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Notas de Matem ´ atica B ´ asica Jorge Delgado Sebasti ˜ ao Firmo Pedro N ´ obrega Depto. de Matem´ atica Aplicada Instituto de Matem ´ atica - UFF PROIN-CAPES 1998

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Notas de Matematica Basica

Jorge Delgado Sebastiao Firmo Pedro Nobrega

Depto. de Matematica Aplicada

Instituto de Matematica - UFF

PROIN-CAPES 1998

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Conteudo

1 Conjuntos 1

2 Os Inteiros 19

3 Os Racionais e os Irracionais 69

0

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Capıtulo 1

Conjuntos

1.1 Introducao

As teorias estudadas em matematica sao construıdas sempre partindo de alguns fatos con-

siderados basicos. Tais fatos sao chamados axiomas. Os axiomas junto com as definicoes dos

conceitos que a teoria pretende estudar dao lugar, apos raciocınios logicos, a resultados cha-

mados proposicoes. A sequencia de conclusoes logicas utilizadas para chegar a um resultado

determinado partindo das definicoes, axiomas e outros resultados, e chamada demonstracao.

A palavra teorema e reservada a proposicoes de carater relevante na teoria em questao, da

mesma maneira, um lema e uma proposicao que sera usada como ferramenta fundamental para

provar outras proposicoes. Os corolarios sao proposicoes que se obtem como consequencia di-

reta de proposicoes e teoremas importantes.

Todo lema, proposicao, teorema e corolario, tem um enunciado. Todo enunciado se divide

em duas partes, as hipoteses e as teses. A demonstracao do resultado (seja um lema, uma

proposicao, um teorema ou um corolario) pode ser descrita da seguinte maneira: usar os axio-

mas, definicoes e resultados previos da teoria para chegar as teses partindo das hipoteses por

meio de um raciocınio logico. Isto se resume dizendo que a hipotese implica a tese e escreve-se

Hipotese =⇒ Tese

O sımbolo =⇒ significa que partindo da parte da esquerda (Hipotese) e usando um ra-

ciocınio logico baseado nos axiomas, definicoes e resultados anteriores da teoria, se obtem

como consequencia o lado direito (Tese).

Por exemplo consideremos o seguinte enunciado:

1

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Conjuntos 1.2 Conjuntos

Teorema. (Pitagoras) Seja T um triangulo retangulo cujos catetos medem a e b respectivamente

e cuja hipotenusa mede c. Entao a2 + b2 = c2.

A hipotese diz que a, b e c sao respectivamente os catetos e a hipotenusa de um triangulo

retangulo T , e a tese diz que a2 + b2 = c2. Mais tarde no texto veremos uma demonstracao do

teorema de Pitagoras.

Devemos observar tambem a validade das hipoteses dos nossos resultados, assim como a

veracidade de cada um dos passos logicos nas demonstracoes. Veja por exemplo a passagem

de B. Russell citada nas primeiras paginas desta apostila, na qual uma hipotese falsa da origem

a conclusoes absurdas.

Em matematica e frequente o uso de quantificadores. Estes sao apenas um simbolismo

que nos permite descrever a abrangencia de fatos ou propriedades sobre uma determinada

colecao de objetos. Temos dois tipos de quantificadores: o quantificador de existencia, escrito

simbolicamente ∃ (leia-se “existe...” ou “existem...”), e o quantificador de universalidade, escrito

∀ (leia-se “para todo...”). O quantificador de existencia e algumas vezes usado com o ponto de

exclamacao ∃ ! para indicar que certo objeto existe e e o unico que possui as propriedades que

o determinam.

1.2 Conjuntos

Neste capıtulo introduziremos algumas nocoes basicas da teoria de conjuntos. Nao apre-

sentaremos uma exposicao axiomatica e rigorosa da teoria, mas sim uma exposicao intuitiva e

simples, incluindo apenas o material e a terminologia que usaremos mais adiante.

Para nos um conjunto sera qualquer colecao dada de objetos.

Embora esta “definicao” do termo “conjunto” seja intuitivamente clara, ela nao e formal-

mente correta, pois a palavra “colecao” e ainda indefinida. Na verdade, a nocao de conjunto em

matematica e uma nocao indefinida (da mesma maneira que a nocao de ponto na Geometria

Euclidiana) e e necessaria uma lista de axiomas para trabalhar com conjuntos e suas propri-

edades. Na pratica, uma introducao heurıstica, como a que apresentamos a continuacao, e

suficiente.

Os conjuntos serao designados (salvo mencao explıcita) por letras maiusculas, deixando

as minusculas para designar objetos dos conjuntos. Se a e um objeto do conjunto A, dizemos

que a pertence a A, ou que a e elemento do conjunto A e escrevemos a ∈ A. Se a e um objeto

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Conjuntos 1.2 Conjuntos

que nao pertence ao conjunto A escrevemos a /∈ A e dizemos que a nao e um elemento do

conjunto A. Se a, b ∈ A, a notacao a = b significa que a e b sao o mesmo elemento de A.

Os conjuntos podem ser descritos de duas maneiras:

A. Escrevendo numa lista os seus elementos, e englobando tal lista entre chaves {. . .}. Por

exemplo,

A = {azul, verde, vermelho, laranja, maca},

B = {banana, morango, maca, azul}.

Quando representamos um conjunto por extensao mediante uma lista, as repeticoes e a

ordem na qual aparecem os elementos na lista sao irrelevantes. Por exemplo, o conjunto A

acima e tambem representado como

A = {azul,verde, vermelho, laranja, azul, maca, verde},

ou ainda

A = {vermelho,laranja azul, maca, verde}.

B. Por meio de uma propriedade que caracteriza dos elementos do conjunto. Por exemplo

C e o conjunto que consiste dos nomes das cores do arco-ıris,

D e o conjunto dos nomes das frutas tropicais.

Se P e uma propriedade sobre objetos, dizemos que o objeto x satisfaz a propriedade Pe escrevemos P(x) se a propriedade P e verdadeira para x.

Designamos por {x ; P(x)} o conjunto formado pelos objetos x para os quais P(x).

Por exemplo, segundo os exemplos acima,

C = {x ; x e o nome de uma cor do arco-ıris}

D = {x ; x e o nome de uma fruta tropical}.

A caracterizacao (b) e principalmente util quando o conjunto tem tantos elementos que

seria praticamente impossıvel coloca-los numa lista. Consideremos por exemplo:

E = {x ; x e o nome de um assinante do catalogo telefonico do Rio de Janeiro},

ou pior ainda,

F = {x ; x e o nome de um assinante de algum catalogo telefonico de alguma cidade do mundo}.

Quando todo elemento de um conjunto A e tambem elemento de um conjunto B, dizemos

que A e um subconjunto de B, ou que A esta contido em B e escrevemos A ⊂ B. As vezes di-

zemos tambem que B contem A e escrevemos B ⊃ A. Se A nao esta contido em B escrevemos

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Conjuntos 1.2 Conjuntos

A 6⊂ B. Dizemos tambem que A nao e subconjunto de B ou que B nao contem A e escrevemos

B 6⊃ A.

Nos nossos exemplos vemos que,

A = {azul, verde, vermelho, laranja, maca} 6⊂ B = {banana, morango, maca, azul},

e nos conjuntos dos assinantes dos catalogos telefonicos E ⊂ F.

Dizemos que dois conjuntos sao iguais quando contem exatamente os mesmos elementos.

Neste caso escrevemos A = B. Quando os conjuntos A e B nao sao iguais escrevemos A 6= B.

Quando A ⊂ B mas A 6= B dizemos que A e um subconjunto proprio de B.

A partir das definicoes acima podemos inferir que

i. Qualquer que seja o conjunto A vale A ⊂ A.

ii. Se A ⊂ B e B ⊂ C, entao A ⊂ C.

iii. Se A e B sao conjuntos, (A = B ) ⇐⇒ (A ⊂ B e B ⊂ A ).

Vamos explicar o significado do sımbolo ⇐⇒, se p e q sao proposicoes ou afirmativas.

Escrever p ⇐⇒ q significa que, tomando como hipotese p podemos obter como consequencia

logica q (isto e “p implica q”, que se escreve p =⇒ q) e similarmente, tomando como hipotese

q podemos obter como consequencia logica p (isto e q implica p, que se escreve q =⇒ p).

Resumindo, p⇐⇒ q equivale as duas afirmativas simultaneas p =⇒ q e q =⇒ p.

Dado um conjunto A podemos considerar o conjunto {x ; x ∈ A e x 6= x}. Tal conjunto e

chamado o subconjunto vazio de A e se designa por ∅A. E claro da definicao que ∅A ⊂ A.

Vamos apresentar agora a nossa primeira proposicao. A sua demonstracao sera feita pelo

metodo do absurdo. Tal metodo consiste em negar a tese e apos uma sequencia de conclusoes

logicas, obter uma afirmativa que seja claramente falsa ou que entre em contradicao com as

nossas premissas ou conhecimentos anteriores.

Proposicao 1.2.1. Se A e B sao conjuntos quaisquer, entao ∅A = ∅B.

Demonstracao. Procedendo pelo absurdo, vamos supor que A e B sejam conjuntos tais que

∅A 6= ∅B.

Segundo o item iii. acima, ∅A 6= ∅B significa que ∅A 6⊂ ∅B ou que ∅B 6⊂ ∅A.

Caso ∅A 6⊂ ∅B, devera existir um elemento x ∈ ∅A tal que x /∈ ∅B.

Pela definicao de ∅A vemos que x sera um elemento de A tal que x 6= x, “o qual e absurdo,

pois qualquer objeto e igual a se proprio”.

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Conjuntos 1.3 Operacoes com Conjuntos

Caso seja ∅B 6⊂ ∅A se procede da mesma maneira.

O absurdo indica entao que a nossa hipotese de existirem conjuntos A e B tais que ∅A 6=∅B e errada. A conclusao disto e a veracidade da proposicao. C.Q.D.

O quadrado que temos colocado no extremo direito da ultima linha acima indica que a

demonstracao esta terminada. Alguns autores escrevem as letras CQD que significam “Como

Queria-se Demonstrar” para indicar o fim de uma demonstracao.

Como consequencia da proposicao anterior obtemos o seguinte resultado.

Corolario 1.2.2. Existe um unico conjunto ∅, chamado o conjunto vazio, que nao contem

elementos e esta contido em qualquer conjunto.

Demonstracao. Para provar este resultado simplesmente consideramos um conjunto qualquer

A e definimos ∅ = ∅A. Pela definicao de ∅A obtemos que ∅ nao contem elementos, pela

proposicao, ∅ = ∅B ⊂ B qualquer que seja o conjunto B. Isto prova que o conjunto ∅ existe.

Agora provaremos que ele e unico. Seja ∅ ′ um conjunto com as mesmas propriedades de

∅. Pela proposicao anterior, ∅ = ∅∅ ′ ⊂ ∅ ′. Como ∅ ′ possui as mesmas propriedades de ∅,

temos que ∅ ′ ⊂ ∅. Logo ∅ ′ = ∅, e portanto o conjunto ∅ existe e e unico. C.Q.D.

O corolario acima e um exemplo de um resultado de “Existencia” e “Unicidade”. Ele diz

que sob certas hipoteses, certos objetos “existem” e sao “unicos”. A demonstracao deste tipo

de resultados divide-se em duas partes: provar a existencia do objeto e depois demonstrar que

ele e unico. Existem varios procedimentos para provar a existencia de um certo objeto, um deles

e construir ou exemplificar um objeto com as propriedades requeridas. A demonstracao da parte

da unicidade pode ser feita, por exemplo, das seguintes maneiras

(a) Mostrando que qualquer objeto com as mesmas propriedades do nosso tera ne-

cessariamente que ser igual ao nosso (como foi feito na demonstracao acima).

(b) Pelo absurdo, isto e, supoe-se a existencia de outro objeto (“outro” significa dis-

tinto) com as mesmas propriedades do objeto em questao e chega-se a um absurdo.

1.3 Operacoes com Conjuntos

Nesta parte vamos introduzir as leis basicas de formacao e operacao com conjuntos.

Definicao. Dados dois conjuntos A e B, definimos a uniao A ∪ B e a intersecao A ∩ B de

A e B da seguinte maneira:

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Conjuntos 1.3 Operacoes com Conjuntos

A ∪ B = {x ; x ∈ A ou x ∈ B} e A ∩ B = {x ; x ∈ A e x ∈ B}.

Dito em palavras, A ∪ B e o conjunto cujos elementos pertencem ao conjunto A ou ao

conjunto B. O conjunto A ∩ B e o conjunto cujos elementos pertencem ao conjunto A e ao

conjunto B simultaneamente.

Na figura abaixo vemos dois conjuntos A e B, a sua uniao A ∪ B e a sua intersecao A ∩ B

respectivamente.

Fig. 1 (a). Representacao de A ∪ B. Fig. 1 (b). Representacao de A ∩ B.

Por exemplo, se A e B sao os conjuntos dos exemplos da secao anterior, tem-se

A ∪ B = {azul, verde, vermelho, laranja, maca, banana, morango},

A ∩ B = {azul, maca}.

Observe que os elementos repetidos foram eliminados.

Da definicao acima vemos que A e B possuem elementos em comum se, e somente se,

A ∩ B 6= ∅.

Dois conjuntos A e B sao chamados disjuntos se A∩B = ∅, isto e, se A e B nao possuem

elementos em comum.

Outro fato evidente da definicao e que, qualquer que seja o conjunto A valem as igualdades

A = A ∪∅ ∅ = A ∩∅.

Tambem da definicao obtem-se diretamente a seguinte proposicao:

Proposicao 1.3.1. Sejam A, B, C, D conjuntos quaisquer. Entao

(a) A ∩ B ⊂ A ⊂ A ∪ B.

(b) Se A ⊂ C e B ⊂ D, entao A ∪ B ⊂ C ∪D e A ∩ B ⊂ C ∩D.

Demonstracao. Exercıcio.

As propriedades formais das operacoes de uniao (∪) e intersecao (∩) sao colocadas no

seguinte resultado:

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Conjuntos 1.3 Operacoes com Conjuntos

Teorema 1.3.2. Para quaisquer conjuntos A, B, C, valem as seguintes propriedades:

(1) Idempotencia: A ∪A = A = A ∩A.

(2) Associatividade: A ∪ (B ∪ C) = (A ∪ B) ∪ C e A ∩ (B ∩ C) = (A ∩ B) ∩ C.

(3) Comutatividade: A ∪ B = B ∪A e A ∩ B = B ∩A.

(4) Distributividade: A∩ (B∪C) = (A∩B)∪ (A∩C) e A∪ (B∩C) = (A∪B)∩ (A∪C).

Demonstracao. Nao e difıcil provar (1)-(3), exercıcio. Vamos provar apenas a primeira das

formulas de distributividade.

Lembramos que dois conjuntos sao iguais se, e somente se, um esta contido no outro.

Portanto, provar a formula em questao equivale a provar que o conjunto do lado esquerdo esta

contido no conjunto do lado direito e que este, por sua vez, esta contido no primeiro:

Prova da inclusao A ∩ (B ∪ C) ⊂ (A ∩ B) ∪ (A ∩ C):

x ∈ A ∩ (B ∪ C) =⇒ (x ∈ A) e (x ∈ B ∪ C)

=⇒ (x ∈ A) e [(x ∈ B) ou (x ∈ C)]

=⇒ [(x ∈ A) e (x ∈ B)] ou [(x ∈ A) e (x ∈ C)]

=⇒ [(x ∈ A ∩ B) ou (x ∈ A ∩ C)]

=⇒ x ∈ (A ∩ B) ∪ (A ∩ C).

Prova da inclusao A ∩ (B ∪ C) ⊃ (A ∩ B) ∪ (A ∩ C):

As implicacoes =⇒ da prova da inclusao anterior podem ser invertidas a ⇐= (verifique!).

Leia entao a prova de baixo para cima. C.Q.D.

O seguinte resultado relaciona os sımbolos ⊂, ∪ e ∩.

Proposicao 1.3.3. Sejam A e B conjuntos quaisquer. As seguintes afirmativas sao equivalen-

tes:

(1) A ⊂ B.

(2) A = A ∩ B.

(3) B = A ∪ B.

Demonstracao. Primeiramente vejamos o significado do enunciado: Dizer que duas proposicoes

p e q sao equivalentes significa que p⇐⇒ q, isto e, p =⇒ q e q =⇒ p. Temos que provar, entao,

que (1)⇐⇒ (2), (1)⇐⇒ (3) e (2)⇐⇒ (3). Basta provar (1)⇐⇒ (2) e (1)⇐⇒ (3).

Prova de (1) ⇐⇒ (2): Suponhamos que (1) e verdadeira. Entao A = A ∩ A ⊂ A ∩ B ⊂ A,

isto e, A = A ∩ B provando assim (2). Se (2) e verdadeira, A = A ∩ B ⊂ B, provando (1).

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Conjuntos 1.3 Operacoes com Conjuntos

Prova de (1) ⇐⇒ (3): Se (1) e verdadeira, B = B ∪ B ⊃ A ∪ B ⊃ B, isto e, B = A ∪ B. Se

(3) e verdadeira, B = A ∪ B ⊃ A, provando (1). C.Q.D.

Embora as operacoes ∩ e ∪ foram definidas para dois conjuntos, podemos generalizar e

reescrever a definicao para mais de dois conjuntos, mesmo para famılias de conjuntos:

Definicao. Seja Λ um conjunto nao vazio. Se a cada elemento λ ∈ Λ corresponde um conjunto

Aλ, dizemos que a colecao F = {Aλ ; λ ∈ Λ} (que tambem se designa por F = {Aλ}λ∈Λ) e uma

famılia de conjuntos indexada por Λ. O conjunto Λ e chamado o conjunto de ındices da famılia.

Observamos que qualquer conjunto nao vazio A pode servir como conjunto de ındices de

uma famılia de conjuntos. Com efeito, para cada a ∈ A seja Aa = {a} e consideremos a famılia

F = {Aa}a∈A. Tambem todo conjunto F , cujos elementos sao conjuntos, pode ser considerado

como uma famılia de conjuntos indexada por F (i.e. auto-indexada). De fato, F = {AF}F∈F , onde

AF = F para todo F ∈ F .

Definicao. Seja X um conjunto dado e F = {Aλ}λ∈Λ uma famılia de subconjuntos de X. Se

define a uniao e a intersecao da famılia F como⋃λ∈Λ

Aλ = {x ∈ X ; ∃ λ ∈ Λ tal que x ∈ Aλ} e⋂λ∈Λ

Aλ = {x ∈ X ; x ∈ Aλ ∀λ ∈ Λ}

Por exemplo, se X e um conjunto qualquer, e para cada x ∈ X escrevemos Ax = {x}

podemos considerar a famılia {Ax}x∈X indexada por X. Resulta que⋃x∈X

Ax = X e⋂x∈X

Ax = ∅.

Observando com cuidado, podemos ver que a uniao e a intersecao de uma famılia inde-

pende da maneira como esta indexada. Isto e, se Λ = Γ e F = {Aλ}λ∈Λ e uma famılia indexada

por Λ, entao ⋃λ∈Λ

Aλ =⋃γ∈Γ

Aγ e⋂λ∈Λ

Aλ =⋂γ∈Γ

Aγ.

Pode-se provar com um pouco de esforco, que a uniao de famılias distribui sobre a intersecao e

que a intersecao de famılias distribui sobre a uniao. Para enunciar este fato usaremos a nocao

de produto cartesiano que introduziremos em breve.

Definimos a seguir uma outra operacao entre conjuntos

Definicao. Sejam A e B conjuntos. Definimos o conjunto diferenca A − B como sendo o

conjunto que consiste dos elementos de A que nao sao elementos de B, i.e.

A − B = {x ; x ∈ A e x /∈ B}.

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Conjuntos 1.3 Operacoes com Conjuntos

E importante observar que, se A e B sao conjuntos, A−B e B−A sao, em geral, conjuntos

diferentes. Tambem e claro que A − B ⊂ A.

Fig. 2 (a). Representacao de A − B. Fig. 2 (b). Representacao de B − A.

Por exemplo, se A e B sao os conjuntos dos exemplos anteriores, entao

A − B = {verde, vermelho, laranja} e B − A = {banana, morango}.

Definicao. Se A, X sao conjuntos e A ⊂ X, o complementar de A com respeito a X e o

conjunto {XA = X − A.

Por exemplo, se A = {azul, verde, vermelho, laranja, maca} e o conjunto dos nossos exem-

plos anteriores e B = {azul, verde, vermelho}, entao {AB = {laranja, maca}.

A figura abaixo e uma representacao da nocao de complementar.

Fig.3. O complementar de A em relacao a X.

Proposicao 1.3.4. Sejam A, B e C conjuntos quaisquer e X um conjunto que contem A ∪ B.

Entao

i. A − ∅ = A e A − A = ∅.

ii. B ⊂ C =⇒ A − C ⊂ A − B.

iii. A − B = A − (A ∩ B).

iv. A − B = A ∩ {XB.

Demonstracao. Prova de i. Ja que ∅ nao contem elementos,

A − ∅ = {x ; x ∈ A e x /∈ ∅} = {x ; x ∈ A} = A.

E observando que nenhum objeto x pode ser tal que x ∈ A e x /∈ A, obtemos que A − A = ∅.

Prova de ii. Observe que,

B ⊂ C⇐⇒ (x ∈ B =⇒ x ∈ C)⇐⇒ (x /∈ C =⇒ x /∈ B).

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Conjuntos 1.3 Operacoes com Conjuntos

Portanto

(x ∈ A − C) =⇒ (x ∈ A e x /∈ C) =⇒ (x ∈ A e x /∈ B) =⇒ x ∈ (A − B),

isto e, todo elemento de A − C e tambem elemento de A − B. Logo A − C ⊂ A − C.

Prova de iii. A inclusao A − B ⊂ A − (A ∩ B) e consequencia de ii., pois A ∩ B ⊂ B. Para

a outra inclusao observamos que

(x ∈ A − (A ∩ B)) =⇒ (x ∈ A e x /∈ A ∩ B) =⇒ (x ∈ A e (x /∈ A ou x /∈ B)) =⇒((x ∈ A e x /∈ A) ou (x ∈ A e x /∈ B)) =⇒ ((x ∈ A − A) ou (x ∈ A − B)).

Como, por i., A − A = ∅, obtemos

((x ∈ A − A) ou (x ∈ A − B)) =⇒ (x ∈ A − B),

e portanto A − (A ∩ B) ⊂ A − B. Observe que as implicacoes =⇒ do argumento podem ser

invertidas a⇐=, isto e, substituıdas por⇐⇒ para provar as duas inclusoes simultaneamente.

Prova de iv. Ja que A ∪ B ⊂ X, isto e, (x ∈ A ∪ B) =⇒ x ∈ X, obtemos

A − B = {x ; x ∈ A e x /∈ B} = {x ∈ X ; x ∈ A e x /∈ B}

= {x ∈ X ; x ∈ A} ∩ {x ∈ X ; x /∈ B} = {x ; x ∈ A} ∩ {x ; x ∈ X e x /∈ B}

= A ∩ (X − B) = A ∩ {XB. C.Q.D.

As propriedades basicas do complementar sao dadas no seguinte resultado:

Proposicao 1.3.5. Sejam A e B conjuntos e X um conjunto que contem A ∪ B. Entao:

(a) A ∩ {XA = ∅, e A ∪ {XA = X.

(b) {X({XA) = A.

(c) {X∅ = X, e {XX = ∅.

(d) A ⊂ B⇐⇒ {XB ⊂ {XA

(e) (Leis de De Morgan) As relacoes entre as operacoes ∪ e ∩ com {X sao:

{X(A ∪ B) = ({XA) ∩ ({XB) e {X(A ∩ B) = ({XA) ∪ ({XB).

Demonstracao. Os itens (a)-(d) sao simples e os deixaremos como exercıcio para o leitor.

Provemos a primeira das leis de De Morgan:

x ∈ {X(A ∪ B) ⇐⇒ (x ∈ X e x /∈ A ∪ B)⇐⇒ (x ∈ Xe ((x /∈ A) e (x /∈ B)))

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Conjuntos 1.3 Operacoes com Conjuntos

⇐⇒ (x ∈ X e x /∈ A) e (x ∈ X e x /∈ B)⇐⇒ (x ∈ {XA) e (x ∈ {XB)⇐⇒ x ∈ ({XA) ∩ ({XB).

A segunda das formulas de De Morgan pode ser provada de maneira similar, mas tambem

pode ser obtida da primeira com ajuda do item (b). De fato, como

{X({XA ∪ {XB) = {X({XA) ∩ {X({XB) = A ∩ B,

temos que {XA ∪ {XB = {X({X({XA ∪ {XB)) = {X(A ∩ B). C.Q.D.

As leis de De Morgan podem ser generalizadas, sem dificuldade, a unioes e interseccoes

de famılias de conjuntos da seguinte maneira: Se F = {Aλ}λ∈Λ e uma famılia de subconjuntos

de um conjunto X, entao

{X

( ⋃λ∈Λ

)=⋂λ∈Λ

({XAλ), e {X

( ⋂λ∈Λ

)=⋃λ∈Λ

({XAλ).

Vamos introduzir outra operacao entre conjuntos, o produto cartesiano. O resultado desta

nova operacao sera um conjunto de natureza diferente da natureza dos conjuntos envolvidos.

Na definicao a seguir, a nocao de par ordenado desempenha papel fundamental. Se a e b

sao dois objetos quaisquer (nao necessariamente pertencentes ao mesmo conjunto), podemos

considerar o objeto (a, b) no qual os elementos a e b serao denominados a primeira coordenada

e a segunda coordenada do par (a, b), respectivamente.

Dizemos que os pares ordenados (a, b) e (c, d) sao iguais e escrevemos (a, b) = (c, d) se,

e somente se, a = c e b = d, isto e, dois pares ordenados sao iguais se, e somente se, as suas

coordenadas correspondentes sao iguais.

Observemos entao que, se (a, b) e um par ordenado, entao

(a, b) = (b, a) se, e somente se, a = b.

Definicao. Sejam A e B dois conjuntos quaisquer. Designamos por A × B o conjunto cujos

elementos sao todos os possıveis pares ordenados (a, b) onde a ∈ A e b ∈ B. Isto e,

A× B = {(a, b) ; a ∈ A e b ∈ B}.

Na Fig.4. mostramos uma representacao grafica do produto cartesiano, na qual o conjunto

A consiste de tres “segmentos” horizontais de pontos (os elementos de A sao os pontos dos

segmentos) e B consiste de um “segmento” vertical de pontos. O produto cartesiano destes dois

conjuntos e formado pelos pontos das faixas retangulares indicadas.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 11 Instituto de Matematica - UFF

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Conjuntos 1.3 Operacoes com Conjuntos

Fig.4. O produto cartesiano representado graficamente

Por exemplo, sejam A = {a, b, c} e B = {?, •}. Entao

A× B = {(a, ?), (a, •), (b, ?), (b, •), (c, ?), (c, •)}.

Observe por exemplo, que os pares ordenados (?, a), (a, a), (•, ?) nao pertencem a A×B.

De maneira similar podemos definir o produto cartesiano de tres ou mais conjuntos. Se A,

B, e C sao conjuntos, definimos A×B×C como sendo o conjunto (A×B)×C e similarmente, se

A1, A2, . . . , An sao conjuntos, definimos A1 ×A2 × . . .×An como sendo o conjunto (A1 ×A2 ×. . .×An−1)×An. Os elementos de A1×A2× . . .×An sao as n-uplas ordenadas (a1, a2, . . . , an)

onde a1 ∈ A1, a2 ∈ A2, . . . , an ∈ An, e duas n-uplas (a1, a2, . . . , an) e (b1, b2, . . . , bn) de A1 ×A2 × . . . × An sao consideradas iguais se, e so se, a1 = b1, a2 = b2, . . . , an = bn. Todas as

propriedades que estudaremos sobre o produto cartesiano de dois conjuntos continuam validas

para o produto cartesiano de mais de 2 conjuntos.

A seguinte proposicao descreve duas propriedades basicas do produto cartesiano.

Proposicao 1.3.6. Sejam A, B, C, D conjuntos. Entao:

(a) A× B = ∅⇐⇒ (A = ∅) ou (B = ∅).

(b) Se C×D 6= ∅, tem-se: (C×D ⊂ A× B)⇐⇒ ( (C ⊂ A) e (D ⊂ B) ).

Demonstracao.

(a) A propriedade do enunciado (a) equivale1 a

(A× B 6= ∅)⇐⇒ (A 6= ∅) e (B 6= ∅).

Se A × B 6= ∅, existe (a, b) ∈ A × B, e pela definicao de A × B, a ∈ A e b ∈ B. Logo A 6= ∅ e

B 6= ∅.

1Se p e q sao proposicoes logicas, a proposicao (p ⇐⇒ q) ⇐⇒ (qp ⇐⇒qq) e sempre verdadeira independen-

temente dos valores logicos de p e q, onde qp e qq sao as negativas de p e q respectivamente.

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Conjuntos 1.3 Operacoes com Conjuntos

Reciprocamente, se A 6= ∅ e B 6= ∅, existem elementos a ∈ A e b ∈ B. Portanto o par

ordenado (a, b) pertence ao produto A× B, i.e., A× B 6= ∅.

(b) Suponhamos primeiro que C×D ⊂ A× B. Como, por hipotese, C×D 6= ∅, pelo item

(a), C 6= ∅ e D 6= ∅. Seja d0 ∈ D um elemento fixo. Pela definicao do produto cartesiano temos

c ∈ C =⇒ (c, d0) ∈ C×D ⊂ A× B =⇒ (c, d0) ∈ A× B =⇒ c ∈ A,

logo C ⊂ A. Similarmente verifica-se que D ⊂ B (exercıcio).

Reciprocamente, para todo (c, d) ∈ C×D, tem-se c ∈ C e d ∈ D, e por hipotese, c ∈ A e

d ∈ B. Logo (c, d) ∈ A× B, provando que C×D ⊂ A× B. C.Q.D.

No item (b) da proposicao acima, e importante observar que a hipotese C × D 6= ∅ e

fundamental. Por exemplo, sejam A ⊂ C, A 6= C, B qualquer conjunto nao vazio e D = ∅.

Entao C ×D = ∅ ⊂ A × B, mas e falso que C ⊂ A. A hipotese C ×D 6= ∅ e usada apenas na

implicacao =⇒.

O ultimo resultado desta secao diz que o produto cartesiano verifica a propriedade distri-

butiva sobre as operacoes ∪, ∩ e −.

Proposicao 1.3.7. Se A, B, C sao conjuntos, valem as seguintes formulas de distributividade:

(a) A× (B ∪ C) = (A× B) ∪ (A× C).

(b) A× (B ∩ C) = (A× B) ∩ (A× C).

(c) A× (B − C) = (A× B) − (A× C).

Demonstracao. Prova de (a): Para todo (a, b) tem-se

(a, b) ∈ A× (B ∪ C) ⇐⇒ (a ∈ A) e (b ∈ B ∪ C)⇐⇒ (a ∈ A) e (b ∈ B ou b ∈ C)⇐⇒ (a ∈ A e b ∈ B) ou (a ∈ A e b ∈ C)⇐⇒ (a, b) ∈ A× B ou (a, b) ∈ A× C⇐⇒ (a, b) ∈ (A× B) ∪ (A× C).

Os itens (b) e (c) podem ser demonstrados de maneira similar. C.Q.D.

Consideremos, de novo, duas famılias de conjuntos F = {Aλ}λ∈Λ e G = {Bγ}γ∈Γ . Pode-se

provar, sem dificuldade, que valem as seguintes propriedades distributivas:( ⋃λ∈Λ

)∩( ⋃

γ∈Γ

)=

⋃(λ,γ)∈Λ×Γ

(Aλ ∩ Bγ), e( ⋂

λ∈Λ

)∪( ⋂

γ∈Γ

)=

⋂(λ,γ)∈Λ×Γ

(Aλ ∪ Bγ),

Dito em palavras, a intersecao (resp. uniao) de duas unioes (resp. interseccoes) de famılias e

igual a uniao (resp. intersecao) da famılia I = {Aλ ∩ Bγ}(λ,γ)∈Λ×Γ (resp. U = {Aλ ∪ Bγ}(λ,γ)∈Λ×Γ )

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Conjuntos 1.4 O Conjunto Potencia

indexada pelo conjunto Λ × Γ . Mais ainda, ao inves de considerar duas famılias podemos con-

siderar uma famılia de famılias e provar propriedades similares, mas este ponto e bem mais

delicado e o deixaremos para um curso avancado.

De maneira similar, podemos demonstrar que as unioes e interseccoes de famılias se

distribuem sobre o produto cartesiano, isto e, se F e G sao as famılias acima, entao( ⋃λ∈Λ

)×( ⋃

γ∈Γ

)=

⋃(λ,γ)∈Λ×Γ

(Aλ × Bγ), e( ⋂

λ∈Λ

)×( ⋂

γ∈Γ

)=

⋂(λ,γ)∈Λ×Γ

(Aλ × Bγ),

1.4 O Conjunto Potencia

Finalizamos o nosso primeiro capıtulo com um exemplo muito importante.

Definicao. Se A e um conjunto qualquer, designamos por P(A) ou 2A o conjunto cujos elemen-

tos sao todos os subconjuntos de A. Tal conjunto e chamado o conjunto potencia de A. Isto e, o

conjunto potencia e determinado pela propriedade B ⊂ A⇐⇒ B ∈ P(A).

Resumimos alguns fatos basicos sobre o conjunto potencia de um conjunto dado na se-

guinte proposicao:

Proposicao 1.4.1. Sejam A, B e X conjuntos quaisquer, tais que A ⊂ X. Entao:

(a) a ∈ A⇐⇒ {a} ∈ P(A).

(b) ∅, A ∈ P(A). Em particular P(A) 6= ∅.

(c) A ⊂ B =⇒ P(A) ⊂ P(B).

(d) P e ∩ comutam, isto e, P(A ∩ B) = (P(A)) ∩ (P(B)).

(e) P e ∪ NAO comutam. Mais exatamente, vale que P(A ∪ B) ⊃ (P(A)) ∪ (P(B))

mas a igualdade nem sempre se verifica.

(f) P(A) ∩ P({XA) = P(∅) = {∅}.

Demonstracao. Os itens (a)-(c) seguem facilmente da definicao. O item (f) e consequencia

direta de (d) e do fato de que A e {XA sao conjuntos disjuntos.

Prova de (d): Para todo conjunto C tem-se que

C ∈ P(A ∩ B) ⇐⇒ (C ⊂ A ∩ B)⇐⇒ (C ⊂ A e C ⊂ B)⇐⇒ (C ∈ P(A) e C ∈ P(B))⇐⇒ C ∈ P(A) ∩ P(B).

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Conjuntos Exercıcios

Prova de (e): Observamos que, como A ⊂ A ∪ B e B ⊂ A ∪ B tem-se, em virtude de (c),

que P(A) ⊂ P(A ∪ B) e P(B) ⊂ P(A ∪ B). Logo,

P(A) ∪ P(B) ⊂ P(A ∪ B).

Para mostrar que a igualdade nem sempre e verdadeira basta dar um exemplo (isto e, um

contra-exemplo para a igualdade da afirmativa):

Consideremos A = {?} e B = {•}, entao P(A) = {∅, A}, P(B) = {∅, B}, e portanto, P(A) ∪P(B) = {∅, A, B}. Por outro lado, A ∪ B = {?, •} e P(A ∪ B) = {∅, A, B, A ∪ B}. Como

A ∪ B /∈ P(A) ∪ P(B), os conjuntos P(A ∪ B) e P(A)) ∪ (P(B) sao distintos. C.Q.D.

E interessante observar aqui que (e) e (f) podem ser generalizados a famılias de conjuntos.

Isto e, se F = {Aλ}λ∈Λ e uma famılia de conjuntos, entao valem as relacoes:

⋂λ∈Λ

P(Aλ) = P

(⋂λ∈Λ

)e

⋃λ∈Λ

P(Aλ) ⊂ P

(⋃λ∈Λ

).

Exercıcios

1. Prove que a relacao ⊂ e uma relacao transitiva, i.e., se A, B e C sao conjuntos tais que A ⊂ B

e B ⊂ C, entao A ⊂ C. Prove, dando um contra-exemplo, que a relacao ∈ nao e transitiva.

2. Sejam A, B e C conjuntos. Prove que

(a) Se B ⊂ A, entao B ∪ C ⊂ A ∪ C e B ∩ C ⊂ A ∩ C.

(b) As operacoes ∩ e ∪ sao comutativas e associativas:

A ∩ B = B ∩A e A ∪ B = B ∪A,

A ∩ (B ∩ C) = (A ∩ B) ∩ C e A ∪ (B ∪ C) = (A ∪ B) ∪ C.

3. Sejam A = {?} e B = {?, •}. Diga se as afirmacoes abaixo sao falsas ou verdadeiras, e

justifique sua resposta:

(a) A ⊂ B (b) A ∈ B (c) ? ∈ A (d) • ⊂ B

4. Sejam A e B subconjuntos de um conjunto X. Prove que:

(a) A ∩ B = ∅⇐⇒ A ⊂ {XB⇐⇒ B ⊂ {XA.

(b) A ∪ B = X⇐⇒ {XB ⊂ A⇐⇒ {XA ⊂ B.

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Conjuntos Exercıcios

5. Sejam A e B conjuntos quaisquer. Prove que:

(a) Os conjuntos (A ∩ B) e (A − B) sao disjuntos e A = (A ∩ B) ∪ (A − B).

(b) Os conjuntos A e B − A sao disjuntos e A ∪ B = A ∪ (B − A).

6. Prove que A ⊂ {A} se, e somente se, A = ∅.

7. Prove as seguintes relacoes:

(a) (A − C) − (B − C) = (A − B) − C, (b) (A − C) ∪ (B − C) = (A ∪ B) − C,

(c) (A − C) ∩ (B − C) = (A ∩ B) − C, (d) (A − B) − (A − C) = A ∩ (C − B),

(e) (A − B) ∪ (A − C) = A − (B ∩ C), (f) (A − B) ∩ (A − C) = A − (B ∪ C).

8. Sejam A e B conjuntos quaisquer. Prove que existe um unico conjunto X que verifica as

igualdades A ∪ X = A ∪ B e A ∩ X = ∅ simultaneamente.

9. Sejam A = {0, 1, 2, {2}, 3} e B = {{1}, 1, 4}.

(a) Determine A ∪ B e A ∩ B.

(b) Diga se as afirmacoes abaixo sao falsas ou verdadeiras, e justifique sua resposta:

• 2 ∈ A • {2} ∈ A • {2} ⊂ A

• {2, {2}} 6= {{2}, 2} • {2, {2}} ⊂ A • 2 ⊂ A .

10. Dados dois conjuntos A e B sua diferenca simetrica e definida como sendo o conjunto

A∆B = (A − B) ∪ (B − A). Prove que A∆B = (A ∪ B) − (A ∩ B). Interprete a diferenca simetrica

por meio de um desenho.

11. Sejam A e B conjuntos nao vazios. Prove que, se (A×B)∪(B×A) = C×C, entao A = B = C.

12. Sejam A,B ⊂ X e C,D ⊂ Y conjuntos. Prove que:

(a) (A× C) ∩ (B×D) = (A ∩ B)× (C ∩D).

(b) (A× C) ∪ (B×D) ⊂ (A ∪ B)× (C ∪D).

(d) (A ∪ B)× (C ∪D) = (A× C) ∪ (B×D) ∪ (A×D) ∪ (B× C).

(e) {X×Y(B×D) = (({XB)× Y) ∪ (X× ({YD)).

(e) De um contra-exemplo para mostrar que a igualdade em (b) nem sempre e verdadeira.

13. Designamos por N o conjunto dos numeros naturais N = {0, 1, 2, 3, . . .}. Dizemos que um

conjunto A e finito se podemos fazer uma correspondencia entre os elementos de A e os ele-

mentos de um subconjunto de N da forma {1, 2, 3, . . . , n} para algum n ∈ N. Convencionamos

que o conjunto vazio e finito. Se A e um conjunto finito que se corresponde com o subconjunto

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Conjuntos Exercıcios

{1, 2, . . . , n}, dizemos que A possui n elementos. O natural n e o cardinal de A e o designamos

por #A. O conjunto vazio tem cardinal 0, isto e, #∅ = 0. Os conjuntos com cardinal 1 sao

chamados conjuntos unitarios.

Se A e B sao conjuntos finitos mostre que

#(A ∪ B) = #(A) + #(B) − #(A ∩ B) .

14. Sejam A um conjunto com 10 elementos e B um conjunto com 15 elementos. O que se

pode dizer do cardinal de A ∪ B, A ∩ B e A× B ?

15. Uma pesquisa mostra que 63% do povo americano gosta de queijo enquanto 76% gosta

de maca. O que se pode dizer sobre a porcentagem do povo americano que gosta de queijo e

maca?

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Conjuntos Exercıcios

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Capıtulo 2

Os Inteiros

2.1 Notacao

Este capıtulo sera dedicado a estudar as propriedades do conjunto Z dos numeros inteiros:

Z = {. . . ,−4,−3,−2,−1, 0, 1, 2, 3, 4, . . .}.

Dentre os subconjuntos de Z destacamos os seguintes:

• O conjunto dos numeros naturais N = {0, 1, 2, 3, . . .}.

• O conjunto dos numeros naturais nao nulos N∗ = N − {0} = {1, 2, 3, . . .}.

Este conjunto tambem e chamado o conjunto dos numeros inteiros positivos e se designa por

Z+.

• O conjunto dos numeros inteiros nao nulos Z∗ = Z − {0} = {. . . ,−3,−2,−1, 1, 2, 3, . . .}.

• O conjunto dos numeros inteiros negativos Z− = {−1,−2,−3, . . .}.

Do acima estabelecido segue que o conjunto dos inteiros nao positivos e o conjunto

{ZZ+ = Z − Z+ = {0,−1,−2,−3, . . .}.

Analogamente, o conjunto dos inteiros nao negativos e o conjunto

{ZZ− = Z − Z− = {0, 1, 2, 3, . . .}.

Dizemos que um numero inteiro a ∈ Z tem sinal positivo, se a e positivo, isto e, a ∈ Z+, e

dizemos que tem sinal negativo, se a e negativo, a ∈ Z−.

19

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Os Inteiros 2.2 Operacoes

Dados a, b ∈ Z, dizemos que a e b tem o mesmo sinal quando ambos tem sinal positivo ou

ambos tem sinal negativo, isto e, ambos pertencem a Z+ ou ambos pertencem a Z−. Diremos

que a e b tem sinais contrarios quando um deles e positivo e o outro e negativo.

2.2 Operacoes

No capıtulo anterior estudamos algumas operacoes sobre conjuntos. Estas operacoes nos per-

mitiram construir, a partir de conjuntos dados, um novo conjunto. Nesta secao vamos introduzir

a nocao de operacao desde um ponto de vista global e depois enfocar a nossa atencao em

operacoes definidas no conjunto Z dos numeros inteiros.

Definicao. Seja A um conjunto nao vazio. Uma operacao sobre A e uma lei que a cada par

ordenado de elementos de A faz corresponder um elemento de A. Se ? e uma operacao em

A e (a, b) ∈ A × A, escrevemos ?(a, b) ou a ? b para designar o elemento de A determinado

ao aplicar a operacao ao par ordenado (a, b). Dizemos que a ? b e o resultado de aplicar a

operacao ? ao par ordenado (a, b) ∈ A×A.

Em sımbolos escrevemos

? : A×A −→ A

(a, b) 7−→ a ? b .

Da definicao de operacao obtemos que: dados a, b ∈ A, se a = a ′ e b = b ′ entao, a?b = a ′?b ′.

Por exemplo, consideremos um conjunto A = {α, β} contendo dois elementos. Definimos uma

operacao ? : A×A −→ A mediante a seguinte tabela:

? α β

α α β

β β α

Nesta tabela, escrevemos a primeira coordenada dos pares ordenados

de A × A na coluna embaixo de ?, e a segunda coordenada na fila a

direita de ?. A primeira fila da tabuada se lee: α ? α = α, α ? β = β, e a

segunda fila β ? α = β e β ? β = α.Neste exemplo observamos que, quaisquer que sejam x, y ∈ A tem-se x ? y = y ? x. Uma

operacao verificando esta propriedade e chamada comutativa. Tambem, quaisquer que sejam

x, y, z ∈ A, vale x? (y? z) = (x?y)? z (verifique este fato!). Uma operacao com esta propriedade

e chamada associativa. O elemento α de A tem a propriedade de que α ? x = x ? α = x, isto e,

α e um elemento neutro para a operacao ?.

Vejamos outro exemplo. Seja B = {0, 1, 2, 3, 4} e consideremos a operacao ? : B × B −→ B

definida pela tabela abaixo:

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Os Inteiros 2.2 Operacoes

? 0 1 2 3 4

0 0 0 0 0 0

1 0 1 2 3 4

2 0 2 4 1 3

3 0 3 1 4 2

4 0 4 3 2 1

Segundo esta tabela vemos que 1?x = x?1 = x qualquer

que seja x ∈ B, isto e, 1 e um elemento neutro para a

operacao ?. Observando com cuidado vemos que a tabu-

ada e simetrica em relacao a diagonal, logo a operacao ?

e comutativa. Podemos verificar que a operacao ? e as-

sociativa e que para cada x ∈ B − {0}, existe y ∈ B tal que

x ? y = 1, pois 1 ? 1 = 1, 2 ? 3 = 3 ? 2 = 1 e 4 ? 4 = 1.

Vamos agora enfocar a nossa atencao no conjunto Z dos numeros inteiros.

Sobre o conjunto Z dos numeros inteiros podemos definir muitas operacoes. As operacoes

de soma e de multiplicacao, com as quais ja estamos familiarizados, serao de fundamental

importancia no resto deste capıtulo:

+ : Z× Z −→ Z (m,n) 7−→ m + n (operacao de soma ou adicao)

· : Z× Z −→ Z (m,n) 7−→ m · n (operacao de multiplicacao ou produto)

A multiplicacao de dois numeros inteiros a e b sera tambem designada pela justaposicao ab,

isto e, colocando um numero apos o outro. Esta terminologia devera ser usada com cuidado,

por exemplo: 15 e o inteiro quinze e nao 1 ·5. Por outro lado, se a ∈ Z, 2a se entende como 2 ·a.

Da nocao geral de operacao, tem-se a seguinte regra que utilizaremos com frequencia:

Dados a, b, c ∈ Z temos que

• (i) se a = b entao a + c = b + c ,

• (ii) se a = b entao a · c = b · c .

Mais tarde voltaremos a falar sobre esta regra, ou mais especificamente, sobre a sua recıproca

(vide as leis de cancelamento para adicao e multiplicacao).

Na pratica fazemos uso das operacoes de soma e multiplicacao, junto com uma serie de pro-

priedades ou regras de manipulacao, que na maioria dos casos aplicamos de maneira quase

automatica sem reparar muito nos detalhes.

Com o objetivo de entender com mais detalhe a natureza destas operacoes e mesmo para en-

tender o por que de alguns erros que se cometem com frequencia na pratica, vamos apresentar

tais propriedades e fazer uma analise cuidadosa das consequencias e fatos que delas se obtem

.

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Os Inteiros 2.2 Operacoes

Propriedades das operacoes de soma e de multiplicacao em Z:

• (1) Comutatividade:

• a + b = b + a para todo a, b ∈ Z,

• a · b = b · a para todo a, b ∈ Z.

• (2) Associatividade:

• (a + b) + c = a + (b + c) para todo a, b, c ∈ Z,

• (a · b) · c = a · (b · c) para todo a, b, c ∈ Z.

• (3) Distributividade:

• a · (b + c) = a · b + a · c para todo a, b, c ∈ Z,

• (a + b) · c = a · c + b · c para todo a, b, c ∈ Z.

• (4) Existencia de elementos neutros (0 para a adicao e 1 para a multiplicacao):

• 0 + a = a = a + 0 para todo a ∈ Z.

• 1 · a = a = a · 1 para todo a ∈ Z.

• (5) Existencia de simetricos:

• a + (−a) = 0 = (−a) + a para todo a ∈ Z.

Notacao. Dados a, b ∈ Z, escrevemos a − b para significar a + (−b), isto e, a soma de a com

o simetrico de b. O numero a − b se le a menos b.

Observamos que a propriedade descrita no item (5) diz respeito apenas a operacao de

soma. Dado a ∈ Z, o numero −a ∈ Z e chamado o simetrico de a.

Como dito anteriormente, podemos definir varias operacoes sobre Z. Uma delas, com a

qual estamos bastante familiarizados e a operacao diferenca dada pela notacao acima:

− : Z× Z −→ Z

(a, b) 7−→ a − b = a + (−b),

Outro exemplo de operacao definida sobre o conjunto Z e:

� : Z× Z −→ Z

(a, b) 7−→ a � b = 2 · a + b.

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Os Inteiros 2.2 Operacoes

Muita atencao!!

• Observe que nos sabemos somar apenas dois elementos de cada vez. O que significa

entao uma expressao tao conhecida como a + b + c onde a, b, c ∈ Z? Melhor dizendo,

faz sentido a expressao acima? De fato, mantendo a ordem em que a, b, c aparecem na

expressao so podemos opera-los como a + (b + c) ou (a + b) + c o que da na mesma,

segundo a propriedade de associatividade da soma. E por esta razao que a + b + c faz

sentido. Se quisermos alterar a ordem em que a, b, c aparecem na expressao tambem

podemos faze-lo, desta vez, lancando mao da propriedade de comutatividade.

Em virtude das propriedades associativa e comutativa da multiplicacao, as mesmas

consideracoes acima podem ser aplicadas ao produto de tres ou mais inteiros, isto e,

se a, b, c ∈ Z, o produto a · b · c pode ser entendido como a · (b · c) ou como (a · b) · c, ou

ainda como b · (a · c) etc. Outro exemplo, se a, b, c, d, e, f, g ∈ Z,

a + b + c + d + e + f + g = (a + (b + (c + (d + (e + f))))) + g

= ((a + b) + (c + d)) + ((e + f) + g) = etc.

a · b · c · d · e · f · g = ((a · b) · (c · (d · (e · f)))) · g= ((a · b) · (c · (d · (e · f)))) · g = etc.

• Do item anterior concluımos que nas expressoes a + (b + c) e (a + b) + c com a, b, c ∈ Zpodemos ignorar o parenteses, isto e, a + (b + c) = a + b + c = (a + b) + c. Sera que

podemos fazer isto na expressao a − (b − c), escrevendo a − (b − c) = a − b − c =

(a−b)−c ? Se a operacao diferenca fosse associativa, poderıamos faze-lo mas isto nao e

verdade (prove!). Exatamente por esta razao tambem nao podemos ignorar o parenteses

na expressao a−(b+c), escrevendo a−(b+c) = a−b+c. De fato, a−(b+c) = (a−b)−c.

O que e intrigante e que apesar da operacao diferenca nao ser associativa nos bem que

entendemos o que significa a − b − c ! Bem, neste caso quando lemos a expressao

a − b − c de fato estamos lendo (a − b) − c e nao a − (b − c). Isto e uma convencao que,

evidentemente, respeitaremos.

Trabalhando com as operacoes de soma e multiplicacao sobre Z nos utilizaremos com

frequencia as propriedades de (1) a (5). Alem delas, utilizaremos tambem varias de suas con-

sequencias, listadas abaixo e de facil demonstracao.

Consequencia 1. 0 · a = 0 = a · 0 , ∀a ∈ Z.

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Os Inteiros 2.2 Operacoes

Demonstracao. Das propriedades acima descritas temos que 0 · a = (0 + 0) · a = 0 · a + 0 · a.

Agora, somando −(0 · a) a cada membro da equacao 0 · a = 0 · a + 0 · a nos concluımos que

0 · a = 0 para todo a ∈ Z. Daı segue que 0 · a = 0 = a · 0 para todo a ∈ Z. C.Q.D.

Consequencia 2. (−1) · a = −a , ∀a ∈ Z.

Demonstracao. Temos que (−1) · a + a = (−1) · a + (1) · a = (−1 + 1) · a = 0 · a = 0.

Agora, somando −a a cada um dos membros da equacao (−1) · a + a = 0 nos concluımos que

(−1) · a = −a, ∀a ∈ Z. C.Q.D.

Destas duas consequencias temos: 0 = (−1) · 0 = −0.

Consequencia 3. Mais geralmente, repetindo adequadamente os argumentos acima, nos

concluımos que

a · (−b) = (−a) · b = −a · b , ∀a, b ∈ Z.

E esta propriedade que nos permite garantir que

a · (b − c) = a · b − a · c , ∀a, b, c ∈ Z.

De fato,

a · (b − c) = a · (b + (−c)) = a · b + a · (−c) = a · b + (−a · c) = a · b − a · c.

Consequencia 4. a − b = 0⇐⇒ a = b.

Demonstracao. Com efeito,

a − b = 0 ⇐⇒ a + (−b) = 0 pela definicao da diferenca a − b⇐⇒ (a + (−b)) + b = 0 + b somando b em ambos lados da igualdade⇐⇒ a + ((−b) + b) = b pela propriedade associativa⇐⇒ a + 0 = b pela propriedade dos simetricos⇐⇒ a = b pela propriedade do elemento neutro aditivo. C.Q.D.

Consequencia 5. (−1)(−1) = 1 e portanto, −(−a) = a, para todo a ∈ Z.

Demonstracao. Com efeito, tem-se

(−1)(−1) − 1 = (−1)(−1) + (−1) = (−1)(−1) + (−1) · 1 = (−1)(−1 + 1) = (−1) · 0 = 0.

e entao, pelo item anterior (−1)(−1) = 1.

Logo, −(−a) = (−1)((−1)a) = ((−1)(−1))a = 1 · a = a, para todo a ∈ Z. C.Q.D.

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Os Inteiros 2.2 Operacoes

Repare que, se a ∈ Z+ entao −a ∈ Z− e reciprocamente, se a ∈ Z− entao −a ∈ Z+.

Portanto devemos ter cuidado com o seguinte:

E falso que: Se a e um inteiro, entao −a e um inteiro negativo.

Com efeito, observe que

−(−1) = (−1)[(−1)1] = [(−1)(−1)]1 = 1 · 1 = 1

−(−(−3)) = (−1)[(−1){(−1)3}] = (−1)[{(−1)(−1)}3] = (−1)[1 · 3] = (−1)3 = −3

−(−(−(−(−n)))) = −n, para todo n ∈ Z, e assim por diante.

Consequencia 6. Lei do cancelamento para a adicao.

Dados a, b, c ∈ Z temos:

a + c = b + c =⇒ a = b

Demonstracao. Sejam a, b, c ∈ Z e suponhamos que a + c = b + c. Assim , obtemos:

a + c = b + c =⇒ a + c + (−c) = b + c + (−c) =⇒ a + 0 = b + 0 =⇒ a = b,

e a demonstracao esta terminada. C.Q.D.

Para demonstrar a lei do cancelamento para a multiplicacao precisamos do seguinte lema.

Lema 2.2.1. Sejam a, b ∈ Z. Se a · b = 0 entao a = 0 ou b = 0.

A demonstracao deste lema sera feita mais tarde quando introduzirmos o conceito de divisi-

bilidade. Vamos agora utiliza-lo para demonstrar a lei do cancelamento para a multiplicacao.

Consequencia 7. Lei do cancelamento para a multiplicacao.

Dados a, b, c ∈ Z com c 6= 0 temos:

a · c = b · c =⇒ a = b

Demonstracao. Sejam a, b, c ∈ Z e suponhamos que a · c = b · c. Assim , obtemos:

a · c = b · c =⇒ a · c − b · c = 0 =⇒ (a − b) · c = 0 =⇒ a − b = 0 ou c = 0.

Como c 6= 0 por hipotese, segue do lema acima que a−b = 0, isto e, a = b e a demonstracao

esta terminada. C.Q.D.

Definicao. Seja a ∈ Z. O valor absoluto ou modulo de a, denotado |a| se define por

|a| =

a , se a e positivo

0 , se a = 0

−a , se a e negativo .

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Os Inteiros Exercıcios

Desta definicao temos que, se a ∈ Z∗, entao |a| e um inteiro positivo. Alem disso,

|a| = 0⇐⇒ a = 0.

Por exemplo, |2| = 2 = −(−2) = | − 2|.

E importante observar que, | − a| = a se, e somente se, a e um inteiro positivo.

Exercıcios

1. Calcule

(a) 2 − 2(3 − (−1)) + (−5 − 3(5 − 2(−1(2 − 4)))).

(b) −3 + (−3 − (4 − 2(1 − 2)2)(2 − 3(−1 + (−3 · 2 + 2))(−2))).

(c) −2 − |2(−2 + (5 − 2(3 − | − 4|)))| − | − |3 − |2| | − 1| |.

2. Sejam a ∈ Z∗ e b ∈ Z. Diga se as afirmacoes abaixo sao falsas ou verdadeiras e justifique

suas respostas.

(i) −a e um inteiro negativo,

(ii) a + b e um inteiro positivo,

(iii) 2a e um inteiro positivo,

(iv) a · a e um inteiro positivo,

(v) −100 − a e um inteiro nao negativo,

(vi) 0 e 2 tem o mesmo sinal,

(vii) 1 + (a − b)(a − b) e um inteiro positivo,

(viii) |b| e nao negativo,

(ix) |a + 3| = a + 3,

3. Elimine os parenteses nas expressoes abaixo.

(i) a − 3(2a − (−a + b) − a(b − 2(−a + b))a − b),

(ii) 2(−a + 1 − b(2 − 2a(1 − b)) − 3b − 2(−4 − (a − 2))),

(iii) (2 − |a| + 3(a − (a − 1) + |a + 1|) − 2(1 − |a + 3|)).

4. Determinar tres inteiros, sabendo que a soma do primeiro com o segundo e 32, a soma do

segundo com o terceiro e 36 e a soma do primeiro com o terceiro e 34.

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Os Inteiros Exercıcios

5. Considere dois inteiros de soma S, de diferenca D e de produto P. Responda as questoes

seguintes selecionando a resposta correta dentre as propostas.

(a) Adicionamos 5 a um dos inteiros e 3 ao outro. O que acontece com S?

(b) Adicionamos 4 a cada um dos inteiros. O que acontece com S? E com D?

(c) Multiplicamos cada inteiro por 2. O que acontece com S? E com D? E com P?

(d) Multiplicamos um dos inteiros por 5 e o outro por 3. O que acontece com P?

Respostas propostas.

(i) Nao varia.

(ii) Aumenta de 5.

(iii) Diminui de 8.

(iv) Dobra.

(v) Fica multiplicada por 15.

(vi) Triplica.

(vii) Fica multiplicada por 4.

(viii) Aumenta de 8.

6. Um filho tem 11 anos e sua mae 35 anos. Daqui a quantos anos a idade da mae sera o triplo

da idade do filho.

7. A idade de duas pessoas somam 120 anos. Subtraindo-se 10 anos da idade da mais velha e

acrescentando-os a da mais moca, as idades tornam-se iguais. Qual a idade de cada uma?

8. Um radio e uma televisao custam juntos R$ 1.500,00. Comprando apenas o radio me sobraria

R$ 200,00mas para adquirir a televisao precisava ter mais R$ 300,00 do que possuo. Quanto

custou o radio, a televisao e quanto possuo?

9. Duas cidades A e B distam 200 km. As 8 horas, parte de A para B, um trem com velocidade

de 30 km por hora e, duas horas depois, parte de B para A um outro trem com velocidade de 40

km por hora. A que distancia de A, dar-se-a o encontro dos trens?

10. Determine o valor de a ∈ Z na equacao

2(a − (2 − a) + (1 − 2a)(2 − 3(5 − 2))) = 3a − (a − 2(a − 3(a − 1))).

11. Use o Lema 2.2.1 para mostrar que se a, b, c ∈ Z sao tais que abc = 0 entao ou a = 0 ou

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Os Inteiros Exercıcios

b = 0 ou c = 0.

12. Determine todas as solucoes inteiras das equacoes:

(i) (a + 2)(2 − a)(a − 2(a − 2)) = 0,

(ii) (a − 2)(3 + b)ab = 0,

(iii) (a − 1)(3 + b)(a − b) = 0,

(iv) ab + 3a − 2b = 6,

(v) |a| = 1,

(vi) |a − 2| = 3,

(vii) |2 − a| · |b + 3| = 0,

(ix) |a| + a = 0.

13. Use a lei de cancelamento da multiplicacao para determinar todas as solucoes inteiras das

equacoes:

(i) 2a = 2, (ii) 2a = a, (iii) ab = b.

14. Mostre que a hipotese, a 6= 0 na lei de cancelamento para a multiplicacao, e essencial.

15. Da associatividade da operacao soma podemos concluir que (a − b) + c = a − (b + c)?

Justifique sua resposta.

16. Mostre que o Lema 2.2.1 usado para demonstrar a lei do cancelamento para a multiplicacao

e de fato equivalente a tal lei, i.e., mostre que a lei implica o lema e que o lema implica a lei.

Alias, esta ultima parte nos ja fizemos.

17. Sejam a, b ∈ Z. Mostre que |a| = |b| se, e somente se, a = b ou a = −b.

18. Considere dois inteiros iguais a e b.

Temos entao que:

a = b =⇒ a2 = ab =⇒ a2 − b2 = ab − b2 =⇒ (a − b)(a + b) = (a − b)b.

Usando a lei do cancelamento para a multiplicacao, obtemos a+b = b. agora tomando a = 1 =

b concluımos que 2 = 1.

Onde esta o erro?

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Os Inteiros Exercıcios

2.3 Potencias Naturais de Numeros Inteiros

Definicao:

• a0 = 1 para todo a ∈ Z∗

• ak = a · . . . · a︸ ︷︷ ︸k vezes

para todo a ∈ Z e k ∈ N∗.

Nesse contexto temos: a1 = a , a2 = a · a , a3 = a · a · a = a2 · a , e assim por diante.

Na definicao acima, nos dizemos que an e uma potencia tendo como base o inteiro a e como

expoente o natural n.

Propriedades das potencias.

Dados a, b ∈ Z∗ e m,n ∈ N temos:

1. am+n = am · an

2. (a · b)n = an · bn

3. (an)m = an·m

Voce entendeu o porque da condicao a, b ∈ Z∗ ao inves da condicao a, b ∈ Z ? Ela serve

apenas para evitar a potencia 00 que nao foi definida. Uma outra forma de enunciar a primeira

regra, poderia ser, por exemplo:

Sejam a ∈ Z e m,n ∈ N tais que am+n, am e an estao definidos. Entao am+n = am · an.

Exercıcios

1. Sejam a, b ∈ Z. Mostre que:

(i) (a + b)2 = a2 + 2ab + b2,

(ii) (a − b)2 = a2 − 2ab + b2,

(iii) (a + b)(a − b) = a2 − b2,

(iv) (a + b)3 = a3 + 3a2b + 3ab2 + b3.

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Os Inteiros Exercıcios

2. Use o desenvolvimento de (a + b)3 para concluir que

(a − b)3 = a3 − 3a2b + 3ab2 − b3.

3. Diga se e falso ou verdadeiro e justifique sua resposta:

(a) 2k+1 + 6 = 2(3 + 2k) para todo k ∈ N,

(b) 6n+1 − 6n = 2n · 3n+1 + 2n+1 · 3n para todo n ∈ N,

(c) 2n + 10m = 2n(1 + 10m−n · 5n) para todo m,n ∈ N com m ≥ n.

4. Seja a ∈ Z. Mostre que a2 = 1 se, e somente se a = 1 ou a = −1.

Demonstracao. Temos que a2 = 1 ⇐⇒ a2 − 1 = 0 ⇐⇒ (a − 1)(a + 1) = 0. Agora, usando o

Lema 2.2.1 obtemos

(a − 1)(a + 1) = 0⇐⇒ a + 1 = 0 ou a − 1 = 0⇐⇒ a = −1 ou a = 1. C.Q.D.

5. Use o Lema 2.2.1 para mostrar que se a2 = 0, a ∈ Z, entao a = 0.

6. Use uma das leis de cancelamento para demonstrar que se a2 = 0 com a ∈ Z entao a = 0.

7. Determine os valores da variavel n para os quais as expressoes abaixo fazem sentido em Z.

(a) 2n,

(b) (−5)n−2,

(c) 2n−3 + (2 + n)n+1,

(d) (2 + n)2+n,

(e) 2n−1,

(f) 32(n−4) · 53n−n2.

8. Determine as solucoes inteiras das equacoes:

(a) (a − 1)2 = 0,

(b) (a − 2)2 = 1,

(c) a2 − b2 = 0,

(d) a2 − a + 6 = 0,

(e) a2(b + 1) = a(b + 1),

(f) (a − 1)3 = a(1 − a)2.

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Os Inteiros 2.4 O Binomio de Newton

(g) a4 − 16 = 0.

9. Sejam a, b ∈ Z e coloquemos c = a − b. Temos entao que a = b + c. Multiplicando ambos os

membros por a − b temos:

(a − b)a = (a − b)(b + c) =⇒ a2 − ab = ab + ac − b2 − bc =⇒ a2 − ab − ac = ab − b2 − bc

=⇒ a(a − b − c) = b(a − b − c).

Agora, pela lei do cancelamento para a multiplicacao concluımos que a = b.

E voce, o que acha disto?

2.4 O Binomio de Newton

Muitas vezes temos necessidade de considerar somas com um grande numero de parcelas,

ou somas com um numero n de termos, onde n e um inteiro positivo qualquer. Por exemplo,

a1 + a2 + a3 + a4 + a5 + a6 + a7 + a8 + a9 + a10 ,

b1 + b2 + . . . + b7 ,

b1 + . . . + b8 + b9 ,

c1 + . . . + cn , onde n ∈ Z+,

a0 + a1 + . . . + ak , onde k ∈ N .

Fixaremos agora uma notacao que facilitara a manipulacao destas somas.

Sejam n ∈ Z+ e a1, a2, . . . , an ∈ Z. Escrevemos

n∑i=1

ai (le-se somatorio de ai variando i de 1 ate n)

para indicar a soma a1 + a2 + . . . + an.

De forma similar, escrevemos:

n+1∑i=0

ai = a0 + a1 + . . . + an+1 , onde n ∈ Z+,

k∑j=2

bj = b2 + . . . + bk , onde k ∈ {2, 3, 4, . . .},

m+2∑k=−4

ck = c−4 + c−3 + . . . + cm + cm+1 + cm+2 , onde m ∈ Z+,

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Os Inteiros 2.4 O Binomio de Newton

p∑n=0

a2n = a0 + a2 + a4 + . . . + a2(p−1) + a2p , onde p ∈ Z+.

Note que cada uma das quatro ultimas somas possui um numero mınimo de termos e um

numero total (nao confundir com maximo) de termos: a primeira delas possui no mınimo 3

termos e um total de n + 2 termos, a segunda possui um mınimo de 1 termo e um total de k − 1

termos, a terceira possui um mınimo de 8 termos e um total de ...

Atencao! Ainda com relacao as ultimas quatro somas, e importante voce perceber que, na

primeira delas, o resultado da adicao de suas parcelas depende de n mas nao de i, na segunda

o resultado depende de k mas nao de j, na terceira o resultado depende de m mas nao de k, e

na quarta o resultado depende de p e nao de n.

Lema 2.4.1 Para quaisquer a, b ∈ Z∗ e n ∈ Z+, vale a seguinte identidade:

an − bn = (a − b)

n−1∑i=0

an−1−i · bi .

Demonstracao. Para demonstrar o lema efetuamos as operacoes indicadas no segundo mem-

bro da identidade com o objetivo de obter o primeiro membro.

Temos:

n−1∑i=0

an−1−i · bi = an−1b0 + an−2b1 + an−3b2 + . . . + a2bn−3 + a1bn−2 + a0bn−1.

Multiplicando ambos os membros desta identidade por a − b e efetuando as operacoes:

(a − b)

n−1∑i=0

an−1−i · bi = a ·

(n−1∑i=0

an−1−i · bi

)− b ·

(n−1∑i=0

an−1−i · bi

)= (anb0 + an−1b1 + an−2b2 + . . . + a3bn−3 + a2bn−2 + a1bn−1)

−(an−1b1 + an−2b2 + an−3b3 + . . . + a2bn−2 + a1bn−1 + a0bn)

= anb0 − a0bn = an − bn,

e a demonstracao esta terminada. C.Q.D.

Teorema (do binomio de Newton). Dados a, b ∈ Z∗ e n ∈ Z+ temos:

(a + b)n =

n∑k=0

(n

k

)akbn−k,

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Os Inteiros Exercıcios

onde(

n

k

)e o numero de combinacoes de n elementos k a k.

Veremos mais tarde uma formula para a combinacao de n elementos k a k mas, voce pode

concluir com facilidade que:

1. combinar n elementos 0 a 0 so podemos faze-lo atraves da colecao com zero elementos,

isto e, da colecao vazia, e entao (n

0

)= 1,

2. podemos combinar n elementos 1 a 1 de n maneiras diferentes, e entao(n

1

)= n,

3. podemos combinar n elementos n a n de uma unica maneira, e entao(n

n

)= 1,

4. podemos combinar n elementos n−1 a n−1 de n maneiras diferentes, para isto basta ver

que uma combinacao com n−1 elementos e construıda retirando um elemento da colecao

com n elementos, e entao (n

n − 1

)= n.

Por enquanto, vamos nos contentar com isso.

Exercıcios

1. Quantas parcelas tem as expressoes escritas abaixo:

(a) a1 + a2 + . . . + an, onde n ∈ Z+,

(b) am + am+1 + . . . + am+s, onde m ∈ Z e s ∈ Z+,

(c)n−1∑i=0

ai+1, onde n − 3 ∈ Z+,

(d) am−1 + am + . . . + am+s, onde m ∈ Z e s ∈ Z+.

2. Qual o numero mınimo de parcelas que podera ocorrer em cada uma das expressoes do

exercıcio anterior?

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Os Inteiros Exercıcios

3. Reescreva as expressoes abaixo sem usar o sımbolo de somatorio.

(a)n∑

j=0

aj + 3, onde n ∈ N,

(b)2n∑i=0

(−1)i · ai+1, onde n ∈ N,

(c)n−1∑

k=−4

δk+2, onde n ∈ N.

4. Qual o numero mınimo de parcelas que podera ocorrer em cada uma das expressoes do

exercıcio anterior?

5. Sejam p ∈ Z e n ∈ Z+. Mostre que:

(a) (a − b)n =

n∑k=0

(−1)n−k

(n

k

)akbn−k,

(b) (1 + a)n =

n∑i=0

(n

i

)ai,

(c)n∑

k=0

ak =

n−p∑i=−p

ai+p,

(d)n∑

i=0

ai = a0 +

n−1∑i=0

ai+1,

(e)n∑

i=0

(n

i

)= 2n,

(f)n∑

k=0

(−1)k

(n

k

)= 0.

6. Mostre que

(a)n∑

i=0

(ai + bi) =

n∑i=0

ai +

n∑i=0

bi,

(b)n∑

i=0

(c · ai) = c

n∑i=0

ai,

(c)n∑

i=1

(ai − ai−1) = an − a0.

7. Diga se as afirmacoes abaixo sao falsas ou verdadeiras justificando suas respostas.

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Os Inteiros 2.5 A Reta Orientada e os Numeros Inteiros

(a)100∑n=0

n2 =

100∑n=1

n2,

(b)n∑

k=0

(1 + k) = 1 +

n∑k=0

k, onde n ∈ Z+,

(c)n∑

i=1

(i + 1)4 =

n−1∑i=0

i4, onde n ∈ Z+,

(d)n∑

k=1

k2 =

n−s∑j=1−s

(j + s)2.

8. Mostre que (n

2

)=

n−1∑k=1

(n − k) = n(n − 1) −

n−1∑k=1

k,

para todo n ∈ {2, 3, 4, . . .}.

9. Compare(

n

p

)e(

n

n − p

).

10. Seja A um conjunto com n elementos (n ∈ N). Mostre que o numero de subconjuntos de A

e 2n. Isto e, #P(A) = 2n.

11. Qual e o coeficiente de a2x2 no desenvolvimento de (2x + a)4?

12. Qual e o coeficiente de x4 no desenvolvimento de (x + 3)5?

13. Qual e o coeficiente de ax3 no desenvolvimento de (a − x + 1)4?

Indicacao: Desenvolva (a − x + 1)4 como ((a − x) + 1)4.

2.5 A Reta Orientada e os Numeros Inteiros

Considere uma reta e sobre ela fixemos uma orientacao, isto e, fixemos um sentido de

percurso.

Representacoes graficas:reta sem orientacao

sentido de percurso fixado−−−−−−−−−−→

−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−→reta anterior com orientacao fixada

←−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−reta anterior com orientacao oposta

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 35 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros 2.5 A Reta Orientada e os Numeros Inteiros

Uma reta sobre a qual fixamos uma orientacao (i.e. um sentido de percurso) sera dita uma

reta orientada. Assim, uma reta orientada e constituıda de dois ingredientes: da reta e da

orientacao escolhida sobre ela.

Os tres pontinhos colocados a direita e a esquerda nas representacoes graficas acima ser-

vem apenas para indicar que estamos representando graficamente uma parte da reta ou da reta

orientada. Daqui para frente vamos propositadamente esquece-los, nao esquecendo no entanto

que estamos representando graficamente uma parte da reta ou da reta orientada.

Numa reta orientada podemos falar em pontos a direita (resp. a esquerda) de um ponto

dado, da seguinte maneira.

Seja P um ponto de uma reta orientada. Os pontos a direita de P sao aqueles que podem

ser atingidos a partir de P, seguindo o sentido de percurso fixado. Os pontos a esquerda sao

aqueles que podem ser atingidos a partir de P, seguindo o sentido de percurso oposto aquele

fixado.pontos a direita de P

◦−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−→reta orientadaP

pontos a esquerda de P

Pois bem, fixemos em definitivo uma reta orientada r, um ponto arbitrario O sobre ela (cha-

mado de origem) e um segmento de reta u (dito, unidade de comprimento).

−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−→O ru

(segmento de reta)︸ ︷︷ ︸unidade de comprimento

Agora, vamos inserir os numeros inteiros na reta orientada, colocando o numero 0 (zero) na

origem, os inteiros positivos a direita da origem e os inteiros negativos a esquerda da origem,

como mostrado na figura a seguir.u u u u u u u u

· · ·︷ ︸︸ ︷

· · ·︷ ︸︸ ︷︷ ︸︸ ︷︷ ︸︸ ︷︷ ︸︸ ︷︷ ︸︸ ︷︷ ︸︸ ︷

· · ·︷ ︸︸ ︷

· · ·−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−→−n −n + 1 −3 −2 −1 0 1 2 3 (n − 1) n r

Isto e feito da seguinte maneira:

1 e −1 sao colocados a uma unidade da origem,

2 e −2 sao colocados a 2 unidades da origem,

3 e −3 sao colocados a 3 unidades da origem,...

......

n e −n sao colocados a n unidades da origem, para cada n ∈ Z+.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 36 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros 2.5 A Reta Orientada e os Numeros Inteiros

Diremos que n e −n foram colocados na reta orientada, simetricamente em relacao a ori-

gem. Tambem diremos que o numero 1 foi obtido da origem por translacao a direita de uma

unidade, que o numero −1 foi obtido da origem por translacao a esquerda de uma unidade, que

2 foi obtido da origem por translacao a direita de 2 unidade (ou de 1 por translacao a direita de

uma unidade), que −2 foi obtido da origem por translacao a esquerda de 2 unidade (ou de 1 por

translacao de 3 unidades), e assim por diante.

De forma mais geral, dados a ∈ Z e b ∈ Z+ diremos que

1. a + b (na reta orientada) foi obtido de a (na reta orientada) pela translacao a direita de b

unidades, ou simplesmente, a + b foi obtido transladando a de b,

2. a − b (na reta orientada) foi obtido de a (na reta orientada) pela translacao a esquerda de

b unidades, ou simplesmente, a − b foi obtido transladando a de −b.

Assim, dados a, b ∈ Z entenderemos que a + b e obtido transladando a de b (translacao a

direita se b e positivo, a esquerda se b e negativo e translacao nula se b = 0).

Uma outra propriedade importante desta forma de inserir os inteiros na reta orientada, ou

digamos assim, de mergulhar os inteiros na reta orientada, e a seguinte.

Dados dois pontos P,Q da reta orientada, existem no maximo um numero finito de inteiros

entre eles.

Em particular,

dado um ponto P da reta orientada, sempre existem inteiros a direita de P e inteiros a

esquerda de P.

Mais precisamente,

i. dado um ponto P da reta orientada, existe n0 ∈ Z+ tal que n0 esta a direita de P,

P• ◦−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−→

n0 ∈ Z−

ii. dado um ponto P da reta orientada, existe n0 ∈ Z− tal que n0 esta a esquerda de P.

P◦ •−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−−→n0 ∈ Z−

Observe que em ambos os casos o inteiro n0 depende do ponto P considerado.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 37 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros Exercıcios

Agora, seja A um subconjunto de Z. Diremos que A e limitado inferiormente (ou, cotado

inferiormente) se existe um ponto P da reta orientada tal que todo elemento de A esta a direita

de P. Diremos que A e limitado superiormente (ou, cotado superiormente) se existe um ponto Q

da reta orientada tal que todo elemento de A esta a esquerda de P.

Exemplos.

a. O conjunto N e limitado inferiormente. Para ver isso, fixe um ponto P da reta, a esquerda

da origem. Neste caso, todo elemento de N esta a direita de P, o que mostra que N e

limitado inferiormente.

b. O conjunto Z+ nao e limitado superiormente, pois, ja vimos que dado um ponto Q das reta

orientada sempre existe um inteiro positivo a sua direita.

c. O conjunto Z− e limitado superiormente, pois, todo elemento de Z− esta a esquerda da

origem.

d. O conjunto Z nao e limitado inferiormente nem superiormente. Isto segue do fato que dado

um ponto P sempre existem inteiros a direita e a esquerda de P.

Na proxima secao falaremos de uma outra propriedade de Z enquanto subconjunto da reta

orientada. Esta importante propriedade estara relacionada com o conceito de subconjuntos

limitados inferiormente e superiormente.

Exercıcios

1. Diga se e falso ou verdadeiro e justifique sua resposta.

(a) O conjunto dos inteiros nao positivos e limitado inferiormente,

(b) O conjunto dos inteiros nao negativos e limitado inferiormente.

2. Sejam A,B ⊂ Z. Mostre que

(a) Se A e B sao limitados superiormente entao, A ∪ B e A ∩ B sao limitados superiormente.

(b) Se A e limitado inferiormente e B e limitado superiormente entao, A ∩ B e limitado superior-

mente e inferiormente.

3. Diga se e falso ou verdadeiro e justifique sua resposta.

(a) Entre dois pontos distintos da reta orientada existe pelo menos um numero inteiro,

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 38 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros 2.6 A Relacao de Ordem

(b) Dado um ponto P da reta orientada existe um inteiro n0 ∈ Z+ tal que n0 − 5 esta a direita de

P,

(c) Dado um ponto P da reta orientada existe um inteiro n0 ∈ Z+ tal que n0+100 esta a esquerda

de P.

4. Seja P um ponto da reta orientada e M ∈ Z. Mostre que existe n0 ∈ Z+ tal que n0 − M esta

a direita de P.

5. Mostre que subconjuntos de conjuntos limitados superiormente (resp. inferiormente) sao

limitados superiormente (resp. inferiormente).

6. Nesta secao, nos definimos o que significa um subconjunto de Z ser limitado superiormente.

Colocamos agora uma nova definicao: Dizemos que um subconjunto nao vazio A ⊂ Z e limitado

superiormente quando existe um numero inteiro N tal que todo elemento de A esta a esquerda

de N.

Mostre que a definicao antiga e a nova sao de fato equivalentes, isto e, mostre que todo sub-

conjunto nao vazio de Z que e limitado superiormente em relacao a uma das definicoes tambem

sera limitado superiormente em relacao a outra.

2.6 A Relacao de Ordem (primeiro contato)

Apos representar o conjunto Z na reta orientada vamos utilizar a orientacao fixada na reta

para introduzir em Z uma ordenacao.

Definicao. Sejam a, b ∈ Z. Diremos que a e menor que b (notacao a < b) quando a esta

a esquerda de b na reta orientada. Equivalentemente, diremos que a e maior que b (notacao

b > a) quando b esta a direita de a.

Neste contexto, os inteiros positivos sao aqueles que sao maiores do que zero e os inteiros

negativos sao aqueles que sao menores do que zero.

Esta forma de comparacao entre elementos de Z, introduzida pela definicao acima, sera dita

relacao de ordem.

Observe que, definida a relacao “ < ”ao definir a relacao “ > ”nao introduzimos nada de novo,

a nao ser uma nova notacao. Dizer que b > a e, exatamente, dizer que a < b.

A relacao de ordem que acabamos de introduzir tem algumas propriedades fundamentais

que utilizaremos com muita frequencia, sem demonstracao.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 39 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros 2.6 A Relacao de Ordem

Propriedades da relacao “ < ”.

• Sejam a, b, c ∈ Z.

(1) se a < b e b < c entao a < c (transitividade),

(2) se a 6= b entao a < b ou b < a (dois elementos distintos sao comparaveis),

(3) se a < b entao a + c < b + c,

(4) se a < b e c > 0 entao ac < bc,

(5) se a < b e c < 0 entao ac > bc.

• Alem disso, segue das propriedades acima que

(6) 0 < a < b =⇒ 0 < an < bn , quando n ∈ Z+.

De posse destas propriedades podemos demonstrar com facilidade os seguintes lemas que

nos sao muito familiares.

Lema 2.6.1. Dados a, b ∈ Z temos que

(i) a, b > 0 =⇒ a · b > 0,

(ii) a, b < 0 =⇒ a · b > 0.

Demonstracao. Suponhamos entao que a e b sao ambos positivos. Como b e positivo, multipli-

cando ambos os membro da desigualdade a > 0 por b, obtemos

a > 0 =⇒ a · b > 0 · b =⇒ a · b > 0,

e a demonstracao do caso (i) esta terminada. A demonstracao do caso (ii) e uma repeticao da

demonstracao do caso (i). C.Q.D.

Lema 2.6.2. Se a, b ∈ Z∗ tem sinais contrarios (i.e. se um e positivo e o outro e negativo) entao

a · b < 0.

Demonstracao. Para demonstrar este lema basta considerar o caso em que a > 0 e b < 0.

Admitamos pois este fato. Como b e positivo, multiplicando ambos os membros da desigualdade

a < 0 por b, obtemos

a < 0 =⇒ a · b < 0 · b =⇒ a · b < 0,

e a demonstracao esta terminada. C.Q.D.

No lema seguinte, nos enunciamos a recıproca da afirmacao do Lema 2.6.1.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 40 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros 2.6 A Relacao de Ordem

Lema 2.6.3 Sejam a, b ∈ Z tais que a · b > 0. Entao, ou ambos sao positivos, ou ambos sao

negativos.

Demonstracao. Primeiramente observamos que se a · b > 0 entao a, b ∈ Z∗ pois se um deles

se anula, o produto a.b tambem sera nulo. Por outro lado, se a, b ∈ Z∗ e tem sinais contrarios

entao, o Lema 2.6.2 garante que a ·b < 0. Agora, segue das duas afirmacoes acima que, ou a e

b sao ambos positivos, ou a e b sao ambos negativos e a demonstracao esta terminada. C.Q.D.

Agora, demonstraremos a recıproca da afirmacao do Lema 2.6.2.

Lema 2.6.4 Sejam a, b ∈ Z tais que a · b < 0. Entao a e b tem sinais contrarios.

Demonstracao. Novamente observamos que se a · b < 0 entao a, b ∈ Z∗. Por outro lado, o

Lema 2.6.3 nos diz que a e b nao podem ter o mesmo sinal pois, neste caso terıamos a · b > 0.

So nos resta entao a possibilidade de termos a e b com sinais contrarios, o que demonstra o

resultado. C.Q.D.

A proposicao abaixo enuncia os resultados descritos nos Lemas 2.6.1 a 2.6.4.

Proposicao 2.6.5 Dados a, b ∈ Z temos:

(i) a · b < 0⇐⇒ a e b tem sinais contrarios,

(ii) a · b > 0⇐⇒ a e b tem o mesmo sinal.

Este resultado tem papel importante no estudo de certos tipos de inequacoes.

Vamos agora falar de uma nova e importante propriedade da qual dotamos o conjunto dos

numeros inteiros ao inserı-lo na reta orientada, como descrito na secao 2.5. Esta propriedade

diz o seguinte:

Seja A um subconjunto nao vazio de Z que e limitado inferiormente. Entao, existe um ele-

mento a0 ∈ A com a seguinte propriedade: todo elemento do conjunto A, distinto do elemento

a0, e maior do que a0.

O elemento a0 e dito o menor elemento (ou mınimo) do conjunto A e e denotado por min(A).

Analogamente,

Seja A um subconjunto nao vazio de Z que e limitado superiormente. Entao, existe um

elemento b0 ∈ A com a seguinte propriedade: todo elemento do conjunto A, distinto do elemento

b0, e menor do que b0.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 41 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros 2.6 A Relacao de Ordem

O elemento b0 e dito o maior elemento (ou maximo) do conjunto A e e denotado por max(A).

Exemplos.

(a) O conjunto Z+ tem como menor elemento o numero 1. O conjunto Z+ nao tem maior

elemento pois nao e limitado superiormente.

(b) O conjunto Z− tem como maior elemento o numero −1. O conjunto Z− nao tem menor

elemento pois nao e limitado inferiormente.

(c) O conjunto Z nao tem menor elemento nem maior elemento.

A propriedade descrita acima nos permite fazer a seguinte construcao.

Sejam A um subconjunto de Z e P um ponto da reta orientada.

Se o conjunto A tem pontos a direita de P entao o conjunto de tais pontos , Adir , e nao

vazio e limitado inferiormente logo, podemos falar em min(Adir). Tal elemento e dito o primeiro

elemento de A a direita de P.

Se o conjunto A tem pontos a esquerda de P entao o conjunto de tais pontos , Aesq , e

nao vazio e limitado superiormente logo, podemos falar em max(Aesq). Tal elemento e dito o

primeiro elemento de A a esquerda de P.

Exemplos.

1. Considere o caso em que A = Z. Assim, dado um ponto P da reta orientada temos

elementos de A a direita e a esquerda de P. Se P e um ponto da reta que nao representa um

numero inteiro, entao P esta entre dois inteiros consecutivos n0 e n0 + 1, onde o primeiro e o

inteiro mais proximo de P pela esquerda e o segundo e o inteiro mais proximo de P pela direita.

E importante lembrar que o inteiro n0 depende de P.

2. O que fizemos no exemplo anterior pode ser feito com um subconjunto qualquer A ⊂ Zque tenha a seguinte propriedade: dado um ponto P da reta existem elementos de A a direita e a

esquerda de P. Neste caso, o conjunto Adir(P)e nao vazio e limitado inferiormente, similarmente

Adir(P)e nao vazio e limitado superiormente. Consequentemente, podemos falar no primeiro

elemento de A a direita de P e no primeiro elemento de A a esquerda de P. Em particular, dado

n ∈ Z podemos falar no primeiro elemento de A a esquerda de n e no primeiro elemento de A

a direita de n.

Antes de seguir adiante voce deve tentar resolver alguns exercıcios desta secao.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 42 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros 2.6 A Relacao de Ordem

Combinando as relacoes de menor e de igual, definimos a relacao de menor ou igual

(notacao ‘‘ ≤ ”) por:

a ≤ b se, e somente se a < b ou a = b.

Propriedades da relacao “ ≤ ”.

• Sejam a, b, c ∈ Z. (1) a ≤ a,

(2) se a ≤ b e b ≤ a entao a = b,

(3) se a ≤ b e b ≤ c entao a ≤ c (transitividade),

(4) a ≤ b ou b ≤ a (dois elementos quaisquer sao comparaveis),

(5) se a ≤ b entao a + c ≤ b + c,y

(6) se a ≤ b e c > 0 entao ac ≤ bc,

(7) se a ≤ b e c < 0 entao ac ≥ bc.

• Alem disso, segue das propriedades acima que

(8) 0 < a ≤ b =⇒ 0 < an ≤ bn, quando n ∈ N.

Terminaremos esta secao demonstrando o seguinte teorema.

Teorema 2.6.6. Se a, b ∈ Z sao tais que a · b = 1 entao a = 1 = b ou entao a = −1 = b

Demonstracao. Primeiramente observamos que se ab = 1 entao ou ambos sao positivos ou

ambos sao negativos. Assim, para resolver o problema e suficiente analisar dois casos.

• Caso 1. a, b ∈ Z+.

Neste caso, e de observacao imediata que se a = 1 entao b = 1 e vice-versa. Resta agora

analisar o que ocorre quando ambos sao maiores do que 1. Nesta condicao podemos escrever

a = 1 + n ; n ≥ 1 e b = 1 + m ; m ≥ 1. Segue daı que

1 = ab = (1 + n)(1 + m) = 1 + m + n + mn > 1,

o que e absurdo. Logo, a = 1 = b.

• Caso 2. a, b ∈ Z−.

Como ab = 1 e a, b ∈ Z− entao −a,−b ∈ Z+ e temos que

(−a)(−b) = ab = 1.

Desta forma reduzimos o problema ao caso anterior e, consequentemente, podemos concluir

que −a = 1 = −b, isto e, a = −1 = b. C.Q.D.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 43 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros Exercıcios

Este teorema nos diz que a equacao xy = 1 , analisada no universo dos numeros inteiros,

apresenta apenas duas solucoes: a solucao x = 1 e y = 1 e a solucao x = −1 e y = −1.

Veremos mais tarde que a mesma equacao, analisada no universo dos numeros racionais, tera

uma infinidade de solucoes.

Corolario 2.6.7. Sejam a ∈ Z+ e n ∈ N tais que an = 1. Entao n = 0 ou a = 1.

Demonstracao. Se n = 0 nada resta a demonstrar. Se n = 1 entao temos a1 = 1, isto e, a = 1,

mostrando que o corolario e verdadeiro tambem para n = 1. Suponhamos agora que n ≥ 2.

Neste caso, an pode ser escrito na forma an = a · b e a equacao an = 1 toma a forma a · b = 1.

Como a, b ∈ N segue do Teorema 2.6.6 que a = 1 e a demonstracao esta terminada. C.Q.D.

Este corolario descreve uma propriedade importante das potencias naturais de numeros

inteiros que nao foi citada na seccao 2.3.

De pose da relacao de ordem podemos reescrever a definicao de valor absoluto de um

numero inteiro a da seguinte forma:

|a| =

a , se a ≥ 0

−a , se a < 0 .

Exercıcios

1. Diga se e falso ou verdadeiro e justifique sua resposta.

Sejam x, y, z ∈ Z tais que x ≥ y > 0 e z 6= 0.

• x + z > y + z • z ≥ z + 1 • xy + x ≥ y

• xz2 ≥ yz2 • xz4 > 0 • z2 + xy > y2.

2. Sejam a, b ∈ Z. Mostre que

(a) (a + b)2 = a2 + b2 se, e somente se a = 0 ou b = 0 ,

(b) (a + b)2 > a2 + b2 se, e somente se a e b tem o mesmo sinal,

(c) (a + b)2 < a2 + b2 se, e somente se a e b tem sinais contrarios.

3. Considere os conjuntos:

(a) A = {2n; n ∈ Z e n ≥ 0}

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Os Inteiros Exercıcios

(b) B = {4n ; n ∈ Z e n ≥ 0}

(c) C = {4n + 3 ; n ∈ Z e n ≥ 0}

(d) D = {3n + 1 ; n ∈ Z e n ≥ 0}

(e) E = {2n(−1)n ; n ∈ Z e n ≥ 0}

Descreva A ∩ B, C ∩D, A ∩ E, A ∪ E e C ∪D.

4. Para cada uma das inequacoes abaixo, determine o subconjunto dos numeros inteiros que a

satisfaz.

(a) x + 2 < 2x + 1,

(b) x − (2 − x) > 2x + 1,

(c) x − 2(x − 1) > 2 − (1 + x).

5. Mostre que a equacao 2x = 1 nao tem solucao em Z.

6. Determine as solucoes inteiras das inequacoes

(a) x2 − 9 > 0,

(b) x2 ≤ 3,

(c) 2x < 1.

7. Sejam a,m,n ∈ Z+ com a > 1. Mostre que am < an quando m < n.

8. Mostre que 2n > n para todo n ∈ N. • Sugestao. Use o binomio de Newton.

9. Use o Teorema 2.6.6 para concluir que se a, b ∈ Z sao tais que ab = −1 entao a = 1 = −b

ou a = −1 = −b.

10. Determine todas as solucoes inteiras da equacao |ab| = 1.

11. Sejam a, b, c ∈ Z. Determine todas as solucoes da equacao abc = 1.

12. Ate que ponto a hipotese a ∈ Z+ no Corolario 2.6.7 e essencial ?

13. Sejam a ∈ Z e n ∈ N. Determine as solucoes da equacao an = 1.

14. Sejam a, b ∈ N tais que a + b = 0. Mostre que a = 0 = b. • Sugestao. Faca uma

demonstracao por absurdo, supondo inicialmente que a > 0.

15. Sejam a, b ∈ Z tais que |a| + |b| = 0. Mostre que a = 0 = b.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 45 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros 2.7 Uma Primeira Nocao de limite

16. Sejam p, q ∈ N e n ∈ N∗. Mostre que se pn = qn entao p = q.

Sugestao. Suponha que p > q, use o binomio de Newton e o exercıcio anterior.

17. Sejam a1, a2, . . . , an ∈ Z tais que a1 · a2 · . . . · an = 0. Mostre que existe um inteiro k com

1 ≤ k ≤ n tal que ak = 0.

18. Sejam a1, a2, . . . , an ∈ N tais que a1·a2·. . .·an = 1. Mostre que ai = 1 para todo i ∈ {1, . . . , n}.

19. Sejam a1, a2, . . . , an ∈ N tais quen∑

i=1

ai = 0. Mostre que ai = 0 para todo i ∈ {1, . . . , n}.

20. Mostre que todo subconjunto nao vazio de Z+ (resp. de Z−) possui um menor elemento

(resp. um maior elemento).

21. Mostre que |a2| = |a|2 = a2 para todo a ∈ Z.

22. Sejam a1, a2, . . . , an ∈ Z tais quen∑

i=1

|ai| = 0. Mostre que ai = 0 para todo i ∈ {1, . . . , n}.

2.7 Uma Primeira Nocao de limite

Uma ideia muito interessante e sutil que segue das nocoes que acabamos de introduzir, ou

mais especificamente, da representacao dos inteiros na reta orientada, e a seguinte:

Considere a sucessao 1, 2, 3, . . . constituıda de todos os inteiros positivos, colocados em

ordem crescente, e seja P um ponto da reta orientada. Vimos, como propriedade da nossa

representacao, que existe n0 ∈ Z+ tal que n0 esta a direita de P. Consequentemente, todo

inteiro n > n0 estara a direita de P.

Ou seja, a sucessao 1, 2, 3, . . . tem a seguinte propriedade:

Dado um ponto P da reta orientada, existe n0 ∈ Z+ tal que,

n > n0 =⇒ n esta a direita de P.

Nos referiremos a esta propriedade dizendo que,

a sucessao 1, 2, 3, . . . , n, . . . tende a infinito,

ou escrevendo, n −→∞ (le-se, n tende a infinito).

Agora, seja b ∈ Z+ e considere a sucessao b, 2b, 3b, . . . , nb, . . .

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 46 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros 2.7 Uma Primeira Nocao de limite

Vamos mostrar que esta sucessao tem uma propriedade semelhante aquela da sucessao

1, 2, 3, . . . , n, . . .:

Dado um ponto P da reta orientada, existe n0 ∈ Z+ tal que

n > n0 =⇒ nb esta a direita de P.

Fixemos P na reta orientada. Existe n0 ∈ Z+ a direita de P. Como b ≥ 1, resulta:

n > n0 =⇒ nb > n0b =⇒ nb > n0b > n0 =⇒ nb esta a direita de P,

demonstrando o que pretendıamos.

Nos referimos a este fato escrevendo: nb −→∞ quando n −→∞, ou limn→∞ nb =∞.

Consideremos agora a sucessao 20, 21, 22, 23, . . . , 2n, . . .

Dito de outra forma, consideramos a sucessao cujo termo geral e 2n, onde n ∈ N. Vejamos

que esta sucessao tambem verifica

limn→∞ 2n =∞.

Para isto, devemos mostrar que:

dado um ponto P da reta orientada, existe n0 ∈ Z+ tal que,

n > n0 =⇒ 2n esta a direita de P.

Antes de mostrar esta propriedade, vamos mostrar que 2n > n para todo n ∈ Z+.

Utilizando o binomio de Newton, obtemos:

2n = (1 + 1)n =

n∑i=0

(n

i

)1i · 1n−i =

n∑i=0

(n

i

)=

(n

0

)+

(n

1

)+ . . . +

(n

n − 1

)+

(n

n

)≥

(n

0

)+

(n

1

)= 1 + n > n.

Fixemos agora um ponto P na reta orientada, e seja n0 ∈ Z+ a direita de P. Entao:

n > n0 =⇒ 2n > 2n0 =⇒ 2n > 2n0 > n0 =⇒ 2n esta a direita de P,

demonstrando o que pretendıamos.

Neste tipo de questao, dado um ponto P qualquer da reta, precisamos achar n0 satisfazendo

a uma determinada condicao. Ate agora, dado o ponto P, nos parece que determinar o inteiro

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Os Inteiros 2.7 Uma Primeira Nocao de limite

n0 e facil, basta toma-lo a direita de P, o difıcil e mostrar que n0 vai servir para o que queremos.

Engano! Regra geral, temos dois problemas nao triviais neste tipo de questao: determinar

um inteiro que tenha chances reais de satisfazer a condicao, e depois mostrar que de fato, ele

satisfaz a condicao. A dificuldade vem do fato que o inteiro n0 depende de P e, evidentemente,

da sucessao que estamos estudando.

Antes de estabelecer a proxima definicao, facamos mais um exemplo.

Fixemos c ∈ Z e consideremos a sucessao de termo geral 2n+c, onde n ∈ Z+. Mostraremos

que

limn→∞(2n + c) =∞.

Para isso devemos mostrar que:

Dado um ponto P da reta orientada, existe n0 ∈ Z+ tal que

n > n0 =⇒ 2n + c esta direita de P.

Seja dado um ponto P da reta orientada e passemos a determinar o n0. Suponhamos, por

um instante, que descobrimos um inteiro n0 tal que 2n0 esta a direita de P. Nesta situacao

temos:

n > n0 =⇒ 2n > 2n0 =⇒ 2n + c > 2n0 + c =⇒ 2n + c esta a direita de P.

O problema agora e determinar n0 ∈ Z+ tal que 2n0 + c esta a direita de P. Uma maneira de

fazer isto e a seguinte: Seja m0 um inteiro a direita de P e consideremos um inteiro positivo n0

tal que n0 > m0 − c (isto e, n0 + c > m0). Como n0 ≥ 1 temos:

2n0 > n0 =⇒ 2n0 + c > n0 + c > m0 =⇒ 2n0 + c esta a direita de P.

Este exemplo serve para mostrar que a determinacao do inteiro n0 nem sempre e trivial.

Estamos agora em condicao de entender a seguinte definicao:

Definicao. Seja an, com n ∈ Z+, o termo geral de uma sucessao de numeros inteiros. Diremos

que o limite de an quando n tende a ∞ e escrevemos limn→∞ an = ∞, quando dado um ponto P

da reta orientada, existe n0 ∈ Z+ tal que

n > n0 =⇒ an esta a direita de P.

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Os Inteiros Exercıcios

Aparentemente, algo menos exigente seria:

Definicao. Seja an, com n ∈ Z+, o termo geral de uma sucessao de numeros inteiros. Dizemos

que limn→∞ an =∞ quando: dado K ∈ Z+, existe n0 ∈ Z+ tal que n > n0 =⇒ an > K.

De fato, estas duas definicoes sao equivalentes. Isto vem do fato que dado um ponto P da

reta orientada, sempre existe um inteiro positivo depois dele.

Daqui para frente estaremos utilizando apenas esta segunda definicao

Notacao. No seguinte, designaremos por

{an}, ou {an}n∈Z+, ou {an}∞n=1, ou {an}n≥1,

a sucessao de inteiros a1, a2, . . . , an . . ..

Similarmente, a sucessao a0, a1, . . . , an, . . . se designa por {an}n∈N, ou {an}∞n=0, ou ainda

{an}n≥0.

Exercıcios

1. Mostre que

(a) limn→∞ n! =∞, onde n! = 1 · 2 · . . . · n para todo n ∈ Z+ (define-se tambem 0! = 1).

(b) limn→∞ n3 =∞.

(c) limn→∞ |n| =∞.

(d) limn→∞ nn =∞.

(e) limn→∞(3n + n2) =∞.

2. Seja {an}n∈Z+ uma sucessao de inteiros que tende a ∞ quando n −→ ∞. Mostre que existe

k0 ∈ Z+ tal que ak ≥ 1 para todo k > k0.

3. Considere sucessoes de numeros inteiros {an}n≥1 e {nn}n≥1 tais que, an ≤ bn para todo

n ∈ Z+. Mostre que, se limn→∞ an =∞ entao lim

n→∞ bn =∞. Interprete este fato na reta orientada.

4. Considere a sucessao de termo geral an = (−1)n onde n ∈ Z+. Podemos garantir que

limn→∞ an =∞?

5. Seja a ∈ Z tal que a > 1. Mostre que limn→∞ an = ∞, isto e, dado K ∈ Z+, existe n0 ∈ Z+ tal

que an > K para todo n > n0. Mostre que a hipotese a > 1 e essencial.

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Os Inteiros Exercıcios

Sugestao: Compare an com 2n.

6. Mostre que limn→∞ n = ∞. Isto e, mostre que dado K ∈ Z+ existe n0 ∈ Z+ tal que n > K para

todo n > n0.

7. Considere sucessoes de numeros inteiros de termo geral bn e cn com n ∈ Z+. Mostre que,

se limn→∞ bn =∞ e lim

n→∞ cn =∞ entao limn→∞(bn + cn) =∞ e lim

n→∞ bncn =∞.

8. Seja k ∈ Z. Mostre que limn→∞(k − n)2 =∞.

9. Mostre que limn→∞(a + n)k =∞ onde a ∈ Z e k ∈ Z+.

10. Seja a ∈ Z tal que a ≥ 1. Mostre que limn→∞ an = ∞, isto e, dado K ∈ Z+, existe n0 ∈ Z+ tal

que an > K para todo n > n0.

11. Inspirado nas ultimas definicoes e exercıcios de sentido (isto e, faca uma definicao ade-

quada) aos itens abaixo:

• limn→∞ an = −∞,

• limn→−∞ an =∞,

• limn→−∞ an = −∞.

Alem disso, calcule limn→−∞ n, lim

n→−∞ n2 e limn→∞(n2 − n).

12. Sejam {an}n∈Z e {bn}n∈Z sucessoes tais que limn→∞ an = ∞ e lim

n→∞ bn = −∞. Mostre que

limn→∞ anbn = −∞.

O que podemos dizer de limn→∞(an − bn)?

13. Sejam {an}n∈Z e {bn}n∈Z sucessoes tais que limn→∞ an = ∞ e1 ≤ bn ≤ K para todo n ∈ Z+,

onde K ∈ Z+ e um inteiro fixo. Mostre que limn→∞ anbn =∞.

14. Seja {an}n∈Z+ uma sucessao de inteiros. Mostre que, se limn→∞ an =∞, entao:

(a) limn→∞ c · an =∞ quando c > 0,

(b) limn→∞ c · an = −∞ quando c < 0

2.8 Numeros Pares, Numeros Impares

Definicao. Numeros pares sao os numeros da forma 2n, onde n ∈ Z. Numeros ımpares sao os

numeros da forma 2n + 1 onde n ∈ Z.

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Os Inteiros 2.9 Multiplo e Divisor

Exercıcios

1. Mostre que:

(a) 6 + 2(2n − 1) e par, qualquer que seja n ∈ Z.

(b) 2(n + 1) + 3 e ımpar para cada n ∈ Z.

(c) a soma de dois numeros pares e um numero par.

(d) a soma de dois numeros ımpares e um numero par.

(e) a ∈ Z e par (resp. ımpar) se, e somente se, o algarismo das unidades de a e par (resp.

ımpar).

2. Diga se e falso ou verdadeiro e justifique sua resposta.

(a) Qualquer potencia natural de 7 e um numero ımpar,

(b) Qualquer potencia natural de um numero par e um numero par.

3. Sejam a ∈ Z e k ∈ Z+. Mostre que

(a) se a e par entao ak e par,

(b) se a e ımpar entao ak e ımpar.

4. Sejam a ∈ Z− e k ∈ N. Mostre que an e positivo se n e par e negativo se n e ımpar.

5. Sejam a, b ∈ Z tais que a e par e b e ımpar. Mostre que a · b e par.

6. Quais algarismos da unidade podem ocorrer em potencias naturais do numero 8? Idem para

o numero 3. Idem para o numero 21. Idem para o numero 1010 + 2.

7. Quais os algarismos da unidade dos numeros 12491, 13592, 71547.

2.9 Multiplo e Divisor

Iniciamos esta secao com alguns conceitos extremamente importantes.

Definicao. Dizemos que b ∈ Z∗ divide a ∈ Z (ou que b e um divisor de a, ou que a e divisıvel

por b) e escrevemos b | a (le-se b divide a), se existe k ∈ Z tal que a = k · b. Neste caso, k e

dito o quociente da divisao de a por b e e denotado pora

b.

Quando a = k · b diremos tambem que a e um multiplo inteiro de b.

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Os Inteiros 2.9 Multiplo e Divisor

A notacaoa

b= k significa que b e nao nulo, que b divide a e que o inteiro k e o quociente

da divisao de a por b.

Quando b 6= 0, escrever a = k · b e equivalente a escrevera

b= k.

Note-se que, se a, b ∈ Z, dizer que b nao divide a (escrevemos b 6 | a, por simplicidade)

significa que, ou bem b = 0 ou bem a 6= k · b qualquer que seja k ∈ Z.

Cuidado! Por enquanto, conhecendo apenas o universo dos numeros inteiros, nao podemos

sair por ai dizendo quea

2sempre faz sentido. A notacao

a

2so faz sentido quando a e um inteiro

par (i.e. um multiplo de dois). Da mesma formaa

3so faz sentido quando a e um multiplo de 3.

E exatamente isto o que e dito no paragrafo anterior:

quando b 6= 0,a

bfaz sentido se, e somente se, a e multiplo de b.

E de facil verificacao que para todo inteiro nao nulo b temos que

0

b= 0 ja que 0 = 0 · b e

b

b= 1 ja que b = 1 · b.

Alem disso, para todo inteiro a temos que

a

1= a ja que a = 1 · a.

Dado b ∈ Z+ podemos ordenar os multiplos de b da seguinte forma:

. . . < −4b < −3b < −2b < −b < 0 < b < 2b < 3b < 4b < . . .

Isto e feito multiplicando por b a ordenacao que construımos ao representar Z na reta orien-

tada:

. . . < −4 < −3 < −2 < −1 < 0 < 1 < 2 < 3 < 4 < . . .

Esta ordenacao dos multiplos de b tera papel importante na demonstracao de um resultado

conhecido como Algoritmo da Divisao ou Algoritmo de Euclides.

Propriedades da divisao.

• Sejam a, b, c ∈ Z.

(1) se c divide b e b divide a entao c divide a,

(2) se c divide a e b entao c divide a + b e temosa + b

c=

a

c+

b

c,

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Os Inteiros Exercıcios

(3) se c divide a entao c divide −a e temos−a

c= −

a

c,

(4) se c divide a entao c divide ab e temosab

c=

a

c· b ,

(5) se c divide a e b e se a < b entaoa

c<

b

cquando c > 0, e

a

c>

b

cquando c < 0.

E consequencia facil das propriedades (2) e (3) acima que: (6) se c divide a e b entao c

divide a − b e temosa − b

c=

a

c−

b

c.

Com a introducao destes novos conceitos podemos demonstrar o lema abaixo que ja foi

anteriormente enunciado.

Lema 2.9.1. Sejam a, b ∈ Z. Se a · b = 0 entao a = 0 ou b = 0.

Demonstracao. Suponhamos que a e b sao nao nulos. Assim, sendo b 6= 0 podemos concluir

que cada membro da equacao a · b = 0 e divisıvel por b. Efetuando esta divisao obtemos:

a =a · bb

=0

b= 0

o que contradiz o fato que a e nao nulo. C.Q.D.

Na primeira vez que abordamos este lema (quando da lei de cancelamento para a multiplicacao)

ele parecia de difıcil demonstracao. Agora, depois de estabelecido o conceito de divisibili-

dade, a demonstracao ficou extremamente simples. Isto da uma pequena amostra do valor

das definicoes realmente importantes em matematica: elas guardam em si uma ideia.

Finalizaremos este topico com os seguintes lema.

Lema 2.9.2. Sejam a, b ∈ Z+. Se b e um divisor de a entao 1 ≤ b ≤ a.

Demonstracao. Como b ∈ Z+ segue que b ≥ 1. Por outro lado, como b divide a segue que

a = kb onde k ∈ Z+. Suponhamos, agora, que b > a. Multiplicando ambos os membros por k

obtemos a = kb > ka ≥ a , concluindo daı que a > a, o que e um absurdo. Logo, b ≤ a. C.Q.D.

Lema 2.9.3. Sejam a, b ∈ Z+. Se b e um multiplo de a, entao b ≥ a.

Demonstracao. Como b e multiplo de a seque que b = ka para algum k ∈ Z+ ja que a, b ∈ Z+.

Agora, multiplicando ambos os membros da inequacao k ≥ 1 por a ∈ Z+ obtemos b = ka ≥ a,

isto e, b ≥ a e a prova esta terminada. C.Q.D.

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Os Inteiros 2.10 Algoritmo de Euclides

Exercıcios

1. Diga se as afirmacoes abaixo sao falsas ou verdadeiras e justifique suas respostas.

(a) 10 e multiplo de -2,

(b) 2 e multiplo de 10,

(c) todo numero inteiro e multiplo de 1,

(d) todo numero inteiro e multiplo de -1,

(e) todo multiplo de 5 e ımpar,

(f) todo numero par e divisıvel por 2,

(g) se a e multiplo de 3 entao an e multiplo de 9 para todo n ≥ 2.

2. A diferenca de dois numeros inteiros e 288 e o seu quociente e 5. Quais sao os dois numeros?

3. Mostre que todo inteiro cujo algarismo das unidades (da sua expressao decimal) e 0, e um

numero par e divisıvel por 5.

4. Sejam a, b ∈ Z. Mostre que se a divide b e b divide a entao a = b ou a = −b.

5. Mostre que b divide a se, e somente se, b divide −a.

6. Use o Lema 2.9.2 para mostrar o seguinte resultado.

Sejam a ∈ Z∗ e b ∈ Z+. Se b e divisor de a, entao 1 ≤ b ≤ |a|.

7. Sejam a, b ∈ Z e seja c ∈ Z+ tal que c | a e c | b. Prove que, para quaisquer n, m ∈ Z tem-se

c | (na + mb).

2.10 Algoritmo de Euclides

Dados a, b ∈ Z com b 6= 0 nem sempre b divide a, i.e. nem sempre a e multiplo de b.

No entanto, vale o seguinte resultado, conhecido como Algoritmo de Euclides ou Algoritmo da

Divisao.

Teorema (de existencia). Dados a, b ∈ Z com b > 0, existem q, r ∈ Z tais que a = qb + r e

0 ≤ r < b.

Os inteiros q e r sao chamados respectivamente, o quociente e o resto da divisao de a (dito

dividendo) por b (dito divisor).

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Os Inteiros 2.10 Algoritmo de Euclides

A demonstracao deste teorema sera feita mais tarde.

O teorema acima e um teorema que garante a existencia, no presente caso, de numeros

inteiros satisfazendo a certas condicoes. Voce sera apresentado a varios deles e como nem

tudo que existe e unico, voce tambem vai se deparar com teoremas que garantem, posta a

existencia, a unicidade.

Exemplos. • 10 = 3 · 3 + 1

isto e, dividindo 10 por 3 obtivemos 3 como quociente e 1 (0 ≤ 1 < 3) como resto,

• 17 = 0 · 20 + 17

isto e, dividindo 17 por 20 obtivemos 0 como quociente e 17 (0 ≤ 17 < 20) como resto,

• 170 = 56 · 3 + 2

isto e, dividindo 170 por 3 obtivemos 56 como quociente e 2 (0 ≤ 2 < 3) como resto.

Multiplicando a igualdade acima por −1 obtemos,

• −170 = (−56) · 3 − 2

isto e, dividindo −170 por 3 obtivemos −56 como quociente e −2 como resto.

Cuidado com esta ultima frase! Ela nao esta errada. Voce apenas nao respeitou a

condicao imposta sobre o resto no algoritmo de Euclides. Para fazer a divisao segundo o al-

goritmo, devemos escrever:

−170 = (−56) · 3 − 2 = (−56) · 3 − 3 + 1

= (−56) · 3 − 1 · 3 + 1 = (−56 − 1) · 3 + 1

= (−57) · 3 + 1.

Agora, podemos dizer, seguindo o algoritmo de Euclides, que dividindo −170 por 3 obtemos −57

como quociente e 1 como resto.

Observe que dados a, b ∈ Z sempre podemos escrever que a = qb + r onde r = a − qb e q

e um numero inteiro qualquer.

Exemplos. • 10 = 2 · 3 + 4

isto e, dividindo 10 por 3 obtivemos 2 como quociente e 4 como resto (esta nao e a divisao do

Euclides),

• 23 = (−7) · 3 + 44

isto e, dividindo 23 por 3 obtivemos −7 como quociente e 44 como resto (esta nao e a divisao do

Euclides).

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 55 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros 2.10 Algoritmo de Euclides

Atencao! Daqui para frente sempre que falarmos em quociente e resto de divisao de inteiros

estaremos entendendo que se trata daqueles referidos no algoritmo de Euclides. Esta e uma

convencao que estaremos sempre respeitando.

Para terminar este topico falta ainda colocar uma questao importante. Sabemos que fora

da convencao feita acima, dados dois inteiros existem varias maneiras de se obter quocientes e

restos diferentes:

13 = 7 · 2 − 1 13 = 1 · 2 + 11 13 = 2 · 2 + 9 13 = 6 · 2 + 1

O que nos garante que adotando o algoritmo de Euclides, todos obterao os mesmos quo-

ciente e resto, numa divisao de dois inteiros dados? Essencialmente, estamos questionando a

unicidade do quociente e do resto no algoritmo de Euclides...

Teorema (de unicidade). Nas condicoes do teorema anterior, o quociente q e o resto r sao

unicos.

Demonstracao. Sejam dados a, b ∈ Z com b > 0 e suponhamos que existam inteiros q1, q2, r1, r2

tais que

a = q1 · b + r1 com 0 ≤ r1 < b

a = q2 · b + r2 com 0 ≤ r2 < b

Se q1 = q2 concluımos, facilmente, que r1 = r2. Reciprocamente, se r1 = r2 concluımos que

q1b = q2b. Como b 6= 0, segue da lei de cancelamento que q1 = q2.

Resta analisar o caso em que q1 6= q2 e r1 6= r2. Dividamos esta analise em dois casos.

Caso 1: r1 > r2 .

Como 0 ≤ r1, r2 < b segue que 0 < r1 − r2 < b.

Por outro lado, temos que

0 = (q1 − q2) · b + (r1 − r2)⇐⇒ r1 − r2 = (q2 − q1) · b .

Agora podemos concluir que 0 < (q2 − q1) · b < b. Dividindo ambos os membros por b

obtemos 0 < q1 − q2 < 1. Isto nos mostra que o inteiro q1 − q2 esta entre os inteiros 0 e 1, o

que e absurdo, ja que na representacao dos inteiros na reta orientada nao colocamos nenhum

inteiro entre 0 e 1.

Desta forma concluımos que o caso r1 > r2 de fato nao ocorre.

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Os Inteiros 2.11 Fatoracao

Caso 2: r2 > r1 .

Similarmente ao caso anterior prova-se que este caso tambem nao ocorre.

A demonstracao esta terminada. C.Q.D.

Demonstracao do Teorema de Existencia. Sejam a, b ∈ Z com b > 0. Temos que:

. . . < −3b < −2b < −b < 0 < b < 2b < 3b < . . .

Alem disso, ja vimos (na secao 2.6) que dado a ∈ Z existe n0 ∈ Z+ tal que n0b ≤ a < (n0 + 1)b

ou, equivalentemente, 0 ≤ a − n0b < b. Assim, a = n0b + (a − n0b), onde 0 ≤ a − n0b < b.

Isto e, dados a e b como no inicio, existem n0, r ∈ Z tais que a = n0b + r com 0 ≤ r < b, e a

demonstracao esta terminada. C.Q.D.

Exercıcios

1. Determine:

(a) o quociente e o resto da divisao de 190 por 7. Idem para −190.

(b) o quociente e o resto da divisao de −205 por 8.

(c) o resto da divisao de 15.7321997 por 4.

(d) o resto da divisao de 1.254380 por 9.

2. Determine:

(a) o menor inteiro positivo que dividido por 6 da resto 3 e dividido por 8 da resto 7.

(b) o menor inteiro positivo que deve ser somado a 8.746 para obter um multiplo de 11 aumentado

de quatro unidades.

(c) o maior inteiro positivo pelo qual se deve dividir 1.233 e 511 para se obter os restos 9 e 7,

respectivamente.

(d) o menor inteiro que admite exatamente 15 divisores inteiros positivos.

3. Sejam A = {n ∈ Z ; n e par} e B = {n ∈ Z ; n e ımpar}. Mostre que Z = A ∪ B e A ∩ B = ∅.

• Sugestao. Olhe para o resto da divisao por 2.

4. Mostre que um numero e ımpar se, e somente se, ele nao e divisıvel por 2.

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Os Inteiros 2.11 Fatoracao

2.11 Fatoracao

Fatorar um numero inteiro positivo e escreve-lo como produto de um numero finito de inteiros

positivos distintos da unidade.

Podem existir muitas fatoracoes para um dado inteiro positivo, por exemplo o numero 12

pode ser fatorado como 12 = 2 · 6 = 3 · 4 = 4 · 3 = 2 · 2 · 3. No entanto existe uma fatoracao com

uma propriedade muito especial e que e a unica verificando tal propriedade: a decomposicao

em fatores primos.

Para enunciar este teorema de decomposicao precisamos da seguinte definicao.

Definicao. Um inteiro p > 1 e dito um numero primo se os unicos inteiros positivos que o

dividem sao 1 e p.

Teorema 2.11.1. (de decomposicao em fatores primos). Qualquer inteiro a > 1 pode ser

fatorado de modo unico como a = pα11 pα2

2 . . . pαss onde p1 < p2 < . . . < ps sao numeros primos e

αi e um inteiro positivo para cada i ∈ {1, . . . , s}.

Aqui estamos diante de mais um teorema de existencia e unicidade. O teorema diz, primeiro:

todo inteiro a > 1 se decompoe de uma maneira especial, e segundo: tal decomposicao e feita

de “modo unico”. Isto quer dizer o seguinte:

Se a > 1 se decompoe como no enunciado do teorema e tambem como a = qβ1

1 qβ2

2 . . . qβrr ,

onde q1 < q2 < . . . < qr sao inteiros primos e βj ∈ Z+ para todo j ∈ {1, 2, . . . , r} entao,

s = r, qi = pi, e βi = αi, para todo i ∈ {1, 2, . . . , s}.

Observamos tambem, que dizer que um inteiro a > 1 nao possui divisores primos, e o

mesmo que dizer que ele e primo.

Embora a prova do teorema de decomposicao em fatores primos nao seja sofisticada, ela

requer de metodologias que vao alem do escopo elementar destas notas. O leitor avido pode

ler a prova no livro de I.N. Herstein “Topicos de ´Algebra” (teorema 1.3.1).

Um problema importante e elementar e o seguinte: Como saber se um inteiro p > 1 e primo

ou nao? . Por exemplo, sera que 3.431 e primo?

Ate agora, nao existe um algoritmo que nos permita gerar todos os numeros primos. Por-

tanto, a verificacao se faz por calculo direto. O seguinte resultado da um metodo para atacar o

problema:

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Os Inteiros 2.11 Fatoracao

Proposicao 2.11.2. Um inteiro n > 1 e primo se, e somente se, nenhum primo p tal que p2 ≤ n

e divisor de n.

Demonstracao. Se n > 1 e primo entao os seus unicos divisores sao 1 e o proprio n. Logo,

nenhum primo p tal que p2 ≤ n e divisor de n.

Reciprocamente, suponhamos que nenhum primo p tal que p2 ≤ n e divisor de n.

Suponhamos, pelo absurdo, que n nao seja primo.

Pelo teorema anterior, n possui divisores primos. Seja p um deles.

Entao:

p2 > n e n = p · k, para algum k ∈ Z+, k > 1.

O primeiro fato a observar e que p nao divide k: Com efeito, se p for divisor de k entao,

k = l · p para algum l ∈ Z+.

Logo n = k · p = (l · p) · p = l · p2 ≥ p2 > n, o qual e absurdo.

Temos entao duas possibilidades por analisar: k > p ou k < p

Se k > p, pelo algoritmo de Euclides, existem q, r ∈ Z+ tais que k = q · p + r com 0 ≤ r < p.

Logo n = k · p = (q · q + r) · p = q · p2 + r · p ≥ q · p2 ≥ p2 > n, absurdo!

Portanto k nao pode ser maior do que p.

Se k < p, escolhamos um divisor primo q de k e escrevemos k = s · q para algum s ∈ Z+.

Como q e tambem divisor primo de n, vale q2 > n por hipotese. Alem disso, q ≤ k < p.

Logo n = k · p = (s · q) · p > (s · q) · q = s · q2 ≥ q2 > n. Absurdo!

Portanto k tambem nao pode ser menor do que p.

Portanto n nao pode ter divisores primos, isto e, n e primo. C.Q.D.

Exemplos.

• O inteiro 79 e primo: Com efeito, vemos que 2, 3, 5 e 7 nao sao divisores de 79 e nao precisa-

mos testar mais, pois 112 = 121 > 79.

• O inteiro 347 e primo: Fazendo a divisao do algoritmo de Euclides vemos que:

347 = 173 · 2 + 1 = 115 · 3 + 2 = 69 · 5 + 2 = 49 · 7 + 4 = 31 · 11 + 6 = 26 · 13 + 9 = 20 · 17 + 7 ,

• isto e, 347 nao e divisıvel pelos primos 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, o seguinte primo e 19, mas

192 = 361 > 347. Logo, pela proposicao, 347 e primo.

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Os Inteiros 2.12 Maior Divisor Comum

Exercıcios

1. Faca a decomposicao em fatores primos de

(a) 2k + 2k+1 onde k ∈ N∗ (b) 2k · 3k+1 + 6k onde k ∈ N∗

(c) 4k+1 − (2k)2 onde k ∈ N∗ (d) (125)k onde k ∈ N∗.

2. A soma de dois numeros primos distintos e um numero primo? Justifique sua resposta.

3. De a decomposicao em fatores primos de 4.620.

4. Seja p um numero primo e a um inteiro positivo. Mostre que p divide a se e somente se pα e

um dos fatores da decomposicao de a em fatores primos, para algum inteiro positivo α.

5. Seja p um numero primo e a, b ∈ Z. Mostre que se p divide ab entao p divide a ou p divide

b.

6. Seja a > 1 um inteiro cuja decomposicao em fatores primos e dada por a = pα11 pα2

2 . . . pαss

onde p1 < p2 < . . . < ps sao numeros primos e cada αi e um inteiro positivo para cada i ∈{1, . . . , s}. Quantos divisores positivos o numero a tem?

7. Sejam a, b ∈ Z tais que a · b = 6. Determine os possıveis valores de a e b, isto e, resolva a

equacao a · b = 6 em Z. Sugestao. Use o Teorema de decomposicao em fatores primos.

8. Quantas solucoes tem a equacao a2b = 18 em Z. Idem para a2b = 180.

9. Dentre os seguintes inteiros, diga quais sao primos e ache a decomposicao em fatores primos

daqueles que nao sao primos:

541 , 871 , 89 , 381 , 1.411 3.719 .

2.12 Maior Divisor Comum

Dada uma colecao de numeros inteiros, dizemos que um inteiro positivo e um divisor comum

da colecao quando ele divide cada inteiro da colecao.

O maior divisor comum (escreve-se “mdc”) de uma colecao de numeros inteiros e o maior

dos divisores comuns da colecao.

Sabemos que o numero 1 e divisor comum de todos os inteiros mas, dada uma colecao

qualquer de inteiros ele pode nao ser o maior dos divisores desta colecao. Uma questao natural

neste contexto e: sempre existe o maior divisor comum de uma dada colecao de inteiros?

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Os Inteiros 2.12 Maior Divisor Comum

A colecao formada pelo inteiro 0 nao tem um maior divisor comum pois, todos os inteiros

positivos sao divisores de 0. Alias, esta e a unica colecao, nao vazia, de inteiros que nao possui

um maior divisor comum. Vejamos!

Se a colecao possui um inteiro positivo a entao os divisores comuns desta colecao estao

entre 1 e a tendo em vista o Lema 2.8.2. Assim sendo, o conjunto dos divisores da colecao e

limitado superiormente. Consequentemente, possui um maior elemento. Tal elemento e aquele

que estamos chamando de mdc da colecao.

E agora, como garantir a existencia do maior divisor comum quando a colecao possui apenas

inteiros negativos? Bem, reduzindo o problema ao caso anterior! Para isto basta observar que

b > 0 divide a se, e somente se, b divide −a. Isto garante que os divisores comuns de uma

colecao e da colecao formada pelos simetricos da primeira coincidem. Logo a conclusao decorre

do caso anterior.

Designamos por mdc(a1, a2, . . . , ak) o maior divisor comum de a1, a2, . . . , ak ∈ Z. Dizemos

que os inteiros a1, a2, . . . , ak sao relativamente primos se mdc(a1, a2, . . . , ak) = 1.

Exemplos.

• mdc(a, 1) = 1 para todo a ∈ Z ,

• mdc(a,−1) = 1 para todo a ∈ Z ,

• mdc(a, ka) = a para todo a ∈ Z+ e k ∈ Z ,

• mdc(a, ka) = −a para todo a ∈ Z− e k ∈ Z .

• mdc(p, q) = 1 para quaisquer primos distintos p e q.

Os seguintes dois resultados sao caracterizacoes relevantes do mdc, estes podem ser enun-

ciados para colecoes de inteiros nao todos nulos, mas por simplicidade tratamos o caso de

apenas dois inteiros uma vez que o caso geral se trata exatamente da mesma maneira.

Proposicao 2.12.1. Sejam a, b ∈ Z nao ambos nulos. O mdc de a e b e o unico inteiro positivo

c tal que

(a) c e divisor comum de a e b,

(b) qualquer divisor comum de a e b e divisor de c.

Demonstracao. Temos tres coisas a provar aqui, primeiro: se c = mdc(a, b) entao, c verifica as

propriedades (a) e (b) do enunciado, segundo: reciprocamente, se c verifica as propriedades do

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Os Inteiros 2.12 Maior Divisor Comum

enunciado entao c = mdc(a, b), e terceiro: o numero c que verifica as propriedades (a) e (b) do

enunciado e unico.

Suponhamos primeiro que c = mdc(a, b). Entao c verifica a propriedade (a) do enunciado

sem mais, pois c e divisor comum de a e b. Resta ver que c satisfaz a propriedade (b). Proce-

dendo por absurdo, suponhamos que existe algum divisor comum d de a e b que nao divide c.

Isto significa (verifique!) que d possui algum fator primo p que nao e fator primo de c.

Agora pc e divisor comum de a e b, pois p e todos os fatores da decomposicao de c (os quais

sao diferentes de p pela hipotese do argumento) figuram entre os fatores das decomposicoes

de a e b.

Como p > 1, pc > c. Isto e, pc e um divisor comum de a e b que e maior que c, contradizendo

a definicao de c. Portanto c verifica a propriedade (b).

Seja agora c ∈ Z+ verificando as propriedades (a) e (b). Entao c = mdc(a, b), pois qualquer

outro divisor comum d de a e b e (pela propriedade (b)) divisor de c e portanto e menor ou igual

a c.

Finalmente, suponhamos que d ∈ Z+ e um numero verificando as propriedades (a) e (b)

do enunciado. Vemos entao, que c | d e como c tambem verifica as propriedades temos d | c,

portanto d = c pois ambos os numeros sao positivos (exercıcio 4, secao 2.9).

A prova esta terminada. C.Q.D.

O seguinte resultado nos diz que o mdc de dois inteiros tem uma representacao muito es-

pecial que o caracteriza.

Proposicao 2.12.2. Sejam a, b ∈ Z nao ambos nulos. Existem n0,m0 ∈ Z nao ambos nulos,

tais que mdc(a, b) = n0a + m0b.

Demonstracao. Sendo que a e b nao sao simultaneamente iguais a zero, o conjunto

A = {na + mb ; n, m ∈ Z}

tem inteiros nao nulos. Observando que, −(na + mb) = (−n)a + (−m)b vemos que, o conjunto

A deve conter algum inteiro positivo.

Seja c o menor inteiro positivo contido em A. Vamos provar que c = mdc(a, b).

Como c ∈ A, existem inteiros n0 e m0 nao ambos nulos tais que c = n0a + m0b. Como todo

divisor comum d de a e b divide qualquer elemento de A (exercıcio 7, secao 2.9), temos d | c.

Resta provar que c divide a e b. Primeiramente observamos que, ao aplicar o algoritmo de

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Os Inteiros 2.12 Maior Divisor Comum

Euclides a na + mb ∈ A e a c tem-se que: Existem q, r ∈ Z tais que na + mb = qc + r, com

0 ≤ r ≤ c.

Agora, a definicao de c implica

r = (na + mb) − qc = (na + mb) − q(n0a + m0b) = (n − qn0)a + (m − qm0)b ∈ A,

e sendo que c e o menor elemento positivo de A, a condicao 0 ≤ r < c na verdade e r = 0.

Portanto, c | (na + mb) para quaisquer n, m ∈ Z. Em particular, c | a = 1 · a + 0 · b e

c | b = 0 · a + 1 · b. Isto termina a prova. C.Q.D.

Em particular, da proposicao anterior vemos que, os numeros a1, a2, . . . , ak ∈ Z∗ sao primos

relativos se, e somente se, existem inteiros n1, n2, . . . , nk ∈ Z (tambem nao todos nulos) tais

que:

n1a1 + n2a2 + . . . + nkak = 1.

Uma ferramenta util na determinacao do mdc de uma colecao finita de numeros inteiros e o

teorema de decomposicao em fatores primos.

Com efeito, para determinar o mdc de uma colecao de numeros, escrevemos cada um deles

segundo o teorema da decomposicao em fatores primos, logo escolhemos os fatores primos

comuns a todos os numeros da colecao, o produto de tais fatores sera o mdc da colecao.

Nos exemplos a seguir descreveremos o procedimento que usamos na pratica desde nossos

cursos elementares:

Exemplos.

•Calculemos mdc(2.480, 1.320, 1.640). Escrevendo os numeros segundo o teorema da decomposicao

em fatores primos vemos que

2.480 2 1.320 2 1.640 2

1.240 2 660 2 820 2

620 2 330 2 410 2

310 2 165 3 205 5

155 5 55 5 41 41

31 31 11 11 1

1 1

Isto e,

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Os Inteiros 2.13 Menor Multiplo Comum

2.480 = 24 · 5 · 31 , 1.320 = 23 · 3 · 5 · 11 , 1.640 = 23 · 5 · 41.

Logo, mdc(2.480, 1.320, 1.640) = 23 · 5 = 40.

• Um procedimento mais economico para o calculo de mdc(2.480, 1.320, 1.640) consiste na

fatoracao simultanea dos tres numeros:

2.480 1.320 1.640 2

1.240 660 820 2

620 330 410 2

310 165 205 5

65 33 41 1

Por este metodo achamos o mdc dos numeros expresso como produto de primos:

mdc(2.480, 1.320, 1.640) = 2 · 2 · 2 · 5 = 23 · 5 = 40 .

Vemos tambem que os divisores comuns de 2.480, 1.320 e 1.640 sao 1, 2, 4, 5, 8, 10, 20 e 40.

Exercıcios

1. O mdc de dois inteiros positivos e 45. Sabendo que o maior deles e 540 determine o menor

(ou, os menores).

2. Determinar todos os pares de inteiros positivos sabendo que cada par tem soma 520 e mdc

40.

3. Sejam a, b ∈ Z+. Que relacao liga a e b quandoa + b

mdc(a, b)= 5 ?

4. Um terreno retangular com 144m de comprimento e 112m de largura, e cercado de arvores

que estao plantadas a igual distancia uma das outras. Sabendo que a distancia entre duas

arvores consecutivas e a maior possıvel e que plantamos uma arvore em cada canto do terreno,

qual o numero de arvores plantadas?

5. Um quitandeiro resolveu distribuir 36 laranjas, 60 abacates e 84 cajus, com varias criancas, de

modo que cada uma recebesse o mesmo e o maior numero possıvel de frutas de cada especie.

Pergunta-se o numero de criancas aquinhoadas e o numero de cada especie de fruta que cada

crianca recebeu.

6. Sejam a, b ∈ Z primos relativos. Se c ∈ Z e a | bc, mostre que, necessariamente, a | c.

• Sugestao: Comece multiplicando por c a relacao n0a + m0b = 1.

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Os Inteiros 2.13 Menor Multiplo Comum

7. Quais sao os inteiros positivos menores que 21 que sao primos com 21 ?

2.13 Menor Multiplo Comum

Dada uma colecao de numeros inteiros, diremos que um inteiro e um multiplo comum da

colecao quando ele e multiplo de cada inteiro da colecao.

O menor multiplo comum (escrito mmc) de uma colecao de numeros inteiros e o menor dos

seus multiplos comuns nao negativos.

E importante observar que uma colecao de inteiros que contem o inteiro 0 tem como unico

multiplo comum o 0. Logo o seu menor multiplo comum existe e e 0.

Designamos por mmc(a1, a2, . . . , ak) o menor multiplo comum de a1, a2, . . . , ak ∈ Z .

Lembretes importantes. Sabemos ja que:

(a) todo subconjunto nao vazio de N tem um menor elemento,

(b) se b e multiplo de a, entao −b tambem e multiplo de a.

Se uma colecao de inteiros admite um multiplo comum, entao o conjunto dos multiplos co-

muns nao negativos da colecao (que por definicao, e subconjunto de N) e nao vazio e portanto

possui um menor elemento (veja os lembretes acima). Tal elemento e aquele que estamos

chamando de menor multiplo comum da colecao

A pergunta importante agora e a seguinte: Sob que condicoes uma colecao nao vazia de

inteiros distintos possui um multiplo comum? Bem, quando ela e uma colecao finita, certamente.

E claro que o produto dos inteiros da colecao e um multiplo comum.

E quando a colecao possui uma infinidade de inteiros distintos? Neste caso, ja vimos que

se a colecao contem 0, entao o problema esta resolvido. Resta entao para analisar o caso em

que a colecao nao e finita e nao contem 0. Um exemplo desta situacao e: a colecao Z+.

Desafio! Seja S uma colecao nao finita de inteiros distintos nao nulos. Mostre que nao existe

um multiplo comum para S.

Temos uma caracterizacao do mmc similar a dada para o mdc na proposicao 2.11.2.

Proposicao 2.13.1. Sejam a, b ∈ Z. O mmc de a e b e o unico inteiro nao nulo d tal que

(a) d e multiplo comum de a e b,

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Os Inteiros Exercıcios

(b) todo multiplo comum de a e b e tambem multiplo de d.

Demonstracao. Exercıcio.

Como no caso do mdc, uma ferramenta util na determinacao do mmc de uma colecao finita

de numeros inteiros e o teorema de decomposicao em fatores primos.

Exemplos.

• mmc(a, 1) = a quando a ∈ Z+ e mmc(a, 1) = −a quando a ∈ Z− ,

• mmc(an, am) = amax{m,n} quando a,m,n ∈ Z+, onde max{m,n} representa o maior dentre m

e n.

• Vamos usar o exercıcio 8 para determinar o mmc dos numeros 2.480, 1.320 e 1.640. A fatoracao

destes numeros feita na secao anterior e

2.480 = 24 · 5 · 31 , 1.320 = 23 · 3 · 5 · 11 , 1.640 = 23 · 5 · 41,

usando o exercıcio 8 da pagina seguinte, escrevemos estes numeros como:

2.480 = 24 · 30 · 5 · 110 · 31 · 410 ,

1.320 = 23 · 3 · 5 · 11 · 310 · 410 ,

1.640 = 23 · 30 · 5 · 110 · 310 · 41.

Logo, mcm(2.480, 1.320, 1.640) e o numero

mcm(2.480, 1.320, 1.640) = 2max{4,3,3} · 3max{0,1,0} · 5max{1,1,1} · 11max{0,1,0} · 31max{1,0,0} · 41max{0,0,1}

= 24 · 3 · 5 · 11 · 31 · 41 = 3.355.440.

Exercıcios

1. Determinar o menor inteiro positivo que dividido por 5, 7 e 8 da restos 3, 5 e zero, respectiva-

mente.

2. O menor multiplo comum de dois inteiros positivos e 72 e um deles e 24. Que valores poderao

ter o outro?

3. O produto de dois inteiros positivos e 4.320 e o mmc e 360. Determinar todas as possibilidades

para tais numeros.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 66 Instituto de Matematica - UFF

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Os Inteiros Exercıcios

4. Determinar dois inteiros positivos cujo mmc e 225, sabendo que o quociente das soma desses

numeros pelo seu mdc e 8.

5. Tres automoveis disputam uma corrida em uma pista circular. O primeiro da cada volta em 4

minutos, o segundo em 5 minutos e o terceiro em 6 minutos. No fim de quanto tempo voltarao

os tres automoveis a se encontrar no inıcio da pista, se eles partiram juntos?

6. Prove a proposicao 2.13.1.

7. Sejam a, b ∈ Z+. Mostre que a · b = mdc(a, b) ·mmc(a, b).

8. Sejam a = pα11 pα2

2 . . . pαkk e b = p

β1

1 pβ2

2 . . . pβk

k , onde p1 < p2 < . . . < pk sao inteiros primos

e αi, βi ∈ N para todo i ∈ {1, 2, . . . , k} (isto e, alguns dos αi ou alguns dos βj podem ser nulos,

esta nao e a fatoracao do teorema de decomposicao). Mostre que

(a) mdc(a, b) = pγ1

1 pγ2

2 . . . pγk

k , onde γi = min{αi, βi} para todo i ∈ {1, 2, . . . , k}.

(b) mmc(a, b) = pδ11 pδ2

2 . . . pδkk , onde δi = max{αi, βi} para todo i ∈ {1, 2, . . . , k}.

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Os Inteiros Exercıcios

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Capıtulo 3

Os Racionais e os Irracionais

3.1 Os Racionais

No capıtulo anterior vimos que, se m,n ∈ Z, n 6= 0, a expressaom

ntem sentido em Z apenas

quando m e um multiplo de n. Equivalentemente, a equacao n · x = m, com n 6= 0, tem solucao

em Z, se, e somente se, m e multiplo de n. Vamos agora considerar um conjunto de numeros

onde tal equacao sempre tem solucao:

Um numero racional e uma expressao da formam

n, onde m,n ∈ Z e n 6= 0. Designamos por Q

o conjunto dos numeros racionais. Isto e,

Q ={m

n; m,n ∈ Z, n 6= 0

}.

Se r =m

n∈ Q, o inteiro m e chamado o numerador de r e o inteiro n e dito o denominador de r.

Definicao. Dizemos que, os numeros racionaism

ne

m ′

n ′ sao iguais, e escrevemosm

n=

m ′

n ′ ,

se, e somente se, m · n ′ = m · n ′.

O numero racionalm

1com m ∈ Z, sera identificado com o inteiro m, isto e,

m

1= m. Desta

maneira podemos pensar em Z como sendo um subconjunto de Q.

Em particular, 0 =0

1, e vemos que

m

n∈ Q e igual a 0 se, e somente se, m = 0. Logo 0 =

0

npara todo n ∈ Z∗.

Designamos por Q∗ o conjunto que consiste dos numeros racionais diferentes de 0, isto e, Q∗ =

Q − {0}.

69

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Os Racionais e os Irracionais 3.2 Operacoes Sobre Q

Da relacao de igualdade entre numeros racionais obtemos:

−m

n=

m

−ne

m

n=

−m

−n.

Se n divide m entao m = k ·n, para algum k ∈ Z, e segue da definicao da igualdade de numeros

racionais que,m

n=

k

1= k, isto e,

m

n= k.

Uma outra observacao imediata e que todo racional pode ser colocado na formam

nonde m,n ∈

Z e n ∈ Z+.

Sejam m,n, q, k1, k2 ∈ Z com n 6= 0 tais que m = k1 · q e n = k2 · q. Entao,m

n=

k1 · qk2 · q

=k1

k2

.

Desta forma, dividindo m e n pelo maior divisor comum de m,n, podemos representar o numero

racionalm

nna forma

m ′

n ′ onde m ′, n ′ sao relativamente primos. Neste caso, a fracaom ′

n ′ e dita

uma fracao irredutıvel.

3.2 Operacoes Sobre Q

Em Q sao definidas operacoes de adicao e multiplicacao da seguinte maneira:

+ : Q×Q −→ Q(pq

,r

s

)7−→ p

q+

r

s=

ps + rq

qs(soma ou adicao)

· : Q×Q −→ Q(pq

,r

s

)7−→ p

q· r

s=

p · rq · s

(multiplicacao ou produto)

onde p, r ∈ Z e q, s ∈ Z∗.

Antes de passarmos as propriedades de tais operacoes faremos algumas observacoes impor-

tantes:

Observacao 1.

• Primeiramente, as operacoes de adicao e multiplicacao de numeros racionais que introduzi-

mos acima estao bem definidas. Esta frase significa que o resultado das operacoes independe

da fracao usada para representar os operandos.

Isto e: (p

q=

p ′

q ′ er

s=

r ′

s ′

)=⇒ (

p

q+

r

s=

p ′

q ′ +r ′

s ′e

p

q· r

s=

p ′

q ′ ·r ′

s ′

).

De fato, por hipotese: pq ′ = p ′q e rs ′ = r ′s. Da definicao da soma, obtemos:

p

q+

r

s=

ps + rq

qse

p ′

q ′ +r ′

s ′=

p ′s ′ + r ′q ′

q ′s ′.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 70 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.2 Operacoes Sobre Q

Segundo a definicao de igualdade de numeros racionais, temos que verificar:

(ps + rq)(q ′s ′) = (p ′s ′ + r ′q ′)(qs).

Usando as hipoteses temos:

(ps + rq)(q ′s ′) = (ps)(q ′s ′) + (rq)(q ′s ′) = (pq ′)(ss ′) + (rs ′)(qq ′)

= (p ′q)(ss ′) + (sr ′)(qq ′) = (p ′s ′)(qs) + (r ′q ′)(qs)

= (p ′s ′ + r ′q ′)(qs) ,

como querıamos.

A verificacao para a multiplicacao e feita de maneira similar (exercıcio).

• Sejam p, q, r ∈ Z com q 6= 0. Entao:p

q+

r

q=

pq + rq

q2=

p + r

q.

• Sejam p, q ∈ Z com q 6= 0. Como −1 =−1

1=

1

−1, temos que

(−1) · p

q=

−1

1· p

q=

−p

qe (−1) · p

q=

1

−1· p

q=

p

−q.

Escrevemos −p

qpara designar o racional (−1) · p

q=

−p

q=

p

−q.

• Sejam p, q ∈ Z com q 6= 0. Temos quep

q+ (−

p

q) =

p

q+

−p

q=

p + (−p)

q=

0

q= 0.

• Se a =p

qcom p, q ∈ Z∗, definimos o inverso de a (designado a−1 ou

1

a) como sendo o racional

q

p. Logo: a · 1

a=

p

q

q

p=

pq

qp= 1.

Propriedades das operacoes de soma e multiplicacao:

As operacoes + e · definidas em Q verificam as seguintes propriedades:

(1) Comutatividade:

• a + b = b + a para todo a, b ∈ Q,

• a · b = b · a para todo a, b ∈ Q.

(2) Associatividade:

• (a + b) + c = a + (b + c) para todo a, b, c ∈ Q,

• (a · b) · c = a · (b · c) para todo a, b, c ∈ Q.

(3) Distributividade:

• a · (b + c) = a · b + a · c para todo a, b, c ∈ Q,

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 71 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.2 Operacoes Sobre Q

(4) Existencia de elementos neutros (0 para + e 1 para ·):

Os racionais 0 e 1 sao tais que:

• 0 + a = a = a + 0 para todo a ∈ Q.

• 1 · a = a = a · 1 para todo a ∈ Q.

(5) Existencia dos simetricos:

Para todo a ∈ Q existe um numero racional, chamado o simetrico de a e que designamos por

−a, tal que

• a + (−a) = 0 = (−a) + a.

(6) Existencia dos inversos:

Para todo numero racional a ∈ Q diferente de zero, existe um numero racional chamado o

inverso ou recıproco de a, que designamos por a−1 ou por1

a, tal que

• a · 1

a= 1 =

1

a· a.

Muita atencao!! • Tudo que foi dito no item Muita atencao do Capıtulo 2 continua valido quando

trocamos Z por Q.

•Neste ponto, o leitor deve revisar as consequencias listadas apos as propriedades das operacoes

de soma e multiplicacao em Z no capıtulo 2, e verificar que tais propriedades sao tambem ver-

dadeiras para as operacoes de soma e multiplicacao em Q.

• Finalmente, note que, se a, b ∈ Q e b 6= 0, entao podemos escrever

a · b−1 = a · 1

b=

a

1· 1

b=

a

b.

• As propriedades (1)-(6) listadas acima nao sao axiomas nem convencoes. Elas podem ser

demonstradas a partir das propriedades ja conhecidas das operacoes de soma e multiplicacao

em Z junto com os fatos e definicoes estabelecidas neste capıtulo.

Por exemplo, vejamos como demonstrar a propriedade de distributividade (3):

Sejam a =m

n, b =

p

q, c =

r

s∈ Q. Temos:

a · (b + c) =m

n·(

p

q+

r

s

)=

m

n· ps + qr

qs=

m(ps + qr)

n(qs)=

(mp)s + (mq)r

(nq)s· 1

=(mp)s + (mq)r

(nq)s· n

n=

(mp)(sn) + (mq)(rn)

(nq)(sn)

=(mp)(sn) + (mr)(nq)

(nq)(sn)=

mp

nq+

mr

ns=

m

n· p

q+

m

n· r

s= a · b + a · c .

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 72 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.2 Operacoes Sobre Q

As potencias naturais de numeros racionais sao introduzidas de maneira similar as potencias

naturais de inteiros definidas no capıtulo 2:

Definicao:

• a0 = 1 para todo 0 6= a ∈ Q

• ak = a · . . . · a︸ ︷︷ ︸k vezes

para todo a ∈ Q e k ∈ N∗.

• a−k =1

akpara todo 0 6= a ∈ Q e k ∈ N.

Propriedades das potencias.

Para todos a, b ∈ Q nao nulos e m,n ∈ Z temos

(1) am+n = am · an

(2) (a · b)n = an · bn

(3) (an)m = an·m

Observacao 2.

• Param

n∈ Q e k ∈ Z+ temos

(m

n

)k

=m

n· m

n· . . . · m

n︸ ︷︷ ︸k vezes

=m ·m · . . . ·mn · n · . . . · n

=mk

nk.

Com isto, vemos que, as propriedades das potencias listadas acima sao, na verdade, con-

sequencias diretas das correspondentes propriedades para potencias naturais de inteiros lista-

das no capıtulo 2.

• Na definicao de potencias negativas de numeros racionais, vemos que, se a =p

q∈ Q∗ e

n ∈ Z+, entao:

a−n =1

an=

1(p

q

)n =1(pn

qn

) =qn

pn=

(q

p

)n

=

(1

a

)n

= (a−1)n.

Isto nos permite usar a igualdade a−n = (a−1)n, e mostra que, na verdade, a introducao das

potencias negativas de numeros racionais e de fato consequencia da definicao de potencias

positivas e da definicao do recıproco de um numero racional nao nulo.

Certamente o leitor ja deve ter-se interrogado sobre a seguinte questao:

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Os Racionais e os Irracionais 3.3 A Reta Orientada e os Numeros Rracionais

Dadom

n∈ Q, com m,n ∈ Z+, determinar numeros inteiros relativamente primos p, q ∈ Z+,

tais quep

q=

m

n. Isto e,

p

qe a fracao irredutıvel de

m

n.

A resposta vem do teorema de decomposicao em fatores primos. De fato, podemos decom-

por m e n como produto de potencias de numeros primos e cancelar os fatores comuns de m e

n. Isto e, se um primo pi aparece na decomposicao de m com expoente αi e na decomposicao

de n com expoente βi entao:

(a) se αi = βi, cancelamos o fator pαii de m e n,

(b) se αi < βi, cancelamos o fator pαii de m e substituımos o fator p

βi

i de n

por pβi−αi

i ,

(c) se αi > βi, cancelamos o fator pβi

i de n e substituımos o fator pαii de m

por pαi−βi

i .

Equivalentemente, sabemos que m = mdc(m,n) ·p e n = mdc(m,n) ·q, onde (por definicao

de mdc(m,n)) p, q ∈ Z+ sao relativamente primos. Temos entao,

m

n=

mdc(m,n) · pmdc(m,n) · q

=p

q.

Vejamos estes procedimentos mediante alguns exemplos simples:

• 484

798=

22 · 112

2 · 3 · 7 · 19=

2 · 112

3 · 7 · 19=

242

399.

Neste exemplo, mdc(484, 798) = 2.

• 484

924=

22 · 112

22 · 3 · 7 · 11=

11

3 · 7=

11

21.

Neste exemplo, mdc(484, 924) = 22 · 11 = 44.

• 484

44=

22 · 112

22 · 11=

11

1= 11. Neste exemplo, 44 | 484

3.3 A Reta Orientada e os Numeros Racionais

Consideremos a reta orientada da secao 2.4, onde ja representamos os numeros inteiros.

Nesta reta vamos agora representar os numeros racionais.

Antes de comecar observamos que a representacao dos inteiros na reta foi feita partindo

de um gerador, isto e, a representacao toda consiste em fixar uma origem O e a partir desta

interpretar o significado do inteiro 1, depois (mediante translacao da unidade) interpretar 1 + 1,

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Os Racionais e os Irracionais 3.3 A Reta Orientada e os Numeros Rracionais

1 + 1 + 1, . . . obtendo assim a representacao dos inteiros 2, 3, 4, . . .. Para obter os inteiros

negativos, basta fazer uma reflexao da representacao dos inteiros positivos em relacao a origem

.

O problema fundamental para a representacao dos numeros racionais e que eles nao tem

um gerador como os inteiros. Porem, podemos observar que, se m,n ∈ Z+, temos quem

n=

m · 1

n=

1

n+

1

n+ . . .+

1

n(m parcelas). Portanto, fixado n ∈ Z+, basta representar o racional

1

n, e

depois, por translacao (como foi feito na secao 2.4) representar todos os racionais da formam

n,

com m ∈ Z+. O numero racional1

ne gerador dos racionais da forma

m

n, com m ∈ Z+. Uma vez

feito isto, mediante uma reflexao em relacao a origem, obtemos a representacao dos racionais

da formam

ncom m ∈ Z−.

Observamos que para representar o conjunto Q inteiro, a construcao do paragrafo acima

teria que ser feita uma infinidade de vezes, uma para cada n ∈ Z+, coisa que evidentemente

nao faremos.

A seguir vamos descrever um procedimento geometrico que nos permite, dado n ∈ Z+,

representar todos os numeros racionais da formam

ncom m ∈ Z+. Este procedimento faz uso

de nocoes elementares de geometria basica, paralelismo, semelhanca, etc. que devem ser

conhecidas (pelo menos intuitivamente) pelo leitor.

Fig.1. Representacao dos racionais na reta orientada.

Fixemos n ∈ Z+. Tomemos uma semi-reta auxiliar r ′ partindo da origem e nao colinear com

a nossa reta orientada como se mostra na Fig. 1. Na semi-reta r ′ colocamos a representacao

de Z+ escolhendo uma unidade de escala menor do que da nossa reta orientada. Isto e feito

apenas para facilitar a visualizacao na representacao. Seja A o ponto de r ′ que representa o

inteiro n. Trace um segmento ligando A com o ponto U da reta orientada que representa 1,

obtendo um triangulo de vertices OAU.

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Os Racionais e os Irracionais 3.3 A Reta Orientada e os Numeros Rracionais

Consideremos duas situacoes nao triviais:

Sejam m,m ′ ∈ Z+ tais que m < n < m ′. Vamos achar a representacao dos racionaism

ne

m ′

n. Os racionais

0

n= 0 e

n

n= 1 ja foram representados.

Na semi-reta r ′ designamos por B e C os pontos que representam os inteiros m e m ′ res-

pectivamente. Sejam BB ′ e CC ′ os segmentos paralelos ao segmento AU que ligam B e C a

pontos B ′ e C ′ em r. Convencionamos entao que os pontos B ′ e C ′ sejam os representantes

dos racionaism

ne

m ′

nna reta orientada r. E importante observar que, m < n < m ′ implica

que o ponto de r que representam

nesta a esquerda de 1 que, por sua vez, esta a esquerda do

ponto de r que representam ′

n.

Note-se que esta representacao e completamente compatıvel com a nossa nocao intuitiva

de semelhanca de triangulos. De fato, os triangulos OAU e OBB ′ sao semelhantes (os angulos

internos correspondentes sao iguais, pois os segmentos BB ′ e AU sao paralelos). Logo, a razao

do comprimento do lado OB ′ ao comprimento do lado OU (que e igual a 1) e igual a razao do

comprimento do lado OB (que e igual a m) ao lado OA (que e igual a n). Isto e, designando por

`(OA) o comprimento de OA, etc, temos:

`(OB ′) =`(OB ′)

1=

`(OB ′)

`(OU)=

`(OB)

`(OA)=

m

n.

Neste ponto podemos observar que, dado n ∈ Z+, representamos no segmento unitario OU

os n + 1 numeros racionais da formam

ncom m ∈ Z+:

0

n,

1

n,2

n, . . . ,

n − 1

n,

n

n,

sendo o primeiro igual a 0 e o ultimo igual a 1.

Os racionais da formam

ncom m ∈ Z− podem ser representados de uma maneira seme-

lhante (ver Fig. 2), os detalhes sao deixados ao leitor.

Tendo ja representados os numeros racionais na reta orientada, vamos dar agora uma

interpretacao grafica as operacoes de soma e produto como foi feito na secao 2.4 para os

inteiros.

Comecamos por observar que, se um ponto P da reta orientada representa um racionalm

n

entao, o mesmo ponto P representa todos os racionais da formakm

kn, com k ∈ Z+

Sejamm

ne

p

qracionais, com n, m ∈ Z+, representados na reta orientada pelos pontos P1 e

P2 respectivamente.

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Os Racionais e os Irracionais 3.4 A Relacao de Ordem em Q

Pela observacao do paragrafo anterior, P1 representa tambem o racionalmq

nqe P2 representa

o racionalnp

nq.

Seja entao P o ponto na reta orientada obtido intersectando a reta orientada com a paralela

ao segmento que liga nq (na semi-reta r ′) com U passando por mq + np. Tal ponto e, por

definicao, o representante do racionalmq + np

nq, isto e, da soma

m

n+

p

q.

Fig.2. Representacao dos racionais mn

com m ∈ Z− e n ∈ Z+na reta orientada.

Este procedimento pode-se resumir no seguinte: Uma vez que temos pontos P1 e P2 na reta

orientada representando racionaism

ne

p

q, consideramos os segmentos orientados que vao de

O a P1 e de O a P2 que designamos por−−→OP1 e

−−→OP2 respectivamente. Deslizando o segmento

−−→OP2 sobre nossa reta orientada r ate fazer coincidir O com P1, vemos que o ponto final do

segmento obtido por esta translacao e um novo ponto P que representa o racionalm

n+

p

q(ver

Fig.4). Esta ideia corresponde a obter o ponto P transladando emp

qunidades o ponto P1.

Fig.4. Outra representacao da soma5

2+

„−

2

3

«=

11

6.

O leitor agora nao tera dificuldade em achar a representacao para o produto de dois numeros

racionais. Proceda, por exemplo, da seguinte maneira: Considere dois racionaism

ne

p

q. Faca

um desenho colocando as retas r e r ′ como acima. Na reta r ′ localize o ponto P ∈ r ′ que

representa o inteiro nq. Se nq > 0, trace um segmento ligando P com o ponto U ∈ r que

representa a unidade 1 (veja as figuras acima). Se R ∈ r ′ e o ponto que representa o inteiro mp,

trace a paralela ao segmento PU passando por R. Tal paralela deve cortar r (justifique!) num

ponto Q. Pelo acima dito, o ponto Q ∈ r e o representante do produtom

n· p

q.

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Os Racionais e os Irracionais 3.4 A Relacao de Ordem em Q

3.4 A Relacao de Ordem em Q

Nesta secao vamos introduzir uma relacao de ordem no conjunto dos numeros racionais da

mesma maneira que na secao 2.5 para os inteiros.

Definicao. Sejamm

n,p

q∈ Q, com n, p ∈ Z+. Dizemos que

m

ne menor que

p

qe escrevemos

m

n<

p

qse, e somente se, o ponto que representa

m

nna reta orientada esta a esquerda do ponto

que representap

q. Escrever

p

q>

m

n(le-se

p

qe maior que

m

n) e o mesmo que escrever

m

n<

p

q.

Por exemplo na Fig.4 da secao anterior, vemos que −2

3< 0, 0 <

5

2,11

6>

2

3, −

2

3<

2

3, etc.

Da mesma maneira que no capıtulo 2, um numero racional e chamado positivo se e maior

que 0, negativo se e menor que 0, nao negativo se e positivo ou e igual a 0, e nao positivo se e

negativo ou e igual a 0.

Designamos por Q+ (respectivamente Q−) o subconjunto de Q que consiste dos numeros

racionais positivos (respectivamente negativos). Assim, o conjunto dos racionais nao positivos

e Q − Q+ e o conjunto dos racionais nao negativos e Q − Q−.

Evidentemente, verificar que um numero racional e menor que outro usando apenas a

definicao anterior, e um procedimento primitivo, sobretudo tendo ja conhecida a relacao de or-

dem em Z. A proposicao 3.2 abaixo nos diz que a relacao de ordem em Z, que ja conhecemos,

e suficiente para comparar dois numeros racionais.

Lema 3.4.1. Sejam m,m ′, n ∈ Z com n > 0. Entaom

n<

m ′

n(em Q) se, e somente se, m < m ′

(em Z).

Demonstracao. Suponhamos inicialmente que m e m ′ sao distintos de n.

Fig.5. Comparacao de racionais na reta orientada.

Consideremos a representacao de Q na reta orientada r como foi feito na secao anterior. De-

signamos por A, B e C respectivamente, os pontos de r representando os racionais 1,m

ne

m ′

n.

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Os Racionais e os Irracionais 3.4 A Relacao de Ordem em Q

Sejam tambem A ′, B ′ e C ′ os pontos da reta auxiliar r ′ que representam n, m, e m ′ respectiva-

mente.

Sejam α a reta que passa por A e A ′, β a reta paralela a α que passa por B e B ′ e γ a reta

paralela a α que passa por C e C ′ (esta configuracao vem da maneira como foi construıda a

representacao).

Uma propriedade bem conhecida das paralelas na geometria Euclidiana nos da que, A

esta entre B e C se, e so se, A ′ esta entre B ′ e C ′, que traduzido na nossa linguagem fica:m

n< 1 <

m ′

n⇐⇒ m < n < m ′. Os outros dois casos sao tratados de maneira similar.

Agora, se m = n, consideramos a reta α ′ paralela a α passando pelo ponto D em r que

representa o racional −1 e pelo ponto D ′ em r ′ que representa o inteiro −n, se procede como

acima com as retas α ′, β e γ. C.Q.D.

Proposicao 3.4.2. Sejamm

n,p

q∈ Q, com n, q ∈ Z+. Entao

m

n<

p

q(em Q) se, e so se,

mq < np (em Z).

Demonstracao. Sabemos quem

n=

mq

nqe que

p

q=

np

nq. Pelo lema anterior,

mq

nqesta a esquerda

denp

nqse, e so se, mq < np em Z. C.Q.D.

A caracterizacao da relacao < em Q, dada na proposicao anterior, permite traduzir pratica-

mente todas as propriedades da relacao < em Z, da secao 2.5. Comecamos com as proprie-

dades basicas da relacao < em Q. Estas propriedades sao consequencia das correspondentes

propriedades para os inteiros enunciadas na secao 2.5, e da caracterizacao da relacao < em Qdada na proposicao anterior. A demonstracao fica como exercıcio para o leitor.

Propriedades da relacao < em Q.

Sejam r, s, t ∈ Q.

(1) se r < s e s < t entao r < t (transitividade),

(2) se r 6= s entao r < s ou s < r ( dois elementos distintos sao comparaveis),

(3) se r < s entao r + t < s + t,

(4) se r < s e t > 0 entao rt < st,

(5) se r < s e t < 0 entao rt > st,

(6) 0 < r < s =⇒ 0 < rn < sn, para todo n ∈ Z+,

(7) 0 < r < s =⇒ 0 < s−n < r−n, para todo n ∈ Z+

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 79 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.4 A Relacao de Ordem em Q

Observacao 3.

• Note-se que, se m,n ∈ Z com n 6= 0, entaom

n> 0 se, e somente se, os inteiros m e n tem o

mesmo sinal.

De fato, se n > 0, segue da proposicao 3.4.2, quem

n>

0

1= 0 se, e somente se, m = m · 1 >

n · 0 = 0. Se n < 0, entaom

n=

−m

−n>

0

1= 0 se, e somente se, −m = (−m) · 1 > (−n) · 0 = 0.

Isto e, se, e somente se, m < 0.

• A diferenca entre as propriedades listadas acima e as correspondentes da secao 2.5, esta

contida na propriedade (7) pois, em se tratando de numeros inteiros, nao se tem a nocao de

inversos multiplicativos nem de potencias com expoentes negativos.

A verificacao da propriedade (7) e simples: Basta mostrar que a hipotese implica 0 < s−1 <

r−1, mas isto e consequencia da proposicao 3.4.2.

Com efeito, se r =m

ke s =

p

qtemos 0 < r < s se, e somente se:

0 <m

k<

p

q⇐⇒ 0 < mq < kp⇐⇒ 0 <

q

p<

k

m⇐⇒ 0 < s−1 < r−1 .

A propriedade (7) segue desta relacao, da propriedade (6) e da observacao feita na pag. 67.

• Das propriedades (4), (6) e (7) temos que: Se r ∈ Q e 0 < r < 1, entao:

0 < . . . < rn < . . . < r3 < r2 < r < 1 < r−1 < r−2 < r−3 < . . . < r−n < . . .

A proposicao a seguir engloba o similar da proposicao 2.5.5.

Proposicao 3.4.3. Dados r, s ∈ Q temos:

(i) r · s < 0⇐⇒ r e s tem sinais contrarios,

(ii) r · s > 0⇐⇒ r e s tem o mesmo sinal,

(iii) r · s = 0⇐⇒ r = 0 ou s = 0.

Demonstracao. Sejam r =m

ne s =

p

q, com n, q ∈ Z+. Entao, o sinal de r e o mesmo sinal de

m e o sinal de s e o mesmo de p. Como nq > 0, pelas proposicoes 2.5.5 e 3.4.2, provamos (i)

e (ii):

r · s =mp

nq< 0 ⇐⇒ mp < 0⇐⇒ m e p tem sinais contrarios⇐⇒ r e s tem sinais contrarios.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 80 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.4 A Relacao de Ordem em Q

r · s =mp

nq> 0 ⇐⇒ mp > 0⇐⇒ m e p tem o mesmo sinal⇐⇒ r e s tem o mesmo sinal.

Finalmente, r · s =mp

nq= 0 ⇐⇒ mp = 0 ⇐⇒ m = 0 ou p = 0 . Isto termina a prova de

(iii). C.Q.D.

Ao combinar a relacao < com =, introduzimos a notacao ≤ da mesma maneira que no

capıtulo 2. A relacao ≤ possui as propriedades (1)-(8), listadas na secao correspondente do

capıtulo 2, ao considerar a, b ∈ Q. Alem destas 8 propriedades temos uma adicional:

(9) 0 < a ≤ b =⇒ 0 < b−n ≤ a−n, para todo n ∈ Z+.

A verificacao destas propriedades e simples e a deixamos como exercıcio para o leitor.

Finalmente, voltamos a considerar a equacao xy = 1. Na secao 2.5 vimos que esta equacao,

quando considerada em Z, possui apenas duas solucoes: x = y = 1 ou x = y = −1. Esta

mesma equacao considerada agora em Q possui infinitas solucoes!

Com efeito, a igualdade xy = 1 em Q significa que x 6= 0 6= y e que y e o recıproco de x.

Logo, para resolve-la basta tomar qualquer x ∈ Q nao nulo e fazer y = x−1. Como a quantidade

de numeros racionais nao e finita, a quantidade de numeros racionais diferentes de zero tambem

nao e finita.

Um fato curioso e importante de se observar e que, o conjunto Q, possui tantos elementos

quanto o conjunto N dos numeros naturais, e o mesmo vale para Z. Isto se verifica enumerando

os elementos dos conjuntos Z e Q ao coloca-los numa lista da mesma maneira que N (ou da

mesma maneira que um subconjunto ilimitado de N).

Para colocar os elementos do conjunto Z numa lista podemos proceder da seguinte maneira:

0, −1, 1, −2, 2, −3, 3, −4, 4, −5, 5, . . .

Como colocar os elementos de Q numa lista? Primeiro observamos que basta colocar os

elementos de Q que sao nao negativos numa lista e depois intercalar os elementos negativos

de Q da mesma forma que na lista acima feita para Z.

Na tabela abaixo figuram todas as fracoes da formam

ncom m,n ∈ N, n 6= 0 e o caminho

indicado na poligonal mais clara indica como enumerar estas fracoes. A enumeracao e feita da

seguinte maneira:0

1,

1

1,

0

2,

0

3,

1

2,

2

1,

3

1,

2

2,

1

3,

0

4,

0

5,

1

4,

2

3,

3

2,

4

1,

5

1,

4

2,

3

3,

2

4,

1

5, . . . ,

5

6,

6

5,

7

4,

8

3,

9

2,10

1, . . .

Isto e,0

1e o primeiro elemento da lista,

1

1e o segundo,

0

2e o terceiro,. . . ,

2

3o decimo terceiro,

etc.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 81 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.4 A Relacao de Ordem em Q

O conjunto das fracoes descritas contem todos os numeros racionais nao negativos (os

quais aparecem na lista com repeticoes), logo o conjunto dos numeros racionais nao negativos

e um conjunto infinito enumeravel.

Pra finalizar esta secao, vamos incluir duas belas passagens do livro Meu Professor de

Matematica e outras historias de Elon L. Lima (Colecao Fundamentos da Matematica Elementar,

Sociedade Brasileira de Matematica, Rio de Janeiro, 1987). Estas passagens referem-se a

alguns problemas citados no livro O Homem que Calculava de Malba Tahan, que relata as

proezas matematicas de Beremiz Samir narradas por um fiel amigo e companheiro durante

suas viagens por terras arabes.

A primeira aventura de Beremiz acontece quando ele e seu amigo, viajando sobre o mesmo

camelo, chegam a um oasis, onde encontram-se tres irmaos em acirrada discussao por causa

da heranca de 35 camelos deixada pelo pai, quem antes de morrer, estipulara que metade da

heranca caberia ao filho mais velho, um terco ao do meio e um nono ao mais moco.

Bem, a discussao vinha do fato de que 35 nao e divisıvel por 2, 3 e 9. Portanto, o filho mais

velho iria receber 352

= 34+12

= 17 + 12

camelos, o filho do meio 353

= 33+23

= 11 + 23

camelos, e o

mais moco 359

= 27+89

= 3 + 89

camelos !!!

Para espanto e preocupacao do amigo, Beremiz entrega o seu camelo aos irmaos a fim

de facilitar a partilha. Deste modo, tendo 36 camelos, o filho mais velho do falecido fica com362

= 18, camelos, o filho do meio ganha 363

= 12 camelos e o mais moco 369

= 4 camelos !!

Apos esta partilha, todos saıram ganhando, ate Beremiz que ainda ficou com o seu camelo

e mais um para o seu amigo !!

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 82 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

Qual a explicacao para o fato? Bom, primeiramente, 18+12+4 = 34 sobrando os 2 camelos,

o de Beremiz e mais um. O ganho de Beremiz vem do fato de que 12

+ 13

+ 19

= 1718

< 1 !! Logo,

na partilha feita pelo falecido sobrava um resto de 118

do qual aproveitaram-se Beremiz e seu

amigo...

O seguinte problema aparece quando Beremiz e seu amigo, a caminho de Bagda, socorrem

no deserto um rico cheique, que fora assaltado, e com ele repartem irmamente sua comida, que

se resumia a 8 paes: 5 de Beremiz e 3 do amigo.

Chegados ao seu destino, o cheique os recompensa com oito moedas de ouro: 5 para

Beremiz e 3 para o amigo.

Todos entao ficam surpresos com o suave protesto de Beremiz. Segundo este, a maneira

justa de repartir as 8 moedas seria dar 7 a ele e apenas 1 ao amigo !!

O argumento de Beremiz fora o seguinte: durante a viagem, cada refeicao consistia em

dividir um pao em 3 partes iguais e cada um dos viajantes comia uma delas. Foram consumidos

ao todo 8 paes, ou seja 24 tercos, cada viajante comendo 8 tercos. Destes, 15 tercos foram

dados por Beremiz, que comeu 8, logo contribuiu com 7 tercos para a alimentacao do cheique.

Por sua vez, o amigo contribuiu com 9 tercos, dos quais comeu 8, logo participou apenas com 1

terco para alimentar o cheique. Isto justifica a observacao de Beremiz.

No final, porem, o homem que calculava, generosamente, ficou com apenas 4 moedas,

dando as 4 restantes ao amigo.

3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

Nesta secao vamos introduzir uma outra maneira de representar os numeros racionais, de-

nominada expansao decimal. No dia a dia, os numeros racionais sao apresentados quase sem-

pre desta maneira, por exemplo, uma passagem de onibus custa 0, 60 de real, uma passagem

da barca Rio-Niteroi custa 0, 90 de real, o medico aconselhou ao meu amigo andar diariamente

3, 5 quilometros, uma duzia de bananas custa na feira 1, 50 de real, etc. Com a mesma natura-

lidade que reconhecemos, aprendemos a efetuar operacoes de soma, multiplicacao , diferenca

e quociente com tais quantidades.

Adotamos tambem uma terminologia baseada em potencias do numero natural 10 chamada

sistema decimal. Em aplicacoes mais especıficas, sao adotados outros sistemas numericos

para facilitar a manipulacao da informacao quantitativa que delas se obtem. Por exemplo, em

computacao e muito usado o sistema binario (baseado em potencias de 2) ou o sistema hexa-

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 83 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

decimal (baseado em potencias de 16). Em se tratando da representacao dos numeros inteiros

isto e feito, no sistema decimal, da seguinte maneira:

Todo numero inteiro nao negativo n escreve-se na forma

n = ak · 10k + ak−1 · 10k−1 + . . . + a1 · 101 + a0 · 100 ,

onde ai ∈ {0, 1, 2, . . . , 9} para todo i ∈ {1, 2, . . . k}. Os numeros ai sao denominados os algaris-

mos de n na base 10.

A convencao usual estabelece que o numero n do paragrafo acima e escrito (na base 10)

colocando os seus algarismos um apos o outro em justaposicao de esquerda a direita na ordem

decrescente das potencias de 10.

Exemplos.

• 23 = 20 + 3 = 2 · 101 + 3 · 100. • 31.245 = 30.000 + 1.000 + 200 + 40 + 5 = 3 · 104 + 1 · 103 + 2 ·102 + 4 · 101 + 5 · 100.

A representacao acima pode ser feita substituindo a base 10 por qualquer natural nao nulo.

A fim de nao ocupar mais tempo e espaco nestas notas, dedicaremos as nossas consideracoes

a base 10.

Nosso primeiro objetivo e dar uma representacao dos numeros racionais baseada em potencias

do natural 10.

Teorema 3.5.1. Todo numero racional r pode ser escrito na forma

r = ak · 10k + ak−1 · 10k−1 + . . . + a1 · 101 + a0 · 100 +b1

101+

b2

102+ . . . +

b`

10`+ . . . (4)

onde ai, bj ∈ {0, 1, 2, . . . , 9} para todo i ∈ {1, 2, . . . , k} e j ∈ Z+.

Antes da prova deste teorema, vamos introduzir a terminologia usada no cotidiano e que

tambem usaremos no resto destas notas.

Notacao. A representacao de r em (4) escreve-se por justaposicao na forma:

r = ak ak−1 . . . a2 a1 a0 , b1 b2 b3 b4 . . . b` . . .

A parte ak ak−1 . . . a2 a1 a0 = ak · 10k + ak−1 · 10k−1 + . . . + a1 · 101 + a0 · 100 e chamada a parte

inteira de r e se designa por [r]. A parte 0 , b1 b2 b3 b4 . . . b` . . . =b1

101+

b2

102+ . . . +

b`

10`+ . . . e

chamada a parte decimal de r.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 84 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

Quando b` = 0 para todo ` > `0 dizemos que r possui expansao decimal finita e escrevemos

r = ak ak−1 . . . a2 a1 a0 , b1 b2 b3 b4 . . . b`0.

Dizemos que uma expansao decimal 0 , b1b2 . . . bn . . . e periodica se existem k, p ∈ Z+ tais

que b`+p = b` para todo ` > k.

Mais explicitamente, uma expansao decimal 0 , b1b2 . . . bn . . . e periodica se existirem k, p ∈Z+ tais que

0 , b1b2 . . . bn . . . = 0 , b1 . . . bk bk+1bk+2 . . . bk+p︸ ︷︷ ︸ bk+1bk+2 . . . bk+p︸ ︷︷ ︸ . . . bk+1bk+2 . . . bk+p︸ ︷︷ ︸ . . .Uma maneira mais simples de escrever uma expansao decimal periodica como a anterior

consiste em escrever apenas uma vez os dıgitos que se repetem com uma barra horizontal por

cima.

Com esta convencao, a expansao decimal anterior escreve-se na forma:

0 , b1b2 . . . bn . . . = 0 , b1 . . . bkbk+1bk+2 . . . bk+p .

As expansoes decimais finitas podem ser pensadas como sendo periodicas de maneira

trivial acrescentando uma terminacao de zeros:

0 , b1b2 . . . bk = 0 , b1b2 . . . bk000 . . . 00 . . . = 0 , b1b2 . . . bk0 .

Na demonstracao do Teorema 3.5.1 que apresentaremos a seguir, provaremos um pouco

mais do que a tese exige, os resultados adicionais que vamos obter sao fundamentais para a

seguinte proposicao:

Proposicao 3.5.2. Sejam m,n ∈ Z+. A expansao decimal do numero racionalm

ne sempre

finita ou periodica, sendo finita se, e somente se, os unicos divisores primos de n sao 2 e/ou

5. Reciprocamente, toda expansao decimal finita ou periodica e a expansao decimal de um

numero racional.

Tanto no teorema quanto na proposicao, consideraremos apenas numeros racionais posi-

tivos. Os correspondentes resultados para numeros racionais negativos sao obtidos por mera

simetria.

Procedemos com a prova do teorema 3.5.1, a demonstracao e completamente construtiva,

dando lugar a um algoritmo para determinar a expansao decimal de um numero racional. Tal

algoritmo e construıdo por repeticao (ou iteracao) do algoritmo de Euclides. Mais ainda, o nosso

algoritmo e apenas a justificativa formal do processo da divisao com resto que efetuamos desde

nossos cursos elementares para obter expansoes decimais.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 85 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

Demonstracao do Teorema 3.5.1.

Consideremos um numero racional r =m

nescrito como fracao irredutıvel, isto e, m,n ∈ Z+ sao

primos entre si.

Temos duas situacoes a considerar:

Caso I. n = 1.

Neste caso,m

n= m e um numero inteiro e escreve-se na forma ak · 10k + ak−1 · 10k−1 + . . . +

a1 · 101 + a0 · 100, onde bj = 0 para todo j ∈ Z.

Caso II. n 6= 1.

Aqui temos que considerar ainda duas sub-situacoes:

Caso II.a. m > n.

Neste caso podemos aplicar o algoritmo de Euclides para determinar inteiros q, p ∈ Z+, com

0 < p < n tais que m = q · n + p. Logom

n= q +

p

n, sendo q a parte inteira de

m

n. Como ja

sabemos decompor a parte inteira, basta analisar a partep

n. Isto e feito na situacao II.b. abaixo,

assumindo que que a fracao e irredutıvel.

Caso II.b. m < n.

Das nossas primeiras nocoes sobre limites, sabemos que a sucessao

m · 100, m · 101, . . . , m · 10j, . . .

tende a infinito quando j −→ ∞. Portanto, para o nosso n, existe um menor inteiro k1 ∈ Z+ tal

que m · 10k1 ≥ n > m · 10k1−1.

Se k1 > 1 fazemos b1 = b2 = . . . = bk1−1 = 0.

Escrevemos r0 = m.

Segundo o algoritmo de Euclides, podemos encontrar inteiros bk1∈ Z+ e r1 ∈ N com 0 ≤

r1 < n tais que

m · 10k1r0 · 10k1 = n · bk1+ r1 . (∗)

Multiplicando a igualdade (*) por1

n · 10k1obtemos

m

n=

bk1

10k1+

r1

n · 10k1. Logo

m

n=

b1

101+

b2

102+ . . . +

bk1

10k1+

r1

n · 10k1.

Neste ponto e importante observar que bk1∈ {1, 2, . . . , 9}. De fato, a relacao (*) pode ser

escrita 10(m·10k1−1) = n·bk1+r1. Dividindo esta relacao por n obtemos 10

m · 10k1−1

n= bk1

+r1

n.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 86 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

Pela maneira como foi feita a escolha do inteiro k1 temos m · 10k1−1 < n e entao, o lado

esquerdo da igualdade e estritamente menor que 10. Como 0 ≤ r1 < n temosr1

n≥ 0 e o lado

direito da igualdade e maior ou igual a bk1.

Portanto, 10 > bk1e como bk1

∈ Z+, obtemos 10 > bk1> 0 como afirmamos.

Se r1 e igual a 0 em (*), entao a expansao decimal e finita e m · 10k1 = n · bk1. Portanto n

e divisor de m · 10k1. Como n e m sao relativamente primos, n e divisor de 10k1, logo n e um

produto de potencias de 2 e/ou de 5. Neste caso,

m

n=

b1

101+

b2

102+ . . . +

bk1−1

10k1−1+

bk1

10k1= 0 , b1b2 . . . bk1−1bk1

.

Se r1 6= 0 em (*), temos que analisar a parcelar1

n·10k1, mas isto recai de novo a situacao

inicial. Com efeito, consideramos r1 ao inves de m e estudamos a expansao decimal do racionalr1

n.

Seja k2 ∈ Z+ o menor inteiro tal que r1 · 10k2 ≥ n > r1 · 10k2−1.

Se k2 > 1 fazemos bk1+1 = bk1+2 = . . . = bk1+k2−1 = 0.

Pelo algoritmo de Euclides, existem inteiros bk1+k2∈ Z+ e r2 ∈ N tais que

r1 · 10k2 = n · bk1+k2+ r2 , com 0 ≤ r2 < n (∗∗)

Provaremos que o seguinte dıgito nao nulo da expansao decimal dem

ne bk1+k2

. Antes de provar

isto, temos que verificar que 10 > bk1+k2> 0.

Pela escolha do inteiro k2 temosr1 · 10k2−1

n< 1. Por outro lado, a relacao 0 ≤ r2 < n implica

r2

n≥ 0. Portanto, ao dividir a igualdade (**) por n obtemos:

10 > 10r1 · 10k2−1

n=

r2 · 10k2

n= bk1+k2

+r2

n≥ bk1+k2

.

Como bk1+k2∈ Z+ concluımos 10 > bk1+k2

> 0 .

Se r2 = 0 entao a expansao decimal e finita e termina com o dıgito bk1+k2, neste caso

r1 · 10k2 = n · bk1+k2,

isto e, n divide r1 · 10k2, ou seja n divide 10k2 (pois r1 < n). Logo, os unicos divisores primos de

n sao 2 e/ou 5.

Se r2 6= 0, multiplicamos a igualdade de (**) por1

n · 10k1+k2para obter

r2

n · 10k1=

bk1+k2

10k1+k2+

r2

n · 10k1+k2.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 87 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

Logo

m

n=

b1

101+ . . . +

bk1−1

10k1−1+

bk1

10k1+

bk1+1

10k1+1+ . . . +

bk1+k2−1

10k1+k2−1+

bk1+k2

10k1+k2+

r2

n · 10k1+k2,

e se repete o procedimento com r2 no lugar de m.

Observamos que, caso nenhum dos restos r0 = m, r1, r2, r3, . . . obtidos no algoritmo seja

nulo, a expansao decimal dem

nnao sera finita, mas por outro lado, estes restos estao to-

dos contidos no conjunto {1, 2, . . . , n − 1}. Portanto, apos de no maximo n etapas, apare-

cera um resto rj igual a algum ri com 0 ≤ i < j e pela construcao do algoritmo ri+1 = rj+1,

ri+2 = rj+2, . . . , ri+(j−i−1) = rj+(j−i−1), rj = ri+(j−i) = rj+(j−i) = r2j−i, . . . com as correspondentes

igualdades dos dıgitos.

Assim,

m

n= 0, b1 . . . bki−1bki

bki+1 . . . bkj−1bkibki+1 . . . = 0, b1b2 . . . bki−1bki

bki+1 . . . bkj−1 .

Isto termina a prova do Teorema. C.Q.D.

Vamos agora completar a prova da proposicao 3.5.2. apos a seguinte observacao funda-

mental.

Observacao 4. Multiplicar uma expansao decimal por uma potencia de 10 significa transladar a

vırgula decimal pra a esquerda se o expoente da potencia de 10 e negativo, ou pra a direita se

o expoente e positivo.

De fato, consideremos uma expansao decimal r = ak . . . a1a0 , b1b2 . . . b` . . .

Dado n ∈ Z+ temos

10n · r = 10n · (ak . . . a1a0 , b1b2 . . . b` . . .)

= 10n ·(

ak · 10k + . . . + a1 · 101 + a0 · 100 +b1

101+ . . . +

b`

10`+ . . .

)= ak · 10k+n + ak−1 · 10k−1+n + . . . + a1 · 101+n + a0 · 100+n + b1 · 10n−1

+b2 · 10n−2 + . . . + bn · 10n−n + bn+1 · 10n−(n+1) + bn+2 · 10n−(n+2) + . . .

= ak . . . a1a0b1b2 . . . bn , bn+1bn+2 . . .

Se n ≤ k :

10−n · r = 10−n · (ak . . . a1a0 , b1b2 . . . b` . . .)

= 10−n ·(

ak · 10k + . . . + a1 · 101 + a0 · 100 +b1

101+ . . . +

b`

10`+ . . .

)J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 88 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

= ak · 10k−n + ak−1 · 10k−1−n + . . . + an · 10n−n + an−1 · 10n−1−n + . . .

+a1 · 101−n + a0 · 100−n + b1 · 10−n−1 + . . .

= ak . . . an , an−1 . . . a0b1b2 . . .

Finalmente, se n > k :

10−n · r = 10−n · (ak . . . a1a0 , b1b2 . . . b` . . .)

= 10−n ·(

ak · 10k + . . . + a1 · 101 + a0 · 100 +b1

101+ . . . +

b`

10`+ . . .

)= ak · 10k−n + ak−1 · 10k−1−n + . . . + a0 · 100−n + b1 · 10−n−1 + . . .

= 0 · 10−1 + . . . + 0 · 10k+1−n + ak · 10k−n + ak−1 · 10k−1−n + . . .

+a0 · 100−n + b1 · 10−n−1 + . . . = 0 ,0 0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸n − (k + 1) zeros

ak . . . a0b1b2 . . .

Demonstracao da Proposicao 3.5.2.

Na prova do teorema 3.5.1 vimos que, a expansao decimal de um numero racional e sempre

finita ou periodica, e que se a expansao decimal dem

ne finita, entao os unicos divisores primos

de n sao 2 e/ou 5. Vamos provar agora que, se os unicos divisores primos de n sao 2 e/ou 5,

entao a expansao decimal dem

ne finita.

Seja n = 2α · 5β, para alguns α, β ∈ N.

Temos duas situacoes por estudar:

Caso α ≤ β :

Neste caso, multiplicandom

npor

2β−α

2β−αe escrevendo m · 2β−α na forma

m · 2β−α = b0 · 10k + b1 · 10k−1 + . . . + b2 · 101 + bk · 100 , (1)

obtemos:

m

n=

m · 2β−α

n · 2β−α=

b0 · 10k + b1 · 10k−1 + . . . + b2 · 10k−1 + bk · 100

2β · 5β

= b0 · 10k−β + b1 · 10k−1−β + . . . + b2 · 101−β + bk · 10−β . (2)

Caso α > β :

Neste caso procedemos como no anterior multiplicandom

npor

5α−β

5α−β, e escrevendo m · 5α−β

como

m · 5α−β = c0 · 10k + c1 · 10k−1 + . . . + c2 · 101 + ck · 100 .

Um calculo como o feito em (2) termina a demonstracao para este caso.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 89 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

Vamos provar agora que toda expansao decimal finita ou periodica e de fato a expansao

decimal de um numero racional.

Como toda expansao decimal finita pode ser considerada como sendo periodica, restringi-

mos a nossa atencao as expansoes periodicas. Tambem podemos supor que a nossa expansao

nao tem parte inteira.

Seja r = 0, b1b2 . . . bk−1bk . . . bk+p uma expansao decimal periodica, com k, p ∈ Z+, entao

r · 10k−1 = b1 . . . bk−1, bk . . . bk+p = b1b2 . . . bk−1 + 0, bk . . . bk+p = a + 0, bk . . . bk+p ,

onde a = b1b2 . . . bk−1 ∈ N, e similarmente

r · 10k+p = b1b2 . . . bk−1bk . . . bk+p, bk . . . bk+p = b1b2 . . . bk−1bk . . . bk+p, bk . . . bk+p

= b1b2 . . . bk−1bk . . . bk+p + 0, bk . . . bk+p = b + 0, bk . . . bk+p .

onde b = b1b2 . . . bk−1bk . . . bk+p ∈ N.

Portanto b > a e r · 10k+p − r · 10k−1 = b − a ∈ N. Logo r =b − a

10k+p − 10k−1, com b − a ∈ Z e

10k+p − 10k−1 ∈ Z+, isto e r e um numero racional. C.Q.D.

Exemplos.

A.1

2= 0, 5 . Com efeito,

1

2=

1 · 52 · 5

=5

10= 0, 5 .

B.21

80= 0, 2625 .

Com efeito, os unicos divisores primos de 80 sao 2 e 5, pois 80 = 24 · 5, logo

21

80=

21

24 · 5=

21 · 53

24 · 54=

2625

104=

2 · 103

104+

6 · 102

104+

2 · 10

104+

5

104

=2

10+

6

102+

2

103+

5

104= 0, 2625 .

C. Qual e o numero racional representado pela expansao r = 0, 425 ?

Pela observacao 4 temos r · 103 = 425. Portanto r =425

1000=

17

40.

D. Vamos verificar que2

7= 0, 285714 .

Compare o esquema abaixo com o algoritmo a seguir:

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 90 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

Pelo algoritmo da prova do Teorema 3.5.1:

(1) Temos 2 · 101 = 20 ≥ 7 > 2 = 2 · 100 e 2 · 101 = 2 · 7 + 6, onde 0 ≤ 6 < 7.

Logo b1 = 2.

(2) Temos 6 · 101 = 60 ≥ 7 > 6 = 6 · 100 e 6 · 101 = 8 · 7 + 4, onde 0 ≤ 4 < 7.

Logo b2 = 8.

(3) Temos 4 · 101 = 40 ≥ 7 > 4 = 4 · 100 e 4 · 101 = 5 · 7 + 5, onde 0 ≤ 5 < 7.

Logo b3 = 5.

(4) Temos 5 · 101 = 50 ≥ 7 > 5 = 5 · 100 e 5 · 101 = 7 · 7 + 1, onde 0 ≤ 1 < 7.

Logo b4 = 7.

(5) Temos 1 · 101 = 10 ≥ 7 > 1 = 1 · 101 e 1 · 101 = 1 · 7 + 3, onde 0 ≤ 3 < 7.

Logo b5 = 1.

(6) Temos 3 · 101 = 30 ≥ 7 > 3 = 3 · 100 e 3 · 101 = 4 · 7 + 2, onde 0 ≤ 2 < 7.

Logo b6 = 4.

O resto na etapa (6) coincide com o numerador de2

7

Logo

b7 = b1 = 2, b8 = b2 = 8, b9 = b3 = 5, . . . , b12 = b6 = 4, b13 = b7 = b1 = 2 . . .

Portanto2

7= 0, 285714 .

E. Verifiquemos que103

330= 0, 312 .

Usando o algoritmo descrito no teorema 3.5.1:

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 91 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

(1) Temos 103 · 101 ≥ 330 > 103 · 100 e 103 · 101 = 330 · 3 + 40 com 0 ≤ 40 < 330.

Logo b1 = 3 e r1 = 40.

(2) Temos 40 · 101 ≥ 330 > 40 · 100 e 40 · 101 = 330 · 1 + 70 com 0 ≤ 70 < 330.

Logo b2 = 1 e r2 = 70.

(3) Temos 70 · 101 ≥ 330 > 70 · 100 e 70 · 101 = 330 · 2 + 40 com 0 ≤ 40 < 330.

Logo b3 = 2 e r3 = 40 = r1.

Portanto b2 = b4 = b6 = . . . e b3 = b5 = b7 = . . ..

Isto e,103

330= 0, 3121212 . . . = 0, 312.

Compare os passos acima com o esquema abaixo !!!

F. Qual o numero racional representado pela dızima periodica r = 24, 34543?

Seja s = 0, 34543.

Temos r = 24 + s, e pela observacao 4:

s · 105 = 34543, 543 e s · 102 = 34, 543.

Logo s · (105 − 102) = 34543 − 34 = 34509 e entao s =34509

99900.

Portanto r = 24 +34509

99900=

2432109

99900=

810703

33300.

Observacao 5. O numero inteiro 1 e representado pela expansao r = 0, 9 !

De fato, r · 10 = 9, 9. Logo r · (10 − 1) = r · 10 − r = 9, 9 − 0, 9 = 9, de onde r = 1.

Em virtude da observacao 4 podemos escrever:

1 = 1 · 100 = 0, 9 = 0, 9999 . . .

0, 1 = 1 · 10−1 = 0, 09 = 0, 09999 . . .

0, 01 = 1 · 10−2 = 0, 009 = 0, 009999 . . .

0, 001 = 1 · 10−3 = 0, 0009 = 0, 0009999 . . .

etc. . . .

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 92 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

0, 00 . . . 00︸ ︷︷ ︸n zeros

1 = 1 · 10−n = 0, 00 . . . 000︸ ︷︷ ︸n + 1 zeros

9 = 0, 00 . . . 000︸ ︷︷ ︸n + 1 zeros

9999 . . .

Resumimos estas consideracoes no seguinte Corolario:

Corolario 3.5.3. A expansao decimal finita de um numero racional nao nulo pode ser escrita

como uma expansao decimal periodica infinita terminando com 9 de maneira unica.

Com efeito, se m ∈ Z+ podemos escrever

m = (m − 1) + 1 = (m − 1) + 0, 9 = (m − 1), 9

Por exemplo:

• 3 = 2 + 1 = 2+, 9 = 2, 9 .

• 38 = 37 + 1 = 37+, 9 = 37, 9 .

Se s = 0 , b1b2 . . . bk, entao

s = 0 , b1 . . . bk−1(bk − 1) + 0 ,00 . . . 00︸ ︷︷ ︸k − 1 zeros

1 = 0 , b1 . . . bk−1(bk − 1) + 0 , 00 . . . 00︸ ︷︷ ︸k zeros

9

= 0 , b1b2 . . . bk−1(bk − 1)9 = 0 , b1b2 . . . bk−1(bk − 1)9999 . . .

Por exemplo: • 0, 567 = 0, 566 + 0, 001 = 4, 566 + 0, 0009 = 4, 5669 .

• 33, 12348 = 33, 12347 + 0, 00001 = 33, 12347 + 0, 000009 = 33, 123479 .

Observacao 6. Operando com expansoes decimais.

Uma vez estabelecidos os conceitos fundamentais sobre a representacao dos numeros ra-

cionais via expansoes decimais (finitas ou periodicas), e natural se perguntar como e que se

opera com tais expansoes. Isto e, se r, s ∈ Q sao representados pelas expansoes

r = mkmk−1 . . .m1m0, a1a2a3 . . . e s = n`n`−1 . . .m1m0, b1b2b3 . . . ,

como devem-se manipular as expansoes para obter as expansoes de r+ s e r · s ? Mais ainda,

se r 6= 0, como se obtem a expansao de r−1 ?

Uma maneira de responder estas questoes e: Converter as expansoes decimais em fracoes,

operar as fracoes, e depois converter os resultados obtidos de novo a forma de expansoes ...

Hummmm! ... parece um processo trabalhoso...

Vejamos como abordar o problema de outro ponto de vista. Temos varios casos a considerar.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 93 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.5 Os Racionais e suas Expansoes Decimais

Caso I. As expansoes de r e s sao finitas.

Isto e, r = mkmk−1 . . .m1m0, a1a2a3 . . . ap e s = n`n`−1 . . . n1n0, b1b2b3 . . . bq.

Se p ≤ q temos

10qr = mkmk−1 . . .m1m0a1a2a3 . . . ap 0 . . . 0︸ ︷︷ ︸q − p zeros

10qs = nknk−1 . . . n1n0b1b2b3 . . . bpbp+1 . . . bq.

Adicionando os lados direitos obtemos um inteiro c0c1c2 . . . cq, onde c0 e a soma das partes intei-

ras de r e s ou a soma das partes inteiras de r e s acrescentada em uma unidade. Adicionando

os lados esquerdos obtemos 10q(r + s). Logo, a soma das expansoes decimais e dada por

r + s = (c0c1c2 . . . cq)10−q = c0, c1c2 . . . cq.

Por outro lado, multiplicando agora os lados direitos das expressoes acima obtemos um

inteiro c0c1c2 . . . c2q, para algum c0 ∈ Z, e multiplicando os lados esquerdos obtemos 102q(rs).

Logo, a expansao decimal do produto de r com s e dada por

rs = (c0c1c2 . . . c2q)10−2q = c0, c1c2 . . . c2q,

para algum inteiro c0.

Portanto, quando as expansoes sao finitas, apos multiplica-las por potencias adequadas de

10, a sua soma e multiplicacao ficam reduzidas a uma soma, ou uma multiplicacao respectiva-

mente, de numeros inteiros.

Caso II. Pelo menos uma das expansoes de r ou s e periodica infinita.

Este caso e muito mais delicado que o anterior quando as partes periodicas nao sao da

forma 9 (que pode ser tratado como no caso I apos a conversao a expansoes finitas), pois en-

volve somas com infinitos termos (coisa que ainda nao sabemos fazer nestas notas). Em virtude

da dificuldade que ha por tras das somas infinitas, o caminho mais economico e transformar as

expansoes em fracoes e proceder como indicamos acima do caso I.

Na pratica, porem, as expansoes finitas sao suficientes para a maioria das aplicacoes pois,

como veremos depois, toda expansao decimal infinita pode ser aproximada com grau arbitrario

de precisao por uma expansao decimal finita .

Exemplo.

Se r = 12, 4591 e s = 2, 7372702 temos: 107r = 124591000 e 107s = 27372702 . Logo

107(r + s) = 151963702 .

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 94 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

Portanto r + s = 15, 1963702 .

Temos tambem 1014rs = 3410392314882000 .

Portanto

rs = 34, 10392314882000 = 34, 10392314882 .

3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

Na secao anterior vimos que todo numero racional e representado por uma expansao deci-

mal periodica ou finita e reciprocamente, toda expansao decimal periodica ou finita e a expansao

de um numero racional. Vimos tambem (ver Corolario 3.5.3) que toda expansao decimal finita

nao nula pode ser escrita de maneira unica como uma expansao decimal infinita subtraindo uma

unidade do seu ultimo dıgito nao nulo e acrescentando infinitos algarismos 9 nas casas decimais

seguintes.

Nesta secao apresentaremos os numeros irracionais e os numeros reais, o enfoque que ado-

taremos e bastante intuitivo mas sem descuidar os aspectos rigorosos que o texto tenta deixar

na alma do leitor, deixando as construcoes mais formais para outros cursos mais avancados.

Convencao. No seguinte consideraremos todos os numeros racionais nao nulos como sendo

expansoes decimais infinitas periodicas segundo o Corolario 3.5.3.

Consideremos a seguinte expansao decimal

r = 0, 10100100010000100000100 . . . 001 00 . . . 000︸ ︷︷ ︸n-zeros

100 . . . 0000︸ ︷︷ ︸(n + 1)-zeros

100 . . .

onde o numero de zeros entre dois dıgitos 1 vai aumentando como se indica. Tal expansao, que

nao e periodica nem finita, nao representa um numero racional!! Isto motiva a seguinte definicao

Definicao. Um numero irracional e uma expansao decimal que nao e periodica (vide a

convencao acima).

Designamos por R o conjunto que consiste de todas as expansoes decimais, os seus elementos

sao chamados numeros reais.

Observacao 1. Segundo os resultados da secao anterior, os numeros irracionais nao tem uma

representacao na formam

ncom m,n ∈ Z, n 6= 0.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 95 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

Devemos observar tambem que, Q ⊂ R e que R − Q e exatamente o conjunto dos numeros

irracionais.

Definicao. Duas expansoes decimais sao ditas iguais quando as suas partes inteiras e todos

os dıgitos das suas partes decimais coincidem.

Dizemos tambem que a expansao α = m,a1a2a3 . . . e menor que a expansao decimal β =

n, b1b2b3 . . ., se acontece uma das seguintes possibilidades:

• m < n (i.e. a parte inteira de α e menor (segundo a relacao < em Z) do que a parte inteira

de β)

• Existe j ∈ Z+ tal que ai = bi, para todo i ∈ {1, 2, 3, . . . (j − 1)} e aj < bj.

Um numero real e α dito positivo se α > 0, negativo se α < 0. Designamos por R+, R−

e R∗ os subconjuntos de R que consistem dos numeros reais positivos, negativos e nao nulos

respectivamente.

Escrever α ≤ β significa, como antes, que α < β ou α = β. A expressao β ≥ α tem o

mesmo significado que α ≤ β.

Os conjuntos R−R+ e R−R− sao o conjunto dos numeros reais nao negativos e o conjunto

dos numeros reais nao positivos respectivamente.

Exemplos.

(a) Se α = 4, 34909 = 4, 3491 e β = 5, 34909 = 5, 3491, entao α < β, porque a parte inteira

de α (que e igual a 4), e menor que a parte inteira de β (que e igual a 5).

(b) Se α = 12, 4958285079 = 12, 495828508 e β = 12, 4958285179 = 12, 495828518, entao

α < β, pois a oitava casa decimal de α e 0 e a oitava casa decimal de β e 1.

(c) Se α = 0, 34353249132 e β = 0, 34353534232, entao α < β, pois a sexta casa decimal de

α e menor que a sexta casa decimal de β

(d) Os numeros reais α = 4 e β = 3, 9 sao iguais.

Com efeito, segundo a convencao do inicio da secao e a definicao acima temos que, a

representacao de α como uma expansao infinita e α = 4 = 3 + 1 = 3 + 0, 9 = 3, 9 = β (vide

secao anterior).

(e) Se α = 3 e β = 2, 99998, entao β < α.

Com efeito, a expansao infinita de α e α = 3 = 2 + 1 = 2 + 0, 9 = 2, 9 = 2, 9999999. Logo,

105β = 299998 < 299999, 9 = 300000 = 105α implica β < α.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 96 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

No conjunto dos numeros reais temos definidas duas operacoes basicas que generalizam

as operacoes de soma e multiplicacao definidas na secao 3.2 sobre Q:

+ : R× R −→ R (α, β) 7−→ α + β (operacao de soma ou adicao)

· : R× R −→ R (α, β) 7−→ α · β (operacao de multiplicacao ou produto)

Dizer que estas operacoes sao uma generalizacao das correspondentes definidas sobre Qsignifica que, se α, β ∈ Q ⊂ R, entao os numeros reais α + β e α · β, que na verdade sao

racionais, sao exatamente aqueles definidos na secao 3.2.

Na pratica, nos apenas estamos familiarizados com estas operacoes em se tratando de ex-

pansoes decimais finitas ou, no caso de expansoes decimais infinitas nao triviais, via expressoes

formais.

Por exemplo, o numero π e na verdade uma expansao decimal infinita nao periodica (abaixo

sao mostrados apenas alguns dıgitos da sua expansao decimal junto com uma representacao

geometrica). Por outro lado, nos temos uma ideia intuitiva de quantidades como 2π,π

4,etc.

Um computador ou uma maquina de calcular precisaria de uma quantidade infinita de memoria

para armazenar uma expansao decimal infinita nao trivial, coisa que o nosso mundo fısico nao

permite.

Evidentemente, ao operar com expansoes decimais nao triviais, as restricoes fısicas do

nosso mundo observavel induzem erros nos calculos, mais o efeito nocivo destes erros e mino-

rado com boas aproximacoes finitas das quantidades envolvidas. Uma vez obtidas tais aproximacoes

finitas elas podem ser operadas como sendo numeros racionais.

As operacoes basicas de soma e multiplicacao no conjunto dos numeros reais verificam

as mesmas propriedades basicas das operacoes de soma e multiplicacao em Q descritas na

secao 3.2. Para manter a completitude do texto reescrevemos a continuacao as propriedades

das operacoes + e · em R:

Propriedades das operacoes de + e · em R.

Se α, β, γ ∈ R, entao:

(1) Comutatividade:

• α + β = β + α,

• α · β = β · α.

(2) Associatividade:

• (α + β) + γ = α + (β + γ),

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 97 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

• (α · β) · γ = α · (β · γ).

(3) Distributividade:

• α · (β + γ) = α · β + α · γ,

(4) Existencia de elementos neutros (0 para + e 1 para a ·):

Os numeros reais 0 e 1 sao tais que:

• 0 + α = α = α + 0.

• 1 · α = α = α · 1.

(5) Existencia dos simetricos:

Para todo α ∈ R existe um numero real, chamado o simetrico de α, e

que designamos por −α tal que

• α + (−α) = 0 = (−α) + α.

(6) Existencia dos inversos:

Para todo numero real α ∈ R diferente de zero, existe um numero

real, chamado o inverso ou recıproco de α, e que designamos por α−1

ou por1

α, tal que

• α · 1

α= 1 =

1

α· α.

Neste ponto o leitor devera revisar o item Muita atencao da secao 3.2 e o correspondente

no capıtulo 2 para as operacoes em Z que descrevem outras propriedades obtidas a partir das

enumeradas acima.

As propriedades da relacao < (respectivamente ≤) sobre Q, enunciadas na secao 3.4, junto

com as consequencias que destas se obtem, continuam validas para a relacao < (respectiva-

mente ≤) sobre R.

De novo, para manter a completitude do texto vamos re-enunciamos (pela ultima vez!) as

propriedades basicas das relacoes < e ≤ em R:

Propriedades das relacoes < e ≤ em R:

Sejam α, β, γ ∈ R.

Para a relacao < valem as seguintes propriedades:

(1) se α < β e β < γ entao α < γ (transitividade)

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 98 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

(2) se α < β entao α + γ < β + γ,

(3) se α < β e γ > 0 entao αγ < βγ,

(4) se α < β e γ < 0 entao αγ > βγ,

(5) se α 6= β entao α < β ou β < α (dois elementos distintos sao comparaveis).

Para a relacao ≤ valem as seguintes propriedades:

(1) α ≤ α,

(2) se α ≤ β e β ≤ α entao α = β,

(3) se α ≤ β e β ≤ γ entao α ≤ γ (transitividade),

(4) se α ≤ β entao α + γ ≤ β + γ,

(5) se α ≤ β e γ > 0 entao αγ ≤ βγ,

(6) se α ≤ β e γ < 0 entao αγ ≥ βγ,

(7) α ≤ β ou β ≤ α (dois elementos quaisquer sao comparaveis).

Uma caracterıstica muito importante do conjunto dos numeros reais e dada na seguinte

proposicao:

Proposicao 3.5.4. (Propriedade Arquimediana) Dados α, β ∈ R, com 0 < α e 0 ≤ β, existe

um numero n ∈ N tal que β ≤ nα.

Demonstracao. Consideremos primeiro o caso em que α, β ∈ Q.

Isto e suponhamos que α =p

qe β =

r

sonde p, q, s ∈ Z+ e r ∈ N.

Observamos que a propriedade arquimediana equivale a existencia de n ∈ N tal quer

s≤ n · p

q,

isto e, rq ≤ nps ou sejarq

ps≤ n.

Portanto, basta escolher n ∈ N tal querq

ps≤ n.

Consideremos agora expansoes decimais

α = a0, a1a2 . . . ak . . . e β = b0, b1b2 . . . bk . . . ,

onde a0, b0 ∈ N, ai, bi ∈ {0, 1, 2, . . . , 9}, para todo i ∈ Z+ e algum dos ai, i ∈ N e diferente de

zero.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 99 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

Se a0 ≥ 1, escolhemos n ∈ N tal que n > b0 + 1. Sendo que

b0 + 1 = b0 + 0, 9 ≥ b0, b1b2 . . . bk . . . = β

e

n ≤ na0 ≤ na0 + n · (0, a1a2 . . .) = n · (a0, a1a2 . . .) = nα ,

obtemos, β ≤ nα.

Finalmente, se a0 = 0 i.e., 0 < α ≤ 1, seja aj o primeiro dos dıgitos de α que e diferente de

zero (ou seja, a primeira casa decimal nao nula de α).

Entao, 0 <aj

10j= 0, 0 . . . 0︸ ︷︷ ︸

jzeros

aj ≤ α.

Seja n0 ∈ N tal que n0 ≥ b0+1 ≥ b0+0, b1b2 . . . = β. Sendo que a propriedade arquimediana

vale (pelo anterior) para os racionaisaj

10je n0, existe n ∈ N tal que, n0 ≤ n · aj

10j.

Portanto β ≤ n0 ≤ n · aj

10j≤ n · α. C.Q.D.

E importante observar e sempre lembrar que, a propriedade arquimediana vale ainda quando

substituımos ≤ por < na desigualdade final, isto e, vale que

Dados α, β ∈ R, com 0 < α e 0 ≤ β, existe um numero n ∈ N tal que β < nα.

Da mesma maneira que introduzimos as potencias inteiras de numeros racionais, introduzi-

mos as potencias inteiras de numeros reais. Lembre que R∗ designa o conjunto dos numeros

reais nao nulos, i.e. R∗ = R − {0}.

Definicao.

• Para todo α ∈ R∗, definimos α0 = 1.

• Para todos α ∈ R e m ∈ Z+, definimos αn = α · α · . . . · α︸ ︷︷ ︸n vezes

.

• Para todos α ∈ R∗ e m ∈ Z+, definimos α−n =1

αn.

Temos tambem as seguintes propriedades basicas das potencias inteiras:

Propriedades das potencias inteiras de numeros reais:

Para todos α, β ∈ R∗ e m,n ∈ Z, temos

(a) αm+n = αn · αn.

(b) (α · β)n = αn · βn.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 100 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

(c) (αn)m = αnm.

(d) ( 0 < α < β e n ∈ Z+ ) =⇒ 0 < αn < βn.

(e) 0 < α ≤ β⇐⇒ 0 < β−1 < α−1.

Definicao. Seja α ∈ R, α ≥ 0. Dado n ∈ Z+, a raiz n-esima de α, que designamos por n√

α

ou por α1n e o numero real nao negativo cuja n-esima potencia e igual a α. Quando n = 2

escrevemos√

α no lugar de 2√

α.

Se α ∈ R, α < 0 e n ∈ Z+ e ımpar, podemos definir a raiz n-esima de α como sendo o

numero real negativo cuja n-esima potencia e igual a α.

Por exemplo, temos√

4 = 2, 3√

−8 = −2, mas nao tem sentido se perguntar sobre o valor de√

−4, pois a raiz quadrada esta definida apenas para numeros reais nao negativos.

Tambem e falso que√

4 = −2 pois, por definicao, a raiz quadrada e um numero real nao

negativo.

Um acidente frequente entre os iniciantes e escrever igualdades do tipo√

4 = ±2. Uma tal

expressao implica o absurdo 2 =√

4 = −2.

Ate o presente momento, nao estamos com ferramenta suficiente para provar que as raızes

n-esimas definidas acima existem. Nos admitiremos este fato sem mais consideracoes. No

caso das raızes quadradas (e em geral das raızes n-esimas, para n potencia de 2) existe um

procedimento geometrico simples que permite representar tais quantidades na reta orientada.

O caso das raızes quadradas dos inteiros naturais e tratado abaixo, o caso geral na proxima

secao.

Tendo definidas as raızes n-esimas, introduzimos as potencias racionais de numeros reais

combinando as duas definicoes acima.

Definicao. Sejam α ∈ R e n ∈ Z tais que a raiz n-esima n√

α esta definida. Para m ∈ Zescrevemos

αmn =

1n

)m

=(

n√

α)m

.

Com esta nocao e a definicao das operacoes em Q, podemos verificar sem dificuldade que

as propriedades das potencias inteiras de numeros reais descritas acima, sao ainda validas

quando consideramos potencias cujos expoentes sao numeros racionais. Alem disso, podemos

verificar que

αmn =

1n

)m

= (αm)1n .

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 101 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

Exemplos.

(a) 1r = 1, para todo r ∈ Q.

(b) 0s = 0, para todo s ∈ Q, s > 0.

(c)(

mn

)r= mr

nr , desde que as potencias mr e nr estejam bem definidas, aqui r ∈ Q.

(d) 823 = (8

13 )2 = 22 = 4.

(e) 27− 43 = (27

13 )−4 = 3−4 =

1

81.

(f)(

1

2

)54

=1

254

=1

(25)14

=1

21+ 14

=1

2 · 4√

2.

(g) (Importante) Sejam α ∈ R+ e r ∈ Q tais que ar = 1, entao α = 1 ou r = 0.

Com efeito, se r = 0 entao, por definicao αr = α0 = 1.

Suponhamos entao, que r 6= 0 e provemos que α = 1.

Se escrevemos r =p

q, com p, q ∈ Z∗ e q > 0, entao:

αr = 1 ⇐⇒ αpq = 1⇐⇒ (αp)

1q = 1⇐⇒ (

(αp)1q

)q

= 1q = 1⇐⇒ (αp) = 1⇐⇒ (αp)1p = 1

1p ⇐⇒ α = 1 .

Mais tarde, encerraremos as nossas consideracoes sobre potencias de numeros reais.

Resta ainda analisar o caso em que os expoentes sao numeros reais! Para isto e necessaria

a nocao de aproximacao de numeros reais por racionais mediante limites de sucessoes de

numeros reais, combinado com um pouco de fe do leitor...

Voltamos ao nosso estudo sobre as expansoes decimais que definem numeros irracionais.

Construir exemplos de expansoes decimais de numeros irracionais e relativamente simples.

Segue diretamente da definicao que, os numeros a, b, c ∈ R abaixo sao irracionais:

a = 75, 10100100010000100 . . . 001 00 . . . 000︸ ︷︷ ︸n-zeros

100 . . . 0000︸ ︷︷ ︸(n + 1)-zeros

100 . . .

b = −7, 4242152787979979997999979 . . . 997 99 . . . 999︸ ︷︷ ︸n-noves

7 99 . . . 9999︸ ︷︷ ︸(n + 1)-noves

799 . . .

c = 0, 0123456789101112131415161718192021 . . . 578579580581 . . .

Mas por outro lado, existem exemplos menos evidentes de numeros irracionais nos quais a lei

de formacao que os define nao e tao evidente como nos exemplos acima.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 102 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

Os numeros reais

π = 3, 141592653589793238462643383279502884197169399375105820974944 . . .

d = 1, 4142135623730950488016887242096980785696718753769480731766797 . . .

sao irracionais, mas isto nao e claro a partir das poucas casas decimais que escrevemos acima,

de fato, nada garante que estas expansoes terminem na milionesima casa decimal...

O numero d e o comprimento da diagonal de um quadrado de lado 1 e o numero π e o

comprimento de um semicırculo de raio 1 (ver figuras abaixo). Nestas notas nao vamos provar

que π e irracional, tal prova requere ferramentas que nao serao desenvolvidas aqui.

Por outro lado, a prova de que o numero d e irracional, utiliza apenas a teoria basica de

divisibilidade estudada no capıtulo 2. Tal prova sera feita mais tarde, ainda nesta secao, e

outras similares envolvendo a mesma tecnica serao colocadas como exercıcio para o leitor.

Fig. 6.Representacao da raiz quadrada de 2.

Fig. 7. As hipotenusas dos triangulos representam

a raiz quadrada dos numeros naturais ≥ 2.

Fig. 8. O traco a direita de 3 na reta orientada

representa o numero π.

Na figura acima a esquerda, chamada espiral de Pitagoras, os comprimentos dos segmentos

radiais (concorrentes) correspondem a magnitudes cujo quadrado e um numero natural maior ou

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 103 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

igual a 1, isto e, das raızes quadradas dos numeros naturais nao nulos. Devemos prestar bem

atencao, pois muitas destas quantidades ja sao conhecidas, por exemplo, 2 tem por quadrado

o 4, 3 tem por quadrado 9, 4 tem por quadrado 16, etc., ou seja que, as raızes quadradas de 4,

9, 16, etc., sao respectivamente 2, 3, 4, etc. Mais adiante veremos que a raiz quadrada de um

numero natural tem duas possibilidades: ou e um numero natural ou e um numero irracional.

Na figura acima a direita estamos desentortando um semi-cırculo de raio 1 sobre a reta ori-

entada, dando lugar a um segmento cuja magnitude (ou tamanho) e exatamente o comprimento

do semi-cırculo, tal comprimento e designado pela letra grega π (chamada pi).

Uma outra maneira de abordar os numeros irracionais pode ser feita trabalhando a antiga

nocao grega de comensurabilidade. Os antigos gregos associavam quantidades abstratas (ou

magnitudes) ao tamanho de segmentos de reta para medir comprimentos. Uma vez feito isto,

duas magnitudes α e β podiam ser somadas colocando na mesma reta uma apos a outra como

na figura abaixo.

Fig. 9. Soma das magnitudes α e β.

Duas magnitudes α e β sao ditas comensuraveis, quando existir uma terceira magnitude

γ contida um numero natural exato de vezes em α e um numero exato de vezes em β. Caso

contrario as magnitudes sao chamadas incomensuraveis.

Uma magnitude α e dita simplesmente comensuravel, quando e comensuravel com a mag-

nitude unidade. Caso contrario, a magnitude e denominada incomensuravel.

Mais exatamente, duas magnitudes α e β sao denominadas comensuraveis, se existem uma

magnitude γ e naturais n, m ∈ N tais que

α = m · γ e β = n · γ,

isto e γ =α

m=

β

n, ou seja que

α

β=

m

n∈ Q,

por isto, magnitudes comensuraveis sao tambem denominadas racionalmente dependentes ou

racionalmente proporcionais.

Temos que prestar atencao no lado esquerdo da expressao acima: O que significaα

β? Bom

na verdade esta linha deve-ser lida como segue:

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

As magnitudes α e β estao na mesma proporcao que as magnitudes inteiras m e n,

ou

α esta para β como m para n.

Fig. 10. As quantidades α = 4γ e β = 6γ sao comensuraveis.

Observamos que, fazendo β = 1, obtemos sem maior dificuldade a seguinte:

Proposicao 3.6.1. Uma magnitude α e comensuravel se, e somente se, e um numero racional.

A proposicao acima nos diz tambem que uma quantidade e incomensuravel se, e somente

se, e um numero irracional.

Uma das primeiras descobertas importantes dos gregos foi que, num quadrado, o compri-

mento da diagonal e o comprimento do lado sao magnitudes incomensuraveis.

Aproveitamos tambem para relembrar o Teorema de Pitagoras e uma de suas tantas e belas

provas.

Teorema 3.6.2. (Teorema de Pitagoras). Sejam a, b, c ∈ R respectivamente os comprimentos

dos catetos e a hipotenusa de um triangulo retangulo. Entao vale a relacao

a2 + b2 = c2 .

Demonstracao. Considere o triangulo ABC da figura abaixo, onde a e b sao os comprimentos

dos catetos e c o comprimento da hipotenusa. Seja H o pe da altura baixada do vertice C.

O ponto H divide o segmento AB em dois sub-segmentos AH e HB de comprimentos m e n

respectivamente. Tais sub-segmentos correspondem as projecoes dos catetos do triangulo ABC

sobre a hipotenusa.

Fig. 11. O teorema de Pitagoras

A altura CH divide o triangulo ABC em dois sub-triangulos ACH e CBH sendo os tres seme-

lhantes. Destas semelhancas obtemosm

a=

a

ce

n

b=

b

c

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

Logo m =a2

ce n =

b2

c.

Como tambem c = m + n obtemos,

c2 = (m + n)2 = m2 + 2mn + n2 =

(a2

c

)2

+ 2a2

c

(b2

c

)2

=a4

c2+ 2

a2

c

b2

c+

b4

c2=

1

c2

(a4 + 2a2b2 + b4

)=

1

c2

(a2 + b2

)2,

donde, c4 = (a2 + b2)2 e, consequentemente, c2 = a2 + b2, provando o teorema. C.Q.D.

O teorema de Pitagoras permite reduzir o problema grego da incomesurabilidade entre a

diagonal e o lado de um quadrado qualquer, ao de provar que√

2 e incomensuravel:

Teorema 3.6.3. Num quadrado qualquer, a diagonal e o lado sao magnitudes incomensuraveis.

Demonstracao. Consideremos um quadrado de vertices ABCD e de lados de comprimento a. O

segmento diagonal AC (ou BD) divide o quadrado em dois triangulos retangulos ABC e ADC,

dos quais o segmento diagonal AC e a hipotenusa. Seja d o comprimento de AC.

Fig. 12. Incomesurabilidade do lado e a diagonal do quadrado.

Segundo o teorema de Pitagoras, d2 = a2 + a2. Logo d2 = 2a2 e portanto d =√

2 · a.

Como vimos anteriormente, d e a sao comensuraveis se, e somente se, a razao

d

a=

√2 · aa

=√

2

e um numero racional, o qual nao ocorre em virtude da proposicao que provaremos a seguir.

C.Q.D.

O argumento que usaremos a continuacao para provar a irracionalidade de√

2 pode ser rea-

proveitado para provar que, se p e um inteiro primo, entao√

p e um numero irracional. Tambem,

como veremos a continuacao, existem muitos outros naturais que, embora nao sejam primos,

tem suas raızes quadradas irracionais.

Proposicao 3.6.4. O numero√

2 e irracional.

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Os Racionais e os Irracionais 3.6 Os Numeros Irracionais e os Numeros Reais

Demonstracao. Procedendo pelo absurdo, suponhamos que√

2 e um numero racional. Pode-

mos expressar√

2 como uma fracao irredutıvelm

n∈ Q, isto e, os inteiros m,n ∈ Z+ sao primos

entre si.

Entao,√

2 =m

n=⇒ (√

2)2

=(m

n

)2

=⇒ 2 =p2

q2=⇒ p2 = 2 q2,

isto e, p2 e um inteiro par.

Segundo o capıtulo 2, se p2 e par entao p e par. Logo existe um inteiro k ∈ Z+ tal que

p = 2 k e portanto

2 q2 = p2 = (2 k)2 = 4 k2 =⇒ q2 = 2 k2,

isto e, q2 e tambem um inteiro par, e portanto q e tambem par, o qual e uma contradicao, pois

sendo p e q ambos pares, terao 2 como fator comum e portanto nao podem ser primos entre

si. C.Q.D.

Exemplos.

(A) O numero real√

6 e irracional.

Prova. Seguindo o metodo usado na prova da proposicao acima, vamos supor pelo absurdo,

que√

6 =m

ne racional, onde m,n ∈ Z+ sao inteiros primos entre si.

Entao √6 =

m

n=⇒ 6 =

(m

n

)2

=m2

n2=⇒ m2 = 6n2 = 2(3n2),

isto e, m2 e par e portanto m e par.

Escrevendo m = 2 k temos

m2 = 2(3n2) =⇒ (2 k)2 = 2(3n2) =⇒ 4 k2 = 2(3n2) =⇒ 2 k2 = 3n2,

donde 3n2 e par. Isto significa que 2 aparece na decomposicao em fatores primos do inteiro

3n2. Logo n2 e par e consequentemente, n e par.

Sendo entao m e n ambos pares contrariamos a hipotese de que m e n sao primos entre

si, provando assim o resultado. C.Q.D.

(B) O numero real√

2 +√

3 e irracional.

Prova. Procedendo de novo pelo absurdo, suponhamos que α =√

2 +√

3 ∈ Q. Temos

α2 =(√

2 +√

3)2

= (√

2)2 + 2√

2√

3 + (√

3)2 = 2 + 2√

6 + 3 = 5 + 2√

6 .

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Os Racionais e os Irracionais 3.7 A Reta Real

Portanto √6 =

α2 − 5

2.

Ao supor α ∈ Q, obtemosα2 − 5

2∈ Q, isto e,

√6 ∈ Q, contradizendo o resultado do exemplo

anterior. Portanto√

2 +√

3 e irracional. C.Q.D.

3.7 A Reta RealNesta secao veremos como a todo ponto da reta orientada corresponde um numero real e

vice-versa. Desta maneira o conjunto dos numeros reais fica inteiramente representado na reta

orientada.

A reta orientada representando o conjunto R dos numeros reais e chamada reta real.

Sabemos que todo numero real pode (por definicao) ser representado por uma expansao

decimal infinita (periodica apenas quando o numero e racional), dada uma expansao decimal

α = k, b1b2b3 . . ., onde k ∈ N e bi ∈ {0, 1, 2, . . . 9}, vemos que:

No segmento da reta orientada limitado pelos inteiros k e k + 1, as quantidades racionais da

forma k+n

10, com n ∈ N e 0 ≤ n ≤ 10 representam todos os pontos do segmento que o dividem

exatamente em 10 partes iguais.

Como 0 ≤ b1 ≤ 9, uma das 10 partes iguais e o segmento compreendido entre os pontos

que representam os racionais k +b1

10= k, b1 e k +

b1 + 1

10= k, (b1 + 1). Aqui entendemos sem

maior explicacao que, se b1 = 9 entao, a expressao k, (b1 + 1) na verdade significa k + 1, pois

k, (b1 + 1) = k, b1 + 0, 1 = k, 9 + 0, 1 = k +9

10+

1

10= k +

10

10= k + 1.

Sendo que

k +b1

10≤ α < k +

b1 + 1

10,

vemos que α e um ponto do segmento limitado pelos pontos que representam os racionais

k +b1

10= k, b1 e k +

b1 + 1

10= k, (b1 + 1).

Fig. 13. Aproximacao de α com uma casa decimal exata.

Posteriormente dividimos o segmento compreendido entre os pontos que representam os

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Os Racionais e os Irracionais 3.8 Intervalos, distancias e erros

racionais k +b1

10e k +

b1 + 1

10em 10 partes iguais mediante os pontos que representam os

racionais k +b1

10+

n

102, onde n ∈ {0, 1, 2, . . . , 9}. Como o feito acima, a desigualdade

k +b1

10+

b2

102≤ α < k +

b1

10+

b2 + 1

102,

diz que α esta no sub-sub-segmento limitado pelos pontos que representam os racionais

k +b1

10+

b2

102e k +

b1

10+

b2 + 1

102.

O procedimento se repete indefinidamente, dividindo sempre o sub-segmento correspon-

dente que contem α em 10 partes iguais, e localizando o sub-sub-segmento que contem α para

depois dividi-lo de novo em 10 partes iguais (ver figura abaixo).

Fig. 14. Aproximacao de α com ate tres casas decimais exatas.

Com este procedimento podemos representar na reta real qualquer expansao decimal com

tantas casas decimais exatas como a nossa visao permitir.

3.8 Intervalos, distancias e errosDe pose das relacoes < e ≤ em R, introduzimos uma classe importante de subconjuntos de R:

Definicao. Sejam α, β ∈ R, com α ≤ β. Definimos

(a) o intervalo aberto de extremidades α e β, como sendo o sub-conjunto

(α, β) = {x ∈ R ; α < x < β} .

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Os Racionais e os Irracionais 3.8 Intervalos, distancias e erros

(b) o intervalo fechado de extremidades α e β, como sendo o sub-conjunto

[α, β] = {x ∈ R ; α ≤ x ≤ β} .

(c) os intervalos semi-abertos de extremidades α e β, como sendo os sub-conjuntos

(α, β] = {x ∈ R ; α < x ≤ β} e [α, β) = {x ∈ R ; α ≤ x < β} .

(d) os intervalos infinitos determinados por α como sendo os sub-conjuntos

(α, +∞) = {x ∈ R ; α < x} , [α, +∞) = {x ∈ R ; α ≤ x} ,

(−∞, α) = {x ∈ R ; x < α} , (−∞, α] = {x ∈ R ; x ≤ α} .

Note que todo intervalo (dos tipos acima descritos) pode se obter a partir de intervalos da

forma (α, +∞) e (−∞, α) fazendo operacoes de conjuntos.

Com efeito, se α, β ∈ R e α ≤ β, entao

(−∞, α] = R − (α, +∞) , [α, +∞) = R − (−∞, α) , e R = (−∞, α) ∪ [α, +∞) .

Logo

(α, β) = (α, +∞) ∩ (−∞, β) , [α, β] = (−∞, β] ∩ [α, +∞) ,

(α, β] = (α, +∞) ∩ (−∞, β] , [α, β) = [α, +∞) ∩ (−∞, β) .

Observamos tambem que, (−∞, α] ∩ [α, +∞) = {α} e que (−∞, α) ∩ (α, +∞) = ∅. As vezes e

importante levar em conta que o conjunto R dos numeros reais e de fato um intervalo infinito:

R = (−∞,+∞).

Na reta real podemos representar os intervalos especificando os extremos e a parte da reta

determinada entre eles.

Fig. 15. Intervalos aberto (α, β), fechado [α, β] e semi-aberto [α, β) .

Fig. 16. Intervalos semi-aberto (α, β], infinito (α, +∞) e infinito (−∞, β) .

Com as propriedades basicas das operacoes, da relacao de ordem, das potencias e a termi-

nologia estabelecida acima, podemos abordar varios problemas ditos lineares, e que envolvem

a determinacao de variaveis, como os que apresentamos a continuacao.

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Os Racionais e os Irracionais 3.8 Intervalos, distancias e erros

Exemplos

(A) Determinar o conjunto dos numeros reais x tais que 4 − x < 4 − 2x.

Solucao. Temos que

4 − x < 4 − 2x⇐⇒ −x < −2x⇐⇒ 0 < −x⇐⇒ 0 > x⇐⇒ x ∈ (−∞, 0),

portanto

{x ∈ R ; 4 − x < 4 − 2x} = (−∞, 0) .

(B) Determinar o conjunto dos numeros reais x tais que2x − 1

3< 5.

Solucao. Temos que

2x − 1

3< 5⇐⇒ 2x − 1 < 15⇐⇒ 2x < 16⇐⇒ x < 8⇐⇒ x ∈ (−∞, 8) ,

portanto {x ∈ R ;

2x − 1

3< 5

}= (−∞, 8) .

(C) Determinar o conjunto dos numeros x ∈ R que verificamx + 1

2−

x − 3

5≥ 0.

Solucao. Temos que

x + 1

2−

x − 3

5≥ 0⇐⇒ x + 1

2≥ x − 3

5⇐⇒ 5(x + 1) ≥ 2(x − 3)⇐⇒ 5x + 5 ≥ 2x − 6

⇐⇒ 3x ≥ −11⇐⇒ x ≥ −11

3⇐⇒ x ∈

(−

11

3,+∞) ,

portanto {x ∈ R ;

x + 1

2−

x − 3

5≥ 0

}=

(−

11

3,+∞) .

(D) Para quais numeros x ∈ R vale −7 + x < 3 − 2x ≤ 10 ?

Solucao. Temos que

−7 + x < 3 − 2x ≤ 10 ⇐⇒ (−7 + x < 3 − 2x e 3 − 2x ≤ 10 )⇐⇒ ( 3x < 10 e − 7 ≤ 2x )⇐⇒ (x <

10

3e −

7

2≤ x

)⇐⇒ x ∈

(−∞,

10

3

)e x ∈

[−

7

2,+∞)

⇐⇒ x ∈(

−∞,10

3

)∩[−

7

2,+∞)⇐⇒ x ∈

[−

7

2,10

3

),

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 111 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.8 Intervalos, distancias e erros

e, portanto,

{x ∈ R ; −7 + x < 3 − 2x ≤ 10} =

[−

7

2,10

3

).

(E) Resolver para x ∈ R a inequacaox − 1

x − 2>

x − 3

x − 4.

Solucao. Observamos que a inequacao tem sentido desde que os denominadores que nela

aparecem, sejam nao nulos. Isto e, x − 2 6= 0 e x − 4 6= 0, ou seja x 6= 2 e x 6= 4. Portanto, se

a inequacao tem solucoes, estas terao que pertencer ao conjunto R − {2, 4} = (−∞, 2) ∪ (2, 4) ∪(4,+∞). Temos portanto 3 casos por estudar:

Caso I. x ∈ (−∞, 2) .

Neste caso, x − 2 < 0 e x − 4 < 0. Portanto

x − 1

x − 2>

x − 3

x − 4⇐⇒ (x − 1)(x − 4)

x − 2< x − 3⇐⇒ (x − 1)(x − 4) > (x − 2)(x − 3)⇐⇒ x2 − 5x + 4 > x2 − 5x + 6⇐⇒ 4 > 6 ,

isto e, o conjunto dos numeros x ∈ (−∞, 2) que verificam a inequacao, e igual ao conjunto dos

numeros x ∈ (−∞, 2) que verificam a inequacao 4 > 6. Portanto{x ∈ (−∞, 2) ;

x − 1

x − 2>

x − 3

x − 4

}= ∅ .

Caso II. x ∈ (2, 4).

Neste caso, x − 2 > 0 e x − 4 < 0. Portanto

x − 1

x − 2>

x − 3

x − 4⇐⇒ (x − 1)(x − 4)

x − 2< x − 3⇐⇒ (x − 1)(x − 4) < (x − 2)(x − 3)⇐⇒ x2 − 5x + 4 < x2 − 5x + 6⇐⇒ 4 < 6 ,

isto e, o conjunto dos numeros x ∈ (2, 4) que verificam a inequacao, e igual ao conjunto dos

numeros x ∈ (2, 4) que verificam a inequacao 4 < 6. Portanto{x ∈ (2, 4) ;

x − 1

x − 2>

x − 3

x − 4

}= (2, 4) .

Caso III. x ∈ (4,+∞).

Este caso e tratado de maneira similar ao caso I, pois neste, as diferencas x − 2 e x − 4 tem o

mesmo sinal (escreva os detalhes como exercıcio).

A relacao de ordem em R e o unico requisito para introduzir a nocao de valor absoluto ou

modulo de um numero real.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 112 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.8 Intervalos, distancias e erros

Definicao. O valor absoluto ou modulo de um numero real α ∈ R e definido como

|α| =

α , se α ≥ 0

−α , se − α < 0 .

As propriedades do modulo de numeros reais sao colocadas na seguinte:

Proposicao 3.6.2 O valor absoluto em R satisfaz as seguintes propriedades:

(a) |α| ≥ 0, para todo α ∈ R. Mais ainda, |α| = 0⇐⇒ α = 0.

(b) |α · β| = |α| · |β|, para todos α, β ∈ R.

(c) |α + β| ≤ |α| + |β|, para todos α, β ∈ R (desigualdade triangular).

Demonstracao. O item (a) segue diretamente da definicao. Para provar o item (b) tem que ser

considerados varios casos segundo sejam os sinais de α e β, ficando como exercıcio.

Para provar a desigualdade triangular temos que saber duas coisas:

(i) Para todo α ∈ R vale |α|2 = α2 = |α2|.

(ii) Para todo α ∈ R vale α ≤ |α.

O item (i) resulta do fato de que o quadrado de qualquer numero real e sempre nao negativo.

O item (ii) resulta da definicao do modulo (escreva os detalhes como exercıcio!).

Lembramos tambem que, a desigualdade 0 ≤ x ≤ y e equivalente a 0 ≤ x2 ≤ y2. Portanto

basta provar a desigualdade triangular nos quadrados. Isto e, provar a desigualdade triangular

equivale a provar a desigualdade

|α + β|2 ≤ ( |α| + |β| )2.

Para provar esta desigualdade desenvolvemos o seu lado esquerdo:

|α + β|2(i)= (α + β)2 = α2 + 2αβ + β2 (i)

= |α|2 + 2αβ + |β|2

(i)= (α + β)2 = α2 + 2αβ + β2 (i)

= |α|2 + 2αβ + |β|2

(ii)≤ |α|2 + |2αβ| + |β|2

(b)= |α|2 + |2| |α| |β| + |β|2 = |α|2 + 2 |α| |β| + |β|2

= ( |α| + |β| )2, C.Q.D.

Observacao.

(a) O significado da desigualdade |α| ≤ β (respectivamente |α| < β).

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Note que α ≤ |α|, portanto α ≤ β. Tambem −α ≤ |α| e portanto −α ≤ β, isto e, α ≥ −β.

Resumindo,

|α| ≤ β⇐⇒ −β ≤ α ≤ β.

Similarmente podemos ver que

|α < β⇐⇒ −β < α < β.

Segundo a notacao de intervalos introduzida anteriormente, temos que:

|α| ≤ β⇐⇒ α ∈ [−β,β],

e similarmente

|α| < β⇐⇒ α ∈ (−β,β).

(b) O significado da desigualdade |α| ≥ β (respectivamente |α| > β).

Segundo a definicao de modulo, |α| = α ≥ β se α ≥ 0 e |α| = −α ≥ β se α < 0. Portanto

|α| ≥ β⇐⇒ (α ≥ β ou α ≤ β ).

Similarmente podemos ver que

|α| > β⇐⇒ (α > β ou α < β ).

Com a notacao de intervalos temos:

|α| ≥ β⇐⇒ α ∈ (−∞,−β] ∪ [β,+∞),

similarmente

|α| > β⇐⇒ α ∈ (−∞,−β) ∪ (β,+∞).

Corolario 3.6.3. (Consequencias da desigualdade triangular). Sejam α, β ∈ R. Entao:

(a) |α − β| ≤ |α| + |β|.

(b) | ( |α| − |β| ) | ≤ |α − β|.

Demonstracao. O item (a) e consequencia direta da desigualdade triangular aplicada aos

numeros α e −β junto com o fato de que | − β| = |β|.

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Os Racionais e os Irracionais 3.8 Intervalos, distancias e erros

O item (b) segue diretamente de duas aplicacoes da desigualdade triangular, a primeira

aplicada aos numeros α−β e β e a segunda aos numeros α e β−α. Com efeito, a desigualdade

triangular implica

|(α − β) + β| ≤ |α − β| + |β|, donde |α| − |β| ≤ |α − β|,

e similarmente

|α + (β − α)| ≤ |α| + |β − α|, donde |β| − |α| ≤ |β − α|,

estas duas desigualdades sao combinadas na seguinte

−|β − α| ≤ |α| − |β| ≤ |α − β|,

cujo significado, segundo a observacao acima, e exatamente aquele do enunciado. C.Q.D.

A nocao intuitiva de que a segmentos de reta sao associados numeros reais nao negativos

para a medicao dos seus comprimentos, e formalizada na seguinte definicao:

Definicao. Sejam α, β ∈ R. O numero real |α − β| e chamado a distancia de α a β.

Observacao.

(a) As propriedades basicas do modulo em R implicam que a distancia introduzida na

definicao acima verifica:

(i) |α − β| ≥ 0 e ainda |α − β| = 0⇐⇒ α = β.

Isto e, a distancia entre dois numeros reais α e β e sempre um numero real nao negativo,

sendo nulo apenas no caso em que os numeros α e β coincidem.

(ii) |α − β| = |β − α|.

Isto e, a distancia possui uma qualidade de simetria, ou seja que e indiferente determinar a

distancia de α a β ou a distancia de β a α que o resultado sera o mesmo.

(iii) |α − γ| ≤ |α − β| + |β − γ|.

Esta qualidade e uma traducao da desigualdade triangular, que diz que a distancia medida

de α a γ nunca e maior do que a soma da distancias medidas de α ate outro numero β e deste

ultimo ate γ.

Mais ainda, a igualdade em (iii) se verifica se, e somente se, β esta no intervalo de extremi-

dades α e β (prove isto como exercıcio!), isto e

|α − γ| = |α − β| + |β − γ|⇐⇒ (α ≤ β ≤ γ ou γ ≤ β ≤ α ) .

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(b) A distancia de α a β e tambem referida como o comprimento de um intervalo tendo tais

numeros como extremidades. Dizemos aqui um intervalo porque tal pode ser aberto, fechado

ou semi-aberto, o comprimento e o mesmo!

(c) Uma expressao da forma |α−β| ≤ γ significa que os numeros α e β estao a uma distancia

de no maximo γ. Esta interpretacao permite expressar de maneira exata o que significa que um

numero racional seja uma aproximacao de um numero real:

Seja ε ∈ R+. Dizemos que r ∈ Q aproxima α ∈ R com erro menor que ε, se |r − α| ≤ ε. Diremos

tambem de forma mais abreviada que r e uma ε-aproximacao de α.

(d) Uma expressao da forma |α − β| ≥ γ significa que os numeros α e β estao a uma

distancia de pelo menos γ.

Exemplos.

(A) Dado um numero real ε > 0 e um numero real qualquer α, existem numeros β ∈ Q e

γ ∈ R − Q distintos de α e ε-proximos de α.

Isto e:

Todo numero real pode ser ε-aproximado por racionais e irracionais qualquer que seja ε > 0

Prova. Dado o numero real ε > 0 existe, pela propriedade arquimediana, um numero natural

n ∈ N tal que n · ε > 1. Seja m ∈ N tal que 10m > n (o numero m existe porque sabemos que

10k tende a +∞ quando k tende a +∞). Entao, 10m · ε > 1, ou equivalentemente

ε >1

10m.

Portanto, dado α ∈ R, basta achar um racional β ∈ Q e um irracional γ ∈ R − Q, que estejam1

10m-proximos de α.

Suponhamos que a expansao decimal de α e α = a0, a1a2a3 . . . ap . . . , onde a0 ∈ N e a

parte inteira de α e a1, a2, . . . , ap, . . . ∈ {0, 1, 2, . . . , 9} sao os dıgitos da parte decimal de α.

Entao, o numero racional β = a0, a1a2a3 . . . am aproxima α com erro menor que ε, pois

|α − β| = |a0, a1a2a3 . . . amam+1 . . . − a0, a1a2a3 . . . am|

= |0, 0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸m-zeros

am+1am+2 . . . | ≤ |0,0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸(m − 1)-zeros

1|

= 0,0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸(m − 1)-zeros

1 =1

10m< ε .

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Os Racionais e os Irracionais 3.8 Intervalos, distancias e erros

Na verdade a aproximacao de um numero real por um racional desta forma e o conhecido

processo de truncamento sem arredondamento.

Seja agora p ∈ N, p > m tal que ap e a primeira casa decimal nao nula de α apos a m-esima.

Isto e

α = a0, a1a2a3 . . . am0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸(p − 1 − m)-zeros

apap+1 . . .

(ou seja que, se p = m+1, entao am+1 e o seguinte dıgito nao nulo apos o dıgito am na expansao

de α.)

Afirmamos que, o numero irracional

γ = a0, a1a2a3 . . . am 0 0 . . . 0 0 0︸ ︷︷ ︸(p − m)-zeros

ap+1ap+2 . . . ,

obtido a partir de α trocando o dıgito ap por 0, aproxima α com erro menor que ε.

De fato,

|α − γ| = |a0, a1a2a3 . . . am0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸(p − 1 − m)-zeros

apap+1 . . .

−a0, a1a2a3 . . . am0 0 . . . 0 0 0︸ ︷︷ ︸(p − m)-zeros

ap+1ap+2 . . . |

= |0,0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸(p − 1)-zeros

ap| ≤ |0,0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸(m − 1)-zeros

1| = 0,0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸(m − 1)-zeros

1 =1

10m< ε.

Concluindo a prova do afirmado. C.Q.D.

Na figura abaixo vemos a interpretacao na reta real da ε-aproximacao do exemplo acima na

reta orientada. Em geral, dizer que um numero β esta ε-proximo de um numero α significa que

|α − β| < ε que se traduz em β ∈ (α − ε, α + ε).

Fig. 17.Representacao da ε-aproximacao na reta orientada.

(B) Determine numeros β ∈ Q e γ ∈ R − Q que aproximem o numero irracional

α = 0, 1010010001000010 . . . 1 0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸k-zeros

10 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸(k + 1)-zeros

100 . . .

com erro menor que ε = 0, 00000053.

Solucao: Temos que ε > 10−7. Segundo o exemplo acima, uma, podemos definir os numero

procurados β e γ como:

β = 0, 1010010 = 0, 101001

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Os Racionais e os Irracionais 3.8 Intervalos, distancias e erros

e

γ = 0, 1010010000000010 . . . 1 0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸k-zeros

1 0 0 . . . 0 0︸ ︷︷ ︸(k + 1)-zeros

100 . . .

Isto e, β e obtido truncando a expansao decimal de α na sexta casa decimal, e γ e obtido

trocando o 1 da decima casa decimal de α (primeira nao nula apos a setima) por 0. C.Q.D.

Existem infinidade de maneiras de responder a questao anterior, a solucao que apresenta-

mos aqui e uma interpretacao do exemplo (A) acima.

O nosso procedimento nos leva claramente a obter os numeros β e γ menores que α, mas

tambem podemos ε-aproximar α por numeros racionais e irracionais maiores que α. Faca isto

como exercıcio.

A interpretacao de modulos de diferencas de numeros reais como distancias pode ser de

grande ajuda na resolucao de desigualdades, finalizamos esta secao com alguns exemplos.

Exemplos.

(A) Determinar os numeros reais x para os quais se verifica |x + 4| < 2.

Solucao: A desigualdade se traduz dizendo que desejamos encontrar os numeros x cuja distancia

a −4 e menor que 2. Na reta orientada o problema esta resolvido! como podemos ver na figura

abaixo.

Fig. 18. O conjunto solucao de |x + 4| < 2.

Analiticamente temos que

|x + 4| < 2⇐⇒ −2 < x + 4 < 2⇐⇒ −6 < x < −2⇐⇒ x ∈ (−6,−2).

Portanto o conjunto dos numeros reais que verifica a desigualdade em questao e o intervalo

(−6,−2). C.Q.D.

(B) Determine os numeros x ∈ R tais que

|x − 1| + |x + 1| < 4.

Solucao: Trata-se dos numeros x ∈ R tais que a soma das suas distancias a −1 e a 1 e menor

que 4.

A desigualdade equivale a |x − 1| < 4 − |x + 1|, que por sua vez equivale a

−4 + |x + 1| < x − 1 < 4 − |x + 1|,

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Os Racionais e os Irracionais 3.8 Intervalos, distancias e erros

ou seja as duas desigualdades simultaneas

|x + 1| < x + 3 e x − 5 < −|x + 1|,

isto e

|x + 1| < x + 3 e |x + 1| < 5 − x,

ou seja,

−x − 3 < x + 1 < x + 3 e − 5 + x < x + 1 < 5 − x,

ou as quatro desigualdades simultaneas

−x − 3 < x + 1 e x + 1 < x + 3 e − 5 + x < x + 1 e x + 1 < 5 − x,

isto e, a

−4 < 2x e 1 < 3 e − 6 < 0 e 2x < 4,

A segunda e a terceira desigualdades acima sao (evidentemente) sempre verdadeiras. Logo o

conjunto das quatro desigualdades equivale ao conjunto formado pela primeira e a quarta, que

por sua vez equivalem a

−2 < x e x < 2.

A primeira desigualdade equivale a dizer que x ∈ (−2,+∞) e a segunda equivale a dizer que

x ∈ (−∞, 2). Logo o par equivale a dizer que x ∈ (−2,+∞) ∩ (−∞, 2), isto e x ∈ (−2, 2)

Portanto, podemos escrever

{x ∈ R ; |x − 1| + |x + 1| < 4} = (−2, 2)

e dizer que o conjunto solucao da desigualdade |x − 1| + |x + 1| < 4 e o intervalo aberto

(−2, 2). C.Q.D.

Fig. 19. O conjunto solucao de |x − 1| + |x + 1| < 4.

(C) Determinar o conjunto dos numeros x ∈ R que verificam a igualdade

|x − 1| · |x + 2| = 0 .

Solucao: Sendo que o produto de dois numeros reais e igual a zero apenas quando um dos

fatores e zero, temos

|x − 1| · |x + 2| = 0 ⇐⇒ ( |x − 1| = 0 ou |x + 2| = 0 )

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 119 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

⇐⇒ ( x − 1 = 0 ou x + 2 = 0 )⇐⇒ ( x = 1 ou x = −2 )⇐⇒ x ∈ { 1,−2 .}

Logo, o nosso conjunto solucao e { 1,−2 }. C.Q.D.

Fig. 20. O conjunto solucao de |x − 1| · |x + 2| = 0.

(D) Determinar o conjunto dos numeros reais x que verificam a desigualdade

|x − 1| > 0 .

Solucao: Exemplos deste tipo de desigualdades sao fonte importante de erros entre os inician-

tes. Tais erros vem de implicacoes incorretas da forma

|x − 1| > 0 =⇒ x − 1 > 0 =⇒ x > 1,

porque isto e errado?

A forma correta de proceder e a seguinte:

Segundo a definicao de modulo temos

|x − 1| =

x − 1 se x − 1 ≥ 0

−(x − 1) se x − 1 < 0=

x − 1 se x ≥ 1

−(x − 1) se x − 1 < 0 .

Portanto, dizer que |x − 1| > 0 equivale a dizer que |x − 1| 6= 0, ou seja, x − 1 6= 0, ou ainda x 6= 1.

Portanto x < 1 ou x > 1. Isto e

x ∈ (−∞, 1) ∪ (1,+∞) = R − { 1 }.

Obtemos entao que o conjunto solucao e R − { 1 }. C.Q.D.

3.9 Limites e a PGNesta secao vamos concluir as nossas primeiras nocoes sobre limites de sucessoes iniciado

no capıtulo 2. O material apresentado aqui e de natureza meramente introdutoria (mas nem por

isso menos formal) procurando ser o mais breve possıvel para nao prolongar demais estas

notas. Deixamos de lado outros aspectos relevantes sobre o assunto para serem explicados

num bom curso sobre analise real. Se o leitor tiver muita pressa em aprofundar no assunto,

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 120 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

ou o bom curso sobre analise nao chegar, pode ir consultando por exemplo o livro de E. Lima:

Curso de Analise (Vol. I), Projeto Euclides, IMPA, ou o livro de M. Spivak: Calculus, Vol. II. Ed.

Reverte.

No capıtulo 2 foram consideradas sucessoes como por exemplo {2n}n e {5n}n, que tendem

para infinito quando n tende a infinito. Trabalhando com numeros reais, podemos falar de ex-

pressoes que tendem, por exemplo, para zero quando n tende a infinito. Ao representar o

conjunto dos numeros racionais na reta orientada vimos que os numeros racionais da forma1

n,

n ∈ Z∗ sao tais que

−1 < −12

< −13

< . . . < − 1n

< − 1n+1

< . . . < 0 < . . . < 1n+1

< 1n

< . . . < 13

< 12

< 1,

dando a ideia intuitiva de que, para aproximar1

n(respectivamente −

1

n) de zero, basta fazer n

grande. Com estas ideias como motivacao, colocamos a seguinte definicao preliminar:

Definicao (preliminar). Seja αn ∈ R uma expressao que depende de n ∈ N. Dizemos que αn

tende a zero quando n tende a infinito e escrevemos limn→∞ αn = 0 quando o seguinte ocorre:

dado k ∈ N∗ existe n0 ∈ N∗ tal que, se n ≥ n0, entao −1

n≤ αn ≤

1

n.

Vale a pena observar que, se sabemos a priori que αn ≥ 0 para todo n ∈ N, entao

limn→∞ αn = 0⇐⇒ (

dado k ∈ N∗ existe n0 ∈ N∗ tal que, se n ≥ n0, entao 0 ≤ αn ≤1

n

).

e similarmente, se sabemos a priori que αn ≤ 0 para todo n ∈ N, entao

limn→∞ αn = 0⇐⇒ (

dado k ∈ N∗ existe n0 ∈ N∗ tal que, se n ≥ n0, entao −1

n≤ αn ≤ 0

).

Partindo da nossa definicao preliminar e segundo a nossa intuicao, podemos acreditar pia-

mente no seguinte resultado:

Proposicao 3.9.1. Seja αn ∈ R uma expressao que depende de n ∈ N. Se αn > 0 para todo

n ∈ N, entao vale que

limn→∞ αn = +∞⇐⇒ lim

n→∞1

αn

= 0 ,

onde, o lado esquerdo da equivalencia significa que:

dado R ∈ R, R > 0, existe n0 ∈ N∗ tal que, se n ≥ n0 entao, αn ≥ R

Demonstracao.

(=⇒) Suponhamos que limn→∞ αn = +∞. Dado k ∈ N∗, devemos provar que existe n0 ∈ N∗ tal

que, se n ≥ n0, entao 0 <1

αn

≤ 1

k.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 121 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

A hipotese implica que, para o inteiro k ∈ N∗ dado, existe n0 ∈ N∗ tal que, se n ≥ n0, entao

αn ≥ k.

Mas αn ≥ k equivale a1

αn

≤ 1

k. Pelo anterior temos que, 0 <

1

αn

≤ 1

k, para todo n ≥ n0.

Isto prova que limn→∞

1

αn

= 0.

(⇐=) Suponhamos agora que limn→∞

1

αn

= 0.

Seja R ∈ R, R > 0. Consideremos um inteiro k ∈ N∗ tal que k > R. Segundo a hipotese,

existe um inteiro n0 ∈ N∗ tal que, se n ≥ n0, entao 0 <1

αn

≤ 1

k. Por outro lado,

1

αn

≤ 1

kequivale

a αn ≥ k que, pela escolha de k, implica αn ≥ R.

Portanto, se n ≥ n0 temos αn ≥ R, provando assim limn→∞ αn = +∞ , como se queria. C.Q.D.

Da nossa definicao preliminar acima podemos intuir tambem, que a nocao de limite deve in-

teragir fortemente com a nocao de aproximacao. Isto e confirmado na nossa definicao definitiva:

Definicao. Seja αn ∈ R uma expressao que depende de n ∈ N e seja L ∈ R. Dizemos que αn

tende a L quando n tende a infinito e escrevemos limn→∞ αn = L, quando o seguinte ocorre:

dado ε ∈ R, ε > 0, existe n0 ∈ N∗ tal que, se n ≥ n0, entao |αn − L| ≤ ε.

E importante observar que, em geral, o numero n0 na definicao acima, depende da escolha

de ε e da propria sucessao {αn}n. Isto e, outra escolha de ε devera implicar numa outra escolha

do n0.

A definicao acima pode ser lida dizendo que, αn tende a L quando n tende a ∞ se, dado

ε > 0, todos, salvo possivelmente um numero finito, os termos αn estao ε -proximos de L. O

numero finito a que nos referimos e exatamente o n0 associado ao ε escolhido.

Fig. 21. A nocao de limite e aproximacoes na reta real.

Podemos comparar esta definicao com a nossa definicao preliminar acima:

Proposicao 3.9.2. Seja αn ∈ R uma expressao que depende de n ∈ N. As seguintes condicoes

sao equivalentes:

(i) dado k ∈ N∗, existe n0 ∈ N∗ tal que, se n ≥ n0, entao −1

k≤ αn ≤

1

k.

(ii) dado ε ∈ R, ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, se n ≥ n0, entao |αn| < ε.

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

Demonstracao. Comecamos por observar que, a desigualdade −1

k≤ αn ≤ 1

kna condicao (i),

equivale a desigualdade |αn| ≤ 1

k. Portanto, para provar que (ii)=⇒(i), dado k ∈ N∗, basta aplicar

(ii) (que vale por hipotese) com ε =1

k.

Para provar que (i)=⇒(ii), basta provar que, dado ε ∈ R, ε > 0, existe k ∈ N∗ tal que1

k≤ ε.

Uma vez feito isto, tomamos o mesmo n0 obtido em (i) para o k obtido. Tal n0 serve para

confirmar (ii) (verifique isto!).

Dado ε > 0, pela propriedade arquimediana de R (aplicada a ε e 1), existe k ∈ N∗ tal que

k · ε ≥ 1. Ou seja1

k≤ ε, como querıamos. C.Q.D.

Um outro fato importante que devemos observar, e que segue diretamente das definicoes

acima, e que a nocao da convergencia de uma sucessao {αn} a L, pode ser traduzida na nocao

da convergencia da sucessao βn = αn − L a zero. Isto e,

limn→∞ αn = L⇐⇒ lim

n→∞(αn − L ) = 0

Sabendo o significado de limn→∞ αn = L, vemos que o significado de lim

n→∞ αn 6= L e

existe ε ∈ R, ε > 0 tal que, para todo n0 ∈ N∗ existe n ≥ n0 tal que |αn − L| > ε.

Intuitivamente: Dizer que limn→∞ αn = L, significa que, para qualquer ε > 0, podemos achar

n0 ∈ N (que depende de ε e da sucessao) tal que, se jogarmos fora os primeiros n0 termos

da sucessao α0, α1, α2, . . . , αn0−1, todos os restantes αn0, αn0+1, αn0+2, . . . estarao contidos no

intervalo [L − ε, L + ε] de centro L e raio ε. Neste sentido entendemos que, dado ε > 0, todos,

salvo um numero finito (n0 que depende de ε e de (αn)n), os termos αn estao ε -proximos de L.

Similarmente, dizer que limn→∞ αn 6= L, significa que, para algum ε > 0, uma infinidade dos

termos αn estao fora do intervalo [L − ε, L + ε].

Observamos que, assim como existem sucessoes que convergem a um limite, existem

tambem sucessoes que nao convergem. A sucessao cujos termos sao os numeros 1n

, n ∈ N∗,

e o exemplo fundamental de uma sucessao que converge a 0 e a sucessao (−1)n, n ∈ N∗ e o

exemplo fundamental de uma sucessao que nao converge, pois infinitos de seus termos tomam

o valor 1 (quando n e par) e infinitos tomam o valor −1 (quando n e ımpar), portanto nao pode

acontecer que todos salvo um numero finito dos termos fiquem perto de um numero so.

Fig. 22. A sucessao (−1)n toma infinitas vezes os valores 1 e −1.

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

Por outro lado, dada uma sucessao (αn)n, e intuitivamente claro que nao e possıvel que

todos, salvo um numero finito, os termos αn, fiquem proximos de dois numeros distintos, isto e:

Proposicao 3.9.3. (Unicidade dos Limites) Seja (αn)n uma sucessao de numeros reais. Se

L,M ∈ R sao tais que

limn→∞ αn = L e lim

n→∞ αn = M,

entao L = M.

Demonstracao. Suponhamos que L 6= M. Seja ε ∈ R tal que 0 < ε < 12|L − M|, temos que:

(i) existe n1 ∈ N tal que, n ≥ n1 =⇒ |αn − L| ≤ ε2

(ii) existe n2 ∈ N tal que, n ≥ n2 =⇒ |αn − M| ≤ ε2

Usando a desigualdade triangular e as desigualdades de (i) e (ii) obtemos, para n ≥ max{n1, n2}

(max{n1, n2} designa o maior dentre os inteiros n1 e n2):

|L − M| = |L − αn + αn − M| = |(L − αn) + (αn − M)| ≤ |L − αn| + |αn − M| ≤ ε

2+

ε

2= ε,

isto e

0 ≤ |L − M| ≤ ε <1

2|L − M|,

o qual e absurdo (nenhum numero nao negativo e estritamente menor do que sua metade).

Portanto, necessariamente L = M. C.Q.D.

Outro fato relevante sobre as sucessoes que tem limite e que, todos os seus termos podem

ser encaixados dentro de um intervalo suficientemente grande, isto e

Proposicao 3.9.4. Seja (αn)n uma sucessao de numeros reais que converge a um numero real

L quando n tende a∞. Entao, existem a, b ∈ R, a < b, tais que αn ∈ [a, b] para todo n ∈ N.

Demonstracao. Por hipotese, para ε = 1 existe n0 ∈ N tal que, n ≥ n0 =⇒ L − 1 < αn < L + 1.

Sejam a o maior dentre os numeros α0, α1, . . . , αn0−1, L + 1 e b o menor dentre os numeros

α0, α1, . . . , αn0−1, L − 1. Entao: αn ∈ [a, b] para todo n ∈ N. C.Q.D.

Fig. 23. Toda sucessao que tem limite esta contida num intervalo.

Da proposicao acima obtemos que

limn→∞ αn = L =⇒ ∃R > 0 tal que − R ≤ αn ≤ R , ∀n ∈ N .

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ou equivalentemente

limn→∞ αn = L =⇒ ∃R > 0 tal que |αn| ≤ R , ∀n ∈ N .

Fig. 24. Toda sucessao que tem limite e limitada em modulo por uma constante.

Nas figuras acima, os termos da sucessao sao representados por pontos na reta real.

Os limites mantem boas propriedades em relacao as operacoes definidas em R.

Propriedades basicas dos Limites de sucessoes.

Sejam {αn}n, {βn}n, {γn}n sucessoes de numeros reais e r ∈ R. Valem as seguintes proprie-

dades:

(A) Se limn→∞ αn = L e lim

n→∞ βn = M, entao limn→∞(αn + βn) = L + M.

(B) Se limn→∞ αn = L e lim

n→∞ βn = M, entao limn→∞(αn · βn) = L ·M.

(C) Se αn = r para todo n ∈ N, entao limn→∞ αn = r.

(D) Se limn→∞ αn = L, entao lim

n→∞(−αn) = −L.

(E) Se limn→∞ αn = L, lim

n→∞ βn = M, M 6= 0 e βn 6= 0 para todo n ∈ N, entao limn→∞

αn

βn

=L

M.

(F) Se limn→∞ αn = L , lim

n→∞ βn = M e αn ≤ βn para todo n ∈ N, entao L ≤ M.

(G) Se limn→∞ αn = L = lim

n→∞ βn e αn ≤ γn ≤ βn para todo n ∈ N, entao limn→∞ γn = L.

Prova.

(A) Seja ε > 0 dado. Temos que (aplicando a definicao de limite com ε/2)

limn→∞ αn = L =⇒ (

∃n0 ∈ N, tal que n ≥ n0 =⇒ |αn − L| ≤ ε

2

),

e similarmente

limn→∞ βn = M =⇒ (

∃m0 ∈ N, tal que n ≥ m0 =⇒ |βn − M| ≤ ε

2

).

Seja k0 = max{n0,m0}, isto e, k0 e o maior dentre os inteiros n0 e m0. Logo, se n ≥ k0

entao, em particular, n ≥ n0 e n ≥ m0 e portanto as proposicoes dos lados direitos acima sao

validas. Assim, usando a desigualdade triangular obtemos

|(αn + βn) − (L + M)| = |(αn − L) + (βn − M)| ≤ |αn − L| + |βn − M| ≤ ε

2+

ε

2= ε.

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Com isto provamos que, existe um inteiro k0 ∈ N∗ tal que,

n ≥ k0 =⇒ |(αn + βn) − (L + M)| ≤ ε,

isto e, que limn→∞(αn + βn) = L + M.

(B) Seja ε > 0. Temos que provar que, existe n0 ∈ N tal que,

n ≥ n0 =⇒ |αnβn − LM| ≤ ε.

Para provar esta propriedade usaremos uma das formas equivalentes da proposicao ante-

rior:

limn→∞ αn = L =⇒ ∃R > 0 tal que |αn| ≤ R.

Primeiro observamos que, a desigualdade triangular implica:

|αnβn − LM| = |αnβn − αnM + αnM + LM| ≤ |αnβn − αnM| + |αnM − LM|

= |αn(βn − M)| + |M(αn − L)| = |αn| · |βn − M| + |M| · |αn − L|

≤ R · |βn − M| + |M| · |αn − L| .

Portanto, basta fazer cada uma das parcelas do ultimo lado direito da desigualdade acima menor

ou igual do queε

2.

Como limn→∞ αn = L temos que:

Dadoε

2|M|, existe n1 ∈ N tal que, n ≥ n1 =⇒ |αn − L| ≤ ε

2|M|,

e como limn→∞ βn = M :

Dadoε

2R, existe n2 ∈ N tal que, n ≥ n2 =⇒ |βn − M| ≤ ε

2R.

Logo, se n0 = max{n1, n2}, para todo n ≥ n0 temos:

|αnβn − LM| ≤ R · |βn − M| + |M| · |αn − L| ≤ R · ε

2R+ |M| · ε

2|M|=

ε

2+

ε

2= ε ,

como querıamos.

(C) e (D) sao exercıcios para o leitor.

(E) Para provar esta propriedade, basta provar que

se limn→∞ βn = M, M 6= 0 e βn 6= 0 para todo n ∈ N, entao lim

n→∞1

βn

=1

M. (*)

Uma vez feito isto aplicamos (B) para concluir (exercıcio).

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Seja ε > 0 dado. O problema de provar (*) consiste em determinar que tao grande deve ser

n ∈ N para que o numero∣∣∣∣ 1

βn

−1

M

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣M − βn

βnM

∣∣∣∣ = |M − βn|

|M| · |βn|(∗∗)

seja menor ou igual do que ε.

Comecamos por estimar o denominador no lado direito de (**), para isto aplicamos a definicao

de limn→∞ βn = M:

Dado|M|

2, existe n1 ∈ N tal que, n ≥ n1 =⇒ |M − βn| ≤ |M|

2.

Uma das consequencias da desigualdade triangular garante que:

|M| − |βn| ≤ |M − βn| ,

e portanto

n ≥ n1 =⇒ |M| − |βn| ≤ |M|

2=⇒ |M|

2≤ |βn| =⇒ 1

|M| · |βn|≤ 2

|M|2.

Agora estimamos o numerador do lado direito de (**) aplicando de novo a definicao de

limn→∞ βn = M da seguinte maneira:

Dado|M|2

2ε , existe n2 ∈ N tal que, n ≥ n2 =⇒ |M − βn| ≤ |M|2

2ε .

Seja agora n0 = max{n1, n2}. Para n ≥ n0, a expressao de (**) fica∣∣∣∣ 1

βn

−1

M

∣∣∣∣ = |M − βn|

|M| · |βn|= |M − βn| · 1

|M| · |βn|≤ |M|2

2ε · 2

|M|2= ε ,

como querıamos.

(F) Suponhamos pelo absurdo, que M < L. Pela definicao de limite temos que, dado ε =L − M

4:

existe n1 ∈ N tal que, n ≥ n1 =⇒ −L − M

4≤ αn − L ≤ L − M

4,

existe n2 ∈ N tal que, n ≥ n2 =⇒ −L − M

4≤ βn − M ≤ L − M

4,

Logo, se n ≥ max{n1, n2}:

L − M = (L − αn) + (αn − βn) + (βn − M) ≤ L − M

4+ (αn − βn) +

L − M

4

= (αn − βn) +L − M

2.

e portanto, n ≥ max{n1, n2} =⇒ 0 <L − M

2≤ αn − βn =⇒ αn > βn, o qual e contra a hipotese

de que αn ≤ βn para todo n ∈ N. Isto termina a prova de (F).

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(G) Segundo o item anterior temos que

αn ≤ γn ≤ βn ∀n ∈ N =⇒ L ≤ limn→∞ γn ≤ L.

Logo limn→∞ γn = L. C.Q.D.

Alguns aspectos importantes e complementares sobre limites, antes de passarmos para os

exemplos, sao colocados na seguinte observacao.

Observacao.

(a) Um ponto importante a ser observado e o seguinte: A definicao de limn→∞ αn = L equivale

a seguinte:

∀ ε > 0 , ∃n0 ∈ N tal que, n ≥ n0 =⇒ |αn − L| < ε. (∗)

A diferenca entre esta e a definicao anterior esta na desigualdade < colocada ao inves da

original ≤.

Note-se que a condicao (∗) claramente implica a condicao inicial (lembre que a < b =⇒a ≤ b). Por outro lado, dada a condicao da definicao original, e dado ε > 0 arbitrario temos,

aplicando a definicao original comε

2ao inves de ε:

∃n0 ∈ N tal que n ≥ n0 =⇒ |αn − L| ≤ ε

2< ε,

implicando (∗). Com isto provamos a equivalencia.

(b) Segundo o item acima, podemos complementar alguns aspectos basicos da seguinte

maneira (a comprovacao destes fatos e deixada como exercıcio para o leitor):

Sejam (αn)n e (βn)n sao sucessoes de numeros reais tais que

limn→∞ αn = L , lim

n→∞ βn = M .

• Se αn < βn para todo n ∈ N , entao L ≤ M (note-se que a conclusao nao e L ≤ M, pode dar

um exemplo?).

• Se L > 0, entao existe n0 ∈ N, tal que n ≥ n0 =⇒ αn > 0 .

• Se L < M, entao existe n0 ∈ N, tal que n ≥ n0 =⇒ αn < βn .

(c) Nos itens (C), (E), (F), (G) da lista de propriedades basicas, a sentenca “para todo n ∈ N”

pode ser substituıda por “para todo n ∈ N salvo para um numero finito” ou por “para todo n ∈ Nmaior ou igual que algum n0 ∈ N. O leitor e convidado a re-enunciar tais propriedades e refletir

sobre o seu significado.

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Esta observacao pode-se traduzir dizendo que, para efeito do analise do limite de uma su-

cessao (αn)n, basta prestar atencao no comportamento de αn com n ∈ N “suficientemente

grande”. Ou que, o comportamento de um numero finito dos termos da sucessao nao interfere

na analise ou determinacao do limite. Por tal motivo e indiferente comecar uma sucessao com

o termo α0 ou α1.

Exemplos.

(1) Todo numero real e o limite de uma sucessao de numeros racionais distintos.

Seja α ∈ R um numero real.

Se α = 0 consideramos por exemplo a sucessao (αn)n onde αn = 10−n para todo n ∈ N.

Observamos que os termos da sucessao sao todos distintos.

Sabemos ja que 10n −→ +∞ quando n −→∞. Logo1

10n= 10−n −→ 0 quando n −→∞.

Se α ∈ R − {0}, escrevemos a sua representacao como expansao decimal infinita α =

N,a1a2a3 . . . ak . . ., onde N ∈ Z e a parte inteira e aj ∈ {0, 1, 2, . . . , 9} sao os dıgitos da expansao

decimal. Neste caso, consideramos a sucessao (αn)n, onde α0 = N e αn = N,a1a2 . . . an, para

todo n ∈ N∗. Isto e, αn e o truncamento da expansao decimal que define α ate a n - esima

casa decimal. Sendo que a expansao decimal de α e infinita, todos os termos αn da sucessao

considerada sao todos distintos.

Afirmamos que limn→∞ αn = α.

Com efeito, seja ε > 0 dado. Temos que achar n0 ∈ N tal que |α − αn| < ε para todo n ≥ n0.

Comecamos por observar que

|α − αn| = |N,a1a2a3 . . . anan+1 . . . − N,a1a2a3 . . . an|

= 0, 0 0 . . . 0︸ ︷︷ ︸n - zeros

an+1an+2 . . . < 0,0 0 . . . 0︸ ︷︷ ︸(n − 1) - zeros

1 = 10−n .

Como limn→∞ 10−n = 0, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n ≥ n0 =⇒ 10−n = |10−n| < ε.

Portanto, se n ≥ n0, temos

|α − αn| < 10−n < ε ,

como querıamos. C.Q.D.

Nos escolhemos este exemplo para comecar, pela sua relevancia em relacao aos conceitos

trabalhados anteriormente sobre as expansoes decimais. As implicacoes que este produz sao

igualmente relevantes:

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 129 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

• Todo intervalo aberto nao vazio da reta real contem infinitos numeros racionais (escreva os

detalhes como exercıcio).

• Todo numero irracional pode ser aproximado com graus arbitrarios de precisao por numeros

racionais. Na verdade isto e o que e feito nos computadores e maquinas de calcular como foi

explicado no inıcio do capıtulo.

(2) A partir das propriedades basicas dadas acima, podemos calcular o valor numerico do

limite de muitas sucessoes simples:

(a) Se k ∈ Z+ e um inteiro dado, entao limn→∞

1

nk= 0.

Com efeito, se (αn)n, (βn)n e (γn)n sao as sucessoes dadas por

αn = 0 , βn =1

n, γn =

1

nk,∀ n ∈ N ,

temos que

limn→∞ αn = 0 , lim

n→∞ βn = 0 , e αn ≤ γn ≤ βn , ∀n ∈ N.

Logo, pela propriedade (G) obtemos limn→∞ γn = 0.

(b) limn→∞

n + 1

n= 1.

Com efeito, temos quen + 1

n=

n+1nnn

=1 + 1

n

1= 1 +

1

n. Logo

limn→∞

n + 1

n= lim

n→∞(

1 +1

n

)= lim

n→∞ 1 + limn→∞

1

n= 1 + 0 = 1.

(c) O exemplo (b) acima pode ser considerado dentro de um contexto mais geral: Um po-

linomio ( com coeficientes reais) na variavel x e uma expressao da forma

p(x) = akxk + ak−1x

k−1 + ak−2xk−2 + . . . + a1x + a0 ,

onde ak, ak−1, ak−2, . . . , a1, a0 ∈ R e ak 6= 0. O inteiro k ∈ N e chamado o grau de p(x) e se

designa por Graf(p).

Sejam p(x) = akxk + ak−1x

k−1 + . . . + a1x + a0 e q(x) = bmxm + bm−1xm−1 + . . . + b1x + b0

polinomios de graus k e m respectivamente, na variavel x. Consideramos a sucessao (αn)n

onde αn =p(n)

q(n).

Para calcular limn→∞ αn, nos nao podemos aplicar diretamente a propriedade (E), pois tanto o

numerador como o denominador da expressao que define αn tendem a +∞ ou a −∞, produ-

zindo uma forma indeterminada do tipo ∞∞ .

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

O truque neste caso e bastante simples: dividir o numerador e o denominador da expressao

que define αn por nr, onde r = max{k,m}.

Temos tres casos a considerar:

(i) r = k. Neste caso, ao dividir o numerador por nk obtemos (verifique!):

p(n)

nk= ak + soma de termos que tende a 0 quando n→∞,

e ao dividir o denominador por nk obtemos (verifique!):

q(n)

nk= soma de termos que tende a 0 quando n→∞.

Portanto, (justifique) limn→∞ αn = lim

n→∞p(n)

q(n)pode ser +∞ ou −∞ dependendo do sinal de ak e de

q(n)

nkpara n grande.

(ii) r = k = m. Neste caso, dividindo o numerador e o denominador por nk = nm obtemos:

p(n)

nk= ak + soma de termos que tende a 0 quando n→∞,

q(n)

nk= bk + soma de termos que tende a 0 quando n→∞.

Portanto (verifique!): limn→∞ αn = lim

n→∞p(n)

q(n)=

ak

bk

.

(iii) r = m. Dividindo o numerador e o denominador por nm temos:

p(n)

nm= soma de termos que tende a 0 quando n→∞,

q(n)

nm= bk + soma de termos que tende a 0 quando n→∞,

e portanto limn→∞ αn = lim

n→∞p(n)

q(n)= 0.

(d) Mais exemplos da situacao descrita em (c):

limn→∞

6n2 + 2n − 5

8n2 − 7n + 99=

3

4, lim

n→∞4n

n2 + 1= 0 , lim

n→∞9n3 − 8n

1 + n − n2= +∞,

Com efeito

• limn→∞

6n2 + 2n − 5

8n2 − 7n + 99= lim

n→∞6n2+2n−5

n2

8n2−7n+99n2

= limn→∞

6 + 2n

− 5n2

8 − 7n

+ 99n2

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 131 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

=lim

n→∞(6 + 2n

− 5n2 )

limn→∞(8 − 7

n+ 99

n2 )=

6

8=

3

4.

• limn→∞

4n

n2 + 1= lim

n→∞4nn2

n2+1n2

= limn→∞

4n

1 + 1n2

=lim

n→∞ 4n

limn→∞(1 + 1

n2 )=

0

1= 0 .

• limn→∞

9n3 − 8n

1 + n − n2= limn→∞ 9n3−8n

n3

1+n−n2

n3

= limn→∞ 9− 8

n21

n3 + 1

n2 − 1n

=lim

n→∞(9− 8

n2 )

limn→∞( 1

n3 + 1

n2 − 1n

)= −∞ .

Por que a ultima sucessao tende a −∞ e nao a +∞? Bom, o numerador na ultima passagem

tende a 9 e o sinal do denominador (que tende a 0 quando n → ∞) e exatamente o sinal de

1 + n − n2 para n ∈ N grande. Como 1 + n < n2 para n ∈ N grande, o sinal do denominador e

negativo. Isto e, o denominador a direita na ultima expressao, tende a 0 com valores menores

que 0.

(3) Potencias reais de numeros reais Sejam β ∈ R+ e α ∈ R∗ um numero irracional. Neste

apartado desejamos dar significado a expressao βα. Por exemplo, desejarıamos entender o

significado de 2√

2, de 32π, de√

2

√3+

√7

ou ainda, de πππ !

As noticias desta vez nao sao boas...O material desenvolvido nestas notas nao permite dar

sentido a expressoes como as acima descritas,... Desta vez, e requisito prioritario um conheci-

mento das funcoes logaritmo e exponencial, assim como as suas propriedades de continuidade

da teoria do Calculo Elementar... Pedimos desculpas ao leitor por nao abordamos tal material

nestas notas...

Os elementos descritos no paragrafo anterior, permitem manobras como a seguinte:

Seja (rn)n uma sucessao de numeros racionais tal que limn→∞ rn = α . Entao:

βα = β

„lim

n→∞ rn

«= lim

n→∞ βrn .

No seu momento, conhecendo as propriedades basicas das funcoes logaritmo e exponen-

cial, e a teoria basica de continuidade, o leitor podera verificar a validade do enunciado acima.

Para nos, por enquanto, estas linhas serao apenas uma convencao que adotaremos no

seguinte.

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

As potencias de expoente real possuem propriedades similares as das potencias de expo-

ente racional, propriedades que sintetizamos na lista a seguir:

Propriedades das potencias de expoente real.

(a) x0 = 1, para todo x ∈ R∗.

(b) 0α = 0, para todo α ∈ R+.

(c) 1α = 1, para todo α ∈ R.

(d) Sejam x ∈ R+ e α ∈ R. Se xα = 1, entao x = 1 ou α = 0.

(e) xα > 0, para todos x ∈ R+ e α ∈ R.

(f) Para todos x, y ∈ R+ e α, β ∈ R valem

xα+β = xα + xβ , (x · y)α = xα yα , (xα)β = xα·β .

(g) Dados x, y, α ∈ R+, vale a implicacao: 0 < x < y =⇒ 0 < xα < yα.

(4) Exemplos sobre a manipulacao de potencias de expoente real.

(a) Determinemos as solucoes da equacao 4x−1 = 2x+1 para a variavel x ∈ R.

Temos que

4x−1 = 2x+1 ⇐⇒ 22(x−1) = 2x+1 ⇐⇒ 22(x−1) · 2−(x+1) = 1⇐⇒ 22(x−1)−(x+1) = 1⇐⇒ 22x−2−x−1 = 1⇐⇒ 2x−3 = 1⇐⇒ x − 3 = 0 (pela propriedade (d) acima)⇐⇒ x = 3 .

A solucao da equacao 4x−1 = 2x+1 e x = 3.

(b) Para quais valores de x ∈ R a expressao 4√

2x−1 − 1 esta bem definida?

Para que a expressao 4√

2x−1 − 1 esteja bem definida, e necessario que 2x−1 − 1 seja um

numero real nao negativo.

Primeiramente, temos que 2x−1 − 1 = 0⇐⇒ 2x−1 = 1⇐⇒ x − 1 = 0⇐⇒ x = 1 .

Para x > 1, temos x − 1 > 0. Logo, 2x−1 > 1x−1 = 1, consequentemente 2x−1 − 1 > 0

Finalmente, se x < 1, temos x − 1 < 0, donde −(x − 1) < 0. Logo

2−(x−1) > 1−(x−1) = 1 =⇒ 2−(x−1) · 2x−1 > 1 · 2x−1 (pois 2 > 0 =⇒ 2x−1 > 0)

=⇒ 1 > 2x−1 =⇒ 0 > 2x−1 − 1 .

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 133 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

Portanto, 2x−1 − 1 ≥ 0⇐⇒ x ≥ 1⇐⇒ x ∈ [1,+∞), obtendo assim o nosso conjunto solucao.

(c) Se α ∈ (1,+∞) e β ∈ R+, entao αβ > 1.

Prova. Sendo α > 1, temos h = α − 1 > 0, isto e, α = 1 + h com h > 0.

Entao, αβ = (1 + h)β > 1β = 1. C.Q.D.

(d) Se α, β ∈ (1,+∞), entao αβ > α .

Prova. Temos que β = 1 + (β − 1), com β − 1 > 0. Logo αβ−1 > 1β−1 = 1 e temos que

αβ = α1+(β−1) = α1 · αβ−1 > α · 1 = α . C.Q.D.

(e) Se α ∈ (1,+∞) e 0 < β < 1, entao 1 < αβ < α .

Prova. A desigualdade 1 < αβ segue diretamente do item (c). Para provar a outra desigual-

dade, observamos que 0 < β < 1 ⇐⇒ 1 <1

β. Pelo item (d) temos: α = (αβ)

1β > αβ, como

querıamos. C.Q.D.

Na lista de exercıcios no final do capıtulo, o leitor e convidado a escrever a prova de algumas

outras propriedades sobre as potencias.

(5) Seja r ∈ R, r ≥ 0, e consideremos a sucessao (αn)n dada por αn = rn , ∀n ∈ N∗.

Quando r = 1 (ou r = 0), a sucessao (αn)n e a sucessao constante de valor 1 (respectiva-

mente 0), a qual trivialmente converge a 1 (respectivamente a 0) quando n→∞.

Se r 6= 1 temos:

limn→∞ rn =

0 se 0 ≤ r < 1

+∞ se r > 1 .

Com efeito, analisemos separadamente os dois casos:

(I) Caso r > 1: Neste caso, temos que mostrar que, dado R ∈ R+, existe n0 ∈ N∗ tal que

n ≥ n0 =⇒ rn > R.

Comecamos por observar que, como r > 1, se m > k entao rm > rk. De fato multiplicando

a desigualdade r > 1 sucessivamente por r obtemos a cadeia:

. . . > rm+1 > rm > rm−1 > . . . > r2 > r > 1 .

Concluımos entao, que e suficiente determinar n0 ∈ N∗ tal que, rn0 > R. Pois n ≥ n0 =⇒rn ≥ rn

0 .

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 134 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

Bem, como r > 1, podemos escrever r = 1 + h, onde h = r − 1 > 0, e usando a formula do

binomio de Newton obtemos, para todo k ∈ N∗:

rk = (1 + h)k = 1 +

(k

1

)h +

(k

2

)h2 + . . . +

(k

k − 1

)hk−1 +

(k

k

)hk︸ ︷︷ ︸

soma de termos ≥ 0, pois k ≥ 1 e h > 0

≥ 1 + kh.

Segundo a propriedade arquimediana, para R > 0 e h > 0 dados, existe n0 ∈ N∗ tal que

n0h ≥ R. Para tal n0 temos rn0 ≥ 1 + n0h > n0h ≥ R, como querıamos.

(II) Caso 0 < r < 1: Temos 0 < r < 1 ⇐⇒ 1 <1

r. O caso (I) acima e a proposicao 3.9.1

implicam:

limn→∞

1

rn= lim

n→∞(

1

r

)n

= +∞⇐⇒ limn→∞ rn = 0,

como querıamos.

Uma analise mais ampla permite concluir que:

Dado r ∈ R, tem-se: limn→∞ rn =

0 se |r| < 1

1 se r = 1

+∞ se r > 1 ,

e que o limite da sucessao rn nao existe quando r ≤ −1. O leitor e convidado a refletir sobre os

casos quando r < 0.

Poderıamos ocupar muito mais espaco nestas notas com muitos mais exemplos e consideracoes

sobre o assunto, mas nao e o nosso objetivo invadir a abrangencia de outros cursos (Calculo

ou Analise), onde este topico deve ser cuidadosamente estudado. Esperamos que o material

apresentado aqui sirva apenas como uma introducao a teoria dos limites, e que o leitor se sinta

motivado no seu aprofundamento.

A importancia do ultimo exemplo vem a tona quando calculamos a soma dos termos de uma

progressao geometrica:

Definicao. Sejam a, r ∈ R. A sucessao cujos termos sao

a , ar , ar2 , ar3 , . . . , arn−1 , arn , arn+1 , . . . (?)

e chamada progressao geometrica (PG) de razao r e primeiro termo a.

Ao contrario das sucessoes consideradas acima, o interesse nas progressoes geometricas

nao e o calculo do seu limite (coisa que ja sabemos fazer segundo o ultimo exemplo acima),

mas sim o calculo da soma dos terminos da sucessao.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 135 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

Designemos por αn = a + ar + ar2 + . . . + arn a soma dos primeiros n + 1 da PG (?), o que

nos queremos calcular e exatamente o limite quando n→∞ da sucessao αn. Isto e

limn→∞ αn = lim

n→∞n∑

k=0

ark = limn→∞ a

n∑k=0

rk = a limn→∞

n∑k=0

rk,

que formalmente designamos por

∞∑k=0

ark = a

∞∑k=0

rk = a(1 + r + r2 + . . . + rn + . . .).

Como o leitor seguramente ja observou, basta calcular a soma (infinita!):

1 + r + r2 + . . . + rn + . . . . (4)

Se designamos por Sn a soma dos primeiros n + 1 termos de (4):

Sn = 1 + r + r2 + . . . + rn , n ∈ N ,

a soma (4) e igual a limn→∞ Sn.

Se r = 1 obtemos Sn = n + 1 e portanto limn→∞ Sn = lim

n→∞(n + 1) = +∞.

Suponhamos no seguinte, que r 6= 1.

Multiplicando Sn por r obtemos:

r Sn = r(1 + r + r2 + . . . + rn−1 + rn)

= r + r2 + r3 + . . . + rn + rn+1

= (1 + r + r2 + r3 + . . . + rn) − 1 + rn+1

= Sn − 1 + rn+1 .

Logo Sn − r Sn = 1 − rn+1, ou seja Sn(1 − r) = 1 − rn+1, e como r 6= 1

Sn =1 − rn+1

1 − r.

Portanto:

1 + r + r2 + . . . + rn + . . . = limn→∞

1 − rn+1

1 − r=

1 − limn→∞ rn+1

1 − r.

Finalmente

∞∑k=0

ark = a + ar + ar2 + . . . + arn + . . . = a1 − lim

n→∞ rn+1

1 − r, para r 6= 1.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 136 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

Com isto, o calculo da soma dos termos da PG (?) se reduz ao calculo de limn→∞ rn+1 = lim

n→∞ rn ,

que ja sabemos fazer segundo o ultimo exemplo acima.

Resumindo:

∞∑k=0

ark

= a1 − lim

n→∞ rn+1

1 − r=

a

1 − rse |r| < 1 e a ∈ R

+∞ se r > 1 e a > 0

−∞ se r > 1 e a < 0

= +∞ se r = 1 e a > 0

= −∞ se r = 1 e a < 0

= 0 se a = 0

6 ∃ se r ≤ −1 e a ∈ R∗.

Portanto, o caso particular interessante ocorre quando a razao r da PG tem modulo menor que

1, pois nos outros casos a soma e +∞, ou −∞ ou simplesmente nao existe.

Com uma serie de exemplos a seguir, vamos ilustrar a importancia do calculo da soma dos

termos de uma progressao geometrica. Como o leitor percebera, as situacoes onde o calculo

da soma dos termos de uma PG e fundamental tem diversas origens.

Exemplos.

(A) Determinacao de somas infinitas:

(a) Qual e o valor de S = 1 +1

2+

1

4+

1

8+ . . . +

1

2n+ . . . ?

Trata-se de uma PG de razao1

2e primeiro termo 1. Como 0 ≤

∣∣∣∣12∣∣∣∣ = 1

2< 1, temos:

S = 1 +1

2+

1

4+

1

8+ . . . +

1

2n+ . . . =

1

1 −1

2

= 2 .

(b) Qual e o valor de S = 1 −1

2+

1

4−

1

8+ . . . +

(−1)n

2n+ . . . ?

Trata-se de uma PG de razao −1

2e primeiro termo 1. Como 0 ≤

∣∣∣∣−1

2

∣∣∣∣ = 1

2< 1, temos:

S = 1 −1

2+

1

4−

1

8+ . . . +

(−1)n

2n+ . . . =

1

1 −

(−

1

2

) =1

1 +1

2

=2

3.

(c) Em geral: Quais sao os numeros racionais que sao a soma de uma PG infinita de primeiro

termo 1 ?

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 137 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

Sejap

q∈ Q, onde p ∈ Z e q ∈ Z+. Suponhamos que

p

qseja a soma dos termos de uma PG

de primeiro termo 1. Se r ∈ R, a razao de uma tal PG, devemos ter |r| < 1 e1

1 − r=

p

q, para

que a convergencia da soma dos termos da PG seja ao racionalp

q.

Isto e, r = 1 −q

p=

p − q

pe∣∣∣∣p − q

p

∣∣∣∣ < 1. A segunda condicao equivale a |p − q| < |p| .

Resolvendo a desigualdade |p − q| < |p| em Z para as variaveis p, q ∈ Z, com a condicao

q > 0, obtemos que, o conjunto dos numeros racionais que sao a soma dos termos de uma PG

cujo primeiro termo e 1 e Q ∩(

1

2,+∞).

Neste caso, a razao da PG e r =p − q

p.

Por exemplo,p

q= 2 =

2

1e a soma dos termos de uma PG com primeiro termo 1 e razao

r =2 − 1

2=

1

2(ver exemplo (a) acima).

O leitor e convidado a estudar o que acontece se retirarmos a condicao q ∈ Z+ acima. Isto

e, exigir apenas q ∈ Z∗. Uma vez feito isto, descubra, dentre os numeros racionais abaixo,

aqueles que sao a soma dos termos de uma PG infinita de primeiro termo 1:3

4,

9

6,

−15

11, 0 , 4 ,

−1

2.

(B) Sabemos que todo numero racional pode ser representado por uma expansao decimal

periodica infinita. Afirmamos que, todo numero racional α ∈ Q, pode ser representado mediante

uma PG de razao1

10n, onde n e o perıodo da expansao decimal de α.

Seja α ∈ Q, suponhamos que a expansao decimal de α e:

α = a0, a1a2 . . . apap+1ap+2 . . . ap+n ∈ Q ,

onde a0 ∈ Z e a parte inteira de r e ai ∈ {0, 1, 2, . . . , 9}, assumimos que nao todos os numeros

ap+1, . . . , ap+n (que formam a parte periodica da expansao de r) sao simultaneamente iguais a

zero.

A expansao decimal de r se escreve mediante uma PG como segue:

r = a0, a1a2 . . . apap+1ap+2 . . . ap+n

= a0, a1a2 . . . ap ap+1ap+2 . . . ap+n︸ ︷︷ ︸ap+1ap+2 . . . ap+n︸ ︷︷ ︸ . . . ap+1ap+2 . . . ap+n︸ ︷︷ ︸ . . .= a0 +

a1 . . . ap

10p+

ap+1 . . . ap+n

10p+n+

ap+1 . . . ap+n

10p+2n+ . . . +

ap+1 . . . ap+n

10p+kn+ . . .

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 138 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

= a0 +a1 . . . ap

10p+

ap+1 . . . ap+n

10p+n

(1 +

1

10n+

1

102n+ . . . +

1

10(k−1)n+ . . .

)= a0 +

a1 . . . ap

10p+

ap+1 . . . ap+n

10p+n

(1 +

1

10n+

(1

10n

)2

+ . . . +

(1

10n

)(k−1)

+ . . .

)= a0 +

a1 . . . ap

10p+

ap+1 . . . ap+n

10p+n

1

1 −1

10n

= a0 +a1 . . . ap

10p+

ap+1 . . . ap+n

10p+n

10n

10n − 1

= a0 +a1 . . . ap

10p+

ap+1 . . . ap+n

10p

1

10n − 1.

Vejamos alguns exemplos praticos:

(a) 0, 3 =3

10+

3

102+ . . . +

3

10n+

3

10n+1+ . . .

=3

10

(1 +

1

10+ . . . +

1

10n−1+

1

10n+ . . .

)=

3

10

1

1 −1

10

=3

10

10

9=

3

9=

1

3.

(b) 2, 003412 = 2 +3

103+

412

106+

412

109+ . . . +

412

103k+ . . .

= 2 +3

103+

412

106

(1 +

1

103+

1

106+ . . . +

1

103(k−1)+ . . .

)= 2 +

3

103+

412

106

(1 +

1

103+

(1

103

)2

+ . . . +

(1

103

)k−1

+ . . .

)= 2 +

3

103+

412

106

1

1 −1

103

= 2 +3

103+

412

106

(103

103 − 1

)

= 2 +3

103+

412

103

(1

103 − 1

)= 2 +

3

103+

412

103

(1

999

)= 2 +

999× 3 + 412

999000= 2 +

3409

999000=

2001409

999000.

(C) Alguns exemplos geometricos:

(a) O lado de um triangulo equilatero T1 mede 3 unidades. Ao unir os pontos medios de seus la-

dos obtemos um novo triangulo equilatero T2. Repetindo o processo com o segundo triangulo su-

cessivamente, obtemos uma figura composta por triangulos encaixados T1, T2, . . . , Tn, . . . como

se mostra abaixo.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 139 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

O processo continua indefinidamente e o problema consiste em calcular a soma dos perımetros

de todos os triangulos T1, T2, . . . , Tn, . . ..

Fig. 25.

Observamos que o perımetro do triangulo T1 e 3 × 3, do triangulo T2 e 3 × 3

2, do triangulo T3 e

3× 3

22,. . ., do triangulo Tn+1 e 3× 3

2n, etc.

A soma dos perımetros dos triangulos e

S = 3× 3 + 3× 3

2+ 3× 3

22+ . . . + 3× 3

2n+ . . . = 9 +

9

2+

9

22+ . . . +

9

2n+ . . .

isto e, S e a soma dos termos de uma PG de razao1

2(que tem modulo < 1) e primeiro termo 9.

Logo S = 91

1 −1

2

= 9× 2 = 18.

(b) Um mosaico infinito e construıdo por estagios sucessivos da seguinte maneira:

1oEstagio: Se comeca com um quadrado de lado unitario.

2oEstagio: Em cada um dos 4 vertices do quadrado acima sao acrescentados

quadrados de lado1

2.

3o Estagio: Em cada vertice que nao e vertice de dois quadrados, e acrescentado

um quadrado de lado1

4, . . . etc . . .

no Estagio: Em cada vertice que ficou livre no estagio (n − 1), e acrescentado

um quadrado de lado1

2n−1, . . . etc . . .

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 140 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

Fig. 26.

O problema consiste em determinar a soma das areas de todos os quadrados da construcao.

As areas acrescentadas nos estagios sucessivos sao:

1o estagio : 1

2o estagio : 4×(

1

2

)2

3o estagio : 4× 3×(

1

22

)2

4o estagio : 4× 3× 3×(

1

23

)2

5o estagio : 4× 3× 3× 3×(

1

24

)2

. . . etc . . .

no estagio : 4× 3n−2 ×(

1

2n−1

)2

. . . etc . . .

Logo, a soma das areas e calculada, mediante uma PG de razao3

4e primeiro termo 1, da

seguinte maneira:

S = 1 + 4

(1

2

)2

+ 4 · 3(

1

22

)2

+ 4 · 32

(1

23

)2

+ . . . + 4 · 3n−2

(1

2n−1

)2

+ . . .

= 1 + 1 +4

22· 3(

1

2

)2

+4

22· 32

(1

22

)2

+4

22· 33

(1

23

)2

+ . . .

. . . +4

22· 3n−2

(1

2n−2

)2

+ . . .

= 1 + 1 + 3

(1

2

)2

+ 32

(1

22

)2

+ 33

(1

23

)2

+ . . . + 3n−2

(1

2n−2

)2

+ . . .

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 141 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

= 1 +

[1 +

(3

22

)+

(3

22

)2

+

(3

22

)3

+ . . . +

(3

22

)n−2

+ . . .

]

= 1 +

[1 +

(3

4

)+

(3

4

)2

+

(3

4

)3

+ . . . +

(3

4

)n−2

+ . . .

]

= 1 +

1

1 −3

4

= 5 .

Nos exercıcios a seguir, o leitor tera oportunidade de calcular areas e comprimentos interes-

santes como a soma de uma PG.

Exercıcios

1. Determine fracoes irredutıveis equivalentes aos numeros racionais

(a)84

120, (b)

32

98, (c)

145

255, (d)

45

81, (e)

381

999, (f)

2139

91881.

2. Seja n um inteiro positivo. Mostre que2n + 1

3n + 1e uma fracao irredutıvel.

Sugestao. Use a igualdade 3n + 1 = (2n + 1) + n.

3. Sejam

n∈ Q+. Mostre que, se m1,m2, . . . , mk, n1, n2, . . . , nk ∈ Z+ sao tais que

m

n=

m1

n1

=m2

n2

=m3

n3

= . . . =mk

nk

,

entaom

n=

m1 + m2 + . . . + mk

n1 + n2 + . . . + nk

.

Vale o resultado se suprimir a hipotese m1,m2, . . . , mk, n1, n2, . . . , nk ∈ Z+ ? Justifique com

cuidado.

4. O exercıcio anterior vale para produtos ao inves de somas ? Justifique.

5. Sabemos que16

64=

1

4... basta cancelar o 6 no numerador e denominador na fracao do lado

esquerdo !!

O leitor pensara que isto e meramente casual ... Mas ... o que acha de cancelar o 9 na fracao19

95?

Que conclusao pode ser obtida ao respeito dos paragrafos acima?

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 142 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

O fim justifica os meios?

6. Descubra a falha da demonstracao abaixo.

Proposicao. 4=5.

Prova. Temos que

−20 = −20 ⇐⇒ 16 − 36 = 25 − 45⇐⇒ 42 − 9× 4 = 52 − 9× 5⇐⇒ 42 − 9× 4 + 81/4 = 52 − 9× 5 + 81/4⇐⇒ (4 − 9/2)2 = (5 − 9/2)2

⇐⇒ 4 − 9/2 = 5 − 9/2⇐⇒ 4 = 5 . C.Q.D.

7. Mostre que todo numero racional pode ser colocado na forma N + pq

onde N ∈ Z e p, q sao

inteiros com 0 ≤ p < q. Interprete geometricamente este fato.

Sugestao. Use o algoritmo de Euclides.

8. Descubra o erro no seguinte argumento:

Afirmativa: 1 Real =1 centavo.

Prova.

1 Real = 100 centavos = (10 centavos)2 = (0.1 Real)2 = 0.01 Real = 1 centavo . C.Q.D.

A mensagem por tras disto e que, temos que ter cuidado nao so com a aritmetica, mas tambem

com as unidades de medida com as quais se trabalha em problemas concretos.

9. Diga se as afirmacoes abaixo sao verdadeiras ou falsas. Justifique com cuidado suas respos-

tas.

(a)3

8<

3

9, (b)

7

4− 1 > 0 , (c)

9

5−

135

75< 0 .

10. Determine os numeros inteiros n, para os quais se verifica a desigualdade indicada em cada

um dos casos abaixo:

(a)n

4<

3

5, (b)

2n − 1

2n + 1<

2

3, (c)

2n

3−

3n

2+ 1 > 0 .

11. Se x = 2, 3143, entao

x = 2 +3

10+

1

100+

4

1000+

3

10000ou x = 2 +

3

9+

1

99+

4

999+

3

9999?

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 143 Instituto de Matematica - UFF

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12. Quais dos numeros racionais abaixo, possuem expansao decimal finita? Justifique cuidado-

samente sem determinar as expansoes.

(a)3

5, (b)

7

35, (c)

6

40, (d)

9

12, (e) 1 +

1

10−

6

9, (f)

2

9.

13. Determine o menor inteiro n > 10 de modo que105

3ntenha expansao decimal finita.

14. Ache as expansoes decimais periodicas infinitas dos numeros do exercıcio 11.

15. Mostre que

(a) 3.10−10 + 4.10−8 = 4, 03.10−8 (b) 0, 8.106 − 7.105 = 105

16. Escreva os numeros abaixo na forma

a1 . . . as, b1 . . . br

onde a1, . . . , as, b1, . . . , br ∈ {0, 1, . . . , 9} sao dıgitos.

(a) 301.10−2 (b) 321, 256.14−4

(c) 3, 023.102 (d) 721456.10−5

17. Simplifique as expressoes

(a)3× 10−2

2, 1× 10−1(b)

0, 25× 10−2 − 10−4

12× 10−3(c)

0, 35× 10−4

0, 07× 10−2

18. Sejam

α = 2, 34134113411134 111 . . . 13411 . . . 1︸ ︷︷ ︸n

34 11 . . . 11︸ ︷︷ ︸n+1

34111 . . . ,

β = 2, 34134113411 ,

γ = 341339 .

Quais das afirmacoes abaixo sao corretas? Justifique com cuidado.

(a) α < β < γ, (b) α < γ < β, (c) β < α < γ, (d) β − α < 10−12,

(e) α − β < 10−11, (f) β − α < 10−11 , (g) α − β < 10−10 , (h) |β − α| < 10−11,

(i) α − γ < 10−5 , (j) γ − α < 10−5 , (k) |β − γ| < 10−5, (l) |β − γ| < 10−6,

(m) α ∈ Q, (n) α ∈ R − Q, (o) γ ∈ R − Q, (p) γ ∈ Q.

19. Qual e melhor aproximacao de 1:

0, 99999, 1, 00001, ou 1, 0009 ?.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 144 Instituto de Matematica - UFF

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20. Determine a expansao decimal periodica das seguintes fracoes

a =5

7, b =

2

9, c = −

3

5, d = a + c.

21. Diga se as afirmacoes abaixo sao falsas ou verdadeiras e justifique sua resposta.

(a) 0, 5999 . . . < 2√5+1

< 23

(b)2√

5 + 1< 0, 5999 . . . <

2

3

(c) 23

< 2√5+1

< 0, 5999 . . . (d)2√

5 + 1<

2

3< 0, 5999 . . .

22. Responda as seguintes questoes justificando cuidadosamente suas respostas. Caso a

sentenca seja verdadeira exiba uma prova. Caso seja falsa, de um contra-exemplo e, caso

seja possıvel, coloque condicoes para que a sentenca seja verdadeira.

(a) Se α, β ∈ R − Q entao α + β ∈ R − Q ?

(b) Se α, β ∈ R − Q entao α + β ∈ R − Q ?

(c) Se α ∈ R − Q e r ∈ Q∗, entao rα ∈ R − Q ?

23.

(a) Determine r, s ∈ Q que aproximam√

2 com erro < 10−5 e tais que√

2 ∈ (r, s).

(b) Idem para√

3.

(c) Idem para α = 0, 7297299729997 . . . 971 99 . . . 9︸ ︷︷ ︸n

71 99 . . . 99︸ ︷︷ ︸n+1

719 . . . .

24. Determine p, q ∈ N∗ sabendo quep

qe a fracao irredutıvel da dızima 2, 0303 . . .

25. Mostre que se p e primo entao√

p e irracional.

Sugestao. Imite a demonstracao que√

2 e irracional.

26. Mostre que, se p e q sao primos distintos, entao√

pq e irracional.

27. Use o exercıcio anterior para mostrar que, se p e q sao primos distintos, entao√

p +√

q e

irracional.

28. De uma demonstracao ou um contra-exemplo as proposicoes abaixo.

(a) Sejam a, b ∈ R. Se a · b = 1, entao a = 1 ou b = 1.

(b) Sejam a, b ∈ R. Se a · b = 0, entao a = 0 ou b = 0.

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 145 Instituto de Matematica - UFF

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(c) Se r ∈ R e negativo, entao existe s ∈ R tal que |s| = r.

(d) Se x ≥ 0 e√√

x − x = 0, entao x = 0 ou x = 1.

(e) Se um artigo que custava x reais teve seu preco reajustado em trinta por cento, entao o

preco atual do artigo e 1, 3 x reais.

(f) Se x ∈ R e |x| < 1, entao x2 < x < 1.

(g) Se x ≥ 0, entao 0 ≤ x3 < x2 < x < 1.

(h) Se x ∈ R, entao existe um unico y ∈ R tal que y3 = x.

(i) Se x ∈ R, entao existe um unico y ∈ R tal que y2 = x.

(j) Se x ∈ R, −3(x + 5) > −4(1 − x) se e so se 4 − x > 15 + 3x.

(k) Se x, y ∈ R, x2 = y2 se e so se x = y ou x = −y.

(l) Se x, y ∈ R, x < y se e so se x2 < y2.

(m) Se 0 < x < y sao numeros reais, entao

x <√

x y <x + y

2< y.

29. Prove (usando a desigualdade triangular |x + y| ≤ |x| + |y|), que:

Se x, y ∈ R, entao | |x| − |y| | ≤ |x − y| e | |x| − |y| | ≤ |x + y|.

30. Demonstre que, se x, y ∈ R, entao

max{x, y} =1

2(x + y + |y − x|),

determina o maior dentre os numeros x e y, e que

min{x, y} =1

2(x + y − |y − x|),

determina o menor dentre os numeros x e y.

31. Determine valores para a, b ∈ R de modo que as igualdades indicadas abaixo sejam verda-

deiras.

(a)a

a + b+

b

a − b=

a2 + b2

a2 − b2

(b)1

a−

1

a − 1+

1

(a − 1)2=

a2 − 2a + 2

a(a − 1)

(c)b

a−

1

a2−

a + b

a − b=

b(1 − ab) − a(a2 − 1)

a2(a − b)

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 146 Instituto de Matematica - UFF

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32. Sejam a ≥ 0 e b > 0. Qual das desigualdades abaixo e verdadeira?

(a)a + b

a + 1 + b<

a + 1 + b

a + 2 + b(b)

a + b

a + 1 + b>

a + 1 + b

a + 2 + b

33. Diga se as afirmacoes abaixo sao falsas ou verdadeiras.

(a)0, 4

50<

0, 05

6(b) 27, 1.10−1 > 2, 7 (c)

3

0, 7>

40

9

34. Sejam a, b, c, d, x, y ∈ R tais que a < x < b e c < y < d. Diga se as afirmacoes abaixo sao

falsas ou verdadeiras e justifique sua resposta.

(a) a + c < x + y < b + d (b) a − c < x − y < b − d

(c) ac < xy < bd (d)1

d<

1

y<

1

c

35. Mostre que para todo x ∈ R temos:

(a) |x|2 = |x2| = x2 (b) | − x| = |x| (c) |x| ≥ x

36. Resolva as inequacoes e descreva o conjunto solucao como uma uniao de intervalos, dois

a dois disjuntos.

(a) |x| ≤ 2 (b) |x| ≤ a, onde a ≥ 0 (c) |x| ≥ 2 (d) |x| ≥ b, onde b ≥ 0

37. Mostre que

x

|x|=

1 quando x > 0

−1 quando x < 0 .

O que podemos dizer da expressaox

|x|quando x = 0 ?

38. Sejam x, y, z ∈ R tais que x ≥ y e z 6= 0. Diga se e falso ou verdadeiro e justifique sua

resposta.

(a) |x| ≥ |y| (b) |x| ≥ y (c) x2 ≥ y2 (d) |z|x ≥ y|z|

39. Sejam a, b, c ∈ R∗. Diga se as afirmacoes abaixo sao falsas ou verdadeiras e justifique sua

resposta.

(a) a > b =⇒ a2 > b2 (b) a > b =⇒ ac > bc

(c) a2 = b2 =⇒ a = b (d)√

a2 + b2 ≥ a

40. Sejam a, b ∈ R. Mostre que a2 = b2 se, e somente se a = b ou a = −b.

41. Sejam a, b ∈ R∗. Mostre que a2 + b2 > ab.

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42. Sejam a ∈ R+ e n ∈ Z. Mostre que se an = 1 entao n = 0 ou a = 1.

Sugestao. Use o binomio de Newton.

43. Sejam a ∈ (0,∞) e p, q ∈ Z. Mostre que se ap = aq entao a = 1 ou p = q.

44. Sejam a, b ∈ [0,∞). Mostre que a + b = 0 se, e somente se a = 0 = b.

45. Sejam x, y ∈ R. Diga se e falso ou verdadeiro e justifique sua resposta.

(b) Se xy = 1 entao x = 1 e y = 1 ou x = −1 e y = 1,

(b) x2 + y2 = 0 se, e somente se x = 0 = y.

46. Sejam a, b ∈ (0,∞) e n ∈ N∗. Mostre que (a + b)n ≥ an + bn.

47. Sejam a, b ∈ (0,∞) e n ∈ N∗. Mostre que (a + b)n ≥ an + nban−1.

48. Sejam a, b ∈ (0,∞) e n ∈ N∗. Mostre que (a + b)n = an + bn se, e somente se a = 0 = b.

49. Sejam a, b ∈ R. Sob que condicoes podemos garantir que (a + b)3 = a3 + b3 ?

50. Diga se e falso ou verdadeiro e justifique sua resposta.

Sejam x, y, z ∈ R tais que x < 0 e y, z 6= 0. Entao

(a) |y + z| > 0 (b) (x − 1)|z| < 0 (c)x

|x|= −1 (d)

z2

|z|= |z|

51.

(a) Dados tres numeros reais positivos a, b, c e sempre possıvel construir um triangulo cujos

lados medem, respectivamente, a, b, c ?

(b) Dados a, b > 0 determine os valores c para os quais e possıvel construir um triangulo de

lados a, b, c.

(c) Dados a, b > 0 determine o triangulo de maior area possıvel que podemos construir, tendo

dois lados com medida a e b respectivamente. Demonstre que o triangulo que voce construiu,

de fato tem area maxima.

52.

(a) Densidade dos racionais na reta orientada.

Mostre que dados um irracional a entre 0 e 1, e um inteiro n ≥ 1, existe um inteiro qn tal que

0 ≤ qn < n e

0 ≤ a −qn

n<

1

n.

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(b) Densidade dos irracionais na reta orientada.

Seja n ∈ N∗. Mostre que√

2

ne irracional e que

limn→∞

√2

n= 0 .

Conclua daı que os irracionais sao densos na reta.

(c) entre dois racionais distintos existe uma infinidade de irracionais,

(d) entre dois irracionais distintos existe uma infinidade de racionais.

53. Seja A um subconjunto nao vazio de R.

(I) Dizemos que um numero real M e uma cota superior de A quando x ≤ M para todo x ∈ A.

Se A possui uma cota superior, diremos que A e limitado superiormente.

(II) Dizemos que um numero real m e uma cota inferior de A quando m ≤ x para todo x ∈ A. Se

A possui uma cota inferior, diremos que A e limitado inferiormente.

(III) O conjunto A e dito limitado quando ele e limitado superiormente e inferiormente.

Observe que as definicoes que acabamos de apresentar nao contemplam o conjunto vazio . . .

e seria natural que ele admitisse cota superior, cota inferior, e que fosse limitado. Afinal ele e

subconjunto de conjuntos com essas propriedades (vide exercıcios abaixo).

Pois bem, nos entao definimos: todo numero real e cota superior do conjunto vazio, todo numero

real e cota inferior do conjunto vazio, o conjunto vazio e limitado.

(a) Sejam ∅ 6= A ⊂ B ⊂ R. Mostre que toda cota inferior de A e uma cota inferior de B. Enuncie

e demonstre algo parecido para cotas superiores.

Mostre tambem que, se B e limitado entao A e limitado.

(b) Mostre que se M e cota superior de A entao todos os pontos do intervalo [M,∞) tambem o

sao. Faca um enunciado similar para cotas inferiores.

(c) De exemplos de conjuntos que nao admitem cota superior

(d) De exemplos de conjuntos que admitem cota superior mas nao admitem cota inferior

(e) De uma cota superior e uma inferior, caso existam, para os seguintes conjuntos:

(i){

1

n; n ∈ N∗

}(ii) {2n + 1 ; n ∈ Z} (iii)

{1

2n+1; n ∈ N

}(iv) {x ∈ R ; x2 + 1 > 0} (v) {

1

n2 + 1; n ∈ Z} (vi) {x ∈ R ; x2 − 1 < 0}

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

(f) De exemplos de conjuntos que possuem cotas superiores mas tais cotas nao pertencem ao

conjunto. Idem para cotas inferiores.

(g) Uma cota superior do conjunto A que pertence ao conjunto A e dita o maior elemento (ou,

elemento maximal) de A.

(h) Uma cota inferior do conjunto A que pertence ao conjunto A e dita o menor elemento

(elemento mınimo) de A.

(i) De exemplos de conjuntos (nao vazios) que possuem cotas superiores mas nao possuem o

maior elemento.

(j) De exemplos de conjuntos (nao vazios) que possuem elemento maximal mas nao possuem

elemento mınimo.

(k) Ja vimos que se A 6= ∅ tem cota superior (resp. inferior) entao A tem uma infinidade de cotas

superiores (resp. inferiores). Mostre que todo subconjunto ∅ 6= A ⊂ R nao pode ter mais que

um maior elemento (i.e. o elemento maximal e unico). Idem para menor elemento.

(l) Para cada um dos conjuntos descritos abaixo de seu elemento maximal, seu elemento

mınimo, a maior de suas cotas inferiores e a menor de suas cotas superiores.

(i) [−2, 3) , (ii) (∞, 0) , (iii) (1, π] , (iv) (√

3,∞) , (v) [1, 2]

(vi){

1

n; n ∈ Z∗

}∪ {0} , (vii)

{1

n; n ∈ Z∗

}, (viii)

{1

n2; n ∈ Z∗

}(m) Seja A ⊂ R um conjunto nao vazio e limitado superiormente, isto e, possuindo cota superior.

Nos ja observamos que (item (b)) nao existe a maior cota superior de A.

Questao. Existe a menor cota superior de A ?

Existe ! Esta e uma nova propriedade fundamental que admitiremos em R.

Todo conjunto A ⊂ R nao vazio e limitado superiormente tem sua menor cota superior.

Isto e, tem uma cota superior que e menor ou igual a todas as cotas superiores de A. Esta cota

superior especial se designa por sup(A) e se chama o supremo de A, .

Similarmente, todo conjunto A ⊂ R nao vazio e limitado inferiormente tem sua maior cota infe-

rior. Isto e, tem uma cota inferior que e maior ou igual a todas as cotas inferiores de A. Esta

cota inferior especial se designa por inf(A) e se chama o ınfimo de A.

Desafio! Um conjunto A ⊂ R e chamado denso (em R), quando tem a seguinte propriedade:

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 150 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

r ∈ R e k ∈ N∗ existe a ∈ A tal que

−1

k≤ r − a ≤ 1

k.

Equivalentemente, A ⊂ R e denso em R, se para todos r ∈ R e ε > 0 dados, existe a ∈ A tal

que |r−a| < ε. Isto e, todo numero real pode ser aproximado com erro arbitrario por um numero

de A.

Mostre que o conjunto dos racionais com expressao decimal exata e denso em R.

54. Seja a ∈ R tal que −1

k≤ a ≤ 1

k, ∀k ∈ N∗. Mostre que a = 0.

55. Determine o valor dos seguintes limites:

(a) limn→∞

6n + 3

2n + 9. Resp. 3.

(b) limn→∞

2n −√

2

n2 + 2. Resp. 0.

(c) limn→∞

(2 +

45

n

). Resp. 2.

(d) limn→∞

6n2 + 4n − π

8n2 −√

2n +√

3. Resp. 3

4.

(e) limn→∞

n4 + n3 + n2 + n

n3 + n2 + n. Resp. +∞.

(f) limn→∞

n3 +√

5n + 1

3 + 3n − n4. Resp. 0.

(g) limn→∞

1 + 2 + 3 + . . . + n

n2. Resp. 1

2.

(h) limn→∞

12 + 22 + 32 + . . . + n2

n3. Resp. 1

3.

(i) limn→∞

(1 +

(2

3

)n). Resp. 1.

(j) limn→∞

(45

)nn2 − 3n +

(23

)nn2 − 3n +

(12

)n . Resp. 0.

56. Determine (com ajuda de alguma maquina de calcular se achar necessario) os primeiros 10

termos das sucessoes abaixo, e demonstre que elas convergem aos limites indicados:

(a) limn→∞

n

n + 1= 1.

(b) limn→∞

n + 3

n3 + 4= 0.

(c) limn→∞

n!

nn= 0

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

Indicacao: Observe que n! = 2 · 3 · 4 · . . . (n − 1) · n ≤ nn−1.

(d) Para a, b ∈ R, a ≥ 0, b ≥ 0, limn→∞ n

√an + bn = max{a, b}

Indicacao: Tome valores especıficos para a e b apenas para ter uma ideia do valor do limite.

(e) (Desafio!) Se α(n) e o numero de divisores primos de n, entao limn→∞

α(n)

n= 0

Indicacao: Observe que todo numero primo e ≥ 2. Use seus conhecimentos sobre logaritmos e o teorema de decomposicao em fatores primos

do capıtulo 2 para verificar que,log2 n

n≥

α(n)

n≥ 0. Finalmente, use o fato (nao precisa prova-lo) de que lim

n→∞ log2(n)

n= 0.

57. (Desafio!) Demonstre que a sucessao

√2 ,

√2√

2 ,

√2

√2√

2 , . . .

converge e determine o limite (para ter uma ideia do limite, ache com ajuda da maquina de

calcular, os primeiros 10 termos da sucessao).

Indicacao: Verifique primeiro que, se 0 < a < 2, entao a <√

2a < 2. Depois use seguinte fato (nao precisa prova-lo): se limn→∞ an = `, entao

limn→∞ p

2 an =√

2 `.

58. (Exercıcio auxiliar) Use a formula do binomio de Newton para calcular (1 + h)n, depois

verifique que:

(a) Se h > 0 e n ∈ N, entao (1 + h)n ≥ 1 + n h,

(b) Se h > 0 e n ∈ N∗, entao (1 + h)n ≥ 1 + n h + n(n−1)2

h2 ≥ n(n−1)2

h2.

59. Prove que:

(a) Se a > 0, entao limn→∞

1

na= 0.

Indicacao: Dado ε > 0 tome no >“

” 1a . (a) Se (an)n e uma sucessao de numeros reais positivos que

converge a 0 quando n→∞, entao limn→∞

√an = 0.

Indicacao: Use o item anterior.

(b) Se a > 1, entao limn→∞ n

√a = 1.

Indicacao: Escreva n√

a = 1 + hn, verifique, usando item (a) do exercıcio anterior, que 0 < hn < a−1n

.

(c) Se 0 < a < 1, entao limn→∞ n

√a = 1.

Indicacao: Use o item acima.

(d) limn→∞ n

√n = 1.

Indicacao: Escreva n√

a = 1 + hn, verifique, usando item (b) do exercıcio anterior, que 0 ≤ hn ≤q

2n−1

, para n ≥ 2.

60. (Desafio!) Sejam a, r ∈ R, a > 0,

J. Delgado - S. Firmo - P. Nobrega 152 Instituto de Matematica - UFF

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

(a) Seja q ∈ Z+. Prove que, (1 + a)n >nqaq

2qq!, para todo n > 2q.

Indicacao: (1 + a)n > (q + 1)-termo do desenvolvimento de Newton de (1 + a)n > nqaq

2qq!.

(b) Obtenha do item acima que, se q > r: 0 <nr

(1 + a)n<

2qq!

aqnr−q, para todo n > 2q.

(c) Use o item (a) do exercıcio anterior para concluir que limn→∞

nr

(1 + a)n= 0.

Indicacao: Observe que r − q < 0.

(d) Obtenha como conclusao que, se β, r ∈ R e β > 1, entao limn→∞

nr

βn= 0.

61. Determine o valor dos limites abaixo:

(a) limn→∞

3nn + n!

5n + nn.

(b) limn→∞

(n2 + n) 2n

n2(2n + 1).

(c) limn→∞

n3 + 2n2 3n

n3 3n.

62. (Desafio!)

(a) Demonstre que, se {an}n e uma sucessao tal que limn→∞ an = `, entao

limn→∞

a1 + a2 + . . . + an

n= `.

(b) Suponha que an > 0 para todo n ∈ N, e que limn→∞

an+1

an

= `. Demonstre que limn→∞ n

√an = `

(use o fato de que limn→∞ n

√a = 1 para a > 0).

63. Para cada um dos numeros racionais r dados abaixo, determine sucessoes de numeros

racionais distintos (αn)n e (βn)n tais que

α1 < α2 < . . . αn < . . . < r < . . . βn < . . . < β2 < β1

e limn→∞ αn = r = lim

n→∞ βn.

(a) r = 0, 231.

(b) r =7

8.

(c) r = 4, 456.

64. Repita o exercıcio acima com sucessoes de numeros irracionais (αn) e (βn)n.

65. Seja r ∈ R e sejam (αn)n e (βn)n sucessoes de numeros reais distintos tais que

α1 < α2 < . . . αn < . . . < r < . . . βn < . . . < β2 < β1

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

e limn→∞ αn = r = lim

n→∞ βn.

Prove que:

(a) O erro ao aproximar r por αn (respectivamente, por βn) tende a zero quando n→∞.

(b) A distancia de αn a βn tende a 0 quando n→∞.

66. Resolva as seguintes equacoes exponenciais usando as propriedades das potencias de

expoente real.

(a) 8x =√

2.

(b) 9x2−3x − 3x2−x−6 = 0.

(c) 5 · 3x+2 + 2 · 2x+1 + 4 · 3x − 27 · 3x−1 + 9 · 3x−2 = 47.

(d) (2x)2 − 12 · 2x + 32 = 0.

67. Determine o valor das seguintes expressoes:

(a) 1π + 25+√

2 · 25−√

2 − 0π.

(b)(7√

3+√

2)√3−

√2

+ 1π+√

5.

(c)(5√

2)√2

+(5√

3)√3

.

68. Prove que, numa PG, todo termo, a partir do segundo, e a media geometrica entre o anterior

e o posterior. Isto e, se α, β, γ sao termos consecutivos de uma PG, entao β2 = α · γ.

69. Sejam αk , αk+1 , . . . , αk+p , . . . , αq , . . . , αm , αm+1 , . . . , αm+p termos consecutivos de uma

PG (i.e. k, q,m, p ∈ N sao tais que k < q < m e p > 0).

Prove que αk · αm+p = αk+p · αm.

70. Os dois primeiros termos de uma PG sao√

2 e 3√

2. Ache o quarto termo.

71. Numa PG de termos positivos, qualquer termo e igual a soma dos dois posteriores. Qual a

razao dessa PG?

72. Determine o valor de a ∈ R de modo que, 7 − a,√

23 − a e 2 + a, sejam os tres primeiros de

uma PG. Acha tambem o valor da razao da PG.

73. Dez numeros formam uma PG finita de modo que, a soma dos termos de ordem par e 4 e a

soma dos termos de ordem ımpar e 20. Determine a razao dessa PG.

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

74. Ao simplificar a expressao

3√

x · 3

√3√

x ·3

√3

√3√

x ·3

√3

√3

√3√

x · . . .

obtemos

(a) 3√

x (b)1

45(c)

√x (d)

1

2(e) 1

75. O limite da soma dos termos de uma PG e igual a 1. Determine o quarto termo desta PG

sabendo que o primeiro termo e2

3.

76. Uma bolinha e solta de uma altura h sobre o solo. Cada vez que ela bate no solo, sobe, atin-

gindo uma altura 20% menor que a altura anterior. Determine, em termos de h, o comprimento

total percorrido pela bolinha em sua trajetoria, ate atingir o repouso.

77. Na figura abaixo, a regiao A e obtida ao retirar de um semi-cırculo de diametro 1, semi-

cırculos de diametros1

2,1

4,1

8,

1

16, . . . , etc. A regiao B e o complementar da regiao A no cırculo

de raio 1.

Determine a area das regioes A e B.

Fig. 27.

78. Ao simplificar o produto infinito α =√

2 ·√√

2 ·√√√

2 ·

√√√√2 · . . . obtemos:

(a) 1 , (b) 12, (c)

√2 , (d) 2

n2 , (e) 2 .

79. Simplificando o produto infinito β = 1615 ·(16

15

)15

·

((16

15

)15

)15

· . . . obtemos:

(a) 125

, (b) 2 , (c) 5√

2 , (d) 415 , (e) 1 .

80. [O conjunto de Cantor](Desafio!)

O conjunto de Cantor e um subconjunto do intervalo [0, 1] construıdo mediante o seguinte algo-

ritmo recursivo:

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Estagio 0: C0 = [0, 1].

Estagio 1: C1 e a uniao dos intervalos obtidos ao retirar de C0 o terco central aberto. Isto e,

C1 = C0 −

(1

3,2

3

)=

[0,

1

3

]∪[2

3, 1

].

Estagio 2: C2 e a uniao dos intervalos obtidos ao retirar os tercos centrais abertos das partes

de C1. Isto e

C2 = C1 −

(1

9,2

9

)−

(7

9,8

9

)=

[0,

1

9

]∪[2

9,1

3

]∪[2

3,7

9

]∪[8

9, 1

].

etc. . .

Estagio n: Cn e a uniao dos intervalos obtidos ao retirar os tercos centrais abertos das partes

de Cn−1.

etc. . .

Por definicao, o conjunto de Cantor e o conjunto

C = C0 ∩ C1 ∩ C2 ∩ . . . ∩ Cn ∩ . . . .

Observacao: O conjunto de Cantor e nao vazio (de fato, dentre seus infinitos elementos temos 0, 1, todos os numeros da forma 13n , etc).

Calcule a soma dos comprimentos dos intervalos abertos retirados para construir o conjunto de

Cantor.

Fig. 27.

Georg Cantor (1845-1918) matematico alemao, criou a Aritmetica Cardinal (aritmetica dos infinitos), formalizou a Teoria de Conjuntos, e intro-

duziu a nocao de Variedades em topologia.

81. (Desafio!) Refaca a construcao do conjunto de Cantor acima retirando intervalos centrais

abertos de comprimento α vezes o comprimento do intervalo do qual se faz a retirada, onde

(a) 0 < α <1

3(b) 1 > α >

1

3

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Relate suas experiencias e relacione os seus resultados com os do exercıcio acima.

Troque impressoes com seus colegas.

82. Um numero natural e chamado perfeito quando e igual a metade da soma dos seus divisores

naturais.

Por exemplo : 6 e um natural perfeito, pois 1, 2, 3 e 6 sao os seus divisores positivos e 6 = 12(1 + 2 + 3 + 6).

Sabendo que o natural 213 − 1 e primo, mostre que 212 · (213 − 1) e um natural perfeito.

83. Uma progressao aritmetica (PA) e uma sucessao onde cada termo, a partir do segundo, e

obtido do anterior por adicao de uma constante chamada a razao da PA.

Assim, se a, r ∈ R, a PA infinita de primeiro termo a e razao r e a sucessao

a , a + r , a + 2r , a + 3r , . . . , a + (n − 1)r , . . . (∗)

Mostre que, se a1, a2, a3, . . . , an, . . . e uma PA, entao:

(a) A soma dos primeiros n termos da PA e Sn =a1 + an

2· n.

(b) Cada termo da PA, a partir do segundo, e a media aritmetica entre os termos anterior e

posterior. Isto e, para todo n ≥ 2 vale: an =an−1 + an+1

2.

84. Tres exercıcios sobre progressoes aritmeticas

(I) Os numeros 3 , 6 , 10 , 15 , . . . sao chamados numeros triangulares em virtude a associacao

com as figuras abaixo

Fig. 28.

(a) Qual o decimo setimo numero triangular da sucessao dada?

(b) Que numero deve ser somado ao vigesimo nono termo da sucessao, para obter o trigesimo?

(II) Uma sucessao e dita uma progressao harmonica quando os recıprocos dos seus termos

formam uma PA.

Determine a soma dos quatro primeiros termos de uma progressao harmonica, onde 3,4 e 6,

nessa ordem, sao os tres primeiros termos da progressao.

(III) Um numero a e o quarto termo de uma PG de razao 2 e o sexto termo de uma PA de

razao 3. Supondo-se que o primeiro termo da PG seja igual ao dobro do primeiro termo da PA,

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Os Racionais e os Irracionais 3.9 Limites e a PG

determinar a soma dos dez primeiros termos da PG e a soma dos cinco primeiros termos da

PA.

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