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Não vamos ser devorados por um buraco negro p 26/27

Não vamos ser devorados por um buraco negro 26/27Pode estar descansado: nâo vamos ser devorados-'buraco negro Três cientistas em Lisboa quiseram ver se todos os astros acabam um

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Não vamos ser devorados por um buraco negro p26/27

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Pode estar descansado:nâo vamos ser devorados

-'buraconegro

Três cientistas em Lisboa quiseram ver se todos os astrosacabam um dia em buracos negros, objectos tão densos e

maciços que atraem tudo o que está à volta. Para tal, fizeramcálculos num supercomputador chamado Baltasar Sete-Sóis,onde a ciência também se encontrou com a literatura

Teresa Firminopergunta de parti-da era: poderiamestrelas como o

Sol, planetas co-mo a Terra ou atéastros mais peque-nos transformar-seem buracos negros,

nósa espe-

rar muito pacientemente milhõese milhões de anos até surgir essa

evolução? A resposta é que o nos-so Sol e a nossa Terra não se irãotransformar nesses monstros super-maciços que sugam tudo em redor- conclui uma equipa do CentroMultidisciplinar de Astrofísica(Centra) do Instituto SuperiorTécnico de Lisboa, após uma sériede cálculos complexos no super-computador Baltasar Sete-Sóis, no-me inspirado em Baltasar Mateus,o Sete-Sóis, personagem de José

Saramago em Memorial do Convento.

À primeira vista, a interrogação debase ao trabalho até pode parecerdesconcertante, no sentido em quea opinião unânime da comunidadecientífica já era a de que apenas as

estrelas muito maciças - com pelomenos três vezes a massa do nossoSol - se transformariam em buracos

negros no final da sua vida. Assimsendo, só estas estrelas poderiamoriginar astros muito densos, comuma força gravítica tremenda quenão deixaria escapar a matéria nem

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a luz, uma vez lá caídas.

Quando tivessem consumido todoo combustível em reacções de fusãonuclear dos seus átomos, o que atéaí sustinha estas estrelas gigantes, a

gravidade exercida pela matéria aca-baria por vencer outras forças de re-sistência e elas contrair-se-iam. Ouseja, a matéria colapsaria sobre si

própria e estas estrelas tornar-se-iamextremamente compactas. Como a

observação directa destes astros é

impossível - são como um buraco

negro no espaço -, a sua existênciatem sido detectada através dos efei-tos que causam na vizinhança, comodevoradores de matéria e energia.

"Ao fim de 50 anos de estudos,acreditávamos que a Terra, o Sol eoutros astros não colapsam porqueexiste uma pressão à superfície edentro dos próprios astros, que é

responsável pelo facto de não nos en-fiarmos pelo planeta adentro", expli-ca-nos Vítor Cardoso, astrofísico doCentra. "No Sol, essa pressão surgemaioritariamente da radiação que é

gerada pela fusão nuclear que ocorrelá dentro. Mas quando uma estrelamuito maior do que o Sol queimavatodo combustível, acreditávamosque não ia aguentar o próprio pesoe caía sobre si própria. Pensávamos

que a única maneira de formar umburaco negro seria ter muita matériae deixá-la cair sobre si mesma."

Mas em 2011, instalou-se a dúvidasobre esta unanimidade: os investi-

gadores polacos Piotr Bizon e Andr-

zej Rostworowski, da UniversidadeJaguelónica, em Cracóvia, pegaramnas equações de Einstein na sua te-oria da relatividade geral (de 1915) e

procuraram resolvê-las, para encon-trar soluções que descrevessem ma-tematicamente os buracos negros, o

que exigiu um supercomputador."As equações da relatividade são

tremendamente complicadas de re-solver e têm muitas soluções - talcomo a 'fórmula' da biologia dá ori-

gem a muitos seres vivos diferentes",explica Vítor Cardoso. "Só muito re-

centemente, a começar em 2005 ou2006, é que conseguimos percebercomo conseguir pôr os computado-res a resolver as equações, em situ-

ações muito complexas."0 artigo que os dois investigadores

polacos publicaram, na revista Physi-calßeviewLetters, concluía que mes-mo uma pequena quantidade de ma-téria acabaria em buraco negro, seestivesse confinada num espaço. Por

exemplo, se estivesse literalmentecircunscrita numa caixa hermética.

"Mostraram que se conseguísse-mos manter a matéria fechada numacaixa, de onde não pudesse sair, se

esperássemos e olhássemos lá paradentro, iríamos ver um buraco ne-

gro. O tempo que teríamos de espe-rar dependeria da quantidade dematéria que se pusesse lá no início",esclarece Vítor Cardoso. "Isso podenão parecer muito surpreendente,mas seria uma mudança completade paradigma: não pensávamos quebastaria ter uma pequena quantida-de de matéria para dar um buraco

negro, desde que conseguisse estarfechada num certo sítio."

A confirmar-se, esta mudança de

paradigma levantaria novos proble-mas teóricos: "Seria de esperar quecomeçassem a formar-se buracos ne-

gros em muitas circunstâncias."Antes de mais, teriam logo surgido

muitos buracos negros no início douniverso, após o Big Bang há 13.800milhões de anos: "Havia muita maté-ria concentrada num sítio fechado, e

pequeno na altura, que era o própriouniverso. Se a formação de buracos

negros aconteceu no início do uni-

verso, eles teriam sobrevivido e de-veríamos ver esses buracos negrosprimordiais. Mas não os vemos."

Suceder-se-iam outros proble-mas teóricos, mesmo na realidadedo nosso quotidiano. Um exemplo:"Num planeta como a Terra, o marmantém-se à superfície e não podesair daí. Mas, nos resultados dos

polacos, se estivéssemos dispostosa esperar muito tempo, mais cedo oumais tarde veríamos a formação deum buraco negro: o mar daria, den-

tro dele, origem a um buraco negro.É um resultado estranho."

A estranheza continuaria. Qual-quer coisa de onde a matéria não sa-

ísse acabaria por formar um buraco

negro, como a crosta da Terra.Ao longo dos 13.800 milhões de

anos de evolução do universo, a re-alidade já se encarregou de mostrar

que estes casos drásticos de buracos

negros não devem acontecer. "Mas,infelizmente, não temos acesso aoinício do Universo. A experiência dodia-a-dia é valiosa, mas tem limites.Se confiarmos muito nela, o universo

sempre foi como é agora. Não o verí-amos a evoluir. O Sol esteve sempreali, a Lua esteve sempre ali."

Por isso, Vítor Cardoso, juntamen-te com o japonês Hirotada Okawa e

o italiano Paolo Pani, todos do Cen-tra, foram verificar até que ponto osburacos negros podem ser comuns.Fizeram-no através de simulações nu-méricas que encontrassem soluçõespara as equações de Einstein, usan-do o supercomputador do grupo de

investigação coordenado por VítorCardoso, o Baltasar Sete-Sóis.

"Repetimos os cálculos dos pola-cos para ver se o cenário tão drás-tico deles era generalizado", contao investigador. "Será que se forma

sempre um buraco negro ou tambémpode formar-se uma estrela estável

que não vai dar um buraco negro?"Só que os três investigadores in-

troduziram algum realismo nas suas

simulações. Para tal, consideraram

que a matéria nunca está perfeita-mente fechada numa caixa: numa es-trela como o nosso Sol, por exemplo,a matéria vai-se sempre libertandosob a forma de energia, o que po-deria ser suficiente para impedir onascimento de um buraco negro.

O que demonstraram, num artigoa publicar na revista PhysicalßeviewD, é que um buraco negro só surgeem circunstâncias especiais. "Parecetrivial, mas não é. O nosso trabalhodemonstrou que, realmente, a teoriaconcorda com as observações. Isto

explica a maior parte das coisas quevemos [no universo]", diz Cardoso.

Que circunstâncias especiais sãoentão essas? "Em princípio, um bu-raco negro forma-se quando umaquantidade suficiente de massa estáconfinada numa zona suficientemen-te pequena", explica outro dos auto-

res do trabalho, Hirotada Okawa,num comunicado do Centra.

Nem sempre essas condições es-

peciais estão reunidas. Por um lado,os astros com até três vezes a massado Sol vão dissipando a sua energia,escapando ao destino de buracos

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negros. Por outro lado - e emboraa matéria atraia matéria, atravésda gravidade -, há outras forçasque contrariam a gravidade, co-mo a pressão à superfície da Terra e

que não nos deixa afundar no chão.Ou a pressão exercida em astros jámaiores do que a Terra, como o Sol,sustido neste caso enquanto conso-me o seu combustível em reacçõesde fusão nuclear. Já agora, diga-seque, quando o Sol começar a mor-rer, daqui a uns 5000 milhões deanos, irá originar uma anã-branca.

Expelirá a parte exterior, restandoum núcleo comprimido pequenoe denso, que ainda assim não seráum buraco negro.

"Como há forças repulsivas queactuam de forma a contrariar a for-

ça gravítica, este confinamento não

ocorre normalmente e não estamosrodeados de buracos negros forma-dos a partir de sóis ou de planetas",

conclui Hirotada Okawa. "Em casos

realistas, pode ocorrer o colapso da

matéria, mas não é assim tão fácil",frisa também Paolo Pani.

Portanto, aqui na Terra e nasproximidades não há o perigo desermos engolidos por um buraco

negro e o que se pensava sobre asua formação mantém-se, segun-do os resultados da equipa em Por-

tugal. "O nosso artigo demonstraque podemos estar descansados.A gravidade nem sempre ganha",resume Vítor Cardoso.

Falta agora apresentar o BaltasarSete-Sóis, que passou dois meses aresolver equações para a equipachegar a estas conclusões. Tornou-se uma realidade quando, em 2010,Vítor Cardoso ganhou um milhãode euros do Conselho Europeu de

Investigação. "[O dinheiro] era paraestudar os segredos das equaçõesde Einstein, incluindo os segredos

sobre os buracos negros", conta o

cientista, que com cem mil euros

comprou o supercomputador.Havia depois que lhe dar um no-

me. Como Vítor Cardoso e a suamulher, designer, gostam de Sara-

mago, encontraram inspiração emBaltasar, o Sete-Sóis, de Memorialdo Convento, que ao perder umamão na guerra foi mandado embo-ra do Exército, arranjou trabalhono Convento de Mafra, onde conhe-cerá Blimunda, e ajudará o padreBartolomeu Lourenço a construir a

passarola. "É Baltasar Sete-Sóis queajuda o padre Bartolomeu a cons-truir o sonho: uma máquina voado-

ra. Dá o trabalho para se construiressa máquina, apesar de ser outra

pessoa que ia voar nela", nota Ví-tor Cardoso. "No nosso caso, a má-

quina é que nos ajuda a resolver as

equações, é uma amiga."

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Ilustração artística de umburaco negro e o investigadorVítor Cardoso