Nelson Saldanha - História das Idéias Políticas no Brasil

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    Histria das Idias Polticas no Brasil 3

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    HISTRIA DAS IDIASPOLTICAS NO BRASIL

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    4 Nelson Nogueira Saldanha

    Mesa DiretoraBinio 1999/ 2000

    Senador Antonio Carlos MagalhesPresidente

    Senador Geraldo Melo

    1oVice-Presidente

    Senador Ronaldo Cunha Lima

    1o Secretrio

    Senador Nabor Jnior

    3o Secretrio

    Senador Ademir Andrade

    2oVice-Presidente

    Senador Carlos Patrocnio

    2o Secretrio

    Senador Casildo Maldaner

    4o Secretrio

    Senador Eduardo SuplicySenador Jonas Pinheiro

    Suplentes deSecretrio

    Senador Ldio CoelhoSenadora Marluce Pinto

    Conselho Editorial

    Senador Lcio Alcntara

    Presidente

    Joaquim Campelo Marques

    Vice-Presidente

    Conselheiros

    Carlos Henrique Cardim Carlyle Coutinho Madruga

    Raimundo Pontes Cunha Neto

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    Histria das Idias Polticas no Brasil 5

    Coleo Biblioteca Bsica Brasileira

    HISTRIA DASIDIASPOLTICAS NOBRASIL

    Braslia 2001

    Nelson Nogueira Saldanha

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    6 Nelson Nogueira Saldanha

    COLEO BIBLIOTECA BSICA BRASILEIRAO Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em 31 de janeiro de 1997,buscar editar, sempre, obras de valor histrico e cultural e de importncia relevante para acompreenso da histria poltica, econmica e social do Brasil e reflexo sobre os destinos do Pas.

    COLEO BIBLIOTECA BSICA BRASILEIRA

    A Querela do Estatismo, de Antnio Paim

    Minha Formao, de Joaquim NabucoA Poltica Exterior do Imprio(3 vols.),de J. Pandi CalgerasO Brasil Social, de Slvio RomeroOs Sertes,de Euclides da CunhaCaptulos deHistria Colonial, de Capistrano de AbreuInstituies Polticas Brasileiras, de Oliveira VianaA Cultura Brasileira,de Fernando AzevedoA Organizao Nacional, de Alberto TorresDeodoro: Subsdios para a Histria,de Ernesto Sena

    Rodrigues Alves Apogeu eDeclnio do Presidencialismo(2 vols.), de Afonso Arinos de Melo FrancoRui O Estadista da Repblica,de Joo MangabeiraEleio eRepresentao, de Gilberto AmadoFranqueza da Indstria, de Visconde de CairuDicionrio Biobibliogrfico deAutores Brasileiros, organizado pelo Centro de Documentao doPensamento Brasileiro

    Pensamento eAo deRui Barbosa Fundao Casa de Rui BarbosaA renncia deJnio, de Carlos Castello BrancoJoaquimNabuco: revolucionrio conservador, de Vamireh Chacon

    Projeto grfico: Achilles Milan Neto

    Senado Federal, 2001Congresso NacionalPraa dos Trs Poderes s/no CEP 70168-970 [email protected]:/ /www.senado.gov.br/ web/conselho/conselho.htm

    Saldanha, Nelson, 1933 .Histria das idias polticas no Brasil / Nelson Nogueira Saldanha. Braslia, Senado Federal, Conselho Editorial, 2001.

    384 p. (Coleo biblioteca bsica brasileira)

    1. Cincia poltica, histria, Brasil. 2. Poltica e governo, Brasil.3. Constituio, histria, Brasil. I. Ttulo. II. Srie.

    CDD 320.981

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    memria demeu pai ( 1946)edeminha me( 1966)V

    V

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    O nico meio de salvar e engrandecer o Brasil, tratarde coloc-lo em condies de poder ele tirar de si mesmo,quero dizer, do seio de sua histria, a direo que lhe con-vm. O destino de um povo, como o destino de um indiv-duo, no se muda, nem se deixa acomodar ao capricho eignorncia daqueles que pretendem dirigi-lo.

    TOBIASBARRETO,Questes vigentes, V. p. 178,

    emOBRAS, vol. IX,Sergipe, 1926

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    Histria das Idias Polticas no Brasil 11

    PREFCIOpor Walter Costa Porto

    pg. 15

    INTRODUOpg. 27

    PARTE I Colnia

    Captulo I Origens europias, matrizes portuguesaspg. 41

    Captulo II Situao social e cultural

    pg. 49

    Captulo III Instituies

    pg. 55

    Captulo IV Manifestaes ideolgicas e insurreies

    pg. 61

    1o Circunstncias

    pg. 61 2o Movimentos

    pg.69

    PARTE II Monarquia

    Captulo V Antecedentes. O Rei no Brasil

    pg. 81

    Sumrio

    .......................................

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    Captulo VI A Independnciapg. 89

    1o Influxos doutrinriospg. 89

    2o Figuraspg. 97

    Captulo VII A Constituio de 1824pg. 103

    Captulo VIII Problemtica poltica do perodopg. 139

    1o Condies sociais, dominaes, etc.

    pg. 139 2o Partidos, debates, rebelies

    pg. 148

    3o Literatura poltica e jornalismopg. 169

    4o Romantismo, liberalismo, socialismopg. 186

    5o Historiadores polticospg. 205

    6o A crtica e as bases do pensamento socialpg. 213

    PARTE III Repblica

    Captulo IX Antecedentes e condiespg. 229

    Captulo X Fundamentos doutrinriospg. 237

    http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/
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    Histria das Idias Polticas no Brasil 13

    Captulo XI A Constituio de 1891

    pg. 253

    Captulo XII Transio ao sculo XX: 1) o pensamentosocial e poltico em geral

    pg. 261

    Captulo XIII Transio ao sculo XX: 2) a crtica realistae o desenvolvimento dos novos padres intelectuais

    pg. 273

    Captulo XIV De 1930 a 1945pg. 289

    Captulo XV A Redemocratizao e a Constituio de 1946pg. 309

    Captulo XVI Progressos do saber polticopg. 321

    Captulo XVII Socialismo, nacionalismo, desenvolvimentismopg. 327

    POSFCIO DO AUTOR

    pg. 347NOTAS ADICIONAIS

    pg. 361

    NDICE ONOMSTICOpg. 371

    http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/http://hist2.pdf/
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    mlivro dememrias, Gilberto Amado trouxea quei-xa, dolorida, do homemque, nascido emumpequeno Estado,via cortadas suas perspectivas deascenso no quadro nacional. Jem1916, dizia, seconvencera deque, no Brasil, os homens no

    erampoliticamenteiguais. E esclarecia: Gozando da igualdadejurdica peranteas leis, no fruemos indivduos as mesmas prer-rogativas do ponto devista poltico.

    Para ele, havia, no pas, cidados deprimeira, segun-da, terceira e at dcima categoria. Umbordels, na Frana, politicamente igual a um borguinho; um marselhs a um

    normando. Na Inglaterra, o homemdeLancashireno temopor-tunidades maiores do queo homemdo Kent. Nos Estados Unidostanto valepoliticamenteumindivduo do Kentucky edeTenesseequanto o nova-iorquino eo bostoniano. No Brasil, no. Politica-mente, umsergipano no igual a ummineiro; umrio-grandense-do-norte a um rio-grandense-do-sul; um esprito-santense ou

    alagoano a umpaulista. Os cargos no seoferecemao indivduo

    Prefcio

    .......................................

    E

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    procedente de Estado pequeno coma mesma naturalidade comqueseapresenta a umindivduo deEstado grande. As situaesfederais so abertas aos habitantes das circunscries quepelo ndicedemogrfico ecapacidadeeconmica constituema realidadepolti-ca da nao.

    E eu fico a pensar seno a mesma a desvantagem

    dos homens de pensamento, a publicar suas obras empequenaseditoras regionais, semsensibilizar a opinio prevalente do cen-tro-sul, resultando no mais completo silncio sobreseus escritos.

    Qual a repercusso, assim, da to correta traduo, porCarlos Alberto Nunes, da obra completa dePlato, editada em1977 pela UniversidadeFederal do Par? E do seminrio sobreA Paz Perptua, deKant, comtextos publicados, em1998, pelaEditora da UniversidadeFederal do Rio Grandedo Sul?

    Da seja to oportuna a reedio, pelo Senado Federal,destelivro, pela primeira vez publicado em1968, pela Editora daUniversidade Federal de Pernambuco. Na Introduo, disse o

    autor ser o texto, antes detudo, levantamento eregistro, enosomente crtica e anlise. Levantamento, para ele, necessaria-mente incompleto e defeituoso, a considerar o prazo de poucosmeses emque se disps a escrev-lo. Da que encarasse o livrocomcerta insatisfao. O queimporta, no entanto, a satisfa-o quepodedar a seus leitores o queagora, mais amplamente,

    sepossibilita sobretudo por valer-se, como anotou Afonso Arinos,deuma bibliografia queassegura confiana ao leitor advertido.

    1 Amado, Gilberto, Presena na Poltica. Rio: Livraria Jos Olympio Editora, 1960, pp. 43/44.2 Franco, Afonso Arinos de Melo,inprefcio a O Pensamento Poltico no Brasil. Rio: Forense,

    1978, p. XI.

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    SEU ENXOVAL BIBLIOGRFICOEmuma aula deabertura decursos na UniversidadeFe-

    deral dePernambuco, Nelson Saldanha fez referncia a umenxovalbibliogrfico. Quedizer do dele? rico evariado.

    Inicia-secomAs Formas de Governo e o Ponto de

    Vista Histrico (Belo Horizonte, Revista Brasileira de Estu-dos Polticos, 1960), reedio detexto de1958, emqueo autortentou superar a perspectiva puramentesistemtica na anlisedas formas degoverno, quecomeamos a usar a perspectiva his-trica no tratamento dos termos jurdicos, filosficos, poltico-sociais, sociocultural emgeral.

    E muitos livros seseguiram:Temas de Histria e Po-ltica (Recife, UFPe, 1969) emque reuniu textos emque sedeveria esperar to s a unidade provinda da coerncia normaldo autor edo parentesco temtico; Sociologia do Direito (SoPaulo, Editora Revista dos Tribunais, 1970); Velha e Nova Cin-cia do Direito (Recife, UFPe, 1974); Legalismo e Cincia doDireito (So Paulo, Editora Atlas, 1976), emqueassinalou arelao entrea experincia do Direito legislado ea Teoria Jurdicacontempornea, inclusive o conceito de norma condicionado pelanoo da lei.

    O Estado Moderno e o Constitucionalismo (So

    Paulo, Buschatsky, 1977); O Problema da Histria na CinciaJurdica Contempornea (Porto Alegre, 1978); O Pensamen-

    3 Saldanha, Nelson, Saber Universitrio, Filosofia e Cincias Humanas; inHumanismo eHistria Problemas deTeoria da Cultura. Recife: Fundarpe, 1983, p. 5.

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    to Poltico no Brasil (Rio, Forense, 1978), quecorrespondia, segun-do o autor, ao quefora editado em1968, mas no uma repetio: o mesmo, eentretanto outro: acha-seinteiramenterevisto erescrito,basicamenterepensado eemgrandemedida atualizado.

    Estado de Direito, Liberdades e Garantias (Estu-dos de Direito Pblico e Teoria Poltica (So Paulo, Sugestes

    Literrias S/ A., 1980), emqueo tema do Estado deDireito, comple-tado como das garantias, estudado historicamente, emfuno da idiageral dejurisdio, amplia-secomos textos relativos ao problemada liberdade. A Tradio Humanstica: Ensaios sobre FilosofiaSocial e Teoria da Cultura (Recife, UFPe Editora Universit-ria, 1981), reunindo textos sobrecultura, filosofia, vida intelectual,

    enfoques histricos e o pensamento brasileiro. Preocupado comaunidade do livro, explicava ele que, na medida emque existe,correspondejustamente idia deuma tradio humanstica, quefigura no ttulo equeseacha mencionada emvrios dos textos.

    A OAB/ PE e sua Trajetria (Recife, 1982); Kant e

    o Criticismo (Recife, Fundao JoaquimNabuco, 1982); Que o Poder Legislativo (So Paulo, Brasiliense, 1982); Separaode Poderes, inPoder Legislativo, Braslia, Fundao PetrnioPortella, 1983; Formao da Teoria Constitucional (Rio,Editora Forense, 1983); Humanismo e Histria Problemasde Teoria da Cultura (Rio, JosOlympio/ Recife, Fundarpe, 1983)

    emquelhepareceu ntida a unidadequeinterligava os ensaiosali reunidos, unidadereferida a duas temticas indissolveis, ado humanismo ea da historicidade.

    A Escola do Recife (Rio, Convvio/ INL FundaoPr-Memria, 1985). Escrito em1970, o estudo foi publicado,inicialmente, na Revista da Faculdade de Direito de Caruaru,

    volumosa ebenevolenterevista queinseretextos dequalquer exten-

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    so. Para o autor, os homens decarneeosso quefizerama Escolado Recife, vivendo como viveramnuma cidadequehojenos parecetopequena como antecipao denossos problemas urbanos, pensaramintensamenteeintensamenteescreveram, assumindo as questes deseutempo comsofreguido.

    O Poder Constituinte (So Paulo, Editora Revista dosTribunais, 1986), reedio desua tesedelivre-docncia, de1957,escrita, segundo o autor, como verdeeousado aluno do antigo curso deDoutorado da velha FaculdadedeDireito do Recife.

    Constituio & Crise Constitucional (Recife, OAB/Fundao Antnio do Santos Abranches Editor, 1986), emque

    eramexaminados o federalismo, a hipertrofia do executivo, a le-galidadeelegitimidadeda ordemjurdica e, editadas j as regrasdo processo eleitoral denovembro, estimava a Ordemdos Advo-gados queaqueles subsdios pudessemservir para quea nova Car-ta pudessevir a ficar o mais possvel emsintonia comos reaisanseios da sociedade.

    Historicismo e Culturalismo (Rio, Tempo Brasilei-ro/ Recife, Fundarte, 1986), quaseuma dezena deescritos, abran-gendo umlargo espectro defilosofia edecincias humanas (hist-ria, sociologia, cincia poltica).

    Teoria do Direito e Crtica Histrica (Rio, Freitas

    Bastos, 1987); O Declnio das Naes e outros Ensaios (Re-cife, Fundao JoaquimNabuco Editora Massangana, 1990),emque disse acreditar na validade dos livros construdos porreunio departes ensaios, artigos, textos deprocedncia vria:Nemsempre possvel sair a campo comumlivro inteirio e,alis, podeocorrer quelivros pensados eelaborados comumtodo

    acabempor no ter a unidadedesejada.

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    Ordem e Hermenutica (Rio, Renovar, 1992), sobreas relaes entreas formas deorganizao eo pensamento interpretativo,principalmenteno Direito. Emqueno seprops a fazer a defesada ordemcomo tal mas situar as diversas implicaes da idia daordem, bemcomo suas manifestaes como experincia concreta dentroda vida social, emgeral, eemespecial na poltica eno Direito, nestesobretudo (v. p. 13).

    Pela Preservao do Humano. Antropologia Filo-sfica e Teoria Poltica (Recife, Fundarpe, 1993), ensaios reunidosmas, segundo ele, efetivamenteescritos para umdestino comum, ecomo propsito devirema juntar-seemlivros.

    Da Teologia Metodologia Secularizao e Criseno Pensamento Jurdico (Belo Horizonte, Livraria Del Rey Edi-tora, 1993), onde volta a tomar como ponto de referncia oprocesso desecularizao cultural, necessrio para a compreensohistrica da prpria filosofia.

    O Jardim e a Praa (So Paulo, Editora da Universi-

    dadedeSo Paulo, 1993), quejulga umesboo deantropologiafilosfica ou, se se prefere, de uma teoria, no dogmtica, dohomemeda histria.

    Estudos de Teoria do Direito (Belo Horizonte, Li-vraria Del Rey Editora, 1994), coletnea que, ocupando-sedostemas mais importantes do pensamento jurdico, desdeas primei-ras reflexes dos filsofos da antigidadegreco-romana atas maisrecentes contribuies filosficas da hermenutica do Direito, con-duzia, segundo seu prefaciador, Paulo Bonavides, a uma longaperegrinao deidias econceitos.

    Romantismo, Evolucionismo e Sociologia Figu-

    ras do Pensamento Social do Sculo XIX (Recife, Fundarj

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    Editora Massangana, 1997).O QUE DISSERAM OS PREFACIADORES

    Emprefcio, de1978, a O Pensamento Poltico noBrasil, Afonso Arinos dissequeas qualidades do livro indicariamas do autor: Sua cultura ampla, variada eprofunda; sua experi-

    ncia tcnica; sua iniciativa criadora esuas realizaes nos planosliterrios independentes das atividades de professor. Para ele,Saldanha integrava umnotvel grupo deprofessores universit-rios de Direito Pblico e de Cincia Poltica, que devolveu aoNordestea pujana e, talvez, nestemomento, a primazia nessesestudos.

    Emprefcio, de1980, a Estado de Direito, Liber-dades e Garantias, Miguel Reale viu Nelson Saldanha comofigura bemrepresentativa da mudana de atitudes operada noBrasil, no queserefere anlisedas idias polticas esua reper-cusso no meio nacional, comdefinitivo abandono da erudiolivresca quecomprometia a obra denossos raros investigadores narea poltica. E, deseu amor pelo processo histrico, emsintoniacomo das estruturas sociolgicas resultava uma opo valiosapelas solues achegadas ao real, ou delas emergentes, o que ositua, a justo ttulo, nessegrandeecomplexo movimento que, nafalta deexpresso melhor, setempreferido designar coma pala-

    vra culturalismo.No prefcio deA Escola do Recife (1985), Antonio

    Paim, ao incluir Nelson Saldanha entreos autores quetmcon-tribudo para fixar a problemtica do culturalismo, afirmava quelhecoubeentreoutras coisas, enfatizar queno setrata apenas derepisar a tesedequeo homemfaz a cultura efeito por ela, mas de

    inserir os prprios problemas filosficos no plano cultural et-lo

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    como referncia ao considerar a feio dequeserevestem. Os problemasfilosficos serenovameseencaminhamnessa ou naquela direo segundoas pocas ea prpria perspiccia eacuidadedo pensador, da influnciaquevenha a exercer. Emsuma, Nelson Saldanha decerta forma radicalizao relativismo queest presenteao culturalismo, tendo pormo cuidado dedistingui-lo do ceticismo. E ressaltou: H contudo na obra deNelsonSaldanha uma questo nuclear emqueresidiria, talvez, a sua contribui-o fundamental ao enriquecimento do culturalismo. Trata-seda medita-o sobrea histria, queo absorvedesdeo comeo desua atividadeintelectual... O problema comquedefrontou parece-meter sido o do reco-nhecimento da autonomia da cultura, emcontraposio s filosofias dosculo passado quepretenderamreduzi-la a umfator determinante, a

    exemplo do marxismo, face evidncia dequeessa autonomia no impe-decerto ordenamento, queseestabeleamconsensos ou quefacultemsejamditas enormidades como seria vincular-seo Declogo deMoiss lutadeclasses.

    Apresentando o livro Historicismo & Culturalismo,Evaristo de Moraes, v o autor como orteguiano, culturalista,

    historicista, colocando-o numa posio relativista eperspectivistaquase extremada, posio essa que defende commuito talento eslida argumentao. Deforma alguma chega ao ceticismo, cla-ro, mas maneira da crtica da razo histrica deDilthey, estconvencido de que o conhecimento humano umproduto hist-rico, situado, vlido a partir do conjunto de fatores que ocondicionaram. Da a funo numa s concepo inextricvel dohistoricismo edo culturalismo. E termina por louvar sua capaci-dade abstrativa, o seu trato comos problemas filosficos, a suainformao bibliogrfica e, sobretudo, o seu rigoroso senso crtico,descompromissado. H nelea alegria depensar edecriar, alegria essa

    quesetransmiteao leitor.

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    Falando dos textos reunidos, em1994, emEstudos deTeoria de Direito, afirmava o Professor Paulo Bonavides queahomogeneidadedeles fazia convergir para a tesecapital econclusi-va do pensamento jurdico-filosfico do Professor Nelson Saldanha:a rejeio do pensamento puro, j o de Kelsen, j aquele, nomenos rigoroso, das inspiraes logicistas da segunda metadedeste

    sculo. Ao descer aos problemas constitucionais, Saldanha demons-traria, segundo ele, por igual sua invejvel capacidadedecrtica eanlisecientfica do fato poltico. Ostentaria ao mesmo passo ograu deerudio efamiliaridadea quechegou no conhecimento dasgrandes questes publicitrias efilosficas denosso tempo. Era,afinal, umpensador emcuja formao cultural concorremo juris-

    ta, o socilogo e o historiador, numa dimenso enciclopdica einterdisciplinar deimpressionanteamplitude.

    Finalmente, em prefcio a Romantismo,Evolucionismo e Sociologia Figuras do Pensamento Social doSculo XIX, Sebastio V ila Nova diz queo interessedeNelson

    Saldanha por algumas das personalidades intelectuais maismarcantes no pensamento social brasileiro do sculo XIX umTobias Barreto, umSlvio Romero, umEuclides da Cunha, oumesmo o portugus Sampaio Bruno revela umhistoriador dasidias plenamenteafinado, talvez la diable, compromissorastendncias da cincia social na atualidade. queNelson Saldanha

    no parte do pensamento para o pensador, mas, ao contrrio,atento aos perigos da reificao das idias, parte do pensador,como homem concreto, situado em um tempo e um espaosociocultural singular, para, da, alcanar o seu pensamento.

    O QUE ACRESCENTAR

    Cabeacrescentar, somente, queemlinguagemclara, em

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    estilo agradvel, queNelson Saldanha expe. Para isso lhevaleramosanos dedocncia eo domda poesia, quedesdeos verdes anos exercita.Elediz, na introduo deA Relva e o Calendrio (Fundao deCultura Cidadedo Recife, 1990), quecomeou fazendo poesia. Alis,desenhando efazendo poesia.

    Os sonetos antes reunidos emLivro de Sonetos (Re-

    cife, Edies Pirata, 1983) do conta desse grave exerccio; emque a emoo, embora ainda contida, parece corrigir a securacerebrina de outros de sua gerao, que refugavama inspiraoemfavor, sempre e exclusivamente, da elaborao consciente.

    Nelson no integra o nmero desses falsos poetas exaspe-rados, dequeValry anunciava a desapario futura.4 Nemrepete,como Monsieur Teste, quequalquer coisa emns, ou emmim, serevolta contra o poder inventivo da alma sobreo esprito.5

    Pois ele confessa: O poema resulta de alguma coisacomo uma iluminao, ou de umprocesso artesanal lento, maselesempreuma juno dearte edecontedo.6

    Neste livro, ele aponta, inicialmente, a complexidadedesua tarefa, a responsabilidadeao enfrentar ummaterial asidias que, semforma emsi mesmo, tema forma ou as formasquelhederamos queo tratarameretrataram.

    Mas nos d, verdadeiramente, como pretendeu, mais uma

    histria deteorias quedeteorizadores. E, comsua to rica contribui-

    4 Valry, Paul, Lettres Quelques-Uns. Paris: Gallimard.5 Valry, Paul, Monsieur Teste. Paris: Gallimard, 1948, p. 129.6 Saldanha, Nelson,A Relva eo Calendrio.Recife: Fundao de Cultura Cidade do Recife, 1990, pp.

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    o, ajuda-nos, emumpas que, como lembra, emseu modo deterfuturo, tanto dependedeuma lucidez histrica.

    Resta, somente, reiterar o jbilo deAfonso Arinos: Nel-son Saldanha vai continuar, mercdeDeus, a nos explicar coisas.7

    WALTER COSTA PORTO

    7 Franco, Afonso Arinos de Melo,inprefcio aO Pensamento Poltico no Brasil.Rio: Forense, 1978,p. XII.

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    azer histria de idias assumir especiais responsabilidades intelec-tuais. So responsabilidades que, sem dvida, se compem de obrigaesmetodolgicas e de padres doutrinrios, e que, por outro lado, se comple-tam ou se coligam com responsabilidades ticas, polticas, culturais. Noseria um jogo de palavras dizer que dos livros que se escrevem, os de histria

    assumem um especial compromisso histrico. Todo livro se insere numsistema de pretenses culturais, mas nos de histria a dimenso do temaobriga o autor a uma conscincia peculiar. A responsabilidade de quemnarra idias feita do dever de ser leal ao passado que no pode retornarpara explicar-se , e do de ser fiel ao presente, que sempre quer ver opassado como uma razo de ser de sua prpria substncia. O presente sentecertas coisas, e espera do historiador que, falando de como o passado pas-

    sou, d conta da origem daquelas coisas.Pelo seu lado doutrinrio, a reponsabilidade consiste em man-

    ter-se entre as pontas dum dilema: no trair suas prprias convices, noaplicvel interpretao dos assuntos que trata, e no desnaturar o perfil dosassuntos, ao apresent-los ou ao fazer-lhes a devida apreciao. Quer dizerque tal responsabilidade , de certo modo, dever de objetividade. O que

    talvez no signifique propriamente dever de equilbrio: o historiador pode

    Introduo

    .......................................

    Sumrio da Introduo: Sobrehistria deidias. Histria deidias epreocupao nacional.Teorias, teorizadores etextos. As idias polticas eas outras. O problema da diviso

    empocas; os modos dearticular o cronolgico. Teoria eexperincia empoltica:pontos devista eexplicaes. Interessedo problema para nosso continenteenosso pas.

    Autocrtica do livro. Menes eagradecimentos.

    F

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    ou no, evitar os extremos, e pode ser possudo por um deles sem perder osenso das verdades, se bem isso seja ento muito menos fcil. Pelo seu ladometodolgico, o problema consiste em colocar-se formalmente altura datarefa. Ou seja, em cumprir o projeto da melhor forma, utilizando os pro-cessos de investigao devidos e incorporando adequadamente os elemen-tos levantados. Quando se faz histria de fatos, a metdica da historiografiase apresenta como um feixe de tcnicas, limitaes e sugestes, convergin-

    do. para uma restaurao dos passados. Mas se se faz histria de idias, ospassados a restaurar so diferentes: no so coisas. As tcnicas cronogrficas,ento, nem sempre so bastantes, e a interpretao se faz necessria, o que um permanente convite projeo daquilo que pensa o autor, sobre o quepensaram os outros (exemplo: atribuir facilmente esquerdismo e direitismoaos escritores brasileiros de h cem ou duzentos anos).

    H um vasto, seno vastssimo material a ser manipulado; e eleno tem forma em si mesmo, tem a forma ou as formas que lhe deram os queo trataram e retrataram. H por outro lado um rol de finalidade que podem,uma a uma ou em conjunto, estar servindo ao historiador: a mera contempla-o, o propsito erudito, a reforma do presente, a demonstrao partidria. Hsempre, latente ou difuso embora, um padro dominante quanto ao que deveser o trabalho histrico e quanto ao estado das questes estudadas. E h o

    desejo de ver claro, ou o transbordamento, possivelmente lcito, de juzospessoais sobre os esquemas e os contedos que formam o objeto do traba-lho histrico. E ningum se furtar, em escrevendo uma histria de ideaisou de discusses, a dizer que trabalha em prol da ptria; se lhe cobraremmais, que a favor da humanidade; possivelmente, em vista de algum credo,ou ao menos de um modo peculiar de no ter nenhum. De qualquer sorte,o ideolgico e o metodolgico, ao menos enquanto no plano das funda-

    mentaes, esto sempre ligados.Dessarte, um trabalho assim no deve ficar reduzido s pes-

    quisa documental, ou mera crnica de dados e situaes, nem ainda especulao por conta prpria e revelia dos pensadores tratados, embora apropsito deles; deve de certo modo ser tudo isso, em integrao com umpropsito de reviso, reestimao e balano (balano de perspectiva como,

    desde o ttulo nem sempre citado de Jaspers, se si s vezes dizer). E deve

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    ser, tanto quanto possvel que s vezes no tanto , mais histria de

    teorias que de teorizadores. Esta mesma relao, entre a aluso a teorias e aaluso a teorizadores, no pode porm ser previamente dosada, nemestabelecida. que s vezes o que se chama de pensamento poltico seapresenta em textos, livros, publicaes, documentos; outras vezes aparececomosentimentopoltico, e se manifesta atravs de atitudes, situaes, afir-mativas episdicas. Isto quer dizer que so interesses polticos os elemen-tos a pesquisar ento. De modo que a histria dos problemas fica sendoverificao de crenas, tanto quanto de idias, para usar o binmio de Ortega(e por falar em Ortega, este sugeriu, no 26 deLa Idea dePrincipio enLeibniz, talvez seu maior livro, a distino entre ideoma, ou formulaode pensamento meramente tomada como possibilidade mental, e draoma,ou drama, que o ideoma convertido em realidade vivente pela sua adoonum ato). difcil no ver como ideais aqueles sentimentos, e tambm

    difcil evitar a necessidade, s vezes legtima, de vincular, exposio dopensado antes, as interpretaes de agora.

    Por tudo isto, frases como a de que se deve fazer histria emnome da verdade e no de tradio ver Jos Honrio Rodrigues naIntroduo deConciliao eReforma no se podem embandeirar semmais aquela, mesmo porque a tradio e a verdade no so coisas neces-sariamente incompatveis, e porque saber o que verdade em histria coisa diferente de apurar verdades fsicas. Do mesmo modo, torna-se dis-cutvel dizer que a histria das idias equivale a uma histria dos erros (v.a propsito os elegantes relativismos de F. Battaglia, no artigo Valore efunzione della storia delle dotrine politiche, inserto nosStudi in onorediEnrico Besta,Milano, 1939, vol. I II, pp. 495 e seguintes.)

    Quanto importncia de revelar alguns textos ou de exibir

    fatias deles, no radica apenas no fato de serem importantes como ex-presso do modo de formalizar o pensamento, mas tambm no fatode que o progresso que eles mostram reflete o da tcnica de pensar, e oda crtica ostensiva ou implcita que a apura. Pode ocorrer, mesmo queos textos citados sirvam, pela anlise de sua estrutura, para o levanta-mento de princpios ou caracteres culturais latentes nas concepes queeles exprimem.

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    Em certas ocasies, a exposio das idias deste ou daquele au-tor tem de ser restrita apresentao de uma espcie de corte transversalou diagonal, em sua obra, mostrando as facetas principais ou os pontosnucleares. Pode dar-se casos em que o corte abre em duas bandas a obra,separando o lado da temtica poltica de outros lados, ou outras temticasque cultivou; ou revela pluralidade de aspectos dentro da obra. Lamentavel-mente no pude, em geral, ir muito alm desses cortes, limitando a expla-

    nao a tpicos bsicos, pondo porm disposio do leitor as fontes, e oscontedos essenciais para situar sua posio no processo da vida nacional.Ensejando inclusive a possibilidade de um dia voltar ao desenvolvimentode certas partes.

    Procurei sempre fixar o que veio sendo mais represantativo,independentemente s vezes de melhor ou de pior, no sentido de umacrtica negadora ou exaltadora.

    * * *

    ocioso, nos dias que correm, acentuar a necessidade de revi-so do desenvolvimento das idias polticas no Brasil. Se se pode sugerir aconsiderao de pocas mais e menos propcias a semelhante trabalho, aatual ser das mais, e quero crer que com isso devem estar de acordogregos e troianos. Mesmo porque, sendo a filosofia um permanente dar-seconta de sua prpria situao no curso das formas de pensar, toda teorialigada filosofia, como o caso da poltica, deve viver de revises e retoma-das. Uma reviso, porm, no deve ser apenas julgamento, supondo e omi-tindo exposio, nem exposio exclusivamente.

    A relativa pobreza de nossa historiografia no impede que elaseja bem provida de tipos, ou ao menos de exemplos que fundam modos

    de pretender modelos ou adotar padres. E s vezes, adoes e pretensessignificam acusao contra os estilos alheios: assim, os adeptos dahistoriografia tiponewhistorye histria-social, acusam de formalismo eacademicismo as obras tradicionais ocupadas com dinastias e ministrios;os partidrios destas denunciam queles como impressionistas e literatos; osque querem histria ligada s massas vem elitismo e conservadorismo nasoutras orientaes, e so tidos pelos adeptos destas como demagogos. Unsvem socialistas, por bem ou por mal, em quantos tenham criticado as

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    coisas vigentes. Outros desancam os que no tenham rezado pela cartilha

    dessa ou daquela crena. H alis um certo paradoxo a anotar: nossahistoriografia, to acentuadamente poltica, no tradicional sentido de fa-zer de preferncia narrativas dinstico-militares ou de realar os fatos gover-namentais e pblicos, ao mesmo tempo tem feito relativamente poucono estudo da realidade poltica brasileira, em bases sistemticas e comcategorias adequadas.

    * * *Temas para uma histria do pensamento poltico no Brasil.

    Convenha-se em que toda histria de idias implica um processo de projeo:aplicam-se, sobre entidades e valores do passado, noes e preferncias dopresente, para ver, no acervo de manifestaes encontrado naquele, confirma-es e motivaes que o entrosem com este, categorias que o vinculem a este.

    E s de certo tempo para c, que se comeou a fazer teoria poltica comdeterminadas formas e conceitos, por fora de depuraes e exigncias; an-tes, levantava-se o passado de um modo tal que seus contedos, vistos ago-ra, podem parecer ingnuos e terrivelmente inatuais (vejam-se, por exem-plo, as narrativas enfeixadas por Voltaire no Essai sur les moeurs). Mas ahistoricizao ao modo atual, enlaando os contedos do passado sobrelativizantes rtulos de pocas, caracteriza-os (revela-lhes o carter) e os

    conexiona com os esquemas mentais hoje vigentes e sempre consideradosem vigncia em relao ao tempo do historiador; com isso as expresses depensamento poltico das pocas pretritas adquirem sentido e figura. Semfalar no fato de que a aluso s circunstncias especificamente histricas,feita pelo trabalho historizador, d quelas expresses por menos importan-tes que possam parecer, um relevo maior por situ-las num conjunto. Istosignifica dar-lhes ritmo e estrutura. Da a histria de teorias polticas, que

    so quase sempre ideal e polmica, ser campo adequado para ostentao deposies: posies em que o idelogo se revela no prprio grau decriatividade que o historiador permite. Tipos de histria segundo posies:isto seria assunto para ser estudado a srio, de outra vez.

    impossvel penetrar nos temas da histria das idias sem sentirque toda discusso ou opinio radica em modos de conceber o destino ao

    menos o destino cultural do pas. O que, contudo, faz o historiador

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    pender para um lado ou outro, sua concepo sobre a forma e as tendn-cias da vida social, e com essa concepo ele amarra a dos destinos nacionais.Tambm em pases vizinhos, como na Argentina, os estudiosos mais recen-tes tentam pr em ordem as coisas, no tocante atribuio de maior oumenor valor a certos elementos, como o povo, na anlise dos episdiospassados, e no tocante utilizao de dados historiogrficos naesquematizao da anlise (vejam-se os pargrafos I e II do ensaio de Enri-

    que de Gandia, El proceso a Mariano Moreno, publicado naRevista deCiencias Jurdicas y Socialesde Santa F, nmero 109-112, 1962).

    Um problema tpico, no tocante utilizao do materialbibliogrfico e temtico: certas pocas, de que se vai tratar ou certasconjunturas, tm sua interpretao dependente de sugestes ou esque-mas fornecidos por determinados autores. Mas por outro lado, as obrasdestes autores esto nesta ou naquela posio, cronolgica ou ideolgi-ca. Assim, a referncia ao Brasil colonial e suas instituies ou sua men-talidade poder fazer-se com base em esquemas do tipo dos de CaioPrado Jnior ou Nlson Werneck Sodr, ou em esquemas como os deOliveira Viana ou os de Srgio Buarque de Holanda. Ento vem o fatode que (e como coisa distinta da questo de valoriz-los pela orientao)a conduo do trabalho poder chegar por seu turno localizao dos

    Caio Prado e dos Srgio Buarque; e isso deve ser tido em mente quandose utilizam os seus trabalhos para aproveitar os levantamentos que fize-ram. O equilbrio do trabalho pede que se resolva o probloema de ondeacentuar a referncia a eles.

    Um ponto que, a livr-lo dos bizantinismos, deve ser tocado o de como traar a linha do curso do nossas idiaspolticas, relacionando-acom a do curso das filosficas, das jurdicas, das econmicas, sem evidente-

    mente confundir as coisas. No se pode expor a problemtica de certosdebates sem fili-la a certas questes completamente gerais pelo teor cultu-ral ou filosfico; nem aludir por exemplo ao cunho poltico das instituiesde 1891, ou dos debates que as envolveram, sem alguma conexo com olado jurdico da Constituio e dos problemas constitucionais. Ento oestudo das idias polticas nacionais deve situar-se diante de um sistemado desenvolvimento das ambincias culturais no Brasil: um quadro geralem que se tenham as linhas dum processo integrado.

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    Com isso se liga a questo aparentemente cedia de como divi-

    dir a Histria, demarcar etapas, balizar as pocas da evoluo das nossasdoutrinas polticas. Alis, j existem umas tantas divises algumas fa-mosas de nossa histria literria, de nossa histria filosfica, etc., que osautores de desde o sculo XIX foram fazendo e refazendo. Assim, a histriade nossas letras foi retalhada por Ronald de Carvalho em perodo de for-mao (at 1750), de transformao (at 1830) e autonmico (at 1925).O esquema naturalmente est hoje remontado por crticos mais recentes; oesprito no entanto no parece ter mudado muito.

    Na histria da filosofia, a trajetria tem sido demarcada aten-dendo-se diferena entre o estgio colonial, o imperial e o republicano(assinalando-se sempre oessorpositivista na base deste ltimo), ou entoacentuando-se o trao de certas correntes representativas de todo o Ociden-te e manifestadas tambm em nosso pas: iluminismo, romantismo e

    ecletismo, neotomismo, evolucionismo, socialismo, existencialismo, etc.No necessrio fazer complicao para mostrar que a marcha

    dos estgios e dos padres sempre paralela entre as vrias faixas, filosofia,literatura, teoria social; que entre elas h uma necessria solidariedade naadoo de estilos e influncias, no desenvolvimento de temas, na caracteri-zao das obras. Tanto mais que, como se sabe, muitas vezes as mesmasobras so de certo modo literrias, de alguma forma filosfica e em outro

    aspecto importam como doutrina social (exemplo, o famigeradoCanadeGraa Aranha, ou, melhor ainda,Minha formaode Joaquim Nabuco).

    Diante de tudo isso, preferi manter para o presente livro a divi-so Colnia-Monarquia-Repblica. Primeiro, porque indica as pocasinstitucionais a que o pensamento exposto se vincula; segundo, porque per-mite o aproveitamento, quando nada parcial, das sugestes contidas nas divi-

    ses aludidas, na medida em que tm um denominador comum. No preci-so dizer, tambm, que a aceitao desses marcos no impede que o cronolgi-co se reduza s vezes ao mnimo necessrio, na organizao dos esquemas. svezes o cronolgico se v emborcado e trado. Por exemplo: Frei Caneca,revolucionrio de 1824, vai mencionado, por causa disso, na parte que men-ciona as revolues da fase imperial; alguns de seus contemporneos, comoLopes Gama, vo para outra parte, por fora do ngulo temtico que os distin-

    gue. Na verdade, fazer histria num tema como o deste livro partir de um

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    comeo e vir chegando ao presente, mas isso implica, contrapesantemente,recuos atravs dos quais se sobe at s origens, a cada passo, para indagar oucomparar. Outro detalhe metodolgico consiste na variao da dosagem deinteresse que corresponde s obras de diferentes pocas. Por exemplo: nos co-mentaristas da Constituio imperial, importante olhar o conjunto e farejar asidias expendidas em toda a obra; nos da republicana, que j so mais numero-sos e mais especializados, pode-se ressaltar o aspecto poltico, deixando outros

    aspectos para a historiografia jurdica, ou mesmo juntar em bloco a apreciao afim de situ-los em seu tempo.

    Gostaria de ter podido tentar uma diviso porgeraes.Mas omaterial histrico e as interpretaes disponveis ainda no esto madurospara isso. Somente em certas seqncias que as diferenas de gerao sefazem visveis e podem ser situadas como perfil cultural. Em todo caso, aaluso a geraes se complementaria e se complementa aqui, na medidado possvel , com a aluso atemas,que caracteristicamente se sucedem ouse transmudam de gerao para gerao. Resgate-se em todo caso o fato deque, quando se fala em valores estimados por alguma gerao passada, issono deve fazer pensar que ela tenha tido sempre a idia expressa de valor,ou que tenha tido a conscincia de ser gerao.

    * * *

    Outro ponto para esta j prolongada reflexo proemial: o da rela-o entre teoria e prtica em nossa experincia poltica nacional. Cabe situar paralogo o sentido disso que Macunama teria chamado a mquina teorias.

    A velha tendncia de dar a ao como conseqncia da con-templao, fundada no pensamento grego e expressa no famosomottoitali-ano segundo o qual la teoria il capitano, la pratica sono il soldati, vem

    sendo ultimamente posta em crise, por fora de certas posies, em que aprxis dada como base mesma da teoria ou posta em nvel idntico. Real-mente esses dois momentos da realidade humana so complementares, etoda atribuio de seqncia e procedncia na relao entre ambos difcilde universalizar; se bem que, diante do intelectualismo helnico, a tendn-cia supramencionada seja perfeitamente compreensvel: aquilo que ficouexpresso pelos filsofos mais representativos e mais clssicos denota uma

    concepo da sabedoria como tranqila e nobre compreenso das coisas,

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    superior e prvia ao obrar e ao negcio que nega o cio. O que porm

    precisa ser reestruturado, a partir, inclusive, das posies contemporneassobre a relao entre conscincia e existncia.

    Seria um tema para a teoria da cultura brasileira, situar ante avida nacional este velho binmio. Para o nosso caso presente, isto , para olevantamento das idias polticas, a questo da relao destas com a aono bem um problema de precedncia ou valor, mas, antes, de adequao

    ou coerncia: uma das tarefas do historiador, nesta faixa, dever consistir emaveriguar se as idias e os comportamentos estiveram concordes, at queponto nossas teorias orientaram a realizao de uma prtica, e at que pontoou em que modo elas estiveram enganchadas a situaes. De modo que,para a apreciao do pensamento social brasileiro, o caso s vezes no sertanto o de compar-lo ao europeu alguns o vem, diante deste, comoestando semprearrier mas sim (ou, ao menos, tambm) o de estimar sua

    conexo com os fluxos e os meandros da realidade a que corresponde. Umarealidade, a brasileira, que alis sempre foi complicada, no talvez no sentidode possuir muitas contradies internas, mas por apresentar-se todo o tem-po cheia de nuances, paradoxos, pluralidade de componentes e de aspectos.Na medida em que os estudiosos nacionais se habituarem a esse aspecto dacoisa, possvel que se atenue a inclinao a querer achar explicaes muitogenricas para as nossas realidades. Inclinao que, de resto, muitas vezes se

    utiliza da aplicao, aos casos daqui, de esquemas interpretativos importadossem maior crtica.

    No to importante, a meu ver (e sim s vezes muito artificial),certa distino, sempre feita entre oapproachacadmico e o no-acadmico,ou entre o convencional e o anticonvencional, nos estudos sociais. O que ha distinguir so os graus da lucidez crtica ou os do compromisso ideolgi-co. Cada grande tema brasileiro deve ser revisto sob o prisma da diferenaentre o modo europeu de ver e formular, ligado secular experincia euro-pia, e o modo brasileiro (ou o latino-americano, e mais amplamente o dospovos em desenvolvimento), emergindo para a autoconscincia mas fatal-mente misturado s matrizes europias. Penso que a vigilncia crtica docrtico brasileiro no deve consistir propriamente em assentar sobre essaou aquela posio, recebida da cultura dita ocidental: ela deve lanar sobre

    quaisquer posies a relativizao proeminente de compreender que todas

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    devem seu significado a conjunturas histrico-culturais concretas. Para serclaro, e j que a posio marxista sempre em questo, penso (mas sem que odesconto dado me iniba de a acompanhar em alguma coisa) que, se hoje jno se entende a histria de idias como uma enfiada de sistemas ou concei-tos tomados por si mesmos e como articulando-se no ar, tambm no sepode reduzir o seu sentido ao de mero resultado das condies materiais.

    De qualquer sorte, importante que os leitores brasileiros este-jam bastante conscientes de quanto interessa, para um pas como o nosso, aperspectiva histrica. E nessa perspectiva o pensamento poltico aparececomo pretenso e como documento.

    verdade que havia algum fundamento na advertncia deNietzsche sobre o perigo que o estudo histrico traz, que o de absorver oesprito, prend-lo ao passado e inibir a vida para o presente e a criatividade;

    e Hans Kohn, recentemente, em pginas autobiogrficas, registrou a quasesaturao de histria e de saber histrico em que andam os povos (mor-mente os europeus) hoje. Mas os pases como o Brasil, que se debatem parasuperar um estgio ainda colonial, tm tal situao que o seu modo de terfuturo depende em parte de uma lucidez histrica; esto forados a saber ahistria dos outros, que envolve a sua, e a compreender a sua sobre o mode-lo da dos outros. Da a grande importncia das numerosas publicaes que

    nestes ltimos anos vm surgindo no Brasil sobre problemas de subdesen-volvimento e de imperialismo: elas so um chamado reviso histrica.

    E preciso deliberadamente relacionar certos problemas com asituao geral da Amrica Latina, ou com certos lances da histria de seuspases. Uma histria alis muito mal conhecida no mundo, pois s se divul-gam as epopias nacionais dos pases ditos importantes: assim por exem-

    plo que um Bolvar, que fez muito mais do que um Washington, tementretanto muito menos relevo no plano mundial.Et pour cause.

    preciso tambm ajudar os jovens, que facilmente se empol-gam por algum autor ou escola e adotam opinies polticas sem ter estuda-do devidamente as coisas, a saber situar as correntes em que se movem asidias. O que no me impede de dizer, entretanto a frase banal emborameio zaratustriana, que isto um livro para poucos e para todos. Mesmo

    porque, em relao Histria, todos somos o futuro.

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    Gostaria que este ensaio pudesse ter sido mais interpretativo.

    Ocorre porm que faltam exposies de conjunto sobre seu tema (umasntese rpida, mas to discutvel quo sugestiva, deu-a recentementeAlceu Amoroso Lima nas pginas sobre a Evoluo da Democracia noBrasil includas no livro Pelo Humanismo Ameaado); e ele visa mes-mo, em parte, obviar esta lacuna. Alm do mais, o material documentrio vastssimo _ alis h muitos textos polticos pedindo reedies crti-cas, tarefa na qual as universidades brasileiras poderiam ajudar. Por issoo trabalho teve de ser, antes de tudo, levantamento e registro, e nosomente crtica e anlise. Levantamento necessariamente incompleto edefeituoso, tanto mais se se considera o prazo de poucos meses em queme dispus a escrev-lo, isso mesmo no meio da trabalheira de uma vidauniversitria cheia de encargos e parca de vantagens, e com um ano dif-cil como me foi este.

    Se digo que sobre o tema faltam vises de conjunto, no resul-ta que pretenda preencher plenamente esta falta. Nem que escasseiemestudos sobre aspectos da evoluo do nosso pensar poltico; ao contrrio,temo-los j muitos e alguns timos. Nas notas deste ensaio, notas quetanto so o esteio documental como o complemento crtico do texto,encontram-se em geral mencionados. Resulta, sim, que encaro o livrocom certa insatisfao. Nele mantive porm a preocupao de situar as

    coisas humanas valores institucionais e lastros doutrinrios em seuespecfico orbe histrico-cultural.

    * * *

    Finalmente, menes e agradecimentos. Antes de tudo, s bi-bliotecas a que recorri e a cujos dirigentes e funcionrios devo atenes egentilezas: Biblioteca Pblica do Estado de Pernambuco, Biblioteca do

    Gabinete Portugus de Leitura, Biblioteca da Faculdade de Direito da Uni-versidade do Recife, Biblioteca da Faculdade de Filosofia, Biblioteca doMosteiro de So Bento de Olinda. Recorri tambm, na busca de livros, e,ocasionalmente, de sugestes, a vrios amigos: assim, aos professores MiguelReale e Lus Washington Vita, em So Paulo; ao Dr. Olympio Costa Jnior,aos professores Lus Delgado, Manoel Correia de Andrade, Rui Antunes,Glucio Veiga, Armando Souto Maior, Jos de Moura Rocha, Giuseppe

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    Reale, Palhares Moreira Reis e Aziz Elihimas, bem como ao Sr. FranciscoBarreto Caet antigo bibliotecrio e ao meu tio Antnio Saldanha.Agradeo a todos penhoradamente.

    Tenho tambm de registrar meu cordial reconhecimento aju-da datilogrfica que me prestaram os estudantes Snia Santiago, Neli Tem-poral, Elisabeth Morais, Dulce Maia, Vilma Tavares, Jos Lus Delgado eLcio Flvio Regueira.

    Recife, maro a dezembro de 1966

    NELSONSALDANHA

    ADENDO: Esta Introduo, com todas as suas intenes,foi escrita em 1966, como de resto o livro todo, e estava referida expecta-

    tiva de publicar-se no Sul do pas. A expectativa, por determinadas circuns-tncias, no se cumpriu, e o volume foi acolhido em tempo pelas grficasda Imprensa Universitria da hoje Universidade Federal de Pernambuco,publicando-se agora com pequenssimos acrscimos. O autor se sente nodever de agradecer ao magnfico reitor e ao professor Lus Delgado porhaverem includo a obra no programa editorial da Universidade, e tambmse sente obrigado pela boa vontade dos que fazem a grfica: Esmaragdo

    Marroquim, Dilermando Pontual e todos os demais funcionrios.N. N. S., maio de 1968

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    Parte I: Colnia

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    rigens: essa idia parece obrigatria no comeo de um estudohistrico (ver historicamente um objeto , ao menos em princpio, v-lo emsuas origens), inclusive porque as geraes que vm fazendo estudos histricossempre tiveram uma certa idia do que sejam origens. No sentido em que aempregam os historiadores dos pases europeus, a palavra se encaixa num feixe

    de referncias mais ou menos determinado. As origens da monarquia inglesa; asdo socialismo francs; as do idealismo alemo: so representaes que se situamde logo em conexes mais ou menos reconhecidas, e em relao a elas o histori-ador trabalha com alguma segurana. Ao menos uma segurana formal. Emrealidade a mentalidade europia sempre disps, como de um escabelo ou deuma esteira, de uma noo de origens com sentido histrico na Idade Mdiaas origens eram sobretudo bblicas, desde o Renascimento sobretudo clssicas.Essa idia do clssico, como padro histrico-cultural, provm da idealizaoe estilizao (talvez platonizao) das formas estticas e intelectuais pags, e constituium modo de figurar origens num sentido que j ficou altamente formalizado.

    Mas de que sentido e de que modo dispe o historiador lati-no-americano para situar origens? Antes de tudo, comparte as origens dosoutros, pois tambm bebeu nas fontes clssicas, quer pela mo dos que

    lhe ensinaram humanidades, quer pela prpria, depois, diretamente. Por ou-

    Captulo I

    ORIGENS EUROPIAS, MATRIZES PORTUGUESAS

    Sumrio: A idia deorigem para a historiografia latino-americana.Herana europia everso ibrica. A monarquia lusa.Nossas funes polticas.

    O

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    tro lado, esses outros, so para os latino-americanos sua origem: os povos

    europeus que nos descobriram e nos recobriram. Mas, enquanto para estes,em seus tempos de crescimento, as origens ficavam l, quietas como padres,e no se metiam com eles na vida concreta (nem os povos bblicos nem osantigos gregos vinham mais tona), para os latino-americanos os mesmospovos que foram fontes e seguiram sendo modelos continuam a entrar-lhespela vida a dentro, concretamente, o que s vezes cria graves problemas.

    O que podemos ter como origens portanto uma srie derealidades que, talvez por no teremficadoquietas e distantes como unspadres, no adquiram o encanto formal das dos europeus.

    Para estes, sempre ficou havendo uma Idade Mdia comolarga faixa extremamentehistrica,posta entre o longnquo horizonte cro-nolgico da antiguidade e a ainda por completar-se etapa posterior, que sealonga em modernidades e contemporaneidades renovadas.

    No nosso caso, so instituies, tendncias e crenas dos povosque nos plasmaram. So processos de instaurao, num solo ento selva-gem (o que, como evocao, cria certa dubiedade, pois para ns que hoje,que o lembramos, ele aparece to selvagem quanto o foi para os que aquiaportaram), de aparatos de dominao, e de concepes; tudo rgido e en-tretanto destinado a flexionar-se de vrios modos.

    * * *

    Quanto ao modo de registrar e relacionar essas origens, podevariar bastante. Num autor como Martins Jnior, que estudou nossa vida

    jurdica em seus incios, o ponto de vista evolucionista fazia pr o problemaa partir da experincia romana e germnica, vindo da para a anlise dodireito portugus em sua formao toda, e para as projees deste sobre

    nossas tropicais plagas. Preliminar idntico pratica Jos Cmara, emboradetendo-se menos; o mesmo se diga de Csar Trpoli, que entretantoesquematiza as coisas de modo diferente, situando tambm, dentro doenfoque introdutrio a indagao sobre a organizao dos ndios.1A preo-

    1 MARTINS JNIOR,Histria do Direito Nacional,2aedio, Pernambuco,1941; JOS CMARA,Subsdios para a histria do direito ptrio, vol. I, Rio, 1954; CSAR TRPOLI, Histria do Direito

    Brasileiro(ensaio), vol. I, So Paulo, 1936.

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    cupao com o arrolamento da situao institucional lusa (que como umaparte proto-histrica da nossa) ao tempo da descoberta e ocupao, se achapresente do mesmo modo em escritores de outro feitio, como alguns auto-res que, sob mira sociolgica, tm levantado a gnese de nosso ser histricoou de nossas estruturas. o caso j paradigmtico de Gilberto Freire e deSrgio Buarque de Holanda, bem como, mais para perto no tempo, o deRaimundo Faoro ou Paulo Mercadante;2nestes dois ltimos as aluses ao

    Estadoportugus e s suas condicionantes sociais se acham bem frisadas.Nem sempre, advirta-se, o modo de inventariar as origens se

    prende inteiramente a tema substancial dos fatores que teriam moldado asnossas feies iniciais; s vezes, traduz antes um esquema intelectual, umestilo, uma moda metodolgica. Assim, a ateno ao fator econmico podeaparecer em esquemas expositores de diferentes tipos.

    importante, porm, ter-se em conta presena das condies(melhor talvez do que dizer: fatores), que, por todos os lados, cercam e mar-cam o pensamento, em sua elaborao e em sua exposio. Ora, no caso doBrasil a pluralidade de ingredientes j o lembrei na Introduo sempre foicaracterstica. Por isso nem sempre tem xito o esforo do historiador quequer comportar sua matria em trs ou quatro coordenadas simtricas.

    Na fixao de nossas origens, de nossa proto-histria e de nossaherana cultural (pois que nesse sentido a idia de herana a de uma relaopermanente ante um modelo), interferem vrias tendncias. Na verdade, talfixao o primeiro momento na tarefa de reconhecer o elenco de modelosque influiro sobre nosso comportamento cultural e doutrinrio por todo otempo. Pois em muito a histria das- idias vai ser isso: identificardeterminantes e modelos, motivos, padres, figurinos. E como historiar sem

    isso, pois isso s vezes o que os historiadores mostram ter tido ante os olhos?Vejamos a provenincia de nossa herana intelectual.

    2 GILBERTO FREYRE, Casa Grande& Senzala, formao da famlia brasileira sob o regimedeeconomia patriarcal (6o vol., J. Olympio, 1950), caps. I e III; O Luso eo Trpico. Lisboa, 1951,princ. caps. I, IV, XIV e XVI; SRGIO BUARQUE, Razes do Brasil, ed. Jos Olmpio, Rio,1936, caps. I e II; RAIMUNDO FAORO, Os donos do poder formao do patronato brasileiro,

    ed. Globo. Porto Alegre, 1958; PAULO MERCADANTE,A Conscincia Conservadora no Brasil

    contribuio ao estudo da formao brasileira, ed. Saga, Rio, 1965.

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    No pensamento ibrico, havia por um lado a permanncia me-

    dieval da ecolstica, mantida pela Igreja e apesar das efervescncias renascentistas;por outro lado, experincias polticas aptas a ensejar conceituaes novas. Porexemplo, a idia de Imprio que na Espanha de Carlos V se reelaborava sobcondies singulares (veja-se o famoso estudo de Menndez Pidal a respeito);as lutas contra os mouros, dando noo de cristandade um cimento polti-co-militar agnico, inconfundavel; o esforo de Portugal para se manter au-tnomo, em sua realeza comeada como feudo rebelde e depois tranbordadaem potncia martima e desbravadora de orbes.

    H, por dentro da temtica da relao da metrpole com a nos-sa terra, o lado da migrao de certas crenas, como as de que deu conta omonumental livro de Srgio Buarque de Holanda,Viso do Paraso. Nestaobra o grande historiador, abrindo uma digresso panormica na tradicionalnarrativa, procura mostrar que a expanso ocenica dos povos ibricos condu-

    zia, nas mentes ainda meio medievias, uma srie de mitos, que fizeram que osnavegadores julgassem encontrar, nas terras americanas, lugares e figuras deque ancestralmene ouviam falar; e que, alis, os portugueses foram em todocaso mais realistas, menos embalados por quimeras, por fora dum bom sen-so que, de resto, no os impediu de trazerem para c um certo conservantismointrseco, revelado no modo logo arcaizado de administrar terras e coisas.3

    Um fundo pedaggico escolstico, uma srie de vibraes polti-cas e aventureiras, um resduo de miragens e curiosidades. Tudo isso, junto,correspondendo, naturalmente, a diferentes reas profissionais e classes sociais.

    * * *

    Fala-se s vezes no Estado barroco, que Portugal teve tal comoa Espanha, e cujos caracteres se deve ter em vista. Um Estado absolutista demiolo meio teocrtico meio oligrquico, servido por um aparato burocrticoainda relativamente pouco desenvolvido mas altamente rgido, de onde partiam

    3 SRGIO BUARQUE DE HOLANDA, Viso do Paraso Os Motivos Ednicos no descobrimentoecolonizao do Brasil,ed. Jos Olmpio, Rio, 1959, caps. I. VII e XII; sobre o conservantismo,pgs. 350 ss. Para a tipologia dos povoadores do Brasil,JOS HONRIO RODRIGUES,Conciliao eReforma no Brasil. Umdesafio histrico-cultural. Ed. Civilizao Brasileira, Rio,

    1965, pg. 24.

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    as normas solenes das Ordenaes. Realmente esse Estado barroco represen-tou, em Portugal, a convergncia de vrias condies culturais e polticas, ea presena de um mundo ultramarino a dominar constituiu, para sua estru-tura, uma adequada chance de expanso; pois atravs da imposio de seuspoderes e de suas leis vinham para c os propsitos econmicos e as impli-caes culturais. Atravs das Ordenaes, transbordava sobre os novos emeio desconhecidos sditos tropicais o esprito do Imprio (aquele da frase

    de Cames sobre a f e o imprio), o qual ainda resplandecia em seusentido de grandeza e demajestas.4

    Em sua letra, asOrdenaes Filipinasno esqueciam de anunci-ar um propsito elevado: assim, em seu Prlogo se l que

    necessria em todo tempo a Justia, assim na paz como naguerra, para boa governana e conservao da Repblica e do

    Estado Real, a qual aos Reis convm como virtude principal, esobre todas outras mais excelente, e em a qual, como em ver-dadeiro espelho, se devem eles sempre rever e esmerar: porqueassim como a Justia consiste em igualdade, e com justa balan-a dar o seu a cada um, assim o bom Rei deve ser sempre um,e igual a todos em retribuir e a premiar cada um segundo seusmerecimentos. E assim como a Justia virtude no para si,

    mas para outrem, por aproveitar somente queles, a que se faz,dando-lhes o seu, e fazendo-os bem viver, aos bons com pr-mios e aos maus com temor das penas, donde resulta paz esossego na Repblica (porque o castigo dos maus conserva-o dos bons); assim deve fazer o bom Rei, pois per Deus foidado principalmente no para si, nem para seu particular provei-

    4 Sobre o estado barroco portugus, v. FAORO, cap. III; e tambm NESTOR DUARTE,A Ordemprivada ea organizao poltica nacional, 2aed., Brasiliana, So Paulo, 1966, captulos I e II; para suasorigens, a clssicaHistria dePortugalde ALEXANDRE HERCULANO (3a ed., Lisboa, 1866).Para uma especial dimenso temtica, MIGUEL REALE, Cristianismo e Razo de Estado norenascimento lusada, emRev. da Fac. deDireitoda Univ. de So Paulo, ano XLVII, 1952, e emitaliano no volume Cristianismo eragion di stato LUmanesimo eil demoniaco nellarte(F. Bocca,Roma-Milo, 1953; interessam tambm nesse volume os ensaios de P. Mensard e de L. W. Vita).

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    to, mas para bem governar seus Povos e aproveitar a seus Sdi-

    tos, como a prprios filhos; e como quer que a Repblica con-sista e se sustente em duas cousas principalmente, em as Ar-mas, e em as Leis, e uma haja mister a outra, porque assim aArte Militar com ajuda das Leis segura,

    texto cujo casamento com os fatos (e mesmo com o contedo das normasque prologa) seria, porm, discutvel.5

    Mais implantao do que recepo foi, destarte, o processo deadvento das leis lusas entre ns em nosso incio, e nesse plano partilharamos odestino dos povos ibero-americanos todos, em que a poltica imperial se valeriada lei como dum instrumento adequado, pois a solenidade verbal dos textosmarcaria pesadamente o cunho da firmeza governante metropolitana emboraos guantes de ferro se enferrujassem um tanto nestas terras. Com isso se relacio-nou o modo de gerar-se a estrutura social ibero-americana, tendo-se criado, ao

    lado dos braos do Estado potente, uma aristocracia vinda de alm-mar e dis-posta a viver fidalga como l, e uma base demogrfica de tipo diverso dametropolitana mas destinada a servir ao tipo de dominao trazido.6

    5 Ordenaes eLei do Reino dePortugal, recopiladas por Mandado del Rei D. Filipe o primeiro, 12aedio, segundo a nona, Coimbra, 1824, tomo I (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1858,

    pp. XXV-XXVI). Tambm no incio da seiscentista Razo de Estado do Brasil, se dizia que asade das almas e a liberdade natural e real nos vassalos so os fundamentos com que suaMajestade (como Catlico Monarca) manda que se proceda em suas conquistas (texto atualizadodo Livro que dRazo do Estado do Brasil - 1612, ed. crtica por Hlio Viana, ed. do ArquivoPblico, Recife, 1955, pg. 109). Observem-se, voltando ao fraseado das ordenaes, as seguintescaractersticas: a idia do bom Rei, traada diante da idia de espelho, que a justia e antea qual o rei deve mirar (o tema do espelho de prncipes constante na literatura poltica europiade ento); e acepo de repblica como Estado, no como forma de governo; a frmula leis-armas, meio equvoca e manejvel, embora muito expressiva, por conter em embrio o binminodireito-poder, que perfaz o Estado. - Sobre o pensamento poltico luso nos sculos XVI e XVII,

    v. aHistria das Idias Polticas, de PEDRO CALMON, ed.Freitas Bastos,1952, cap. XVI.6 Sobre esses problemas h a excelente anlise de SRGIO BAG, emEstrutura Social dela

    Colonia - ensayo deHistoria comparada deAmrica Latina (Buenos Aires 1952); para ele, oconceito espanhol de imprio se projetou inteiramente sobre as terras descobertas, com umadimenso legalista muito caracterstica. Cf. tambm RICHARD KONETZE. Colleccin deDocumentos para la Historia dela Formacin Social deHispano-amrica, 1493-1810, vol. I (Madri,1953), Introduo. Sobre o legalismo portugus, uma apreciao, rpida e elogiosa mas bastantelcida, no artigo deLUS DELGADO:Lies Portuguesas: a legalidade emJornal do Comrcio,Recife, 11 de julho de 1965. Mais sobre o assunto no vol. I I daHistria do Direito Brasileirode

    VALDEMAR FERREIRA, ed. Freitas Bastos, 1952.

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    Essas fundaes institucionais influram certamente na conso-lidao da primeira mentalidade social nossa. Uma mentalidade dominadapelo nobilismo da classe dominante, fidalga ou afidalgada, que tentava re-petir aqui o estilo de vida dos grandes senhores feudais (quando j, alis, naEuropa a tendncia era o Estado absoluto ensejar a decadncia deles). Paracertos autores o fidalguismo se revelava como averso ao trabalho, e s oadvento do burgus venceria esta situao.7

    * * *

    H um problema pendente, dentre os referentes aos primrdiosde nossa experincia poltica, que o de aproveitar-se ou no,historiograficamente, o que h sobre as concepes dos ndios encontradospelos lusos no Brasil. Efetivamente, foram eles os ocupantes originrios da

    terra, e, se bem atrasadssimos em cultura e tcnica, tinham obviamente idiase crenas, organizao social, prticas blicas, diviso do trabalho, escala devalores de comportamento, chefia poltica, ritos de participao grupal, mi-tos, tudo o que, com boa vontade, pode ser recolhido para considerar comointeressante ao menos por um prisma gentico ou comparativo.8

    7GLUCIO VEIGA, Notas para um estudo sobre o desenvolvimento econmico de Pernambuco(no volume que as notas ocupam quase todo Pernambuco, sua histria, sua economia,Recife,1956), pgs. 13 e 69.

    8Para a anlise do pensamento do brasilndio, veja-se a excelente sntese crtica de LUSWASHINGTON VITA. Mundividncia Brasilndia, emRevista Brasileira deFilosofia, fascculo 57(janeiro-maro 1965), pp. 8 e segs. Existem fontes hoje bastante necessitadas de reexame, como porexemplo o trabalho de Gonalves Dias publicado naRevista doInst. Hist. Geog. eEtnog. doBrasil, 3otrimestre de 1867, ou a famosa Histria da repblica jesutica no Paraguai, do Cnego J. P. Gay, namesma Rev., 1o trimestre de 1863. Um setor paralelo, mas interessado na mesma medida a umainvestigao de ampla escala, o da organizao poltica dos nosss indgenas, na qual se poderiamdetetar, por implicao, valores ou concepes sobre chefias e estruturas. Cf. FLORESTANFERNANDES,A OrganizaoSocial dos Tupinambs, IPE, So Paulo, s.d., cap. V; EGON SCHADEN,A Mitologia Herica deTribos Indgenas doBrasil, ed. do MEC, Rio, 1959, princ. captulos V e VII.Para um levantamento da literatura etnogrfica clssica, v. ALMIR DE ANDRADE, Os primeirosestudos sociais noBrasil, sculos XVI, XVII eXVIII, ed. J. Olmpio, Rio, 1941; e tambm ESTVO

    PINTO, Introduo histria da antropologia no Brasil (sc. XVI), emMuxarabis eBalces eoutrosensaios(Brasiliana, CEN, S. Paulo, 1958), pgs. 179 e seguintes.

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    anlise dos componentes da mentalidade poltica do Brasilem seus comeos (o que se teria a tentao de chamar a pr-histria do pensa-mento social brasileiro) supe, desde logo, que se tome como base hiptese deter havido, em suas manifestaes, uma coerncia suficiente. Quer dizer: que seconsidere como uma unidade o nmero de expresses que, por toda a diferen-

    ciada vastido de terras e gentes que eram ento o Brasil, refletiam crenas pol-ticas, valores organizatrios ou tendncias institucionais. Supe, tambm, porcerto, que se levem em conta certas circunstncias (e aqui a idia de circunstnciasignifica mesmo um estar em torno, dada a amplido dos fatores naturais e adifuso das formas demogrficas): circunstncias particulares sociais e culturais,com seus ingredientes econmicos e psicolgicos.

    O pressuposto na unidade inclusive uma exigncia

    metodolgica, e ao mesmo tempo um dado assente pelo modo de pr oproblema, como perspectiva nacional. O pressuposto das circunstnciasou de sua considerao corresponde necessidade de dar fundaes sociol-gicas aos registros a fazer: faz-se histria de idias como verificao de umprocesso remissvel sociologia da cultura e do conhecimento.

    A aluso situao social do Brasil colonial significa entre ou-

    tras coisas isto: situao em relao a Portugal. O que equivale a dizer que a

    SITUAO SOCIAL E CULTURAL

    Sumrio: Instalao do homemna colnia. O Estado portugus.O trpico. Estrutura social: feudalismo? Situao econmica e

    padro barroco. Outras coisas.

    Captulo II

    .......................................

    A

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    vinculao efetiva, que a Portugal nos prendia, pede que a descrio dasnossas vigncias sociais de ento seja feita em conexo com o conhecimentodasituao portuguesa. J se disse que os dominadores daqui buscavam re-petir ou ampliar os estilos de vida que por condio social teriam l. Eo Portugal de ento apresentava um processo de transformao em que, porum lado, o Estado cada vez mais assumia problemas (religiosos, econmi-cos, pedaggicos), e por outro as rstias do racionalismo europeu comea-

    vammalgrtouta enfiar-se pelo plano cultural.Tanto a circunstncia da infiltrao do racionalismo como a da

    consolidao do Estado, burocratizado e mercantilizado, faziam dostatusda nobreza portuguesa algo precrio: possivelmente esta sentiu que estabe-lecer-se nas imensas terras novas seria interessante embora em muitoscasos tal iluso se desvanecesse logo (como se deu com os donatrios) e, emmuitos outros, o vir para o trpico fosse propsito provisrio.

    De qualquer sorte, a etapa colonial constituiu o primeiro ato dealgo que, discutvel como bom ou como mau, foi uma conquista hojeolhada como impressionante: a da precoce unidade de nossa vida nacional.Uma unidade que os historiadores e os socilogos tm registrado com bas-tante nfase, e que constitui efetivamente um dado emprico indispensvel noequacionamento dos problemas de interpretao social que se queiram pr.

    Um problema bsico seria obviamente o de perguntar-se at queponto isso decorreu de determinadosfatores.Na verdade, o que se tem porunidade nacional algo que precisa ser reentendido: o perfil do nosso corpogeopoltico no corresponde ao que poderia ter sido, com idntica unidade,se se respeitasse o trao de Tordesilhas; e depois, se a expanso alm do traotivesse dado outro desenho quele perfil falar-se-ia igualmente em unidade,

    pois a conscincia desta resulta de sentir-se o duro e o duradouro de certaspreservaes territoriais, bem como o quanto o mapa poderia ter sidooutro. Mas quanto aos fatores; j que a unidade no poderia ter provindode destinaes geogrficas, pensou-se em t-la como fruto de virtualidadeshumanas. Ento, fruto do tipo histrico que nos colonizou. E da certossocilogos e historiadores lavantarem um feixe de atributos, referidos aoportugus, e acharem neste a autoria do fenmeno de manuteno de nossaorganicidade. Assim, Gilberto Freire: para ele, as condies fsicas eram,por variadas, propensas a ensejar a separao histrico-poltica dos grupos

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    dispersos, e a aglutinao de uma nacionalidade em nossas terras deveu-se

    ao portugus, cuja maleabilidade de colonizador tropical no teria consisti-do somente no bem juntar-se com povos exticos mas tambm no tem-perar os extremos de regionalismo, igualando (por formas de comporta-mento e imposio de valores) as diferenas interregionais que doutro modose agravariam, e isso a tal ponto que, como resultante, a histria do Brasilficou sendo um permanente espetculo de equilbrio.9J Srgio Buarque,mantendo outro esquema, o de explicar o jeito desalinhavado das formas,

    temperamento especial para manifestaes de desleixo.10

    Mas vejamos a estrutura social. Trata-se de fixar a arrumaoque havia numa sociedade que era a um tempo mal ordenada e cheia dedistncias sociais internas. Pelas alturas desse assunto, os autores costumamvaler-se da nomenclatura sociolgica estabelecida: um vocabulrio forjadopela cincia social europia para dar conta de experincias histrico-sociais

    europias. O que, de resto, perfeitamente compreensvel. Fala-se ento,sempre, em classe, estamentos, s vezes em feudalismo.

    O depoimento clssico de Antonil, sempre invocado, revela umaestratificao bem marcada: senhores principais (donos das terras e s vezestitulados militarmente, abaixo deles lavradores e arrendatrios, depois umasrie de profissionais e artesos, enfim os escravos desclassificados, RaimundoFaoro, manipulando expressamente categorias weberianas, designou, na-

    quela sociedade, um estamento burocrtico diretamente vinculado Me-trpole, e um rol de classes: a proprietria, a lucrativa e a social.11

    9 Casa-Grande& Senzala, citada nota 2, pgs. 103, 107, 134, ss. 171, etc. Note-se de passagem,que, metodologicamente, a coisa implica a um certo esforo para, tendo recusado todo ponto devista etnicista ou raciolgico segundo o qual as raas seriam determinantes naturais, acentuar ocarter de um povo como plasmador de civilizao: isto por meio de apelar a cada passo paracasos e exemplos, cuja expressividade dispensa a nfase das generalizaes, e para consideraes de

    ordem histrica e psicolgica. O que nem sempre resolve. Sobre fragmentaes e unificaes nadinmica de nossa sociedade colonial h ainda, representando porm uma tica diferente, assugestes de OLIVEIRA VIANA emEvoluo do Povo Brasileiro(ed. M. Lobato, S. Paulo 1923),parte III, cap. I, falando na ao pulverizadora dos fatores geogrficos e pondo a questo emtermos um tanto formais como circulao, centralizao, etc.

    10Razes do Brasil, pg. 62.11 ANDR JOO ANTONIL, Cultura eOpulncia do Brasil,ed. Progresso, Bahia 1955, livro I,

    cap. I; R. FAORO, Os donos do poder, cit. pg. 106. Parece-nos discutvel essa viagem dosesquemas de Max Weber nossa realidade de ento, parafeudal e extra-europia; em todo caso,a reformulao do autor bastante equvoca (isto neste ponto, sem embargo das muito altas

    qualidades do livro em referncia).

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    Por outro lado h quem reconhea que a tendncia da classedominante, a manter aqui e ento os usos de fausto e cio que porprincpio lhe cabiam desde a me-ptria e que vinham na tradio, foiquebrada no sculo XVIII, quando certas reas da pobreza foram dar amo burguesia a fim de fazer aliana econmica.12 E com isso se enla-aria o estabelecimento, por tantos apontado, de uma aparelhagem bu-rocrtica dentro das formas de poder j instauradas entre ns e de raiz

    metropolitana, o burocrtico a sendo j incio seno indcio deuma representao impessoal do poder pblico, algo ligado histrico-socialmente asceno dos patres burgueses e queda dos modelosnobres. Burocracia pode-se reconhecer, certo, no incipiente sistema decompetncias administrativas altamente discriminadas e minudentemnetefixadas em textos e leis: mas, pode-se falar em burguesia, mesmo pas-sando-se ao sculo XVIII, dentro daquela sociedade?

    Dvida paralela, agora voltando-se ao momento mais recuadodo problema, est em saber-se se houve mesmo feudalismo no Brasil dossculos XVI e XVII. Se a implantao das donatrias e a instituio dassesmarias significou regimefeudal realmente, ou se a semelhana do repartirterras e do dominar gentes com os correspondentes fenmenos no medievoeuropeu insuficiente para justificar um termo que conota todo um con-

    junto de implicaes especficas.

    Parece realmente lcito falar em sistema feudal, no tocante a com-ponentes sociolgicos como o sentimento de rigidez hierrquica nas distn-cias sociais, ou a averso ao trabalho (o desejo de ostentar luxo sem desem-penho de atividades produtivas, portanto o tradicional viver de rendas);no tocante, porm, aos ingredientes histricos e ao sentido global da expe-rincia (incluindo a comparao das estruturas mentais respectivas), parecenecessitado de cuidadosas restries o falar em feudalismo para o caso.13

    12 GLUCIO VEIGA, op. cit. nota 7 (pg. 119).13 Cf. as ponderaes de Simonsen,apud,VALDEMAR FERREIRA,Histria do Direito Brasileiro, 2a

    ed., vol. I (As capitanias coloniais de juros e herdade), ed. Saraiva, S. Paulo 1962, pg. 87.Cita-as e discute-as, tambm, NESTOR DUARTE,op. cit. nota 4, cap. II, pp. 19 ss. O sr.ALBERTO PASSOS GUMARES, em livro recente (Quatro sculos deLatifndio, ed. Fulgor,S. Paulo 1964, cap. II), utilizando o prisma marxista considera feudal o regime econmico do

    Brasil-colnia, por basear-se na alternativa feudalismo-capitalismo, que, enfrentado, comportadiscusso para o caso.

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    Fernando Azevedo observou que, no Brasil colonial, a tendncia

    feudalizao estava na reduo do corpo social ou fragmentao da socieda-de em organizaes territoriais enormes e auto-suficientes; mas a tendnciainversa se achava nas diferenas atuantes, de raa e de cultura, que existiram.De qualquer modo, para ele, a psicologia da classe dominante se imps atravs do equema privado patriarcalista de tal modo, que toda a socieda-de brasileira acabou por assumir sua unidade com base nos valores impostospor aquela classe; e era alis a mentalidade de ento bastante local, bastante

    restrita, uma mentalidade em que propriamente no se tinha nem a idia dahumanidade em geral.14 Nunca mais, desde ento, sairia da mente de nossasposteriores classes dominantes a concepo de uma natural hierarquia, queas punha sobre escravos ou ps-escravos, em posio inacessvel discusso.

    * * *Tudo isso, mantidas as intenes do retrospecto e da busca dos

    condicionamentos, pede referncia situao econmica. Na verdade estanunca foi estvel, nos nossos sculos coloniais, e o modo, que os historia-dores encontraram, para dar-lhe certa nitidez, foi o de seri-la nos famososciclos que, fazendo seqncia cronolgica, mudam de lugar tambm: si-tuam-se em predomnios regionais sucessivos. Por dentro do territrio e aolongo dos rios, as bandeiras, criadoras de cidades; no centro, o ouro e osoutros metais, juntando uma sociedade logo buliosa e estratificada; por

    vrias partes, o gado, em estncias e fazendas.15Nas zonas canavieiras, criou-se uma sociedade em que diferenciaes profissionais midas se faziam,16

    embora ainda em torno da casa-grande e do engenho plos de uma esta-bilidade rotinizante, conformista, e marcos de um privatismo entranhado,de um familismo acentuado.

    * * *

    14 FERNANDO AZEVEDO.A Cultura Brasileira, Comp. Editora Nacional, 1914, pgs. 83, 84,86 e 115 (parte I, caps. 4 e 5).

    15 CELSO FURTADO, Formao Econmica do Brasil, Rio, 1959: N. WERNECK SODR,Formao da SociedadeBrasileira, 1944, ed. Jos Olmpio; CAIO PRADO JUNIOR, Formaodo Brasil Contemporneo Colnia, So Paulo, 1942. Sobre as minas de diamantes, v. adocumentao apresentada nos Anais da Biblioteca Nacional, vol. 80, 1960 (Rio 1964).

    16 Veja-se por exemplo a descrio dos diversos ofcios, dos que serviam ao dono do engenho, em

    ANTONIL, cap. I do seu clebreCultura eOpulncia do Brasil (Bahia, ed. Progresso, 1955).

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    Acompanhando sempre os rtulos correspondentes s pores eposies da histria europia, e trasladando-os analogicamente s nosas ex-perincias em que houve semelhana de configurao ou identidade de sen-tido, os historiadores s vezes falam no nosso barroco. Aqui a coisa pareceter mais cabimento, pois o baroco ibrico foi de algum modo uma proje-o plstica do movimento da Contra-Reforma, e esse movimento esten-deu-se caracteristicamente para as terras brasileiras, tal como para as hispano-

    americanas. Assim, os requintes arquitetnicos e as imponncias decorati-vas estiveram presentes em nossos sculos XVII e XVIII, particularmenteem Minas Gerais e em outras regies. Inclusive (isso importante) na m-sica: uma msica que, em certos centros, se elevou a alturas magnficas, ecujos padres estruturais, moldados sobre a linha do oratrio europeu dossculos XVII e XVIII, traduziam por um lado o marco das influncias euro-pias culturalmente to prximas, por outro o sentido teolgico e clerical

    da vida intelectual do tempo.Seria de discutir se esse barroco representou uma importao

    formal direta, um puro recebimento de modelos em relao s coisas dealm-mar, ou se foi resultado, em plano cultural, de uma situao real.

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    escrevendo a situao e as transformaes do Brasil em rela-o com um quadro geral da civilao peninsular, Oliveira Martins formu-lou um elogio da colonizao portuguesa, quando, em seuO Brasil eas Col-nias Portuguesas, traou o panegrico de Pombal e da respectiva expulso dos

    jesutas. Para ele, a fora criadora do luso, fazendo coisas nessas terras distan-

    tes, se espraiava em todas as reas, administrando, plantando, instruindo; en-quanto o predomnio dos inacianos tivesse prosseguido, o Brasil estaria diz povoado por uma raa inferior que s perde os instintos de fera selvageria,para cair num torpor de cretinismo idiota; mas a oportuna unificao daautoridade civil consolidou o carter europeu na colnia, embora com oresultado de ficar o ndio entregue ao abandono, e de o trabalho negro ser ocomplemento necessrio da ordem posta pelo branco.17

    Colocar o problema da origem de novas instituies, e do cli-ma cultural por elas propiciado, a partir da referncia ao temperamnetodum povo, ou aos efeitos dum ato programtico pessoal, insuficiente:vamos precisar de consideraes complementares.

    Captulo III

    Sumrio:Situao da colnia. Organizao das coisas pblicas. Vida municipal. O quedizemoshistoriadores. A Lei da boa razo eseu significado

    histrico-cultural.

    .......................................

    17O Brasil eas Colnias Portuguesas, por OLIVEIRA MARTINS, Lisboa, 1880 (vol. II da Biblioteca

    das Cincias Sociais), livro II, pgs. 79, 76 e 73.

    D

    INSTITUIES

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    Partindo da idia de que as aes histricas em sua implantaoespacial assumem formas determinadas, Oliveira Viana considerou a exis-tncia de vrios ndulos dispersos de colonizao, cuja ampliao (que com-parava de manchas de leo) ocasionou o povoamento do pas, correspon-dente aos governos gerais e provinda de um alto pensamento de centraliza-o e unidade possudo pelos dirigentes portugueses, unificao esta logo etemporariamente repartida em dualidade na oportunidade do desdobramen-

    to (1572) do governo da colnia em dois; posteriormente sobrevm dificul-dades de circulao, oriundas da tenso entre a presso centralizadora e atendncia fragmentao do poder e formao de crculos sociais locais.18

    Por seu turno, Pontes de Miranda, retomando o critrio docarter lusitano e tambm o dos traados territoriais, remete a gnese denossas instituies a buliosas heroicidades, vendo um Portugal franciscanoe nominalista, cujos mpetos, celebrados desde as lutas medievais, se irradi-am pelos matos brasileiros atrs de ndios e de limites; e reconhecendo, naestrutura do Brasil dos primeiros tempos, uma unidade plena apesar daque-la inevitvel pluralizao poltica que foram as capitanias hereditrias.19

    No admira que, em todos quantos tratem de interpretar aformao de nossa organizao inicial, a utilizao de esquemas e pontos devista traduza o desejo de empregar a seguir certas frmulas doutrinrias.

    Assim encontraremos, em outros autores, ou o levantamento psicolgicodas tendncias dos homens que geraram nossas primeiras geraes, ou oregistro dos interesses econmicos que os moviam, e da situao das clas-ses que povoaram os povoados da poca.

    A anlise dasinstituiesaparece, para a tica de um estudocomo um presente, significando isto: compreenso das condies jurdico-polticas (e, por extenso, sociais) em que se verificou o crescimento damentalidade; sobre a figurao de uma mentalidade, poder-se- ento en-tender a formao das primeiras idias polticas.

    O que h, como etapas em que se move o aspecto geral das coisas, uma srie de situaes, meio fortuitas meio planejadas: capitanias, depois

    18Evoluo do Povo Brasileiro, cit. nota 9, parte III, cap. I.19 PONTES DE MIRANDA, Comentrios Const. de1946, 4a ed., tomo I (Borsoi, Rio, 1963),

    pp. 270, 276, etc.

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    governo geral, logo dois governos geograticamente distribudos, depois dom-

    nio espanhol, depois holands em parte, depois vice-reis. Um verdadeiro labo-ratrio de geopoltica avant la lettre: experincias sucessivas, encadeadas,desencadeadas. Centralizao, descentralizao, abandono, presena.

    * * *

    Entre as instituies dignas de meno, encontram-se ascmarasmunicipais.

    Herdeiras das vereanas ibricas, e dos parlamentos municipais ecomunas europeus, vieram manter aqui o que foi importantssimo a nooviva da representao popular e da ascendncia da deliberao no processo pol-tico (bem como o da deciso pluripessoal no jurdico): pouco importa, relativa-mente, o fato de que eram representao aristocrtica, e de que os homensbons que as compunham eram donos da economia, terratenentes ou senhores.

    Observou-se j, com razo, que as atribuies oficiais daquelas

    cmaras superavam, mesmo, as das municipalidades contemporneas, poisinclusive enfeixavam competncias correspondentes s hoje dadas ao Minist-rio Pblico.20Realmente, certas experincias, ento trazidas e mantidas, comoa da eleio de juzes (indireta e oligrquica embora), foram muito interessan-tes, e a situao era suficiente para poder-se dizer, hoje, que o municpio colo-nial foi embrio orgnico de nossas estruturas polticas e sociais posteriores.Em certas cidades, Olinda por exemplo, havia um Senado, com a atuaoverdadeiramente notvel na pugna contra prepotncias metropolitanas.21

    Tambm a organizao judiciria da colnia merece regis-tro: certos autores do muita nfase descrio da importncia que en-to teria tido a funo judicante, sua imponncia, sua projeo social,sua eficcia e tudo isso apesar de que, como informa expressamente oelogioso Pedro Calmon, no constitusse, a magistratura dos nossos sculos

    20 VIVEIROS DE CASTRO, Organizao administrativa do Brasil sob o regmen colonialmonrquico e republicano, emLivro deCentenrio dos Cursos Jurdicos(1827-1927): I. Evolu-o Histrica do Direito brasileiro. Faculda