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Romance em Cordel que conta a história verídica de um massacre absurdo por fanatismo religioso ocorrido em Pernambuco em 1838.
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MARCOS LIRA
NO REINO
DA PEDRA BONITA
2007
Direitos reservados a
Marcos Lira
Santa Luz – BA
FICHA
NOME – NO REINO DA PEDRA BONITA
TEMA - HISTÓRIA
AUTOR – MARCOS LIRA
ESTROFE - Dez versos decassilábicos.
ESQUEMA RÍMICO - ABBAACCDDC
BIOGRAFIA DO AUTOR – Marcos Lira
Nasceu em Campo Formoso, Bahia em 21 de outubro
de 1963. Filho de professores, sempre foi ligado às
artes e literatura. Fez o curso de Mineração em
Pojuca, onde conheceu diversas pessoas ligadas à
política, música e teatro.
Em Campo Formoso fundou o grupo de teatro
Culturart quando promoveu variados movimentos
culturais na região, incluindo música, teatro, dança
e literatura.
Exercendo o ofício de Prospector Mineral, teve
oportunidade de viajar por todo o Brasil, conhecendo
as diversidades de culturas e hábitos do povo
brasileiro, escrevendo histórias e poesias.
Fez duas coletâneas de poesias e publicou nos
livros EVOLUÇÃO e DO OUTRO LADO DO MUNDO. Publicou
também um romance chamado OLHOS.
___________________________________________ A literatura de cordel é uma poesia popular, originalmente oral,
e depois impressa em folhetos rústicos expostos para venda pendurados em
cordas ou cordéis, o que deu origem ao nome. São escritos em forma
rimada e alguns poemas são ilustrados com xilogravuras, o mesmo estilo
de gravura usado nas capas. As estrofes mais comuns são as de dez, oito
ou seis versos. Os autores, ou cordelistas, recitam esses versos de
forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola.
A história da literatura de cordel começa com o romanceiro luso-espanhol
da Idade Média e do Renascimento.
NO REINO DA PEDRA
BONITA
Distante, tão longe de minha terra,
No deserto, outro lado do mar,
As caravanas vagam a rumar.
Transportam ouro e gado que berra
Na ânsia de ver o verde da serra.
O alimento é de encantar.
E os Mouros bem alegres a cantar
Contam os lucros, a grande riqueza
As esposas de mui rara beleza
Colhem trigo, preparam o jantar
Assim Marrocos segue sua vida
Rezam, trabalham com grande paixão
Não querem guerra que leva ao caixão
Não querem ver sua casa dividida
Nem tampouco a pátria invadida
Por algum outro povo aventureiro
Por mercenário, mesmo desordeiro
Que trazem a dor, a morte, a violência
Impiedosos que não têm clemência
Fazem tudo para roubar dinheiro
Os portugueses de riquezas parcas
Cujo comércio é a colonização
Descem à África em mais uma ação
Utilizando suas grandes barcas
Dom Sebastião e mais dois monarcas
Tomam Marrocos para ganhar os louros
Mas não contaram com a garra dos Mouros
Os guerreiros de ação violenta
Resistem com raça, luta sangrenta
Defendem a pátria com os seus tesouros
Vindos da Itália muitos mercenários
E tantos mais soldados da Alemanha
Pensam que é uma batalha ganha
O exército Mouro numeroso
Conta com o cansaço pavoroso
Além da proporção um para seis
Em meados do século dezesseis
Eles são dizimados totalmente
Dom Sebastião lutou heroicamente
E morreu na batalha dos três reis
O seu corpo jamais foi encontrado
E o pesar comove a terra lusa
A política por demais confusa
E o povo agora tão desolado
Quer o seu rei, está inconformado
Espalha-se que ele voltará
A todos seguidores salvará
E a lenda de Dom Sebastião
É passada a cada geração
Grande dia ele regressará
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Imigrantes chegam em nosso solo
Em suas bagagens os costumes seus
Sua cultura, crenças e seu deus
Entre elas a lenda de um rei
Morto em combate, que segundo a lei
Voltará em favor dos desvalidos
E o povo de dias tão sofridos
Precisa de alguma esperança
Um milagre que lhes traga bonança
Apague o sofrer dos dias idos
Os mamelucos, escravos fiéis
Dos árabes, califas muçulmanos
Tornaram-se soldados desumanos
E afamados por serem cruéis
Um dia enfim trocaram os papéis
Viraram uma grande dinastia
Deram seu nome a quem investia
Contra pobres escravos brasileiros
Aqueles portugueses, estrangeiros
Que impunham a dor com maestria
Mamelucos, do sul a Fortaleza
Em perseguição por este país
Andando entre as tribos Guaranis
Mamelucos, mania de grandeza
Herdaram no seu nome a malvadeza
Encontram escravo e cantam vitória
Sobre este sofredor gritam glória
O chão fica vermelho, o céu azul
Mamelucos, América do Sul
Um desses começou a nossa história
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Pequeno lugarejo é Villa Bella
No calor do sertão de Pernambuco
Chegou neste lugar um mameluco
Fugindo do costume natural
Mostrava ele ao povo do local
Trazia em suas mãos pedras brilhantes
E dizia que eram diamantes
No tempo que o governo era de reis
Em mil oitocentos e trinta e seis
Dão-se esses casos impressionantes
Era João Antônio, homem calado
Contava-lhes que Dom Sebastião
Apareceu à noite, uma visão
E para ele tinha revelado
Enquanto o povo olhava admirado
E que aonde eles residiam
Duas enormes pedras existiam
Que eram torres de uma catedral
E com um poder sobrenatural
As torres logo desencantariam
Seria ali a sede do reinado
De justiça em prol dos desvalidos
A volta daquele rei referido
Do Dom Sebastião ressuscitado
Aquele reino tanto desejado
Viria redimir toda pobreza
Traria as pompas da realeza
Daquele tão distante Portugal
Ninguém jamais veria nada igual
A catedral seria uma beleza
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Ele agora de todos conhecido
Falou também de outras profecias
Desse rei que lhe vinha em noites frias
Era ele o mui grande escolhido,
Que tinha o Monarca concedido
Que o próprio João naquele dia
Com a mais linda moça casaria
E que os dois então seriam reis
Assim de fato é que tudo se fez
A mais bela chamava-se Maria
Grande festa, dia do casamento
Maria deslumbrante em seu vestido
João Antônio jamais tinha sido
Elegante qual aquele momento
Em carroça puxada a jumento
Rumaram ao leito matrimonial
Um lugar de beleza natural
Serra do Catolé, Lagoa Azul
E próximo dali, do lado sul
Ficavam as torres da Catedral
Atraiu assim muitos seguidores
Alguns tão sedentos de liberdade
Outros acreditavam ser verdade
Que o rei os livraria das dores
Eles teriam então grandes favores
Que ali existiam diamantes
O pão não faltaria como antes
Que enfim acabou o sofrimento
Fez-se ali um grande acampamento
De todo lugar vinham retirantes
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Aquele lugar então passaria
De simples vilarejo de campônio
A ser o reino de Dom João Antônio
E da tão bela Rainha Maria.
O reino aumentava a cada dia.
O rei ditava as leis daquele chão
Ordenava que dividissem pão
Ao povo renovava as profecias
Estavam por virem melhores dias
Com a volta de Dom Sebastião
O Reino Encantado em paz crescia
Contrastando com a vida dos pobres
A corte eram os parentes dos nobres
Simão que era primo de Maria
Pedro Antônio, homem de alegria
E as meninas de bom coração
Regina* e Eleonora*, são
Esses três últimos irmãos do rei
João Ferreira que casou, eu sei
Com Eleonora por ambição
Foi o primo de Maria, Simão
Nomeado bispo oficial
Enquanto esperava a Catedral
Rezava a missa em um barracão
Falava sobre a ressurreição
Daquele monarca de Portugal
E como esperava ser normal
Foi montada a guarda do Estado
Transformou o jagunço em soldado
Vigiando a vila e matagal
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*- Nomes fictícios
Um vaqueiro da fazenda Belém
Propriedade do major doutor
Manuel Pereira da Silva, por
Nunca lhe sobrar mesmo um vintém
Fugiu sem dizer nada a ninguém
E foi juntar-se ao povo do reinado
Na espera que fosse aliviado
O seu penar. Sonhava com riqueza
Seu nome era Miguel, sua natureza
Pedia pra deixar de ser criado
Villa Bella bem próximo ficava
Lá na comarca de Serra Talhada
Estava muita gente preocupada
Com esse fato que se revelava
O povo preocupado apelava
Para autoridades um prelado
Então pra lá um padre é mandado,
Francisco Correia de Albuquerque
Esperando que assim ele cerque
Acabe o poder desse reinado
O padre pede a pedra preciosa
Achando que dela vem o poder
Está firme, pois isso lhe faz crer
Que aquela atitude vaidosa
De ser um rei era de pura prosa
O rei entrega sem hesitação
O padre pensa com essa ação
Todo problema foi solucionado
Volta para casa ovacionado
Pelas autoridades do sertão
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De fato o rei ficou desencantado
Por conta dessa tal desconfiança
Pensou em dar ao povo esperança
Sentiu-se então bastante desolado
Deixou o poder para o seu cunhado
E partiu dali para outras terras
Pois não queria se envolver com guerras
A vida passou pra outra maneira
Para João Antônio e João Ferreira
Passou a ser o rei daquelas serras
As regras foram então modificadas
Todos os domingos no barracão
O rei fazia sua pregação
Dizia que as pedras encantadas
Tinham que com sangue serem regadas
Pra Dom Sebastião desencantar
Assim com sua corte retornar
As pedras virariam catedral
Depois daquele evento triunfal
Seus súditos muito iam ganhar
Os pobres muito ricos ficariam
Todos os negros virariam brancos
Seriam curados todos os mancos
Os velhos em jovens transformariam
Os que morressem ressuscitariam
Jovens, belos ricos e imortais
Pedia sacrifícios infernais
Em nome desse reino do porvir
Obrigava a todos a assistir
A todas as pregações matinais
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O Bispo fazia os casamentos
O rei distribuía aos presentes
Algo que deixava a todos contentes
Um vinho feito de encantamentos
Erva que os índios fazem fermentos
Decerto uma droga alucinante
Então, a partir daquele instante
As noivas eram segundo a lei
Primeiro possuídas pelo rei
Depois eram de qualquer um passante
Ali ninguém havia entendido
Que João Ferreira era um afoito
Quatorze de maio de trinta e oito
Do século dezenove referido
O rei falou que tinha aparecido
A ele o próprio Dom Sebastião
Dizendo estar triste porque não
Realizavam o tal sacrifício
Ao encantado assim era difícil
Acontecer a tal ressurreição
E a um sinal desse rei insano
Todos guardas puxaram seus facões
Como o inferno abrisse os seus portões
Como a executar um velho plano
Qual bárbaros do império romano
Cravavam seus facões como espadas
No peito de crianças assustadas
No crânio de mulheres sem defesa
Em nome da macabra realeza
Terríveis criaturas desalmadas
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O próprio rei executou seu pai
Sangrou Eleonora com punhal
Tombando ao chão como um animal
Que sucumbiu sem dizer nem um ai
Em seguida Regina é que cai
Na frente do seu irmão João Antônio
Perplexo por um pavor medonho
Fica por muito tempo sem ação
Vendo tombarem corpos pelo chão
Torcendo pra que tudo fosse sonho
Não eram alucinações dementes
A cena tenebrosa foi real
Regaram as pedras da catedral
Com litros de sangue de inocentes
Um cenário horrível, deprimente
Foram justos três dias de matanças
Velhos, mulheres, cães e as crianças
Classificados pela qualidade
Conforme sexo e conforme idade
Jaziam nas pedras sem esperanças
No dia dezessete desse mês
Pedro Antônio, ainda chocado
Pela morte das irmãs, o coitado
Disse que Dom Sebastião lhe fez
Uma visita e que dessa vez
Pedia morte de João Ferreira
E que assim se tornaria inteira
A profecia pra o desencanto
E toda a corte daquele rei santo
Iria agora reinar sem fronteira
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O povo então saiu em romaria
Aprisionou o rei João Ferreira
Jogando-o ali sobre a pedreira
Matando onde ele ficaria
Só que a morte não lhe bastaria
Pois continuou a se debater
Ainda assim depois dele morrer
Urrava, gemia, gritava berro
Quebraram a cabeça com um ferro
Amarraram-no para não correr
Apavorado, Miguel, o vaqueiro
Aproveitou a grande confusão
Correu, fugiu dali daquele chão
Voltando para seu lar verdadeiro
Conseguiu chegar em casa inteiro
Depois de ter corrido pela mata
Chegou na fazenda na mesma data
Contou ao major todo o ocorrido
O delegado tendo entendido
Teve providência imediata
Por ser de João Antônio irmão
Pedro Antônio tornou-se o rei
E algo que eu não imaginei
Que corpos alastrados pelo chão
Já em estado de putrefação
Do fúnebre cenário tão tristonho
Causavam aquele fedor medonho
Forçava a levantar acampamento
Depois de um breve entendimento
Para lugar melhor, eu que suponho
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Mudaram-se ao lugar adiante
À beira do caminho para a vila
Pensando em uma vida mais tranquila
Mas essa ação é que não foi bastante
Pois próximo dali, não tão distante
O Major marcha com seu batalhão
Para se encontrar com o Capitão
Simplício Pereira e mais soldados
Para encontrar os homens confinados
Juntos eles fariam essa incursão
Mas o major ficou surpreendido
Com novo endereço dos fanáticos
Esses que em desesperos dramáticos
Partiram para a guerra sem sentido
Homens com armamento esquecido
Pois se não era a hora da labuta
Corpo-a-corpo travou-se luta
Os fiéis se entregavam a morte
Pois a ressurreição seria a sorte
Pra eles a verdade absoluta
Depois de duas horas de batalha
Estavam mortos nove seguidores
O rei com três mulheres e horrores
Daquele reino que foi uma falha
Que deixou o sertão como mortalha
Cobrindo mortos a serem velados
Também morreram uns nove soldados
Entre eles dois irmãos do major
Que por isso não se sentiu melhor
Com o fim desses sonhos malfadados
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Ainda existiam fugitivos
Os soldados fiéis ao capitão
Desses partiram em perseguição
Mataram oito sem nem mais motivos
Ninguém sabe quantos ficaram vivos
O major depois do sepultamento
Perseguia-lhe forte pensamento
Queria a vingança em suas mãos
Daqueles que mataram seus irmãos
Restava quem criou o movimento
Enviou seus homens de confiança
Pra prenderem o primeiro dos reis
João Antônio como conheceis
Foi preso, trazido sob fiança
Só que no meio daquela andança
Na ponte perto donde o rei morou
Entoou um canto que agitou
Os soldados que tombaram doentes
Mas atiraram no preso, tementes
Que ele fugisse e assim findou
Morreu o reino da Pedra Bonita
Ainda penso nas barbaridades
Reprimindo o povo que sem maldades
Crê em qualquer uma promessa dita
Ao pobre sofredor que alto grita
Sempre por justiça, por igualdade
Lembre Canudos, da fraternidade
Abençoada pelo Conselheiro
Que virou pó e foi não o primeiro
A sucumbir com a sua cidade
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