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9 Nota aos leitores 22 de novembro de 1963 mineola, nova iorque CerCa das 14h00 O s alunos da turma do primeiro ano de Religião do padre Carmine Diodati sobressaltaram-se. Dos altifalantes, uma notícia radiofónica crepitou pela sala de aula da es- cola secundária de Chaminade. O presidente John F. Kennedy tinha sido baleado em Dallas, no Texas, e levado para o hospital. Pouco depois, ficámos a saber que estava morto. Ninguém sabia o que dizer. A maior parte dos americanos nascidos antes de 1953 recor- da com exatidão onde se encontrava quando ouviu a notícia de que JFK tinha sido assassinado. Os dias que se seguiram a essa terrível sexta-feira foram de enorme tristeza e confusão. Porque tinha aquilo acontecido? Quem matara de facto o presidente? Em que tipo de país vivíamos afinal? De certa forma, o assassínio de JFK teve para mim um sig- nificado pessoal. O nome de solteira da minha avó materna era Winifred Kennedy, e a minha família católico-irlandesa tinha uma profunda ligação emocional ao jovem presidente e à sua família. Foi como se alguém da minha própria casa tivesse mor- rido de forma violenta. À semelhança da maioria dos miúdos de Long Island, também eu pouco ligava à política nacional. Mas lembro-me de ver retratos de JFK expostos em casa dos meus familiares. Para eles, JFK era um santo. Para mim, era uma figura distante que tivera uma morte terrível, com o cérebro espalhado por cima do porta-bagagens de um carro. A visão da sua mulher,

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Nota aos leitores

22 de novembro de 1963mineola, nova iorque

CerCa das 14h00

Os alunos da turma do primeiro ano de Religião do padre Carmine Diodati sobressaltaram-se. Dos altifalantes, uma notícia radiofónica crepitou pela sala de aula da es-

cola secundária de Chaminade. O presidente John F. Kennedy tinha sido baleado em Dallas, no Texas, e levado para o hospital. Pouco depois, ficámos a saber que estava morto. Ninguém sabia o que dizer.

A maior parte dos americanos nascidos antes de 1953 recor-da com exatidão onde se encontrava quando ouviu a notícia de que JFK tinha sido assassinado. Os dias que se seguiram a essa terrível sexta-feira foram de enorme tristeza e confusão. Porque tinha aquilo acontecido? Quem matara de facto o presidente? Em que tipo de país vivíamos afinal?

De certa forma, o assassínio de JFK teve para mim um sig-nificado pessoal. O nome de solteira da minha avó materna era Winifred Kennedy, e a minha família católico-irlandesa tinha uma profunda ligação emocional ao jovem presidente e à sua família. Foi como se alguém da minha própria casa tivesse mor-rido de forma violenta. À semelhança da maioria dos miúdos de Long Island, também eu pouco ligava à política nacional. Mas lembro-me de ver retratos de JFK expostos em casa dos meus familiares. Para eles, JFK era um santo. Para mim, era uma figura distante que tivera uma morte terrível, com o cérebro espalhado por cima do porta-bagagens de um carro. A visão da sua mulher,

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BILL O’REILLy E MARTIN DuGARD

Jacqueline, a rastejar para a parte de trás da limusina para recu-perar o crânio despedaçado do marido ficou-me gravada para sempre.

✳ ✳ ✳

Foi com grande satisfação que Martin Dugard e eu percebe-mos que milhões de pessoas leram e apreciaram O Assassínio de Lincoln. Queremos tornar a história acessível a todos. Queremos contar aos leitores o que aconteceu e porquê, usando um estilo que seja ao mesmo tempo agradável e informativo. Depois da crónica dos últimos dias de Abraham Lincoln, a transição para John Kennedy foi um passo natural.

Tem sido amplamente realçado que os dois homens tinham muito em comum. De facto, os paralelismos são extraordinários:

• Lincoln foi eleito pela primeira vez em 1860, Kennedy em 1960.

• Ambos foram assassinados a uma sexta-feira, na presen-ça das esposas.

• Os seus sucessores eram ambos sulistas chamados Johnson com mandatos anteriores no Senado.

• Andrew Johnson nasceu em 1808, Lyndon Johnson em 1908.

• Lincoln foi eleito para o Congresso em 1846, enquanto Kennedy foi eleito para a Câmara dos Representantes em 1946.

• Ambos sofreram a morte de um filho durante o exercício do cargo.

• O assassino John Wilkes Booth disparou no interior de um teatro e refugiou-se num armazém, enquanto o assas-sino Lee Harvey Oswald disparou a partir de um arma-zém e escondeu-se num cinema.

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Em 1963, poucos americanos perceberam até que ponto o assassínio de JFK iria mudar o país. Nos dias de hoje, não é fácil dar a conhecer acontecimentos históricos, sobretudo devido às agendas políticas. Neste livro, tentaremos romper o nevoeiro e trazer até vós os factos. Infelizmente, alguns ainda não são co-nhecidos. Na nossa narrativa, Martin Dugard e eu vamos apenas até onde as provas nos levam. Não somos adeptos de teorias da conspiração, embora levantemos algumas questões sobre aquilo que é desconhecido e inconsistente.

Contudo, antes de se abalançarem à leitura, saibam que este é um livro assente em factos e que parte do que vão ler nunca foi afirmado publicamente.

A verdade sobre o presidente Kennedy é umas vezes heroica, outras vezes perturbadora. A verdade sobre como e porque foi assassinado é simplesmente atroz. Mas é uma história que todos os americanos deviam conhecer.

Está toda neste livro, e é meu especial privilégio trazê-la até vós.

Bill O’ReillyMaio de 2012

Long Island, Nova Iorque

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29 de maio de 1917 - 22 de novembro de 1963

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Prólogo

20 de janeiro de 1961Washington, d. C.12h51

O homem com menos de três anos para viver tem a mão esquerda sobre a Bíblia.Diante dele, o presidente do Supremo Tribunal, Earl

Warren, recita o juramento de tomada de posse: «John Fitzgerald Kennedy, jura solenemente...»

«Eu, John Fitzgerald Kennedy, juro solenemente...», repete o novo presidente num bem articulado sotaque de Boston. Os seus olhos estão fixos no jurista cujo nome irá um dia ser sinó-nimo da própria morte de Kennedy.

O novo presidente, nascido na opulência, tem uma forma refinada de falar que se esperaria que o distanciasse do eleitorado. Mas trata-se de um homem másculo e entusiástico de quem é fácil gostar. Durante a campanha, gracejou abertamente sobre a vasta riqueza do pai, neutralizando assim esse tema divisivo com humor e honestidade, para que o americano médio confiasse nele quando falava em fazer da América um lugar melhor. «Homens pobres da Virgínia Ocidental ouviram um homem de Boston di-zer que precisava da ajuda deles, e concederam-lha. Na remota região cerealífera do Nebraska explicou, com o familiar movi-mento cortante da sua mão direita, que a América pode ser “mais grandiosa”, e os agricultores perceberam o que ele queria dizer», observou um autor a propósito do apelo abrangente de Kennedy.

Mas nem todos gostam de JFK. Conquistou a maioria do voto popular a Richard Nixon por uma margem ínfima,

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angariando apenas 49% dos votos expressos. Aqueles agriculto-res podem ter percebido o que Kennedy queria dizer, mas 62% dos eleitores do Nebraska votaram em Nixon.

«Que desempenhará com fidelidade o cargo de presidente dos Estados unidos...»

«Que desempenharei com fidelidade o cargo de presidente dos Estados unidos...»

Oitenta milhões de americanos assistem à tomada de posse pela televisão. Outros vinte mil estão presentes. Durante a noite, caíram sobre Washington vinte centímetros de neve. O exército teve de usar lança-chamas para desimpedir as ruas. O sol brilha agora sobre o edifício do Capitólio, mas um vento inclemente fustiga a multidão. A assistência embrulha-se em sacos-cama, cobertores, camisolas bem espessas e casacos de inverno — tudo o que lhe permita manter-se quente.

Porém, John Kennedy ignora o frio. Despiu mesmo o sobre-tudo. Aos quarenta e três anos, exala coragem e vigor. A ausência de sobretudo, cartola, cachecol ou luvas é um estratagema para realçar a sua imagem atlética. Em forma e um pouco acima do metro e oitenta, com olhos cinzento-esverdeados e um sorriso cativante, exibe um bronzeado invejável, graças às férias recen-tes na casa da família em Palm Beach. Mas, embora a imagem de JFK aparente vender saúde, o seu historial clínico tem sido problemático. Já por duas ocasiões lhe foi ministrado o último sacramento da Igreja Católica. E os problemas médicos irão continuar a afligi-lo ao longo dos anos seguintes.

«E irá, com o melhor das suas capacidades...»«E irei, com o melhor das minhas capacidades...»No mar de dignitários e amigos congregados à sua volta,

há algumas pessoas cruciais para Kennedy. A primeira é Bobby, seu irmão mais novo e escolha relutante para procurador-geral. O presidente dá mais valor à sua honestidade como conselheiro do que ao seu talento jurídico. Sabe que Bobby lhe dirá sempre a verdade, por brutal que esta possa ser.

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Atrás do presidente está o novo vice-presidente, Lyndon Johnson. Pode dizer-se, e o próprio Johnson está convencido disso, que Kennedy conquistou a Presidência graças a este te-xano alto e rijo. Sem Johnson na lista, é provável que Kennedy não tivesse vencido no estado da Estrela Solitária (Texas), com os seus preciosos vinte e quatro votos no Colégio Eleitoral. Mesmo assim, a lista Kennedy-Johnson ganhou no Texas pela estreita margem de quarenta e seis mil votos — um feito que terá de ser repetido para que Kennedy conquiste um segundo mandato.

Por fim, o novo presidente descortina a sua jovem esposa por trás do ombro esquerdo do juiz Warren. Jackie Kennedy está resplandecente no seu fato cinzento-acastanhado e cha-péu a condizer. O cabelo castanho-escuro e uma gola de pele emolduram-lhe o rosto imaculado. Os seus olhos cor de âmbar cintilam de entusiasmo; não exibe o mais leve traço de fadiga apesar de ter ficado a pé até às quatro da manhã. O álcool corre-ra livremente pelas festas dadas antes da tomada de posse por fi-guras como Frank Sinatra e Leonard Bernstein. Jackie regressara a casa do casal, em Georgetown, muito antes de essas come-morações terem terminado, mas o marido não a acompanhou. Quando finalmente Jack apareceu, pouco antes das quatro, en-controu a mulher ainda bem desperta, demasiado empolgada para conseguir dormir. Enquanto a neve continuava a cair sobre os automobilistas bloqueados e as fogueiras improvisadas que ladeavam as ruas de Washington, o jovem casal sentava-se para uma conversa madrugadora. O marido contou-lhe do jantar tar-dio organizado pelo pai dele, e falaram com entusiasmo da ceri-mónia de tomada de posse. Ia ser um dia extraordinário, com a promessa de muitos mais no futuro.

John F. Kennedy tem plena consciência de que o público adora Jackie. Ainda nessa noite, quando a multidão espalhada pelas ruas da cidade coberta de neve viu passar o casal Kennedy na sua limusina, o presidente eleito mandara acender as luzes interiores para que as pessoas pudessem entrever a mulher.

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O glamour, o sentido de estilo e a beleza de Jackie tinham ca-tivado a América. Fala francês e espanhol com fluência, fuma secretamente um cigarro atrás do outro e prefere champanhe a cocktails. Tal como o marido, possui um sorriso cativante, mas tem tanto de introvertida quanto ele de extrovertido. A sua con-fiança em estranhos é escassa.

Apesar da imagem glamorosa, Jackie já por mais de uma vez sentiu o peso da tragédia durante os sete anos de casamen-to. Perdeu o primeiro filho do casal ainda durante a gravidez e o segundo foi uma bebé nada-morta. Mas também viveu o enlevo de ver nascer dois filhos saudáveis, Caroline e John Jr., e assistiu à estonteante ascensão do seu jovem e garboso ma-rido da política do Massachusetts à Presidência dos Estados unidos.

A tristeza pertence agora ao passado. O futuro mostra-se ra-dioso e sem limites. A Presidência de Kennedy parece destinada a ser, à semelhança das palavras do novo musical acabado de se estrear no Majestic Theater, na Broadway, muito idêntica ao mítico castelo de Camelot, um lugar como «não há outro mais aprazível para viver feliz para sempre».

✳ ✳ ✳

«Salvaguardar, proteger e defender a Constituição dos Esta-dos unidos.»

«Salvaguardar, proteger e defender a Constituição dos Esta-dos unidos.»

O antecessor de Kennedy, Dwight Eisenhower, está ao lado de Jackie. Atrás de Kennedy estão Lyndon Johnson, Richard Nixon e Harry Truman.

Normalmente, a presença de um só destes dignitários num evento é sinónimo de segurança reforçada. A presença simultâ-nea — e tão próxima — de todos eles na tomada de posse é um pesadelo em termos de segurança.

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O Serviço Secreto está em alerta máximo. A sua missão é pro-teger o presidente u. E. Baughman, o agente de carreira de cin-quenta e cinco anos e atual chefe do serviço, está no cargo desde a Presidência de Truman. Acredita que o caráter atlético de Kennedy e o seu gosto pelo contacto com as multidões tornarão a missão de o proteger um desafio ímpar na história do Serviço Secreto. Só hoje, a preocupação com a segurança já por três vezes quase levou o esguio Baughman, com o cabelo cortado à escovinha, que é a sua imagem de marca, a mandar evacuar o palanque. Numa dessas ocasiões, durante a invocação, começou a sair fumo azul do atril, e temeu-se que se tratasse de uma bomba. Os agentes apressaram--se a investigar. Afinal, o fumo provinha do motor que permi-tia subi-lo e descê-lo. Para resolver o problema bastou desligar o motor. Agora os agentes de Baughman examinam atentamente a multidão, nervosos com a proximidade da vasta assistência. Com cinco tiros certeiros, um fanático bem treinado munido de uma pistola podia matar o presidente recém-eleito, dois antigos presi-dentes e dois vice-presidentes.

Baughman também está ciente de outro facto arrepiante. Desde 1840, todos os presidentes eleitos a cada ciclo de vin-te anos morreram no exercício do cargo: Harrison, Lincoln, Garfield, McKinley, Harding e Roosevelt. Contudo, graças à competência do Serviço Secreto, há quase sessenta anos que nenhum é assassinado. Ainda no mês anterior, os agentes frus-traram uma tentativa contra a vida de Kennedy por parte de um funcionário postal descontente que planeava matá-lo com uma detonação de dinamite. Apesar disso, Baughman está perante uma questão ameaçadora: irá a cadeia de mortes presidenciais ser quebrada, ou será Kennedy o próximo elo?

JFK não dá qualquer importância às sugestões de que pode morrer no cargo. Para provar que não acredita em presságios, decidiu dormir no Quarto Lincoln durante as suas primeiras noites na Casa Branca — o fantasma de Abe não parece preo-cupá-lo.

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«Assim Deus o ajude.»«Assim Deus me ajude.»Terminado o juramento, Kennedy aperta a mão ao juiz

Warren, depois a Johnson e a Nixon. Por fim, volta-se para Eisenhower. Os dois homens sorriem cordialmente, mas o olhar que trocam é glacial. Eisenhower colocou a Kennedy a condes-cendente alcunha de «Little Boy Blue». Considera-o imaturo e incapaz de governar, e acha humilhante que um homem que foi um mero tenente durante a II Guerra Mundial venha substituir na Presidência o general que dirigiu a invasão do Dia D. Por seu turno, Kennedy vê no velho general um homem pouco interes-sado em corrigir os males da sociedade americana — uma das suas principais prioridades.

JFK é o mais jovem presidente alguma vez eleito. Eisenhower é o mais velho. A grande diferença de idades também representa duas gerações muito diferentes de americanos — e duas visões muito diferentes da América. Dentro de instantes, Kennedy irá proferir um discurso de tomada de posse que tornará essas dife-renças mais claras do que nunca.

O trigésimo quinto presidente dos Estados unidos solta a mão de Eisenhower. Roda lentamente para a sua esquerda e acerca-se do atril com o selo presidencial. Pousa os olhos no discurso, depois ergue-os e contempla os milhares de rostos en-regelados que tem diante de si. Sabe que a multidão está impa-ciente. A cerimónia começou atrasada, a invocação do cardeal Richard Cushing foi excessivamente longa e, com os seus oitenta e seis anos, o poeta Robert Frost estava de tal forma encandea-do pelo sol que não conseguiu ler os versos que escrevera para a ocasião. Nada, ao que parece, correu como planeado. Aquela gente enregelada anseia por algo de redentor. Algumas palavras que anunciem uma mudança no marasmo político de Washington. Palavras que ajudem a sarar uma nação dividida pelo mccarthis-mo, aterrorizada com a guerra fria e ainda a braços com a segre-gação racial e a discriminação.

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Kennedy é um historiador galardoado com o Prémio Pulit-zer, distinção que recebeu pelo seu livro Retratos de Coragem. Tem consciência da importância de um grande discurso de tomada de posse. Há meses que se debate com as palavras que está prestes a proferir. Ainda na noite anterior, quando as luzes do interior da limusina estavam acesas para que os transeuntes pudessem ver Jackie, releu o discurso de tomada de posse de Thomas Jefferson — e, por comparação, achou o seu insuficiente. Nessa manhã, levantou-se ao fim de apenas quatro horas de sono e, de lápis em punho, reviu o discurso uma e outra vez.

As suas palavras ressoam como um salmo. «Que deste tempo e lugar se espalhe a palavra, a amigos e inimigos sem distinção, de que a tocha foi passada a uma nova geração de americanos — nascidos neste século, temperados pela guerra, disciplinados por uma paz difícil e amarga, orgulhosos da nossa herança passa-da...»

Não se trata de um mero discurso de tomada de posse. Trata--se de uma promessa. Os melhores dias da América ainda estão para vir, diz Kennedy, mas só se todos derem o seu contributo. «Não perguntem o que pode o vosso país fazer por vocês», inci-ta ele, erguendo a voz para proferir a frase decisiva, «mas o que podem vocês fazer pelo vosso país.»

O discurso será aclamado como um clássico instantâneo. Em menos de mil e quatrocentas palavras, John Fitzgerald Kennedy define a sua visão para o país. Põe agora o discurso de lado, cien-te de que chegou o momento de cumprir a grandiosa promessa que fez ao povo americano. Tem de gerir a questão de Cuba e do seu líder pró-soviético, Fidel Castro. Tem de enfrentar os pro-blemas que surgem numa terra longínqua chamada Vietname, onde um punhado de conselheiros militares norte-americanos se esforça por levar estabilidade a uma região há muito assolada pela guerra. Ali, na frente doméstica, o poder do crime organi-zado da máfia e a divisão gerada pelo movimento dos direitos cívicos são dois assuntos cruciais a exigir atenção imediata. E, a

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um nível bem mais pessoal, tem de contornar a animosidade entre o procurador-geral Bobby Kennedy e o vice-presidente, Lyndon Johnson, que se desprezam mutuamente.

JFK observa a multidão enlevada. Sabe que tem muito tra-balho pela frente.

Todavia, nem todos os convidados para a tomada de posse compareceram. Os artistas famosos presentes nas festas da noite anterior tinham à sua espera lugares de primeiro plano para assistir a este momento fulcral da história americana, mas, devido ao frio e a uma celebração bem regada que se prolongou madrugada den-tro, o cantor Frank Sinatra, o ator Peter Lawford e o compositorLeonard Bernstein — entre muitos outros — optaram por dormir até mais tarde e ver a cerimónia pela televisão. «Assisto à segunda tomada de posse do presidente», é o refrão que todos repetem.

Mas não haverá segunda tomada de posse, pois John Fitzge-rald Kennedy está em rota de colisão com o mal.

✳ ✳ ✳

A mais de sete mil quilómetros dali, na cidade soviética de Minsk, um americano que não votou em John F. Kennedy está farto. Lee Harvey Oswald, um antigo atirador especial do Corpo de Fuzileiros, já não suporta a vida que leva naquele país comu-nista.

Oswald é um desertor. Em 1959, com dezanove anos, este indivíduo franzino, vagamente atraente, errante e enigmático decidiu deixar os Estados unidos da América, convencido de que as suas convicções socialistas seriam recebidas de braços abertos na união Soviética. Mas as coisas não correram como ele planeara. Oswald ambicionava frequentar a universidade de Moscovo, mesmo nunca tendo concluído o ensino secundário. Em vez disso, o Governo soviético despachou-o mais de seis-centos quilómetros para oeste, para Minsk, onde tem trabalhado sem descanso numa fábrica de eletrónica.

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Lee gosta de estar sempre em movimento, mas os soviéticos restringiram fortemente as suas deslocações. Até agora, levou uma vida nómada e caótica. O pai morreu antes de ele nascer. A mãe voltou a casar-se, mas depressa se divorciou. Marguerite Oswald tinha poucas posses, e ela e o jovem Lee mudavam-se com frequência, deambulando pelo Texas, Nova Orleães e Nova Iorque. Quando abandonou a escola para se alistar nos fuzilei-ros, Oswald já tinha vivido em vinte e duas moradas diferentes e frequentado doze escolas — incluindo um reformatório. Aí, uma avaliação psiquiátrica ordenada pelo tribunal considerou--o introvertido e socialmente inadaptado. Foi-lhe diagnosticada «uma intensa vida fantasiosa, que gira em torno de questões de poder e omnipotência, e através da qual tenta compensar as suas atuais insuficiências e frustrações».

Lee Harvey Oswald no seu pedido de cidadania soviética, em 1959. (Bettmann/Corbis/AP Images)

A união Soviética de 1961 não é propriamente o local mais indicado para um homem em busca de independência e poder. Pela primeira vez na vida, Lee Harvey Oswald está preso a um

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lugar. Levanta-se todas as manhãs e arrasta-se penosamente até à fábrica, onde trabalha horas a fio a operar um torno mecânico, rodeado por colegas cuja língua entende mal. A sua deserção, em 1959, foi noticiada pelos jornais americanos por ser muitís-simo invulgar um fuzileiro — mesmo sendo tão pró-soviético que os seus camaradas de armas lhe tinham posto a alcunha de «Oswaldskovich» — violar o juramento Semper Fi (Sempre Fiel) e passar para o lado do inimigo. Mas agora está votado ao ano-nimato, algo que considera inaceitável. Confidencia ao seu diário que está totalmente desencantado.

Oswald não tem nada contra John Fitzgerald Kennedy. Pouco sabe sobre o novo presidente e as suas políticas. E, em-bora fosse um atirador exímio nas forças armadas, nada no seu passado indica que possa constituir uma ameaça para outro que não ele próprio.

Enquanto a América celebra a tomada de posse de Kennedy, o desertor escreve para a embaixada americana em Moscovo.A missiva é curta e direta: Lee Harvey Oswald quer regressar ao seu país.

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Parte I

Enganar a morte

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2 de agosto de 1943estreito de blaCkett, ilhas salomão

2h00

Estamos em fevereiro de 1961. O novo presidente tem um coco em cima da secretária. É uma sorte estar vivo. Na sua curta vida, já por três vezes iludiu a morte, e o invulgar

pisa-papéis serve de recordação da primeira vez em que esteve face a face com a sua própria mortalidade. Aquando da mudança do novo presidente para a Sala Oval, a sua equipa certifica-se de que o coco ocupa uma posição de destaque. Sabem que o chefe quer ter aquele coco muito especial na sua linha de visão, pois lem-bra-lhe o agora famoso incidente que pôs à prova a sua coragem.

✳ ✳ ✳

Dezoito anos antes, em 1943, numa noite amena, três lan-chas torpedeiras americanas sulcam o estreito de Blackett, no Pacífico Sul, à procura de navios de guerra japoneses nas ime-diações de uma área fortemente disputada conhecida como The Slot [A Ranhura]. Com vinte e cinco metros de comprimento, cascos de mogno de cinco centímetros de espessura e equipadas com três potentes motores Packard, as lanchas torpedeiras PT são embarcações ágeis, capazes de se aproximar velozmente dos navios de guerra japoneses e afundá-los com a sua bateria de torpedos Mark VIII.

O comandante da embarcação que ostenta o número 109, um jovem segundo-tenente, está recostado na cabina de comando,

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meio alerta e meio adormecido. Desligou dois dos motores para ocultar a PT-109 aos aviões de observação japoneses. Com o terceiro motor a roncar suavemente em ponto morto, o veio da hélice quase não deixa esteira na água iridescente. Nessa noite sem estrelas nem luar, o jovem comandante fita o oceano na esperança de avistar as outras duas PT que navegam ali perto. Mas a escuridão torna-as invisíveis — tal como à 109.

Não vê nem ouve o contratorpedeiro Amagiri a não ser quando já é demasiado tarde. O Amagiri faz parte do Expres-so de Tóquio, uma arrojada tentativa japonesa para transpor-tar tropas e armamento de e para as taticamente cruciais ilhas Salomão usando navios ultrarrápidos. O Expresso depende da velocidade e da cobertura da noite para levar a cabo essas missões. O Amagiri, que acabou de largar novecentos soldados em Vila, na ilha vizinha de Kolombangara, apressa-se a regressar ao bastião japonês de Rabaul, na Nova Guiné, antes que a aurora permi-ta aos bombardeiros americanos localizá-lo e destruí-lo. Mais comprido do que um campo de futebol, mas com uns meros dez metros de boca máxima, a forma do Amagiri permite-lhe cortar as águas à assombrosa velocidade de quarenta e quatro milhas por hora.

À proa da PT-109, o guarda-marinha George «Barney» Ross, de Highland Park, Illinois, também sonda a escuridão da noite. Voluntariou-se como observador para esta missão pouco depois de a sua embarcação anterior ter sido acidentalmente afundada por um bombardeiro americano. E agora fica estu-pefacto quando, através dos binóculos, avista o Amagiri a es-cassos duzentos e cinquenta metros de distância e a avançar a toda a velocidade direito à PT-109. Aponta para a escuridão. O comandante avista o navio e gira vigorosamente a roda do leme, tentando apontar a lancha ao feroz contratorpedeiro para disparar os seus torpedos à queima-roupa — ou o consegue, ou os americanos serão aniquilados. Mas a PT-109 não guina com rapidez suficiente.

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O tenente John Fitzgerald Kennedy na cabina de comando da PT-109. (Fotógrafo desconhecido. Papers of John F. Kennedy. Presiden-tial Papers. President’s Office Files. John F. Kennedy Presidential

Library and Museum, Boston)

um instante aterrador é quanto basta ao Amagiri para rasgar o casco de mogno. O corte diagonal começa no bordo direito, falhando por pouco a cabina de comando e quase esmagando o comandante, que nesse momento dá por si a pensar: «É isto que se sente ao ser morto.» Dois dos membros da tripulação de treze homens têm morte imediata. Outros dois ficam feri-dos quando a PT-109 explode e se incendeia. As duas lanchas americanas que navegam ali perto, a PT-162 e a PT-169, sabem que acabaram de presenciar uma explosão fatal e não esperam para procurar sobreviventes. Aceleram os motores e desapare-cem na noite, temendo a presença de outros navios de guer-ra japoneses na vizinhança. O Amagiri também não se detém, prosseguindo a toda a velocidade rumo a Rabaul, enquanto, na sua esteira, a tripulação vê arder a pequena embarcação americana.

Os homens da PT-109 estão por sua conta.

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O comandante, e o responsável por permitir que a sua lan-cha fosse surpreendida por um navio daquela dimensão, é o te-nente John Fitzgerald Kennedy. Com vinte e seis anos, muito magro e bronzeado, é um playboy educado em Harvard a quem o pai obrigou a deixar os serviços de informação navais e a pro-curar uma colocação de combate depois de se descobrir que a amante dinamarquesa do filho era suspeita de ser uma espiã nazi. Segundo filho de uma família que deposita grandes expec-tativas no primogénito, Kennedy pôde dar-se ao luxo de levar uma vida frívola. Criança enfermiça, tornou-se num jovem que gostava de livros e de raparigas e, exceção feita ao comando de uma pequena embarcação como era a PT-109, não demonstrou qualquer interesse em assumir uma posição de liderança na vida política — ambição exigida a Joe, o seu irmão mais velho.

Mas nada disso tem agora qualquer importância. Kennedy precisa de encontrar forma de pôr os seus homens a salvo. Mais tarde, quando instado a descrever o momento de viragem dessa noite, dar-lhe-á pouca importância: «Foi involuntário. Tinham afundado o meu barco.»

As suas palavras escondem o facto de que podia ter sido levado a conselho de guerra por permitir o afundamento da sua lancha e a morte de dois dos seus homens. Mas o afundamento da PT-109 será decisivo para a imagem futura de John F. Kennedy — não por causa do que acabou de acontecer, mas devido ao que irá passar-se a seguir.

A parte de trás da PT-109 já está a caminho do fundo do estreito de Blackett, quase quatrocentos metros mais abaixo. A secção dianteira do casco mantém-se à tona, graças aos com-partimentos estanques. É aí que Kennedy reúne os membros sobreviventes da tripulação para esperar por socorro. A esteira do Amagiri afasta as chamas para longe dos destroços da PT-109, atenuando o receio de Kennedy de que a gasolina inflamada possa fazer deflagrar quaisquer munições que ainda restem ou propagar-se aos depósitos de combustível. Mas as horas passam

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— primeiro uma, depois duas, três — e torna-se evidente que o socorro não chegará. Kennedy sabe que tem de idealizar um novo plano. O estreito de Blackett é todo ele delimitado por pe-quenas ilhas onde se aquartelam milhares de soldados japoneses. Decerto a explosão foi presenciada por alguém em terra.

«O que querem fazer se os japoneses aparecerem?», pergun-ta Kennedy à tripulação. Único responsável pela vida dos seus homens, sente-se desorientado. O casco começa a afundar-se, e eles dispõem apenas de uma metralhadora e de sete pistolas. Qualquer combate seria inútil.

Os homens avistam claramente um acampamento japonês a menos de uma milha de distância, na ilha de Gizo, e sabem que existem duas bases maiores nas ilhas de Kolombangara e Vella Lavella, ambas a cinco milhas.

«Aquilo que o senhor disser, Mr. Kennedy. O senhor é que manda», responde um dos tripulantes.

Mas Kennedy sente-se pouco confortável no papel de che-fe. Nos meses que passou ao comando da PT-109, a sua tare-fa consistiu sobretudo em governar a embarcação. Os homens queixam-se de que está mais interessado em andar atrás de rapa-rigas do que em comandar um navio. Kennedy sente-se muito mais à vontade num papel secundário. Passou os seus anos de formação a receber ordens de um pai dominador e a admirar o carismático irmão mais velho. O pai, Joseph P. Kennedy, é um dos homens mais ricos e poderosos da América, além de antigo embaixador no Reino unido. Joe, o irmão, é, aos vinte e oito anos, um garboso aviador naval prestes a entrar em ação na Europa, em missões de guerra antissubmarina contra os nazis.

A família recebe todas as diretrizes do seu patriarca. John irá um dia comparar essa relação à de um titereiro com as suas ma-rionetas. Joseph P. Kennedy decide o que os filhos irão fazer na vida, vigia-lhes todos os passos, tenta levar para a cama as res-petivas namoradas e amigas e chega a mandar lobotomizar uma das filhas. Já escolheu Joe como o político da família. De facto,

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o pai tratou de garantir que o filho mais velho fosse delegado à Convenção Nacional Democrata de 1940. Enquanto isso, nos dias anteriores ao eclodir da guerra, John passava o seu tempo a escrever e a viajar. Na família, muitos ainda acreditam que a escrita seria a profissão por ele escolhida.

Agora, nesta noite trágica no Pacífico, Joseph P. Kennedy não pode dizer ao filho o que fazer. «Não há nada nos manuais sobre uma situação como esta», diz JFK à tripulação, procu-rando ganhar tempo. «Quer-me parecer que já não somos uma organização militar. O melhor é debatermos o assunto.»

Os homens foram treinados para cumprir ordens, não para de-bater estratégia. A discussão instala-se, mas nem assim Kennedy assume o papel de comandante. Os homens têm estado à espera que um barco, ou um avião de busca e salvamento, venha à pro-cura deles. À medida que a manhã se transforma em dia claro, e a PT-109 se afunda cada vez mais, permanecer junto dos destro-ços significa a captura certa pelas tropas japonesas ou ser morto por um ataque de tubarões.

A família Kennedy na casa familiar de Hyannis Port, em 1931.(Fotografia de Richard Sears, John F. Kennedy Presidential

Library and Museum, Boston)

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Por fim, John Kennedy assume o comando.«Vamos nadar», ordena ele aos seus homens, apontando para

um aglomerado de ilhas verdejantes três milhas para sudeste. Explica-lhes que, embora aquelas manchas de terra possam estar mais distantes do que a ilha de Gizo, que parece tão próxi-ma que quase se lhe pode tocar, é menos provável que estejam ocupadas por soldados japoneses.

Joseph Kennedy com os filhos Joseph Kennedy Jr. e John F. Kennedy em Palm Beach, em 1931. Joseph Kennedy esperava que fosse o filho mais velho a ingressar na política. (Fotografia de E. F. Foley, John F. Kennedy

Presidential Library and Museum, Boston)

Os homens agarram-se a um pedaço de madeira e usam--no como boia enquanto batem as pernas em direção a essas ilhas distantes. Kennedy, antigo membro da equipa de natação de Harvard, coloca entre os dentes uma alça do colete salva- -vidas de um tripulante gravemente queimado e nada com ele a reboque. Durante as cinco longas horas que demorarão a chegar à ilha, Kennedy engole golfada atrás de golfada de água do mar, mas as suas qualidades de nadador permitem-lhe atingir a praia

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antes do resto da tripulação. Deixa o tripulante queimado nos baixios e cambaleia até terra para explorar a nova morada. A ilha não é grande coisa: areia, algumas palmeiras e o recife que a ro-deia. Apenas cem metros de um extremo ao outro. Mas é terra firme. Ao fim de mais de quinze horas no mar alto, não existe lugar melhor para estar.

Finalmente, chega o resto da tripulação. Escondem-se nos baixios quando uma barcaça japonesa passa a escassas cente-nas de metros. Kennedy está caído à sombra de uns arbustos, exausto com o esforço e nauseado com a quantidade de água salgada que engoliu. Contudo, apesar do seu estado debilita-do, há agora nele algo de diferente. O homem que antes se esquivava à liderança percebeu que só ele pode salvar a sua tripulação.

JFK põe-se de pé e lança-se ao trabalho.

✳ ✳ ✳

Kennedy olha para a praia. A areia esbranquiçada desce em direção à água. Os homens procuraram abrigo entre as árvores de copas baixas. É com alívio que vê, caído ali perto, um em-brulho envolto num colete salva-vidas de sumaúma, algo que os seus homens resgataram da PT-109. Kennedy precisa desse embrulho para o que irá fazer a seguir.

Lá dentro está um farol de navegação. Kennedy cambaleia até junto dos seus homens e traça um plano: vai nadar até uma ilha vizinha, mais próxima de um canal conhecido como passagem de Ferguson, um percurso muito frequentado pelas lanchas torpedeiras, e usar o farol para fazer sinal a alguma PT que se aventure por aquelas paragens durante a noite. Se conseguir estabelecer contacto, fará sinal à sua tripulação com o farol.

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Pormenor

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Oceano Pacífico

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PT-109

Gene Thorp

PT-1092-8 de agosto, 1943

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Dito isto, prepara-se para a travessia. Está à beira do vómito, e agora também um pouco atordoado devido à desidratação e à falta de comida. Despe a camisa e as calças para aliviar o peso e coloca ao pescoço uma correia a que ata uma pistola de calibre 0,38. Antes do longo percurso a nado desde a PT-109, já tinha descalçado os sapatos, atando-os também ao pescoço, mas torna a calçá-los para não cortar os pés no recife pontiagudo. Por fim, prende cuidadosamente o colete de sumaúma ao corpo nu, ciente de que o farol acondicionado no seu interior é a chave para o sal-vamento de todos.

Kennedy torna a fazer-se ao mar. Pensa nas barracudas- -gigantes que vivem naquelas águas, das quais se diz que surgem das profundezas e arrancam à dentada os órgãos genitais dos nadadores. Sem calças, é decerto um alvo convidativo.

Nada sozinho noite dentro até sentir os sapatos rasparem num recife. Avança ao longo da superfície aguçada, à espera desse momento inevitável em que o recife acaba e a praia de areia começa. Mas o recife é interminável. Pior ainda, os corais não param de lhe cortar as mãos e as pernas. Sempre que dá um passo em falso e desaparece debaixo de água num qualquer buraco invisível, vêm-lhe de imediato à mente imagens de bar-racudas.

E nunca chega a encontrar a praia. De modo que ata os sapa-tos ao colete salva-vidas e opta por um corajoso e algo temerário plano alternativo: nada para o mar alto, erguendo o farol, na esperança de fazer sinal a uma PT que por ali passe.

Mas, logo naquela noite, a uS Navy não vai enviar qualquer lancha torpedeira para a passagem de Ferguson. Kennedy fica a boiar no mais completo negrume, esperando em vão pelo som abafado das hélices.

Desiste. Porém, quando tenta nadar de volta para junto da sua tripulação, a corrente está contra ele. É arrastado para o largo do estreito de Blackett, acendendo freneticamente o farol para fazer sinal aos seus homens quando passa por eles à deriva.

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Entretanto, enquanto o seu comandante se afasta cada vez mais na escuridão, estes discutem entre si se as luzes que estão a ver serão uma ilusão provocada pela fome e a desidratação.

John Kennedy liberta-se dos pesados sapatos e deixa-os cair para o fundo do mar, convencido de que sem aquele peso con-seguirá nadar com mais facilidade. Mas não. Continua a afastar--se cada vez mais Pacífico adentro. Por muito que se esforce, a corrente empurra-o em sentido contrário. Por fim, para de se debater. Sozinho na escuridão, com o corpo frio e um turbilhão de pensamentos conflituantes no espírito, Kennedy boia inerte. É um homem enigmático. Não obstante a sua reputação de levar para a cama todas as raparigas que consegue, foi criado no seio de uma família católica. Nos últimos meses, a sua fé fraquejou, mas agora volta a ser-lhe preciosa. Apesar de a situação parecer impossível, Kennedy mantém a esperança.

E nunca larga o farol de navegação.

✳ ✳ ✳

Kennedy boia durante toda a noite, tão só e impotente quan-to um homem pode estar. A pele dos seus dedos enruga-se, o corpo arrefece ainda mais.

Mas não chegou a sua hora de morrer. Ainda não. Ao nascer do sol, Kennedy apercebe-se, estupefacto, de que a mesma cor-rente que o empurrou para o mar alto deu meia volta e tornou a colocá-lo no ponto de partida. Volta a nadar são e salvo para junto dos seus homens. Após horas como um sinal na escuri-dão, o farol acaba finalmente por se extinguir.

Os dias passam. Kennedy e os seus homens sobrevivem alimentando-se de caracóis e lambendo a humidade das folhas. Dão à sua nova morada o nome de ilha das Aves, tal a abundância de guano que reveste a copa das árvores. Por vezes apercebem--se de combates de aviões travados lá no alto, mas não chegam a avistar um avião de busca e salvamento. Na verdade, enquanto

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eles lutam pela sobrevivência, os seus camaradas de armas das lanchas PT realizam um serviço fúnebre em sua honra.

Ao fim de quatro dias, Kennedy convence George Ross, de Highland Park, Illinois, a tentar nova travessia a nado com ele. Desta vez dirigem-se a uma ilha chamada Naru, onde é bem possível que venham a encontrar soldados japoneses. Mas, por esta altura, com os corpos torturados pela fome e pela sede, a captura começa a ser preferível a uma morte certa.

A travessia dura uma hora. Em Naru, dão de caras com uma barcaça inimiga abandonada e veem dois japoneses fugir aos re-mos de uma canoa. Kennedy e Ross revistam a barcaça à procura de mantimentos e encontram água e biscoitos de bordo. Des-cobrem também uma pequena canoa. Passam o dia escondidos, após o que Kennedy deixa Ross em Naru e rema na canoa mo-nolugar para a passagem de Ferguson. Já sem o farol de navega-ção ou qualquer outro meio para fazer sinal a uma PT que por ali passe, JFK está agora desesperado, corre riscos irrefletidos. Con-tudo, apesar das escassas probabilidades, consegue sobreviver a mais uma noite e regressar para junto dos seus homens.

Por fim, recebe uma boa notícia. Os homens que tomou por soldados japoneses eram, afinal, habitantes locais. Tinham avis-tado Kennedy e Ross e depois remado ao encontro dos tripu-lantes da PT-109 para os avisar da presença de forças japonesas naquela zona.

Kennedy encontra-se com os ilhéus na manhã seguinte, quando a sua canoa se afunda na viagem de regresso a Naru. Esses experientes homens do mar surgem vindos do nada para o resgatar das águas do Pacífico e o levar são e salvo até George Ross. Antes de eles voltarem a partir, Kennedy grava uma men-sagem na casca de um coco caído: «ilha nauro... Comandante... nativo sabe posição... pode guiar... 11 vivos... preCisa embarCa-ção pequena... kennedy.»

Com a críptica mensagem na sua posse, os nativos tornam a partir.

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A noite cai. Chove com intensidade. Kennedy e Ross dor-mem debaixo de um arbusto. Têm as pernas e os braços incha-dos devido às picadas dos mosquitos e aos arranhões dos corais. Os ilhéus mostraram-lhes onde está escondida em Naru uma outra canoa, e Kennedy insiste com Ross para que remem uma vez mais para o mar alto à procura de uma PT.

Mas agora o Pacífico está tudo menos sereno. A chuva tornou--se torrencial. As ondas têm dois metros de altura. Kennedy dá ordem para regressarem, mas a canoa vira-se. Os dois homens agarram-se à embarcação voltada e, batendo as pernas com toda a força, tentam guiá-la em direção a terra. Ondas gigantescas fus-tigam o recife. Kennedy é arrancado da canoa. A força da água mantém-no submerso e fá-lo rodopiar. uma vez mais, acredita que está prestes a morrer. Mas, quando tudo parece perdido, consegue vir à tona para respirar. Debate-se com as ondas até alcançar o recife. Ross está ali perto, vivo. Sob a chuva inclemen-te, escolhem cuidadosamente o caminho até à praia por entre os corais pontiagudos, voltando a rasgar os pés e as pernas. Desta vez Kennedy não pensa em barracudas, apenas em sobreviver. Demasiado exaustos para se preocuparem em ser vistos pelos japoneses, deixam-se cair na areia e adormecem.

John Kennedy não tem mais soluções. Fez tudo o que podia para salvar os seus homens. Não pode fazer mais nada.

Como numa miragem, acorda e vê quatro nativos especados diante dele. O sol está a nascer. Ross tem os membros horrivel-mente desfigurados pelas feridas que fez nos corais. um dos braços inchou e está do tamanho de uma bola de râguebi. O corpo do próprio Kennedy começa a ceder às infeções.

«Tenho uma carta para si», diz um dos nativos num inglês perfeito.

Incrédulo, Kennedy senta-se e lê a missiva. Os nativos leva-ram o seu coco até um destacamento de infantaria neozelandesa

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escondido nas proximidades. A mensagem é do respetivo oficial chefe. Kennedy, lê-se no bilhete, deve deixar que os ilhéus o conduzam a porto seguro.

John F. Kennedy é pois colocado no fundo da canoa, coberto com frondes de palmeira para o esconder dos aviões japoneses e levado até um local oculto na ilha de Nova Geórgia. Quando a canoa se aproxima de terra, um jovem neozelandês emerge da selva. Kennedy sai do seu esconderijo e desce da canoa. «Como está?», pergunta o neozelandês num tom formal. «Sou o tenente Wincote.» Pronuncia a sua patente à maneira inglesa.

«Viva. Eu sou o Kennedy.» Os dois homens trocam um aper-to de mão. Wincote aponta com a cabeça na direção da selva. «Venha até à minha tenda tomar uma chávena de chá.»

Kennedy e os seus homens não tardam a ser resgatados pela uS Navy. E assim se conclui a saga da PT-109. A lenda da PT- -109 vai agora nascer.

✳ ✳ ✳

Há ainda outro incidente que influencia o percurso de Kennedy até à Sala Oval. O seu irmão mais velho, Joe, não é tão afortunado a enganar a morte. O bombardeiro Liberator ex-perimental que pilotava explode nos céus de Inglaterra a 12 de agosto de 1944. Não há corpo para sepultar nem qualquer re-cordação da tragédia para colocar na secretária de JFK. Mas a explosão assinala o momento em que John F. Kennedy ingres-sou na política e iniciou o percurso rumo ao poderoso cargo que agora ocupa.

✳ ✳ ✳

Menos de seis meses após o fim da guerra, John Fitzgerald Kennedy é um dos dez candidatos às primárias democratas do Décimo Primeiro Distrito Eleitoral de Boston. Os políticos

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veteranos e os chefes de circunscrição dessa cidade profunda-mente militante não lhe atribuem qualquer hipótese de vitória. Mas JFK estuda cada uma das circunscrições do distrito, delei-tando-se com o seu papel de derrotado à partida. Recruta um bem relacionado veterano da II Guerra Mundial chamado Dave Powers para o ajudar a dirigir a campanha. Powers, por direito próprio uma estrela política em ascensão, a princípio mostra-se relutante em ajudar aquele jovem magricela que se apresenta aos eleitores dizendo simplesmente: «Chamo-me Jack Kennedy. Sou candidato ao Congresso.»

Até que, em janeiro de 1946, numa noite fria de sábado, as-siste, atónito, ao momento em que Kennedy, de pé diante de um pavilhão da Legião Americana lotado, profere um magistral discurso de campanha. A ocasião é um encontro das Gold Star Mothers, mulheres que perderam os filhos na II Guerra Mun-dial. Kennedy fala apenas dez minutos, dizendo às senhoras ali reunidas o que o leva a candidatar-se. A assistência não conse-gue ver que as suas mãos tremem de ansiedade. Mas ouve as suas palavras bem escolhidas enquanto este lhes relembra o seu próprio historial de guerra e explica por que motivo o sacrifí-cio dos filhos foi tão importante, falando-lhes da coragem deles numa voz honesta e sincera.

Depois faz uma pausa antes de se referir lentamente ao seu irmão caído, Joe: «Acho que sei como se sentem todas as mães aqui presentes. É que, sabem, a minha mãe também é uma Gold Star Mother.»

As mulheres avançam para ele assim que o discurso termina. Com lágrimas nos olhos, estendem as mãos para tocar naque-le jovem que lembra a cada uma delas os filhos que perderam, dizendo-lhe que tem o seu apoio. É nesse instante que Dave Powers fica convencido. Lança-se ali mesmo ao trabalho em prol de «Jack» Kennedy, constituindo o núcleo daquilo que fica-rá conhecido como a «máfia irlandesa» de JFK. É Dave Powers quem utiliza a PT-109 como aspeto crucial da campanha,

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enviando aos eleitores uma reimpressão da história dessa noite de agosto de 1943 para mostrar a coragem altruísta de um jovem abastado em quem, de outra forma, alguns poderiam não estar inclinados a votar.

Graças à insistência de Dave Powers em tirar o máximo par-tido da história da PT-109, John F. Kennedy é eleito para o Con-gresso.

✳ ✳ ✳

Durante os seus primeiros meses como presidente, o coco em que Kennedy gravou a mensagem de salvamento é uma recorda-ção do incidente que o colocou no caminho para a Casa Branca.

E é também uma lembrança de que, em parte, JFK deve a sua Presidência ao apurado instinto político de Dave Powers. Este indivíduo alto e natural de Boston, cinco anos mais velho do que Kennedy, está ao seu serviço desde aquela noite de janeiro de 1946. Enquanto assessor especial do presidente, não é membro do Gabinete, nem sequer um conselheiro oficial — apenas um amigo muito chegado que parece adivinhar as necessidades do presidente e cuja companhia sempre leal JFK tanto preza. Powers foi descrito como o «bobo residente» da Presidência, e não deixa de ser verdade: as suas funções oficiais na Casa Branca são em grande parte sociais. Powers está disposto a fazer seja o que for por Kennedy.

Mas nem mesmo Dave Powers, com o seu notável instinto, tem como saber o significado desse «seja o que for» — tal como não pode prever que, assim como assistiu ao primeiro discurso político de John Kennedy, irá também assistir ao último.