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TAMARANDÁ 1

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TAMARANDÁ

PRISCILLA MARÇAL DE MOURATRATAMENTO: 3

SINOPSE.

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A DITADURA NO BRASIL ACABOU, MAS SERÁ QUE OS RESQUÍCIOS CONTINUARAM PARA QUEM FOI MILITANTE? SERÁ QUE ESSES MILITANTES VIVEM UMA VIDA NORMAL PÓS-DITADURA? UM TRISTE PASSADO SEMPRE ESTÁ PRESENTE. ESSE DRAMA FALA SOBRE OS FILHOS DOS “ANOS DE CHUMBO”. JOHN E MICHELLE SÃO FILHOS DAQUELES QUE SOFRERAM IMPIEDOSAMENTE O GOVERNO DOS ANOS 60. ELE ESTÁ TRAUMATIZADO COMO OS PAIS. ELA NÃO SABE QUE OS PAIS JÁ FORAM MILITANTES. JOHN E MICHELLE SÃO AMIGOS DE INFÂNCIA. NA ADOLESCÊNCIA, DESCOBREM O AMOR E NA JUVENTUDE, SEPARAM-SE. MICHELLE VIRA UMA JORNALISTA EM ASCENSÃO. JOHN SOME. MICHELLE VIAJA PARA SÃO PAULO, NA GRAVAÇÃO DO PILOTO PARA O SEU PROGRAMA E É INFORMADA PELO SEU DIRETOR QUE DENTRO DE INSTANTES VAI ENTRAR AO VIVO, NUMA BREVE ENTREVISTA COM O PREFEITO DO BAIRRO MAIS POBRE DO BRASIL: TAMARANDÁ. A ENTREVISTA CAMINHARIA NORMALMENTE, SE NÃO FOSSE POR UM MENDIGO PRÓXIMO A ELES A INTERROMPER TODA A ENTREVISTA, RECITANDO UM POEMA QUE DENUNCIA CLARAMENTE OS PODRES DO PAÍS. SERIA REALMENTE UMA ENTREVISTA NORMAL, SE A ENTREVISTADORA NÃO FOSSE A MICHELLE E SE O MENDIGO NÃO FOSSE O JOHN. O MESMO DESTINO QUE UNIU OS DOIS NA INFÂNCIA VAI JUNTÁ-LOS APÓS ANOS DE SEPARAÇÃO NESSA SITUAÇÃO INESPERADA. UM REENCONTRO ESPERADO HÁ ANOS, QUE ACONTECE COM MUITA SURPRESA, MUITA COBRANÇA, MUITA EMOÇÃO.

CENA 1. INT. NOITE. IGNORANTES.

1968. TEATRO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SP. MUTANTES E CAETANO VELOSO TENTAM CANTAR “É PROIBIDO PROIBIR”. TODAVIA, O PÚBLICO JOGA TOMATES, OVOS, E ELES SÃO VAIADOS. A PLATÉIA FICA DE COSTAS ENQUANTO ELES TOCAM E OS CANTORES FAZEM O MESMO.

CAETANO

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- É essa a juventude que quer tomar o poder? Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Vocês estão por fora! Que juventude é essa? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram na “Roda Viva” e espancaram os atores. Não diferem de nada!

O PÚBLICO COMEÇA A SAIR E ELES CONTINUAM A CANTAR “É PROIBIDO PROIBIR”.

CENA 2. EXT. TARDE. SENSURAS.

1973. PHONO 73. ANHEMBI. SP. NO CAMARIM, MILTOM NASCIMENTO E CHICO BUARQUE CONVERSAM COM A PRODUTORA.

PRODUTORA

- Vocês dois, por favor, cantem uma música romântica se possível. Aqueles chatos da censura estão por aí de novo. É uma merda!

MILTOM

- Pode deixar!

CHICO BUARQUE E MILTOM NASCIMENTO VÃO PARA O PALCO.

CHICO

- Hoje nós vamos cantar uma música inédita. Chama-se “Cálice”.

MILTOM NASCIMENTO E CHICO BUARQUE NO PALCO CANTAM “CÁLICE”. O PÚBLICO GOSTA E APLAUDE. OS MILITARES QUE ESTAVAM SENTADOS, VÃOS PARA A MESA DE SOM CORRENDO E CORTAM O SOM DOS MICROFONES. CHICO E MILTOM CONTINUAM CANTANDO SEM MICROFONE. OS MILITARES TIRAM OS DOIS DO PALCO A FORÇA E MANDAM A PLATÉIA IR PARA CASA.

MILITAR

- Todo mundo para casa! Todo mundo para casa! Vocês não tem nada que vir para rua ouvir isso! Arrumem o que fazer, já!

ALGUNS SE LEVANTAM E SAEM, ENQUANTO OUTROS PERMANECEM SENTADOS. ESTES, OS POLICIAS AMEAÇAM COM CACETETES.

CENA 3. EXT. MANHÃ. A NOTÍCIA.

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CHICO BUARQUE E TOM JOBIM NA PRAIA DE COPACABANA COM VIOLÃO.

CHICO

- Já está sabendo a doideira que o Ditador decretou?

TOM

- O AI-5? A lavagem cerebral que ele querem fazer? Eu não vou deixar de cantar porque o Governo quer, nós somos o que nós cantamos!

CHICO

- Querem censurar tudo. Teatro, cinema, literatura, música!

TOM

- Eles acham que somos animais, não é? Só falta agora colocar algemas na gente e mandar a gente para outro país!

CENA 4. EXT. TARDE. DEPORTADOS.

NO PORTO DO RIO DE JANEIRO, TOM JOBIM, CHICO BUARQUE, CAETANO VELOSO, PESSOAS LIGADAS A CULTURA SÃO DEPORTADAS PARA EUROPA. ESTÃO ALGEMADOS.

CAETANO

- Qual o nosso crime, cantar?

CHICO BUARQUE

- Pra qualquer lugar que me deportarem eu vou cantar a amargura que é viver nesse país!

GERALDO VANDRÉ

- Só porque eu cantei no Festival que os soldados são ensinados a morrer pela pátria e viver sem razão, censuraram minha música! Exilado por cantar a verdade! Nunca mais eu quero voltar para isso aqui! Isso aqui não vai mudar nunca!

DIRETORA DE ESCOLA

- Você acredita que eles tiveram a coragem de fechar minha escola? Eles alegaram que eu levava influências comunistas aos meus alunos.

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GERALDO VANDRÉ

- E os seus alunos são de que período?

DIRETORA DE COLÉGIO

- Lá só tem Jardim de infância. Só bebê! Dentro do colégio, porém só na minha sala, tem sim alguns livros de Karl Marx, mas e daí?

MILITARES MANDAM TODOS ENTRAREM NA EMBARCAÇÃO. CRIANÇAS CHORAM AO VEREM OS PAIS INDO EMBORA.

CENA 5. EXT. TARDE. PRIMEIRA VEZ.

SÍLVIA E CARLOS SAEM DO BONDE DE SANTA TEREZA E SUBEM PARA O TERRAÇO DA ESCOLA ESTADUAL ONDE ESTUDAM. CARLOS ESTÁ COM UM VIOLÃO. ANO DE 68. ESTÃO COM 18 ANOS.

CARLOS

- Aprendi tocar uma música só para você!

SÍLVIA

- Mesmo? Qual?

CARLOS COMEÇA A TOCAR E CANTAR YESTERDAY PARA ELA. ELA INTERROMPE-O TOCAR TAPANDO A BOCA DELE CARINHOSAMENTE.

SÍLVIA

- Eu tenho algo muito importante para lhe dizer, Carlos. Eu também te amo. Muito! E eu não tenho a menor vontade de me casar virgem, como a Igreja manda! Me beija.

SÍLVIA E CARLOS BEIJAM-SE, ELE ABAIXA A ALÇA DA BLUSA DELA E BEIJA O SEU PESCOÇO. CÂMERA FILMA O CÉU ESTRELADO E A LUA CHEIA.

CENA 6. INT. NOITE. TORTURAS.

EXÉRCITO DA RUA BARÃO DE MESQUITA, TIJUCA, RIO DE JANEIRO. MULHER GRITA DE DOR AO TER O BICO DE SEUS SEIOS APERTADOS COM UMA TESOURA POR UM MILITAR. TOCA CÁLICE, CHICO BUARQUE.

MULHER

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- Eu não faço parte de nenhum movimento estudantil, eu só estava na praia, qual o problema de ir à praia, todo mundo vai à praia!

MILITAR

- Mentirosa!

SOM DE ESPANCAMENTO. A MULHER PASSA EM FRENTE À CELA DE MARIA E SÍVIA, JÁ SANGRANDO ENTRE AS PERNAS, COM HEMORRAGIA.

MARIA E SÍLVIA E OUTRAS MULHERES ESTÃO NA CELA PARA O INTERROGATÓRIO. HÁ UM AMPLIFICADOR QUE EMITE OS SONS DA CELA DELAS PARA A CELA DOS HOMENS.

PRESA

- Já sabe o nome que vai dar a criança?

MARIA

- Se for menina vai ser Michelle, por causa da música Michelle, dos Beatles, se for garoto vai ser John, por causa do meu querido John Lennon.

MILITAR ZOMBANDO

- Escutem isso! A atriz está grávida! Filha de vadia, vadia será! Tanta profissão digna para vocês seguirem: Medicina, Advocacia, Engenharia...

MARIA

- Interpretar é a nossa profissão!

SÍLVIA

- Deixa ele falar sozinho, Maria! Vai dar corda pra esse ordinário?

MILITAR

- Cala a boca, puta! Tirem todas daqui e joguem para outra cela. Só deixa a mal criada!

MARIA

- Eu não vou deixá-la sozinha! Covardes! Não toquem nela!

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MILITAR JOGA ÁCIDO NO ROSTO DE MARIA, QUE GRITA DE DOR. SEU ROSTO INCHA NA HORA. OUTROS MILITARES TIRAM SUA BLUSA E A ARRASTAM PARA OUTRO LUGAR. MILITARES TIRAM TODAS DA CELA E SÓ DEIXAM SÍLVIA. SÍLVIA TREME DE MEDO. ENTRAM MAIS 4 MILITARES NA CELA, UM COM UMA MADEIRA GRANDE. MILITAR TENTA COLOCAR A MADEIRA ENTRE AS PERNAS DE SÍLVIA. NA CELA DOS HOMENS, SÓ ESTÁ CARLOS, OUVINDO PELO AMPLIFICADOR SUA MULHER A GRITAR.

SÍLVIA

- Me larga! Eu não sei onde está o jornalista Herzog, por favor, eu estou grávida!

CARLOS

- Não toquem nela, vocês não têm esse direito!

MILITAR

- Quem é você para falar de Direito? Jornalista não deveria nem ter o Direito de nascer!

15 HOMENS MILITARES ENTRAM NA CELA DE CARLOS, ESPANCAM E JOGAM ÁLCOOL EM TODA CELA.

MILITAR ACENDE O FOGO E APONTA O FÓSFORO PARA ELE

- Vai dizer ou não vai dizer onde o jornalista Herzog está?

CARLOS TENTA FALAR, MAS AS PALAVRAS NÃO SAEM PORQUE LEVOU MUITO SOCO. ESTÁ SEM ALGUNS DENTES.

- Eu não sei.

MILITAR APAGA O FÓSFORO, ENFIA O REVÓLVER NO OUVIDO DE CARLOS E PUXA O GATILHO, MAS NÃO TEM BALA.

MILITAR SOCA O OUVIDO DELE COM FORÇA

- Amanhã tem mais, hoje foi só aquecimento! Eu vou trazer umas declarações aí para você assinar. Você vai afirmar que está sendo muito bem tratado aqui no Exército, o que não é mentira, concorda? Você é respeitado, tem todas as refeições, está na mesma cela que a puta da sua mulher...Se você se negar a assinar a declaração, se prepara, tudo o

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que eu fiz com você eu faço com a gostosa da sua mulher. Só que na sua frente.

CARLOS

- Piedade, ela está grávida!

MILITAR

- A raça de vocês não merece nascer!

CENA 7. INT. MANHÃ. INFÂNCIA.

CASA DE SÍLVIA. COZINHA. ÁGUA COMEÇA A FERVER NA PANELA. JONH APAGA O FOGO, MOLHA UMA TOALHA E ESFREGA NA TESTA E NO BRAÇO. DEPOIS, VAI PARA A CAMA E FINGE DORMIR. FASE INFANTIL DE JONH.

SÍLVIA

- Filho, hora de acordar para ir para o colégio. Jesus! Você está muito quente! É febre!

JOHN

- Mãe, estou com dor de cabeça.

SÍLVIA PEGA O TERMÔMETRO

- Deixa eu medir sua temperatura.

JOHN

- Por quê? Mãe, você não acredita em mim?

SÍLVIA

- Tá. Eu vou te dar um remédio e te deixo na casa da Michelle, mamãe e papai vão trabalhar, tá bom?

JOHN RI.

CENA 8. INT. MANHÃ. MENTIRAS.

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COZINHA DA CASA DE MARIA. FASE INFANTIL DE MICHELLE E JOHN. MICHELLE TAMBÉM MOLHA UM PANO NA PANELA E COLOCA NA TESTA. MARIA CHEGA NA COZINHA.

MICHELLE COLOCA A MÃO NA TESTA

- Mãe. Acho que estou morrendo, estou tão quente. MARIA

- De novo, filha? Mentir não é legal, já te falei!

SÍLVIA

- Maria. Estou entrando. Posso deixar o John aqui? Ele está com febre, estou atrasada para o trabalho...

SÍLVIA FALA E VAI EMBORA.

MARIA

- Pode sim.

MARIA LIGA O VÍDEO CASSETE E PROCURA UM VÍDEO DO CHARLES CHAPLIM QUE ELES GOSTAM DE ASSISTIR.

- Vocês acham que me enganam, não é? Eu sei muito bem que os dois estão mentindo para mim, eu conheço o truque de molhar o pano e fingir que está com febre! Mas como eu já fui criança e também já fiz isso, eu não esquento a cabeça. Matar aula para assistir filme é ótimo!

JOHN E MICHELLE, RINDO, TIRAM OS CASACOS QUE ESTAVAM VESTINDO.

JOHN

- Tia, faz pipoca aí para gente!

MARIA

- Você é folgado, héin, menino!

SÍLVIA VOLTA

- O remédio do John, quase que eu esqueço...

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JOHN E MICHELLE JOGAM O COBERTOR POR CIMA E TENTAM FECHAR OS OLHOS, FINGINDO DORMIR. SÍLVIA VAI EMBORA E OS TRÊS RIEM. MARIA LIGA A T.V PARA COLOCAR A FITA DE VÍDEO E NA TELEVISÃO, ESTÁ PASSANDO UM PROGRAMA DE ENTREVISTAS. UM POLÍTICO SENDO ENTREVISTADO PELO REPÓRTER.

POLÍTICO

- O Brasil está no caminho certo para o desenvolvimento. Estamos vivendo um milagre econômico. Mudando de assunto, eu vou fazer um pedido aqui. Quem souber notícias desses terroristas brasileiros, para o bem da sociedade, liguem para a Polícia.

O POLÍTICO PEGA UM CARTAZ, COM FOTO 3X4 DE MARIGHELLA, LACERDA E 2 MULHERES.

MARIA

- Mas esse é o Marighella, ele é do bem! Hipócritas!

MARIA IMPULSIVAMENTE JOGA A XÍCARA CONTRA A TELEVISÃO. JOHN E MICHELL SE ASSUSTAM.

- Desculpa, crianças. É porque o Governo me assim, nervosa!

MARIA COLOCA A FITA DE CHARLES CHAPLIN PARA OS DOIS ASSISTIREM.

JOHN

- Senta aqui, tia.

JOHN, MICHELLE E MARIA ASSISTEM AO FILME. MICHELLE OLHA ASSUSTADA PARA A MÃE.

CENA 9. INT. NOITE. CRISES.

SALA DA CASA DE SÍLVIA. JOHN E MICHELLE AINDA NA FASE INFANTIL. MICHELLE DORMINDO EM CIMA DE JOHN.

MARIA LÊ “LOVE STORY” PARA AS CRIANÇAS DORMIREM

- “Quase instintivamente, beijei-a de leve na testa. Eu lhe dei licença? – perguntou ela. Como? Disse que podia me beijar? Desculpe. Perdi a cabeça. Pois eu não. Estávamos...”.

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ERIC E CARLOS PEGAM OS FILHOS NO COLO E OS COLOCAM NO QUARTO.

ERIC

- Dormiram.

A VIZINHA DA CASA AO LADO DE ONDE SÍLVIA E CARLOS MORAM ESTÁ OUVINDO MARCHINHAS DE CARNAVAL, BEM ALTO. ESTÃO CANTANDO E RINDO. PORÉM ERIC E SÍLVIA ACHAM QUE OS VIZINHOS ESTÃO ZOMBANDO DELES.

CARLOS TAPA O OUVIDO

- Você está ouvindo isso, amor? Nossos vizinhos estão rindo da gente, eles estão rindo porque sabem que nós fomos humilhados pelos Militares!

SÍLVIA

- Será que eles também são torturadores? Será que eles estão nos seguindo? Acho melhor a gente se mudar de novo, Carlos!

SÍLVIA SE VÊ PELADA E AS BARATAS SUBINDO EM SEU CORPO. TEM UMA CRISE DE CHORO.

- Eric! Manda o vizinho desligar essa porcaria de música e parar de rir da gente. Agora!

JOHN, QUE ESTAVA NA PORTA OUVINDO TUDO, CORRE E ABRAÇA A MÃE E O PAI.

JOHN

- Calma, mãe. É só uma marchinha de Carnaval! Não tem ninguém rindo de vocês! É Carnaval, todo mundo fica feliz no Carnaval!

CARLOS

- Vocês não estão escutando essa risada sarcástica dos vizinhos? Eu não acredito!

SÍLVIA ESCUTA DUAS VOZES DE MILITARES GRITANDO COM ELA.

MILITAR EM OFF

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- “Diz onde está o jornalista Vladimir, sua vadia!”.

MILITAR EM OFF

- “Se você não me disser onde seu marido está escondido, eu jogo essa menina do segundo andar, entendeu?”.

SÍLVIA

- Eu não estou me sentindo bem!

ERIC E MARIA COLOCAM SÍVIA E CARLOS PARA SENTAR NO SOFÁ, ENQUANTO JOHN RÓI UNHA ASSUSTADO.

MARIA

- Fica calma, amiga, fica calma, nada mais vai te acontecer. Você precisa se lembrar todos os dias que aquela tortura acabou, está no passado. Demorou, mas acabou!

ERIC

- Pega o calmante para eles tomarem, Maria.

MARIA VAI ABRIR A GELADEIRA E LEMBRA QUANDO ELA E SÍLVIA PERDERAM O FILHO NA ÉPOCA DA DITADURA.

CENA 10. EXT. TARDE. ABORTO.

EXÉRCITO DA RUA BARÃO DE MESQUITA, TIJUCA, RIO DE JANEIRO. MARIA E SÍLVIA NUM CUBÍCULO PARECIDO COM UMA GELADEIRA, NA POLÍCIA DO EXÉRCITO. ESTÃO COM 5 MESES. HÁ ALTO FALANTE NO TETO E O SOM DE MILITARES GRITANDO. QUANDO ELES PARAM DE GRITAR, BATEM NO CUBÍCULO COM MARTELO. QUANDO PARAM DE BATER, SURGEM SONS DIVERSOS, COMO SIRENES, TURBINA DE AVIÃO.

MILITAR

- Se vocês ainda não estão loucas; o que eu duvido muito, certamente ficarão!

MARIA

- Eu estou passando mal!

SÍLVIA

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- Eu também. Não agüento mais essa barulhada!

MARIA

- Eu tenho os meus direitos!

MILITAR

- Direitos humanos para humanos direitos!

MARIA

- Acho que vou ficar surda.

SILVIA

- Quarto dia sem comer, sem beber, sem ver meu marido! Sinceramente, acho que não vamos resistir! Ou morreremos, ou vamos morar num Hospício, como ele disse!

MARIA

- Eu ainda acho que um dia nós vamos acordar, olhar parar trás e ver que o pesadelo acabou. Essa hora era para eu estar no palco, encenando com meus amigos. Como eu sou besta. Estou na fossa e ainda consigo sorrir.

SILVIA

- É bom desabafar!

MARIA

- Interpretar é divino, Sílvia! Meu ex-namorado terminou comigo me dizendo que tinha vergonha de namorar uma prostituta. É assim que a sociedade enxerga os atores... É isso que a minha família também acha de mim!

SÍLVIA

- É, minha amiga, é duro fazer arte no Brasil!

MARIA

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- É duro nascer no Brasil. Se eu morrer aqui, quero morrer encenando. “Oh, ninguém o sabe melhor do que eu, que espécie de amor é esse, que se usa na sociedade e que se compra e vende por uma transação mercantil, chamada casamento!...”

MILITAR

- Cala a boca agora, ou eu vou aí arrancar essa coisa do seu útero!

MARIA NERVOSA SOFRE UMA HEMORRAGIA

- Eu estou perdendo meu filho... Socorro! Vocês mataram meu filho, assassinos!

OUVE-SE GARGALHADAS DOS MILITARES.

CENA 11. INT. NOITE. MAIS CRISES.

CONTINUAÇÃO DA CENA 9.

ERIC

- Maria, você está bem?

MARIA SENTA-SE NO SOFÁ

- Não, eu também estou passando mal.

CENA 12. EXT. NOITE. PRAÇA DA CIDADE. MENSTRUAÇÃO.

MICHELLE CORRE MUITO. CHEGA NUM ESCONDERIJO. ESTÁ BRINCANDO DE POLÍCIA E LADRÃO. FASE INFANTO JUVENIL DE JONH E MICHELLE. ELES MORAM EM SANTA TEREZA. TOCA MINHA HERANÇA: UMA FLOR. VANESSA DA MATA.

JOHN FINGE QUE ATIRA NELA

- Presa em nome da lei! MICHELLE

- Ai! Que susto! Como você achou meu esconderijo? JOHN

- Aqui é muito fácil, eu só me escondo na casa das pessoas...

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A CALÇA DE MICHELLE ESTÁ SUJA DE MENSTRUAÇÃO. JONH ESTÁ MUITO ASSUSTADO. COMEÇA A GAGUEJAR. JOHN

- Eu não sei de onde veio esse tiro, mas não fui eu, eu juro... Está doendo? Vamos chamar a Ambulância, Michelle!

MICHELLE

- Do que você está falando?

JOHN

- Da sua bermuda!

MICHELLE OLHA PARA SUA ROUPA E SE ASSUSTA COM O QUE VÊ.

- O que é isso, John? Me ajuda, por favor! Será que estou morrendo?

JOHN TIRA SUA BLUSA E AMARRA NA CINTURA DE MICHELLE. VÃO EMBORA PARA CASA CORRENDO, DE MÃOS DADAS.CHEGAM EM CASA. SÍLVIA E CARLOS ESTÃO VENDO O NOTICIÁRIO.

JORNALISTA

- “E hoje fazem 10 anos da morte do Jornalista Vladimir Herzog. Ele foi torturado e morto em São Paulo, no DOI-CODI, em 26 de outubro de 1975. Ele jamais se envolveu em qualquer ação armada, e o que mais intrigou seus familiares foi a farsa, a respeito da sua morte. Ele foi colocado numa posição absurda e o Exército anunciou que ele se enforcara...”

APARECE A FOTO DE COMO O JORNALISTA MORREU.

JOHN

- Mãe, a Michelle está cheia de sangue.

SÍLVIA

- Deixa eu ver. Que ótimo, virou mocinha!

MICHELLE

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- E isso é bom ou ruim?

SÍLVIA

- É para falar a verdade? É ruim. Mas significa que você está com saúde, é bom. Vamos lá se trocar.

JOHN

- E eu, vou virar um rapaz quando?

CARLOS

- Quando seus pêlos crescerem.

JOHN

- Então eu não quero virar rapaz nunca, pêlos é muito feio!

CARLOS RI.

CENA 13. EXT. NOITE. PERSEGUIÇÃO.

SÍLVIA E CARLOS ESTÃO NUM MORRO GRAVANDO UM MILITAR SEM FARDA VENDENDO ARMAS PARA TRAFICANTES. DEPOIS QUE OS TRAFICANTES E OS POLICIAIS VÃO EMBORA, ELES DESCEM.

CARLOS

- Militar vendendo arma para traficantes. Que país é esse...

SÍLVIA

- Estou quase desmaiando de fome, amor. Estamos na rua desde cedo...

CARLOS

- Então vamos parar ali para lanchar.

CELULAR DE SÍLVIA TOCA.

SÍLVIA

- Alô. Oi filho, tudo bem? Está me esperando, como assim? Não, eu não liguei para você, nem seu pai ligou. Sei pai está aqui, do meu lado. Filho vai à Delegacia agora e me espera lá, rápido.

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CARLOS

- O que houve, Sílvia?

SÍLVIA

- Ligaram para o John, como se fosse eu. Eles querem matar nosso filho, vamos embora agora!

CELULAR DE CARLOS TOCA. TRAFICANTE

- Me entrega essa filmagem agora, na esquina, senão vocês só vão falar com o filhinho de vocês no cemitério. No caixão. Agora, entenderam?

CARLOS E SÍLVIA VÃO PARA A ESQUINA E ENTREGAM TODO O MATERIAL AO TRAFICANTE, QUE ESTÁ ACOMPANHADO DE MAIS 10 HOMENS.

TRAFICANTE

- Da próxima vez não tem conversa não, meu irmão. Jornalistas de merda!

TRAFICANTE ATIRA PERTO DELES DOIS, PARA ASSUSTAR E VÃO EMBORA DE CARRO.

CENA 14. EXT. NOITE. CONFISSÕES.

MICHELLE E JONH DEITADOS NUM JARDIM PERTO DE CASA OBSERVAM A NOITE ESTRELADA. FASE INFANTO-JUVENL. MICHELLE

- John. John. Você está dormindo? JOHN

- Estava, você me acordou. MICHELLE

- O céu está perfeito hoje! JOHN

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- É, mas meu sono está mais... MICHELLE

- Tenho uma coisa para te contar. Acorda! JOHN

- Fala. MICHELLE

- Eu tenho maior inveja do seu nome, sabia? Na verdade eu queria ser você! JOHN

- Que besteira, meu nome nem é brasileiro, eu odeio meu nome! Porque meus pais não colocaram João, ao invés de John?

MICHELLE RI E FECHA OS OLHOS PARA DORMIR. JOHN

- Tenho uma coisa para te contar também. Dei meu primeiro beijo hoje, foi chato e nojento, não quero beijar nunca mais!

MICHELLE ABRE OS OLHOS, ASSUSTADA.

- Chato e nojento? Pensei que fosse bonito e romântico!

JOHN

- Só é assim nos livros, Michelle!

MICHELLE

- Pensei que a vida fosse mais legal!

MICHELLE E JOHN DEITAM E OLHAM PARA O CÉU ESTRELADO.

MICHELLE

- Mesmo assim eu quero saber como é. Me ensina?

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JOHN

- Tá. Fecha os olhos e abre a boca.

MICHELLE FECHA OS OLHOS E ABRE A BOCA, SORRIDENTE. JOHN PEGA UM POUCO DE MATO DA GRAMA, COLOCA NA BOCA DE MICHELLE E SAI CORRENDO. MICHELLE COSPE. MICHELLE SAI CORRENDO ATRÁS DELE.

MICHELLE

- Eu te odeio, John, eu te odeio!

JOHN CORRE, OLHANDO PARA TRÁS E IMITANDO PARA MICHELLE A EXPRESSÃO QUE ELA FEZ ENQUANTO AGUARDAVA O BEIJO.

CENA 15. EXT. TARDE. MEMÓRIAS.

CARLOS, SÍLVIA E OUTRAS PESSOAS SAEM DA IGREJA DA CANDELÁRIA. JOHN ADOLESCENTE.

SÍLVIA

- Sabe meu filho, eu preciso te contar uma história triste. Alguns anos trás, eu, seu pai, os pais da Michelle e outras pessoas estávamos exatamente aqui. Era a missa de sétimo dia de um amigo nosso, morto na Ditadura.

CARLOS- Para que contar isso para o John, Sílvia?

SÍLVIA

- Ele tem o direito de saber, ele é nosso filho. Após a missa, isso aqui ficou cheio de Fuzileiros Navais, DOPS, Polícia. Todos queriam engolir a gente, só porque viemos assistir uma missa...

JOHN

- Teve sangue?

SÍLVIA BALANÇA A CABEÇA POSITIVAMENTE.

SÍLVIA

- Todo mundo gritava “Mataram um estudante! Podia ser seu filho! Mataram um estudante! Podia ser seu filho!”. Agora você entende

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porque sua mãe e seu pai não regulam bem da cabeça? Não respeitaram nem nosso momento de luto.

JOHN

- Quer dizer que os pais da Michelle também foram militantes?

SÍLVIA

- Sim, eles eram atores, também foram presos, só que os pais da Michelle sempre esconderam isso da filha. Eles não queriam que a Michelle se preocupasse ou sofresse em saber que os pais foram torturados. Eles mentiam diziam que eram Médicos!

JOHN

- Entendi.

CARLOS

- Esquece essa história, filho.

JOHN

- Vou tentar.

CARLOS

- Vamos embora?

SÍLVIA

- Daqui a pouco. Vamos ficar aqui e fazer um minuto de silêncio pelas almas sofridas.

JOHN OLHA PARA A MÃE, SEM ENTENDER O QUE AQUILO SIGNIFICA E CARLOS FAZ UMA EXPRESSÃO DE PREOUCUPADO COM A SAÚDE MENTAL DE SUA MULHER.

CENA 16. EXT. NOITE. SOBRE SEXO.

JOHN E MICHELLE NO QUARTO DE JOHN. FASE ADOLESCENTE.

JOHN

- O que houve que está com essa cara?

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MICHELLE

- Você transou com a Érica?

JOHN

- Sim.

MICHELLE

- E você já ligou para ela?

JOHN

- E por quê eu ligaria, Michelle? Ela não é minha namorada.

MICHELLE

- Por quê você ligaria? Porque sexo não é só tirar a roupa, colocar, fazer com um, com outro...Os homens acham que nós somos o quê? Descartável?

JOHN

- Já sei porque você está com esse bico todo. Aposto que dormiu com o Júnior e ele não te ligou até agora. Eu falei pra você não ficar com o Júnior, ele não presta!

MICHELLE

- Nenhum de vocês presta. E o pior: ele é bom de sexo, mas é burro, sempre é assim comigo.

JOHN

- E a Érica é muito inteligente, mas ruim de sexo.

MICHELLE

- O problema é que nós somos exigentes demais, sempre fomos. JOHN

- Não tem problema não, se a gente não encontrar ninguém até os 30, 35, eu te peço em casamento!

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MICHELLE

- E quem disse que eu vou aceitar?

JOHN MEXE NUMA MALA, QUE ESTÁ CHEIA DE PAPÉIS, FITAS DE VÍDEO E LIVROS.

MICHELLE

- John, eu quero falar uma coisa com você. É sério. O vestibular está chegando, eu não estou vendo você estudar, você anda muito acomodado, cara!

JOHN GRITA COM MICHELLE

- Vê se acorda, Michelle! Toda noite meus pais têm um excesso de loucura pós-ditadura e você vêm com um discurso ridículo de “Faça Faculdade para ser alguém?”. Ter Faculdade ou não ter, não me interessa, nada vai mudar a realidade: pobre, cada vez mais pobre e rico, mais rico. Você é tão inocente... Acha o quê? Que seus pais morreram num acidente de carro? Só se emboscada tiver o nome de acidente agora...

MICHELLE

- Minha tia me disse que meus pais nunca se envolveram com política.

JOHN

- E você acreditou?

MICHELLE

- Minha tia também me disse que meu pai morreu por causa da labirintite, que enquanto ele dirigia...

JOHN

- Santa inocência, Michelle!

MICHELLE

- O que é isso aí que você está escondendo?

JOHN

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- Não conta para ninguém. Eu estou protegendo meus pais. Eles cismaram de escrever um livro sobre a Ditadura, estão doentes da cabeça mesmo!

MICHELLE

- É uma ótima idéia! Você vai ter pais escritores, olha que bacana!

JOHN CONTINUA A PEGAR PAPÉIS E COLOCAR NA MALA.

- Eu preciso proteger meus pais. Ainda tem muita gente ruim por aí que pode querer matar os dois por causa desse dossiê que eles cismaram de escrever. Você é uma Alice que vive no país das maravilhas. Não quer crescer, nem enxergar a maldade do mundo, esse é o seu grande defeito, Michelle.

CENA 17. INT. NOITE. TE VI PELADA.

SALA DE AULA. ALUNOS FAZEM PROVA DE HISTÓRIA. PROFESSORA CORRIGE ALGUMAS PROVAS NA SUA MESA. MICHELLE ESTÁ SENTADA NA FRENTE DE JOHN.

JOHN

- O problema todo é que vivemos numa sociedade hipócrita. Às vezes eu tenho vontade de mandar todo mundo à merda!

P. DE HISTÓRIA

- Que isso, John? Silêncio, você está fazendo uma prova!

JOHN MEXE NOS CABELOS DE MICHELLE CARINHOSAMENTE

- Não sei pra quê existe o Estado...

PROFESSORA OLHA SÉRIA PARA JOHN. JOHN PEGA UM PAPEL NA SUA MOCHILA E ESCREVE UM BILHETE PARA MICHELLE. “EU NÃO CONSIGO MENTIR PARA VOCÊ”. ENTREGA O BILHETE À MICHELLE, QUE RESPONDE: “SOBRE?”. “SEMANA PASSADA EU FUI À SUA CASA, VOCÊ ESTAVA TOMANDO BANHO DE PORTA ABERTA E SEM QUERER EU TE VI PELADA”. MICHELLE RESPONDE: “E AÍ?”. “E AÍ O QUÊ?”. “SOU BONITA?” “SIM”. MICHELE OLHA PARA TRÁS E SORRI PARA JOHN. JOHN ESCREVE: “SÓ PRECISA MALHAR AS NÁDEGAS”. MICHELLE FAZ UMA BOLA COM O PAPEL E JOGA A BOLA DE PAPEL EM JOHN, QUE ESTÁ RINDO.

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P. DE HISTÓRIA

- Ei, o que é isso aí?

JOHN

- Nada.

P. DE HISTÓRIA PEGA O PAPEL E LÊ

- Os dois, podem ir para a Diretoria.

MICHELLE E JOHN ENTREGAM A PROVA E SAEM DE SALA. JOHN ACOMPANHA UMA TURMA QUE ESTÁ SAINDA DA ESCOLA.

MICHELLE

- Está indo para onde?

JOHN

- Matar aula. Você achou mesmo que eu ia perder meu tempo conversando com a Diretora? Vai comigo?

MICHELLE

- Não sei. E se expulsarem a gente do colégio?

JOHN

- Não pensa muito, Michelle. Quem pensa não faz.

ELES SAEM DA ESCOLA. ELE, TRANQUILO, ELA, OLHANDO PARA BAIXO, TEMENDO QUE ALGUÉM A VEJA.

JOHN

- Tchau, porteiro!

MICHELLE E JOHN VAÕ EMBORA DE BICICLETA E PARAM NUM BAR PARA JOGAR SINUCA. JOHN ENCAÇAPA UMA BOLA.

MICHELLE

- Estou precisando de uma ajuda sua.

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JOHN

- Para quê?

MICHELLE

- Eu quero sair com seu amigo Douglas.

JOHN

- O Douglas? Ele não combina com você em nada, Michelle.

MICHELLE

- Eu sei, mas eu o acho atraente. Aquela barba para fazer, aquelas calças rasgadas que ele usa, aquele jeito que ele tem...

JOHN

- Safado? Toda semana ele sai com uma menina diferente, Michelle, você sabe disso.

MICHELLE

- Ele desperta minha curiosidade.

DOUGLAS ESTÁ PRÓXIMO AO BAR, COM SKATE NA MÃO.

JOHN

- Falando nele...

MICHELLE

- Ele está vindo! Eu vou ao banheiro me ajeitar, não deixa ele ir embora!

DOUGLAS

- E aí, beleza? Cadê sua amiga?

JOHN

- No banheiro.

DOUGLAS

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- Estou louco para ficar com ela.

JOHN

- Sei...

DOUGLAS

- Tenho chance, não é?

JOHN

- Nenhuma! Esses dias ela me disse que você é o último cara que ela ficaria na vida.

DOUGLAS

- Por quê?

JOHN

- Ainda pergunta? Você acha normal se esfregar com várias meninas toda semana?

DOUGLAS

- Sim, você não acha? Fui.

JOHN AJEITA A BOLA PARA MICHELLE ENCAÇAPAR.

MICHELLE

- Cadê o Douglas?

JOHN

- Já foi. Ele me disse que está namorando e que você não faz o tipo dele.

MICHELLE

- Eu não dou sorte mesmo!

JOHN

- Sua vez.

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MICHELLE ENCAÇAPA A BOLA

- Pelo menos no jogo eu tenho sorte. Vamos embora? Perdi a vontade de jogar.

MICHELLE E JOHN VÃO EMBORA DE BICICLETA.

JOHN

- Ei. Te adoro.

MICHELLE

- Eu também.

JOHN

- Estou indo para casa.

MICHELLE

- Você não iria namorar hoje?

JOHN

- A Suzi está passando mal.

MICHELLE

- Você está apaixonado?

JOHN

- Um pouco.

MICHELLE

- Legal! Eu vou andar mais um pouco. Tchau.

JOHN VAI PARA UMA DIREÇÃO, MICHELLE PARA OUTRA.MICHELLE VÊ SUZI BEIJANDO OUTRO GAROTO.

MICHELLE

- Você não presta! Você está traindo o John!

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SUZI

- E o que você tem haver com isso?

MICHELLE

- Eu não deixo ninguém enganar meus amigos.

SUZI

- Cala a boca!

MICHELLE PUXA O CABELO DE SUZI COM FORÇA E SAI CORRENDO DE BICICLETA. SUZI ATRÁS, TAMBÉM DE BICICLETA. MICHELLE RI.

CENA 18. EXTERNA. NOITE. DIVERGÊNCIAS.

MICHELLE E JOHN SAEM DA ESCOLA. CONVERSAM SOBRE A AULA DE HISTÓRIA QUE TIVERAM. ESTÃO DE UNIFORME DA REDE PÚBLICA. FASE ADOLESCENTE. JOHN

- Toda aula de História que eu tenho eu fico depressivo. Quem comanda é a burguesia, amiga, e nós, vassalos, obedecemos e ficamos cada vez mais pobres. MICHELLE

- Ah, John, você é muito pessimista! JOHN

- Pessimista, eu?... Estou me lembrando da música do Cazuza: “A burguesia fede, a burguesia quer ficar rica, enquanto houver burguesia, não vai haver poesia...”. Enquanto houver desigualdade, minha amiga, nada será belo e bonito! MICHELLE

- Então você esqueceu da parte mais linda da música, que ele diz que iremos pegar o dinheiro roubado da burguesia e ir pra rua fazer uma Revolução? JOHN

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- Isso foi uma ironia do Cazuza! Às vezes eu penso tanto nos escravos recebendo palmatórias, chibatadas até sofrerem hemorragia... Hemorragia por querer ser livre, revoltante isso! MICHELLE

- Amigo você sabe que eu te amo, mas aula de História agora não. Acabamos de sair de uma! O que importa é que a Princesa libertou os escravos... JOHN

- ... Michelle eu fico imaginando as orelhas sendo cortadas, as chicotadas que os escravos recebiam, os dentes quebrados a martelo! Eles enchiam os escravos de mel pra depois lançar eles aos formigueiros... A liberdade deles veio muito tarde, aliás, nem era pra ter existido a escravidão! MICHELLE

- É verdade. Também não deve ter sido fácil pra eles reconstruir a vida depois da escravidão. JOHN

- Nada mudou. Eu sei que o que me aguarda é um salário mínimo miserável. É, porque talento para ser jogador de futebol, eu não tenho. MICHELLE

- Talvez seu destino seja ser um grande crítico de jornais ou um ótimo Advogado, você tem argumentos pra tudo! Você não fica quieto em uma aula, principalmente de Biologia! Não sei como o Professor te suporta... JOHN

- Não sei como eu suporto ele! Como eu vou ficar quieto se o camarada olha dentro dos meus olhos e fala que os chimpanzés fazem parte da minha genealogia? Se fosse assim, não existiria mais chipanzé, só homem, concorda? Todos teriam evoluído!

RISOS DE MICHELLE.

JOHN

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- Nosso país é todo errado. Hoje, por exemplo, é o Dia da Consciência Negra. É uma hipocrisia. Preconceito racial ainda existe no país, todo mundo sabe.

CHEGAM OITO MENINOS E UMA MENINA. TODOS COM SKATE NA MÃO. TODOS FUMAM E BEBEM. SUZI SE VESTE COMO SKATISTA. SÃO ADOLESCENTES. DOUGLAS

- Não desistiu de estudar ainda não, cara? ANDRÉ

- Como é que você agüenta ficar tanto tempo sentado numa sala de aula para aprender tanta coisa inútil? MICHELLE

- É porque ao contrário de vocês, o John tem objetivos na vida.

JOHN FICA QUIETO, PARECENDO DISCORDAR DO COMENTÁRIO. MICHELLE

- Não é John? JOHN

- Bom, se você está dizendo...

MICHELLE OLHA OS NOVE COLEGAS COM OLHAR DE DESPREZO

- É melhor você ir pra casa, John, amanhã tem três provas diferentes, estamos no final do ano, a faculdade está aí... JOHN

- Eu já passei em tudo, estou tranqüilo. MICHELLE

- Então você vai ficar na rua mesmo, essa hora da noite? É melhor você entrar, já está tarde. JOHN

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- Está cedo, eu vou ficar aqui pra curtir meu skate um pouco. Só isso que eu vou fazer. SUZI

- Tarde pra você, Michelle, que não sabe curtir a vida. Você é uma freira que ainda não se descobriu! Nunca fumou, nunca bebeu, você sabe o que é transar?

OS OITO COLEGAS RIEM. MICHELLE

- E você, sabe a tabuada de dois? Ah, não, esqueci que a cocaína acabou com um pouco dos neurônios que você ainda tinha! SUZI

- Repete isso, sua cachorra!

JOHN SEGURA SUZI. SUZI

- Me larga! MICHELLE

- Vai estudar, analfabeta! Não tenho medo de você não, menininho! SUZI

- Eu te mato, amanhã em frente à escola eu te mato! MICHELLE

- Vai embora, sua drogada!

OS OUTROS OITO COLEGAS SE DIVERTEM COM A BRIGA.

CENA 19. EXT. NOITE. AMIGOS.

SUZI E O COLEGA BEBENDO NUMA PRACINHA. SUZI

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- Douglas, você acha que eu ficaria mais bonita se eu... Ah deixa pra lá, bobagem. DOUGLAS

- Fala. SUZI

- Você me acha igual um menino? Michelle me chamou de menininho. Tudo bem eu só anda com meninos mesmo, mas fazer o quê, se as meninas são falsas, invejosas e só falam de namoro e shopping? Já os meninos são simples, unidos, é disso que eu gosto. Ás vezes eu acho que nasci com o sexo errado. DOUGLAS

- Você não tem que mudar pra agradar ninguém. Tenha personalidade. Se você mudar, vai ficar comum, igual a todo mundo. SUZI

- Mas você acha melhor eu parar de usar essas blusas do meu irmão, boné, tênis, será que eu ficaria mais bonita de salto alto, batom, sei lá, estou meio esquisita hoje. E a vaca da Michelle tinha razão, eu não sei nada de Matemática mesmo. Odeio minha vida. DOUGLAS

- Escuta, você acredita em espírito? SUZI

- É. DOUGLAS

- Sim ou não? SUZI

- Acredito. DOUGLAS

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- Todos nós temos um sexto sentido. E ele nada mais é do que o seu espírito falando como você deve levar a sua vida. Só que espírito não fala claramente e pra você saber o que ele quer dizer, você tem que ficar ligada na sua intuição. O que sua intuição falar é seu espírito que falou. Suzi. Dane-se o que a sociedade quer. Siga o que o seu espírito diz.

SUZI

- Você está certo. Vou pra casa, estou desanimada hoje. DOUGLAS

- Valeu.

SUZI

- Douglas. Valeu. Valeu por ouvir uma bêbada deprimida. DOUGLAS

- Sem formalidades, gata.

SUZI

- Só estou sendo educada! DOUGLAS BEIJA SUZI NA TESTA. DOUGLAS

- Boa noite, gata.

SUZI

- Boa noite, gato.

CENA 20. INT. DIA. COZINHA DA CASA DE MICHELLE.

MICHELLE COM ROUPA DE DORMIR E A TIA ARRUMADA PARA TRABALHAR. ESTÃO TOMANDO CAFÉ. MICHELLE DE CABEÇA BAIXA

- Estou acabada.

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TIA LUÍZA

- O nome disso é ressaca! MICHELLE

- Que ressaca nada, é o John. Filósofo, chato, vive enchendo minha cabeça de coisas sem sentido. Ontem ficou a noite toda lembrando do sofrimento dos escravos. TIA LUÍZA

- Coisas sem sentido, mas você deve ter ficado a noite inteira pensando nessas coisas, não é garotinha?

MICHELLE BALANÇA A CABEÇA POSITIVAMENTE.

TIA LUÍZA

- O John é tão inteligente quanto os pais dele. Os pais do John foram Jornalistas bem conhecidos na mídia, sabia? Eles devem conversar e debater sobre tudo em casa. Desde “por que o céu é azul?”, até, sei lá, “por que os mosquitos adoram a cera do nosso ouvido!”.

MICHELLE BALANÇA A CABEÇA NEGATIVAMENTE, DEMONTRANDO DECEPÇÃO.

MICHELLE

- Por quê o John nunca me falou sobre a profissão dos pais dele? Tanto tempo de amizade...

TIA LUÍZA

- Os pais dele já foram até perseguidos na Ditadura por causa das matérias polêmicas que eles publicavam.

MICHELLE

- Como assim?

TIA LUÍZA

- Os pais do John uma vez foram na favela da Tijuca e filmaram a polícia recebendo propina dos bandidos. Depois de um tempo eles até ganharam uma premiação pela matéria, mas quase perderam a vida.

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Por isso que eles quase não saem de casa, eles têm medo de bandido e de polícia. A vida é um caos.

MICHELLE

- Mas tia, como eles descobriram que estava acontecendo isso na favela?

TIA LUÍZA

- A vida dos dois era só isso, trabalhar para descobrir os podres do Brasil. Eu me lembro que antigamente enquanto eu estava chegando em casa de madrugada eles dois já estavam saindo para trabalhar.

MICHELLE

- Pôxa, se eu fosse o John ia querer continuar a profissão dos pais. Como é que pode, meu amigo ser tão esperto, e ao mesmo tempo tão estúpido.

TIA LUÍZA

- Ahh! Agora eu entendi por que ele não te contou que os pais dele são Jornalistas, você ia perturbar o garoto dia e noite pra ele ser Jornalista!

MICHELLE

- Claro!

TIA LUÍZA

- Mas eu duvido muito que ele queira fazer uma faculdade. Ele deve saber de muita história ruim, injustiças, impunidade, essas coisas, e agora, não quer fazer nada na vida, deve estar desiludido. E o John é meio depressivo também.

MICHELLE

- É, ele só pensa em andar de skate, eu chamo ele pra estudar comigo, mas ele nunca...

JOHN.

- Estou entrando, licença Tia Luíza.

MICHELLE

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- ... Aparece.

TIA LUÍZA

- Você é igual sua mãe mesmo, não é? Fala demais!

JOHN

- O que vocês estavam falando de mim?

MICHELLE

- Eu estava falando com a tia que você nunca me contou sobre...

TIA LUÍZA DESCONVERSA

- ... Nunca aparece aqui pra estudar, aí, do nada, você apareceu.

JOHN

- Você fala muito, garota! Eu vim pro ensaio, da peça de amanhã.

TIA LUÍZA CRUZA AS PERNAS SENSUALMENTE ENQUANTO CONVERSA COM ELES

- É tão bom ter a idade de vocês. Eu tenho uma teoria: a humanidade deveria morrer jovem. É a melhor fase da vida.

MICHELLE

- Mas não dizem que o ápice da vida é aos 40?

TIA LUÍZA

- É, realmente eu estou no ápice. Da decadência! Olha essas rugas aqui na minha cara? Essa barriga horrível! Bom meus amores, estou indo trabalhar, fiquem com Deus e juízo vocês dois aqui em casa sozinhos, héin?

JOHN

- Que isso tia? Pode confiar! Eu sou um cara certinho, o genro que toda mãe reza para ter. TIA LUÍZA

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- Sei.

JOHN

- Ah é, não confia em mim? Então tá bom, um a zero pra você!

TIA LUÍZA SAI

- Valeu! Depois a gente desempata, fui.

JOHN

- Tia Luíza é tão sensual!

MICHELLE

- Toda mulher você acha sensual, me diz uma que você não ache?

JOHN PENSA UM POUCO ANTES DE REPONDER E RESPONDE BRINCANDO

- Você. Eu acho que ela está a fim de mim, héin. Você viu a cruzada de pernas que ela fez?

MICHELLE

- Qual? Aquela igual à Sharon Stone? Ela faz para todos, John, é o charme dela.

JOHN FAZ A CURVA DE MULHER GOSTOSA QUANDO SE REFERE À PROFESSORA DE HISTÓRIA

- Pena que ela estava de calcinha... Bom, eu só vim pra esse ensaio por que é trabalho de História e a Professora de História...

MICHELLE

- Milagre a gente concordar com alguma coisa, realmente a Professora é muito bonita e inteligente, que é o mais importante.

JOHN

- Ela que me disse pra ir à Biblioteca Pública e ler uns livros aí, se não além de pobre eu seria sem cultura. Agora todo dia eu vou para lá ler uns poemas.

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MICHELLE

- Poemas?

JOHN

- É a melhor cantada que existe! Eu falo um monte de poemas para as garotas do colégio como se fossem meus...

MICHELLE

- Que ridículo!

JOHN DECLAMA A PARTIR DO 1º “ELA”

- Aí se a garota não conhecer o poema, ótimo, eu digo que o poema é meu, que ela me trouxe inspiração. E se ela conhecer o poema melhor ainda, não é burra.

COLEGA DE SALA

- Olá! Estamos entrando, quem estiver se beijando pode parar!

CHEGAM 14 PESSOAS PARA ENSAIAR A PEÇA.

MICHELLE

- Gente, a apresentação de segunda –feira vai ser assim, depois que a Júlia terminar de falar, a Roberta continua falando o texto...

CENA MUDA A PARTIR DA PALAVRA “TEXTO”

Cena 21. INT. NOITE. HINO NACIONAL.

TODOS NA QUADRA EM FORMA ENQUANTO TOCA O HINO NACIONAL.

MICHELLE

- Você também, héin, John.

JOHN

- É o quê, sua chata?

MICHELLE

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- Você ainda pergunta o quê? Ontem eu só dormi com a ajuda de calmantes e sabe por quê?

JOHN

- Ãh?

MICHELLE

- Eu tive um pesadelo ontem à noite, que eu me imaginei como escrava sendo jogada no formigueiro, acredita? JOHN

- Você fumou o quê?

MICHELLE

- Você sabe que eu não fumo!

JOHN

- Esquenta a cabeça não, os brasileiros têm tendência a se drogar desde muito cedo.

MICHELLE

- John, que exagero, eu não me droguei, foi só um comprimido antidepressivo!

JOHN

- Comprimido ou comprimidos que todo o mundo toma porque se deu conta que a vida é chata e injusta?

MICHELLE

- Cala a boca John!

JOHN

- Você irritadinha é muito sexy, até ficaria com você!

MICHELLE FALA ALTO

- Eu, irritada? Quem está irritada aqui?

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DIRETORA DA ESCOLA

- Silêncio aí atrás!

JOHN IMITA MICHELLE PERFEITAMENTE, COM A VOZ E COM OS GESTOS.

- Ver você irritada demonstra que eu estou certo e você errada, daí você não tem o que dizer e só sabe falar: “cala a boca John!”, “quem está irritada aqui?...”.

MICHELLE

- Você é patético, garoto. E eu não tenho essa voz de travesti!

JOHN

- Eu sei, mas todo homem quando imita uma mulher tem que fazer essa voz chata e mexer as mãos. É regra.

MICHELLE RI. DIRETORA DA ESCOLA

- Silêncio! Mais respeito com o Hino Nacional. Ou vocês só cantam o Hino em época de Copa do Mundo?

MICHELLE

- Com certeza!

JOHN

- Claro! MICHELLE

- Não quero mais ver você de conversa com o André e aquele pessoal do skate. Eles só fazem besteiras, e também eu não quero perder meu melhor amigo por causa de uma maconha, está ouvindo?

JOHN

- Estou.

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O HINO ACABA E NA SUBIDA PARA A SAULA DE AULA, JONH FALA COM MICHELLE.

JOHN

- Aprende.

UMA MENINA SE OLHA NO ESPELHO E PERGUNTA A COLEGA AO LADO.

MENINA

- Estou bem?

JOHN

- Pra mim, você tem uma admirável simetria de proporções, misturada com toda a elegância nobre existente na Terra.

MENINA

- E então, você já tem companhia para pra festa de sábado?

JOHN

- Tenho. Você.

JOHN ENTRA NA SALA ABRAÇADO COM A MENINA. MICHELLE E JONH RIEM E DEPOIS ENTRAM NA SALA.

PROFESSORA DE HISTÓRIA

- Preparados pra peça de amanhã? Coloquei vocês nas mãos do meu poeta preferido, Afonso Romano de Santana héin galera!

ALUNA

- Olha, não sei se vai ficar legal não, a gente nem ensaiou ainda...

PROFESSORA DE HISTÓRIA

- Gente, gente, não me decepciona, ele é a cara dessa turma: crítico e realista. Vamos começar a prova? Eu quero Bruno na frente de Lili, Aline atrás de Rafa, Elaine do lado de Léo e John, aqui na frente, do meu lado.

JOHN FAZ CARA DE DESESPERO PARA MICHELLE.

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CÂMERA FILMA A COLA NA CARTEIRA QUE JOHN TERMINARA DE ESCREVER.

JOHN

- Pelo menos eu posso te consultar, não é Professora?

PROFESSORA DE HISTÓRIA DISTRIBUI AS PROVAS

- A prova de hoje não é consulta, consultem apenas a mente de vocês. Agora eu vou colocar meu óculos de sol, pra confundir todo mundo aqui dentro. Boa Sorte!

Cena 22. INT. TARDE. INTUIÇÃO.

COZINHA DA CASA DE MICHELLE.

MICHELLE

- Pôxa tia, faz um esforço pra ir ao colégio hoje me ver, você vai gostar. A peça ficou ótima!

TIA LUÍZA

- Não dá, meu anjo, hoje eu trabalho na Dona Alzira até tarde.

MICHELLE

- Você vai chegar que horas? TIA LUÍZA

- Não sei. Ou eu vou dormir lá, se a patroa sair, ou eu vou chegar 01:00, 02:00 da manhã, hoje é sexta meu amor, mereço namorar, não é? MICHELLE

- A senhora pode chegar essa hora em casa, e eu não? TIA LUÍZA

- Linda, olha sua idade e olha a minha?

MICHELLE

- E a violência por acaso olha idade ou sexo?

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TIA LUÍZA

- Ok, você está certa. Mas eu tenho motivo para chegar tarde em casa, eu namoro, mas você vai chegar tarde em casa pra quê? Você nem tem namorado! Isso você não puxou da sua mãe! Todo dia nós íamos pra cidade paquerar, ver o movimento, as pessoas! Namorar era bem melhor naquela época! E as aulas que nós matamos pra namorar? Repetimos de série, mas namoramos os rapazes mais gostosos e espertos da escola... A gente fazia muita loucura... Olha só o exemplo que eu estou te dando!

MICHELLE

- Continua!

TIA LUÍZA

- Seu pai era mais reservado, caladão, não sei como eles se casaram! Foi a comprovação que os opostos se atraem. Eu falando essas coisas... Deve te dar uma saudade, não é?

MICHELLE BALANÇA A CABEÇA POSITIVAMENTE.

MICHELLE

– Eu me lembro que no dia que meus pais morreram, antes que eles subissem a serra, eu senti um aperto no coração tão grande, sabe? Mas fiquei quieta, quem ia acreditar na premunição de uma criança?

TIA LUÍZA

- Preciso ir. Você não iria estudar agora para prova?

MICHELLE

- Tia, a senhora se arrepende de ter fugido de casa?

TIA LUÍZA

- Não. Nunca. E sabe por quê? O remorso que eu sentiria hoje por tudo que eu deixei de fazer, com certeza iria me atormentar. Mas a sociedade mudou, a gente era rebelde com causa! A geração de hoje tem tudo e acha que não tem nada. E você, estuda bastante, eu quero estar na sua formatura! Nada de ser como eu, preguiçosa para estudar!

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MICHELLE

- Eu estou tão nervosa com a prova da faculdade que nem consigo comer, não consigo dormir...

TIA LUÍZA

- O mal dos certinhos é esse: vocês nunca relaxam! Você precisa arranjar um namorado, sair pra dançar com amigos, entendeu, esquecer um pouco desta prova!

MICHELLE

- É, acho que eu mereço!

TIA LUÍZA

- Estou indo, anjinho! MICHELLE

- Se cuida, héin, anda rápido na rua, não abre a carteira...

TIA LUÍZA SAI

- E não fale no celular, beijos...

MICHELLE VAI PARA A JANELA E VÊ SUA TIA. PENSA EM GRITAR ALGO, MAS SUA VOZ NÃO SAI.

- Tchau. Te amo. Se cuida.

MICHELLE FICA INQUIETA. VAI PARA O QUARTO E TENTA ESTUDAR, MAS NÃO CONSEGUE. COME UMA MAÇÃ QUE ESTAVA NO QUARTO E VAI PRA ESCOLA.

CENA 23. INT. NOITE. APRESENTAÇÃO.

A QUADRA DA ESCOLA ESTÁ ARRUMADA COM VÁRIOS CARTAZES DE POETAS BRASILEIROS (AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA, CASIMIRO DE ABREU, MACHADO DE ASSIS, RAQUEL DE QUEIRÓS, CLARISSE LISPECTOR, CASTRO ALVES, JOSÉ DE ALENCAR, GONÇALVES DIAS, CASTELO BRANCO, FERREIRA GOULART, MANOEL BANDEIRA, AUGUSTO DOS ANJOS). TODOS DA TURMA DE MICHELLE QUE SE APRESENTARÃO ESTÃO DE CALÇA JEANS, BLUSA BRANCA E ROSTOS PINTADOS DE VERDE, AMARELO, AZUL E BRANCO. COLÉGIO COM MUITO BARULHO,

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ALUNOS EMPOLGADOS CONVERSAM. AO INÍCIO DA APRESENTAÇÃO, A ESCOLA SE CALA. NA APRESENTAÇÃO, QUEM VAI RECITAR A POESIA ESTÁ ATRÁS. OS DEMAIS ESTÃO À FRENTE, COMO UMA GRANDE RODA. JONH NO MEIO. A BANDEIRA DO BRASIL QUE O JOHN ABRE ESTÁ SEM O “ORDEM E PROGRESSO” E AS CORES VERDES E AMARELAS ESTÃO PELA METADE. DO OUTRO LADO DA BANDEIRA, HÁ UMA BANDEIRA PRETA.

JULIANA

- Oi! Eu estou tão nervosa...

MICHELLE

- Jú, me empresta teu celular, eu preciso ligar pra minha tia pra saber se ela está bem.

JULIANA

- E por que ela não estaria bem?

SILÊNCIO DE MICHELLE, ACOMPANHADO DE OLHAR VAGO.

MICHELLE

– É, por que não estaria...

JOHN COM A BANDEIRA DO BRASIL NAS MÃOS

- Está tudo bem? MICHELLE

- Acho que é a peça, estou meio ansiosa.

JOHN

- Então vamos descer que nós somos os próximos.

TODOS QUE ESTÃO NA SALA DESCEM. ESCOLA COM BARULHO DOS ALUNOS FALANDO.

JOHN

Bom, para alguma coisa esse trabalho me serviu: agora eu sei a quantidade de estrelas que têm na da Bandeira Nacional.

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MICHELLE RI

- Você não sabia?

JOHN

- Pra quê saber?

PROFESSORA DE HISTÓRIA

- Agora é a turma 3003, apresentado “Que país é esse”, de Affonso Romano de Sant´Anna. É sobre a Ditadura. Reflitam.

MICHELLE

- “Uma coisa é um país, outra é um ajuntamento. Uma coisa é um país, outra um regimento. Uma coisa é um país, outra um confinamento. Uma coisa é um país, outra um fingimento”.

ALUNA 1

- “Há 500 anos propalamos: este é o país do futuro, antes tarde do que nunca, mais vale quem Deus ajuda e a Europa ainda se curva”.

ALUNA 2

- “Este é um país de síndicos em geral, este é um país de cínicos em geral, este é um país de civis e generais”.

ALUNA 3

- “Nada, nada congemina: a mão leve do político, com nossa dura rotina, o salário que nos come e nossa sede canina, a esperança que emparedam e a nossa fé em ruína...”.

ALUNA 4

- “Minha geração se fez de terços e rosários: - um terço se exilou – um terço se fuzilou – um terço desesperou”.

JOHN ANDA E OLHA PARA O PÚBLICO COM AR REVOLTADO.

JONH ABRE A BANDEIRA DO BRASIL

- “Eu amo este país”

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JONH MUDA A BANDEIRA PARA O LADO PRETO E CAI NO CHÃO

- “Que me desama”.

ALUNOS QUE ESTAVAM ATRÁS LEVANTAM O CARTAZ ESCRITO: “QUE PAÍS É ESSE?”, ENQUANTO OUTRAS ESTÃO DO LADO. UNS TAPAM A BOCA, OUTROS TAPAM OS OLHOS, OUTROS OS OUVIDOS. ALUNOS VESTIDOS DE “DOPS” CHEGAM COM UMA CADEIRA ELÉTRICA E PRENDEM O JOHN NELA. AMARRAM SEUS PÉS E MÃOS. COLOCAM TAMBÉM FIOS ELÉTRICOS LIGADOS AO CORPO TOCANDO LÍNGUA, OUVIDOS, OLHOS, PULSOS E ENTRE AS PERNAS. JOHN DESMAIA DE DOR. APLAUSOS DE TODOS.

P. DE HISTÓRIA

- Vocês disseram pra mim que não tinham ensaiado, seus mentirosos! Foi lindo. Emocionante.

ALUNA 4

- Você viu, Regina, o colégio fez silêncio pra ouvir a gente, nem a Diretora consegue fazer isso!

P. DE HISTÓRIA

- Foi tudo perfeito, pena que se trata de uma história real!

TODOS CONVERSAM EM CENA MUDA. CÂMERA FILMA MICHELLE PENSATIVA E SÓ.

CENA 24. IN. NOITE. INQUIETAÇÃO.

MICHELLE CHEGA EM CASA. ESTÁ NA SALA. LIGA A TV. PASSA PELOS CANAIS, MAS NÃO TEM NADA DE INTESSANTE. ENTÃO LIGA O RÁDIO, E DEIXA NA ESTAÇÃO QUE ESTÁ TOCANDO “QUALQUER COISA”, CAETANO VELOSO. PEGA O JORNAL PRA LER. CÂMERA FILMA AS NOTÍCIAS TRÁGICAS QUE HÁ NA CAPA. ELA DESISTE DE LER. O CELULAR TOCA, MICHELLE SAI CORRENDO PRA ATENDER.

MICHELLE

- Alô. Oi, Juliana. Não, eu pensei que fosse minha tia, eu estou um pouco inquieta mesmo. É bobagem, meu coração está apertado, só isso.

JULIANA

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- Que isso, amiga, a noite está linda, sai dessa! Vamos para o bar beber e fofocar um pouco que isso passa.

MICHELLE

- Pra você, tudo se resolve com bebida!

JULIANA

- Claro! Eu já te ensinei: o vinho é o melhor amigo do homem!

MICHELLE

- Tá. Me espera no bar então. Tchau.

CENA 25. EXT. NOITE. O PEGA

NO BAR, ESTÃO 10 COLEGAS DO COLÉGIO, TODOS JUNTOS. UNS, JOGANDO BARALHO, OUTROS NAMORANDO. O DONO DO BAR ESTÁ BEBENDO UMA CANECA DE VINHO E CANTANDO AO SOM DE AMAZING GRACE, ELVIS PRESLEY.

DONO DO BAR BÊBADO

- Amazing grace, oh how sweet the sound. That saved a wreck like me. I once was lost, thought now. I´m found. I was blind, but now i see.

MICHELLE

- É a primeira vez que eu vejo um bar tocando música gospel. Que contraste!

JULIANA

- Eu não acho. Se beber fosse ruim, Jesus não teria transformado a água em vinho. Foi o primeiro milagre Dele! Deus abençoe a uva!

MICHELLE

- Essa aí já está bêbada!

COLEGA 1

- Galera! Estou com uma idéia. Por que a gente não vai para a praça ver o pega que está rolando?

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MICHELLE COM UM SALGADO NA MÃO

- Vê se eu tenho cara de que sai de casa, pra ir à praça ver uns otários fazendo merda dentro de um carro?

COLEGA 2

- Você nunca assistiu, aposto que vai gostar.

MICHELLE

- Nem pretendo assistir, se vocês quiserem podem ir, eu vou pra casa.

COLEGA 3

- Engraçado! Você vive dizendo pra todo mundo que quer ser Jornalista, mas vai ter que saber como são os fatos e só depois fazer uma boa matéria, concorda?

COLEGA 1

- Vamos?

JULIANA

- Nós só vamos se você for.

MICHELLE

- Que pena, vai ficar todo mundo aqui então, falando de futebol, namorado e amigos, como sempre.

COLEGA 2

- Você é muito chata!

JOHN CHEGA.

COLEGA 3

- Ihhh, pronto, chegou o defensor da Michelle.

JULIANA

- Nossa! Vocês estão atacados hoje, héin!

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MICHELLE

- Anda, vamos logo para praça assistir essa porcaria de pega!

JOHN

- Pega, Michelle? Que futilidade, o que houve pra você querer assistir isso?

MICHELLE

- Ai, John, eu estou cansada! Acho que se eu ficar em casa pensando na prova do Vestibular eu vou acabar me irritando...

JOHN

- Você já está irritada!

MICHELLE

- Talvez. Todo dia o que eu faço é decorar um monte de fórmula, estudar como uma louca, “devorar” um monte de livros...

HÁ CASAS E MERCADOS PRÓXIMOS À PRAÇA. MENINAS BRINCAM DE AMARELINHA, BRINCAM COM BONECAS, MENINOS SOLTAM PIPA NA RUA. CHEGAM NA PRAÇA E O PEGA ESTÁ ACONTECENDO. PESSOAS VIBRAM. JÁ OS PAIS, TIRAM OS FILHOS QUE ESTAVAM BRINCANDO NA CALÇADA E ENTRAM NAS SUAS CASAS. ESTÃO JUNTOS MICHELLE, ANOTANDO A BANALIDADE DO PEGA NO PAPEL QUE ESTAVA SEU SALGADO, JOHN, JULIANA, SUZI E DOUGLAS, SENTADOS NA CALÇADA.

JOHN

- O que você está fazendo?

MICHELLE

- Estou anotando essa besteira que eu estou vendo. Vai que um dia eu realmente viro uma Jornalista e publico essa matéria num jornal!

JOHN

- Você sonha muito.

MICHELLE DESABAFA

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- Você que deveria ser assim, não eu. Eu nunca tive o apoio dos meus pra estudar porque eu sou órfã, já você, tem pais Jornalistas e nem sequer pensa em continuar a carreira que eles começaram.

JOHN ATORDOADO

- Quem te contou que meus pais foram Jornalistas?

JULIANA

- Todo mundo sabe, John, nossos pais moram aqui há muito tempo e conhecem os seus pais. Só que ninguém comenta nada, vai que acontece alguma coisa ruim contigo. Infelizmente têm pessoas que ainda perseguem Jornalistas.

MICHELLE CONTINUA ESCREVENDO DURANTE ALGUNS MINUTOS. CÂMERA FILMA OS RAPAZES BÊBADOS FAZENDO PEGA. PESSOAS SE DIVERTEM ASSISTINDO O PEGA.

DOUGLAS

- Olha lá o doido do André.

ANDRÉ E UM GAROTO NO CARRO PARTICIPAM DO PEGA. AMBOS COM BEBIDA NA MÃO, GRITANDO E ALEGRES.

JOHN

- Esse cara não faz nada que presta.

MICHELLE

- E você ainda fala e anda com esse tipo de gente...

JOHN

- Não quer dizer que eu concordo com o que eles fazem!

MICHELLE CONTINUA ESCREVENDO. CÂMERA CONTINUA FILMANDO OS ADOLESCENTES DIRIGINDO BÊBADOS.

MICHELLE DEIXA O PAPEL E A CANETA NO CHÃO

- O ônibus que a tia pega! É a tia! Chegou atrasada pra nossa peça. Gente, espera aí que eu já volto.

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SUZI PEGA O PAPEL DE MICHELLE PARA LER. APÓS ALGUNS SEGUNDOS, A POLÍCIA CHEGA. A PRAÇA FICA MOVIMENTADA, PESSOAS CORREM E GRITAM, COMÉRCIOS FECHAM. A TIA SOLTA DO ÔNIBUS E AO ATRAVESSAR A RUA, O CARRO COM O ANDRÉ E O OUTRO GAROTO A ATROPELA, NA ÂNSIA DE FUGIREM DA POLÍCIA. MICHELLE PARALISA. O ÔNIBUS, VENDO O MOVIMENTO, ARRANCA, NÃO PRESTA SOCORRO. MICHELLE VAI AO ENCONTRO DA TIA E COMEÇA A CHORAR. JOHN E SUZI CORREM EM DIREÇÃO A MICHELLE, MAS UMA BALA PERDIDA PEGA DE RASPÃO NA PERNA DELES, A POLÍCIA ERROU O ALVO.

MICHELLE

- Tia!

TIA LUÍZA ESTÁ DESMAIADA.

MICHELLE GRITA DESESPERADAMENTE

- Polícia! Algum médico! Alguém! Eu preciso de ajuda! Alguém liga pra ambulância, por favor!

MICHELLE NÃO TEM MAIS FORÇAS PARA GRITAR

- Socorro! Alguém liga para a ambulância!

JOHN COM DIFICULDADE PARA ANDAR.

MICHELLE

- Meu Deus, vocês estão sangrando! Suzi, calma, você vai ficar bem.

JOHN

- Você está mais nervosa que ela, Michelle!

SUZI

- Sua tia vai sair dessa, Michelle, fica calma.

MICHELLE DESESPERADA OLHA PARA TIA LUÍZA.

CENA 26. INT. NOITE. MOMENTOS APREENSIVOS.

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HOSPITAL PÚBLICO. LÁ ESTÃO MICHELLE, JOHN, O NAMORADO DA TIA LUÍZA, SÍLVIA, CARLOS, DOUGLAS. TODOS APREENSIVOS. SUZI E JONH SAEM DE UM QUARTO COM O BRAÇO ENGESSADO.

JONH

- Isso aqui foi um policial mal treinado que me acertou! Eu vi! Tem bandido que tem mais mira que Militar...

MÉDICO

- Michelle, sua tia perdeu muito sangue e é necessária a doação do sangue O negativo, que é raro ter nos Hospitais. E ela também precisa de um transplante de coração, vamos ligar para os outros hospitais e saber se tem algum coração disponível para fazer esse transplante, é muito difícil, porque há uma fila de espera para transplante...

MICHELLE FALA NERVOSA, CHORANDO.

- Eu tenho uma idéia. Vamos nos dividir, vamos aos nossos vizinhos pedir a doação desse sangue, já que o Doutor disse que é difícil, e os outros liguem pra amigos, pra saber se conseguem este sangue, tudo bem? Eu não vou ficar aqui, parada! Eu não vou deixar minha tia morrer! Vamos?

MICHELLE VAI EMBORA LEVANDO SUZI E DOUGLAS.

MÉDICO

- Há pouquíssimos doadores, infelizmente. Doação de órgão, por exemplo, eu acho tão bonito quando a família libera. Por que deixar de ajudar pessoas que tanto precisam, não é?

JOHN

- Eu acho que deveria existir uma lei que quem não se preocupasse com o próximo, seria queimado vivo. Que vida inútil! Merda!

CARLOS

- Que isso filho? Fica calmo!

JOHN

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- Como eu posso ficar calmo, pai? A tia da minha amiga está morrendo e ninguém pode fazer nada! Se um diz eu ver o André na rua pai, eu juro que mato ele.

SÍLVIA

- Ei! Que isso? Vai virar assassino agora?

CARLOS

- Vamos ligar para os nossos amigos e saber se eles têm esse tipo de sangue, filho, tudo bem?

JOHN

- Michelle saiu tão afobada que esqueceu o celular aqui.

CENA 27. EXT. NOITE. MICHELLE PEDE AJUDA.

CENA MUDA DE MICHELLE NA VIZINHANÇA PEDINDO A DOAÇÃO DE SANGUE E OS VIZINHOS NEGANDO, POR NÃO TEREM ESSE TIPO DE SANGUE.

CENA 28. INT. NOITE. A NOTÍCIA.

HOSPITAL PÚBLICO. MICHELLE CHEGA OFEGANTE SOZINHA E NÃO SABE QUE SUA TIA FALECEU.

MICHELLE RÓI A UNHA

- Por favor, eu preciso falar com a paciente Luíza da Silva Ornelo. Ela estava na emergência.

FISCAL OLHA NO PAPEL E FALA COM MICHELLE.

FISCAL

- 3º andar, sala dois, a sua direita.

MICHELLE PEGA O ELEVADOR. AO CHEGAR NA SALA, A CAMA ESTÁ VAZIA.

MICHELLE

- Cadê, a paciente da sala dois?

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FAXINEIRA

- A paciente? Está em óbito!

MICHELLE

- Em óbito? Quê?

FAXINEIRA

- Desculpa minha filha, eu não sabia que você não sabia...

MICHELLE CHORA NA ESCADA DO HOSPITAL. OLHA PARA O LADO E VÊ O CORPO DA TIA EM CIMA DA MACA, SENDO LEVADO POR MÉDICOS, O ROSTO APARECENDO. CHORA MAIS AINDA. APARECE UMA MULHER, TAMBÉM TRISTE, COM OLHAR VAGO E VAZIO.

MULHER TRISTE

- Você perdeu alguém?

MICHELLE

- Minha tia.

MULHER TRISTE DÁ AS MÃOS PARA MICHELLE

- Você precisa ser forte.

MULHER TRISTE SAI. UMA MÉDICA A LEVA PRA SUA SALA. PREPARA UMA ÁGUA COM AÇÚCAR PARA MICHELLE TOMAR, ELA BEBE, AS MÃOS TRÊMULAS. MÉDICA COLOCA MICHELLE NA CADEIRA E DÁ UM ABRAÇO.

MICHELLE EM OFF.

- “Você precisa ser forte”. Aquela desconhecida definiu o que eu precisaria ser pelo resto da minha vida...

CENA 29. INT. MANHÃ. LUTO.

QUARTO DE MICHELLE.

JOHN

- Michelle. Acorda, Michelle, já são meio dia!

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MICHELLE ESCONDE AS BEBIDAS EM BAIXO DA CAMA

- Espera aí, não entra não! Estou trocando de roupa. JOHN

- É o John. Já te vi de calcinha e soultien tantas vezes que nem tem mais graça!

MICHELLE ENGOLE VÁRIOS ANTIDEPRESSIVOS

- Palhaço! Eu estou pelada, é diferente. Pode entrar, eu estava trocando de roupa.

JOHN COM LIVROS E CADERNO NAS MÃOS

- Eu vim estudar com você.

MICHELLE

- Hoje não é dia de estudar, hoje é sábado.

JOHN

- E amanhã é domingo, dia da sua prova do Vestibular. Vamos, você consegue.

MICHELLE COM UMA CALMA DE QUEM ESTÁ MUITO NERVOSA.

- Tudo bem, John, tudo bem. Você está certo, amanhã é prova, vamos estudar.

JOHN MEXE NOS LIVROS

- Isso aí, essa é minha amiga!

MICHELLE ANDA DE UM LADO PARA O OUTRO, IMPACIENTE.

MICHELLE

- Escreve aí, regra de três para resolver. Se 20 pessoas morrem num dia por causa de um pega, quantas pessoas morrerão por ano, ou seja, 365 dias.

JOHN

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- Desculpa, desculpa, você está mal e eu sou um idiota por não ter percebido isso antes. Desculpa, amiga.

MICHELLE GRITA COM JONH

- Escreve, John!

JOHN

- Não, eu não vou escrever, vem cá, me dá um abraço...

MICHELLE COMEÇA A FAZER O CÁLCULO, LÁGRIMAS ROLANDO, MÃOS TRÊMULAS.

- Eu não quero abraço. Eu escrevo então. Então, 7.300 pessoas morrerão ao longo do ano. Qual o próximo assunto? Ou só tem regra de três para estudar?

JOHN

- Vamos ver um exemplo de anagrama. Quantos são os anagramas das palavras: “Por favor. Sorria Michelle”.

MICHELLE

- O quê?

JOHN

- Vou repetir as palavras, acho que você não entendeu: “Por favor. Sorria Michelle”.

JOHN E MICHELLE RIEM E SE ABRAÇAM.

MICHELLE COM RAIVA

- Eu só não entendo uma coisa. Pra quê me serviu estudar tanta fórmula, tanta regra, tanta história? Se eu falasse alguma fórmula na hora que minha tia soltou do ônibus, aquele desgraçado ia apertar o freio e deixar de passar por cima dela? A gente só aprendeu na escola o básico pra fazer uma provinha de faculdade, por que pra vida, a gente não aprende nada. Se eu soubesse alguma coisa de primeiros socorros, talvez seria diferente, ou então sei lá, se eu tivesse uma arma, eu apontaria para o motorista que não prestou socorro à ela e...

JOHN OLHA FUNDO NOS OLHOS DE MICHELLE

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- Para! Não fica se martirizando. Olha, está tudo bem, quer dizer, não está nada bem, mas vai ficar. Eu concordo com tudo que você falou, mas é uma dessas regras que vai te fazer passar para o Vestibular. Você não vai desistir, você é forte. Eu sei que é.

MICHELLE

- E se eu desistir, o que acontece?

JOHN

- Aí não vai ser a Michelle que eu conheço. E para de beber um pouco que além de estar com um bafo horrível, você está com uma barriga de cerveja também horrível e pra você colocar seu vestido na formatura assim, não vão ficar legal!

MICHELLE

- Relaxa. Eu vou sair dessa.

CENA 30. INT. NOITE. MICHELLE QUER MORRER.

MICHELLE NUMA BOATE GÓTICA BEBENDO, FUMANDO E TOMANDO SEUS INSEPARÁVEIS COMPRIMIDOS ANTIDEPRESIVOS. TOCA HIM, WICHED GAMES. DANÇARINOS DO PALCO A CHAMAM PARA SUBIR PARA DANÇAR. ELA SOBE FELIZ, DANÇA E RODA NO FERRO. RODA TRÊS VEZES E SAI CAMBALEANDO, CAINDO EM CIMA DE QUEM ESTAVA DANÇANDO EM BAIXO.

MICHELLE

- Desculpa, desculpa. Eu estou bem, eu estou bem.

CENA 31. INT. MANHÃ. VÔMITOS.

QUARTO DE MICHELLE. GARRAFAS DE BEBIDA E CIGARROS JOGADOS NO CHÃO. MICHELLE ACORDA ASSUSTADA.

MICHELLE DÁ UM PULO DA CAMA

- Meu Deus! Quem é você?

ESTRANHO

- O cara que você transou há algumas horas atrás?

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MICHELLE

- Não acredito. Eu não me lembro de nada!

ESTRANHO

- Eu vou dormir. Eu me lembro de tudo, você acabou comigo...

MICHELLE VÊ UMA ESTRANHA DEITADA DO OUTRO LADO DA CAMA.

- Que merda é essa? Vocês me obrigaram a vir aqui, é isso? ESTRANHA

- Você está maluca, garota? Você praticamente implorou para eu e meu namorado ficar com você ontem na boate...

MICHELLE FAZ CARA DE DOR E DEITA NOVAMENTE

- Que ressaca maldita. Por favor, vão embora, eu quero ficar sozinha.

ESTRANHA E ESTRANHO SAEM DO QUARTO.

JOHN

- Estou entrando, vim desejar boa sorte! Cadê a futura Jornalista que vai gabaritar a prova hoje?

MICHELLE ESTÁ DEITADA DE CALCINHA E SOULTIEN, DESCABELADA E CARA DE QUEM NÃO DORMIU. VAI PARA O BANHEIRO VOMITAR NO VASO.

JOHN

- Adiantou alguma coisa beber? Ok, eu não vou dar discurso, não agora, que você está atrasada. Michelle, você está muito atrasada para a prova do Vestibular! O que eu faço? Toma um banho rápido, eu vou comprar um remédio pra você e arrumar uma moto pra te levar.

MICHELLE

- Ei, você não vai nem me perguntar por que eu bebi ontem?

JOHN RESPONDE E SAI

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- Por causa da sua tia, eu já sei.

MICHELLE

- Por causa de você, idiota. Eu sinto que a gente nunca mais vai se ver.

CENA 32. INT. NOITE. FORMATURA 2º GRAU.

QUADRA DA ESCOLA. DECORAÇÃO ANOS 60. FORMANDOS COM FIGURINO ANOS 60. TOCA WHAT´D Y SAY, RAY CHARLES. CÂMERA FILMA TODOS DANÇANDO, FELIZES.

DIRETORA

- O que você vai fazer daqui pra frente, minha filha?

MICHELLE COM GARRAFA DE BEBIDA NA MÃO

- Eu consegui passar na Faculdade.

DIRETORA

- Que bom. A segunda prova é bem mais fácil que a primeira, não acha?

MICHELLE

- É. Eu vendi a casa que eu morava. Agora vou morar numa República perto da Faculdade. DIRETORA

- Eu sei que você tem um futuro lindo pela frente, é só querer. E beber um pouco menos também, não é?

JOHN VAI PARA O LUGAR QUE DÁ ACESSO AO TERRAÇO DA ESCOLA.

MICHELLE VÊ JOHN

- Com licença.

CENA 33. EXT. NOITE. O BEIJO.

TERRAÇO DA ESCOLA. MESMO LUGAR DA CENA 5. TOCA MICHELLE, BEATLES.

MICHELLE

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- Você também, seu chato! Custava ter estudado mais e matado menos aula? Poderíamos viajar bastante, morar junto... Igual como planejamos quando éramos crianças, lembra?

JOHN

- Claro que eu lembro! Mas o destino quis assim.

MICHELLE

- Espera aí, você quis assim. Ah, não vamos ficar com as nossas discussões bobas nas últimas horas que nos resta. São legais, mas hoje não. Você sabe que eu vou sentir uma saudade imensa de nós dois, não sabe? Sabe que eu quero te ver bem, feliz...Por favor, John, larga esses questionamentos que você tem da vida e estuda pra valer! Aprende uma coisa: você não estuda pra as pessoas, é pra você, seu magrelo, só pra você, é como um presente que você se dá! Eu devo muito a você, meu amigo, por ter passado para Faculdade. Estou me lembrando no 1º ano, quando a gente mentia dizendo que éramos irmãos... Lembra quando no 2º ano aconteceu sua primeira vez e eu percebi sem você ao menos abrir a boca pra me contar? Todos os dias eu agradeço a Deus por ter me dado um amigo como você! John, você está...? Não faz isso não, não fica assim não, eu bebo e você é que fica deprimido? JOHN CHORA

- Eu estou me despedindo da segunda mulher que eu mais amo na vida. Será que você não sente que eu te amo, que você me ensinou a te amar?

JOHN E MICHELLE BEIJAM-SE E DEPOIS DANÇAM JUNTOS.

MICHELLE

- Nosso primeiro beijo.

JOHN OLHA PARA MICHELLE

- Nosso último beijo.

MICHELLE

- Você é mórbido!

JOHN

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- Realista. Você vai fazer Faculdade, vai morar em outro lugar, conhecer gente mais interessante que eu...

MICHELLE

- Mesmo que você não me queira mais, eu te encontro, onde você estiver. Eu prometo.

JOHN

- Eu não acredito em palavras. Palavras o vento leva.

MICHELLE

- Eu vou te mostrar com as minhas atitudes que eu te amo.

JOHN

- O pior de tudo é que eu acredito em você! Te amo, menina chata.

MICHELLE

- Também te amo, garoto irritante.

MICHELLE E JOHN SE OLHAM E CHORAM.

MICHELLE

- Odeio despedida.

JOHN A PUXA E DANÇAM JUNTOS NOVAMENTE.

CENA 34. EXT. MANHÃ. NOSTALGIA.

MICHELLE ESTÁ NO ÔNIBUS VENDO FOTOS DO COLÉGIO, DA TIA, DOS PAIS, DE JONH.

MICHELLE EM OFF

- “Estou passando por uma fase meio esquisita. Não quero mais viver, porque eu não compreendo a vida, mas também não quero morrer, porque também não entendo a morte”.

MICHELLE LÊ A CARTA DE SUZI.

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SUZI EM OFF

- “E pensar que um dia a gente quase acertou uma a cara da outra na rua e agora somos amigas! Michelle, o rapaz que atropelou sua tia está foragido, e quem sabe onde ele está, não quer contar, com medo de morrer. O motorista que não prestou socorro vai ser indiciado, vamos ver se ainda existe justiça nesse país! Quando aconteceu o acidente da sua tia, não sei por quê, mas eu senti vontade de pegar este papel, que você estava escrevendo sobre o pega.”

CÂMERA FILMA O PAPEL NAS MÃOS DE MICHELLE TODO ESCRITO POR ELA, REFERENTE À CENA 25.

- ... Sei que ele não vai te trazer nem sorte, nem azar, é só um papel, mas eu ainda acho que um dia você vai precisar dele, não é, futura Jornalista? A gente queria fazer uma despedida pra você, mas...”.

CENA CORTADA.

CENA 35. INT. DIA. TROTE FACULDADE.

TROTE DA TURMA DE MICHELLE. VÁRIOS RAPAZES DE CABEÇA RASPADA E MENINAS, DE CABELO CORTADO DE FORMA DESPROPORCIONAL. TODOS RINDO E SE DIVERTINDO. QUADRA DA FACULDADE.

COLEGAS DA FACULDADE

- Corta! Corta! Corta!

MENINA ESTÁ SENTADA ESPERANDO MICHELLE CORTAR O CABELO DELA.

MICHELLE SEM QUERER CORTA O CABELO DA MENINA

- Olha, não é nada pessoal! Foi um sorteio, ok?

COLEGAS DA FACULDADE FAZEM A CONTAGEM ENQUANTO ELA CORTA.

- Dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um!

MENINA FAZ O SORTEIO

- Próximo. Vítor beija Luana!

COLEGAS DA FACULDADE

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- Êêêêê!

ALUNOS COM ROSTO PINTADO PASSAM POR ELES.

CENA 36. INT. DIA. VINGANÇA

MICHELLE NA SALA DA REPÚBLICA

- Alô. O senhor é detetive criminal também? Eu estou precisando do seu serviço, quero que você ache o André Júnior Souza. Ele morava em Santa Tereza, atropelou uma senhora e agora está foragido. Meu telefone de contato é...

CENA CORTADA.

CENA 37. EXT. NOITE. ANDRÉ DE VOLTA.

MICHELLE ESTÁ SAINDO DA FACULDADE, INDO EM DIREÇÃO AO PONTO DE ÔNIBUS. RUA ESTÁ DESERTA. ELA ANDA RÁPIDO. ANDRÉ PARA O CARRO AO LADO DELA, SAI DO CARRO, COLOCA UM PANO NA BOCA DE MICHELLE E A JOGA NO SEU CARRO.

ANDRÉ

- Mandou um otário me investigar? Essa hora ele já está morto. Vou te mostrar o que acontece com pessoas vingativas como você.

CENA CORTADA.

CENA 38. INT. NOITE. REPÚBLICA.

SALA. MICHELLE LÊ UM LIVRO NA MESA.

LUÍS

- Vamos para boate hoje? Amanhã você estuda mais.

MICHELLE

- Não dá, querido, não dá mesmo, eu estou péssima nessa matéria.

LUÍS

- Bom, se você mudar de ideia é só ligar que a gente te busca. MICHELLE

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- Eu não vou mesmo, estou desanimada.

LUÍS

- Vamos?

RAFAEL, JOÃO E LUÍS SAEM.

MICHELLE

- Milena, algum John me ligou?

MILENA

- Não. Eu sei que você está arrasada; qualquer uma no seu lugar estaria, achando até que Deus não existe, mas...

MICHELLE

- Estar grávida é a maior prova de que Ele não existe! Eu nunca fiz mal a ninguém, planejei a minha vida toda ser uma grande Jornalista e olha o estado depressivo que eu estou? Não consigo estudar, não consigo sorrir, não consigo fazer nada, Milena.

MILENA

- Não tira esse bebê, ele não tem culpa.

MICHELLE

- Você quer me convencer a ter uma criança que foi conseqüência de um ato de humilhação? Eu pensava que o Inferno não existia... Eu estou vivendo nele.

MILENA

- As coisas vão melhorar, se acalma. Descansa um pouco, eu vou fazer um chá para você.

MICHELLE

- E pensar que um dia eu acreditei que o mundo poderia melhorar. Bem que meus amigos diziam que eu sonhava demais.

MILENA

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- Eu sei que você está com muito raiva e muito medo do André, mas assim que você quiser ir à Delegacia dar parte, eu vou com você. De repente com o retrato falado até conseguem botar esse maldito na cadeia.

MICHELLE

- Eu não acredito mais que ele vai ser preso. Gente ruim demora a morrer, Milena.

MILENA BEIJA O CABELO DE MICHELLE E VAI PARA COZINHA.

CENA 39. INT. DIA. EFEITO DA DROGA.

MICHELLE ESTÁ NO BANHEIRO FA FACULDADE. GUARDA UM POUCO DE COCAÍNA NA BOLSA. OLHA PARA SI E VÊ QUE SEU CORPO TODO ESTÁ TRÊMULO. MILENA ENTRA NO BANHEIRO.

MILENA

- Michelle! Luís! Entra aqui, rápido!

MICHELLE VÊ MILENA E LUÍS COMO ANÕES

- Háháháháháhá...

LUÍS PEGA NO BRAÇO DE MICHELLE

- Vamos embora, vamos.

MICHELLE TIRA O BRAÇO DE LUÍS COM VIOLÊNCIA E OLHAR IRRECONHECÍVEL

- Me solta! Ei. Me empresta o celular.

MILENA

- Vai ligar para o John, de novo?

MICHELLE

- Desligado como sempre.

CORPO DE MICHELLE COMEÇA A TREMER DE NOVO. LUÍS A PEGA, MESMO ELA NÃO QUERENDO E A LEVA NAS COSTAS.

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MICHELLE

- Me solta, anão, me solta, eu sei andar sozinha...

MILENA

- Michelle, você precisa sair dessa. Eu conheço uma Clínica de Recuperação ótima, pensa nisso, promete que vai pensar? MICHELLE

- Milena, o que houve que você diminuiu?

PROFESSOR RICARDO PASSA PERTO DELES.

- O que houve?

MILENA

- Drogas!

P. RICARDO

- Que loucura! Eu a levo para o Hospital, vamos, rápido!

CENA 40. INT.DIA. REAÇÕES.

MICHELLE ESTÁ NA JANELA DA REPÚBLICA SOZINHA. SUANDO E TREMENDO. TOMA VÁRIOS COMPRIMIDOS ANTIDEPRESSIVOS E BEBE WISKI.

CENA 41. EXT. NOITE. SUICÍDIO.

MICHELLE DROGADA PARA O CARRO NA PONTE RIO-NITERÓI, DESCE DO CARRO E OLHA PARA O MAR.

MICHELLE

- Mãe? Pai? Vocês estão aí? Espera aí que eu também estou indo.

PARA UM CARRO ATRÁS DO DELA.

DESCONHECIDO

- O quê você está fazendo?

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MICHELLE

- Meus pais estão ali, em baixo da água me chamando, você não ouviu?

DESCONHECIDO A IMOBILIZA.

MICHELLE

- Me larga, você não pode me impedir de ver meu pai e minha mãe!

DESCONHECIDO LIGA PARA A AMBULÂNCIA DO SEU CELULAR

- Alô, por favor, uma Ambulância para a Ponte Rio-Niterói, urgente, estou aqui com uma jovem que quer se matar...

CENA 42. INT. TARDE. ABSTINÊNCIA.

MICHELLE ESTÁ NO JARDIM DA CLÍNICA DE RECUPERAÇÃO, MAGRA E ABATIDA. A CAMPAINHA TOCA, O PORTEIRO ATENDE. RAPAZES DO CAMINHÃO COM FRUTAS ENTRAM NA CLÍNICA. PORTEIRO ENTRA NO CAMINHÃO PARA AJUDAR A LEVAR AS FRUTAS PARA A CLÍNICA. MICHELLE SAI CORRENDO PARA FUGIR. AO SAIR, SEGURANÇAS QUE ESTAVAM DO LADO DE FORA A SEGURAM.

MICHELLE

- Eu quero maconha! Maconha!

MICHELLE SE DEBATE CONTRA ELES E MORDE UM DOS SEGURANÇAS. ENFERMEIROS CHEGAM E DÃO UMA INJEÇÃO NELA.

MICHELLE

- Eu estou fraca! Não agüento andar!

ENFERMEIROS TRAZEM UMA CADEIRA DE RODAS E A LEVAM PARA O SEU QUARTO.

ENFERMEIRO

- Agora deita e dorme, Michelle, por favor!

ENFERMEIRO SAI DO QUARTO. MICHELLE PROCURA COCAÍNA NA SUA MOCHILA, MAS NÃO ACHA. COMEÇA A COÇAR O CABELO E A FICAR IRRITADA. ARRANCA FIOS DE SEU CABELO.

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CENA 43. INT. TARDE. REPÚBLICA.

SALA. MICHELLE COM OLHAR FUNDO SE LEVANTA E PROCURA MAIS DROGAS EM SUA BOLSA, MAS NÃO ACHA. COMEÇA A TER UM DISTÚRBIO CARDÍACO, QUE LOGO PASSA. CELULAR TOCA.

MICHELLE

- Oi Professor Ricardo. Tudo mal. Estou sem bebida, sem cigarro, sem sexo, poderia estar pior? Hoje é que dia?

P. RICARDO

- Dezessete.

MICHELLE

- Então hoje faz um ano, seis meses, doze dias e algumas horas que eu estou limpa. Nem acredito que fiquei esse tempo todo sem cheirar.

P. RICARDO

- E como você se sente?

MICHELLE

- Ah, eu me sinto... Me sinto bem em saber que eu não estou dando mais trabalho para os meus amigos. Porque quando você é criança é normal dar trabalho para os outros, mas depois de adulto é vergonhoso, não acha?

P. RICARDO

- Com certeza. Você está trabalhando ainda?

MICHELLE

- Estou louca para sair do escritório onde eu trabalho, só que como eles pagam bem...

P. RICARDO

- Você só trabalha lá pelo salário?

MICHELLE

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- Claro. Quem não faz isso?

P. RICARDO

- Eu não faço isso. Sou professor, não ganho bem, mas amo o que eu faço. Eu tinha uma proposta para você, só que no começo você não vai ganhar muito.

MICHELLE

- O que foi? Você conseguiu alguma coisa para mim?

P. RICARDO

- É o jornal do meu amigo. Eles precisam de uma colunista semanal, não precisa ter experiência, só escrever muito bem.

MICHELLE

- Ótimo! Quero sim, me fala aí o endereço.

P. RICARDO

- Avenida Presidente Vargas...

MICHELLE ANOTA O ENDEREÇO.

CENA 44. INT. DIA. PAPEL DO SALGADO.

NUMA SALA GRANDE, COM DOIS FISCAIS DENTRO, ESTÃO ALGUNS CANDIDATOS PARA A SELEÇÃO DE COLUNISTA. MICHELLE ENTRA COM UM VISUAL DIFERENTE. ESTÁ DE TERNO, MAQUIADA E CABELO CURTO.

FUNCIONÁRIA RH

- Bom dia. A princípio, vocês vão fazer uma redação, no tempo de 1 hora, o tema é livre e é eliminatório. Boa sorte para todos.

CÂMERA FILMA QUE SÃO 08:00 HORAS. MICHELLE ESCREVE NO PAPEL DE RASCUNHO E DEPOIS RASURA, POR NÃO GOSTAR DO QUE ESCREVEU. FICA IMPACIENTE, POIS A FOLHA ORIGINAL AINDA ESTÁ EM BRANCO E O RELÓGIO NA SALA MARCA 08:40. O PAPEL DE RASCUNHO ESTÁ TODO RABISCADO, SEM MAIS ESPAÇO.

MICHELLE

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- Posso pegar outra folha para rascunho? Essa aqui não cabe mais.

FISCAL BALANÇA A CABEÇA POSITIVAMENTE. AO MEXER NA BOLSA PARA PEGAR UM PAPEL, SEM QUERER ELA PUXA O PAPEL DO SALGADO QUE ESTÁ A NARRAÇÃO DO DIA QUE ELA VIU O PEGA.

CENA 45. FLASH BACK DA CENA 25.

JOHN

- O que você está fazendo?

MICHELLE

- Estou anotando essa besteira que eu estou vendo. Vai que um dia eu publico essa matéria num jornal!

JOHN

- Você sonha muito.

CENA 46. INT. DIA. CONTINUAÇÃO DA CENA 44.

MICHELLE COM OS OLHOS CHEIO DE LÁGRIMAS TENTA CONTER SUA EMOÇÃO E DISCRETAMENTE, PASSA O QUE ESTÁ ESCRITO NO PAPEL DO SALGADO PARA A FOLHA DA PROVA. ESCREVE RAPIDAMENTE. ENQUANRO ESCREVE, VOZ DELA EM OFF FALA O TEXTO. Assassinos brincando dentro de um carro.

“... Agora são 22:45 e esses jovens; assassinos em potencial, não param de fazer manobras suicidas. Manobras estas que deveriam ser praticadas não numa praça, mas talvez num Campeonato de Rali, ou Fórmula 1. Não aqui, com o risco de prejudicar meus amigos, meus vizinhos, minha gente... Não podemos nos omitir ao assistir cenas tão fortes quanto estas. Seremos nós agentes precursores da paz ou comparsas de uma violência infindável?”.

RELÓGIO MARCA 09:00 HORAS. MICHELLE SORRI.

CENA 47. INT. DIA. O AMIGO.

MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES. MICHELLE LIGA PARA O PROFESSOR.

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MICHELLE

- Alô. Professor, é Michelle. Então, eu tenho uma entrevista hoje com o Gerente do jornal! Eu vou faltar à aula, mas depois eu pego a matéria, tudo bem?

P. RICARDO

- Que bom! Vou te dar umas dicas: vai arrumada, mas sem exageros, só senta quando o Gerente mandar, tenta falar mais devagar e não coloca um perfume muito forte, tudo bem?

MICHELLE

- Obrigado, Ricardo, você é um anjo.

CENA 48. INT. DIA. NOVA FUNCIONÁRIA.

SALA DO DIRETOR DO JORNAL.

DIRETOR DO JORNAL

- Michelle da Silva Ornelo.

MICHELLE

- Com licença.

DIRETOR DO JORNAL

- Sente-se, eu não mordo. Só se pedirem. Quer dizer que você foi demitida do emprego anterior? Ouvi dizer que a Empresa é desorganizada, que eles não pagam em dia, é isso mesmo?

MICHELLE

- Não, lá é tudo muito certo, muito pontual, todos são responsáveis, disciplinados.

DIRETOR DO JONAL

- E você foi demitida por quê, cansou do lugar?

MICHELLE

- Eu tive uns problemas com bebida, mas já me tratei e estou ótima.

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DIRETOR DO JORNAL

- Você morou em Santa Tereza, não é isso? Dizem que lá tem uns bailes ótimos, a noite é movimentada, é assim mesmo? Você costuma sair muito para esses bailes?

MICHELLE

- Eu não sei, eu preferia ficar em casa lendo um livro.

DIRETOR DO JORNAL

- Ok. Michelle. Vou ser direto com você. Eu e minha equipe gostamos tanto do seu texto que já queremos colocá-lo no jornal.

MICHELLE RI E GRITA

- Não acredito! Mesmo? Posso me expressar? Ahhhhhhhhhh!

DIRETOR DO JORNAL

- E você participou de uma pegadinha, não sei se você percebeu. Eu queria saber se você tem o costume de falar mal de empresas, eu fingi não saber o motivo da sua demissão, mas eu já sabia, e queria saber também se você sai muito à noite, que na maioria dos casos resulta na falta de compromisso com a empresa no outro dia de manhã.

MICHELLE

- Incrível.

DIRETOR DO JORNAL

- Você escreveu sua redação como se tivesse vivido a situação, bem interessante isso...

MICHELLE

- É. Eu vivi.

DIRETOR DO JORNAL

- Agora precisamos que você autorize a publicação da matéria, tudo bem?

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MICHELLE

- Sim. Senhor. Eu posso usar um pseudônimo?

DIRETOR COM PRESSA

- Claro, vai lá na sala oito e conversa com a Samanta. Bem vinda a nossa equipe.

MICHELLE

- Obrigado.

CENA 49. INT. DIA. JOHN MICHELL.

SALA DA SUPERVISORA DE MICHELLE.

MICHELLE

- Com licença.

SAMANTA

- Pois não?

MICHELLE

- O Senhor Paulo pediu para eu falar com a senhora, sobre colocar o meu texto no jornal.

SAMANTA

- Oi, tudo bom, entra. Você que é Michelle, que fez a redação sobre pegas? Muito bom!

MICHELLE

- Eu vim aqui porque eu quero usar outro nome no jornal.

SAMANTA

- Qual o nome?

MICHELLE

- John Michell.

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SAMANTA

- Vai fingir que é um homem?

MICHELLE

- É uma homenagem a um amigo meu, de infância. Samanta, eu quero te pedir outra coisa. Eu quero revisar o meu texto. Deixá-lo melhor, mais completo... Será possível?

SAMANTA

- Entendo. Posso te dar uma semana só.

MICHELLE SAI DA SALA

- Está bom, obrigado.

SAMANTA

- Michelle. Adorei seu grito de felicidade, foi único.

CENA 50. EXT. NOITE. MODERAÇÃO.

MICHELLE NA LAPA BEBENDO COM MILENA E LUÍS.

MILENA

- Esse é o seu último copo, só pode beber três copos por noite.

LUÍS

- Caso contrário, vai levar umas palmadas em casa!

MICHELLE LIGA PARA JONH

- Vocês são ótimos! Alô! John!

GAROTO

- Quem?

MICHELLE

- O John está?

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GAROTO

- Não. Serve o Júnior?

MICHELLE

- Ele está ou não?

GAROTO

- Aqui não mora nenhum John, colega. Alô. Tem alguém aí?

MICHELLE

- Sim.

GAROTO

- Eu acho que eles se mudaram, colega, espera aí que eu vou ver se eu tenho o endereço deles.

LUÍS

- Que foi? Está branca igual uma vela.

MICHELLE

- Eles se mudaram. E se eu não ver meu amigo nunca mais?

GAROTO

- Alô. Anota aí o endereço.

CENA 51. EXT. TARDE. MEMÓRIAS.

DONA SÍLVIA SAI DE UMA PADARIA COM SACOLA DE PÃO. PASSA EM FRENTE AO ANTIGO RESTAURANTE DO RIO CALABOUÇO, NA AVENIDA INFANTE DOM HENRIQUE. ENTRA NO CARRO E FICA PARADA, OLHANDO PARA O RESTAURANTE E LEMBRANDO DO QUE ACONTECEU.

CENA 52. EXT. TARDE. MAIS MORTE.

FACHADA DO RESTAURANTE CALABOUÇO. APROXIMADAMENTE 600 ESTUDANTES DO LADO DE FORA DO RESTAURANTE, COM PAU E PEDRA NAS MÃOS.

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EDSOM LUÍS

- O Governo acha que nós somos imbecis! Olhem o estado desse Restaurante que o Governo nos ofereceu! Caindo aos pedaços, sem higiene, comida ruim, comida cara...

SÍLVIA

- Se ficarmos calados, aí sim, seremos verdadeiros imbecis!

ESTUDANTES GRITAM, ANIMADOS. POLICIAIS CHEGAM, BATENDO NOS ESTUDANTES. ESTUDANTES JOGAM PAU E PEDRA NA POLÍCIA. POLICIAIS E SOLDADOS ATIRAM PARA ASSUSTAR, ATÉ COM METRALHADORA. ESTUDANTES ENTRAM NO RESTAURANTE CALABOUÇO, POLICIAIS TAMBÉM. POLICIAL ATIRA NUM ESTUDANTE QUE CAI, AGONIZANDO. ESTUDANTES CORREM. TENENTE ATIRA NO PEITO DE EDSOM LUÍS.

TENENTE

- Me ajuda aqui, Soldado Guimarães, vamos tirar esse corpo daqui, depressa!

SÍLVIA

- Não mexe no corpo dele! Eles querem sumir com o corpo de Luís, amigos! Cínicos! Querem se isentar de culpa! Covardes!

TENENTE

- Recolher! Recolher!

POLICIAIS VÃO EMBORA. SÍLVIA COLOCA O CORPO DE LUÍS NO SEU COLO E CHORA.

CENA 53. EXT. TARDE. TRISTE.

CONTINUAÇÃO DA CENA 51. SÍLVIA ENXUGA AS LÁGRIMAS, LIGA O CARRO E DIRIGE.

CENA 54. EXT. NOITE. FELICIDADE.

MICHELLE NO PRÉDIO ONDE OS PAIS DE JONH ESTÃO MORANDO. PRÉDIO SIMPLES, PORÉM COM CÂMERA NO ELEVADOR E NO PRÉDIO. INTERFONA PARA DONA SÍLVIA.

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DONA SÍLVIA

- Quem é?

MICHELLE

- É a Michelle.

SÍLVIA DESLIGA O INTERFONE.

- É você, não acredito, sobe minha filha, sobe.

O PORTÃO CONTINUA FECHADO.

MICHELLE

- Alô. Tia.

SÍLVIA

- Você ainda está aí?

MICHELLE

- A senhora esqueceu de abrir.

SÍLVIA

- É mesmo...

CENA 55. INT. NOITE. REENCONTRO.

A PORTA ESTÁ ABERTA E DONA SÍLVIA A RECEBE COM UM GRANDE ABRAÇO.

SÍLVIA

- Olha Carlos, quem chegou!

CARLOS

- Minha filha, como está?

MICHELLE

- Melhor agora vendo vocês! O que houve, que vocês se mudaram?

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SÍLVIA

- Nós saímos de lá porque os traficantes começaram a mandar na comunidade. Tiroteio virou rotina, algumas pessoas que não poderiam saber, descobriram que eu e o Carlos éramos Jornalistas. Enfim, estava inabitável.

MICHELLE

- Minha tia que me contou que vocês eram Jornalistas, porque o John mesmo nunca me falou nada.

SÍLVIA

- O John tem medo que a gente sofra retaliação, eu e o Carlos só fazemos matérias polêmicas.

CARLOS

- É, a gente sempre sofreu muita ameaça, não é por acaso que paramos aqui, nesse esconderijo.

SILÊNCIO. SÍLVIA QUER EVITAR FALAR QUE O JONH ESTÁ EM OUTRO ESTADO.

SÍLVIA FALA JUNTO COM MICHELLE

- Então, e você?

MICHELLE FALA JUNTO COM SÍLVIA

- Tio, cadê o John?

CARLOS OLHA PARA SUA ESPOSA, SEM SABER COMO DIZER.

CARLOS

- O John passou para Faculdade.

MICHELLE

- Nossa! Que bom! Qual Faculdade?

SÍLVIA

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- Em São Paulo. Foi a única que ele conseguiu passar, ele está fazendo História!

MICHELLE TRISTE

- Poxa, eu fico feliz por ele, mas triste porque eu vim na expectativa de rever meu amigo, dar um abraço bem forte, contar as novidades. Mas ele está bem lá?

SÍLVIA

- Está. Ele não é de ligar muito não, mas quando liga é para reclamar que quase não tem aula por causa das Greves, saber se está tudo bem por aqui, saber de você...

MICHELLE

- Que bom! Pensei que ele havia se esquecido de mim.

SÍLVIA

- Claro que não! Deixa seu número comigo que assim que ele ligar de novo eu passo o seu número para ele. Não se preocupe, filha. Você e o John não são amigos por acaso. Um dia vocês vão se reencontrar.

MICHELLE

- Quem sabe.

SÍLVIA MOSTRA A CAPA DO SEU LIVRO, “MEMORIAL DE TORTURAS”.

- Olha como vai ser a capa do livro que nós vamos lançar.

MICHELLE

- Que ótimo, tia, parabéns!

CARLOS

- A Comissão de Anistia liberou nossa indenização. Eu não quero dinheiro cheirando a sangue! Eu queria ver os culpados na cadeia, respondendo pelo que nos fizeram! Ninguém que me torturou na Ditadura foi condenado ou julgado...

SÍLVIA

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- O livro já deveria estar nas Livrarias há muito tempo, mas alguém roubou nosso dossiê, e tivemos que escrever tudo de novo.

MICHELLE

- Tia, eu lembro que o John estava escondendo esses arquivos da senhora, há anos atrás. Eu me lembro, ele mostrou um monte de papel e disse que iria esconder tudo para o bem de vocês. Você acha que pode acontecer alguma coisa com ele, se alguém achar esses arquivos?

CARLOS

- O John fez isso? Agora eu estou preocupado. Faz mais de dois meses que ele não liga.

SÍLVIA

- Amor, e se eles torturarem nosso filho como torturaram a gente?

MICHELLE

- Calma, tia, a Ditadura já acabou!

SÍLVIA

- Não acabou nada! Nós ainda somos perseguidos, filha! Eu preciso saber se o meu filho está bem!

CARLOS

- Calma, Sílvia. Vamos comprar duas passagens para São Pulo e resolver isso.

MICHELLE

- Assim que chegar lá, me liga, tia! Estou preocupada.

INTERFONE TOCA.

SÍLVIA

- Atende lá para mim, Carlos. Quem é?

CARLOS

- É o Marcos.

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MICHELLE

- Nosso vizinho?

SÍLVIA ABRAÇA MICHELLE

- É. É tão bom te ver, menina!

CARLOS

- Quanto tempo! Lembrou dos amigos, é?

MARCOS CONTURBADO

- Eu não sei o que fazer.

SÍLVIA

- O que houve, Marcos?

MARCOS DESESPERADO

- Eu estou perdendo minha filha para o tráfico. A Luana está namorando um traficante do morro Carajá, só que ele está devendo à outros traficantes, e agora eles prenderam esse namorado dela e estão obrigando minha filha a se prostituir, para pagar o que ele deve.

SÍLVIA

- Meu Deus, é o fim do mundo!

MARCOS

- Ela não é a única lá, nesse morro rola muita prostituição infantil. Eu não imaginava que ela estava passando por isso. Eu fui ao morro, para ver ela, para tentar convencer ela a voltar para casa, mas fui impedido de subir pelos traficantes. Foi então que os vizinhos me falaram que tinha duas novas prostitutas na área e uma delas era baixinha, morena, piercing no nariz, olhos verdes, como a minha filha. Eu ligo para o celular dela, só dá desligado, então eu liguei uma coisa à outra. Eu só preciso comprar uma arma, tirar ela de lá e matar quem está obrigando minha filha a fazer isso. Vocês têm uma arma para me emprestar?

SÍLVIA

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- Calma! Nós vamos te ajudar. Hoje ainda, nós vamos te ajudar.

CARLOS

- Fica calmo, eu e a Sílvia vamos investigar isso aí. Mas sem armas.

MARCOS CHORA. CELULAR DE MARCOS TOCA

- Vocês vão me ajudar mesmo? Obrigado, obrigado. Alô. Oi mulher, já estou chegando em casa, tenho boas notícias. Também te amo. Eu preciso ir.

CARLOS

- Nós te ligamos para dar notícias.

MARCOS VAI EMBORA

- Está bem. Obrigado de novo...

SÍLVIA

- Sabe o que é pior? Eu não consigo mais chorar. Ele acabou de me contar uma coisa horrível, e eu não chorei. Acho que eu já passei por tanta coisa ruim nessa vida que parece até que o meu choro secou.

MICHELLE

- Tia, a senhora não acha perigoso fazer essa investigação? Liga para a polícia.

SÍLVIA

- E quando a polícia está unida com os bandidos? Pra quê serve nossa vida senão para servir às pessoas que precisam, não é mesmo? Um dia você vai entender, você ainda é muito nova.

CARLOS

- O único problema é que sempre têm meninas que não querem sair dessa vida, aí atrapalha tudo! Como pode alguém viver na lama e gostar?

SÍLVIA, CARLOS E MICHELLE DEMONSTRAM PREOCUPAÇÃO.

CENA 56. EXT. NOITE. MORRO CARAJÁ.

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BORDEL. VÁRIOS TRAFICANTES DO LADO DE FORA ARMADOS. POLICIAL SEM UNIFORME É REVISTADO POR ELES. ANTES DE ENTRAR, DEIXA O DINHEIRO COM OUTROS TRAFICANTES QUE ESTÃO PRÓXIMOS AO QUARTO DAS MENINAS.

LUANA BÊBADA FAZ CHARME

- Quer rápido ou quer que eu enrole um pouquinho? POLICIAL

- Aumenta a música. Está muito baixo. Eu gosto de barulho.

LUANA AUMENTA O VOLUME DO RÁDIO

- Ah. Você gosta de barulho é?

POLICIAL

- Que horas que isso aqui abre?

LUANA

- Nove da noite, vai voltar amanhã?

POLICIAL

- Todas chegam essa hora?

LUANA

- Claro, chegar antes pra quê, vocês acham que a gente gosta de estar aqui?

POLICIAL

- Avise para todas as garotas que querem sair dessa vida, para não vir mais. Prostituição infantil é crime.

LUANA COLOCA AS MÃOS PARA O ALTO

- Eu sou inocente!

POLICIAL

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- Não, não é você a criminosa, são esses desgraçados que estão aí fora. Não pisem mais aqui, se vocês não tiverem para onde ir, procurem a Delegacia mais próxima. Se possível hoje ainda.

LUANA CHORA E RI AO MESMO TEMPO.

GAROTA MENOR DE IDADE BATE NA PORTA

- Me arruma umas camisinhas, esqueci de trazer hoje.

LUANA

- Pega ali na gaveta.

GAROTA MENOR DE IDADE SAI

- Se ela não der conta, vem aqui do lado e me procura...

POLICIAL

- Ela também está bêbada?

LUANA

- Não, ela gosta de trabalhar aqui.

POLICIAL

- Então, por favor, cuidado. Ela pode estragar tudo amanhã.

CENA 57. EXT. MANHÃ. FOTOS.

MORRO CARAJÁ. PRÓXIMOS AO BORDEL, ESTÃO ESCONDIDOS, SÍLVIA E CARLOS. ELES TIRAM FOTOS E GRAVAM O LUGAR. ESTÃO DISFARÇADOS. GAROTA MENOR DE IDADE

- Esses Jornalistas não tem o que fazer. Olha ali, tirando fotos da onde a gente trabalha. Vou falar agora com o Zé Matador.

LUANA

- Deixa eles. Eles só estão trabalhando para ajudar a gente a sair daqui!

GAROTA MENOR DE IDADE

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- Aqui é o meu trabalho. Ali não é o melhor emprego, mas é melhor do que não trabalhar.

LUANA

- Eu não acredito que estou ouvindo isso...

CENA 58. EXT. NOITE. DESOVA.

MORRO CARAJÁ. TRAFICANTES JOGAM ÁLCOOL E COLOCAM FOGO NO CORPO DE SÍLVIA E CARLOS.

TRAFICANTE

- Vai ser Jornalista no inferno agora!

TRAFICANTES RIEM.

CENA 59. INT. NOITE. TRÁGICO.

RAFAEL, LUÍS E MICHELLE NA REPÚBLICA ASSISTEM “VOLVER”, DE ALMODÓVAR. CELULAR DE MICHELLE TOCA.

MICHELLE

- Oi Milena, tudo bem? Ligar a televisão? Ok. Tchau.

MICHELLE COLOCA O FILME EM PAUSE E COLOCA NO JORNAL DA NOITE. APRESENTOR DO PROGRAMA DE NOTÍCIAS FALA SOBRE A MORTE DE SÍLVIA E CARLOS.

APRESENTADOR

- “... Eles começaram como Jornalistas em 1967, no jornal “ Mais notícias ‘’ e tiveram uma carreira conturbada, por causa do jornalismo investigativo que sempre fizeram. Ambos foram torturados na época da Ditadura. Toda a polícia do Rio de Janeiro se mobiliza para encontrar os autores do assassinato dos Jornalistas Sílvia e Carlos Beguer. Eles investigavam há um mês a prostituição infantil no morro Carajá, e a polícia até libertou algumas meninas, por meio dessa minuciosa investigação que os dois fizeram. Mas infelizmente os assassinos mataram brutalmente os dois Jornalistas. Foram encontrados fragmentos do corpo carbonizados horas atrás. O país perde dois grandes Jornalistas.”

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O APRESENTADOR FALA: - “... TODA A POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO SE MOBILIZA PARA ENCONTRAR OS AUTORES DO ASSASSINATO DOS JORNALISTAS SÍLVIA E CARLOS BEGUER”. A PARTIR DO BEGUER, CÂMERA FOCA O ROSTO DE MICHELLE PÁLIDO.

CENA 60. EXT. TARDE. VELÓRIO DE SÍLVIA E CARLOS BEGUER.

JORNALISTAS E MÍDIA PRESENTES NO VELÓRIO. PROFESSOR RICARDO, LUÍS, MICHELLE, RAFAEL, MILENA E JONAS TAMBÉM.

JONAS

- Como já dizia Badaró, pode até morrer um liberal, nunca a liberdade.

P. RICARDO

- Que trágico o que aconteceu com esses dois! Como se não bastasse toda a perseguição que eles tiveram no passado, ter que morrer assim...

MICHELLE

- Vou ser sincera com vocês. Eu não sinto que estou no enterro do tio Carlos e da tia Sílvia. Eu sinto que eu estou também no enterro do John.

MILENA

- Não fala assim.

MICHELLE

- É sério. Eu não vejo o John desde o colegial e mesmo morando em São Paulo é claro que ele daria um jeito de vir no enterro dos pais. Ele morreu, eu sinto, ele morreu.

LUÍS

- Não, não pensa assim...

CENA 61. INT. TARDE. DESCOBERTAS

MUSEU DA IMPRENSA BRASILEIRA. P. RICARDO ESTÁ SEGURANDO ALGUNS JORNAIS E MICHELLE LENDO UM JORNAL ANTIGO.

MICHELLE

- E aí, já terminou?

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P. RICARDO

- Já, vamos embora.

MICHELLE LÊ A NOTÍCIA DE UM JORNAL ANTIGO.

- “JOANA E JOÃO VASCONCELOS, MORREM NUMA EMBOSCADA”. FOTO DOS PAIS DELA NO PALCO, SÓ QUE NO JORNAL SAI COM O NOME FICTÍCIO QUE ELES USAVAM.

MICHELLE

- Não acredito! Meus pais não morreram num acidente, como minha tia sempre me contou. Foi emboscada.

P. RICARDO

- Você é filha de João e Joana Vasconcelos? Não acredito! Meus pais eram fã deles! Eles fizeram aquela peça histórica, Roda Viva, do Chico Buarque!MICHELLE

- O nome dos meus pais é Eric e Maria. Eles usaram outro nome para não serem perseguidos!

MICHELLE LÊ A NOTÍCIA DO JORNAL E ENQUANTO ELA LÊ, APARECE A CENA DO QUE ELA ESTÁ LENDO.

- “JOÃO E JOANA VASCONCELOS ATUARAM NA PEÇA RODA VIVA, E PROTAGONIZARAM UMA TRÁGICA NOITE. ENQUANTO INTERPRETAVAM NO TEATRO GALPÃO, EM SÃO PAULO, O COMANDO DE CAÇA AOS COMUNISTAS CHEGARAM E ESPANCARAM TODA A COMPANHIA DE TEATRO. ENQUANTO OS HOMENS ERAM TORTURADOS LÁ DENTRO, AS MULHERES FORAM OBRIGADAS A CORRER NA RUA NUAS, ENQUANTO OS MONSTROS MILITARES SORRIAM. O CCC ALEGOU TOMAR ESSA ATITUDE POR CAUSA DAS ATITUDES SUBVERSIVAS DO GRUPO DE TEATRO”

CENA 62. INT E EXT. NOITE. RECONSTITUIÇÃO.

1968. TEATRO GALPÃO. SÃO PAULO. CENA MUDA DE MARIA E ERIC NO PALCO, INTERPRETANDO RODA VIVA. O CCC CHEGA, OS PAGANTES CORREM. OS ATORES TAMBÉM. MILITARES QUEBRAM ALGUMAS CADEIRAS DO TEATRO E ROUBAM ALGUNS OBJETOS DA CENA. OS MILITARES ESPANCAM OS ATORES. AS MULHERES SÃO LEVADAS PARA A RUA, E OBRIGADAS A TIRAR A ROUPA E CORRER PELADA DEBAIXO DA

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CHUVA, SOB A MIRA DO REVÓLVER E DE CÃES DOS MILITARES. ELES ESCARNECEM, XINGAM E AGARRAM ALGUMAS.

CENA 63. INT. TARDE. CONTINUAÇÃO DA DESCOBERTA.

MICHELLE CHORA SÓ DE PENSAR NO QUE OS PAIS PASSARAM

- Eu não entendo. Por quê minha tia nunca me falou a verdade sobre o passado dos meus pais? Eu nunca soube que eles foram atores na época da Ditadura, acredita?

P. RICARDO

- Têm coisas que é melhor esquecer. Não faz bem lembrar dessa época, Michelle. Muitos filhos de militantes, como você, não têm estrutura para saber o que os pais passaram na Ditadura.

MICHELLE MEXE NA FOTO DO JORNAL COM CARINHO

- Estou conhecendo uma nova mãe e um novo pai. Quando eu era criança, eu perguntava onde eles trabalhavam, eles me falavam que trabalhavam no Hospital, que eram eles que faziam as crianças saírem da barriga da mãe e conhecer o mundo aqui fora!

P. RICARDO

- De uma certa forma, até que eles tinham razão. Quem é ator dá vida a várias pessoas enquanto está no palco.

MICHELLE

- É. Eu já amava meus pais, e agora, se é que é possível, eu amo mais ainda. Eles morreram defendo a liberdade!

P. RICARDO

- Triste história.

MICHELLE

- Triste história.

CENA 64. INT. DIA. OUTRO REENCONTRO.

ONG ONDE SUZI TRABALHA.

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MICHELLE

- Bom dia, eu faço Jornalismo, queria conversar com a coordenadora da Ong.

RECEPCIONISTA

- Entre. Suzi. Tem uma Jornalista querendo conversar com você.

MICHELLE SURPRESA

- Suzi? Tudo bom?

SUZI SURPRESA

- Michelle! A menina que eu queria matar quando era adolescente.

MICHELLE

- Eu lembro! É recíproco!

SUZI

- Douglas, vem ver quem está aqui.

DOUGLAS APARECE COM A FILHA DELES DE CINCO ANOS

- Oi, quanto tempo!

MICHELLE

- Casados e com uma filha, que ótimo!

FILHA DO CASAL

- Mãe, eu quero fazer cocô. SUZI

- Vai lá com papai. E aí, como eu posso te ajudar?

DOUGLAS E A FILHA SAEM.

MICHELLE

- Você? Casada e com uma filha?

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SUZI

- Sim, por quê não?

MICHELLE

- Besteira. Deixa para lá. Na época do colégio eu tinha certeza que você era homossexual.

SUZI

- Eu também, até que Douglas me mostrou que um homem é essencial na vida de uma mulher. E você? Quais novidades? Já criou o seu próprio jornal?

MICHELLE

- Ainda não terminei a Faculdade. Atrasei umas matérias.

SUZI

- Você? A menina certinha atrasou matérias?

MICHELLE

- Eu fiquei um tempo internada numa Clínica de Recuperação. Que bom que já passou!

SUZI

Michelle! Eu poderia acreditar até que Elvis não morreu, mas que você já se envolveu com drogas? Nunca!

MICHELLE

- Eu era tão certinha na época do colegial, não é? Como as coisas mudam.

SUZI

- É verdade!

MICHELLE PEGA O PAPEL QUE SUZI DEU A ELA NA SUA BOLSA, REFERENTE À CENA 25.

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MICHELLE

- Lembra desse papel, que você me deu quando eu me mudei para a república?

SUZI

- Claro, eu achava que ia te trazer sorte, que bobagem, né?

MICHELLE

- E trouxe. Eu trabalho num jornal hoje por causa dele. Eu escrevi uma redação sobre pegas, o jornal gostou e vai publicar a matéria. Só que eu quero que fique perfeito, aí eu pensei em conhecer mais essa Ong, que é para pessoas que perderam alguém em acidentes de carro, não é isso? Eu quero gravar o depoimento dessas pessoas que perderam seus parentes em pegas, como eu, que perdi minha tia. Mas eu nem imaginava que ia te encontrar aqui!

SUZI

- Tudo bem, daqui a 30 minutos tem uma reunião nossa, você espera?

MICHELLE CONFIRMA.

SUZI

- Nossa. Não posso me esquecer, eu tenho um presente para você. SUZI ENTREGA UM JORNAL PARA MICHELLE. CÂMERA FILMA O QUE ESTÁ NA CAPA DELE: A FOTO DO ANDRÉ, O RAPAZ QUE ATROPELOU TIA LUÍZA. “TRAFICANTE ANDRÉ PRESO APÓS UM ASSALTO NO BANCO DO CENTRO DA CIDADE”.

SUZI

- É o André, que atropelou sua tia.

MICHELLE PEGA NO JORNAL, SEM ACREDITAR E SATISFEITA COM A NOTÍCIA.

- Não acredito! Isso merece ir para um quadro!

CENA 65. INT. DIA. PROMOÇÃO.

SALA DO DIRETOR DO JORNAL.

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DIRETOR DO JORNAL

- Bom dia, John!

MICHELLE RI.

DIRETOR ABRE O SITE DO JORNAL E MOSTRA A LISTA DE E-MAILS QUE RECEBEU SÓ DE ELOGIOS.

- Pois é, sua crítica sobre pegas vai lhe dar muito trabalho daqui para frente. Olha isto. Só elogio sobre o texto que você escreveu.

MICHELLE RESPIRA FUNDO

– Que alívio!

DIRETOR DO JORNAL

- Parabéns, Michelle.

MICHELLE

- Parabéns John. Eu sou a continuidade do que ele me ensinou.

DIRETOR DO JORNAL

- Quem é John? Namorado?

MICHELLE

- Não, um grande amigo. Eu nunca fui crítica, nunca discordava do que os professores ensinavam no colégio e esse meu amigo era o meu oposto, sabe? Ele sempre debatia alguma coisa nas aulas, sempre organizava Passeatas, reivindicando melhorias nas Escolas Públicas, enfim, vivia reclamando da vida, mas o pior era que tudo que ele contestava, fazia sentido. O senhor tinha que conhecê-lo.

DIRETOR DO JORNAL

- Ele era o pessimista e você a sonhadora?

MICHELLE

- É. Ele tinha tudo para estar onde eu estou. E eu, com tantos problemas, cheguei até aqui. Vai entender a vida...

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DIRETOR DO JORNAL

- Se você está aqui é porque fez por merecer. E o jornal quer ter você como colunista fixa, vamos apostar em você.

MICHELLE

- Boa aposta! DIRETOR DO JORNAL

- Amanhã você chega mais cedo que vai ter reunião, ok? Até amanhã.

MICHELLE SAI DA SALA

- Até amanhã.

CENA 66. INT. TARDE. SOBRE BEIJO.

SALA DA FACULDADE. OS ALUNOS SAEM.

P. RICARDO

- Restam dúvidas?

MICHELLE

- Não entendi a última questão que você explicou.

MILENA

- Estamos indo, Michelle.

MICHELLE

- Eu vou também, aqui é rápido.

P. RICARDO

- Eu te deixo em casa, é caminho mesmo.

MICHELLE

- Ok.

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LUÍS A ABRAÇA FORTE E DÁ UM SELINHO

- Tchau. Se cuida.

P. RICARDO OLHA, COM CIÚMES.

MICHELLE

- Ricardo, eu cheguei anotar o que você explicou, mas ficou todo mundo conversando ao mesmo tempo, inclusive eu, e aí eu não entendi mais nada.

P. RICARDO GUARDA SEU MATERIAL

– Eu acho que está muito em cima da hora para você aprender tudo que você ainda não aprendeu, não acha?

MICHELLE GUARDA SEU CADERNO

- Desculpa, você está cansando, né? Eu sou muito lerda mesmo...

P. RICARDO

- Você e o Luís estão juntos há muito tempo?

MICHELLE RI

- Como amigos, uns quatro anos.

P. RICARDO

- E como namorados?

MICHELLE RI

- Se eu fosse homem, talvez uns quatro anos...

P. RICARDO RI

- Desculpa se meter na sua vida. Ele não parece gay.

MICHELLE

- E quem disse que para ser gay tem que sempre parecer gay? Ele é um amor, é quase um irmão para mim.

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P. RICARDO

- Vamos estudar então?

MICHELLE

- Agora você quer me explicar, não é? Ciumento!

P. RICARDO

- É, tem muita matéria para te passar ainda.

MICHELLE

- Ainda tem mais para explicar?

P. RICARDO

- Claro, os interessados que ficassem!

MICHELLE

- Ah, mas aí é castigo ficar de uma da tarde até agora...

P. RICARDO

- Ler o texto da página 103 que eu já volto para te explicar melhor esse texto.

MICHELLE

- Tá.

CENA 67. INT. TARDE. CONVERSAS.

SALA DA FACULDADE. MICHELLE E P. RICARDO ASSISTEM AO CLIP DO THE SMITHS, “THE BOY WITH DE THORN IN HIS SADE” NO NOTEBOOK DELE. P. RICARDO IMITA O VOCALISTA PARA MICHELLE.

MICHELLE CANTA

- “The boy with de torn in his side....”.

P. RICARDO CANTA

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- “The boy with de torn in his side…”. É a melhor banda, da melhor época.

MICHELLE CANTA “BOYS DON´T CRY”

- Dois erros fatais, amigo. A melhor banda era The Cure, “Boys don´t cry...”. E a melhor década do rock foi a de 60. E outra: você não tem cara de que curte The Smiths.

P. RICARDO

- Como você disse, não precisa parecer para ser... O que importa é que enquanto você era um bebê e chorava no colo da sua mãe, eu estava no Rock in Rio, no show do Scorpions. Eu e mais 250 mil pessoas!

MICHELLE

- Eu me lamento até hoje por ter nascido na época errada...

UM OLHA INTENSAMENTE PARA O OUTRO.

MICHELLE

- Estou exausta, vamos?

P. RICARDO COM EXPRESSÃO DE DECEPCIONADO.

MICHELLE

- Me desculpa, mas não dá. P. RICARDO

- Tem outra pessoa?

MICHELLE

- Paixão platônica. Sabe quando você transa com uma pessoa no terraço de uma escola, ao som de Beatles e nunca mais esquece?

P. RICARDO

- Não! Isso é tão... MICHELLE

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- Infantil? É, eu sei. Mas têm pessoas que marcam nossa vida. Eu não consigo tirar o John da minha cabeça. Acho que ninguém vai conseguir substituir o que eu sinto por ele. P. RICARDO

- Entendo. Mas não concordo... E não desisto... Você é tão jovem e escreve com uma poeta de uns 60 anos. Sua coluna no Jornal é na verdade um grito de revolta que você não tem mais forças para dar. Aí então escreve. É o seu desabafo, seu vômito, sua dor.

MICHELLE OLHA PARA BAIXO, SEM GRAÇA.

P. RICARDO

- Olha para mim. É a forma de você ver que eu falo a verdade.

MICHELLE

- Você gostou do que eu escrevi sobre dirigir e beber?

P. RICARDO

- Muito. Um amigo meu leu e disse que quando sabe que vai beber muito só vai de táxi agora.

MICHELLE

- Essa é a minha intenção, conscientizar as pessoas.

P. RICARDO

- Conseguiu. Eu não costumo me apaixonar por alunas, não, mas é impossível te conhecer e não fantasiar você de óculos, batom vermelho e terninho, apresentando um tele-jornal...

MICHELLE MUITO TÍMIDA

- Acho que estou sem graça...

P. RICARDO

- Essa é a minha intenção! Vamos? Eu te deixo em casa. Pode deixar que dessa vez eu prometo não fingir que me perdi nas ruas do Rio de Janeiro...

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MICHELLE

- Você estava fingindo naquele dia? Eu não acredito!

P.RICARDO

- Nós, homens, temos que ter planos para quando um relacionamento não está dando certo, um deles, é que se a mulher for muito difícil, como você, eu finjo que estou perdido nas ruas do Rio, aí você fica mais tempo comigo, me conhece mais, talvez possa ter um clima se eu colocar uma música romântica...

MICHELLE RI.

P. RICARDO

- Um amigo meu pediu para eu indicar uma estudante de Jornalismo para estagiar na América 51.

MICHELLE

- E...

P. RICARDO

- Eu te indiquei. Você tem uma entrevista lá semana que vem.

MICHELLE

- Não acredito nisso! Obrigado!

MICHELLE ABRAÇA E BEIJA O PREOFESSOR NA BOCHECHA. ELES SE OLHAM E ELA DÁ UM SELINHO NELE.

P. RICARDO

- Agora sim!

MICHELLE E P. RICARDO VÃO EMBORA ABRAÇADOS.

CENA 68. EXT. TARDE. MICHELLE E O PROFESSOR.

PRAÇA DO FLAMENGO. CRIANÇAS BRINCAM E ADULTOS JOGAM XADREZ E DOMINÓ NA PRAÇA. MICHELLE E P. RICARDO SAEM DO CARRO E OBSERVAM AS PESSOAS.

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MICHELLE

- O que foi? Quer jogar xadrez também?

P. RICARDO

- Me deu uma vontade de descer naquele escorregador. Tem coragem?

MICHELLE

- Eu não! Está louco? Vai lá. Eu fico aqui te esperando. E rindo, claro!

P. RICARDO

- Você sempre é assim? Séria, casmurra?

MICHELLE

- Eu não tenho tantos motivos assim para ser feliz e brincar num parquinho como se fosse uma criança.

P. RICARDO FAZ CÓCEGAS EM MICHELLE.

- Deixa de ser dramática! Primeiro: você precisa relaxar.

P. RICARDO FAZ UMA BREVE MASSAGEM NOS OMBROS DE MICHELLE.

P. RICARDO

- Fecha os olhos, sente o vento e divirta-se!

P. RICARDO PEGA MICHELLE NO COLO E A COLOCA NO ESCORREGADOR. ELA RI E SE DIVERTE.

MICHELLE

- É bom!

MICHELLE VAI BRINCAR NA BALANÇA E APONTA PARA ELE SENTAR AO SEU LADO.

MICHELLE

- Minhas melhores lembranças são da época de criança. Era tão bom brincar de boneca, brincar de amarelinha, mentir que está doente para não ter que ir para escola...

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P. RICARDO

- Polícia e ladrão, pique-esconde...

MICHELLE

- Ouvir historinhas antes de dormir! Sabe uma saudade da infância que me deu vontade de lembrar, agora? Meu primeiro beijo.

MICHELLE E P. RICARDO BEIJAM-SE.

CENA 69. INT. DIA. PRIMEIRO DIA.

EMISSORA AMÉRICA 51. SALA DE MICHELLE.

SUPERVISORA MARTA

- Aqui você vai se organizar para em uma semana o diretor e o supervisor aprovarem o seu roteiro e já na outra semana eles vão gravar um piloto.

MICHELLE

- Rápido não é?

SUPERVISORA MARTA

- É, um programa vai sair do ar e eles já estão desesperados para colocar outro. Você já sabe qual o conteúdo do programa?

MICHELLE

- O diretor me falou. Mazelas sociais.

SUPERVISORA MARTA

- Então a gente se vê por aí. Tchau.

MICHELLE OLHA PARA O CRISTO REDENTOR DA JANELA DA SUA SALA

- Acho que agora eu até acredito que Cristo existe!

CENA 70. INT. DIA. SALA DE MICHELL NA AMÉRICA 51.

MICHELLE DIGITANDO NO SEU COMPUTADOR.

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SUPERVISORA MARTA

- Bom dia, chegou sua supervisora chata. Como estamos?

MICHELLE

- Por enquanto não tenho nada ainda.

SUPERVISORA MARTA IRRITADA

- Nossa, mas tem tanta tragédia por aí acontecendo. É simples. Eu só quero um piloto de um programa semanal, que fale sobre as mazelas do nosso país. Só isso.

MICHELLE

- Eu entendi o que vocês querem, mas eu não quero fazer qualquer coisa, ou algo que qualquer emissora faria. Infelizmente a violência virou algo comum, e eu não escrevo coisas comuns.

SUPERVISORA MARTA

- Michelle, eu só quero um piloto, ainda vai passar pela aprovação do seu diretor. Você precisa agilizar isso aí para mim.

MICHELLE

- Tudo bem, eu vou agilizar.

SUPERVISORA MARTA SAI.

MICHELLE

- Merda.

SUPERVISORA MARTA

- E fale mais baixo, por favor, você está num ambiente de trabalho.

CENA 71. EXT. NOITE. MENDIGOS.

CAMINHANDO PARA O PONTO DE TÁXI, MICHELLE REPARA OS MENDIGOS QUE ESTÃO NA RUA, UMA GRANDE QUANTIDADE. ELES BATUCAM NA CAIXA DE FÓSFOROS E SAMBAM.

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MENDIGO CANTA

- “... Deixo a vida me levar, vida leva eu... Sou feliz e agradeço a tudo que Deus me deu...”.

UM MENINO MENDIGO PISCA PARA ELA. MICHELLE RI E PEGA O TAXI.

CENA 72. INT. DIA. JONH APARECE.

SALA DE MICHELLE NA AMÉRICA 51.

SUPERVISORA MARTA

- E então?

MICHELLE ENTREGA A SUPERVISORA MARTA QUATRO FOLHAS COM QUATRO ROTEIROS DIFERENTES. SUPERVISORA MARTA LÊ RAPIDAMENTE.

SUPERVISORA MARTA LÊ E VAI EMBORA

- Não é viável. Não é viável. Não é bom. Ruim e impossível de acontecer. Amanhã estou aqui de novo. Eu trouxe umas revistas, uns jornais, quem sabe te inspira...

MICHELLE

- Michelle, Michelle, o que houve com você?

MICHELLE PEGA O JORNAL E NA CAPA ESTÁ A MATÉRIA “MISÉRIA E DESCASO AUMENTAM GRADATIVAMENTE EM TAMARANDÁ”. EMBAIXO, A FOTO DE MENDIGOS, INCLUSIVE JONH. BARBUDO E TODO SUJO. CÂMERA FILMA A FOTO. MICHELLE NÃO VÊ, POIS O TELEFONE TOCA. ELA JOGA O JORNAL NO CHÃO, ESTÁ ESTRESSADA.

MICHELLE ATENDE AO TELEFONE E SAI DA SALA

- Sala 405? Já vou.

FAXINEIRA

- Posso limpar sua sala?

MICHELLE

- Pode.

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FAXINEIRA VARRE O JORNAL COM A FOTO DE JOHN.

CENA 73. INT. NOITE. AMIGOS.

REPÚBLICA. MICHELLE CHEGA DO TRABALHO SEM MAQUIAGEM, DE HAVAIANAS, UMA CALÇA JEANS VELHA E UMA CAMISETA BÁSICA.

RAFAEL

- Que isso, Michelle, você foi trabalhar assim?

MICHELLE MOSTRA O CANIVETE PARA SEUS AMIGOS

- Vocês esqueceram que essa semana eu fui toda arrumada para o trabalho e uns pivetes me seguiram do trabalho até o ponto? Eu sobrevivi porque tinha um policial que percebeu e me ajudou. Assim como estou chamo menos atenção. Só ando com canivete na bolsa agora, se eu morrer quero morrer lutando.

RAFAEL

- Acho que você está exagerando, se a gente pensar assim, nem sai de casa.

MICHELLE

- Eu sei. Isso é coisa de momento, é que eu fiquei muito assustada vendo aqueles pivetes me seguindo.

LUÍS RI

- Se você não se arrumar, daqui a pouco os mendigos vão pensar que você faz parte da família deles!

RAFAEL RI

MILENA

- Pára meninos!

MICHELLE

- Sabe que esses dias eu sai do trabalho e tinha tantos mendigos na rua sambando, assim, parecendo felizes? Achei engraçado! Acho que é isso! Vou fazer um piloto sobre os lugares mais pobres do Brasil. Bom?

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MILENA

- Acho que sim.

CENA 74. INT. DIA. VIÁVEL.

SALA DE MICHELLE.

SUPERVISORA MARTA COM O ROTEIRO DE MICHELLE

- Mais uma idéia não viável.

MICHELLE

- Por favor, mostra ao Diretor pelo menos não é?

SUPERVISORA MARTA

- Não insista. Tenha outra idéia.

MICHELLE

- Eu não vou ter outra idéia. Essa é a idéia.

SUPERVISORA MARTA

- Ok, Michelle, ok. Eu vou levar esse roteiro para o Diretor, mas eu sei que ele vai dizer que não é viável, e não é bom.

CENA 75. INT. DIA. VIÁVEL.

DIRETOR DA AMÉRICA 51

- Viável. Totalmente viável. E bom! Marta, eu quero a Michelle hoje lá na sala de reuniões, tudo bem?

SUPERVISORA MARTA

- Sim senhor.

CENA 76. INT. DIA. APRESENTAÇÃO.

SALA DE REUNÕES DA AMÉRICA 51.

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MICHELLE COLOCA UM SLIDE DE FOTOS DA INTERNET DO BAIRRO DE TAMARANDÁ.

- Eu fiz uma pesquisa ampla sobre o bairro de Tamarandá, que fica em São Paulo e está comprovado que é o bairro mais miserável do Brasil. Pelas fotos vocês têm uma idéia. Ali perto há uma Prefeitura, mas é como se não houvesse. Indo a fundo no foco da pesquisa, que é sobre os mendigos, eu conversei com alguns, aqui perto do trabalho e concluí que mendigo não é só um mendigo, ali contém uma vida, que o Governo não quer enxergar. Tirando uns que tem problemas mentais, a maioria aceitaria recomeçar sua vida com estudos, capacitação, oportunidade.

SUPERVISORA MARTA

- É interessante também, Gilberto, a equipe verificar a questão da pobreza em alguns países aqui perto, como Paraguai, Argentina, não focar só o Brasil.

SUPERVISOR DE TEXTO

- Ok.

DIRETOR DA AMÉRICA 51

- Vamos verificar logo o orçamento disso tudo que eu preciso desse piloto para “ontem”, equipe.

MICHELLE

- E para o 2º programa, eu já acho interessante abordar sobre a quantidade absurda de infanticídio nas tribos indígenas. Eu não concordo com algumas leis deles, como dizer que uma criança que nasce com Síndrome de Down é amaldiçoada pelos deuses e deve morrer. Eu até respeito a cultura deles, agora, se não quer cuidar da criança, coloca numa casa de adoção...

DIRETOR DA AMÉRICA 51 DIGITA NO NOTEBOOK ENQUANTO MICHELLE FALA.

CENA 77. EXT. TARDE. MOTORISTA DA EMISSORA VAI PEGÁ-LA NA PORTA DA REPÚBLICA.

MICHELLE

- Desejem-me sorte, amigos! Meu primeiro piloto!

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MILENA

- Boa sorte!

RAFAEL

- Boa sorte.

LUÍS

- “Merda para você”, como dizem no teatro.

MILENA

- Boa viagem...

P. RICARDO

- Te espero lá em casa, héin.

MICHELLE E P. RICARDO BEIJAM-SE.

CENA 78. EXT. TARDE. ERRO SOBRE A RUA.

SÃO PAULO. A VAN QUE MICHELLE E A EQUIPE ESTÃO, PASSA POR UMA FACULDADE PÚBLICA, COM VÁRIOS ALUNOS DO LADO DE FORA CONVERSSANDO. MICHELLE OLHA, PENSANDO EM JONH.

MICHELLE

- É aqui, senhor Batista, tem certeza?

MOTORISTA

- Eu segui o endereço que a senhora me deu, Rua do Beco, 60.

MICHELLE

- Eu te dei esse endereço? Esse é o endereço da Faculdade que meu amigo estudava, eu te dei o papel errado, é esse aqui, desculpa gente, desculpa.

MOTORISTA

- Senhor. Me explica como eu chego nesse lugar, por gentileza.

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SENHOR

- Ih, isso é longe, héin...

CÂMERAMAN RECLAMA, PEGA UMA CERVEJA PARA BEBER.

- Mais quatro horas pela frente... MOTORISTA

- Vocês têm certeza que querem ir para lá? Ainda falta muito.

CÂMERAMAN

- Por mim, é só fazer uma matéria aqui mesmo, vamos entrevistar aqueles mendigos ali, mendigo é tudo igual.

MICHELLE

- Claro que eu não vou gravar aqui, não há a menor coerência com a reportagem que eu vou fazer gravar aqui nesse bairro. Nem tentem me convencer.

CENA 79. EXT. NOITE. JOHN E MICHELLE

LUGAR MUITO POBRE. HÁ CRIANÇAS, JOVENS E ADULTOS COMO MORADORES NA RUA. NÃO HÁ COMÉRCIO NEM CASAS. HÁ UM POSTO POLICIAL ALI PERTO.

MOTORISTA

- Chegamos!

MICHELLE BOCEJANDO

- Aonde, no fim do mundo?

CÂMERAMAN

- Vamos gravar logo, galera, eu estou louco para chegar em casa.

MICHELLE SE AGACHA

- Preciso fazer xixi, vai ser aqui mesmo.

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CELULAR DE MICHELLE TOCA. MICHELLE FICA EM ÊXTASE AO SABER QUE VAI ENTRAR AO VIVO.

MICHELLE

- É o diretor. Parece nervoso. Alô. Parar tudo? Nós nem começamos. O quê, ao vivo? Mas por quê? Eu não sei se eu estou preparada.

MICHELLE DESLIGA O CELULAR.

MICHELLE

– Acreditem ou não, nós vamos entrar ao vivo daqui a alguns minutos.

PRODUTORA

- Como?

MICHELLE NERVOSA

- A Vanessa deu crise nos rins de novo, mas na rua, se preparando para entrar ao vivo, o diretor não concorda com um tele - jornal sem uma entrevista ao vivo, e me intimou a fazer a entrevista de hoje.

PRODUTORA

- O diretor é assim mesmo, isso acontece sempre.

CELULAR DA PRODUTORA TOCA.

- Oi. Ok. Ele está on line. Vamos ver o que nos aguarda.

PRODUTORA ABRE O NOTEBOOK E CONVERSA COM O DIRETOR DA AMÉRICA 51 PELO MSN, COM CÂMERA.

DIRETOR DA AMÉRICA 51

- É o seguinte, eu já liguei para o prefeito, Michelle, você vai entrevistá-lo. Eu mandei o script para o seu e-mail, dá uma olhada aí. Michelle, você já está pronta?

MICHELLE TROCA DE ROUPA COM O CÂMERAMAN, QUE ESTAVA COM UMA BLUSA SOCIAL.

- Quase.

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DIRETOR DA AMÉRICA 51

- Michelle, por favor, converse pausadamente, mas sem ser artificial, fale com seriedade, mas sem parecer mal humorada e não observe quem está ao seu redor. Eu vou estar no head seat para te auxiliar e, por favor, coloque uma maquiagem agora! Felipe, eu quero a gravação no plano conjunto...

MICHELLE SE MAQUEIA, LÊ O ROTEIRO QUE VAI FALAR, A PRODUTORA COLOCA O HEAD SEAT NELA.

PREFEITO DE TAMARANDÁ

- Boa noite para todos! Nossa, que fedor de xixi!

MICHELLE

- Para ao senhor vê o estado que está esse bairro...

PRODUTORA COLOCA O HEAD SEAT NO PREFEITO.

MICHELLE COÇA A CABEÇA SEM PARAR

- Eu não estou nervosa, eu não estou nervosa, eu não estou nervosa...

REPÓRTER HENRIQUE

- E agora vamos para o plantão da noite, ao vivo, hoje com a repórter Michelle Ornelo, entrevistando o Prefeito de Tamarandá, Jorge Farias.

MICHELLE

- Boa noite, Henrique!

REPÓRTER HENRIQUE

- Boa noite, como vai?

MICHELLE

- Por aqui, em Tamarandá não está nada bem. Eu estou aqui na Rua Capitão Marins, com o Prefeito da cidade, Jorge Farias, boa noite Prefeito.

PREFEITO

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- Boa noite.

MICHELLE

- O que se relata a respeito de Tamarandá pode ser definido com uma palavra, senhor Prefeito: descaso. O senhor tem algo a dizer para os moradores desse bairro?

PREFEITO

- Eu cuido de Tamarandá com carinho e respeito, como um Médico, que cuida dos seus pacientes. Porém, estamos aguardando a liberação de verbas para melhoria de toda a cidade.

MICHELLE

- Ano passado saiu o resultado do IBGE, e este bairro ficou em primeiro lugar. Maior índice de desabrigados, analfabetos, desempregados...

CÂMERA FILMA OS MENDIGOS ATRÁS PROCURANDO E COMENDO COMIDA NO LIXO, FUMANDO CIGARROS QUE CAIRAM NO CHÃO. JOHN ESTÁ BARBUDOS, CABELO ALTO, SUJO, MAL VESTIDO E BÊBADO.

PREFEITO

- Bom, isso foi ano passado. Esse ano a Prefeitura está com projetos a serem concluídos, como o Colégio Estadual Tamarandá, Cursos Profissionalizantes gratuitos, Centro de Recuperação para viciados...

QUANDO O PREFEITO FALA A FRASE “ESTÁ COM PROJETOS”, CÂMERA FILMA MICHELLE PRESTANDO ATENÇÃO NOS MENDIGOS QUE ESTÃO PERTO DELES, POIS UM DELES NÃO PARA DE FALAR UMA POESIA.

JONH RECITA A POESIA

- “... ou deveria parar de ler jornais e ler anais como anal animal hiena patética na merda nacional...”.

A VOZ DE JOHN ESTÁ LONGE, MAS DÁ PARA OUVIR. MICHELLE NÃO RECONHECEU AINDA A VOZ DELE. ELA ESTÁ PASMA EM OUVIR ESSA POESIA; QUE A FAZ LEMBRAR SUA ADOLESCÊNCIA NA ESCOLA. NEM OLHA MAIS PARA O PREFEITO, SÓ PARA OS MENDIGOS.

DIRETOR DA AMÉRICA 51 NO HEAD SEAT

- Michelle, esquece esses mendigos malditos e continua a entrevista...

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PREFEITO

- ... E você vai concordar comigo que o bairro está bem melhor qualitativamente, você não acha?

JOHN

- “ Povo não pode ser sempre o coletivo de fome. Povo não pode ser um séqüito sem nome... O povo, aliás, deve estar cansado desse nome...”

MICHELLE

- Eu não acredito que estou ouvindo essa poesia...

JOHN

- “Eu amo esse país que me desama...”.

DIRETOR DA AMÉRICA 51 GRITA NO HEAD SEAT

- Michelle, prossiga na entrevista!

MICHELLE EUFÓRICA

- Vocês ouviram o que o mendigo disse? Ele deve ser um mendigo culto; tem até conhecimento poético! Me acompanhe por favor, senhor Prefeito, vamos entrevistá-lo! Vamos saber mais sobre os moradores de Tamarandá.

DIRETOR DA AMÉRICA 51 NO HEAD SEAT

- Não, Michelle, você está maluca? Faça isso e arrume outro estágio! Você está demitida!

MICHELLE

- Boa noite! Quem de vocês estava falando a poesia sobre a ditadura no Brasil? Muito interessante!

MENDIGO 1

- E aquele lá, mas duvido que ele fale com vocês. Ele detesta televisão.

JOHN DE COSTAS PARA MICHELLE E UM POUCO LONGE DELA.

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MENDIGO 2

- Ô poeta, só conversa com essa moça bonita se eles te pagarem, héin, só assim a gente compra mais cigarro e bebidas!

MENDIGO 1

- Fala com eles. Quem sabe você vira famoso...

JOHN CONTINUA A FALAR DE POESIA

- Eu não quero fama. Eu quero justiça. “Desde então eu amo este país – como a prostituta ama a estrada...”.

MICHELLE COLOCA AS MÃOS SOBRE O OMBRO DE JONH, SEM SABER QUE É ELE.

- Ouçam esse mendigo, Brasil. Ele se identifica com a rica poesia de...

JOHN ESTÁ MAIS PRÓXIMO. ELE RECONHECE A VOZ DE MICHELLE E VIRA EM DIREÇÃO A ELA. JOHN NÃO ACREDITA QUE REVÊ SUA AMIGA NAQUELA SITUAÇÃO. TOCA “MICHELLE”, DOS BEATLES, EM INSTRUMENTAL.(PIANO E VIOLINO)

MICHELLE

- John?

JOHN

- Michelle?

MICHELLE NÃO ESQUECE QUE AINDA ESTÁ SENDO GRAVADA AO VIVO

- Este mendigo era meu amigo de infância. Ele foi o maior incentivador para eu seguir a carreira de Jornalista.

JOHN REVOLTADO

- Está gravando? Ah ... Está gravando? Nada funciona aqui nesse lugar, meu amigo aqui passou mal e só foi atendido na “emergência” depois de seis horas. Eu já fui estudante de Faculdade também, mas tinha tanta greve de Professores que com certeza não recebem por causa do desvio de verbas, que eu preferi sair da Faculdade.

PRODUTORA

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- Tira do ar.

DIRETOR DA AMÉRICA 51

- Pode continuar a entrevista, a audiência subiu, você ainda está no ar, Michelle. As pessoas adoram ouvir uma história triste, é incrível!

MICHELLE

- E por causa dessas coisas, você desistiu da sua profissão? Você não sabe nada sobre amizade, você não sabe nada sobre perdas, você não sabe nada sobre a vida. Eu passei pelo diabo para chegar aonde cheguei e você quer me falar agora de frustrações?

JOHN

- Que bom que você achou algum motivo para viver. Eu não.

MICHELLE

- Você foi ao enterro dos seus pais, no Rio?

JOHN

- Eu cheguei no Rio um dia depois do velório, nem todo mundo gosta de dar carona para um mendigo.

MICHELLE

- E por quê você não me procurou no Rio? Eu deixei o meu número com seus pais, era só me ligar. Eu estava disposta a te abraçar, te ouvir, eu pensei que você estava morto, você nunca mais me deu notícias!

JOHN TIRA DO BOLSO A FOTO DOS PAIS NA CAPA DO JORNAL COM FRAGMENTOS DO CORPO CARBONIZADOS.

- Está vendo isso aqui? Esse país de desigualdade assassinou meu pai e minha mãe. Ás vezes a gente precisa mais de justiça do que de um abraço. Meus pais só queriam ajudar uma comunidade. Olha o que eles receberam como recompensa... A vida só deve ser bonita para você.

MICHELLE COLOCA AS MÃOS NO ROSTO DE JOHN, OS DOIS SE OLHAM E SE ABRAÇAM EMOCIONADOS.

MICHELLE

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- Volta comigo para o Rio de Janeiro, deixa eu cuidar de você?

JOHN OLHA PARA OS SEUS AMIGOS MENDIGOS

– Eu não posso deixar meus amigos, eles que cuidaram de mim quando eu saí do meu emprego, quando eu não tinha cobertor, quando eu não tinha coragem para contar aos meus pais que eu larguei a Faculdade porque virei um viciado. Me desculpa, Michelle, eu não vou deixar eles.

JOHN ANDA EM DIREÇÃO AOS AMIGOS MENDIGOS.

MICHELLE

- Eu te trago de volta para cá se você preferir.

JOHN

- Quem garante?

MICHELLE EMOCIONADA

- Eu prometo. Assim como eu prometi, quando éramos adolescentes que eu te encontraria, onde você estivesse, lembra?

JOHN VOLTA

- Claro. Eu vivi esperando que você cumprisse essa promessa.

MICHELLE FALA COM OS MENDIGOS

- E vocês, querem uma oportunidade para mudar de vida?

MENDIGO 3

- Qual é moça, você vive em que mundo, ninguém se importa com a gente não!

MICHELLE

- Será que algum empresário que se importa e acredita na mudança do país pode me ligar? Eu tenho um projeto de uma Instituição para reintegrar os mendigos na sociedade, só falta a verba para o projeto sair do papel. Ninguém? Nem o Governo?

DIRETOR DA AMÉRICA 51 NO HEAD SEAT

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- Michelle, você não deu o número.

MICHELLE

- Meu número é 2196205860.

CELULAR DE MICHELLE TOCA

- Alô. Ok. Obrigado! Brasileiros, aqui quem falou, emocionada por reencontrar um amigo de infância, foi Michelle, mas conhecida nos jornais por John Michel. Boa noite, Henrique.

QUANDO MICHELLE FALA “JOHN”, APONTA PARA ELE COM OS OLHOS.

REPÓRTER HENRIQUE

- Boa noite, Michelle.

CENA 80. INT. NOITE. INTUIÇÃO DO PROFESSOR.

P. RICARDO TERMINA DE VER A MATÉRIA E DESLIGA A T.V. ESTÁ SENTADO NA MESA DE JANTAR, COM VELAS, GARRAFA DE CHAMPANHE E OS TALHERES E TAÇAS NA MESA. TIRA DO BOLSO UMA CAIXINHA COM O ANEL DE NOIVADO QUE DARIA A MICHELLE. VAI AO BANHEIRO E JOGA NA PRIVADA E DÁ DESCARGA. VOLTA PARA A MESA E APAGA AS VELAS, COM RAIVA.

CENA 81. INT. NOITE. DESPEDIDA.

A CAPAINHA TOCA. P. RICARDO ESTAVA DORMINDO NO SOFÁ.

P. RICARDO

- É você? Eu já sei o que você veio fazer, Michelle. Você veio terminar comigo porque está louca para transar com seu amiguinho, sua paixão de infância...Só que você não consegue fazer isso se ainda estiver me namorando porque sua consciência vai pesar. Entreguei o ouro na mão do bandido!

MICHELLE

- Como?

P. RICARDO

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- Eu que te indique para trabalhar no jornal, eu que te indiquei para trabalhar na Emissora, eu que pedi para o Diretor te dar uma chance para entrar ao vivo em algum programa.MICHELLE

- Eu não trabalho naquela Emissora porque você me indicou. Se eu não fosse competente, com certeza eu não estaria lá. O que foi, está arrependido de ter me indicado?

P. RICARDO

- Sim.

MICHELLE

- Você está fora de si.

P. RICARDO

- Talvez se eu te indicasse para trabalhar em outra Emissora você ficaria em outra função e nunca teria encontrado com seu amiguinho.

MICHELLE

- O problema não é eu ter reencontrado o John. O problema é que eu ainda amo o John. Desculpa. Você acertou, eu vim aqui para terminar com você. Mas eu vim aqui também para fazer amor com você. Quer dizer, se você quiser. Acho que é uma boa forma de se despedir, não acha?

P. RICARDO RI E A PUXA PARA DENTRO DO APARTAMENTO.

CENA 82. INT. NOITE. OUTRO BEIJO.

REPÚBLICA. MICHELLE USA UMA BLUSA DECOTADA, PARA CHAMAR A ATENÇÃO DE JOHN. MICHELLE TERMINA DE PASSAR A MÁQUINA NO CABELO DE RAFAEL. TOCA “MINHA HERANÇA, UMA FLOR”, VANESSA DA MATA.

RAFAEL

- Se você e seu amigo quiseram sair, estamos na Lapa, no mesmo bar de sempre.

MICHELLE

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- Tá.

RAFAEL, MILENA E LUÍS SAEM. MICHELLE AJEITA O SEU DECOTE E SE OLHA NO ESPELHO DA SALA. JOHN FAZ A BARBA NO BANHEIRO. SAI DO BANHEIRO DE TOALHA E BARBA FEITA.

JOHN

- Tem como você me emprestar uma roupa?

MICHELLE FICA DESCONCERTADA AO VÊ-LO LIMPO

- Tem, tem, tem sim.

MICHELLE PEGA UMA BERMUDA E JOHN, SÓ DE CUECA, COLOCA A BERMUDA NA FRENTE DELA.

MICHELLE

- Quer café?

JOHN

- Quero.

MICHELLE VAI PARA A COZINHA E JOHN TAMBÉM. ELA COLOCA A LEITEIRA COM ÁGUA EM CIMA DO FOGÃO DE MAU JEITO E A LEITEIRA CAI.

JOHN

- Está nervosa, Michelle?

MICHELLE

- Eu estou a anos sem te ver, é óbvio que estou nervosa.

JOHN COLOCA A LEITEIRA COM ÁGUA NO FOGO E AMBOS VÃO PARA A SALA.

MICHELLE

- Senta aqui que eu vou cortar seu cabelo.

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MICHELLE CORTA O CABELO DE JOHN. CORTA ATRÁS E CHEIRA O CANGOTE DELE. CORTA ATRÁS COM A MÁQUINA E SEM QUERER O MACHUCA.

JOHN

- Merda!

MICHELLE

- Desculpa! Você também está nervoso.

JOHN

- Não estou nada!

MICHELLE

- Está. Quando você está nervoso você xinga, eu te conheço.

MICHELLE CORTA O CABELO DE JOHN DE FRENTE PARA ELE. OLHAM-SE INTENSAMENTE E DEPOIS BEIJAM-SE, AO SOM DA MÁQUINA DE CORTAR CABELO E DA LEITEIRA APITANDO QUE A ÁGUA ESTÁ FERVENDO.

JOHN

- Você continua irresistível!

MICHELLE FALA NO OUVIDO DE JOHN

- Você não imagina o quanto!

MICHELLE TIRA A BLUSA.

JOHN

- Calma!

MICHELLE

- Calma? Eu vivi a minha vida esperando esse momento, calma é a última coisa que eu vou ter.

JOHN

- Eu não conhecia esse seu lado selvagem.

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MICHELLE

- Então conheça e aproveite!

MICHELLE E JOHN BEIJAM-SE INTENSAMENTE.

CENA 83. EXT E INT. NOITE. INSTITUIÇÃO PAZ E AMOR.

JOHN E O EX-MENDIGO JOÃO ASSISTEM MICHELLE NA TELEVISÃO DO INSTITO PAZ E AMOR.

MICHELLE

- “... Sinceramente eu me pergunto se ainda existe esperança para esses Hospitais Públicos. Faltam remédios, faltam doadores, faltam Médicos, faltam aposentos, falta até o Diretor do Hospital. A entrevista foi confirmada com ele às 14:00 horas de hoje, mas no meu relógio já são 16:0 horas e ele não apareceu! Nem justificou. Não sei nem porque isso aqui está aberto. Vamos conversar com essa senhora. Boa tarde. Posso conversar com a senhora? A senhora aguarda o atendimento aqui desde que horas?”.

SENHORA NA FILA

- Ah, minha filha, eu madruguei na fila e o pior é que estão dizendo que o Médico ainda nem chegou...

MICHELLE

- E a senhora se lembra pra quem foi seu voto, nas eleições...? É, porque certamente ele prometeu melhorar a saúde Pública; todos prometem!

CENA MUDA.

JOHN FELIZ

- Essa é a minha menina...

MICHELLE CHEGA

- Oi, querido. Oi senhor João, como vai?

SENHOR JOÃO RI

- A dama e o ex-vagabundo...

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MICHELLE

- É verdade! E então senhor João, ele está liberado para ir para casa?

SENHOR JOÃO

- Não. Senta aí que eu quero te contar umas boas histórias do seu namorado que você nem imagina!

MICHELLE

- Ah é? Estou louca para ouvir.

JOHN RI

- Eu vou ao banheiro enquanto isso...

MICHELLE

- Foge não, héin!

SENHOR JOÃO

- Ele já te contou que um dia ele ficou pelado, em frente à Prefeitura, só para fazer um protesto? E estava sóbrio, héin.

MICHELLE

- Eu pensei em fazer a mesma coisa quando eu era jovem e minha tia não deixou eu ir ao show do Cazuza. Só porque eu bati na menina da escola, acredita?

SENHOR JOÃO

- Você? Batendo em alguém? Não acredito!

MICHELLE

- É sério!

SENHOR JOÃO

- Mentirosa!

JOHN APARECE E OS TRÊS CONVERSAM EM CENA MUDA.

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CENA 84. INT. NOITE. TEATRO DA FACULDADE.

COLAÇÃO DE GRAU.

ALUNA APRESENTANDO

- Chamo aqui à frente a formando Michelle da Silva Ornelo para prestar a homenagem aos amigos.

MICHELLE

- “Amor de amigo dura para sempre. E na Faculdade, fizemos amigos, perdemos amigos, valorizamos os amigos. É na Faculdade que percebemos que não estamos sozinhos, que além da família, os amigos também são parte de nós...” CENA MUDA - CÂMERA FILMA JONH SENTADO NO AUDITÓRIO, RELEMBRANDO O QUE ACONTECEU NA SUA VIDA.

CENA 85. INT. E EXT. DIA E NOITE. FLASH BACK MUDO DE JOHN LEMBRANDO DE QUANDO MICHELLE MENSTRUOU (CENA 12), DE MICHELLE VOMITANDO E ELE VENDO (CENA 31) E DO PRIMEIRO BEIJO DELES. (CENA 33)

CENA 86. INT. DIA. FLASH BACK DE JOHN JOVEM NA FACULDADE CHEIRANDO COCAÍNA.

CENA 87. EXT. TARDE. FLASH BACK DE JOHN COMO MENDIGO LIMPANDO VIDRO DOS CARROS.

CENA 88. INT. NOITE. MICHELLE FORMADA.

FORMATURA ACABA E TODOS OS FORMANDOS NO PALCO JOGAM OS CANUDOS PARA O ALTO, FELIZES.MICHELLE

- Vamos terminar essa formatura lá no meu quarto?

JOHN SEGURA A MÃO DE MICHELLE E ELES VÃO EMBORA DA FESTA.

CENA 89. INT. NOITE. FIM.

MICHELLE DE CALCINHA E SOULTIEN E SE ESPREGUIÇA. MILENA, LUÍS E RAFAEL ESTÃO AO SEU REDOR, OLHANDO PARA ELA. TOCA “MICHELLE”, DOS BEATLES INSTRUMENTAL (PIANO E VIOLINO).

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MICHELLE

- Bom dia a todos!

MILENA

- Bom dia.

MICHELLE

- Eu tive uma noite ótima! O que houve que vocês estão me olhando com essa cara?

MILENA CONSTRANGIDA

- O John foi embora.

MICHELLE

- O quê?

MILENA

- Ele deixou esse bilhete para você.

MICHELLE PEGA NO BILHETE COM AS MÃOS TREMENDO.“DESCULPA, MICHELLE, EU NÃO NASCI PARA SER FELIZ. DESCULPA”.

MICHELLE LÊ O BILHETE MAIS UMA VEZ, AMASSA O PAPEL E JOGA NO CHÃO. DEITA NO COLO DE MILENA, UMA LÁGRIMA CAI.

APARECE COM UM FUNDO NEGRO: “FILME DEDICADO AO JORNALISTA TIM LOPES, ASSASSINADO BRUTALMENTE EM 2002 E A TODOS OS JORNALISTAS QUE MORRERAM NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO”. SOBE AS LETRAS COM UMA CITAÇÃO DE AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA. “ESTE É O PAÍS QUE PUDE, QUE ME DERAM E AO QUE ME DEI E É POSSÍVEL QUE POR ELE; IMERECIDO, - AINDA MORREREI”. SOBEM AS LETRAS COM O TÍTULO “JORNALISTAS DESAPARECIDOS DESDE 1964”. E OS NOMES EM ORDEM ALFABÉTICA.

FIM.

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