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Nesta herdade os sobreiros também têm direito à reforma Coordenado pela Associação de Defesa do Património de Mértola, o Life Montado-Adapt abrange 1250 hectares de montado, em 11 áreas-piloto de Portugal e Espanha Na Herdade do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo, predomina o montado, mas as figueiras crescem abraçadas às videiras. Até eucaliptos e plátanos participam na nova agricultura

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Nesta herdade os sobreirostambém têm direito à reforma

Coordenado pela Associaçãode Defesa do Património deMértola, o Life Montado-Adaptabrange 1250 hectaresde montado, em 11 áreas-pilotode Portugal e Espanha

Na Herdade do Freixo do Meio, emMontemor-o-Novo, predomina omontado, mas as figueiras crescemabraçadas às videiras. Até eucaliptos e

plátanos participam na nova agricultura

Page 2: Nesta herdade os sobreiros também têm direito reforma · Nesta herdade os sobreiros também têm direito à reforma Coordenado pela Associação de Defesa do Património de Mértola,

AlentejoCarlos DiasUm sobreiro centenário, quando se

apresenta viçoso e saudável, é umaárvore imponente, que impressionaquem a vê. Foi o que aconteceu à

equipa do Life Montado-Adapt naHerdade Freixo do Meio, em Mon-temor-o-Novo, que ali se deslocou

para se inteirar da aplicação dosmecanismos de adaptação aos efei-tos que as alterações climáticasestão a provocar nas áreas do mon-tado.

A ramada da árvore e o diâmetrodo caule, pela sua dimensão, impu-nham uma questão: qual a quanti-dade de cortiça que uma árvore com

envergadura da que estávamos a

observar produzia? E quando se

esperava que a resposta fizesse refe-rência a muitas arrobas, RicardoSilva, técnico na Herdade Freixo do

Meio, faz uma revelação surpreen-dente: "Parámos com o descortiça-mento quando notámos que o esfor-

ço da árvore já se encontrava nolimite." Mesmo assim, e apesar deo sobreiro entrar no "merecido des-

canso", não deixou de ser útil: "As

suas bolotas são aplicadas na repro-dução de uma espécie nobre e oensombramento que a sua copa dis-

ponibiliza cria o habitat favorável aocrescimento de novos exemplares,proporcionando um maior equilí-brio nas amplitudes térmicas."

Outra valência de grande utilida-de reside no acolhimento da avifau-

na, como local onde são feitosninhos ou colocados, nas suas per-nadas, caixas/ninho para a nidifica-

ção das espécies insectívoras, sobre-tudo morcegos. "Fizemos uso das

potencialidades do sobreiro sem o

sacrificar, evitando a sua morte pre-matura", sublinha Ricardo Silva.

O exemplo acabado de descreveré apenas um detalhe num vasto con-

junto de procedimentos propostospelo projecto Life Montado-Adaptno apoio aos agricultores de 11 áreas-

piloto em Portugal (6) e Espanha (5)

que aceitaram desenvolver meca-nismos de adaptação aos efeitos queas alterações climáticas têm provo-cado no Sul da Península Ibérica,sobretudo nas áreas do montado. O

projecto está a ser coordenado pelaAssociação de Defesa do Património

deMértola(ADPM).O panorama da floresta mediter-

rânica na herdade de Montemor-o-Novo apresenta um coberto vegetalem franca recuperação e densifica-

ção, mas, na serra de Grândola, odeclínio do montado revela-se em

quase toda a sua extensão. A profu-são de árvores mortas é uma cons-tante na Herdade da Ribeira Abaixo

que há 20 anos está a ser gerida pelaFaculdade de Ciências da Universi-dade de Lisboa e agora é uma das

áreas-piloto acompanhadas peloprojecto Life Montado-Adapt.

"Árvores de grande porte queestavam mortas foram removidas

para a produção de lenha", adiantao biólogo André Vizinho, que coor-dena os trabalhos de investigação e

recuperação do montado nestaexploração. A falta de vitalidade dasárvores é outro dos cenários obser-

vados, porque à "excessiva mobili-zação do solo" para a cultura decereais ocorrida há décadas seguiu--se o "factor seca e temperaturasextremas", que vieram criar oambiente propício ao aparecimentode pragas e doenças que continuama dizimar sobreiros e azinheiras"numa escala muito grande", frisao biólogo.Práticas nocivasA cultura de cereais no territórioocupado pelo montado terminou,mas persistem práticas que condu-zem aos mesmos efeitos na destrui-

ção radicular dos sobreiros: agrada-gem dos solos [desfazer eventuaistorrões de terra, após a aração]queagora são executadas para preveniros incêndios, "quando se sabe que40% das raízes se localizam nos pri-meiros 20 centímetros do solo e são

O projecto LifeMontado-Adaptarrancou emJaneiro de 2016 etermina em 2022.Tem um custo de3,5 milhões deeuros e éco-financiado pelaUnião Europeia

responsáveis pela captação de 30%da água que o sobreiro capta", realçaAndré Vizinho.

Um dado novo resultante das

investigações efectuadas confirma

que as raízes "têm memória". As quesão cortadas pela intervenção huma-na não se regeneram. "A árvore pas-sa a 'mandar' as novas raízes na ver-tical em direcção ao subsolo ondenão há água", provocando stress

hídrico, explica o biólogo.Além de outros progressos na

decoberta das causas do declínio domontado na serra de Grândola, já é

possível concluir que o caminho paraa recuperação deste passa pela den-

sificação do coberto vegetal comvárias espécies autóctones.

Diversidade é a respostaO zambujeiro, o alecrim, o carrascoe pastagens são as espécies plantadasnas áreas onde tem lugar a regenera-ção de sobreiros e azinheiras. Tam-bém a esteva é utilizada na regene-ração do montado. "É uma plantapioneira, que fragmenta a pedra xis-

tosa e prepara a terra para as espé-cies seguintes", explica André Vizi-nho, acrescentando que se está a

aproveitar a sombra deste arbusto

para plantar novas árvores.

Optar pela diversidade ecológicaé uma das alternativas que está a ser

seguida na Herdade da Ribeira Abai-

xo, para reduzir pragas e doenças.Noutras experiências que decor-

rem na exploração, o sobreiro é

plantado junto ao medronheiro, ao

pinheiro-manso e a um cogumelosilvestre (Lactarius deliríosus) . Se no

próximo Outono aparecerem cogu-melos, é um sinal positivo que vemdemonstrar que há matéria orgânicae que os fungos pegaram. "Atravésda competição bacteriológica, julga-mos poder encontrar bactérias anta-

gonistas da fitóftora (Phytophthorarínnamomi)" , espera o biólogo. Estabactéria patogénica muito agressivapode estar presente em 30% a 80%das áreas de montado em declínio evive no solo atacando as raízes das

plantas causando podridão radicu-lar. "Em laboratório o antagonismofuncionou. Resta saber se no terrenose mantém" , perspectiva André Vizi-nho, frisando que nas investigaçõesque estão a realizar "se está a selec-cionar o método para o poder apli-car" na recuperação do montado.

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Para além da densificação ou recu-

peração do coberto vegetal existen-

te, o projecto Life Montado-Adaptpropõe a melhoria da sustentabilida-de do montado do ponto de vistaeconómico, social e ambiental. Pare-ce impossível atingir a sustentabili-dade com os sistemas de gestão domontado em uso. "Se o clima mudou,também o sistema precisa demudar", reconhecem os investigado-res envolvidos. É com base nestapremissa que procuram estabelecercomo prioridade processos de adap-tação às actuais e futuras condiçõesclimatéricas e às suas consequênciasna floresta mediterrânica.Alternar culturasO caminho passa pela diversificaçãoda produção vegetal, alternando cul-turas agrícolas com culturas flores-tais que sejam tolerantes às mudan-

ças climáticas esperadas, optandopelas mais resistentes a condiçõesadversas e economicamente maisrentáveis.

A experiência está a decorrer naHerdade da Ribeira Abaixo. Árvoresde fruto estão a ser plantadas naszonas baixas para aproveitar a humi-dade do solo: um pomar biodiverso

para produzir, para além de hortíco-las e árvores de fruto, sobreiros e

pinheiros, ervas aromáticas, comotomilho, orégãos, poejo. É a chama-da "cultura sintrópica".

André Vizinho explicou ao PÚBLI-CO que, enquanto as fruteiras nãoproduzem, as hortícolas e as aromá-ticas "garantem alguma rentabilida-de e, ao mesmo tempo, aumentam afertilidade do solo, evitando o recur-so aos nutrientes de síntese". Siste-matizando o modelo agrícola e fio-

"Se o climamudou, tambémo sistema precisade mudar",reconhecemos investigadoresenvolvidosno projectoque visa travaro declínio domontado e adaptar

a florestamediterrânicaàs alteraçõesclimáticasrestai que está a ser seguido, o biólo-

go explica que, "enquanto o

descortiçamento nos sobreiros nãotiver lugar - começa aos 20/25 anos- e até as árvores de frutos começa-rem a produzir aos dez anos, temosa produção de hortícolas e aromáti-cas ao fim de um ano" .

Imitar a naturezaAo mesmo tempo, observa-se comoas espécies competem ou não com-

petem entre si. Entretanto as árvores

que crescem mais depressa dão som-bra a outras. "É uma abordageminovadora que passa por privilegiaras espécies autóctones", argumentaAndré Vizinho.

A mesma metodologia está a ser

seguida na Herdade do Freixo doMeio: mimetizar a natureza atravésda agricultura sintrópica. Uma áreacom cerca de 50 hectares irá apre-sentar dentro de meia dúzia de anosum extenso pomar com diversasárvores de fruto em modo biológico.Neste momento, as ervas mais altascobrem as árvores em fase de cres-cimento inicial, o ensombramentonecessário para resistir às altas tem-

peraturas da época de estio. "Depoisda produção de hortícolas, vamos

apostar na produção de frutícolas.São muito mais rentáveis e susten-táveis", argumenta Ricardo Silva.

Num olival antigo da exploraçãode Montemor-o-Novo estão planta-das várias outras espécies de árvo-res: nogueiras, figueiras, citrinos etambém nabo forrageiro, tremoçoe tremocilha, hortícolas. "Nestemodelo em que as multifunçõesaumentam a resiliência do sistema",até os eucaliptos e os plátanos sãochamados a participar na nova agri-cultura "pela enorme quantidadede biomassa que produzem", assi-nala o técnico, apontando para as

figueiras que desempenham a fun-

ção de tutoras de videiras.Há vantagens em semear "algu-

mas espécies em co-associação,porque promove o desenvolvimen-to de cada planta e ajuda a prevenirpragas e doenças", observa Ricardo

Silva, enumerando uma enormevariedade de produtos que são

transformados na Herdade de Frei-xo do Meio, de Montemor-o-Novo:fabrico de café a partir de bolota,pinhão, azeite, uva, trigo, amên-doas, alfarrobas, limões, marmelo(para geleia, marmelada e vinagre),pêssegos, xarope de sabugueiro,rosas.

"Com a água utilizada na rega dealfaces produzimos beldroegas e

catacuzes", acentua o técnico, lem-brando como se tem "abandonadomuita coisa que é nacional" a partirdo momento que "nos foram con-vencendo a comprar árvores e

sementes que não se sabe de ondevieram".

O projecto Life Montado-Adaptarrancou em Janeiro de 2016 e vaiprosseguir até final de Dezembro de2012. Abrange 1250 hectares demontado, em 11 áreas-piloto e impli-ca um encargo financeiro próximodos 3,5 milhões de euros co-finan-ciado pela União Europeia.