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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1197 NEOCONSTITUCIONALISMO E SUBCIDADANIA: o projeto “Cartilha Constitucional” como estratégia pedagógica para o aperfeiçoamento da Democracia 1230 . NEW CONSTITUTIONALISM AND SECOND-CLASS CITIZENS: THE “CONSTITUTIONAL PRIMER” PROJECT AS AN EDUCATIONAL STRATEGY TO ENHANCE DEMOCRACY Claudio Cyrino da Silva Junior 1231 Marília Ferreira dos Reis 1232 Resumo O implemento do Novo Constitucionalismo nesta República pressupõe a superação do status de subcidadania, observado entre a maioria dos brasileiros. Nossa experiência cultural aponta para uma histórica separação entre Estado e Sociedade, o que dificulta o aperfeiçoamento da nossa Democracia, que é falha. A discrepância entre o texto e a realidade constitucional conduz à constatação de que prescrições do constituinte, inclusive acerca de Direitos Fundamentais, são meros arranjos simbólicos, dotados de má-fé institucional e elaborados por agentes do Estado, a fim de conter certos conflitos sociais. No afã de criar condições para a superação das habituais relações de poder no Brasil, é que se propaga uma exitosa experiência pedagógica chamada “Cartilha Constitucional”. Esse projeto implica na interlocução entre especialistas (cientistas da dogmática constitucional e das ciências da realidade) e não especialistas, no sentido de constituir os últimos em cidadãos cientes de seus direitos e deveres fundamentais, bem como de habilitá-los para a 1230 Artigo submetido em 03/04/2016, pareceres de aprovação em 18/04/2016, 02/05/2016 e 08/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016. 1231 Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/Sp. Professor de Direito da Faculdade de Belém – FABEL. E-mail: [email protected] 1232 Graduanda em Direito – FABEL. E-mail: [email protected]

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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1197

NEOCONSTITUCIONALISMO E SUBCIDADANIA: o projeto “Cartilha Constitucional” como estratégia pedagógica para

o aperfeiçoamento da Democracia1230.

NEW CONSTITUTIONALISM AND SECOND-CLASS CITIZENS: THE “CONSTITUTIONAL PRIMER” PROJECT AS AN EDUCATIONAL STRATEGY

TO ENHANCE DEMOCRACY

Claudio Cyrino da Silva Junior1231

Marília Ferreira dos Reis1232

ResumoO implemento do Novo Constitucionalismo nesta República pressupõe a

superação do status de subcidadania, observado entre a maioria dos brasileiros. Nossa experiência cultural aponta para uma histórica separação entre Estado e Sociedade, o que dificulta o aperfeiçoamento da nossa Democracia, que é falha. A discrepância entre o texto e a realidade constitucional conduz à constatação de que prescrições do constituinte, inclusive acerca de Direitos Fundamentais, são meros arranjos simbólicos, dotados de má-fé institucional e elaborados por agentes do Estado, a fim de conter certos conflitos sociais. No afã de criar condições para a superação das habituais relações de poder no Brasil, é que se propaga uma exitosa experiência pedagógica chamada “Cartilha Constitucional”. Esse projeto implica na interlocução entre especialistas (cientistas da dogmática constitucional e das ciências da realidade) e não especialistas, no sentido de constituir os últimos em cidadãos cientes de seus direitos e deveres fundamentais, bem como de habilitá-los para a

1230 Artigo submetido em 03/04/2016, pareceres de aprovação em 18/04/2016, 02/05/2016 e 08/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016.

1231 Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/Sp. Professor de Direito da Faculdade de Belém – FABEL. E-mail: [email protected]

1232 Graduanda em Direito – FABEL. E-mail: [email protected]

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crítica e a interpretação das normas constitucionais, conforme suas vivências. É que se pugna pela ideia de que os destinatários da realidade constitucional devem ser seus sujeitos, não seus objetos.

Palavras-chave: Novo Constitucionalismo; Subcidadania; Projeto Cartilha Constitucional; Indivíduos sujeitos da realidade constitucional.

Abstract

The establishment of New Constitutionalism in this Republic assumes the overcoming of the second-class citizen status experienced by most Brazilians. Our cultural experiences point to a historical separation between State and Society, which makes it difficult to enhance our flawed Democracy. The discrepancy between the constitutional text and the constitutional reality leads to the conclusion that the prescriptions laid down by the constitutional convention, including those regarding Fundamental Rights, are just symbolic arrangements, endowed with institutional bad faith and drafted by State agents to curb certain social conflicts. Aiming at the establishment of conditions to overcome the usual power relations in Brazil, a successful educational experience called “Constitutional Primer” is being disseminated. This project involves a dialogue between experts (constitutional dogmatics scholars and experts in the sciences of reality) and non-experts to turn the latter into citizens who are aware of their fundamental rights and duties and who are able to critically view and interpret constitutional rules according to their experiences. The idea advanced here is that the addressees of the constitutional reality should be subjects of this reality, and not mere objects.

Keywords: New Constitutionalism; Second-class citizens; Constitutional Primer Project; Individuals as subjects of the constitutional reality.

1. Introdução.

Os quase 200 anos de Estado Constitucional no Brasil, desde o nosso momento constituinte histórico que culminou na Carta Imperial de 1824, padecemos para construir uma Democracia plena.

A esse propósito, o departamento de inteligência da revista The Economist (2016, p. 15), ao divulgar seu boletim anual sobre o indice de Democracia percebido em diversos Estados, apresentou dados preocupantes sobre o status do regime brasileiro: houve uma queda significativa da percepção democrática no Brasil. A publicação usa uma escala de 0 a 10 (do autoritarismo à plenitude democrática) e nossa nota caiu de 7,38 (nossa melhor média histórica alcançada em 2014, 2008 e 2006) para 6,96 (o pior desempenho nos últimos anos). (p. 15)

Trata-se de uma publicação internacional que, por mais prestigiada que seja, oferece uma visão centrípeta das nossas relações institucionais. Assim, é possivel

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que essa percepção estrangeira do nosso regime não alcance a complexidade dele, ao não considerar peculiaridades domésticas melhor entendidas por nossos cientistas da realidade, da nossa realidade.

Entretanto, cabe ressaltar que nosso Estado Constitucional há muito se inspira num modelo democrático europeu, portanto, num modelo democrático ocidental que acabou por se difundir por quase todo o globo. Deste modo, parece-nos válido considerar como cientistas, constituídos em sociedades exportadoras do modelo democrático que aqui se pretende, avaliam nosso estado de Democracia. Por exemplo, entre os cinco critérios invocados para analisar cada regime, a publicação (p. 06) aponta nosso pior desempenho em quesitos como funcionamento do governo, participação política e cultura política (6,79, 5,56 e 3,75, respectivamente). Os quesitos processo eleitoral e pluralismo (9,58) e liberdades civis (9,12) contam com bom desempenho, mesmo porque desde o impedimento do ex-presidente Collor, em 1992, não há descontinuidade em nosso processo de condução à Presidência da República e isso é certamente captado por aqueles que elaboram a publicação. São números que, fora alguns pormenores, reafirmam a natureza das relações institucionais e das relações entre (sub)cidadãos e o Estado brasileiro no Estado brasileiro.

Partimos, então, de uma premissa valiosa para a remediação dessa realidade: a superação de uma atual democracia falha e a construção de uma futura democracia plena, demandam a transformação do mero indivíduo em cidadão, através de uma educação científica, que contemple sua formação crítico-reflexiva; e uma instrução cidadã, apoiada na assimilação de seus direitos e deveres fundamentais , bem como de suas responsabilidades na edificação de uma sociedade livre, justa e solidária. É na defesa desse segundo instrumento, que discorremos boa parte deste trabalho.

Foi feita uma pesquisa exploratória, a fim de promover a familiarização com nosso problema-base: a (sub)cidadania brasileira. Foram necessárias breve análise histórica da questão, aplicação de teses contemporâneas do Direito Constitucional e afirmação de uma Teoria de Democracia. Finalmente, a descrição do instrumento pedagógico mencionado, precedida do adequado levantamento bibliográfico e da análise de exemplos aplicada à nossa proposta, auxiliou na compreensão dela.

2. O desafio da construção de um cidadão brasileiro sujeito de direitos, deveres e responsabilidades.

É preciso fazer um breve resgate sobre a (de)formação da sociedade civil brasileira, mais como em uma anamnese médica e menos como em uma anamnese platônica; afinal, o nosso processo civilizatório se mostra pouco saudável - ao menos se comparado aos processos de construção de outros Estados-Nação.

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O Brasil, então Estado recém-soberano, era uma sociedade formada, em sua maioria, por escravos e homens “livres” incultos e analfabetos, mais acostumados à condição de cativos e súditos, do que a de homens verdadeiramente livres, posto o nosso processo de emancipação não ter sido revolucionário e nem tampouco acompanhado da instituição de uma República ou uma Democracia. Aqueles indivíduos (e por que não dizer os indivíduos contemporâneos?) não se percebiam como sujeitos, cujo sucesso e bem estar estivessem condicionados às políticas de Estado. Alguns mantinham vínculo de lealdade a potentados, a polícias e a leis locais, cuja contrapartida era a aquisição de favores e privilégios pessoais. Isto se configurava como um contundente óbice à construção de um vínculo de pertencimento político de dimensão estatal e nacional. Assim, nossa gênese enquanto Nação evidencia um povo sem um sólido vínculo de cidadania com o Estado, um povo que não identifica a devida coincidência entre o interesse pessoal e o interesse comunitário, pelo contrário.

Já nas primeiras décadas do século XX, diante de um anseio pela industrialização da nossa economia, pela reforma das nossas relações socioeconômicas, pela ressignificação da nossa autopercepção que encontrasse alguma unidade em nossa diversidade, era urgente que um grande salto civilizatório fosse dado.

Começavam a nascer os mitos de brasilidade, como o mito da mestiçagem de Gilberto Freyre:

A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distancia social que de outro modo se teria conservado enorme entre a casa-grande e a mata tropical; entre a casa-grande e a senzala. O que a monocultura latifundiária e escravocrata realizou no sentido de aristocratização, extremando a sociedade brasileira em senhores e escravos, com uma rala e insignificante lambujem de gente livre sanduichada entre os extremos antagônicos, foi em grande parte contrariado pelos efeitos sociais da miscigenação. A índia e a negra-mina a princípio, depois a mulata, a cabrocha, a quadrarona, a oitavona, tornando-se caseiras, concubinas e até esposas legítimas dos senhores brancos, agiram poderosamente no sentido de democratização social no Brasil (1933, p. 33).

As vicissitudes da nossa diversidade eram negadas pela afirmação de uma índole pacífica e o encobrimento e a negação de discrepâncias sociais históricas. O primeiro mito de brasilidade era desenvolvido com o apoio político dos grupos vencedores da “Revolução de 1930” (leia-se Varguismo). Por sua vez, os derrotados (leia-se Paulistas) encontraram amparo na criação de outros mitos, o da cordialidade e o da antítese personalismo-patrimonialismo, ambos de Sérgio Buarque de Holanda:

A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadaspor estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. (...) Nossa forma de ordinária

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de convício social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de manifestações que são espontâneas no “homem cordial”: é a forma natural e viva que converteu em fórmula (1936, pp. 146 e 147).

O fato é que o contraponto feito por Buarque de Holanda, ao criticar a estrutura personalista e hiperburocratizada do Estado brasileiro, fez parecer que apenas isso era o que impedia o nosso desenvolvimento civilizatório: um mal de origem que se resumia na oposição entre um Estado viciado e uma Sociedade virtuosa. Portanto, a solução estaria na minimização do Estado. Simples.

Acontece que a tese buarquiana era perigosa. Perigo que subsiste até os dias atuais, pois desincentiva a autocrítica e faz parecer que nossos males se devem a uma realidade dada e espontânea e não a uma realidade construída; ou seja, que a responsabilidade não é nossa. Ela, então, consagra a separação entre Sociedade e Estado, tão arraigada em nossa cultura, e não depõe a favor do fortalecimento do vínculo de cidadania, já tão incipiente.

Sabe-se que para responsabilizar é preciso empoderar (para usar um termo em voga, hoje).

Então, partimos da premissa contrária: a construção de um Estado Democrático, que personifique uma sociedade livre e justa, demanda a formação do indivíduo não como súdito ou à margem do processo político, mas tampouco sujeito apenas de direitos e garantias; demanda a formação de um cidadão, consciente de suas faculdades, mas também de suas funções e deveres fundamentais. É preciso habilitar o indivíduo para participar dos processos decisórios que envolvam interesses da comunidade.

Neste caso, se o efetivo poder ascendente, como deveria ser em toda Democracia plena, se manifesta do povo para o Estado e não o contrário; e se este poder é prescrito e garantido em nossa Constituição que se pretende cidadã, é preciso promover uma adequada interlocução entre os especialistas em Direito Constitucional e os titulares do senso comum. Uma cartilha é o mais primitivo livro didático, apto a comunicar aos mais neófitos aprendizes.

Mas o que é uma Constituição, afinal?

3. Constituição, Normatividade e a perniciosa Constitucionalização meramente simbólica.

Não nos cabe, aqui, perscrutar pormenores relativos às distintas acepções sobre o que seja uma Constituição, mas é devido esclarecer que seguimos a

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delimitação conceitual feita por Marcelo Neves (2013), inspirado em Niklas Luhmann, em sua obra “A constitucionalização simbólica”: uma intersecção entre dois sistemas, a priori autorreferentes, a política e o Direito, os quais se diferenciam e se relacionam através dela (NEVES, p. 65).

Dada a complexidade das sociedades modernas, não existe uma moral universal compartilhada por todos os grupos sociais, de modo que a Constituição se presta a evitar a manipulação política arbitrária feita por grupos hegemônicos sobre o Direito.

A questão é que a promulgação de uma Constituição não produz de per si a norma constitucional, mas apenas emite o texto constitucional. A norma só é concebida a partir de uma interlocução entre texto e realidade, que materialize suficientemente o texto, de modo a transformar sua sintaxe em dogma jurídico, com o mínimo de imperatividade. Se tal concretização não acontece, e às vezes sequer é possível acontecer, estamos diante de uma Constituição meramente simbólica.

Na modernidade, a função social das Constituições é a prescrição de Direitos Fundamentais aos cidadãos do Estado Constitucional. A alta complexidade das relações sociais contemporâneas, ao impor a coexistência de interesses e expectativas diversificados e até contraditórios, conduz à necessidade de constitucionalizar princípios de inclusão e discriminação funcional (tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais), institucionalizando efetivamente direitos sociais, liberdades civis e participação política.

Prescreve nosso constituinte revolucionário:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais

e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Trata-se de patentes normas programáticas de eficácia limitada, no caso, os programas fundamentais da nossa República Federativa desde 1988; as finalidades gerais deste Estado; os fins sociais a permear toda a ordem jurídica brasileira. Mas a questão é o quanto a construção de uma sociedade justa e solidária, a erradicação da pobreza e o bem estar geral, livre de discriminações injustificadas, são realizáveis?

As normas programáticas, agora na contemporaneidade, vinculam a atividade estatal. Antes, a concretização de seus programas ficava invariavelmente condicionada à liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade do administrador,

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por exemplo. Hoje, diz o ministro Luís Roberto Barroso (2005, p. 07), as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado. Mas que mecanismos seriam esses? O indivíduo médio conhece institutos como o Mandado de Injunção, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a Ação Popular, etc.?

Sabemos que a resposta é negativa e, parece-nos, é conveniente para os governantes que assim o seja.

O certo é que a ideia do aparte entre Sociedade e Estado, como um mal cultural de raiz, nos termos de Sérgio Buarque de Holanda, perpetua-se. O isolamento dos subcidadãos (a partir daqui, sem colocar em questão o prefixo ‘sub’) do processo decisório relativo às coisas da vida pública, remanesce.

Nossa Constituição de 1988 resgata a identificação meramente retórica com o modelo democrático do Ocidente e em seus quase trinta anos de vigência não foi capaz de promover significativa mudança nas relações de poder. Pode-se dizer que seu texto é utilizado como um álibi, a fim de adiar de modo contumaz os programas constitucionais para um futuro remoto, sem contudo, comprometer-se com a construção de uma realidade social favorável ao atingimento dos seus fins. Aqui, pugnamos pela tese de que a educação de base, neste caso, seria o gatilho para o empreendimento de profundas transformações nas nossas estruturas sociais, a viabilizar um ambiente que fosse ao encontro do texto constitucional. Daí, a parca força normativa das nossas leis constitucionais, dada a discrepância entre realidade e texto, conforme veremos no capítulo seguinte.

O indivíduo, alienado dos processos da vida pública, é levado a crer que a não realização dos programas traçados pelo constituinte, se deve às impropriedades do próprio texto constitucional e não ao voluntarismo político dos agentes públicos. Nesse sentido, Marcelo Neves (2011) reitera:

Dessa maneira, não apenas se desconhece que leis constitucionais não podem resolver imediatamente os problemas da sociedade, mas também se oculta o fato de que os problemas jurídicos e políticos que frequentemente se encontram na ordem do dia estão associados à deficiente concretização normativo-jurídica do texto constitucional existente, ou seja, residem antes na falta de condições sociais para a realização de uma Constituição inerente à democracia e ao Estado de direito do que nos próprios dispositivos constitucionais (p. 187).

Confunde-se, assim, a categoria dogmática das normas programáticas, realizáveis dentro do respectivo contexto jurídico-social, com o conceito de constitucionalização simbólica, indissociável da insuficiente concretização normativa do texto constitucional (p. 186).

É que a constitucionalização simbólica se presta à difusão de um modelo irrealizável sob condições sociais presentes e reais, dispondo normas

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pseudoprogramáticas, desprovidas de normatividade, mas dotadas de ideologias que amparam a retórica constitucional.

A má-fé do Estado-governo se evidencia ao induzir os indivíduos ao erro, a fim de garantir, inclusive, sua lealdade: os governados confiam nos governantes, porque estes dissimulam interesse e disposição para resolver questões e demandas sociais que sabem são insolúveis (pelo menos, sem as mencionadas transformações contundentes de ambiente). Assim, é até possível obter-se certa pacificação de conflitos sociais, ao excluir do debate jurídico-político, certos temas de relevância e urgência, garantindo o silêncio e a inércia da sociedade.

Aqui, cabe-nos, entretanto, defender a difusão de instrumentos de cultura dogmática, a fim de viabilizar maior participação cidadã, seja individualmente, seja através de movimentos e organizações, habilitando nossos pares para se envolverem de modo crítico com a realização de valores consagrados em nosso texto constitucional e se integrarem no processo político.

Sendo assim, é possível a construção de uma esfera pública pluralista que, apesar de sua limitação, seja capaz de articular-se com sucesso em torno dos procedimentos democráticos previstos no texto constitucional. (...) Isso se torna tanto mais provável à proporção que os procedimentos previstos no texto constitucional sejam deformados no decorrer do processo de concretização e não se operacionalizem como mecanismos estatais de legitimação (NEVES, 2011, p. 189).

É difícil negar o alto grau de deformação das nossas normas constitucionais, atualmente. O contexto seria muito fecundo, não fosse má formação educacional e política do bonus pater familiae brasileiro.

4. Novo Constitucionalismo: por uma sociedade aberta a cidadãos intérpretes, como estratégia de mediação entre Estado e Sociedade.

Na alvorada do século XXI, nossa dogmática constitucional incorporou de vez a teoria de Constituição que desde o pós-Segunda Guerra Mundial fazia a cabeça dos europeus: o Neoconstitucionalismo. A prevalência da Justiça sobre a Segurança, a consagração dos Direitos Fundamentais considerados a partir do supremo valor da Dignidade da Pessoa Humana e a juridicização da norma constitucional (até então era mera norma política), a fim de se evitar eventual insinceridade do texto constitucional em face de uma realidade social contingente – são todas características dessa nova teoria sobre o que deve ser uma Constituição.

Pugna-se pela força normativa da Constituição, a priori. Konrad Hesse (1991), em ensaio sobre o tema, bem expõe sua tese nesse sentido:

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Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung) (p. 07).

Esse novo Constitucionalismo já estava, ao menos simbolicamente, representado em nossa Lei Magna de 1988. Vejamos, por exemplo, o texto contido no §1º do art. 5º: as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Dada a natureza redemocratizante do momento constituinte que antecedeu a promulgação da atual Constituição, data venia eventual ingenuidade nossa, é possível especular a boa-fé do nosso constituinte ao prescrever tal comando aos poderes estatais constituídos. Bem verdade que o adjetivo “imediata” comporta uma noção ainda indeterminada de tempo, entretanto quase trinta anos após a promulgação daquele comando, parece-nos que a mora dos agentes estatais, que ainda não providenciaram aplicabilidade para certos direitos fundamentais, é óbvia.

Segundo o Neoconstitucionalismo, o Poder Legislativo tem diminuída sua liberdade de conformação na elaboração das leis e se obrigado a realizar os programas constitucionais. Do mesmo modo, o Poder Executivo tem reduzida sua margem de discricionariedade e mesmo sobre seus atos ainda discricionários, cabe controle e eventual invalidação. Por seu turno, o Judiciário deve guardar a Constituição como parâmetro de validade de atos legislativos, administrativos e particulares; bem como para interpretar preceitos infraconstitucionais.

Contudo, o que se observa é um baixo índice de regulação das condutas dos agentes estatais e de orientação das expectativas sociais. A realidade constitucional é excludente, em vez de includente.

Peter Häberle, em sua tese de Hermenêutica Constitucional (1997), vai além, afirma que a realidade constitucional não depende somente da articulação de elementos objetivos presentes na vida social, mas também da inclusão do povo pluralisticamente organizado no processo de interpretação constitucional:

“Povo” não é apenas um referencial quantitativo que se manifesta no dia da eleição e que, enquanto tal, confere legitimidade democrática ao processo de decisão. Povo é também um elemento pluralista para a interpretação que se faz presente de forma legitimadora no processo constitucional como partido político, como opinião científica, como grupo de interesse, como cidadão. A sua competência objetiva para a interpretação constitucional é um direito da cidadania (...) (p. 37).

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Aqueles que experimentam a norma (todos os destinatários dela) devem atuar, no mínimo, como pré-interpretes. A aproximação entre essa tese de interpretação e a teoria democrática exige a concepção de um cidadão politicamente ativo, dotado de potências públicas. Cabe mencionar nossa experiência com as audiências públicas, ou os exemplos de leis nacionais deflagradas por iniciativa popular.

Defende o constitucionalista alemão que os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade. Assim, no processo de interpretação constitucional, além de todos os órgãos estatais e de todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, estão implicados no processo de concretização da norma constitucional, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado de intérpretes (p. 13).

O diálogo com seu orientador, Hesse (1991) na obra já citada, é inegável:

(...)a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler Verwirklichung der Norm). (...) Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.

Em outras palavras, uma mudança das relações fáticas pode – ou deve – provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer mutação normativa. (...)Uma interpretação construtiva é sempre possível e necessária dentro desses limites. A dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade. Caso ela venha a faltar, tornar-se-á inevitável, cedo ou tarde, a ruptura da situação jurídica vigente (p. 09).

O Neoconstitucionalismo, ao contemplar a força normativa da Constituição através da expansão da jurisdição constitucional e do desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional, concilia-se com a ideia de alargar o círculo de intérpretes da Lei Fundamental. Assim, pretende-se que o poder de dicção normativa abarque, não apenas as autoridades públicas e as partes formais nos processos de controle de constitucionalidade de atos jurídicos em geral, mas todos os cidadãos e grupos sociais que, de uma forma ou de outra, vivenciam a realidade constitucional.

5. Educação: um programa constitucional fundamental e a má-fé institucional.

Vê-se que a grande angústia a motivar esta dicção e o projeto Cartilha Constitucional, como já indicado antes, é a natureza da parca educação, tanto

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a científica como a cidadã, disponibilizada à sociedade brasileira. Sabemos das experiências curriculares obtidas com disciplinas como Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil, bem como do desvirtuamento das suas finalidades por governos oportunistas. O fato é que as vicissitudes do nosso sistema educacional são históricas.

Considerando que nossas relações humanas são aperfeiçoadas diante de um sistema econômico capitalista pautado na competitividade, o conhecimento, a qualificação e a especialização são as principais ferramentas de desenvolvimento pessoal, de inclusão social e, consequentemente, de promoção do bem estar. De tal sorte refletir sobre nosso sistema educacional é preciso.

A formação da Instituição escolar no Brasil foi marcada pela exclusão e pela seletividade, desde a escolástica dos jesuítas literários à expansão do ensino de base, iniciada no fim da primeira república e empreendida até os dias atuais, quando o acesso pode se dizer universal. Ora a exclusão se deu pelo impedimento do acesso das classes menos favorecidas, ora pelo fracasso da “ralé” que não consegue êxito perante um sistema de ensino que não fora pensado para ela. Aqui, invocamos termo difundido por Jessé Souza em sua obra “A ralé brasileira: quem é e como vive” (2009), em que o sociólogo e seus colaboradores mostram que a despeito da prestação constitucional imposta ao Estado, o fracasso de estudantes dessa ralé, cujo habitus familiar e social não cria condições para o sucesso educacional, é quase certo diante de uma Instituição não pensada para lidar com o perfil de seus credores.

Vejamos, nossa Constituição Republicana assim prescreve:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos

de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação

artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por

meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua

oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino

fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

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Confrontar os deveres positivos assumidos por nossa carta republicana perante a educação, principalmente o ensino de base, com alguns números de Censo escolar, revela que a execução da prestação assumida não se mostra exitosa. Levantamento feito pelo movimento Todos Pela Educação (TPE) aponta que, em 2013, o Brasil tinha 93,6% da população de 4 a 17 anos na Educação Básica (TPE, 2015), ao passo que pouco mais da metade dos jovens terminam o Ensino Médio aos 19 anos de idade: 54,3% (TPE, 2014). O fracasso experimentado por indivíduos marginalizados é evidenciado por altas taxas de evasão escolar e de repetência e pode ser explicado pelo fato de a Instituição escolar desprezar as peculiaridades dos seus destinatários:

(...) sem uma identificação afetiva com o mundo escolar que gere ao menos uma noção de dever e responsabilidade moral para com os estudos, sem disciplina, concentração e autocontrole suficientes para vencer as tentações dos prazeres imediatos em nome de uma recompensa futura, é muito compreensível que essas crianças prefiram se entregar aos prazeres imediatos que as brincadeiras de rua oferecem do que se inclinarem a atividades que exigem delas habilidades que não lhes foram ensinadas e com as quais não têm nenhuma familiaridade. Qualquer criança desde cedo percebe qual é o comportamento que a escola reconhece e premia. No entanto, só aqueles alunos que reconhecem a autoridade do sistema escolar e já incorporaram a “disposição para o conhecimento” como parte fundamental de sua autoestima podem almejar os prêmios que a instituição oferece àqueles que conseguem cumprir as metas que ela impõe. E, como vimos, essa adesão afetiva ao aprendizado é fruto de uma configuração familiar capaz de transmiti-la como herança aos seus descendentes (FREITAS, 2009, p. 289).

Lorena Freitas, colaboradora de Souza na obra citada acima, expõe valiosa análise de um malfadado processo educacional disponibilizado pelo Estado aos seus credores, o qual faz parecer que o fracasso da Instituição é fracasso individual, insucesso daqueles que se não desempenham bem, o fazem por incompetência subjetiva, quando na verdade, as chances de êxito no contexto em que os excluídos vivem são de antemão remotas:

A crueldade da má-fé institucional está em garantir a permanência da ralé na escola, sem isso significar, contudo, sua inclusão efetiva no mundo escolar, pois sua condição social e a própria instituição impedem a construção de uma relação afetiva positiva com o conhecimento. (...) O grande feito da má-fé institucional foi lhes mostrar o caminho por excelência do sucesso pessoal e do reconhecimento social em uma sociedade capitalista competitiva como a nossa, o conhecimento, apenas para fazê-los descobrir que as portas desse caminho estão irremediavelmente fechadas para eles. E pior: que se trata de um fracasso individual, e não de um processo histórico que reproduz uma classe inteira (FREITAS, 2009, pp. 301 e 303).

Sem perder de vista os objetivos fundamentais traçados em nossa Constituição, os quais se configuram como fins sociais gerais a permear todo e qualquer ato estatal, sejam leis, políticas públicas ou sentenças judicias; é possível negar a má-fé institucional da política educacional nacional, que pouco faz para remediar e reverter números negativos contumazes?

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Infelizmente, a discrepância percebida entre compromissos programáticos constitucionais e o implemento deles através de leis regulamentadoras e políticas públicas concretizadoras é comum em nossa ordem jurídica: o problema da constitucionalização simbólica já apresentado no capítulo anterior.

6. O projeto “Cartilha Constitucional”: breve relato de um instrumento pedagógico de formação cidadã e de dogmatização da Constituição.

Ao entendermos que o estudo da Constituição Federal possibilita a articulação de ações de desenvolvimento intelectual-reflexivo com vista ao desenvolvimento e sustentabilidade política, social, econômica, ambiental e cultural, no âmbito da Faculdade de Belém – FABEL foi instituído o Projeto de Extensão “CARTILHA CONSTITUCIONAL” propondo como pressuposto essencial que o estudo dos direitos e deveres fundamentais da pessoa humana, presentes na Constituição Federal, no contexto de seus princípios e objetivos estruturantes, fosse ministrado como conteúdo da matriz curricular no ensino fundamental e médio, incluindo o tema em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nº 9.394/96.

O projeto de extensão “Cartilha Constitucional” teve suas origens fincadas na constatação da necessidade de contribuir na preparação para o exercício da verdadeira cidadania na busca da realização de uma das finalidades da educação nacional como forma de transformação social, ou seja, a democratização dos conhecimentos científicos e outros de nosso cotidiano social encontrados na Constituição Federal. Assim, ao visar transmitir aos educandos, os conhecimentos e os princípios basilares da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade da Constituição Brasileira e o enfoque da educação ambiental, possibilitando suas assimilações em práticas de cidadania através do saber-ser, saber-fazer e do saber participar, entendemos ser pertinente a compreensão sobre as possíveis contribuições que o referido projeto oportunizou aos sujeitos envolvidos em sua realização.

Inicialmente, as ações de extensão na Faculdade de Belém – FABEL pretendem fortalecer a sua relação com a comunidade na perspectiva de suprir o cenário local de atividades voltadas para a sustentabilidade e ações sociais, neste sentido foi implantado o Projeto de Extensão “Cartilha Constitucional” com o objetivo de promover a interação da Faculdade de Belém – FABEL com a sociedade local, visando também contribuir para o desenvolvimento da Região. Em sua essência pedagógica e extensionista, o projeto visa transmitir aos educandos os conhecimentos e os princípios basilares da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade da Constituição Brasileira.

Os conhecimentos dos princípios básicos constitucionais e da educação ambiental foram desenvolvidos por meio de abordagens gerais sobre os direitos e garantias individuais e coletivas, a biodiversidade, o desenvolvimento sustentável, a economia e a política, de modo a desenvolver a capacidade dos educandos em entender, compreender e agir sobre o meio social, político, econômico e ambiental

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onde estão inseridos. Os temas abordados se utilizaram de instrumentos didático-pedagógicos elaborados para tal fim, necessários e suficientemente adaptados à realidade do público-alvo, conforme os programas escolares e as disciplinas das referidas escolas da rede Municipal de ensino, atendendo as especificações do Ministério da Educação, contidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei 9.394/1996.

A Extensão Universitária pode ser entendida como prática acadêmica que expressa a interação Universidade-Sociedade, por meio da articulação de atividades de ensino e pesquisa com demandas sociais mais abrangentes, por outro lado, a extensão, como trabalho social, passa a aparecer nas práticas desenvolvidas no Ensino Superior. Esta relação entre as instituições de ensino superior e as comunidades externas fortalece as atividades de Extensão, constituindo- a como um trabalho social útil sobre a realidade, realizando-se como processo dialético de teoria e da prática dos envoltos nesse trabalho, externando um produto que é o conhecimento novo, cuja produção e aplicabilidade possibilitam o exercício do pensamento crítico e do agir coletivo.

Ao se pensar a extensão universitária como trabalho, vê-se que este trabalho não se exerce, apenas, a partir da mera participação dos membros da comunidade universitária, isto é, docentes e estudantes. Na sua dialeticidade, exige a dimensão externa à universidade, que é a participação de pessoas da comunidade ou mesmo de outras instituições de ensino, no caso, a escola. A relevância das atividades de extensão no ensino superior tem sido foco de inúmeros estudos, especificamente no sentido de consolidá-la como um importante espaço voltado á busca de solução para os problemas sociais, daí a recomendação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior para que a extensão venha pautar-se em valores educativos, primando por sua integração com o ensino e a pesquisa, reforçando a necessidade da transferência do conhecimento produzido nas IES e sua interferência no desenvolvimento regional e nacional. As políticas de extensão devem cumprir os preceitos estabelecidos pela missão da instituição, considerando a importância social de suas ações para o desenvolvimento e promoção da cidadania.

É preciso que as ações extensionistas mantenham uma articulação entre os setores público, produtivo e o mercado de trabalho, contribuindo para que o aluno desenvolva, no processo de aprendizagem, o espírito crítico próprio da formação cidadã, conforme destaca Carbonari (2007, p.27), A extensão, enquanto responsabilidade social faz parte de uma nova cultura, que está provocando a maior e mais importante mudança registrada no ambiente acadêmico e corporativo nos últimos anos. Parcerias entre o poder público, empresas, organizações não governamentais e voluntários poderão dar abrangência aos projetos sociais, garantir perenidade e enfrentar os enormes desafios que ainda temos pela frente. Outro ponto importante da articulação das atividades de extensão no ensino superior está vinculado pelo envolvimento direto dos estudantes de diferentes cursos em tais atividades, oportunizando aos mesmos

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o contato com a realidade e o cotidiano das comunidades, ainda no processo de formação profissional.

7. Considerações Finais.

Uma democracia não se aperfeiçoa apenas a partir da delegação de responsabilidade formal do Povo para os órgãos estatais, seja mediante eleições ou mediante subordinação às decisões do último intérprete formalmente “competente”, a Corte Constitucional – o Supremo Tribunal Federal. Numa sociedade aberta e plural, ela se desenvolve, também, através instrumentos de mediação do processo público e pluralista da política e da práxis cotidiana. Ela se consolida mediante o fortalecimento das leis constitucionais capazes de filtrar os interesses políticos, especialmente particularizados em nossa sociedade.

A legitimidade dos atos estatais melhor se consubstancia, quando do advento de uma Constituição que estruture o Estado, a sociedade e até os setores da vida privada, sem instrumentalizar as forças sociais.

Indivíduos, seja em sua dimensão “Povo”, seja em sua dimensão pessoal, não podem ser destinatários da norma constitucional como objeto, mas sim como sujeito. Sujeito-princípio e sujeito-fim desse Direito.

Acreditamos que o projeto “Cartilha Constitucional” é uma iniciativa pedagógica necessária para a transformação das nossas relações de poder, que vise resgatar o brasileiro médio da sua condição de subcidadão.

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