NOBRE, Marcos. Et Al. O Que é Pesquisa Em Direito

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Pesquisa jurídicaEpistemologiaDogmática

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  • Diretoria

    FGV CARLOS IVAN SIMONSEN LEAL - Presidente da FGV FRANCISCO OSWALDO NEVES DORNELLES - Vice-Presidente

    MANOEL FERNANDO T HOMPSON MOITA - Vice-Presidente

    MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE - VicePresidente JOS AFFONSO BARBOSA - Diretor G eral

    EDESP ARY OSWALDO MATTOS FILHO - Diretor da FGV-EDESP ANTONIO ANGARITA - Vice-diretor da FGV-EDESP PAULO CLARINDO GOLOSCHMIUI" - Vice-diretor Administrativo da FGV-EDESP JEAN PAUL VEIGA DA ROCHA - Coordenador de Metodologia de Ensino FGV-EDESP JOS RODRIGO RODRIGUEZ - Coordenador de Pesquisas e Publicaes ESDRAS BORGES COSTA - Assessor da Diretoria - FGV-EDESP

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reproduo total ou parcial, por qualquer melo ou processo, especialmente por sistemas gr.lflcos, mlcrofllmlcos. fotogrficos, reprogrficos. fonogrficos, vldeogr.lflcos. Vedada a memorizao e/ou a recuperao total ou parcial, bem como a Incluso de qualquer pane desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibies apllcam-se tambm s caractersticas gr.lflcas da obra e sua editorao. A violao dos direitos autorais punvel como crime (arr. 181 e pargrafos do Cdigo Penal), com pena de prlslo e multa, busca e apreenslo e Indenizaes diversas (ares. 101 a 110 da Lei 9,610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

    MARCOS NOBRE

    JUDITH MARTINS COSTA

    CARLOS ARI SUNDFELD

    SRGIO ADORNO

    OscAR VILHENA V1EIRA

    PERSIO ARIDA

    CALIXTO SALOMO FILHO

    TRCIO SAMPAIO FERRAZ JR,

    JOS REINALDO LIMA LOPES

    RONALDO PORTO MACEDO )R,

    THEODOMIRO DIAS NETO

    CASSIO SCARPINELLA BUENO

    PAULA FORGIONI

    O QUE E PESQUISA EM DIREITO?

    Editora Quartier Latin do Brasil So Paulo, vero de 2005

    quartierla tin@quartier la tin. art. br

  • Editora Quartier Latln do Brasil Rua Santo Amaro, 349 - Centro - So Paulo

    Editor: Vinicius Vieira

    Formado em Admlnlstra/lo de Empresas pela Fundallo Get//o Vargas - FGV-SP

    Editora de Texto: Prlsclla Tanaca

    Mestranda em Direito na PLJC-SP

    Produo Editorial: Mnica A, Guedes

    Formada em Letras pela FFLCH-LJSP

    Arte: Wlldlney DI Masl

    Designer Grfico pela Fac. Oswnldo Cmz

    Elaborao das Notas: Ana Mara Machado

    Nobre, Marcos et a/li. O que pesquisa em Direito? - So Paulo: Quartler Latln, 2005.

    1. Metodologia Jurdica - Brasil 1.Ttulo

    ndice para catlogo sistemtico:

    1. Brasil: Metodologia Jurdica

    www.quartlerlatln.art.br

    SUMRIO

    Nota de Abertura ....................................................... 7

    Prefcio ................................................................... 13

    aptulo I

    O que pesquisa em Direito? .................................. 21 Parte I

    Marcos Nobre ... : ........................................ 23 Parte 1.1

    Judith Martins Costa ................................... 38 Parte 1.2

    Carlos Ari Sundfeld ..................................... 46

    Captulo li

    A relao entre dogmtica Jurdica e pesquisa ........ 71 Parte 2

    Trcio Sampaio Ferraz Jr . ............................ 73 Parte 2.1

    Jos Reinaldo Lima Lopes ............................ 80 Parte 2.2

    Ronaldo Porto Macedo Jr. ............................ 86

  • Captulo Ili Direito e Cincias Humanas .................................. 107

    Parte 3 Srgio Adorno ............................................ 109

    Parte 3. 1 Oscar Vilhena Vieira ................................. 119

    Captulo IV NOTA DE ABERTURA Direito e Economia ................................................ 139

    Parte 4 Persio Arida ............................................... 141

    Parte 4.1 Calixto Salomo Filho ................................ 151

    Captulo V As reas do Direito e especificidades em matria de pesquisa ............................................... 1 73

    Parte 5 Theodomiro Dias Neto ............................... 1 75

    Parte 5.1 Cassio Scarplnella Bueno ........................... 180

    Parte 5.2

    Paula Forglonl ........................................... J 86

  • O que pesquisa em Direito 7 9

    O evento "O que pesquisa em direito?" realizado em 2002 marcou a trajetria de Escola de Direito de So Paulo da Fundao Getlio Vargas. A experincia do Simpsio, agora publicado sob a forma de livro, foi crudal para orientar as grandes linhas que pautam a atuao da Coordenadoria de Pesquisas e Publicaes. A agudeza e a profundidade dos debates ocorridos na ocasio fez nascer na Diretoria da Escola a convico de que tais atividades devem caracterizar-se pela crtica sem concesses exercitada em tempo integral por um grupo de profissionais voltado exclusivamente para a pesquisa e para a docncia.

    A adoo de tal regime de trabalho tem como objetivo proporcionar aos nossos professores tempo e disposio para a pesquisa de todas as fontes relevantes para as questes de que tratam, especialmente a jurisprudncia, muitas vezes negligenciada pela Doutrina nacional e deixada de lado no ensino do Direito. Alm disso, estes profissionais tero a disponibilidade de meios e o tempo hbil para o envolvimento em debates interdisciplinares.

    A Escola de Direito da FGV no tem medido esforos para formar um quadro de pesquisadores de qualidade, dotado de condies materiais para o desenvolvimento de seus projetos de pesquisa num ambiente de crtica aberta.

  • 10 Escola de Direito da Fundao Getlio Vargas

    Tais esforos comeam a mostrar seus primeiros resultados, que certamente se multiplicaro em curto prazo.

    Estamos convictos de que a exposio pblica de nossas atividades em um ambiente de crtica o melhor caminho para o desenvolvimento de um trabalho cientfico de alto nvel. Por este motivo, todas as reunies em que so discutidos produtos de nossa atividade acadmica tm contado com a participao de conviddos externos Escola, entre professores, estudantes e profissionais do mercado.

    Alm disso, a Escola desenvolve uma poltica voltada para a publicao de sua produo expondo-se ao crivo da comunidade acadmica brasileira por meio dos Cadernos Direito GV e uma coletnea de teses, dissertaes e trabalhos monogrficos. Num futuro prximo, ser lanada nossa revista de Direito e uma linha de livros didticos que incorporaro as metodologias de ensino que utilizamos no curso de graduao.

    A divergncia de opinies central para que a Escola de Direito de So Paulo no desenvolva maneirismos que limitem a capacidade de crtica e autocrtica de seus profissionais. A pluralidade de pontos de vista e abordagens tericas presentes no ambiente de nossa Escola tm contribudo para o bom nvel do trabalho intelectual que comeamos a realizar. Aguardamos com ansiedade os comentrios e crticas de nossos eventuais leitores com a certeza de que sero material precioso para o prosseguimento de nossas atividades.

    A pesquisa um trabalho sem fim. Como nos explicou Max Weber, as cincias da cultura se orientam para a ma-

    O que pesquisa em Direito l 11

    tria que estudam conforme um determinado modo de representar os problemas. Este modo de representar tende a se perpetuar. Os princpios metodolgicos so transformados em um fim em si mesmo, deixando-se de controlar o vlor cognitivo do aparelho conceituai estabelecido.

    "Mas um dia o significado dos pontos de vista adotados Irrefletidamente se torna Incerto e o caminho se perde no crepsculo. A luz dos grandes problemas culturais desloca-se para alm. Ento, a cincia tambm muda seu cenrio e o seu aparelho conceituai e fita o fluxo do devir das alturas do pensamento. Segue a rota dos astros que unicamente pode dar sentido e rumo ao seu trabalho:

    '( ... ) 'desperta o novo impulso; lano-me para sorver sua luz eterna; diante de mim o dia, atrs a noite, Acima de mim o cu, abaixo as ondas."' (Fausto, de Goethe)

    So Paulo, 10 de novembro de 2004.

    Jos Rodrigo Rodriguez Coordenador de Pesquisas e Publicaes da

    Escola de Direito da Fundao Getllo Vargas

  • o que pesquisa em Direito l IS

    No incio de 2002, Roberto Mangabeira Unger (Direito/Harvard) escreveu para Fundao Getlio Vargas o ensaio: "Uma Nova Faculdade de Direito no Brasi/" 1 Era o incio do projeto de criao da Escola de Direito do Rio de Janeiro e da Escola de Direito de So Paulo da FGV. Esse texto, que circulou nas mesas de discusso das equipes convidadas para elaborar os projetos acadmicos dessas escolas propunha uma reviso no s do ensino do direito, mas uma crtica noo de "cincia do direito" que estaria na base da formao de geraes e geraes de juristas no Brasil. Nesse texto, Unger aponta uma contradio e um paradoxo.

    A contradio: o "formalismo doutrinrio" sempre "ressurgiria das cinzas, como fnix"; ou na forma do "estudo das idias jurdicas como um sistema que se pudesse analisar por mtodos quase dedutivos e a exposio do contedo do direito positivo: o direito tal como construdo por legisladores e juzes" (''antigo formalismo"); ou na forma da "concepo de que as normas devem ser analisadas com vistas aos valores, aos interesses, s polticas pblicas subjacentes, concedendo ao jurista a tarefa de melhorar o

    h ttp:/ /www.law.harvard.edu/facu I ty /u nger /po rtuguese/ proje.php

  • 16 Escola de Direito da Fundao Get/lo Vargas

    direito ao interpret-lo, reportando-o a Interesses mais gerais e diminuindo a influncia das concesses aos 'iobbies'" ("novo formalismo").

    Entre o antigo e o novo formalismo, o ensino Jurdico continuaria, afirmava Unger, distante tanto de um pensamento verdadeiramente terico quanto de uma utilidade profissional imediata. "Sem servir nem teoria nem prtica, resvala na tentativa de casar um amontoado de regras - contedo do direito positivo - com um sistema fossilizado de conceitos doutrinrios".

    O paradoxo: em pases onde a orientao dos alunos seria menos dirigida para a profissionalizao, o contedo do ensino seria mais tcnico. E nos Estados Unidos, onde a orientao do aluno claramente dirigida para a profissionalizao, as faculdades de direito mais influentes teriam o ensino menos tcnico e mais aberto do mundo a outras reas do conhecimento. O Brasil, segundo Unger, pareceria ser uma exceo: "parece combinar hoje a base relativamente estreita - a maioria dos alunos a caminho de carreiras de direito - e o contedo relativamente estreito, em transio do formalismo antiga para o neoformalismo, a discusso estilizada de polticas pblicas com base para a interpretao do direito".

    No cabe apontar aqui a "receita" proposta em segui-. da por Unger ou no que teriam se tornado os projetos das duas "Novas Escolas". Contudo, a crtica ao formalismo jurdico e a crtica ao ensino com objetivos profissionalizantes com sentido meramente "tcnico" parece ter na base uma crtica noo de "cincia do direito" ou uma crtica noo de "cincia do direito" tal como concebida pelas "vertentes"

    O que pesquisa em Direito l 17

    do formalismo Jurdico. Esse sentido crtico esteve na base das reflexes acadmicas no processo de constituio da rea de pesquisa da Escola de Direito de So Paulo da Fundao Getlio Vargas (FGV-EDESP).

    Nesse contexto, em dezembro de 2002 a FGV-EDESP organizou em parceria com o Ncleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (CEBRAP) o seminrio "O que pesquisa em Direito?". Marcos Nobre (Filosofia/UNICAMP) escreveu um texto especialmente para o evento, publicado posteriormente na revista Novos Estudos do CEBRAP: "Apontamentos sobre a Pesquisa em Direito noBras//"2 Esse texto teve uma funo estratgica no processo de tentativa de criao de algo novo em matria de reflexo sobre pesquisa Jurdica no Brasil, tendo a FGV-EDESPcomo "laboratrio" a ser institucionalizado.

    Contudo, para alm do sentido estratgico do seminrio, Marcos Nobre parece ter escolhido tocar, de forma direta, porm sutil, dado o propsito do texto em questo, nas tenses que esto presentes na base do debate sobre o formalismo Jurdico. Escolheu, dialogando com o Trcio Sampaio Ferraz (Direito/LISP), enfrentar a distino entre "tcnica Jurdica" e "cincia do direito" diretamente relacionada distino entre "doutrina" e "dogmtica". Fez a crtica ao conceito de "decidibilidade" que Sampaio Ferraz utilizaria para caracterizar a especificidade do direito enquanto cincia. O "estatuto tecnolgico" do direito na argumentao de Sampaio Ferraz poderia ter como

    2 Marcos Nobre, uApontamentos sobre a pesquisa em Direito no Brasil" in Novos Estudos, n 66, Jufo de 2003. pp. 145-155.

  • 18 Escola de Direito da Fundao Getlio Vatgas

    conseqncia - assumindo a "decidibilidade" como critrio distintivo - uma perspectiva de produo "cientfica" ("dogmtica" enquanto sistematizao da "doutrina") ligada idia de pesquisa e ensino com objetivos meramente "profissionalizantes".

    A relao entre pesquisa e ensino esteve, desde o incio, ao meu ver, no cerne da preocupao do projeto de criao da FGV-EDESP. Seja na forma da criao de uma rea de metodologia de ensino, seja na forma da criao de um ncleo de pesquisa jurdica inovadora, a FGV-EDESP parece ter procurado lanar uma escola de direito na qual pesquisa e ensino no esto dissociadas, seguindo o padro Internacional de excelncia acadmica que deu certo nas outras reas das cincias sociais.

    Nesse contexto, a Inovao na forma e no contedo da pesquisa e do ensino em Direito no Brasil foi tematizada no seminrio "O que pesquisa em Direito?", agora acessvel por meio dessa publicao que contm a transcrio das apresentaes que foram feitas por diferentes intelectuais representantes do pensamento jurdico e polticosoclal brasileiro, bem como dos debates ocorridos durante o evento.

    A relao de textos e dos debates transcritos segue exatamente a estrutura do seminrio. O leitor poder acompanhar reflexes que dizem respeito aos problemas em matria de pesquisa Jurdica no plano terico, mas, acima de tudo, reflexes sobre o que poderia significar um novo modelo de pesquisa Jurdica e de ensino do direito. Assim, no horizonte, esse seminrio proporcionou, ao meu ver, mais do que um discusso sobre pesquisa.

    O que pesquisa em Direito ? 19

    Proporcionou a discusso pblica do projeto de criao de uma nova escola de Direito no Brasil.

    Como o leitor poder verificar, as apresentaes e debates permitem ampla discusso e reflexo sobre o formalismo Jurdico, o sentido do ensino com objetivos meramente profissionalizantes, a pesquisa Jurdica limitada exclusivamente a aspectos de decidibilidade, o sentido de uma carreira de novo tipo no regime integral de dedicao ao ensino e pesquisa, a abertura e inter-relao da pesquisa jurdica com outras reas do conhecimento, a funo social da dogmtica jurdica e a especificidade do Direito em relao a outras reas das cincias sociais, e a abertura da pesquisa jurdica na compreenso do funcionamento das instituies (polticas, econmicas, etc).

    Como o leitor poder avaliar, o tratamento da "dogmtica Jurdica" em matria de pesquisa discutido. Mas "dogmtica" para alm dos "formalismos jurdicos"; uma concepo alargada de "dogmtica" ligada a correntes de pensamento terico com pretenso de "explicar" ou "compreender" o funcionamento do sistema jurdico e das Instituies e das formas e relaes sociais enquanto fenmenos jurdicos.

    A realizao desse evento no teria sido possvel sem o apolo e entusiasmo permanentes dos professores AryOswaldo Mattos Filho, Antonio Angarita e Esdras Borges.Maros Nobre, Ricardo Terra e os colegas do Ncleo Direito e Democracia do CEBRAP, muitos deles hoje pesquisadores e professores da FGV-EDESP, marcaram asdiscusses acadmicas que precederam realizao do

  • 20 Escola de Direito da F11ndaao Get//o Vargas

    evento. Tiago Cortez e Jean Paul Rocha organizaram o evento juntamente comigo, sendo figuras fundamentais para que o evento pudesse ocorrer. Os participantes reunidos no evento produziram trabalhos e participaram lntensamen te dos debates, marcando o sentido e o momento histrico de sua realizao . No entanto, o resultado do evento ora publicado na forma de livro s foi possvel pelo empenho e senslbllldade de Jos Rodrigo. Rodriguez, atual coordenador da rea de pesquisas e publicaes da FGV-EDESP, a quem agradeo pelo convite para escrever este prefcio.

    So Paulo, 31 de outubro de 2004

    Paulo Mattos

    .....

    CAPTULO I

    O QUE PESQUISA EM DIREITO?

  • "-;

    o que pesquisa em Direito l

    PARTE I

    MARCOS NOBRE Professor de Filosofia do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade de Campinas

    Pesquisador do CEBRAP

    23

    A pergunta que tomarei como ponto de partida e como fio condutor da minha exposio a seguinte: o que permite explicar que o Direito, como disciplina acadmica, no tenha acompanhado o vertiginoso crescimento qualitativo da pesquisa em Cincias Humanas no Brasil, nos ltimos 30 anos? Essa pergunta tem, basicamente, dois pressupostos. Em primeiro lugar, a pesquisa cientfica em Cincias Humanas, no Pas, atingiu patamares comparveis aos Internacionais em muitas disciplinas, e isto se deve bem-sucedida implantao de um sistema de psgraduao no Brasil. No demonstrarei este pressuposto, porque acho evidente o salto que deu nosso Pas, principalmente nas trs ltimas dcadas, mesmo em comparao com a China e a ndia - reconhecidos pela alta produo cientfica. Em segundo lugar, pressuponho que o Direito no conta entre essas disciplinas em que a pes-

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    quisa atingiu patamares de excelncia Internacionais, embora acredite que ele acompanhou quantitativamente esse crescimento e, em segundo lugar, houve, claro, progressos qualitativos. Dei-me o trabalho de acompanhar manuais de alguns ramos do Direito de 20 ou 40 anos atrs. espantoso como melhorou, mas no tanto quanto nas outras dlsclplinas das Cincias Humanas. Tentarei explicar por que h essa relativa Indigncia do Direito brasileiro quando comparado a outras matrias.

    A minha hiptese que esse atraso est ligado a dois fatores fundamentais. Em primeiro lugar, o Isolamento em relao a outras disciplinas das Cincias Humanas e uma peculiar confuso entre prtica profissional e pesquisa acadmica. da combinao destes dois fatores que ir resultar uma relao extremamente precria com as disciplinas das Cincias Humanas, como na concepo de o que o objeto da Cincia do Direito. Esses dois fatores,que discutirei a partir de agora, me levaro a analisarqual a natureza e o objeto de investigao do Direito,tal qual os vejo. Mas esta uma exposio para lanarproblemas, para que possamos ver se esse diagnsticoque apresento agora plausvel ou no.

    Digo, J de sada, que tenho dois nortes nesse exame dos dois fatores - que Julgo fundamentais. Primeiramente, acho que desse diagnstico tiramos que o modelo de curso de Direito, tal como em vigor no Brasil at hoje, est fadado obsolescncia (ou ultrapassado). Ou os cursos de Direito se reformam - e isto s ser possvel se houver uma concepo de pesquisa nova e renovada no Direito-, ou se tornaro irrelevantes. Neste segundo caso, o resul

    O que pesquisa em Direito 7 25

    tado ser que sem o Direito no conseguiremos entender o Brasil e, por conseguinte, haver uma ausncia marcanteno que chamo de consrcio das Cincias Humanas.

    Passo, ento, ao exame do primeiro dos fatores, que a relao do Direito com as outras dlsclpllnas das Cincias Humanas. Esse isolamento que apontei, em relao a outras matrias nos ltimos 30 anos, se deve a dois elementos principais. O Direito mais antigo que as outras disciplinas, no s no Brasil, e este princpio de antigidade fez com que estivesse diretamente ligado ao poder poltico do Pas, no sculo XIX, podendo se arrogar a condio de "disciplina-rainha" das Cincias Humanas - at 1980, condio da Sociologia.

    Hoje, temos uma situao bastante diferenciada em relao s cincias e, se pudssemos falar de alguma hegemonia, falaramos em uma hegemonia da Economia. Mas passamos a ver que o Direito desempenha um papel lnternaclonalmente fundamental na organizao da pauta das Cincias Humanas. Infelizmente, estamos ficando para trs no Brasil e, se no fizermos um movimento rpido, deixaremos de alcanar esse novo arranjo mundial das Cincias Humanas. Acho Importante destacar o fato de a Universidade Nacional Desenvolvimentlsta - verdadeira Universidade Tempor - ser Implantada contra o Direito, como se ele condensasse todos os defeitos a serem superados. No me importa se Isto real ou no, mas, somente, reconstituir como era entendido por seus atores. Quais eram os obstculos a serem vencidos? A falta de rigor cientfico, um ecletismo terico e uma Inadmissvel falta de Independncia em relao moral e poltica - o dado elementar da univer-

    h

  • 26 Escola de Direito da Fundao Getlio Vargas

    sidade em seu projeto moderno. Essa situao levou, ento, a um entrincheiramento mtuo; criou-se um fosso entre o Direito e as demais disciplinas humanas no Brasil. Tanto que vimos, durante dcadas, os projetos interdisciplinares das Cincias Humanas no contando com tericos do Direito em seus quadros. Do outro lado, o Direito s considerava as Cincias Humanas na medida em que traziam algum elemento para reflexo propriamente Jurdica. No havia um dilogo efetivo. Os dois lados perderam com esse isolamento, mas, realizando um balano, parece que o Direito perdeu mais em termos de avano e de pesquisa.

    H um exemplo que parece cabal do fracasso em integrar o Direito s demais Cincias Humanas - experincia do CEPED' e esforo do professor David Trubek, uma figura de referncia nos atuais debates europeus e americanos.

    Acredito que essa situao de bloqueio objetivo, ou muro entre o Direito e as outras cincias, comea a se modificar na dcada de 90 por duas razes. Primeiro, porque o sistema universitrio brasileiro J est implantado e, logo,

    Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito - Criado em 1966, o CEPED um rgo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Foi criado com a finalidade de aperfeioar o ensino jurdico e a realizar pesquisas e estudos especializados no campo do Direito. Dirigido desde a sua fundao pelo Professor Calo Tcito de S Viana Pereira de Vasconcelos, professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara, o CEPED reuniu um grupo de professores brasileiros Insatisfeitos com o estado do ensino e da pesquisa em Direito no Brasil. A figura central nas atividades do CEPED foi o ento Consultor Jurdico da Agncia do Desenvolvimento Internacional do Governo dos Estados Unidos do Brasil (USAID), Professor David Trubek, hoje na Universidade de Wlsconsln.

    O que pesquisa em Direito l 27

    o Direito no representa mais um "perigo". O bacharelismono consegue mais contaminar as Cincias Humanas, queJ esto vacinadas. H, tambm, a experincia da Constituio de 1 988. Esses fatores, conjugados, so suficientespara chamar a ateno dos tericos das Cincias Sociaisquanto ausncia do Direito em suas reflexes, durantedcadas, formando uma lacuna a se_r suprimida. Assim, apartir da dcada de 90, cientistas sociais, filsofos e historiadores passam a se interessar de uma maneira acentuada pelo Direito. Mas este interesse no alterou a situao, e continuamos a ter um fosso. Quando os tericos do Direito so chamados para um consrcio interdisciplinar, eles vm mais como consultores, para dizer qual o ponto de vista do Direito, que propriamente visando construir um dilogo, como ocorreu com outras disciplinas das Cincias Humanas. Existem especialidades, a perspectiva antropolgica diferente da sociolgica, e ainda assim criou-se u m clima de debate Interdisciplinar que no conseguimos reproduzir no Direito. Penso que no caso dos tericos do Direito, mantmse a perspectiva da Sociologia, da Antropologia, da Histria e da Economia como merecedoras de Importncia apenas quando tangem a reflexo propriamente Jurldlca. Mas claro que, a, h problemas de traduo, Justamente porque a universidade brasileira foi bem-sucedida em sua implantao.

    O problema maior definir o padro de pesquisa das Cincias Sociais e o padro de pesquisa em Direito, e como os dois esto Institucionalizados quanto a ensino e pesquisa. Esse relativo Isolamento do Direito no pcide ser separa-

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    do do que chamo de uma peculiar confuso entre prtica profissional e elaborao terica. Acho que explica esse isolamento, alm das caractersticas fundamentais da Implantao da universidade brasileira e dos elementos histricos, um bloqueio objetivo existente para que no se Implante no Direito uma concepo nova de pesquisa. O que bloqueia esta concepo a confuso, que comeo a expor agora.

    Inicio esta explicao contando uma histria, atravs de um terico americano chamado David Luban2 No Incio de seu livro, chamado "Legal Modernlsm" 3, ele relata a Indicao do juiz Robert Bork para a Suprema Corte Americana. Ao relatar isto, o que Importa a Luban otestemunho de um conhecido professor de Yale, GeorgePriest, favorvel a Bork, ento conhecido por suas crticas virulentas ao direito de privacidade e toda a legislao que diz respeito aos direitos civis. Houve, ento, umacampanha pblica intensa contra a Indicao do juiz, ePrlest deps a seu favor.

    Seu depoimento Ilustra multo bem o ponto que pretendo ressaltar aqui. Disse ele: "de fato, os trabalhos de Bork na rea acadmica revelam posies extremadas, mas no tm nenhuma Importncia ao cargo para o qual foi apontado porque, como magistrado, deve ser moderado

    2 Professor de Direito da Universidade de Maryland e pesquisador do lnstltute for Phllosophy and Publlc Pollcy. Publicou Lawyers and Justice: An Ethlcal Study. Prlnceton Unlverslty Press, 1988 .

    3 LUBAN, David. Legal Modernlsm. Estados Unidos: Unlverslty of Michigan Press, 1994.

    O que pesquisa em Direito l 29

    e respeitador da autoridade da Jurisprudncia". Ao colocar-se a favor da nomeao do Bork Suprema Corte, ele se coloca contra a renovao de seu contrato em Yale. Quando Bork se torna Juiz moderado, ele no pode mais ser professor, porque, nesse momento, ele atrapalhou seu julgamento acadmico. Essa maneira de raciocinar do ma-glstrado atrapalha a boa produo acadmica. Era claro que o Priest sabia o efeito de suas palavras - a maioria dos tericos do Direito enxerga uma distncia entre a prtica Jurdica e a elaborao terica, e procuram justamente suprimir esta lacuna entre os dois, exaltando, desta forma, esta distino. Felizmente, a produo acadmica difere da produo do magistrado e da prtica Jurdica em geral.

    Com esse exemplo, gostaria de ressaltar que, no caso brasllelro, vivenciamos uma confuso entre prtica Jurdica, teoria Jurdica e ensino Jurdico. Particularmente, e considerando as minhas experincias em docncia de primeiro ano - recolhidas no Ncleo de Direito e Democracia -, acredito que se costuma ensinar aos alunos que o mundo se regula pelos manuais de Direito, e no o contrrio. Dificilmente o aluno Iniciar aceitando esta condio; entretanto, no segundo ano J achar natural que o mundo se regule pelos manuais.

    Bem, meu assuntono ser o ensino- a no ser multo Indiretamente. Eu me oncentrarel na pesquisa, atravs do mercado de trabalho no Direito. Aqueles que criticaram as escolas de Direito do Brasll por no prepararem o aluno para o mercado de trabalho andaram equivocados. Acredito que, sim, as melhores escolas preparavam os alunos para que enfrentassem o mercado e desempenhassem as fun-

  • 30 Escola de Direito da Fundao Getlio Vargas

    es do Judicirio. O problema que o mercado do Direito nunca teve padres muito exigentes. E isso gerou a crise da dcada de 90, porque Isto se torna um problema real quando o Pas abre sua economia: estabeleceram,-se novos padres de competncia e novas exigncias, a nveis Internacionais - o que explica o boom de LLMs. A abertura levou a uma exigncia de qualificao cada vez maior. Acho que no tnhamos um mercado exigente porque, em boa medida, as escolas de Direito so as responsveis pelo nvel do mercado de trabalho. Se esse modelo de curso de Direito se mostra lnsatlsfatrlo na dcada de 90, a abertura dever impor mudanas radicais no mercado de trabalho, por mais estatal que seja. Por isso, acho que as escolas no esto preparadas para fornecer profissionais altura. Como no final do sculo XIX, a elite estudar no exterior; mas em vez de Coimbra, as universidades sero as dos Estados Unidos.

    As origens histricas desse amlgama de prtica jurdica, teoria e ensino Jurdico so complexas, e no pretendo analisar mais profundamente. Fiz essa pequena Introduo somente para tornar um pouco mais claro o que direi. H um ponto fundamental para o entendimento de como esse amlgama se d. O padro de o que pesquisa em Direito no Brasil passou a ser o parecer, que se tornou o modelo de pesquisa. Dizer que o parecer desempenha opapel de modelo e que decisivo na produo desseamlgama de prtica, teoria e ensino Jurdicos, significadizer que o parecer no tomado aqui como uma pea jurdica entre outras, mas como um formato padronizado deargumentao, que hoje passa por um quase sinnimo de

    O que pesquisa em Direito ? 31

    produo acadmica na rea de Direito - que penso estar na base da maioria dos trabalhos universitrios, atualmente. O modelo padro do parecer goza desse papel de destaque porque supostamente se distanciaria da atividade advocatcia mais Imediata, embora eu Imagine que, na verdade, refora a sua produo. Quando um advogado ou estagirio de Direito faz uma sistematizao da doutrina da jurisprudncia e da legislao existentes, ele seleciona os argumentos que lhe paream mais teis, de acordo com a estratgia advocatfcla definida, construo da tese jurdica ou para a elaborao de um contrato complexo para uma possvel soluo de caso.

    Quando se trata de um parecer, temos a impresso de que esta lgica advocatcia est afastada. Neste caso, o Jurista se posicionaria como defensor de uma tese semqualquer Interesse ou Influncia da esiratgla advocatciadefinida. Deste modo, a escolha dos argumentos constantes da doutrina J existente e da Jurisprudncia, combinados Interpretao da legislao, seria feita porconvico. Mesmo que nimo do parecerista seja diverso, a lgica que preside a construo da pea a mesma,ou seja, o parecer recolhe o material doutrinrio,Jurlsprudenclal e os devidos ttulos legais unicamente emfuno da tese a ser defendida. No recolhe todo o mate'"

    rlal disponvel, mas to-s a poro do material que vemao encontro da tese a ser defendida; no procura no conjunto do material um padro de racionalidade elnteleglbilidade, para depois formular uma tese explicativa- o que , para mim, o padro de um trabalho acadmicoem Direito. Ento, no caso paradigmtico modelar do pa-

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    recer, a resposta J est dada de antemo. um tipo de investigao cientfica que J possui uma resposta antes de perguntar ao material. Este o problema. Eu no conseguirei avanar na pesquisa em Direito enquanto J souber a resposta antes de fazer a pergunta ao material, J que, quando tenho a resposta, eu s seleciono do material o que importa para defender o que eu J sei. Sem romperessa lgica, no teremos pesquisa em Direito no Brasil.

    Para tentar esclarecer um pouco mais esse ponto, que o que significa ter a resposta antes da formulao da prpria pergunta, acho necessrio discutir qual o objeto da Investigao cientfica e acadmica no mbito do Direito. Tentarei defender a idia de dogmtico, um pouco mais ampla que a por mim dominada atualmente.

    Bem, a dogmtica um ncleo da investigao cientfica no mbito do Direito. A informao no original, no pretendo originalidade, tampouco no pretendo que ela seja consensual. Para evitar qualquer tipo de mal-entendido, quero dizer que no acho que a Investigao cientfica no mbito do Direito significa submeter a disciplina perspectiva da Sociologia ou da Economia. Acredito que existe um objeto especfico de Investigao no mbito do Direito. E no precisa possuir toda a pureza que a teoria advoga (pelo contrrio, um pouco de Impureza sempre bom), mas h de fato um objeto e preciso trabalhar sobre ele. Mesmo no caso da Sociologia Jurdica, quero dizer que a investigao dogmtica um ponto central, mas tem um objetivo diverso do de urna reconstruo em alguns dos ramos do Direito.

    O que pesquisa em Direito l 33

    Temos, ento, de nos perguntar o que dogmtica. Agora, como conectarei Isso com a histria do Juiz Bork ou com o amlgama entre prtica e teoria Jurdica que tentei apontar anteriormente? Utilizarei um texto do professor Terclo Sampaio Ferraz, que considero ter a mais poderosa reflexo sobre a dogmtica que dispomos no Brasil.

    Um trecho da concluso de A Cincia do Direito:

    "A mera tcnica Jurdica que, verdade, alguns costumam confundir com a Cincia do Direito, e que corresponde atividade Jurisdicional no sentido amplo - o trabalho dos advogados, Juzes, promotores, legisladores, parecerlstas e outros -. um dado Importante, mas no a prpria . cincia. Esta se constitui corno urna arquitetnica de modelos, no sentido aristotlico do termo, ou seja, corno uma atividade que os subordina entre si tendo em vista o problema da decidibllldade (e no de urna deciso concreta). Como, porm, a decidibilidade um problema e no uma soluo, uma questo aberta e no um critrio fechado, dominada que est por aporias como as da Justia, da utilidade, da certeza, da legitimidade, da eficincia, da legalidade etc., a arquitetnica Jurdica (combinatria de modelos) depende do modo como colocamos os problemas. Corno os problemas se caracterizam como ausncia de uma so-I uo, abertura para diversas alternativas possveis, a cincia Jurdica se nos depara como um espectro de teorias, s vezes at mesmo ln-

  • 34 Escola de Direito da Fundao Getlio Vargns

    compatveis, que guardam sua unidade no ponto problemtica de sua partida. Corno essas teorias tm uma funo social e uma natureza tecnolgica, elas no constituem meras explicaes dos fenmenos, mas se tornam, na prtica, doutrina, Isto , elas ensinam e dizem corno deve ser feito. O agrupamento de doutrinas em corpos mais ou menos homogneos que transforma, por fim, a Cincia do Direito em Dogmtica Jurdica. Dogmtica , nesse sentido, um corpo de doutrinas, de teorias que tm sua funo bsica em um "docere" (ensinar). Ora, justamente este "docere" que delimita as possibilidades abertas pela questo da decidibilidade, proporcionando certo "fechamento" no critrio de combinao dos modelos. A arquitetnica Jurdica depende, assim, do modo corno colocamos os problemas, mas esse modo est adstrito ao "docere". A Cincia Jurdica coloca problemas para ensinar. Isso a diferencia de outras formas de abordagem do fenmeno Jurdico, corno a Sociologia, a Psicologia, a Histria, a Antropologia etc., que colocam problemas e constituem modelos cuja Inteno multo mais explicativa. Enquanto o cientista do Direito se sente vinculado, na colocao dos problemas, a urna proposta de soluo, possvel e vivel, os demais podem Inclusive suspender o seu Juzo, colocando questes para deix-las em aberto."

    O que pesquisa em Direito 7 35

    Bem, esse texto riqussimo e tem vrios aspectos extremamente complexos que no vm ao caso desenvolver, Mas queria simplesmente, atravs dele, retornar minha argumentao at aqui. Em primeiro lugar, ressaltar a distncia entre o que o professor Tercio chama de mera tcnica Jurdica e a Cincia do Direito, que um ponto essencial. Para Terclo, "a mera tcnica Jurdica corresponde atividade Jurisdicional no sentido amplo - o trabalho dos advogados, Juzes, promotores, legisladores, pareceristas e outros", que o ponto de vista que defendo aqui. Agora, tenho uma dificuldade peculiar com esse texto. Se o que distingue a Cincia do Direito da tcnica Jurdica a decidibilidade em relao a uma deciso concreta, a decidibilidade seria a marca distintiva da Cincia do Direito quando comparada a outras disciplinas das c,fnclas Humanas. Ela exprimiria isso que o professor chama de estatuto tecnolgico, que faria da Cincia do Direito uma doutrina dogmtica. E nesse ponto que tenho dificuldade para acompanhar a argumentao de Tercio, J que, dada a seqncia argumentativa, teramos um movimento de tecnicizao da cincia, o que tornaria a embaralhar os elementos tcnica e cincia do Direito. Ento, mesmo no tendo clareza quanto posio do professor, acho que os termos nos permitem avanar teoricamente na definio do objeto, e particularmente no que diz respeito s diferenas do Direito em relao a outras disciplinas das Cincias Humanas.

    . Se o Direito tem uma especificidade - e acho que tem -, no vejo por que ela deveria impedir que a Cincia do Direito possa ser explicativa. No vejo por que essa

  • 36 Escola de Direito da Fundaao Getlio Vargas

    especificidade do Direito deva Impedir que ela seja explicativa, desde que mantenhamos com vigor a distino entre tcnica e cincia. Igualmente no compreendo por que ela est direcionada unicamente s propostas de soluo. Acho, ento, que possvel realizar reconstrues dogmticas que no tenham compromisso com solues e com a decidibilidade, mas que procurem unicamente compreender o estatuto de determinado instituto na prtica jurisprudencial, que iria para primeiro plano.

    Nesse sentido, a doutrina seria considerada como uma sistematizao d prtica Jurdica e estaria a ela vinculada de maneira lnextrlncvel, tal como defendeu o professor Tercio. Como disse ele, acho que doutrina est ligada prtica, mas no acho que a dogmtica deva se limitar a sistematizar a doutrina; pelo contrrio, acho que Insistir na distncia entre tcnica jurdica e Cincia do Direito s pode ser garantida se distinguir entre dogmtica e doutrina.

    Nesse caso, e guardadas as especificidades, poderse-ia distinguir basicamente entre cincia bsica e detalhada no Direito. Pelo diagnstico que apresentei hoje aqui, falta Justamente pesquisa bsica em Direito e, se ns no distinguirmos ambas, no vamos conseguir o salto qualitativo da pesquisa em Direito que necessitamos urgentemente no Brasil.

    Diante desse exposto, quero apresentar algumas sugestes e propostas que se originam disso. Em primeiro lugar, se quisermos Implantar um modelo novo de pesquisa, a primeira coisa que devemos fazer exigir un:ia dedicao integral pesquisa, ao ensino e extenso de uma parte substancial dos docentes de um curso de Direito.

    O que pesquisa em Direito 7 37

    Para que haja a possibilidade de o Juiz Bork ficar na Suprema Corte enquanto George Priest mantido como professor de Yale 4 , para que haja esta distncia, essa dedicao precisa de um suporte financeiro adequado -no s salarial, como tambm para recursos de pesquisa. Dou o exemplo mencionado pelo professor Trubek, que mostra as comparaes entre a Alemanha e Estados Unidos. "Como na Europa toda, a grande parte dos estudantes de Direito alemes no deixa de ter experincias nas ricas faculdades de Direito norte-americanas. No caso alemo, os estudantes mais brilhantes que vo aos Estados Unidos fazer seus LLMs retornam ao Pas no para integrar os escritrios americanos Instalados na Alemanha, mas para darem continuidade s suas pesquisas ingressando na carreira acadmica. Em contraste com os franceses, que vo Justamente para os escritrios norteamericanos que dominam a advocacia francesa". Assim, comparando os modelos alemo e francs, Trubek conclui que a realidade dos altos Investimentos em pesquisa na Alemanha vem permitindo uma assimilao mais crtica do arcabouo terico norte-americano pelos alemes, e vem gerando uma produo acadmica de maior qualidade que a francesa.

    No caso francs, as presses por mudanas no formalismo do ensino do Direito no teriam grande xito uma vez que os alunos franceses mais brilhantes estariam voltando de seus LLMs para ocupar cargos bem-remunerados nos escritrios norte-americanos que dominaram o

    4 Yale Law School

  • 38 Escola de Direito da Fundao Getlio Vargas

    mercado de advocacia francs. E, em segundo lugar, no haveria na Frana estmulos suficientes pesquisa acadmica por meio de financiamento de centros acadmicos de excelncia descolados do mercado de advocacia.

    Ns nos tornaremos a Alemanha ou a Frana? Este o momento de escolher. Por ltimo, preciso romper defato esse muro com as outras disciplinas das CinciasHumanas. O Direito uma referncia essencial sem a qual impossvel construir a Imagem do Pas ..

    PARTE 1.1

    JUDITH MARTINS COSTA Professora da Faculdade de Direito da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Passando ao largo das muitas concordncias que temos, passo a enfocar minhas discordncias. E h uma discordncia de base epistemolgica: discordamos sobre o que o Direito. E isso nos leva a pensar em como o Direito feito, e como deve ser a pesquisa nesse campo. Eu comeo lembrando Sartre, para quem "o conhecimento o modo de ser, mas na perspectiva materialista no se pode pensar em reduzir o ser ao conhecido". Com essa frase, o escritor introduz o problema da processualidade do conhecimento, que se d vista de uma totalizao sempre em curso. Gosto muito da passagem, porque ela me parece absolutamente descritiva da concepo de como o Direito feito. Para mim,

    O que pesquisa em Direito l 39

    a disciplina tecida cotidianamente pela experincia e pelo amlgama entre teoria e prtica.

    A experincia normativa do Direito, que constitui naturalmente um dos modos da experimentao social, cultural, axiolgica e no pode ser vista ao modo formal, mas como devendo ser permanentemente tecida pela oficina da prtica e pelo laboratrio da teoria, que traduzem essa experincia por meio da linguagem. E na nossa experincia ocidental, essa experimentao normativa por meio de conceitos que so signos de significao. Usamos diarlamente nomes como "crime, contrato, boa-f"; so conceitos absolutamente significativos que atuam sobre as relaes sociais em um processo muito complexo de interao entre faticidade e normatividade. Essa experincia significativa da penso da realidade confirmada por meio de modelos jurdicos produzidos por fontes jurdicas - aquilo que detm a autoridade de prescrever condutas. Mas esse poder de prescritividade atribudo a quatro fontes, que seriam a Lei, a jurisdio, a prtica e a autonomia privada.

    Assim, a modelagem da experincia jurdica um processo muito complexo, que agrega a oficina da prtica e o laboratrio do terico, e que deve estar em contato direto com as razes sociais. Mas, diferentemente do socilogo que descreve e explica as relaes sociais, o jurista - seja o da prtica ou o terico - opera mediante normas queno so causais ou motivacionais, e sim com normas produzidas segundo processos correspondentes a cada umdos tipos de fontes - processos legislativo, jurisdicional,do uso ou da autonomia privada. Deste modo, eles tm

  • " Escola de Direito da Fundaito Getlio Vargas

    retrospectlvldades e prospectlvldades, o que multo Interessante no Direito. H uma Interao entre as fontes, que so estticas_. e os modelos, dinmicos, resultando em positlvao.

    Se a minha concepo sobre o Direito aqui sintetizada essa, creio que a pesquisa Jurdica tem, entre suas funes, o "produzir doutrina". Digo no plural "entre as suas funes", porque no creio que haja somente um modelo, ou mtodo de pesquisa. Creio que a resposta pergunta I mplclta dessa oficina de trabalho necessariamente plural. Mas, antes de falar em doutrina, devo explicar um pouco o que doutrina. Ns, brasileiros, temos uma tradio praxista fortssima, que a traduo dos repertrios de jurisprudncia, dos rgos de mera consulta e dos manuais que infestam o ambiente acadmico. E a essa tradio, que persiste desde o incio dos nossos cursos Jurdicos como um pecado original; soma-se a !egolatria, que tambm uma marca cultural multo fortee que nos vem da influncia francesa. Isso o que o Castanheira Neves5 chama de "doutrina confirmatria", porcontraposio doutrina antecipante que cito aqui.

    Quanto doutrina antecipante, sua misso formular teorias Jurdicas que estejam aptas a resolver os problemas do,presente e a morder o futuro promovendo a reconstruo dos conceitos. Essa reconstruo deve servir como marco para a soluo de problemas prticos e concretos;

    5 Antnio Castanheira Neves, Professor da Universidade de Coimbra. autor de Metodologia Jurdica: problemas fundamentais, Coimbra Editora, 1993.

    O que pesquisa em Direito 7 11

    mas, para isto, precisaramos de uma outra oficina de trabalhos para discutir teorias Jurdicas. Canarls6, que tem um livro muito interessante sobre isso, diz que a funo da teoria na Cincia do Direito tornar as normas mais compreensveis; porm, reconhece que a teoria contm um elemento produtivo, que seria o jurista que utiliza teorias para formulao de novas regras, e da o seu carter antecipante de solues. Tenho absoluta convico que, por uma srie de razes histricas e sociolgicas, esse elemento produtivo da doutrina tem, no Brasil, um peso cultural muito especfico e denso. O praxismo teve um lado vicioso e outro virtuoso. Este, chamo em alguns textos de bartollsmo. Significa o hbito de a Jurisdio tomar a doutrina - Inclusive a estrangeira - como fundamento; portanto, h uma abertura multo Imediata daquela doutrina. Dou aqui o exemplo do que ocorreu comigo em um seminrio de mestrado, onde dava uma aula sobre o princpio do venlre contra factum proprfum exemplificado no Direito Administrativo. Entre os meus alunos estava um Juiz que deixou a aula s IOh, foi para seu gabinete e, horas mais tarde, decidiu uma questo de professores na relao com o Estado - aquele princpio antes nunca usado no Direito Administrativo brasileiro, tornou-se Direito Positivo. Eu estava falando como atuava o venfrle contra factum proprlum na Alemanha.

    Essa uma caracterstica multo Importante porque a doutrina, entre ns, tem um carter quase prescritivo. Se

    6 Claus - Wllhelm Canarls, Professor da Ctedra Karl Larenz na Universidade de Munique, autor de Pensamento Sistemtico e Conceito de Sistema na Cincia do Direito, Fundao Calouste Gulbenkian, 1996.

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    fizermos uma comparao entre as tcnicas sentenciais brasileira e francesa, nos daremos conta dessa imensa abertura que confirma mentalidades diferentes.

    Esse elemento construtivo ou produtivo contido em cada teoria o que Justifica, em meu entender, a pesquisa que visa a explicitao de uma teoria Jurdica. Agora vamos sair do plano das idealidades e vamos ver o que temos. No temos faculdades de Direito, mas sim os "aulreos" da expresso de Juan Capella7 Temos espaos com instalaes absolutamente inadequadas, sem bibliotecas, sem salas de seminrios, salas reservadas para os professores. Temos, sim, espao onde multides de alunos consomem aulas, que so um monlogo repartido entre centenas de consumidores que buscam diplomas de bacharel em Direito, em vez da funo essencial de ensinar. claro que uma pesquisa voltada produo de uma doutrina antecipante pode funcionar como um antdoto - ainda que parcial - contra essa reproduo derivada dos nossos "aulreos". Acho que uma experincia plural essa inconsistncia e falcia do nosso ensino jurdico, gerada, no meu entender, pela reproduo em aula da doutrina confirmatria. Isso analisado de uma maneira muito interessante em um texto antigo do Pletro Barcellona8 , em

    7 Juan Ramn Capella Hernandez, Catedrtico de Fllosofa do Direito da Universidade de Barcelona. Autor de Fruta Proibido - uma aproximao histrico-terica ao estudo do Direito e do Estado, Livraria do Advogado, 2002.

    8 Docente na Universidade de Catania (Itlia), membro doConslglio superlote della Magistratura, Deputado e membroda Comisso de Justia da Cmara. Dirigiu a revista"Democrazla e Dlrltto" e presidiu o Centro di Rlforma delloStato. Autor de Dai/o Stato social ai stato lmmaglnarlo. Crticadei/a razlone funzlona//sta , Bollattl Boringlerl Editore, 1994.

    o que pesquisa em Direito 7 43

    que ele se refere ao carter legendrio com que o Direito estudado e onde explica por que se ensina o direito legendrio. Ele toca em um ponto que quero trazer para nossa discusso. Segundo Barcellona, a doutrina abriu um fosso entre a teoria e a prtica, e na medida que a doutrina abre esse fosso, perde o contato com os Juristas prticos.

    Marcados esses pontos, sinto que j posso explicar as razes de minha discordncia com Marcos Nobre, quando ele afirma haver uma peculiar confuso entre a prtica profissional e a pesquisa acadmica, e que o problema que vem sendo sistematicamente identificado nos trabalhos sobre a crise do ensino do Direito o fato de o ensino jurdico estar fundamentalmente baseado na transmisso do resultado da prtica Jurdica de advogados, juzes, procuradores e promotores, e no na produo acadmica desenvolvida segundo critrios de pesquisa cientfica. Creio eu que a confuso entre prtica profissional e pesquisa acadmica no peculiar, mas sim, peculiaridade. Ela deriva do fato de o fenmeno jurdico constituir essa experincia normada que se processa em uma espcie de espiral entre teoria e prtica. Pelo menos assim nos direitos da famlia continental, no qual existem categorias prvias generalizantes cujo contedo preenchido pela prtica. Por Isso se diz que o Direito atado razo prtica - e ela que polariza a pesquisa.

    Retornando questo do parecer: Marcos Nobre diz que o parecer jurdico no contm a lgica advocatcia que a de ter a resposta e, depois, sair buscando argumentos que reforaro esta resposta que J tem. Acho que um parecer pode ser uma pea produtora de uma verdadeira

  • 44 Escola de Direito da Fundaao Getlio Vargas

    doutrina antecipante. Por qu? O parecer possui dois momentos, incluindo um momento prvio que no foi considerado por Nobre. E neste momento que o jurista examina se pode ou no dar o parecer, que ele faz urna pesquisa exaustiva do universo para saber se ele pode ou no formar sua convico. Esse o momento de urna verdadeira pesquisa cientfica. A partir da, ele forma sua convico, decide que pode dar o parecer, e arrola doutrinas e Jurisprudncias corno um argumento de autoridade.

    Tambm questiono a expresso "segundo critrios de pesquisa cientfica referentes transmisso da prtica Jurdica". Ora, critrios de pesquisa cientfica no Direito devem levar em conta necessariamente o resultado da prtica Jurdica de advogados, Juzes, promotores e procuradores. E esse "levar em conta" que est no cerne de urna questo que angustia, que o amalgamar entre teoria e prtica. Corno disse anteriormente, ternos urna concordncia no diagnstico e urna discordncia na teraputica. Acho que aqui ternos de fazer o corte do modelo que queremos seguir, as diferenas entre as diversas lgicas que regem teoria e prtica no Direito norte-americano e no continental.

    A prtica e a teoria devem estar amalgamadas, porque sua relao no circular, mas sim espiralada, sempre com um elemento novo que acresce. No conheo ningum que invente mais e crie mais que um advogado, assim corno tambm o terico no pode estar em urna torre de marfim. E por isso que penso que a composio dos professores de urna faculdade de Direito necessita de pessoas envolvidas com a prtica. Se no ternos essa imerso na realidade, no se faz urna boa teoria.

    O que pesquisa em Direito ? 45

    Por fim, a minha discordncia quanto teraputica, que me parece urna tendncia multo clara americanizao do Direito. H urna espcie de elogio americanizao nas referncias experincia do CEPED e crtica pesquisa no ensino que no so orientadas pelo padro norte-americano. Bem, me parece que no se pode Ignorar a forte Influncia do Direito americano especialmente em reas corno o Econmico, na concorrncia, nos contratos, e at o Penal. um processo muito semelhante ao ocorrido no sculo XIX com Napoleo, que detinha urna fora expansionista multo grande. A cincia cornparatlsta admite que a mutao dos modelos Jurdicos est Inscrita essencialmente em urna dinmica de Imitao cuja fora motriz o prestgio. Este termo tornado pelos cornparatlstas de emprstimo soclologla, mas tem, no mbito cornparatista, um valor prprio e certos limites em relao sua validade explicativa. O prestgio que move a circulao dos modelos Jurdicos no deriva de m qualidade Intrnseca do modelo copiado; um fenmeno absolutamente reversvel e normal, porque diz respeito a um sistema percebido corno passvel de responder de modo mais adequado aos objetivos mais valorizados pela comunidade Jurdica em um determinado momento. E evidentemente, esse prestgio do Direito norte-americano est ligado fora expansionista de sua cultura, essa "rncdonaldizao" de grande parte do mundo, e ao fato de a racionalidade do Direito no Pas responder mais adequadamente s necessidades da americanizao econmica, o que um eufemismo para globalizao. Acho bvio que no podemos aceitar essa Influncia.

  • 46 Escola de Direito da Fundao Getlio Vargas

    No Direito norte-americano a racionalidade est fundamentada em um sistema de pensamento muito prximo do fato, encontrando neste toda a fora da sua legitimidade. Portanto, creio que, para que se conceba uma teoria como a acadmica, no pode haver contaminao pelo fato ao qual ela est proximamente ligada. Nosso Instrumento e nossa forma de ver o Direito no esto fundamentados em um sistema de pensamento prximo ao fato, mas em um sistema de pensamento abstrato, conceituai, e no qual a soluo pr-determinada por um raciocnio dedutivo. A forma de justificao no est no fato - est no conceito. E por isso que a prtica no o fator de legitimao no caso brasileiro, ao contrrio do americano.

    Parece-me que se quisermos pensar em um modelo brasileiro de como fazer pesquisa em Direito, temos de pensar nessa lgica que preside a nossa forma mental.

    PARTE 1.2

    CARLOS ARI SUNDFELD Professor da Faculdade de Direito da

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo e da

    Escola de Direito de So Paulo da Fundao Getlio Vargas

    Concordo com a professora Judith, quando diz haver no trabalho do parecerlsta uma grande quantidade de elaborao cientfica na medida em que, para aceitar ou no um parecer, ele precisa fazer um grande trabalho de reflexo

    O que pesquisa em Direito ? 47

    e pesquisa para saber se aceita ou no o caso. Cerca de 10% das consultas que me vm resultam em trabalho. A grande dificuldade deste mtodo de produo cientfica que a parte mais rica do trabalho morre com o parecerista por ele no poder relatar aquela experincia. Mas creio que o professor Nobre tambm tenha razo quando diz que otrabalho do parecerlsta acaba reproduzindo naquilo quese publica a mesma lgica do trabalho do advogado.

    d primeiro problema, quando pensamos em discutir o que pesquisa em Direito, tentar discutir o que o Direito. Nenhum de ns faz muita idia do que seja, por ser uma questo-primria. Temos, entretanto, definies muito prticas que usamos para poder viver. Quando pensamos em Direito, ligamos diretamente certa categoria de profissionais. Assim, supe-se que a pesquisa em Direito deva ter alguma vinculao com a atividade destes profissionais. Talvez alguns dos problemas que temos com a concepo do Direito, tal como ensinada, seja o fato de desconsiderar a existncia de uma ampla categoria de profissionais do Direito que no cabe naquele modelo tradicional. Quando pensamos nestes profissionais, ligamos os advogados, juzes, promotores ou procuradores de Justia, mas esquecemos que h uma srie de outros profissionais que fazem o trabalho de produo de normas. Uma faculdade de Direito se preocupa pouco com o produtor de normas, pensase: "um produtor envolve a dimenso da poltica, e no doDireito. Logo, no devemos nos preocupar em fornecer aquielementos de reflexo para esses produtores de normas".

    Talvez um dos problemas de nossas escolas de Direito seja a incapacidade de identificar qual o perfil do

  • 48 Escola de Direito da Fundao Getlio Vargas

    profissional do Direito moderno. H, certamente, outros profissionais que no correspondem a este perfil do Juizadvogado e h, entre aqueles que se denominam advogados, gente fazendo atividades muito diferentes daquilo que est em nossa cabea quando pensamos em sua profisso. Para ns, o advogado o sujeito que vai ao frum e peticiona, argumenta e recorre, fazendo um trabalho muito ligado atividade Jurisdicional. Talvez devssemos refletir se a expresso "advogado" no tem matizaes muito importantes que deveramos considerar quando pensamos em formar pessoas para isso. Quando penso no trabalho dos profissionais do Direito, no deixo de cosiderar que devemos ampliar um pouco a nossa viso sobre o que o profissf onal em Df rei to.

    . Diria, ento, que a pesquisa em Direito deve ter alguma conexo com a prtica Jurdica. claro que h uma grande dificuldade em distinguir o que serve ou tem alguma ligao com a prtica Jurdica, e acho que isso seria uma questo importante a ser debatida no conselho de pesquisa de uma faculdade de Direito para se saber onde aplicar as verbas. No uma questo to difcil saber onde termina o Jurdico e comea a pura Sociologia que est tomando o Direito em considerao; no sei se essa distino muito Importante a no ser para essa questo prtica de saber o que uma faculdade de Direito financia e uma escola de outra ordem financia. Precisamos reconhecer a necessidade dos profissionais do Direito de Interagir com os tericos e prticos da disciplina. E na medida em que essa interao se amplia, teremos cada vez mais dificuldade em distinguir um profissional do Direito.

    O que pesquisa em Direito ? 49

    Uma das caractersticas que certamente foram consideradas relevantes na hora de elaborar o programa da Escola da FGV, expanso do profissional do Direito para outros campos de atuao. Ele deve se tornar um pouco economista, um pouco administrador, e ampliar seus horizontes. claro que Isso nos angustia um pouco, j que devemos manter nossa identidade e especificidade. Mas no vejo a importncia de se abrir a perspectiva para outros campos profissionais contrariando minha viso de Direito, j que sinto as questes profissionais prticas mais mescladas que no passado.

    Uma das caractersticas que certamente foram consideradas relevantes na hora de elaborar o programa da Escola da FGV, expanso do profissional do Direito para outros campos de atuao. Ele deve se tornar um pouco economista, um pouco administrador, e ampliar seus horizontes. claro que isso nos angustia um pouco, J que devemos manter nossa Identidade e especificidade. Mas no vejo a importncia de se abrir a perspectiva para outros campos profissionais contrariando minha viso de Direito, j que sinto as questes profissionais prticas mais mescladas que no passado.

    Como evoluir? Para mim, o grande problema no est na confuso entre prtica e teoria, mas sim na perspectiva em que o prtico se pe quando vai produzir a teoria. No vejo mal algum na confuso entre as duas coisas, Justamente porque a definio Intuitiva do Direito est muito ligada atividade profissional. O problema a postura que os indivduos adotam quando vo produzir aquilo que chamamos de teoria. Creio que se fizer uma descrio,

    .. ...

  • 50 Escola de Direito da Fundao Getflo Vargas

    possivelmente muitos se identificaro ou identificaro seus inimigos. O que um professor de Direito almeja? Ser um Jurista. Este no exatamente um pesquisador, mas um sujeito de opinio; o que o caracteriza e entrava nosso progresso enquanto formuladores de teorias o fato de termos um Direito de opinio. O que importa algum se transformar em um detentor de opinies relevantes e, neste sentido, a meno ao exemplo do parecerista muito feliz, j que ele um sujeito de opinio valorizada. No fundo, os pareceristas so buscados no por sua capacidade de recensear com rapidez, qualidade e mtodo, mas por possurem um belssimo nome e opinio respeitada. Normalmente o parecerista de sucesso o que tem um aspecto respeitvel e srio.

    O jurista no gosta de se apresentar como pesquisador. Sua produo se coloca mais como fruto de uma reflexo pessoal que como um levantamento de dados sistematizado que levou a uma concluso. Acho que esta uma caracterstica Importante, e mostra que nosso Direito de opinio e no de fato; no h uma grande preocupao em se conferir os fatos. E o que nos causa um grande problema que o Jurista considera sua opinio to importante que acaba se descolando da prpria ordem Jurdica, gerando uma revolta destes profissionais contra a ordem. Estes juristas no concordam com as modificaes constitucionais, no as discutem e acabam por afirmar que vigora um Direito que j foi revogado.

    Creio que o que nos entrava no progresso justamente essa figura do Jurista, que um sujeito de opinio que trabalha sozinho e precisa ser "Impermevel" s influncias

    O que pesquisa em Direito 7 51

    externas - entre estas, as influncias de outras reas do Direito. Se ele reconhece que para fazer uma reflexo sobre Direito Administrativo tem de conhecer Direito do Consumidor, ele perde prestgio. um problema que acaba tendo reflexos prticos bastante importantes. O sujeito defende o seu Bastio porque defende a si mesmo, como quem possui opinio sobre um mundo em que ele o mximo e tem de defender at morte a especificidade de um Direito de no-sei-o-qu, o obrigando a ignorar a Economia, a Poltica e outras cincias.

    Acabei de identificar-me com essa descrio. Meu grande sonho, depois de me formar, era tornar-me um jurista, uma pessoa de opinio e mais tarde produzir um 11:ianual de Direito Administrativo. Imaginava que este era o modelo adequado. Quando isso mudou para mim? Quando comecei a trabalhar em grupo e as lgicas do jurista eda opinio foram completamente destrudas. As transformaes nas cabeas dos juristas comeam a ocorrer quando participam de trabalhos em conjunto, porque a a lgicada opinio no funciona mais. Com trs pessoas e opinies diferentes, no se pode ficar no nvel da pura opinio;provavelmente brigaro, e posteriormente encontraro ummtodo de pesquisa.

    A maior interao terica que j tive na minha vida profissional, com colegas do departamento de Direito Pblico da PUC, foi com o professor Mrcio Camarosan, com quem convivi h muitos anos e tive a oportunidade de fazer debates jurdicos - mais tarde nos envolvemos na produo da Lei Geral de Telecomunicaes. Passamos quatro meses trabalhando em grupo para produzir a Lei

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    que criaria a Anatel9 , etc. Foi um trabalho de comparao no qual buscamos elementos que Importavam para a organizao do servio.

    Para concluir, essa confuso entre prtica e teoria no exatamente um problema - apesar de um dado Importante-, desde que sejamos capazes de entender que a produo da teoria exige uma metodologia diferente de trabalho. Acho que isso no distinto do que a professora Judith falou. Creio que a separao entre os tericos e prticos uma ttica bastante Importante, mas deve ser feita com certo cuidado porque se ns no eliminarmos a lgica da opinio teremos criado monstros. Se hoje temos Juristas como pessoas que criam suas opinies e no as modificam, apesar de trabalharem na prtica, Imagine o que acontecer se permitirmos que esse Jurista se desvincule da prtica. Ele vai se desvincular do mundo real, o que um perigo.

    Acredito que, se formos bem sucedidos na funo de criar grupos de pesquisa, no correremos o risco de separar o prtico do terico, porque se supe que a pesquisa vai se voltar prtica, permitindo um certo distanciamento. Assim, o sujeito que pesquisa no o far para defender uma dada soluo. pernicioso iniciar a pesquisa com o desejo de chegar a uma dada concluso pr-fixada. Creio que esse elemento continua presente nas dissertaes e teses de doutoramento, fazendo sua pssima qualidade mdia. Os sujeitos comeam a produzir uma tese ou dissertao para defender uma dada

    9 Agncia Nacional de Telecomunicaes.

    1.

    O que pesquisa em Direito 7 53

    opinio, Incorporando a postura de advogado. As teses que esto surgindo tm multas caractersticas de advogado: o sujeito tem uma certa opinio, quer referend-la e inicia uma busca de elementos de acordo com aquele sistema tradicional. A Jurisprudncia, por exemplo, no objeto de anlise e reflexo, o que se cita a Jurisprudncia a ttulo de ilustrao. Tenho insistido muito com meus orientandos quanto necessidade de se fazer trabalhos sobre Jurisprudncia, mas sempre que chegam primeira minuta, argumentam que o Supremo no vem fazendo uma boa doutrina, tem uma opinio irrelevante. Veja, ento, que a boa e respeitada opinio mais valorizada. Como os alunos acham que o Supremo no tem uma opinio Interessante, eles no se Interessam por Identificar a posio do rgo. Se ns pudssemos tomar uma deliberao, como um conselho, proporia a destruio do Jurista. Assim como Mrio de Andrade, no movimento modernista, se voltava contra o burgus, proporia a adaptao do movimento para destruir o Jurista. S espero que eu no morra neste caminho ...

    DEBATES

    Marcos NobreQero s colocar um problema para ser discutido, prin

    cipalmente porque acho que minha posio no ficou clara. Meu modelo no o norte-americano, mas claramente

    alemo. Isto no exclui de nenhuma maneira a enorme importncia da Jurisprudncia. Prt,fessor criador de ilu .. -

    ;""I

  • 54 Escola de Direito da Fundao Getlio Vargas

    so necessria, j que deve mostrar que o mundo funcio-na conforme o manual e a aula, pouco importando se o ,,Supremo diz o contrrlol">Cltei o exemplo do Priest para mostrar um que oposto a mim; na verdade queria ser neutro com o exemplo.

    E, particularmente, quero insistir com uma distino que propus sobre cincia bsica e aplicada. De maneira alguma quero dizer que doutrina no pesquisa, mas sim que deve haver uma distino entre as pesquisas bsica e aplicada.: Como s temos a aplicada, ela fica hipertrofiada de tal modo que no avanaf por isso a previso de 70% dos professores em tempo integral no de 100%. Seria importante fazer essa distino entre bsica e aplicada, seno o problema da Inovao fica perdido1-

    Dada a proposta da distino, o que significa a relao entre prtica e teoria? Segundo a professora Judith, se no h imerso na prtica no h teoria. claro que a professora est radicalizando sua opinio, mas acho que todo o problema foi formulado pelo professor Ari, para quem devemos avanar nessa extirpao da opinio. Se no extirparmos a opinio, dificilmente vamos avanar.

    + Antonio Angarita(Vice-Diretor, Direito GV)No sei se, com efeito, a Jurisprudncia precisa ser

    pesquisada no para fazer Inventrios dela e sustentar opinio, mas para fazer Indagaes que revelem o que quer dizer aquela Jurisprudncia. Se eu Imaginasse trs ou quatro grandes questes sociais neste Pas, ficaria preocupado em saber como as cortes decidem sobre elas.

    O que pesquisa em Direito 7 55

    Isso uma pesquisa de Jurisprudncia, de construo do Direito e da tendncia. A professora Judith coloca com muita coragem intelectual essa questo da nossa guinada para o Direito americano, que no se faz por simples vontade, mas por uma contingncia. Ento, se vou pesquisar a Jurisprudncia no mais como objeto de pesquisa, mas os prprios pareceres, terei uma tendncia do pensamento Jurdico brasileiro. Sobretudo se os grandes Juristas nacionais ou estrangeiros trazidos pelo texto de Marcos Nobre coincidem com os da professora Judith e de outros tantos Juristas. O pesquisador pode comear fazendo Inferncias, tabelas e assim por diante. Acho que esse modo de no nos aproximarmos da metodologia excessivamente emprica das Cincias Humanas, mas tambm no fazermos trabalhos-de monges cercados em nossos gabinetes, uma tentativa de avanar com pesquisa.,

    + Oscar Vilhena Vieira(Direito - PUC-SP, Direito GV)As Cincias SoclaJs foram dominadas por uma forma

    de pensamento estrutura lista ou marxista, para o qual o Direito tem relevncia mnima.,Ainda que voc no seja um'marxlsta de partido, o fato de se pensar marxistamente torna o Direito um organizador secundrio das relaes sociais/Agora, um segundo ponto para complicar a questo da teoria e prtica - no fazendo uma defesa do Direito americano: lembro que grande parte dos professores americanos de prticos que, depois de 40 ou 50 anos, vo s universidades fazer teoria. A vantagem deles se sentirem independentes para emitir suas prprias opinies, j que

  • 56 Escola de Direito da Fundaito Getlio Vargas

    no esto sendo pagos para Isso. Ento, precisamos ter a clareza de que o fato de um professor ser fu/1-tlme no significa que ele foi fu/1-time professor. Estes foram, em, primeiro lugar, assessores de um Juiz da Suprema Corte.

    S para terminar, a questo que mais me preocupa no Brasllt a forma como se produz doutrina sem a menor ateno prtfcaFLembro-me de um Jurista que dizia no mais ter o trabalho de citar pessoas porque todos s queriam saber de sua opinio. E esse Infame Jurista tinha razo, J que quase 80% dos Juzes do 1rlbunal de Alada de So Paulo o citam como referncia. Isto mostra como uma doutrina que parte da idealizao absolutamente de- sapegada prtica se transforma em uma fonte de construo para ela. isso me aflige.

    Ronaldo Porto Macedo Jr.(Direito - LISP, Direito GV)Considero Interessantes as posies divergentes dos

    palestrantes. Divergentes, mas nem tanto, J que trazem distines do tipo tpico-ideal. Em primeiro lugar, em relao a esses modelos de parecer, me chama a ateno -e aqui recorrendo a algo que aconteceu na universidade americana acerca da crtica a este modelo de pesquisa jurdica - a experincia dos cr/tlcal lega/ studles. A partir de 1 970, estes estudos passaram a produzir uma dura crtica ao modelo de Cincia Jurdica produzido pela universidade. Basicamente, criticavam o pensamento Jurdico pautado na anlise de como ponderar polticas e princpios Jurdicos - o grande norte da boa construo de um parecer.

    O que pesquisa em Direito 7 57

    curioso o impasse que se viu, depois de algum tempo, com os prprios criticai legal studies, que radicalizaram a nfase na idia de crtica e pesquisa na interdisciplinaridade at chegarem a afirmar que o Direito havia perdido sua especificidade como uma cincia autnoma e que, portanto, o objeto de ensino nas universidades deveria ser Justamente esse enfoque Interdisciplinar. Hoje, o que se v de uma maneira muito Intensa no debate americano a idia de alguns pensadores que, certamente, nada teriam a ver com a faculdade de Direito brasileira. Penso, por exemplo, na contratao de uma pessoa como Charles SabeJ I para dar aula na Columbia Law School, ou ento a integrao dos debates do Joshua Cohen" com o pessoal de Direito, ou seja, a idia da discusso de modelos alternativos Institucionais como forma de fazer Direito. Temos um modelo de parecer, e hoje, cada vez mais acentuadamente, um tipo de anlise que b,usca pensar modelos alternativos e ;. afastar o prprio objeto do Direito que deve ser pesquisado .,,, e ensinado daquilo que seria o modelo do bom parecer e da ,1 boa doutrina. No deveramos nos restringir, mas atentarmos para queOireito no se torne apenas isso. H um tipo de funo intelectual mais ampla, participante do debate ., nacional, que formula e cria novas instituies.

    10 Charles F. Sabei, Professor de Direito e Cincia Social na Columbla Law School. Autor de Can We Put an End to Sweatshops? wlth Archon Fung and Dara O'Rourke. Beacon Press, 2001 e Work and Po/ftfcs: The Dlvlslon of Labor ln lndustry. Cambridge Unlverslty Press, 1982.

    11 Professor do MIT Department of Polltlcal Sclence, editor da revista Boston Revlew. Autor de Soverelgnty and So/idar/ty: EU and us. Oxford Unlverslty Press, 2003.

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    Um outro ponto que confesso que ainda no me satisfez, no que se refere ao texto de Marcos Nobre, o da relao existente entre pesquisa bsica e aplicada. A distino intuitiva, clara, mas a pergunta que fao a seguinte: no haveria uma especificidade na relao que se pode imaginar entre pesquisa bsica e aplicada no Direi- . to? l'.onge de mim recusar esta distino, mas me parece que h, sim, uma peculiaridade nesta integrao. Com relao professora Judith, me chamaram a ateno duas questes. Tenho uma certa dificuldade em acompanh-la no sentido de imaginar que h uma racionalidade distinta entre o Direito americano e o Direito continental. Lembro um autor americano, o Guldo Calabresi 12 , que tem um livro chamado Common Law para um Direito na Era das Leis 13 O que parece haver, dentro das universidades americanas, um cosmopolitismo multo grande; ou Seja, elas no refletem necessariamente o mainstream da produo dos tribunais americanos. E, nesse sentido, o modelo de pesquisa e ensino jurdico tende a ser cosmopolita em grau que os Estados Unidos no so na maioria de suas atividades. Assim, no sei se essa distino ou polarizao continental versus ngulo saxo resiste. Tendo a ver o padro de pesquisa americano como bem mais cosmopolita do que a experincia jurdica prtica.

    Com relao posio de Carlos Ari, de fato boa parte de nossa produo na forma de parecer uma coleo

    1 2 Professor da Yale Law School I J Calabresl, Guldo. A Common Law for the age. Estados Unidos:

    Harvard Unlverslty Press, 1982.

    O que pesquisa em Direito ? 59

    recortacla de opinies com pouca reconstruo terica. De uma maneira simples e direta, o professor Carlos Arl nos d um antdot9 multo Interessante, que do trabalho em grupo, colo'1aii,d.Q,p,osies em confronto'. Todos ns somos acostumados a elogiar os amigos e criticar os inimigos; poucos so os foros nos quais h um debate acadmico efetivor,E alguns daqueles mais diretamente responsveis pelo esprito de crtica so apenas aqueles que se legitimam na condio de "mandarins" - pessoas que se julgam acima do bem e do mal -, porque boa parte das resenhas laudatria. Ou seja, no tem debate, crtica. Ao meu ver, esse um dos pontos de estrangulamento efetivo. Se algum produz um livro fraco, os crticos e os. lnhrllgos silenciam e, muitas vezes, at se esquecem de debat-lGJ.' Parece-me, ento, que essa recomendao de Nobre tem um poder revolucionrio imnso, que o de instituir efetivo debate, crtica e censura.

    + Caio Rodriguez (Direito Rio - FGV)Darei uma nfase maior a alguns pontos. Por que se

    ria necessrio justificar a melhoria da pesquisa Jurdica a partir de critrios de clentificidade? Basicamente, tenho a dizer que essa questo, se a pesquisa em Direito cientfica ou no , tornou-se obsoleta e irrelevante, mas continuamos a persegul-la.lObviamente concordamos que a pesquisa jurdica no Brasil muito pobre - pobre, mas no cientfica ou acientfica. A minha hiptese ou provocao que o Direito se distanciou das Cincias Sociais no porque ele deixou de ser cientfico, mas porque ele continua preso ao paradigma "o que cientfico ou no".

  • 60 Escola de Direito da Fundaao Get/Io Vargas

    Tambm quero fazer uma proposta sobre o que seria uma pesquisa em Direito mais Interessante e livre das questes de objetividade e clentlficldade. Se fssemos tomar o exemplo dos Estados Unidos, essa pesquisa no reconheceria seu destinatrio no Juiz, mas no cidado. Assim, o Jurista teria como tarefa pensar e mapear a cultura:s, jurdica a partir de como os interesses e Ideais da prtica. jurdica se institucionalizam, fazendo a crtica dessa crrstalizao e propondo alternativas de reformas Institucionais .. Ento, em vez de ficarmos presos sobre o que ou no objetivo, adotaramos uma perspectiva multo mais radical, afirmando a necessidade de tornar como destinatrio do discurso Jurdico o cidado; e no o Juiz. Adotamdo como prtica do Direito a Imaginao de possibilidades novas e institucionais para o grupo., ..

    Luis Virglio Afonso da Silva(pesquisador Direito GV)Com relao s questes da dogmtica Jurdica e da

    decidibilidade, creio que no necessariamente a dogmtica est relacionada diretamente com o problema da deciso. Acredito que este est ligado a um mbito normativo da dogmtica jurdica - h outras dimenses, como a analtico-conceituai ou emprica, que no necessariamente esto relacionadas com a decidibilidade.

    O meu ponto principal. na verdade, a questo doparecer. Penso que essa concepo parecerstica do Direito no o problema mais srio;.que fica por conta da concepo manualesca,,. Sou um pouco pessimista com relao a isso. J que acho que os manuais de hoje em dia no diferem

    O que pesquisa em Direito ? 61

    dos manuais surgidos h 30 anos - alis, vejo que os de hoje so piores e mais rasos, por serem uma cpia dos antigos. Mas o problema no se restringe aos manuais; h uma contaminao dos manuais para pesquisa. SG> monografias baseadas em manuais, quando deveria ser o contrrio: J vi vrios trabalhos que conseguem a proeza de estender duas pginas de um manual para 250 pginas de monografia. E no porque o aluno achou a Idia contida no trecho Interessante, mas simplesmente destrinchou asduas pginas e no pesquisou nada mais. A monografia .no Brasil, uma expanso dos manualis.

    Minha ltima considerao diz respeito s palavras da professora Judith. Foi dito que no h possibilidade de se'"; fazer boa teoria sem uma interao com a prtlcar. Perguntome: como se explica que todos os professores estrangeiros,, que costumamos idolatrar se dedicam exclusivamente ,, pesquisa? ,

    Judith Martins CostaQuando digo que o terico tem de mergulhar na pr

    tica,, no afirmo que ele tem de ser um promotor ou advogado. Quero dizer, sim, que o objeto da sua reflexo deve ser a prtica,: E nesse sentido sou radical, acho que o objeto da reflexo do terico a prtica - no com carter reprodutivo.

    Em outro ponto, gostaria de dizer que adorei o que o Carlos Ari falou sobre opinio, mas no entrei nesse assunto porque acreditei que esse seminrio era sobre pesquisa. Para mim, a opinio a no-pesquisa.,Bem, quanto ao problema das racionalidades do Direito norte-americano e o nosso,

  • 62 Escola de Direito da Fundao Getlio Vargas

    lgico que existem contatos muito grandes, mas so racionalidades diversas que se contaminam. E, por fim, gostei muito da observao do Ronaldo sobre a crtica, "no se fazem crticas dentro da Academia e mesmo fora".

    + Jos Rodrigo Rodriguez(Ncleo Direito e DemocraciaCEBRAP)Tenho s uma questo pontual, direcionada pro

    fessora Judith. Quando a senhora fala que o papel da pesquisa tambm fazer doutrina, fico me perguntando o que o "no fazer doutrina" que a pesquisa faz. Eu,como aluno de ps-graduo, tive multa dificuldade emachar uma forma de dissertao que se diferenciasse dostrabalhos tradicionalmente realizados. Como se articula um texto que expresse a idia: "vou sair para a pesquisa como se fosse Colombo e no sei o que vouencontrar?" Quais so as formas de uma nova dissertao e de um novo doutorado?

    + Judith Martins CostaPenso em algum que resolva recolher todos os

    acrdos sobre determinado objeto para saber determinada tendncia. Ele no est exatamente fazendo doutrina. Por exemplo, nessa pesquisa que orientei no Rio Grande do Sul, eu e meus alunos recolhemos todos os acrdos possveis no Tribunal do Estado e no STJ, para saber o que os tribunais entendem por autonomia da vontade e quais eram as tendncias. Fizemos uma comparao com o Supremo Tribunal de Portugal, porque

    O que pesquisa em Direito ? 63

    queria comprovar a hiptese que a diferena conceituai entre autonomia privada e autonomia da vontade possui diferenas quanto eficcia. Foi comprovada a hiptese e posso, a partir da, fazer uma doutrina.

    + Esdras Borges Costa(Assessor da Diretoria, Direito GV)Como socilogo de formao, no posso fugir da per-

    gunta que vocs esto fazendo: afinal de contas, a minha pesquisa sociolgica e antropolgica ou no cientfica? uma questo que h muito tempo vem sendo discutida no campo, ocupando profissionais e pesquisadores de fato que perguntam: o que h de cientfico no que estou fazendo? At que ponto uma crnica, um testemunho ou uma preferncia poltica e ideolgica 7 Com isso, queria me referir a uma Imagem que tem de ser corrigida. Uma das imagens erradas que o socilogo um escravo dos dados. Digo isto porque nesta nossa discusso sinto freqentemente um certo "conceito residual" , uma idia de que a contribuio sociolgica a aquela que nos trar a capacidade de entrar em contato com os dados.

    Na pesquisa social, o socilogo est to sedento de teoria e doutrina, que tem sido objeto de multas discusses. Foi feita por americanos, na poca da ditadura, uma pesquisa sobre o Chile e, na zona Oeste dos Estados Unidos, ficou a polmica se a pesquisa no seria encomendada, o que a daria um carter ideolgico, e no cientfico. Bem, era uma parte do esforo do governo americano de apoiar a ditadura.

  • 64 Escola de Direito da Fundaifo Get1Wo Vargas

    Assim, no sinto nenhuma diferena nessas conversas com meus amigos juristas, nessa preocupao com as informaes, a crtica conceituai, a crtica doutrina anterior e com a doutrina. Tendo em vista Isso, acho queos "soldados" da pesquisa social na rea J urdica e social tm desafios semelhantes. No vou propor nenhuma convergncia fcil aqui, mas acho que temos algumas tarefas comuns. Temos, por exemplo, a misso de decifrar os fenmenos e torn-los alguma coisa til para a orientao filosfica, moral, poltica e assim por diante.

    + (no identificado) preciso definir o que essa clentlflcidade .. ,('\cho que

    uma espcie de lealdade ao discurso; ou seja, eu quero

    fazer Cincia? Tudo bem, mas tenho de responder sobre o

    que estou falando, sobre meu objeto, forma de aproxima

    o e qual o meu conce ito de verdade ou falsidade dentro

    de meu discurso. A partir dai, tenho como controlar aque

    la Informao. Sem o controle da Informao, no tenho o

    debate em grupo. Para mim, a Cincia uma forma de

    intersubjetividade do conhecimento.

    A proposta do debate pesquisa em Direito. Acho

    que uma estrutura reveladora. Pesquisar o qu1 Em Di

    reito fica um pouco vaga esta questo. De acordo com a

    Cincia e com o objeto que delimitarei, determino e de

    marco um conjunto de dados que constituiro as Infor

    maes que articularei a partir dessa pesquisa. Quando

    demarco os dados que pesquisarei, J estou demarcan

    do a minha Cincia. Assim, de certa forma. isso j afasta

    a importncia da segunda pergunta, que deve responder

    O que pesquisa em Direito 7 65

    o que Direito. Tenho vrias perspectivas de Direito.Estamos diante de uma srie de propostas interdisciplinares. Posso pesquisar, por exemplo, a Influncia daEconomia no Direito; uma pesquisa relevantssima parase entender a disciplina. Na proposta de estar aproximando teoria de prtica, nunca conseguirei uma teoriaque esgote completamente a prtica, mas consegu irei teorias que expliquem cada vez mais o objeto atravs deum suporte ftlco.

    Diante disso, em uma outra reflexo sobre o Direito, Marcos Nobre ressaltou a Importncia da reconstruo da dogmtica. Concordo plenamente, mas penso que temos de reconstruir uma dogmtica verdadeira. Deve ser uma dogmtica sria, que define seus objetos, pretenso, busca explicar o Direito e que, multas vezes, diante da amblgldade das palavras, diz que no tem resposta.

    Sobre a questo teoria e prtica, acho que mais uma vez trata-se de objeto. Para mim, existem duas teorias diversas. Uma a teoria convencional, que delimita como objeto o conjunto de textos normativos, a Jurisprudncia e atos administrativos: a outra a que parte da prtica dos fatos de aplicao dessas leis, Jurisprudncia e regulamentos nos casos concretos. Enquanto uma tem por ,bjeto um corpo lingstico definido, a outra tem por objeto fatos de aplicao desse corpo lingstico interpretado por dados operadores do Direito. So objetos distintos. Devemos estudar prtica como uma teoria, e estudar essa teoria como uma outra forma de fazer teoria. So propostas que se aproximam.

  • 66 Escola de Direito da Fundao Gcrllo Vnrgns

    Nesse sentido acho muito importante essa reconstruo da dogmtica, at para poder critic-la.

    (no identificado)Farei algumas colocaes quanto ao que foi dito com

    relao defasagem do Direito frente s Cincias Humanas. Contarei minha experincia.

    Sou formada tanto em Histria quanto em Direito. Quando falei para os meus pais que cursaria Histria, sentimos uma incompreenso muito grande. Ento, senti que as pessoas das faculdades de Sociologia, Filosofia, Histria e Cincias Sociais vo para l por paixo. Dentro destas unidades, percebi que o corpo docente tinha a funo de transformar essa paixo em uma pesquisa com mtodo. Assim, muito mais comum na rea d.,Humanas a pessoa entrar na faculdade J pensando no amor ao objeto que scolheu;aenquanto que em meus colegas da faculdade de Dlreito,.,percebl a bus-,,. ca por uma posio no mercado de trabalho . .J'or que a pessoa fazia essa opo? Simplesmente porque a rea que tem o maior nmero de concursos pblicos e que lhe possibilita fazer parte de uma sociedade afluente. Acho que isso determina muito a questo da defasagem na pesquisa. A pessoa entra na faculdade, que a princpio selecionar uma parte dos seus alunos para a pesquisa, e j sofre esse deficit. A. maioria dos que esto ali no pensa em pesquisa, mas em se encaixar no mercado de trabalho.

    Aqui entra uma outra questo. Tambm fiquei dividida quando o assunto era teoria e pesquisa, porque acho multo complicado s a prtica ou s a teoria. Senti na faculdade de Histria um certo distanciamento nessa ques-

    O que pesquisa em Direito l :,7

    to de "s teoria". No caso da Pedagogia, era muito problemtico, porque os pedagogos elaboravam doutrinas mirabolantes que aqueles que lidaro com alunos da rede de ensino no conseguiriam aplicar jamais. Aredito que se o Direito possusse somente profissionais pesquisadores havria os mesmos problemas da Pedagogia, com o mesmo distanciamento.

    A outra colocao a questo do distanciamento com as outras disciplinas de Cincias Humanas. Quando term i nel Histria, na dcada de 80, J existia essa interdisciplinaridade multo rica. Depois de passado o desafio do vestibular, tnhamos de estipular o objeto de pesquisa. Chega um momento que os limites intelectuais esgotam esse objeto. Existe um momento do conhecimento e da pesquisa em que aquele objeto se esgota.

    (no identificado)Dentro do tema "O que pesquisa em Direito", o pro

    fessor Marcos Nobre destacou duas premissas sobre o isolamento da Cincia do Direito das demais Cincia Sociais. O principal ponto de discusso o seguri'do, sobre a confuso entre a prtica e a teoria.

    Para mim, so trs os objetos da Cincia do Direito: a Le. a doutrina (ou dogmtica) e a Jurisprudncia. E esse trip deveria ser utilizado como ferramenta de trabalho da histria do Direito. No para produzir captulos ou volumes de dissertao. Qualquer ponto da pesquisa do Direito deve pressupor um trabalho histrico para sabermos se a Histria, naquele ponto particular, traz ou no alguma contribuio. Penso que existe uma profunda

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    interao entre esses trs ps. Imaginei dois exemplos. O tema particular da unio estvel teve origem na Jurisprudncia, e no na Lei nem na doutrina. o contato direto com uma realidade dramtica social, posteriormente sendo recepcionado na Constituio e Cdigo Clvll Brasileiro. Mas o contrrio tambm ocorre. Toda a doutrina que foi base no Cdigo de Defesa do Consumidor foi importada do exterior, no sofrendo maturao na comunidade acadmica. Assim, no sei se a prtica e a teoria devem sempre interagir na Pesquisa em Direito.

    Ocorreu-me tambm, enquanto assistia apresentao, que, grosso modo, o Direito romano. A primeirafase foi legislativa; a fase principal teve caractersticas jurlsprudenclals e, com a decadncia do Imprio romano, houve um momento de registro histrico e documentao que ficou esquecido na Histria e s foi recuperado com a renovao dos estudos de Direito nas universidades europias. Criou-se urna escola dogmtica que se desenvolveu de tal forma que esse "dogmatlcismo" terminou exagerado e hipertrofiado, gerando todo um movimento contra o excesso de racionalismo. Enfim, tudo Isso me ocorreu para colocar aqui como ponto de debate o isolamento que existe entre a faculdade e a vida prtlca,;Quando um aluno se forma em Direito conta apenas com a formao manualstlca, sem o contato com o Direito vivo e atual:A recproca verdadeira, porque como no se produz muito na universidade, os juzes passam a repetir, em suas decises,citaes dos manuais mais vendidos.

    O que pesquisa em Direito 7 69

    + Marcos NobreAcredito que a grande maioria dos estudantes de Direi

    to quer melhorar sua posio no mercado por uma razo elementar: no lhes dada uma oportunidade na carreira acadmica. Se a remunerao fosse compatvel e houvesse possibilidade de pesquisa, muitos alunos optariam pela carreira acadmica.

    O professor Vilhena levantou um problema importante da relao entre teoria e prtica. Um manual cria a iluso da realidade funcionando de acordo com ele - e o maravilhoso que de fato funciona como o manual. Por isso, urna iluso necessria, O problema se ns queremos manter esse modelo, ou se ele mesmo sustentvel. Um exemplo sobre teoria e prtica, com o modelo de iluso necessria: quem diz qual a melhor doutrina? Quem aponta qual a corrente interpretativa majoritria? Adoraria compreender isso, mas como? quantitativo? Corno fazer para mudar isso? O que a professora Judith descre veu como a pesquisa que faz, exatamente o que chamo de pesquisa bsica. Na pesquisa aplicada, tern