4
FALA 1: SOBRE NELSON RODRIGUES Teatrólogo brasileiro nascido em Recife, PE, considerado criador de uma obra revolucionária, um divisor de águas para o teatro brasileiro. Ainda muito jovem, iniciou-se no jornalismo, em “A Manhã e A Crítica”, jornais sensacionalistas de seu pai, Mário Rodrigues. Uma tragédia familiar, o homicídio premeditado, na redação de “A Crítica”, de seu irmão Roberto, e a tuberculose, deixariam para sempre marcas em sua personalidade e sua obra. Estreou a primeira de suas peças, A mulher sem pecado (1942), escrita em 1941, e alcançou fama em 1943, com a montagem de Vestido de noiva, por Zbigniew Ziembinski, quando passou a ser considerado pela crítica o fundador do moderno teatro brasileiro. Outras de suas peças foram: Álbum de família (1946), Anjo negro (1947), Senhora dos afogados (1947), Dorotéia (1949), Valsa nº 6 (1951), A falecida (1953), Perdoa-me por me traíres (1957), Viúva, porém honesta (1957), Os sete gatinhos (1958), Boca de ouro (1959), Beijo no asfalto (1960), Bonitinha, mas ordinária (1962), Toda nudez será castigada (1965), Anti-Nelson Rodrigues (1973) e A serpente (1978). Muitas delas transformadas em filmes e minisséries. Além da obra para teatro, escreveu nove romances, entre eles Meu destino é pecar (1944) e O casamento (1966), a maioria com o pseudônimo de Suzana Flag . Infatigável, manteve em Última Hora uma coluna diária. Torcedor apaixonado pelo Fluminense, escreveu também crônicas sobre futebol até sua morte no Rio de Janeiro, onde criou o personagem Sobrenatural de Almeida , para justificar lances e acontecimentos inexplicáveis. FALA 2: SOBRE A OBRA EM QUESTÃO (PARTE1) Em uma de seus milhares de princípios de conduta, Nelson Rodrigues afirmou: "É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez".

Nelson Rodrigues - Senhora dos afogados

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Nelson Rodrigues - Senhora dos afogados

FALA 1: SOBRE NELSON RODRIGUES

Teatrólogo brasileiro nascido em Recife, PE, considerado criador de uma obra revolucionária, um divisor de águas para o teatro brasileiro. Ainda muito jovem, iniciou-se no jornalismo, em “A Manhã e A Crítica”, jornais sensacionalistas de seu pai, Mário Rodrigues. Uma tragédia familiar, o homicídio premeditado, na redação de “A Crítica”, de seu irmão Roberto, e a tuberculose, deixariam para sempre marcas em sua personalidade e sua obra.

Estreou a primeira de suas peças, A mulher sem pecado (1942), escrita em 1941, e alcançou fama em 1943, com a montagem de Vestido de noiva, por Zbigniew Ziembinski, quando passou a ser considerado pela crítica o fundador do moderno teatro brasileiro. Outras de suas peças foram: Álbum de família (1946), Anjo negro (1947), Senhora dos afogados (1947), Dorotéia (1949), Valsa nº 6 (1951), A falecida (1953), Perdoa-me por me traíres (1957), Viúva, porém honesta (1957), Os sete gatinhos (1958), Boca de ouro (1959), Beijo no asfalto (1960), Bonitinha, mas ordinária (1962), Toda nudez será castigada (1965), Anti-Nelson Rodrigues (1973) e A serpente (1978).

Muitas delas transformadas em filmes e minisséries.Além da obra para teatro, escreveu nove romances, entre eles Meu destino é pecar

(1944) e O casamento (1966), a maioria com o pseudônimo de Suzana Flag. Infatigável, manteve em Última Hora uma coluna diária.

Torcedor apaixonado pelo Fluminense, escreveu também crônicas sobre futebol até sua morte no Rio de Janeiro, onde criou o personagem Sobrenatural de Almeida, para justificar lances e acontecimentos inexplicáveis.

FALA 2: SOBRE A OBRA EM QUESTÃO (PARTE1)

Em uma de seus milhares de princípios de conduta, Nelson Rodrigues afirmou: "É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez".

No espetáculo Senhora dos Afogados, há um predomínio da face hedionda sobre a linda. O próprio autor inclui a obra no grupo de peças “pestilentas, fétidas, capazes, por si sós, de produzir o tifo e a malária na platéia”.

Senhora dos Afogados reúne mitos da Grécia Antiga e da cultura brasileira (como ocorreu com as que a precederam: Anjo Negro e Álbum de Família, e também Dorotéia, que a sucedeu.) para contar a história de uma família que vê suas mulheres morrerem afogadas no mar. A peça mostra como uma fatalidade leva à desestruturação de toda a família.

Escrita em 1947, foi censurada e interditada pela justiça e só liberada em 1953. Após a liberação chegou a ser ensaiada pelo TBC, sob a direção de Ziembinski, mas foi rejeitada após duas semanas de ensaios. Em 1954 foi montada no Teatro Municipal sob a direção de Bibi Ferreira com Nathália Timberg e Sônia Oiticica nos papéis principais. E logo na sua estreia, (o espetáculo foi censurado pelo governo de Getúlio Vargas e só liberado, após Otto Lara Resende, melhor amigo de Rodrigues, ter uma conversa com Tancredo Neves, então ministro

Page 2: Nelson Rodrigues - Senhora dos afogados

da Justiça), Senhora dos Afogados empesteou, com indignação, grande parte do público presente no Municipal carioca.

FALA 3: SOBRE A OBRA EM QUESTÃO (PARTE3)

Senhora dos Afogados, caracterizada pelo autor como uma tragédia, tem três atos e seis quadros. Todos acontecem na casa da família Drummond, com exceção do 1° quadro do 3° ato, inteiramente dentro de um prostíbulo no cais. Toda a tragédia acontece em pouco mais de um dia, sugerindo a ideia do autor de reduzir ao máximo os detalhes realistas da narrativa para produzir maior impacto. Em Senhora dos Afogados, talvez por ser seu último texto mítico, Nelson Rodrigues liberta-se ainda mais dos detalhes referentes a tempo e lugar. Há um nível de abstração maior do que nas suas outras peças.

Na obra, sem local e tempo definidos (artifício para reduzir o realismo), é explorado o atrito entre impulso vital e convenção social. Morte, paixão desmedida, incesto, adultério e vingança convivem lado a lado, numa atmosfera tétrica e alucinatória.

A ação se passa num cortejo fúnebre, em que a família Drummond vela o falecimento da caçula Clarinha, morta afogada, assim como sua irmã Dora. No mesmo dia, Misael e Dona Eduarda completam 19 anos de casamento e um coro de damas do cais, rezando e cantando alto, homenageiam uma prostituta morta também há 19 anos.

Durante o velório são expostas as fraquezas e os desejos dos personagens. Misael, acusado (e amaldiçoado) pelas mulheres do cais pela morte da meretriz, sempre teve uma enorme adoração pelas filhas - em especial por Moema, com quem tem uma relação incestuosa - contrastando com a indiferença que tem para com Eduarda.

A esposa, por sua vez, frustra-se pela falta de amor e carinho do marido, apesar de também não amá-lo. Ela não resiste às provocações do noivo da filha Moema e se envolve com o rapaz.

FALA 4: SOBRE A OBRA EM QUESTÃO (PARTE5)

Paulo, o primogênito, ama a mãe de forma incondicional, numa mistura de amor infantil e incesto. Odeia o pai por ele já ter possuído a sua mãe, mas cobra fidelidade e seriedade de Eduarda. O jovem, na verdade, é apaixonado mais pela figura materna, do que pela mãe em si.

Já Moema, a personagem mais contraditória, ora fria ao extremo, ora raivosa, é perdidamente apaixonada pelo pai. Descobre a traição do noivo com a própria mãe, mas guarda em segredo, esperando o momento certo para contar tudo a Misael. Nutre um ódio mortal pela mãe e detesta as próprias mãos, porque estas são iguais as de Eduarda.

O noivo de Moema, provável filho da prostituta assassinada com Misael, quer vingar a morte da suposta mãe a todo custo. Louco, insano, deus das mulheres da vida, tem o corpo inteiro tatuado com o nome da mãe. Veio ao mundo para amaldiçoar a família Drummond.

Apesar de tudo, a avó exige respeito aos 300 anos de tradição dos Drummond. Louca e passiva, considera Eduarda uma estrangeira na casa e vê em Moema o futuro da família. Odeia o mar (e quer que ele vá para outro lugar) por achar que ele é o inimigo dos Drummond.

No ambiente tenso e claustrofóbico da casa, todos os personagens vivem num clima de desconfiança, à espera da morte pela mão de um dos familiares. Os outros personagens da trama são vizinhos, comerciantes, prostitutas, entre outros, que vasculham a intimidade dos Drummond.

FALA 5: SOBRE A OBRA EM QUESTÃO (PARTE5)

Page 3: Nelson Rodrigues - Senhora dos afogados

Um diferencial significativo de Senhora dos Afogados é a presença do coro. Nesta peça, o grupo adquire uma importância ímpar na obra de Nelson Rodrigues. Acumulando múltiplas funções, o coro de vizinhos faz comentários triviais, usa lugares-comuns, repassa informações importantes à plateia e carrega o cenário. Em determinadas cenas, o coro conversa com as personagens e chega até mesmo a tentar convencer Moema da personalidade esquisita de seu noivo.

Em outro momento, o coro de vizinhos tampa o rosto com as mãos para mostrar que não está participando da cena. Quando Misael e a mulher vão para o leito, por exemplo, o coro coloca um biombo para resguardar a intimidade da alcova. Não demora muito e eles sobem em cadeiras para espiar a cena, como os tantos fofoqueiros retratados pelo dramaturgo. Outro dado curioso do grupo é que o rosto original deles é uma máscara. Quando tiram, dona Eduarda pede para eles mostrarem suas faces reais.

Enquanto alguns aplaudiam entusiasticamente a apresentação - estrelada por Nathália Timberg e dirigida por Bibi Ferreira - chamando Nelson de genial, outros disparavam contra o autor, qualificando-o de tarado. Surpreso, apesar de tudo, ele subiu no palco e retrucou: “Burros! Burros!”. E no camarim, ainda teria dito: “a estrela está no céu. Quem não vê, não vê. Mas ela brilha do mesmo jeito”.