumfilme.Metzdefende(1972,p.76)queocomponentea serconsideradooespecficocinematogrficosesituarianonveldodiscursoimagtico,e apontou que a especificidade do cinema a presena de uma linguagem que quer se tornar arte no seio de uma arte que, por sua vez, quer se tornar linguagem.Como podemos notar, atribuda grande importncia ao estudo do cinema pela rea da Lingustica,poisoautorcoloca(1972,p.77)queoempreendimentofilmolingstico justifica-se plenamente, de que ele deve ser plenamente lingstico, isto , deve amparar-se firmementenalingusticapropriamentedita.Menciona,ento,agranderelevnciados estudosdeSaussurequeiniciaramaconsolidaodaLingusticacomoacinciada linguagem.Portanto,podemosperceberapertinnciaqueMetzatribuicriaodeuma disciplina que estudasse a paradigmtica, a sintagmtica e a narratividade dos filmes.Segundooautor,umfilmecompostoporunidadessignificantesqueconstroema significao por meio de cinco nveis de codificao com articulao prpria (1972, p. 79): a percepo;oreconhecimentoeidentificaodoselementosvisuaisesonorosqueaparecem natela;oconjuntodossimbolismoseconotaesquesedaosobjetosquenopertencem aos filmes, no interior da cultura; o conjunto das grandes estruturas narrativas; o conjunto dos sistemas propriamente cinematogrficos que organizam em um discurso do tipo especfico os diversoselementosdadosaoespectadorpelosquatronveisprecedentes,queconstituema linguagem cinematogrfica.Podemosconsiderarqueonveldapercepoedoreconhecimentodoselementos visuaissoindividuaisecabemaoespectador.Deoutromodo,onveldoconjuntode simbolismosdosobjetosculturaisseriasocial,eosnveisdasestruturasnarrativasedos sistemas especficos do cinema seriam lingusticos.Para mencionar os nveis do conjunto dos sistemas cinematogrficos e do conjunto das grandes estruturas narrativas de um filme,Metz busca alcanar as unidades significantese criarumarededeelementosqueseoporiamesedefiniriamenquantoestruturade significao, um grupo de unidades que tm valor e que podem ser articulados. O cinema no seria uma lngua, mas uma linguagem formada por posies da cadeia flmica. Ao abordar 34 osconceitosdesignificanteesignificado,expressoecontedonaabordagemtericada linguagem do cinema, o autor argumenta (1972, p. 98) a respeito da importncia de discernir cada um dos termos e seus respectivos usos, como podemos observar: paraquemestudaocinema,apalavraexpressopreciosademais(por oposio asignificao) paraquese lhedo sentido designificante pois issolevariaaumacolisopolissmicabastanteincmoda;nanossa perspectiva,expressonodesignaportantoosignificante,masarelao entreumsignificanteeumsignificado,quandoestarelaointrnseca. (grifos do autor) possvel notar uma tentativa de estabelecer a sintaxe cinematogrfica com a grande sintagmtica da faixa-imagem, pois ao organizar-se como narrativa e possuir procedimentos significantes,ocinematorna-selinguagem.Metzindica(1972,p.142)quenossagrande sintagmticaconsisteemfragmentarofilmeemsegmentosdeumdeterminadonvelde grandeza (grifos do autor).Seria fundamental observar a linguagem cinematogrfica conforme a possibilidade de sua narratividade se desenvolver e conceb-la como sistema produtor de significados passvel desersegmentadoemumaanlisesintagmtica.Ofilmeseriaumconjuntodesequnciase deplanos,degrandesepisdiose,paraconhecersuaestruturaglobal,serianecessrio analisar o objeto em todos seus nveis de pertinncia sucessivamente.Haveriaossegmentosautnomos(1972,p.146),contudo,areferidaautonomiaa caracterizartaiselementosnoquerdizerindependncia,jquecadaumdelessadquire sentidodefinitivoemrelaoaoconjuntodofilme,oqualconstituiosintagmamximodo cinema. Uma imagem a ser isolada poderia ser comparada a uma letra, assim como o plano cinematogrficopalavraeasequnciaflmicafrase,poisessaorganizaosequencialda montagemconstituiriaosintagmaqueseriasemelhanteorganizaodeumafrasedeum texto verbal.Aabordagemanalticadagrandesintagmticatinhacomoobjetivodescrevera tipologiadalinguagemcinematogrfica,considerandoqueousodedeterminadaformade organizaodosplanosdosfilmesteriainclusiveresultadopsicolgicodiferentenos espectadores.Comisso,Metzpropeseumodelodeanlisecomotentativadeisolar 35 importantes figuras sintagmticas para explicar como o cinema se constitui enquanto sistema narrativo,oespaoeotempopoderiamserarticuladospormeiodamontagemdetais segmentos.Agrandesintagmticadofilmeconstituiriatambmumaparadigmticaque escolheriaacombinaoaserfeitaentreumasrielimitadadetiposdecombinaesno sistemasignificantepropriamentecinematogrfico,vistoquealinguagemcinematogrfica definida como um sistema de signos que se opem para gerar a significao de um filme.A respeito da narratividade no cinema (1972, p. 166),coloca que difcil saber se a grandesintagmticadofilmedizrespeitoaocinemaounarraocinematogrfica.Pois todasasunidadesquelevantamospodemseridentificadasnofilmemasemrelaoao enredo(grifosdoautor).Logo,podemosconstataradificuldadequesemprehouveparase discernirosestudosqueconcernemaoselementosverbaisenarrativosdosfilmesdaqueles quetratamdalinguagemcinematogrficaprioritariamenteemseusaspectosformaise materiais, peculiares e abstratos.Avaliamoscomocoerenteaatitudeminuciosadoautordeprocurarestabeleceros princpiosbsicoseparticularesdalinguagemcinematogrfica,pontuarosaspectosque pertenceriamsomentelinguagemdosfilmeseaquelesquetambmpodemserobservados emoutrasartes.Comisso,anarratividadedocinemapodesercompreendidacomoaspecto relevante nas anlises devido importncia que possui na constituio da maioria dos filmes, masimportantelembrarquesomenteocarternarrativonodefineaespecificidadeda linguagem do cinema. Aps investigar os signos comuns dessa linguagem em relao s formas de expresso j existentes, Metz busca refletir sobre a proposta saussuriana de sintagma e paradigma (1972, p.168)esclarecendoquesalingusticageraleasemiologiageral(disciplinasno-normativas, simplesmente analticas) podem oferecer ao estudo da linguagem cinematogrfica modelos metodolgicos adequados.Ao apresentar (1972, p. 170) o quadro geral da grande sintagmtica da faixa-imagem, iniciasuapropostadeanlisesintagmticaedesegmentaodalinguagemcinematogrfica, partindodossegmentosautnomos,paraalcanarossintagmasdediversasdefiniesat alcanaracenaeassequnciasdeumfilme.Alingusticaconsideradapeloautora 36 fundamentao terica mais adequada para se adotar ao analisar o cinema e compreender seu funcionamento enquanto sistema significante (1972, p. 197), como podemos observar: ocinemanuncatevesintaxenemgramticanosentidoprecisoqueestes termostmnalingusticaalgunstericosoacreditaram,oquenoa mesma coisa , mas que ele sempre obedeceu, e ainda hoje obedece, a uma sriedeleissemiolgicasfundamentais,indispensveistransmissode qualquer informao,leissemiolgicasinfinitamentedifceisdeevidenciar, mascujomodelodeveserprocuradodoladodalingusticageralouda semiologia geral, e no da gramtica ou da retrica normativas dos idiomas. Comointuitodelanarumasemiticacinematogrfica,otericoopeedefine elementos que considera relevantes para estabelecer o cinema como linguagem. O mecanismo lingusticopertencentelinguagemverbalpareciasersemelhanteaoqueseobservavanos filmescomaanlisedoprocessodesignificao.Aomencionar(1972,p.212)quea gramticacinematogrficanoconsisteemprescreveroquesedevefilmar,posiciona-se sobre o aspecto gramatical da linguagem do cinema: A distino forma/contedo deve ser, a nosso ver, totalmente rejeitada e s nosparecesatisfatriaasoluopropostapelolingistaLouisHjelmslev, que coloca de um lado osfatos de significado (= contedo) com sua formaesuasubstncia,edooutroosfatosdesignificante(queso erroneamenteconsideradoscomoconstituindoaformaequena terminologiadeHjelmslevconstituemaexpresso),quetmporsuavez uma forma e uma substncia. Sendo assim, notamos que a estratgia mencionada tratava-se de analisar a estrutura da linguagem cinematogrfica como conjunto de signos que articulariam a narrativa. Ao mesmo tempo, esses signos criariam uma sintaxe por meio de segmentos autnomos para demonstrar como tais segmentos estariam organizados entre si e tambm em relao ao sintagma mximo do cinema. Pensamos que a combinao das partes dessa estrutura e a organizao sequencial em que ela poderia se apresentar em seus produtos trata-se do ncleo fundamental do modelo metodolgicodeMetz,umatentativadeanalisarquestesespecificamentecinematogrficas que auxiliassem na compreenso da estrutura de significao nos filmes. 37 No Dicionrio terico e crtico de cinema, Aumont coloca (2007, p. 45) a definio do conceito de cena paraa linguagem cinematogrficae da grande sintagmticaao abordar a cena como unidade de ao, conforme mostra o trecho abaixo: acenadeumfilmeummomentofacilmenteindividualizveldahistria contada (como a seqncia). A grande sintagmtica (Metz, 1968) definiu a cenacomoumadasformaspossveisdesegmentos(=conjuntosdeplanos sucessivos)dafaixaimagem,aquelaquemostraumaaounitriae totalmentecontnua,semelipsenemsaltodeumplanoaoplanoseguinte enquantoaseqnciamostraumaaoseguida,mascomelipses.(Tal definio difcil de ser aplicada, pois no mais das vezes difcil apreciar se de um plano ao plano seguinte, a continuidade temporal perfeita ou no). Podemosverificarqueafragmentaodeumfilmefoiumaestratgiautilizada amplamenteparaquesepudesseanalisarosdetalhesdalinguagemdocinemaecriara possibilidadedeabordarumanarrativaflmicacompleta.Apsaobservaodapropostade anlisedagrandesintagmticadafaixa-imagem,percebemosqueMetzbuscafazerda semiologia do cinema uma cincia utilizando algumas definies saussurianas aplicadas em estudos da linguagem verbal.Comopassardotempo,otratamentodealgumasquestestericasespecficasdo cinema mudaram, porm, as reflexes de um terico como Metz e suas elaboraes analticas contriburamimensamenteparaqueocinemafosseconcebidocomoarteeparaseu estabelecimento como detentor de uma linguagem especfica. Dessa maneira, o cinema passou aserinvestigadocomoumsistemapeculiardevaloresquegerariamasignificaoquando articulados em sintagmas e paradigmas na narrativa diegtica. Aoelaborarseusltimostrabalhos,oautorcolocaqueseumodelodagrande sintagmticapoderiaseraplicvelaumaquantidadelimitadadefilmes,noao funcionamentogeraldalinguagemdocinema,relativizandoassimseusintentosiniciaisde lanar uma anlise totalizante das obras flmicas. Pensar no significadoeno significante das imagens e dos contedos dos filmes foi parte de seu empenho ao analisar a sintagmtica que se estabeleceria aps a construo de uma paradigmtica da narrativa dos filmes. Para Metz, o mecanismolingusticopertencentelinguagemverbalpareciasersemelhanteemalguns aspectosaoqueseobservavanocinemacomaanlisedoprocessodeconstruoda significao. 38 Diferentementedabuscapelaunidademnimadeumaestruturanarrativadosfilmes, peladefiniodasintaxedalinguagemdocinema,oupeladistribuiosintagmticade determinados elementos formais para a montagem dos objetos flmicos, procuramos abordar o sincretismodessalinguagemcomplexaconsiderandoseufuncionamentoenquantosistema sincrtico.Compostoporvariantesevariveisarticuladasdemodoaestruturaremfunes quepodemsetornarfuntivosdenovasfunes,osistemadalinguagemcinematogrfica necessitaterseufuncionamentocompreendidoapartirdoconjuntodelinguagensqueo compemedasrelaesquesepodecriarentreelasparaaconstruodasignificao sincrtica. 39 2.AIMPORTNCIADOPLANODAEXPRESSO PARA OS ESTUDOS SEMITICOS A linguagem inseparvel do homem e segue-o em todos os seus atos. ___________________Louis Hjelmslev 40 2.1 Semitica visual e seus fundamentos Neste captulo, nosso objetivo abordar a importncia do plano da expresso para os estudos semiticos de modo a destacar, primeiramente, alguns princpios da semitica visual.Emseguida,apresentaremosdeterminadosestudosdeJean-MarieFloche,finalmente, pontuaremos pesquisas at aqui empreendidas no campo da semitica sincrtica. Osestudosdesemiticavisualderivadosdateoriagreimasianadesenvolvem metodologias de anlise e descrio dos sistemas de significao visuais, tendo em vista que osobjetosplsticossoconsideradossignificantes.Nessalinhadepesquisadadanfase maioraoselementosdoplanodaexpressoesuaimportncianaconstruodosobjetosde anlise. Ento, h o objetivo de descrever de modo geral como se d a gerao de sentido em textosverbovisuais,pictricos,fotogrficoseaudiovisuais,porexemplo,afimdeabarcar com os seus modelos operatrios a anlise de objetos complexos.Essaabordagemtericadedica-sedescriodoplanodaexpressodemodoa preservaracoernciadesuadescriocomaquelavoltadaaoplanodocontedodeseus objetosdeanlise.Talestratgiaacionadapelofatodehavermaisdoqueapenasa colaboraoparcial,masdeseratribudagrandeimportnciadoplanodaexpressono processo de construo do sentido e pela relevncia de suas relaes com o plano do contedo na significao. Dessa maneira, a semitica visual considera os objetos semissimblicos com suas especificidades por meio da juno e homologao de elementos do plano do contedo e do plano da expresso. Assemiticasvisuais,comoafotografiaeapintura,soalgunsdosmodosde realizao dos sistemas semissimblicos, aqueles que se definem pelaconformidade entre as categoriasdoplanodaexpressoedoplanodocontedo,osdoisplanosdalinguagem presentes na construo da significao.Comapropostadeumaanlisesemissimblica,coloca-sequeaorganizaoda significaonoocorresimplesmentecomadisposiodeunidadesisoladas,maspormeio darelaoqueseestabeleceentreascategoriasdosdoisplanosquesecaracterizamcomo homologveisentresi.Portanto,soelaboradasanlisesdoplanodaexpressodas 41 manifestaesvisuais,desuadimensosignificanteesoexploradasasestruturasdalgica do sensvel para que se possa descrever a articulao do plano da expresso nos textos.EmseuensaioSemiticafigurativaesemiticaplstica,deSemiticaplstica, Greimasapontouosformantesfigurativos(2004,p.91)comoindicadoresdeorientaodo texto plstico: Ao falar do dispositivo topolgico que desencadeia como consequncia o ato deenunciao plstica, fomoslevados a conferir-lhe,ao lado de sua funo desegmentao,opapeldeorientaodaleitura:comefeito,osdiferentes eixosqueesseatoprojetasobreasuperfcieenquadradapodemser considerados como outrostantosconvites areunir as figuras a constitudas em conjuntos significativos. Paraquesejapossvelcompreenderascondiestopolgicasdeleituradosobjetos plsticospormeiodofechamentodoobjetoinstauradopeloartista,Greimasexplicaque uma obra de suporte planar ter em suas categorias topolgicas o contrato pressuposto entre oenunciador-produtoreoenunciatrio-leitordasignificaodoobjetoplstico.Assim,a capacidade por parte do enunciatrio-leitor de exercer a funo de segmentao da obra diante de sua fruio se deveria especialmente aoauxlio dado pelo dispositivo topolgico com sua funo de orientar a leitura do objeto artstico e indicar a orientao do texto plstico para sua anlise e apreenso. Humatendncianosestudossemiticosdeampliarateoriapormeiodeum repertrio analtico de corpus das artes plsticas, da fotografia, do audiovisual e at mesmo de imagenscientficas,sistemasdesignificaosemissimblicosesincrticos.Comisso, procura-seelaboraranlisesnasquaisoplanodaexpressoestrelacionadoaocontedode modo relevante, contribuindo de maneira singular com a construo da significao.Pensamosqueamaneiramaisadequadaderealizaroestudodocinemacomos conceitosdateoriasemiticaseriapormeiodavalorizaodoplanodaexpressodos sistemas de significao complexos, as semiticas sincrticas, de acordo com o arranjo criado entreaslinguagensparticipantesdosistemadesincretizao.Paraqueosfilmespossamser abordadosdeformaabrangente,considerandoasespecificidadesdesualinguagem, necessrio que dois mbitos da construo do sentido sejam analisados, o percurso imanente 42 doplanodocontedoeascaractersticaspeculiaresdoplanodaexpresso.Aseguir, procuraremosabordaralgumaspesquisasqueseguemessaideiadevalorizaodoplanoda expresso e apontam certos caminhos os quais devem ser considerados para melhor situar as bases tericas de nossa pesquisa. 2.2 Contribuies tericas e analticas de Jean-Marie Floch Umdosprincipaisfundadoresdasemiticavisual,Jean-MarieFlochprocuroufazer comqueoconceitodetextosincrticosetornassemaisprecisodemodoarelacion-lo intrinsecamentecomofenmenodosincretismo,noqualhumtododesignificao manifestadopordiferentessubstnciasdaexpresso.Abordaremospartedeseupercurso investigativocomointentodeperseguirosdesenvolvimentosdadossemiticavisuales semiticas sincrticas. EncontramosnarevistaLeBulletin(1978,p.01-16),umdeseusprimeirostextos sobre semitica visual, Quelques positions pour une smiotique visuelle, no qual Floch diz queessateoriasecolocacomoumasemiticadotextoaconstruir.Noserelaconcebida como mera concatenao de enunciados, mas como globalidade primeira que se articula e se decompeemunidades.Todaanlisesemiticapostulariaumsistemaaconstruir,nouma gramticaparticularacadatextoouobjetovisual.Flochprope-seapesquisarosistema globalqueestruturaasignificaodosobjetosvisuais,e,emseustrabalhos,analisatextos no-verbais no nvel do enunciado.Pode-serepararque,desdeoincio,oautorrejeitavaaideiadequenosincretismo ocorreria apenas a juno de alguns enunciados, como uma unio sem propsito. Afirma que, seanalisadocomoprocessoglobalpassveldesedecomporemunidadesmenorese significantes, o sincretismo poderia ser concebido como processo significante global. Logo, as unidades visuais dos objetos de anlise poderiam ser as linhas, as superfcies ou as cores que teriam determinados efeitos de sentido conforme seu arranjo sincrtico.ObservamosoutrosdesenvolvimentosnarevistaActessmiotiques-bulletin(1983,p. 03-08), edio coordenada por Floch, com o texto Stratgies de communication syncrtique 43 et procedures de syncrtisation. O semioticista defende que o filme um objeto sincrtico e explica que as semiticas sincrticas se caracterizam por lanar mo de mltiplas linguagens demanifestao,constituemseuplanodaexpressocomelementospertencentesadiversas semiticas heterogneas. Nesse texto, enfatizada a necessidade de compreender as regras de distribuio do sincretismo em diversas linguagens, suas funes e os estatutos que a elas so atribudos. Alm disso, indicado o problema causado pela ausncia de uma metalinguagem semiticadescritivaparaostextossincrticoseoconsequenteusodalinguagemtcnicade diretores e produtores de cinema para os estudos da narrativa flmica. Arespeitodosincretismo,soapresentadosdoiseixosdepesquisapossveis,sendo queoprimeirorefere-sesestratgiastextuaisdecomunicaosincrtica.Segundooautor, nobastariaapenasenumeraraslinguagensdoenunciadosincrtico,poisorecursoda pluralidadedelinguagensdemanifestaoparaconstituirumtextosincrticoconsistiriaem umaestratgiaglobaldecomunicao.Estagerariaocontedodiscursivoresultanteda textualizao,vistoquealinearidadedotextoseriaconcretizadaemsuasmanifestaes temporaiseespaciais.ParaFloch,aestratgiasincrticapertenceriacompetncia discursivadoenunciadoreseriacompreendidacomocomponentedoplanodocontedodo texto sincrtico.O segundo eixo de pesquisa trataria dos procedimentos de sincretizao que situariam aanlisenoplanodaexpressodotexto.Isto,serianecessriocompreenderaescolhade determinada superposio ou ligao entre as linguagens que constituem o plano da expresso nosincretismo.Dessarte,Flochsugerequeumestudodoplanodaexpressodassemiticas sincrticasfeitoisoladamenteemrelaoaoplanodocontedodeveriaserelaboradopara determinarasregras,osprocedimentoseascondiesdasincretizaocomaintegraode diversas linguagens em um plano de expresso sincrtico. Podemosperceberque,dentreasduaslinhasdepesquisamencionadas,aquelaque teve posteriormente maior nmero de estudos desenvolvidos em sua direo e atraiu a ateno dosinvestigadoresdosincretismofoiaelaboraodeteoriasarespeitodasincretizao,a segundapropostadeFloch.Estaconsiderava(1983,p.07-08)doismodospossveisde discernir a sincretizao: por meio das sincretizaes de ordem paradigmtica, que organizam correspondnciasentreasunidadesdasdiferentescadeiasdaexpressodaslinguagens sincretizadas,comoseconstituiriamossincretismosporsinestesia;ouentopormeiodas sincretizaesdeordemsintagmtica,queestariamemumatopologizaodoenunciadoem 44 relaoaoenunciatrioeorientariaasleiturasnointeriordeumaapreensosimultneado significante global.SobreosprocedimentosdesincretizaoqueFlochprocuroudescrever,podemos notarqueaimportnciaconcedidaaoplanodaexpressofoifundamentalparao desenvolvimentodocampodeestudosdasemiticavisual,assimcomoaindicaodeque serianecessrioverificarcomosedavaaintegraodasdiversaslinguagensnoplanoda expresso sincrtico. As hipteses de sincretizaes paradigmticas e sintagmticas buscaram sistematizararelaoentreasdiversaslinguagensnosincretismo,sejapelamisturados diversosmodosdeexpresso,asinestesia,sejapelaorganizaotopolgicadoenunciado visual que poderia orientar a significao homognea a ser obtida pelo enunciatrio. Evoluindo suas pesquisas em seu Petites mythologies de loeil et de lesprit: pour une smiotique plastique (1985), Floch prope um modelo semissimblico de anlise da semitica visual.Exemplifica-ocomaplicaesemdiversosobjetoscomofotografias,pinturas, histriasemquadrinhos,construesarquitetnicaseannciospublicitrios,almdetecer consideraessobreaspropostasdeRolandBarthesarespeitodaanlisedasimagens. colocado,assim,queemumobjetovisualosformantesfigurativosreferem-sesfigurasdo mundonatural,poisapartirdelaspodemosobservarostemassubjacentesnoplanodo contedo. Deoutromodo,osformantesplsticosestariamrelacionadossestratgiasde percepodosensvelnoplanodaexpressoeinstaurariamumasintagmticatextualda expresso;soformantesqueconstruiriamoplanodaexpressovisual.Asfigurasdo contedoreferem-se,portanto,aomundonatural,enquantoqueasfigurasdeexpressoso categoriasqueapontamcorrespondnciascomopercursofigurativodocontedoe homologam-seaele;nohaveria,ento,ummesmocontedoparavriosplanosde expresso.NocaptuloUnNidConfortable,deBenjaminRabier(1985,p.79-98),Floch argumenta novamente a respeito da conformidade que se deve estabelecer entre as categorias daexpressoedocontedonaanlisesemissimblica.Consequentemente,asemitica plstica seria um dos modos de anlise da realizao de sistemas semissimblicos quando se estabelece uma relao entre a figuratividade de um texto ou de uma imagem com o contedo asermanifestado.Otericoesclarecequeoconceitodosincretismodizrespeito 45 manifestaodeumobjetopormuitaslinguagensaomesmotempoeoexemplificacoma anlisedehistriasemquadrinhos,umacomposiodetextosarticuladoscomimagens. Dessamaneira,afirmaqueoobjetivodeseusestudosanalisarocdigosemissimblicoe sua importncia na manipulao do leitor para os efeitos de significao. Observamos que, segundo a evoluo de suas pesquisas, o semioticista francs (1985, p.206-207)propequeossistemasdesignificaodalinguagempodemserdistribudosda seguinte maneira: (i) sistemas simblicos, nos quais a relao entre os planos da expresso e do contedo ocorrem termo a termo,em que hconformidade total entre os dois planos;(ii) sistemas semiticos que se definem pela no-conformidade entre os planos do contedo e da expresso,e(iii)sistemassemissimblicos,queseconstroemcomaconformidadeentre categoriasdoplanodocontedoecategoriasdoplanodaexpressoquepodemser sistematizadas.Os objetos plsticos, aqueles dos quais podemos depreender sistemas semissimblicos designificao,soselecionadosparaseanalisaredescrevercomminciaapartirda homologao ocorrida entre os planos do contedo e da expresso. Floch observa ainda que possvelestudarosprocedimentospelosquaisosespectadoressomanipuladosnocinema pormeiodasestratgiasutilizadaspelocineasta.Poderamosconstatarafruio proporcionadapelacompreensodofilmeporpartedoespectador,poisomtodode significao seria derivado de um cdigo semissimblico da dimenso figurativa da narrativa.Para Floch, seria importante investigar a linguagem cinematogrfica e seu alcance na significaodeumanarrativaaoanalisarosdiferentesartifciosdoscineastaspara manipulaodoespectador.EmseucaptuloLcritureetledessindeRolandBarthes (1985,p.99-115),propostaumareflexoarespeitodasinestesiasemissimblica sincrticaedadiferenaexistenteentreosincretismoparadigmtico,queseriareferenteao plano do contedo e colocaria diferentes materialidades em relao, como a intertextualidade easinestesia,edeoutromodo,osincretismosintagmtico,queestabeleceriaacorrelao entre os planos de expresso de ordem distintas, j que haveria um eixo de combinao entre as diferentes semiticas sincretizadas.NaperspectivadeumbalanoarespeitodaspesquisasdeFlochacercadasemitica visual,consideramosqueseusavanosforamfundamentaiseofereceramencaminhamentos cruciaissobreomodocomoelaboraranlisesdeobjetosplsticosesemissimblicos.No 46 entanto,pensamosqueparaumaabordagemsemiticaampladalinguagemsincrticado cinemaencontramosalgumaslimitaesnessavertenteeprecisamospercorreroutros caminhos para buscar novas maneiras de analisar o objeto flmico. Procuramos afirmar a concepo de um sistema sincrtico para a abordagem semitica da linguagem do cinema e propor um modo de anlise de seus produtos contemplando todas as linguagens participantes da sincretizao. Notamos que aps a reviso de alguns conceitos dasemiticavisual,necessrioavanaremdireoaalgunstrabalhosjelaboradosa respeitodofenmenodosincretismoparaquepossamosnosposicionardemaneiramais consistente. 2.3 Definies de sincretismo: contrastes entre o texto sincrtico e a linguagem sincrtica Arespeitodofenmenosemiticodosincretismoedopercursodaspesquisasqueo abordaram,mencionaremossuasprincipaisacepes,provenientesdeHjelmslev(1975), Greimas e Courts (1979), Beividas (1983) e Floch (1986), sem nos aprofundar demasiado na reproduodecadaumadelasnestetrabalho,poisoutrosautores,comoFiorin(2009)e Beividas (2012) j o fizeram de modo minucioso. Iremos nos fiar principalmente s revises feitas por esses dois ltimos tericos a fim de prosseguir nossa investigao com a definio do fenmeno sincrtico que mais se adequa ao nosso objetivo 11. Nos Prolegmenos a uma teoria da linguagem (1975), Hjelmslev dedicaum captulo inteiroaosincretismo.Emsntese,indicaquenosincretismocdigosdenaturezadistinta combinam-se, compatibilizam-se para ser suporte da manifestao da significao, sendo seus co-produtores.Entretanto,comoafirmaBeividas(2012,p.02),aspesquisasquetrataram posteriormente das linguagens complexas pouco ou nada utilizaram integralmente o conceito hjelmsleviano. Elaboradaposteriormente,adefiniodesincretismodadaporGreimaseCourtsno Smiotique:dictionnaireraisonedelathoriedulangage(1979,p.374)apontaqueo sincretismo das linguagens complexas o procedimento (ou o seu resultado) que consiste em

11 A data mencionada da dissertao de Beividas trata-se do ano de sua defesa, entretanto, a divulgao da verso online do texto deu-se em 2006, como consta na bibliografia de nosso trabalho. 47 estabelecer,porsuperposio,umarelaoentredois(ouvrios)termosoucategorias heterogneas,cobrindo-oscomoauxliodeumagrandezasemitica(oulingustica)queos rene.Asegundaacepodotermo(1979,p.375)abordaassemiticassincrticaseser exploradaem nossa pesquisa.Indica quesero consideradas sincrticasas semiticas que tal como a pera ou o cinema empregam vrias linguagens de manifestao. O sincretismo estabelecidocomoprocedimentodeterminadoporumarelaoentredoistermosou categorias heterogneas integradas com o auxlio de uma grandeza semitica. EmseuartigoOlugardosincretismonaslinguagensmulticdicas(2012),noitem OsincretismosegundoBeividas,oautorcolocasuamaneiradecompreenderofenmeno sincrticonalinguagemcinematogrfica,rememorandoalgunsconceitosexpostosemsua dissertaointituladaSemiticassincrticas(ocinema).Posies(1983).Dessaforma, procura explicar (2012, p. 08) o modo de imbricao e compatibilizao (de sincretismo) dos vrioscdigosoperantesnumalinguagemcomplexacomoadocinema,emdoiseixos:o mododepresena(paradigmtica)simultneadoscdigosenvolvidoseseumodode funcionamento(encadeamentosintagmtico).Nonveldamanifestao,compreendido comoestruturademanifestao,ocorreriaosincretismodaslinguagenscomplexas, fenmenoquereceberiamaioratenoparaquesepudessecompreenderasincretizaoea entrada do plano da expresso no jogo da significao.A estrutura de manifestao, instncia que presentificaria a forma na substncia, seria (2012,p.08-09)umconjuntodearticulaesomaisprximo,porassimdizer,doatode semiose,dafunosemitica,solidariedadeentrecontedoeexpresso.Aentradada expressointroduzportantoascoeresdesseplano,substantificadapelaformada expresso.Porisso,paraBeividas(2012,p.12),osincretismoseprestaaumaorientao analtica,descritivaaopreservaraautonomiadoselementosparticipantese,aomesmo tempo, a uma orientao de sntese, de leitura assegurando a unicidade global do significado da linguagem manifestante. Porsuavez,Flochprocurareformularadefiniodoconceitodesemiticas sincrticasnosegundotomodoSmiotique:dictionnaireraisonedelathoriedulangage, noqualexplica(1986,p.217-219)queassemiticassincrticasconstituemseuplanode expressocomelementosdependentesdevriassemiticasheterogneaseconstituemum 48 todo de significao, jque hsomente um contedo manifestado por diferentes substncias daexpresso.Asincretizaoabordadacomomecanismodeenunciaoeosemioticista francstratadeobjetosquenomeiatextossincrticosemsuaspesquisas;noseguea vertente de investigao de linguagens sincrticas, comose tem em uma das definies de Greimas e Courts.AssemiticassincrticassodefinidasporFlochdemodoaapontarquehaveriaum contedo para vrias expresses. Portanto, no haveria uma enunciao para cada linguagem nosincretismo,poisumanicaenunciaosincrticaseriarealizadaporummesmo enunciadorqueutilizariadiversaslinguagensdemanifestaoparaqueumtextosincrtico fosseproduzido.Porm,pensamosqueessaorganizaotendeaignorarosemantismodo plano da expresso, que, como veremos a seguir, fundamental na sincretizao.A pluralidade das formas de manifestao do sincretismo faz com que nas pesquisas a seurespeitohajagrandediversidadenatipologiadaslinguagens.Estasso,ento, classificadas como simblicas, icnicas, olfativas, auditivas, tteis, visuais, verbais, gestuais e gustativas,porexemplo,deacordocomonmerodereferentesedecanaissensoriaisde transmisso, fundamentando-se tambm na substncia dos significantes.ComoafirmaJosLuizFiorin(2009,p.37)emseutextoParaumadefiniodas linguagenssincrticas,importantelembrarquenassemiticassincrticas,osincretismo nosomentedocontedo,mastambmdaformadaexpresso.enfatizadaa importnciadeseobservarosdesenvolvimentoshjelmslevianosarespeitodafuno semiticaedeseusfuntivosparaquesejapossvelcompreenderdemodoamploos fenmenos sincrticos e sua significao homognea, o que pretendemos elaborar adiante em nosso trabalho.Pensamosquehgranderelevnciaemverificaramaneiracomoosincretismo influencia o revestimento figurativo dos objetos sincrticos, pois os planos do contedo e da expresso,organizadosdemododiversoentreaslinguagenssincretizadas,podemoferecer diferentesresultadossignificaoglobal.Apsestabelecerummtodoparatalanlise, poderemos observar como o percurso figurativo pode ser manifestado, assim como a relao entre as linguagens participantes do sincretismo.Dessaforma,assemiticassincrticassodefinidascomolinguagenscomplexasnas quaishunicidadenosentidomanifestadopordiferentessemiticassimultaneamente.Tais 49 linguagenspodemcontemplardeterminadosmeiosdeexpressocomojornais,revistas, propagandaspublicitrias,programasdeteleviso,videoclips,peasrepresentadasnoteatro, filmes,etc.Nossapesquisavisaaestabelecermaisespecificamenteoconceitodesemitica si