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Nota Introdutória - Universidade de Coimbra · 2012. 8. 13. · Nota Introdutória Sessão Especial do Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC, ano lectivo de 2009-2010,

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Nota Introdutória

Sessão Especial do Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC, ano lectivo de 2009-2010, que decorreu sob o tema Economia Global e os Muros da Repartição do Rendimento

Celebrou-se no dia 12 último o Dia Mundial contra o

Trabalho Infantil.

O trabalho infantil é sobretudo um expressivo e violento efeito dos muros da repartição de rendimento e estes foram o tema do Ciclo Integrado de Cinema Debates e Colóquios na FEUC deste ano. Combater o trabalho infantil é, sobretudo e em primeiro lugar, combater a pobreza que lhe está subjacente ou, como se diz, num texto da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que será distribuído no Teatro Académico Gil Vicente, é combater a pobreza da política mais do que a pobreza em si mesma pois “muito frequentemente, é a pobreza da política realizada mais do que a própria pobreza em si que deixa as crianças à porta da escola e as empurra para o trabalho infantil”.

Em tempos difíceis como os de agora em que a política é mesmo pobre, desde os países desenvolvidos aos países em vias de desenvolvimento, em que em nome dos equilíbrios orçamentais em tempos de crise, que é a última descoberta do neoliberalismo, não se hesita em criar uma situação de austeridade à escala mundial que pode vir a colocar milhões de crianças em situação de pobreza, não quiseram a Comissão Organizadora do Ciclo e o Núcleo de Estudantes de Economia da AAC deixar de se associarem a este dia, a esta data, ao seu significado, projectando a 17 de Junho, no TAGV, o filme Os Herdeiros, de Eugenio Polgovsky, filme este que conta com o apoio da UNICEF. Associou-se a esta iniciativa a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que muito nos honra, que estará representada por Sofia Amaral de Oliveira.

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Certos, e de acordo com Juan Somavia, actual Director-Geral da Organização Internacional do Trabalho, de que atravessamos tempos difíceis, de que a “época que vivemos põe os nossos valores e os nossos empenhamentos à prova. [Certos de que] os progressos são frágeis, [certos de que] os países também estão frágeis perante os conflitos endémicos e perante as catástrofes naturais. [Certos de que] devemos reencontrar a lucidez, a motivação e a coragem necessárias para empreender as mudanças que transformarão a existência das crianças e as suas famílias”, certos de que a sensibilização das pessoas perante a existência do trabalho infantil é parte essencial para a eliminação desta tragédia, queremos pois com esta sessão associarmo-nos às campanhas que por todo o mundo foram realizadas.

Será distribuído o relatório global da OIT sobre o trabalho infantil no mundo, numa edição em língua portuguesa e editado por esta mesma organização. Adicionalmente será distribuído gratuitamente um pequeno caderno de textos de apoio com textos ligados à temática do filme, textos da UNICEF, uma reportagem sobre a extracção de carvão na Índia com gente de pequenas mãos e de muitos calos da vida sentida que nos dão à escala de um ponto, na Índia, o que é a globalização, num mundo sem lei e onde a lei quando é aprovada não é para ser aplicada. O trabalho infantil é proibido na Índia mas quem controla? Apenas 3 fiscais para toda uma região, onde trabalham milhares de crianças, três agentes que nem sequer carro têm! Curiosamente, encontrámos uma realidade semelhante em Espanha, na região de Almeria, a ausência de fiscais para garantirem o respeito pelas leis laborais, e essa mesma ausência encontrámo-la também numa situação semelhante, nas sweatshops em Los Ângeles. A questão é: o que há de comum entre estes sítios tão distantes? De comum, existe a pressão constante para a minimização do papel de regulação do Estado e para a redução dos custos, quaisquer que sejam os meios para essa mesma descida, que se transforma assim em finalidade do sistema. Mas se passarmos deste plano, para o plano dos textos da UNICEF e para os mais recentes do Banco Mundial sobre a pobreza é claro que a política aberrante da privatização do ensino em zonas menos desenvolvidas que foi

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seguida nestes últimos anos é neles vista como um absurdo, um absurdo que é meio caminho para colocar milhões de crianças a perderem o direito de serem crianças, a colocá-las às portas das fábricas, das minas, dos campos. Mas esta privatização do ensino faz parte do pacote de medidas que a OMC tem defendido. É tempo para reflexão e também certamente para recuo nesta matéria quanto a privatizações. É desta questão que os textos da UNICEF nos falam. Aventuremo-nos um pouco mais e olhemos para o que se passa quanto às pequenas mãos daqueles que são deixados para trás, os “those left behind”, na primeira potência mundial em termos de indústria transformadora e em termos de exportações, a China. Olhemos então para os filhos dos principais actores do forte crescimento económico chinês, os migrantes internos, emigrantes no próprio país, olhemos para os cerca de 70 milhões de crianças left-behind de onde sai a maior massa dos abandonos escolares, de onde sai, então, a maior massa de trabalho infantil. Vejamos dois pequenos textos que em si-mesmos encerram dois profundos comentários:

1. De um pai: Her marks were not good in school. I felt that our family was paying so much money and the marks were no good, so it was better for her just not to go to school, and earn a little money to share the family burden. Her marks were not good and also she didn’t want to go to school anyway.

2. De uma autoridade chinesa responsável pela educação em Hebei: Rural parents believe that students attend school in order to get into university, and that going to university is the only way out. If their child is not doing well and is unlikely to get into university, there is a good chance they will drop out in middle school. Because if their child cannot get into university, why should they attend high school? Why should they spend that money? Then, if they don’t need to attend high school, why should they stay in middle school until graduation? Add to that the child’s poor marks,

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and their own reluctance to carry on in middle school, the parents feel that since they can’t get into university anyway, they might as well drop out and go to work to earn some money. Não é apenas uma questão de pobreza que está por detrás do trabalho infantil, é uma questão mais global, é uma questão de sistema que se descortina por detrás destes dois pequenos excertos, de um sistema que desvaloriza o papel regulador do Estado sobre todos os mercados, que desvaloriza o trabalho, de um sistema que gera a pobreza e que dela se alimenta, acrescente-se, é então uma questão de pobreza da política. É a partir daqui que a problemática do trabalho infantil deve ser encarada, a exigir dura intervenção do Estado quer pelo lado da oferta quer pelo lado da procura de trabalho infantil, mas isto é uma tarefa gigantesca a exigir outro modelo de política, de visão de sociedade. Mas se assim é, e admitimos que assim seja, passamos em seguida a analisar na mais rica economia do mundo o significado económico de uma criança cair numa situação de pobreza, passamos a analisar, por consequência, os custos económicos da crise vistos agora nas marcas a deixar no futuro por cada criança que é afundada numa situação de pobreza, enquanto criança, hoje. E a análise tem tanto de sério como de assustador, sobretudo face às medidas que se anunciam de se privilegiar exclusivamente o presente como se as sociedades deixem de ter horizonte temporal. Que se fechem escolas, porque têm poucos estudantes, que se fechem estações de correio, porque têm pouca gente, que se reduzam os internamentos hospitalares, para se reduzirem os riscos de infecções, que se aumentem o número de alunos por turma, para que se aumente o rendimento por unidade de custo, que se aumente o tempo de permanência na vida activa, porque o trabalho dá saúde, que se reduzam os mecanismos de protecção social, porque a crise já passou, que se aumente a precariedade, porque a necessidade aguça o engenho, tudo, mas tudo, converge para um fim que é o de reduzir a função do Estado quer como regulador, quer como agente activo, quer ainda como agente redistribuidor. Ora o estudo que aí iremos

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publicar mostra o percurso inverso, mostra que se não queremos defraudar o futuro, as gerações futuras, temos que nelas investir e bem no presente. O custo futuro da pobreza é aí analisado com rigor, a mostrar que o caminho a seguir tem que ser o inverso daquele que agora nos querem impor, porque os neoliberais de todos os quadrantes descobrem agora que o crescimento depende do equilíbrio orçamental, que com as receitas a diminuir relativamente ao rendimento possível, o mesmo é dizer com as despesas sociais relativamente a diminuírem, haverá mais crescimento, mais emprego. Mas esta sequência levará inexoravelmente muitas crianças para a situação de pobreza e é para alertar contra essa filosofia que o texto é publicado, mostrando os pesados custos no futuro contra os fracos ganhos no presente de um qualquer governo e de um qualquer orçamento equilibrado. É por esta razão que neste contexto se analisa a situação de pobreza na infância, quando esta é também a característica do trabalho infantil que agora está em discussão. Textos da UNICEF

1. Dia mundial contra o trabalho das crianças: é imperativo enfrentar as piores formas de exploração

UNICEF: a educação das raparigas é uma das chaves do problema

GENEBRA, 12 de Junho de 2009 - Por ocasião do décimo aniversário do Dia mundial contra o trabalho das crianças, a UNICEF junta-se aos seus parceiros para apelar a que se intervenha contra a pobreza subjacente que está na origem do trabalho infantil. A melhoria no acesso a uma educação de qualidade, em especial para as raparigas das regiões pobres e rurais, é um elemento chave na via global e eficaz para enfrentar este grande problema.

Uma grande parte de cerca de 100 milhões de raparigas utilizadas no trabalho infantil um pouco por toda a parte no mundo, executa o mesmo

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trabalho que os rapazes, mas enfrentam frequentemente muitas outras tarefas e correm maiores riscos. Além disso, as raparigas são frequentemente expostas a algumas das piores formas de trabalho infantil,

obrigadas a trabalhar ao abrigo dos olhares, para lá dos muros das fábricas, dos campos e por fim por detrás das portas dos seus próprios lares.

“Muitíssimas raparigas fazem os mesmos trabalhos que os rapazes, na agricultura ou nas fábricas, mas além disso passam longas horas não pagas a trabalhar em casa ou noutros lugares”, constata Susan Bissell, dirigente da Protecção da Criança na UNICEF. “O que as pessoas não vêem, são as tarefas domésticas de que são encarregadas noutras casas - o que as expõem a outros perigos”.

Factores culturais e socioeconómicos entram em jogo no momento em que uma família decide enviar ou não as suas filhas para a escola. As raparigas, em especial quando chegam à puberdade, podem igualmente ser limitadas por outros factores, como por exemplo ter que efectuar uma caminhada por sítios perigosos para ir à escola, ou pela falta de recursos de água potável ou de instalações sanitárias nos estabelecimentos escolares.

A Organização Internacional do Trabalho considera que as piores formas de trabalho infantil compreendem práticas como a venda ou o tráfico de crianças, o recrutamento forçado de crianças soldados, a utilização ou a oferta de crianças para prostituição ou para fins pornográficos assim como a utilização, a compra ou a oferta de crianças para actividades ilícitas ou qualquer outra actividade susceptível de prejudicar as crianças.

O relatório mundial da OIT sobre o trabalho das crianças afirma que em 2004, 126 milhões de crianças trabalhavam em condições que punham em perigo a sua segurança, a sua saúde e o seu desenvolvimento. As crianças mais exploradas são frequentemente as que são mais vulneráveis - raparigas, órfãos, crianças das minorias étnicas e crianças das ruas, todos eles constituem a maioria das crianças que não vão à escola.

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“A educação oferece um ambiente seguro às crianças mas quando uma família deve escolher entre a escolarização dos seus filhos ou a das suas filhas são, frequentemente, as raparigas que perdem, afirma Bissell. A melhoria da escolarização das crianças das comunidades pobres, o estabelecimento de programas educativos flexíveis e correctamente financiados destinados às crianças que trabalham e a outras crianças marginalizadas, a supressão das despesas de escolaridade no ciclo primário, são alguns dos meios necessários para remediar às situações que favorecem o trabalho das crianças”.

Em 2000, a UNICEF, IKEA e o Governo indiano criaram uma parceria para se atacarem as causas profundas do trabalho das crianças na região da Índia, onde são confeccionados grandes quantidades de tapetes. O programa então criado em 500 aldeias da região oriental do Uttar Pradesh, permitiu a 80.000 crianças não escolarizadas obterem uma formação escolar. Depois, IKEA e a UNICEF esforçam-se por alargar a cobertura de modo a atingir outras regiões de manufactura de tapetes e de artigos de metal no Uttar Pradesh e nas regiões de produção de algodão de Andra Pradesh.

Os progressos obtidos nestes últimos anos para melhorar o acesso das crianças à educação e fazer recuar o trabalho das crianças, poderiam ser comprometidos pelo impacto da crise económica e financeira mundial actual, que representa igualmente um obstáculo aos seus futuros progressos. Se numerosos países atingirem o Objectivo do Milénio para o Desenvolvimento relativo à educação primária universal, muitos outros, em especial na África Subsariana, registam taxas de frequência nas escolas primárias e secundárias que continuam a ser muito fracas.

Está-se igualmente ainda longe de atingir o objectivo da eliminação das disparidades entre sexos na educação primária e secundária. A UNICEF sublinha que todas as crianças - incluindo as raparigas - têm direito à educação. As raparigas que têm beneficiado do ensino escolar têm mais possibilidades de evitar a pobreza e de conseguir que os seus próprios filhos irão receber ensino escolar , o que contribuirá para evitar o trabalho

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infantil no futuro. Este ano assinala igualmente o 20ª aniversário da Convenção relativa aos direitos da criança.

2.Texto de Amy Bennett

Correspondente da UNICEF

NEW YORK, Estados Unidos, 12 de Junho 2008

O Dia mundial contra o trabalho infantil insiste na importância do direito de cada criança à educação

As Nações Unidas escolheram o dia 12 de Junho como Dia mundial contra o Trabalho infantil . Celebrado anualmente, este dia tem por objectivo aumentar a sensibilização para o ciclo de pobreza que se cria quando as crianças têm que trabalhar, privando-se assim, de possibilidades de ensino.

A UNICEF considera que há 158 milhões de crianças com menos de 15 anos através do mundo que são apanhadas pela armadilha do trabalho. A grande maioria destas crianças tem pouca esperança em obter uma formação escolar ou de se desembaraçar da carga de analfabetismo que compromete o seu futuro.

A educação é um direito fundamental para todas as crianças. A eliminação de tudo o que incentiva as crianças a trabalhar é um elemento capital para a sua escolarização ao lado de programas escolares ao alcance de todas as bolsas e adaptados às crianças.

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Quando as crianças não podem escolher

Na República Democrática do Congo, na província do Katanga, uma habitante da região vai dia após dia, para o centro de exploração mineira de Ruashi onde trabalha lado a lado com o seu filho.

“Gosto deste trabalho porque me permite sobreviver,” diz. “Não gosto de ver as minhas crianças trabalharem aqui mas de momento não podemos escolher. Espero que quando tivermos mais dinheiro, as crianças possam sair daqui. »

Sobre o local, um agente para a protecção dos jovens, Chrisante Kyondwa, explica: “ As condições no meio mineiro comportam muitos perigos e riscos para as crianças. Há crianças que começam a trabalhar às oito horas da manhã e terminam à três horas da tarde. É um trabalho difícil que tem repercussões enormes sobre a saúde das crianças. »

As consequências da abolição das despesas de escolaridade

Até agora, a UNICEF ajudou 500 crianças das minas de Ruashi a retomarem o caminho da escola. A nível mundial, o número de crianças não escolarizadas reduziu-se, passando de 115 milhões em 2002 para 93 milhões em 2006.

Uma das razões destes bons resultados tem a ver com os novos programas destinados a diminuir os custos da escolarização, tornando-o mais acessíveis a mais crianças. Por exemplo, o Programa para a abolição das despesas de escolaridade, lançado pela UNICEF e o Banco Mundial em 2005, ajuda os governos instaurar programas de eliminação das despesas de escolaridade.

Além disso, observa-se um aumento de 5% das taxas de escolarização e de retenção nos alunos de onze países da África do Oeste, principalmente

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graças à distribuição de material pedagógico básico. Quando as famílias desfavorecidas deixam de precisar de ter o dinheiro necessário para a compra de material escolar, têm mais tendência a mandar os seus filhos para a escola.

Paralelamente, no Afeganistão, o desenvolvimento de um programa local para as escolas permitiu a construção de 3.000 estabelecimentos para 140.000 crianças em aldeias isoladas.

Lutar contra o trabalho das crianças etapa por etapa.

Mas milhões de crianças continuam a serem exploradas em condições perigosas, nas minas, a trabalharem com produtos químicos e pesticidas no sector da agricultura, a manipularem instrumentos perigosos ou a trabalharem como empregados domésticos.

Um dos alvos dos Objectivos do Milénio para o Desenvolvimento consiste em assegurar que, daqui até 2015, todas as crianças terão um ciclo completo de ensino primário e que as raparigas, assim como os rapazes, terão à sua disposição as mesmas possibilidades em obter formação escolar.

Várias medidas importantes devem ser tomadas para atingir estes objectivos. Entre estas está a instalação para todos de um ensino livre e obrigatório - incluindo a eliminação das barreiras que impedem a educação das raparigas - e da existência de locais onde as crianças possam aprender com toda a segurança. Etapa por etapa, é necessário fazer passar as crianças do mundo do trabalho para a sala de aulas.

TEXTO de IPEC

(Programa Internacional para a eliminação do Trabalho Infantil)

Dia mundial - 12 de Junho de 2010: Direitos ao objectivo… eliminar o trabalho infantil

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O Dia mundial de 2010 coincide com o campeonato mundial de Futebol na África do Sul. A expressão Direito ao objectivo é um cartão vermelho sobre o trabalho das crianças!

Juntem-se à estrela do futebol do Brasil, Robinho, e saia um cartão vermelho para o trabalho infantil!

A celebração, a 12 de Junho de 2010, do Dia mundial contra o trabalho infantil terá lugar um mês apenas depois da Conferência mundial sobre o trabalho infantil. Esta Conferência que se deve realizar na Holanda será um dos acontecimentos essenciais destes dez últimos anos. O Dia mundial contra ao trabalho infantil será a ocasião para oferecer às autoridades nacionais e locais a oportunidade de organizar actividades no âmbito da dinâmica criada pela Conferência mundial e de amplificarem assim o movimento mundial contra o trabalho infantil. Durante este dia, pedimos que:

� se redobre os esforços na luta contra as piores formas de trabalho infantil rapidamente.

� se intensifique os esforços a nível mundial, nacional e local de modo que as medidas de luta contra todas as formas de trabalho das crianças sejam parte integrante das estratégias para a redução da pobreza, a protecção social e a planificação da educação. � se reforce o compromisso político e social de luta contra o trabalho infantil com os parceiros sociais e a sociedade civil, actuando ambos com um papel de primeiro plano em matéria de actividades de promoção e de sensibilização.

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Milhares de crianças empregadas nas minas na Índia

Julien Bouissou, Le Monde, 12 de Junho Sobressaindo sobre os vales verdejantes do Meghalaya, no Estado do nordeste da Índia, as minas de Soo Quilo são consideradas como sendo o inferno. A longo da estrada que aí nos leva é necessário contornar camiões acidentados, capotados sobre a parte lateral, com o slogan “ A vida não é eterna " pintado sobre a carroçaria, ultrapassar outros carros avariados, com os eixos partidos ou com os pneus rebentados, e, por fim, metermo-nos por entre as nuvens. Na aldeia de Jowai, a lama substituiu o betume e as pequenas lojas vendem pouco mais que guarda-chuvas, pás, e álcool. Montinhos de carvão estendem-se a perda de vista numa terra despojada das suas árvores e da sua vegetação. As galerias subterrâneas são tão numerosas que o solo parece que abre fendas, como se vá rapidamente desmoronar-se. É aí que milhares de pequenas mãos extraem milhares de toneladas de carvão das entranhas da terra.

O trabalho das crianças é proibido na Índia. O país adoptou mesmo recentemente uma lei sobre a escolaridade obrigatória a partir da idade de 6 anos. Aqui, os adolescentes com idades entre os 14 e os 15 anos vêm também das regiões vizinhas, do Nepal e do Bangladesh . De acordo com a ONG Impulse Network, sediada em Shillong, a capital do Meghalaya, estas seriam mais de 70.000 a trabalhar nas negras galerias das minas, verdadeiros buracos de ratos. É por estes e pelos 15 milhões de crianças ainda sujeitos a trabalhos perigosos que a Organização Internacional do Trabalho organiza, sábado 12 de Junho, “o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil”, apelando à eliminação definitiva desta escravidão moderna.

Acocorados em redor de pântanos de água salobra, as crianças de Soo Quilo raspam as poeiras de carvão que lhes estão coladas na pele. Bejay Rai, adolescente que diz ter 17 anos mas parece bem mais jovem, forja os

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seus instrumentos sobre um fogo improvisado. “ Quero estar pronto para amanhã, quando quiser partir para o trabalho ", explica.

Nas minas, com excepção das gruas que puxam os cestos de carvão das galerias subterrâneas, não são as máquinas que fazem o trabalho. Homens e crianças custam mais barato. A partir da madrugada, todos descem uma pequena escada arranjada com bambu, deslizando e oscilando para conseguirem chegar a cerca de 70 metros debaixo da terra. Estes enfiam-se pelos buracos de ratos, uma lâmpada tocha à frente, arrastando com eles um carro com a dimensão de um caixão de criança.

Nas galerias estreitas, da amplitude dos seus fracos ombros, a respiração é rápida porque falta o oxigénio. Mas vale mais escavar sem parar porque aqui os mineiros são pagos pela quantidade de carvão extraída. Os pequenos braços recolhem 6 euros por dia, os mais velhos podem esperar ganhar até cerca de 13 euros. “ É muito comparado com o que se pode ganhar no Nepal ", reconhece Bejay Rai. Mas desde há oito meses que o adolescente chegou aqui, não conseguiu economizar uma rupia sequer. Aqui, alimento, álcool, jogo e prostitutas pagam-se caro. “Há mesmo droga que circula para ajudar a manter ", testemunha Hasina Karbih, directriz da ONG Impulse Network.

Sundar Tamang, uma criança de 15 anos de corpo fraco, tem já as mãos cheias de calos de um trabalhador de vários anos. Fugiu à sua família, no Nepal, há seis meses, pensando que “o dinheiro crescia nas árvores " nas colinas de Jainta, aí onde se formiga de minas, como a de Soo Quilo. Espera juntar os 150 euros que pediu emprestados junto do intermediário que o trouxe até aqui, para voltar para a sua aldeia. Sundar Tamang sabe que ainda vai ter que trabalhar longos meses ou talvez menos, se decide ir procurar carvão nas galerias profundas. Nestas, onde a morte está próxima mas onde os salários são mais elevados.

Às vezes um cesto cai, esmagando os homens no fundo da mina. Outros morrem sob o desabamento de galerias ou se afogam quando a chuva das

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monções chega por surpresa e inunda os buracos de ratos. Alguns sobrevivem mas os corpos permanecem debaixo da terra. Se as vítimas forem identificadas e o gerente for generoso, as despesas de repatriamento dos corpos são por ele assumidas. Se os cadáveres continuam a ser anónimos, acabam enterrados num pequeno pedaço de terra nos arredores que a comunidade nepalesa comprou.

“ Nas minas, a morte está quase colada à vida, e depois corta-lhe o passo ", diz um mineiro. Os feridos graves têm pouca possibilidade de sobreviver, com o primeiro hospital a ficar a três horas de caminho por estrada e o médico mais próximo só tem aspirina e compressas para poder fornecer. Todos pensam na morte, sobretudo as crianças. “Tenho medo de morrer com falta de ar quando desço, e isto faz-me sentir com dores de barriga, mas imagino que nos devemos habituar ", diz um adolescente, que não ousa ainda descer todos os dias.

Os gestores lá estão para fazer esquecer o medo, fixando objectivos precisos de produção. Purna Lama, fato às riscas e capacete americano que lhe cai sobre os olhos, prefere empregar adultos. “Questão de produtividade “, explica. Tem os seus próprios métodos: “Se os mineiros atingem os seus objectivos, dou-lhes um pato, dou-lhes alimentos gratuitamente para uma semana, um rádio-despertador ou um relógio. “

Outros preferem reduzir os custos recrutando crianças. “São menos produtivos mas interessam-me para certas tarefas", confessa um deles, que prefere continuar anónimo. O homem vai às aldeias da Assam, um Estado vizinho, recrutar as crianças junto das suas famílias. Em troca, dá aos adultos 30 euros, que exigirá de volta se alguma vez o seu filho deixar de trabalhar.

Mas como é que se explica que as minas não sejam fechadas devido ao trabalho ilegal das crianças? “Os seus proprietários são, na sua grande maioria, os mesmos que votam as leis no Parlamento regional ", suspira Patricia Mukhim, directora do jornal local The Shillong Times.

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Os inspectores do trabalho? São sete para todo o Estado do Meghalaya e nem sequer possuem viatura. A polícia? “Está tanto longe que se um trabalhador é linchado, terá morrido muito tempo antes da sua chegada ", ironiza Purna Lama.

O carvão sai das minas por milhões de toneladas mas o dinheiro chega a conta-gotas. “Os ricos proprietários não reinvestem o dinheiro, preferem comprar automóveis ou construírem casas", explica Wonderful Shullai, que possui minas. Wonderful, botas de vaqueiro nos pés e blusão de ganga sem mangas , explica que vive modestamente. E os mais ricos? “Lançam-se na política, isso rende muito uma vez que se é eleito, e depois, isso protege ", afirma .

Em Meghalaya, a lei sobre a exploração das minas nunca foi votada pelo Parlamento. O carvão das minas de Jainta Hills faz funcionar as fábricas de cimento dos arredores, aquece milhares de lares, mas em Jowai, não serve de nada tudo isso. As paredes das suas barracas são feitas com as chapas metálicas de bidões de óleo pregados uns sobre os outros. “É um inferno do qual não se sai facilmente ", explica um antigo mineiro. Ele libertou-se, vendendo, em Jowai, bilhetes de autocarros para o Nepal: “Muitos voltam, dizendo que a mina era o paraíso. Prefere-se guardar o inferno para si próprio e salvar a sua honra. “

Julien Bouissou, Des milliers d’enfants employés daans les mines en Inde, Le Monde, 11 de Junho de 2010.

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O custo de nada fazer

Michael Linden

SÍNTESE

Os Estados Unidos estão agora numa situação em que muitos prevêem que será uma recessão muito grave. A turbulência económica deste tipo é susceptível de ter consequências de longo alcance que não estão pois limitadas a um futuro imediato. As recentes estimativas são de que, em resultado da desaceleração económica, cerca de 2,6 a 3,3 milhões de crianças irão cair numa situação de pobreza. Permitir que estas crianças caiam na situação de pobreza irá levar a que se crie um obstáculo significativo a longo prazo para a economia americana. De facto, um acréscimo de 3 milhões de crianças às fila dos "pobres ", significaria uma perda económica global de pelo menos 1,7 milhões de milhões de dólares durante a vida dessas crianças. Isso equivale a uma perda anual de cerca de 0,27% do PIB, ou seja de 35 mil milhões de dólares por ano. Esta análise é baseada em estimativas anteriores dos custos agregados da pobreza na infância, incluindo os efeitos da pobreza infantil relativa à redução dos ganhos durante a vida e aos custos em saúde. Especificamente, os estudos sugerem que as crianças que passam mais da metade de sua infância em situação de pobreza vêm a ganhar, em média, 39% menos que o rendimento mediano. Além disso, uma criança pobre perde cerca de um quarto de milhão de dólares de "qualidade em custos de saúde" ao longo de sua vida. Ao agregar estes efeitos de longo prazo dos milhões adicionais de novas crianças pobres podemos obter uma estimativa inicial dos custos económicos ao permitir que este volume adicional de crianças se venham a tornar crianças pobres durante esta recessão.

Finalmente, por causa das consequências negativas que resultam da pobreza na infância serem particularmente graves para as crianças que passam um grande número dos seus primeiros anos em situação de pobreza, é importante investigar se a pobreza induzida pela recessão é persistente ou

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"apenas" temporária. Uma análise dos dados do estudo do painel da dinâmica dos rendimentos revela que mais de metade das crianças que caem na pobreza durante as recessões tendem a permanecer em situação de pobreza pelo menos durante algum tempo depois do fim da recessão. Na verdade, cerca de um quarto das crianças que sofrem de pobreza induzida pela recessão vai gastar pelo menos metade do seu tempo de infância restante em situação de pobreza. Porque a pobreza induzida pela recessão é, pelo menos, bastante persistente entre as crianças, e porque sabemos que o alongamento da situação de pobreza durante a infância leva a custos económicos no longo prazo, podemos concluir que existe uma material e comensurável vantagem económica para agir agora , de modo a evitar que dispare a taxa de pobreza infantil. No fundo, se formos capazes de simplesmente manter a actual taxa de pobreza infantil, a economia americana irá beneficiar de pelo menos 1,7 milhão de milhões de dólares durante as próximas décadas.

INTRODUÇÃO

Recentemente, o National Bureau of Economic Research calculou que a economia americana deixou de crescer e que caiu em recessão no início em Dezembro de 20071. Isto significa que vinha a passar por uma contracção a nível da economia durante mais de nove meses, mesmo antes do colapso do Lehman Brothers ter provocado uma crise aguda. Agora, cerca de um ano depois de ter entrado em recessão sem se ver claramente o fim do túnel, o governo federal centra a sua atenção na tentativa de simultaneamente acalmar os mercados financeiros agora nervosos e de impulsionar o conjunto da economia com um amplo pacote de estímulos orçamentais. Grande parte da discussão em torno de um programa de potenciais gastos do governo americano para melhorar a economia tem estado concentrada em investimentos que forneçam simultaneamente um impulso imediato e preparem o caminho para que haja                                                             1 http://wwwdev.nber.org/cycles/dec2008.html

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mais crescimento económico a prazo. Aqui tem havido pouca discussão, no entanto, sobre o impacto desta crise económica sobre o desenvolvimento a longo prazo do mais importante recurso de que dispõe a nossa nação: o seu capital humano.

Não há dúvida de que todas as recessões, mesmo as menos severas do que a que estamos agora a sofrer , têm um impacto comensurável sobre a força de trabalho actual. Naturalmente, as recessões estão associadas com um aumento significativo nas taxas de desemprego a partir das quais se leva geralmente, vários anos a recuperar. O aumento do desemprego significa uma perda de rendimento e mais ainda de perda de experiência. Por exemplo, há indícios de que a economia ainda está a sofrer de uma perda de rendimentos devido a que durante a recessão os recém-licenciados terem vindo recentemente para o mercado de trabalho e terem encontrado uma mercado muito em baixa relativamente aos níveis de formação de que eram portadores .Os prejuízos, esses podem levar uma década a recuperar 2 .

Mas há um outro aspecto nas recessões que é muitas vezes ignorado, e que é o impacto a longo prazo sobre o crescimento económico que decorre do aumento da pobreza na infância que sempre acompanha uma prolongada recessão económica. De acordo com um relatório recente divulgado pelo Center on Budget and Policy Priorities (CBPP), as três últimas recessões viram aumentar significativamente a pobreza infantil. Isso não é surpreendente dado que os elementos mais vulneráveis da sociedade são geralmente aqueles que são os mais atingidos e durante muito tempo; e as crianças claramente fazem parte desta categoria. Na recessão do início dos anos 80, por exemplo, três e meio milhões de crianças caíram na situação de pobreza, levando a taxa de pobreza infantil a alcançar o espantoso valor de 5,9 pontos percentuais, ou seja um aumento de cerca de 36% sobre o nível precedente. As mais recentes recessões têm trazido com elas, embora de forma menos grave, o aumento da situação de pobreza infantil, com cerca de 2,6 milhões de crianças a caírem em situação de pobreza durante a

                                                            2 http://www.columbia.edu/~vw2112/papers/nber_draft_1.pdf.

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recessão do início dos anos 90, e 1,7 milhões durante a recessão que começou em 2001.

Usando as estimativas de aumento do desemprego e aplicando a relação entre as taxas de desemprego e as taxas de pobreza infantil a partir das três últimas recessões, o Center on Budget and Policy Priorities (CBPP) chega à conclusão de que na actual conjuntura económica a recessão vai levar a mais crianças pobres, entre 2,6 a 3,3 milhões de novas crianças em situação de pobreza3 .

O custo económico da pobreza

Naturalmente, os Estados Unidos têm um interesse moral em agirem de modo a evitar que estas crianças caiam na situação de pobreza, mas não é tão bem entendido que haja uma base material, um impacto económico comensurável pelo facto de se permitir que as crianças adicionais tenham que carregar o fardo da pobreza. É amplamente aceite que a pobreza, em todas as suas formas, tem um enorme custo económico. Um relatório divulgado pelo Government Accountability Office (GAO) no ano passado, sintetizou a literatura relevante sobre esta matéria e concluiu: "a análise mostra que a pobreza pode ter impactos negativos sobre o crescimento económico uma vez que afecta o processo de acumulação do capital humano e as taxas de criminalidade e de agitação social. 4" Mais ainda, o relatório do GAO sublinha que "estudos empíricos recentes começaram a demonstrar que as taxas mais elevadas da pobreza estão associadas a menores taxas de crescimento na economia como um todo. "Por exemplo, para Saura Dev Bhatta num artigo publicado em Journal of Urban Affairs                                                             3 Sharon Parrott . “Recession Could Cause Large Increases in Poverty and Push Millions Into Deep Poverty: Stimulus Package Should Include Policies to Ameliorate Harshest Effects of Downturn” Center on Budget and Policy Priorities. November 24, 2008. 4 Government Accountability Office. “Poverty in America: Economic Research Shows Adverse Impacts on Health Status and Other Social Conditions as well as the Economic Growth Rate.” Janeiro de 2007.

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de 2001 considera que as áreas metropolitanas dos Estados Unidos com as taxas mais elevadas de pobreza são as que têm tido um crescimento económico muito mais lento do que as áreas com menores taxas de pobreza5. Estudos como estes sublinham o facto de que a pobreza, como um todo, age como um travão sobre o progresso económico.

Se a pobreza, em geral, tem um efeito negativo sobre o crescimento, então, a pobreza infantil tem certamente um papel especial a desempenhar neste processo. Têm sido feitas várias tentativas para quantificar o custos económicos associados com a pobreza infantil. Há mais de uma década atrás, o Children's Defense Fund (CDF) publicou "Wasting America's Future: The Children's Fund Report on Costs of Children poverty. 6". Esta extensiva análise sobre a pobreza infantil e os seus efeitos estimou que os custos anuais associados com o futuro reduziram a produtividade do trabalhador e o emprego caiu entre 0,5% e 2,5% do GDP7. Este ano, isto representa uma perda entre 65 e 325 mil milhões de dólares resultante da redução da actividade económica. Esta análise para 1994 não leva em conta as perdas decorrentes dos efeitos de longo prazo da saúde sobre a pobreza, nem incluiu os custos da criminalidade que resultam da situação de pobreza na infância. No entanto, este relatório pioneiro demonstra claramente que a situação de pobreza infantil é mesmo muito real, e os seus efeitos para a nossa economia são comensuráveis em termos de futuro.

Mais recentemente, uma equipe de investigadores, sob os auspícios do Center for American Progress (CAP) considerou que os custos agregados                                                             5 S. Dev Bhatta. “Are Inequality and Poverty Harmful for Economic Growth?” Journal of Urban Affairs, 22 (3-4): 2001. 6 Arloc Sherman. “Wasting America’s Future: The Children’s Defense Fund Report on the Costs of Child Poverty.” Children’s Defense Fund. Beacon Press, Boston: 1994. 7 O relaatório estimava que os custos estavam situadis entre 36 mil milhões 177 mil milhões de dólares anualmente. Em 1994, ano em que o relatório foi publicado, o PIB dos Estados Unidos foi levemente acima dos 7 milhões de milhões. Consequentemente, em termos de PIB, o relatório estimava um efeito de 0.5% a 2.5%.

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para a economia actual da situação de pobreza na infância são cerca de 4% do PIB anualmente8. No seu texto de 2007 intitulado "Os custos económicos da situação de pobreza nos Estados Unidos: efeitos subsequentes das crianças que crescem pobres ", Harry Holzer et al., revêem a literatura relevante sobre a "média das relações estatísticas entre as crianças que crescem em situação de pobreza e os seus rendimentos, a propensão para cometer crimes e a qualidade de saúde mais tarde, ao longo da sua vida". Depois de estabelecer uma forte relação entre o crescimento da pobreza e estes resultados negativos, os autores, então, utilizando uma variedade de hipóteses clássicas, ligaram os prejuízos estimados associados com a perda de remunerações, com problemas de saúde, com a criminalidade numa estimativa global da custos para a economia americana resultantes da situação de pobreza na infância.

Embora a análise de Halzer e outros, seja preferível à análise anteriormente feita pelo Children's Defense Fund (CDF) devido a usar dados mais recentes assim como a inclusão da criminalidade e dos custos da saúde, os dois relatórios estão realmente em perfeita sintonia. Como se mencionou, o relatório CDF constatou que os custos económicos da situação de pobreza da infância estavam na faixa de 0,5% a 2,5% do PIB, tendo apenas em conta a produtividade negativa e um maior nível de desemprego que tem vindo a crescer nos mais pobres. O mais recente relatório do PAC estimou estes custos ao mesmo nível de cerca de 1,3% do PIB, um pouco inferior ao ponto médio da estimativa CDF's. Além disso, nos 13 anos que vão entre a publicação dos dois relatórios, a diferença entre as taxas de situação de pobreza na infância diminuiu pouco. Em 1994, a taxa de situação de pobreza infantil era pouco menos de 22%. Felizmente, essa taxa caiu de forma consistente durante toda a década de 90. Em 2000, a taxa de situação de pobreza na infância caiu para 16,2%. Nos últimos sete anos, no entanto, esta taxa começou a subir novamente, mas o nível de 2006 (17,4%) ainda era muito inferior ao de 1994. Não deve ser                                                             8 Harry J Holzer, Diane Whitmore Schnzenbach, Greg J. Duncan, Jens Ludwig. “The Economic Costs of Poverty in the United States: Subsequent Effects of Children Growing Up Poor.” Center for American Progress. 24 de Janeiro, 2007.

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surpreendente, portanto, descobrir que os custos da situação de pobreza na infância tinham diminuído ligeiramente entre 1994 e 2006. Na verdade, seria de esperar tal resultado. Contudo, apesar dos 12 anos que separam as duas análises, os autores chegaram a conclusões impressionantemente similares. Uma persistente situação de pobreza na infância representa uma significativa perda de actividade económica. Estes custos, que apenas têm em conta apenas a perda de rendimentos e a redução da produtividade, provavelmente ultrapassam 1% do PIB9.

Estimar os custos decorrentes da situação de pobreza na infância induzida pela recessão

Sabemos que a pobreza em geral, e mais especificamente a situação de pobreza na infância, dificulta significativamente o futuro crescimento económico. Sabemos também, como já mencionámos, que o Center on Budget and Policy Priorities estima que cerca de 2,6 a 3,3 milhões de crianças irão provavelmente cair na situação da pobreza na infância em resultado da actual turbulência económica. Se não fizermos nada para impedir que essas crianças venham a cair

                                                            9 É interessante notar que um estudo publicado recentemente sobre a situação de pobreza na infância no Reino Unido chegou a conclusões muito similares. Na verdade, o relatório elaborado por Jo Blanden, Hansen e Machin Stephen Kristine, intitulado "The GDP Cost of the Lost Earning Potential of Adults who Grew up in Poverty,” ", concluiu que os custos económicos associados a perdas de receitas resultantes da situação de pobreza na infância se situa entre 1% e 1,8% do PIB. O Reino Unido e os Estados Unidos têm níveis semelhantes de pobreza infantil, especialmente quando comparados com outros países desenvolvidos. No entanto, apesar da similaridade, é importante mencionar que o Reino Unido utiliza uma medida relativa da pobreza enquanto que os Estados Unidos utiliza uma medida em termos absolutos. Há provavelmente outras outras diferenças sociais e estruturais entre os dois países que tornam uma comparação directa destes estudos mais difícil. No entanto, as semelhanças são impressionantes.

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na situação de pobreza, quais são os prováveis custos a longo prazo para a economia americana? Utilizando as conclusões a partir de Holzer et al., podemos estimar o impacto económico de se permitir que estas crianças adicionais venham a cair em situação de pobreza na infância durante a recessão actual.

Conforme se disse, Holzer et al., distinguem três diferentes ramificações da situação de pobreza na infância : perda de rendimentos futuros, diminuição do tempo de vida com qualidade de saúde e aumento da propensão para comportamento criminosos. Eles atribuem à situação de pobreza na infância um custo anual equivalente a 1,3% do PIB decorrente da perda de produtividade e de rendimentos, 1,2% do PIB decorrente dos aumento em custos de saúde, e 1,3% do PIB, decorrente do aumento da criminalidade. Estas estimativas são baseadas, em grande medida, ou sobre as actuais taxas de pobreza ou de hipóteses de uma relativamente baixa situação de pobreza na infância no futuro (15%). Como é que estas estimativas mudam se tivermos em conta o aumento da situação de pobreza na infância, o que é provável vir a ocorrer se não fizermos nada para mitigar os efeitos da recessão actual?

Perda de rendimentos

Holzer et al., analisam uma ampla literatura sobre a mobilidade dos rendimentos e sobre os efeitos ao longo da vida de se ter crescido pobre e concluem que, em média, uma criança que passa a maior parte da sua infância em situação de pobreza vai obter, quando adulto, um rendimento 39% inferior ao rendimento mediano anual, enquanto uma criança que vive entre um quarto e metade da sua infância em situação de pobreza virá a sofrer uma redução nos seus ganhos inferior a metade da anterior . Estas conclusões, articuladas e combinadas com os dados apontam para que cerca de 10% de crianças americanas entre 1974 e 1994 viviam na situação de pobreza na infância pelo menos metade de sua infância e outras 8%

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sofreram durante um quarto da sua infância uma situação de pobreza o que leva a concluir que a perda bruta anual de rendimentos imputáveis à pobreza é de cerca de 2,1% do GDP10. Finalmente, os autores subtraem 40% a partir desta conclusão, afim de explicar a parte dos custos que consideram um produto da hereditariedade mais do que factores de meio social ambiente 11 . Então, três quintos de 2,1%, em seguida, geram uma estimativa final de 1,3% do PIB, como sendo o custo anual, como resultado de perda de rendimentos.

Esta estimativa é especialmente útil porque podemos facilmente calcular o impacto das taxas de pobreza mais elevadas. A metodologia de Holzer sugere, essencialmente, que um 1 ponto percentual de aumento na taxa de crianças que são sujeitas de modo persistente a uma situação de pobreza produz uma perda económica adicional de cerca de 0,09% do PIB. Da mesma forma, a 1 ponto percentual no aumento da taxa de crianças que vivem na situação de pobreza intermitente gera uma perda económica adicional de cerca de 0,045% do PIB.

Segundo a análise PPCB, entre 2,6 e 3,3 milhões de crianças vão cair na situação de pobreza como resultado da presente recessão. O Census

                                                            10 O cálculo exacto inclui ajustamentos para o facto de que que o rendimento mediano é cerca de 60% do rendimento médio e mais ainda, que os rendimentos são cerca de 65% dp PIB. Então a equação vem : (.098*.39*.60*.65) + (.08*.39*.5*.6*.65) = .0021 11 A utilização de 40% por Holzer é baseada no trabalho de Christopher Jencks and Laura Tach no seu artigo de 2006 “Would Equal Opportunity Mean More Mobility?” publicado em S. Morgan, D. Grusky e G. Fields eds. Mobility and Inequality: Frontiers of Research from Sociology and Economics. Stanford, CA: Stanford University Press. Ambos, Jencks e Tach assim como Holzer et al. sublinham que as suas estimativas são bastante grosseiras e que difrentes trabalhos produziram diferentes estimativas.Holzer deliberadamente utiliza 40%, contudo, Jencks e Tach são convincentes e até porque é o mais alto valor do espectro das estimativas sobre o papel da hereditariedade. Holzer escreve que “os 40 por cento podem bem estar para além do papel da hereditariedade para as famílias de baixo rendimento.”

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Bureau’s annual American Community Survey sugere que há cerca de 74 milhões de crianças nos Estados Unidos, o que significa que um aumento de 3 milhões de crianças em situação de pobreza é equivalente a um aumento de 4% na taxa global da situação de pobreza na infância12. Contudo, a análise de Holzer não é baseada na taxa total de pobreza, é baseado na taxa de crianças que vivem em situação de pobreza persistente e intermitente. Como se mencionou anteriormente, uma análise do Panel Study on Income Dynamics mostrou que 9,6% das crianças norte-americanas caíram na primeira categoria, e um valor adicional de 8% caiu na segunda13. Se esse padrão é válido para as novas crianças pobres, então cerca de metade destas crianças sofrem de situação de pobreza de modo persistente e a outra metade sofre de situação de produza de modo intermitente nós podemos esperar, no futuro, uma perda anual de aproximadamente 0,3% do PIB (veja abaixo para uma mais ampla discussão sobre a persistência da situação de pobreza induzida pela recessão) . Na economia de hoje, uma perda de 0,3% do PIB traduzir-se-ia num prejuízo de cerca de 39 mil milhões de dólares.

SAÚDE

De modo a poder estimar os custos com a saúde que resultam da situação de pobreza na infância, Holzer calcula dois custos distintos: aumento directo das despesas em saúde resultantes da situação de pobreza e diminuição do "capital em saúde". Holzer calcula que os custos da situação de pobreza na infância para o país são de cerca de 26 mil milhões por ano, ou seja, cerca de 0,2% do PIB, em despesas adicionais de saúde, assumindo

                                                            12 O Census Bureau projecta cerca de 75 milhões de crianças em 2010, de modo que o crescimento da população não altera substaancialmente a taxa d epobreza nas crianças. 13 Rebecca Blank. “It Takes a Nation.” Princeton, NJ. Princeton University Press. 1997.

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uma taxa de pobreza nas crianças de apenas 15%14. No entanto, analisando estes custos , estes são os que resultam da redução da esperança de vida, de uma maior incidência de doença grave e geralmente de uma menor qualidade da saúde. De acordo com uma análise da literatura mais importante sobre esta matéria , Holzer et al., concluem que estes custos podem aproximar-se de um quarto de milhão de dólares, por criança, ao longo da sua vida. Estimando-se que 600 mil crianças nascem na situação de pobreza todos os anos (aqui, de novo, assume-se uma taxa de pobreza de 15%), Holzer calcula que esta diminuição do capital de saúde representa uma perda anual de 149 mil milhões de dólares, ou seja, cerca de 1,1% do PIB. Para os nossos objectivos, podemos considerar 3 milhões de crianças adicionais vão cair na situação de pobreza durante esta recessão como "recém-nascidos", que vão agora sofrer ao longo da sua vida, as consequências de terem vivido numa situação de pobreza durante a sua infância. Especificamente, cada uma destas crianças vai perder aproximadamente 250.000 dólares de capital em saúde, ao longo do decorrer das suas vidas. No total, isso equivale a uma perda total de quase 750 mil milhões. Se, em seguida, repartimos proporcionalmente estes custos ao longo de sessenta anos, o tempo de vida adulta aproximado destas crianças, os prejuízos anuais ascendem a cerca de 12,5 mil milhões, ou cerca de 0,1% do actual GDP15.

                                                            14 Embora a implicação clara é que estes custos aumentariam, com um aumento da taxa de pobreza infantil, infelizmente o artigo Holzer não nos dá nenhuma ferramenta para calcular em quanto aumentariam os custos com um aumento de 4% na pobreza. Portanto, devemos excluir esses custos integralmente, tendo presente que esta análise visa apenas a estimativa de um limite inferior dos verdadeiros custos associados ao facto de se permitir que estas crianças caiam na situação de pobreza. 15 A esperança de vida dos segmentos mais pobres da sociedade americana é de cerca de 75 anos. Entre os aglomerados de recursos económicos perto da mediana, a esperança de vida é de cerca de dois anos mais. Veja-se, por exemplo, Pierre, Robert. " Gap in Life Expectancy Widens for Nation.”, New York Times. 23 de Março de 2008.

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CRIME

Comparado com as suas estimativas sobre os rendimentos auferidos e os prejuízos de saúde, Holzer e sua equipa, utilizam uma metodologia significativamente diferente ao estimar o impacto da situação de pobreza na infância sobre os custos do crime. Em vez de começarem por determinar os custos que são atribuíveis a quem individualmente tenha vivido na situação de pobreza e, em seguida agregarem todas as crianças pobres, neste caso eles começam com os custos agregados para a sociedade de criminosos como resultado da actividade criminosa e procuram determinar a quota desse montante que resulta da situação de pobreza. Para os nossos objectivos, esta abordagem é mais complicada pelo facto de se ter que determinar os "custos do crime". Holzer situa-se numa definição relativa de "pobres", ao invés de uma definição absoluta (para estas duas categorias, Holzer parece usar aqui os conceitos habituais). Depois de uma análise sobre os trabalhos relevantes, Holzer calcula que cerca de 40% de todos os crimes são o resultado da pobreza. Aplicando esta taxa ao valor anual de cerca de 700 mil milhões que resultam dos "crimes de rua", e depois uma outra taxa de 40% resultante de factores hereditários e que não são o resultado do meio social, Holzer conclui que o "custo do crime" anual resultante da pobreza é de 170 mil milhões.

A via para se chegar a esta conclusão, infelizmente, não nos permite obter uma estimativa credível sobre os custos adicionais de crime que venham a ser o resultado de se permitir que 3 milhões de crianças venham adicionalmente a cair numa situação de pobreza. Holzer identifica uma parte do total dos custos do crime que vem da pobreza, mas não tenta desvendar como é que essa parte pode mudar se a pobreza aumenta ou diminui. Como resultado, apesar de podermos ter a certeza de que somar 3 milhões mais de crianças ao conjunto dos pobres terá, certamente, “custos de crimes” no futuro , teremos de deixar para os outros a tentativa de estimativa mais precisa dos custos acrescidos e portanto, a nossa estimativa

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final levará em conta apenas as despesas de saúde e as perdas de rendimentos.

A persistência da pobreza induzida pela recessão

Antes de concluirmos, é necessário avaliar se a pobreza induzida pela recessão deve ser tratada da mesma forma em termos de custos económicos de longo prazo tanto quanto a persistência da situação de pobreza na infância existe mesmo em períodos de crescimento. Holzer e sua equipa fizeram uma distinção, pelo menos, ao determinarem o valor da perda de rendimentos entre as crianças que passaram pelo menos metade de sua infância em situação de pobreza e aquelas que viveram pelo menos um quarto de sua infância em situação de pobreza. Na verdade, eles não fazem o cálculo para as crianças que só passam um a quatro anos de sua infância em situação de pobreza. Portanto, a fim de fazer uma estimativa razoável destes custos, é importante determinar a probabilidade de que as crianças que caem na pobreza durante esta recessão poderão aí continuar durante uma parte adicional significativa da sua infância.

Para responder a esta questão, realizamos uma análise dos dados do estudo do Panel Study of Income Dynamics (PSID). O PSID é um estudo longitudinal feito a nível nacional incidindo sobre cerca de 8.000 famílias americanas. Seguindo as mesmas famílias e os indivíduos desde 1968, o PSID recolhe dados sobre a situação económica, a saúde e o comportamento social. Essencialmente, ao seguir as crianças da amostra o programa PSID através dos diferentes altos e baixos económicos ao longo dos anos das suas vidas, pode dar uma melhor noção do que vai acontecer no futuro às crianças que caem na situação de pobreza durante as recessões. Fundamentalmente, queremos saber qual a probabilidade das crianças que vivem em situações de pobreza induzidas pela recessão continuarem a viver na pobreza mesmo depois do fim da recessão. Ao responder a essa questão,

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podemos fazer uma avaliação mais exacta dos custos a longo prazo de uma situação de pobreza na infância induzida pela recessão, desde a situação mais prolongada da pobreza, desde a mais grave nas suas consequências futuras. A nossa análise procura encarar as crianças que caíram na pobreza durante as duas situações de recessão recentes, que ocorreram a partir de 1980 a 1983 e de 1990 a 1.99316. Seguimos essas crianças, crianças que viviam em famílias com rendimento acima da linha oficial de pobreza no ano anterior ao do início da recessão, mas que caíram em situação de pobreza durante os anos de recessão, em cerca de dez anos depois da recessão ter acabado. Entre as crianças que caíram na pobreza durante a recessão da década de 80, aproximadamente 26% delas passaram pelo menos metade dos seus restantes anos da infância em situação de pobreza, mesmo depois de a recessão ter terminado. Outros 17% passaram pelo menos um quarto dos seus restantes anos de infância em situação de pobreza. Finalmente, outros 21% sofreram pelo menos um ano adicional de pobreza depois da recessão ter terminado. Face ao conjunto total, para cerca de dois terços destas crianças, a pobreza continuou a atormentá-los mesmo depois da economia ter recuperado.

Os números foram muito semelhantes ao corte da recessão dos anos 90. Cerca de 29% das crianças que caíram durante numa situação de pobreza durante a recessão viveram pelo menos metade dos seus restantes tempos de infância em situação de pobreza , mesmo depois da recessão ter terminado e um grupo adicional de 10% viveram em situação de pobreza,

                                                            16 Esta análise é limitada às crianças no PSID tinham idades inferiores a 18 anos quando se chegou ao fim da recessão. Porque estamos a tentar perceber o impacto da pobreza induzida pela recessão nas crianças, excluímos aqueles que se tornaram "adultos" a meio da recessão. Nós não analisamos a coorte de crianças que caíram na situação de pobreza durante a recessão mais recente, em 2001, porque o PSID só tem dados até 2004, o que nos impede de seguir essas crianças muito longe no futuro. Para todas as análises realizadas, nós ponderámos os resultados baseados no núcleo central dos pesos do PSID em relação ao ano anterior ao início da recessão.

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pelo menos, um quarto do seu restante tempo de infância17. Embora possa parecer uma pequena parte (39%) das crianças que sofreram situações de pobreza na infância durante vários anos depois da recessão ter sido ultrapassada, deve-se comparar este grupo de crianças com as crianças da mesma idade que não caíram em situação de pobreza na infância durante a recessão. De entre as crianças que ficaram fora da situação de pobreza durante o início dos anos 90, apesar da turbulência económica, apenas 3% delas caiu em situação de pobreza, em qualquer momento durante o resto da sua infância (por outro lado, 65% das crianças que começaram, em 1989, já em situação de pobreza, continuaram a estar sujeitos à situação de pobreza depois da recessão ter acabado). Por outras palavras, as crianças que caíram em situação de pobreza durante a recessão tiveram uma probabilidade 13 vezes maior de virem a sofrer anos adicionais de situação de pobreza na infância, depois da economia ter recuperado do que as crianças que não caíram em situação de pobreza induzida pela recessão.

CONCLUSÃO

É claro que a queda na situação de pobreza durante uma recessão carrega consigo uma possibilidade significativa de pobreza persistente que acompanha uma criança mesmo depois de a recessão ter terminado. No entanto, é também evidente que uma parte das crianças que sofrem uma situação de pobreza induzida pela recessão poderão sair dela depois do fim da recessão e, portanto, escapar à maioria das desvantagens de longo prazo que acompanham a situação de pobreza na infância. A nossa melhor estimativa, baseada na nossas análises dos dados PSID é que, se não fizermos nada, a cerca de 60% dos 3 milhões de crianças que são projectadas para caírem vítimas da pobreza durante esta recessão estas irão estar sujeitas à situação de pobreza persistente ou intermitente, que

                                                            17 Porque o PSID não recolheu os dados dos rendimentos das famílias em vários anos deste período, não calculamos a percentagem de crianças que viveram pelo menos um ano adicional em situação de pobreza. .

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provocará graves danos a longo prazo. Destes, cerca de metade irá ainda cair na primeira categoria que é a mais prejudicial. Utilizando a nossa análise dos dados PSID, podemos ajustar a nossa estimativa para ter em conta o facto de que nem todas as crianças que caem na pobreza durante esta recessão ficarão sujeitos em toda sua extensão aos efeitos negativos de longo prazo de se ter caído numa situação prolongada de pobreza na infância. Esse ajuste reduz a nossa estimativa de perdas de 0,3% do PIB para cerca de 0,17% do PIB, o que representa cerca de 22 mil milhões de dólares por ano.

Considerando apenas os prejuízos a longo prazo sobre as condições de saúde e sobre as perdas de rendimentos que são efeitos da situação de pobreza na infância e com hipóteses muito conservadoras, os custos anuais futuros de permitir que três milhões de crianças adicionais venham a cair numa situação de pobreza durante esta recessão ultrapassa , pelo menos, os 35 mil milhões por ano. Durante a vida dessas crianças, esses custos serão agregados e representarão um encargo económico total de aproximadamente 1,7 milhão de milhões de dólares (em dólares de 2008)18 .

Fonte: Michael Linden, The Cost of Doing Nothing: the economic impact of recession-induced child poverty, Edição de: First Focus, Making Children & Families the priority.

Michael Linden is the Senior Director of Tax & Budget Policy at First Focus. He can be reached at [email protected]. ———————————–——————————————

                                                            18 12,5 mil milhões por ano em custos em saúde multiplicado por 57 anos de vida de adulto é igual a 713 mil milhões . 22 mil milhões vezes 45 anos de emprego é igual a 990 mil milhões. Em conjunto, estes dois valores representam 1,7 milhões de milhões.

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