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Mecânica Estatística Daniel A. Stariolo Programa de Pós-Graduação em Física Instituto de Física Universidade Federal do Rio Grande do Sul 2014 i

notasdeaula mecâmnica estática

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física

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  • Mecnica Estatstica

    Daniel A. Stariolo

    Programa de Ps-Graduao em FsicaInstituto de Fsica

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    2014

    i

  • Sumrio

    1 Fundamentos da Mecnica Estatstica 11.1 O que a Mecnica Estatstica ? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21.2 Ergodicidade e equilbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

    1.2.1 O Teorema de Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.2.2 A hiptese ergdica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

    1.3 Sistemas qunticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

    2 Teoria de ensembles estatsticos 122.1 O ensemble microcannico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

    2.1.1 Gs ideal monoatmico clssico . . . . . . . . . . . . . . 152.1.2 A formulao de Gibbs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    2.2 O ensemble cannico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192.2.1 A densidade de estados e a funo de partio . . . . . . . 212.2.2 Flutuaes da energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222.2.3 Gs ideal no ensemble cannico . . . . . . . . . . . . . . 25

    2.3 Fluidos clssicos no ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262.4 O ensemble Grande Cannico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

    2.4.1 Flutuaes no nmero de partculas . . . . . . . . . . . . 362.4.2 Adsoro em superfcies . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

    3 Estatsticas qunticas 423.1 Sistemas de partculas indistinguveis . . . . . . . . . . . . . . . 423.2 Gases ideais qunticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

    3.2.1 O gs de Maxwell-Boltzmann e o limite clssico . . . . . 473.2.2 Estatstica de Bose-Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . 513.2.3 Estatstica de Fermi-Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

    ii

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 iii

    4 Gs ideal de Bose-Einstein 524.1 A condensao de Bose-Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . 524.2 Radiao de corpo negro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

    4.2.1 A lei de Planck . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 644.2.2 O gs de ftons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

    5 Gs ideal de Fermi-Dirac 685.1 Gs de Fermi completamente degenerado

    (T = 0) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 705.2 Gs de Fermi degenerado (T TF ) . . . . . . . . . . . . . . . . 715.3 Magnetismo em um gs ideal de frmions . . . . . . . . . . . . . 75

    5.3.1 Paramagnetismo de Pauli . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

    6 Interaes, simetrias e ordem em matria condensada 816.1 Lquidos e gases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 816.2 Redes cristalinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 826.3 Sistemas magnticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 856.4 Entre os lquidos e os cristais: os cristais lquidos . . . . . . . . . 896.5 Simetrias e parmetros de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

    7 Transies de fase e fenmenos crticos 987.1 O modelo de Ising em d = 1: soluo exata . . . . . . . . . . . . 987.2 Teoria de campo mdio do modelo de Ising . . . . . . . . . . . . 103

    7.2.1 Aproximao de Bragg-Williams . . . . . . . . . . . . . 1037.3 A teoria de Landau de transies de fase . . . . . . . . . . . . . . 108

    7.3.1 Transies de fase continuas . . . . . . . . . . . . . . . . 1097.3.2 Transies de primeira ordem na teoria de Landau . . . . 113

    7.4 Flutuaes do parmetro de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . 1147.5 Funes de correlao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

    7.5.1 Correlaes na teoria de Landau . . . . . . . . . . . . . . 1217.6 Sistemas com simetria O(n) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1237.7 Validade da teoria de campo mdio: o critrio de Ginzburg . . . . 126

    Referncias Bibliogrficas 132

  • Captulo 1

    Fundamentos da MecnicaEstatstica

    1

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 2

    1.1 O que a Mecnica Estatstica ?A Termodinmica uma teoria macroscpica, com um formalismo elegante, degrande generalidade, construido sobre poucas hipteses fundamentais. O conceitocentral da termodinmica a entropia, a qual definida de forma um tanto abs-trata, atravs de um princpio variacional que determina que, em um sistemaisolado, o estado de equilbrio termodinmico do sistema aquele estado macros-cpico para o qual a entropia mxima. A Termodinmica descreve os efeitosmacroscpicos de sistemas formados por um grande nmero de entes microsc-picos, sejam partculas, clulas, spins, etc. que obedecem as leis fundamentais daMecnica Clssica (leis de Newton) ou da Mecnica Quntica (equao de Sch-roedinger), segundo o caso. Uma descrio microscpica destes sistemas deveento partir necessariamente das leis da Mecnica. A Mecnica Estatstica umateoria probabilstica que estabelece a conexo entre os dois nveis de descrio:o macroscpico (Termodinmica) e o microscpico (Mecnica).

    Ao tentar descrever as propriedades de um sistema formado por um grandenmero de partculas se torna necessrio recorrer a uma descrio probabilsticado estado de um sistema. Um estado microscpico, ou microestado de um sis-tema de N partculas, corresponde ao conjunto dos graus de liberdade do mesmo,por exemplo as 3N coordenadas e os 3N momentos generalizados em um sis-tema clssico, ou ao conjunto de nmeros qunticos que caracterizam a funo deonda de um sistema. O conjunto de microestados compatveis com os valores dasvariveis macroscpicas do sistema , como a energia interna U , o volume V e onmero de partculas N , constitui um macroestado ou estado macroscpico.

    Descrever o estado microscpico exato de um conjunto de N partculas paratodo tempo uma tarefa formidvel. No entanto, o estado de equilbrio termo-dinmico determinado em funo de umas poucas variveis. Alm do mais, deum ponto de vista prtico ou aplicado, resulta mais importante conhecer proprie-dades globais ou macroscpicas da matria, como a temperatura ou a presso, doque a posio e velocidade de um partcula individual em um gs ou lquido. Oprograma da Mecnica Estatstica associar um peso ou probabilidade de ocor-rncia aos diferentes microestados e predizer o resultado mdio de um conjuntogrande de medidas de um observvel dado. A prpria teoria fornece, por sua vez,uma predio das flutuaes que podem ocorrer nestas medidas. Como estamosfalando de resultados mdios em um nmero grande de medidas ou observaes,vamos desenvolver um formalismo de ensembles ou conjunto de sistemas idn-ticos, em oposio a anlise de um sistema particular. Essa outra caractersticafundamental da Mecnica Estatstica.

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 3

    A Mecnica Estatstica moderna, tal vez mais do que qualquer outra rea daFsica, encontra aplicaes em praticamente todas as cincias exatas e alm. Em-bora se originou do esforo de encontrar uma conexo entre a mecnica das part-culas e a Termodinmica, o formalismo estatstico se mostrou extremamente gerale til na predio de propriedades to dspares quanto a ocorrncia ou no de su-percondutividade de um material, a evoluo de preos de produtos na bolsa devalores, a probabilidade de ocorrncia de um terremoto ou a morfologia tpica deuma colnia de clulas em um tecido vivo.

    Por motivos histricos, a Mecnica Estatstica foi desenvolvida inicialmentepara predizer propriedades macroscpicas de sistemas em equilbrio termodin-mico. Nesse caso falamos de Mecnica Estatstica do equilbrio. No entanto,os fundamentos da Mecnica Estatstica esto na Mecnica, ou seja, nos sistemasdinmicos. A grande maioria dos sistemas de interesse , fsicos ou no, no seencontram em equilbrio, como por exemplo os sistemas biolgicos ou problemasdinmicos como a evoluo de preos nas bolsas de valores. Para descrever estessistemas em uma abordagem probabilistica necessrio desenvolver uma Mec-nica Estatstica fora do equilbrio, os mtodos para descrever o equilbrio no sosuficientes e novas tcnicas so necessrias para lidar com a varivel temporal.Embora muito se sabe na atualidade sobre processos fora do equilbrio, ainda nose conta com um formalismo razoavelmente simples, compacto e poderoso, comoa teoria de ensembles para o equilbrio. No presente curso, de extenso semestral,faremos apenas uma abordagem inicial ao problema dinmico, com o nico in-tuito de conectar o problema mecnico com o equilbrio estatstico. Um conceitofundamental neste caminho o de ergodicidade.

    1.2 Ergodicidade e equilbrio1.2.1 O Teorema de LiouvilleConsideremos um sistema clssico de N partculas, isolado em um volume V ,cuja dinmica obedece as equaes de Hamilton. Um microestado deste sistemafica definido pelos valores instantneos das 3N coordenadas generalizadas qi e os3N momentos generalizados pi:

    dqidt

    =H(p, q)

    pidpidt

    = H(p, q)qi

    (1.1)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 4

    onde i = 1, . . . , 3N , H(p, q) o Hamiltoniano do sistema e (p, q) representa umvetor do espao de fase com 6N componentes. Como o sistema isolado, H nodepende explicitamente do tempo, o sistema conservativo e H uma constantedo movimento que corresponde a energia mecnica:

    H(p, q) = E. (1.2)A identidade anterior define uma superfcie de energia no espao de fase. A evo-luo do sistema conservativo descrita por uma trajetria ou curva no espaode fase sobre a superfcie de energia. Como na Mecnica Clssica cada condioinicial (p0, q0) determina de forma unvoca e evoluo do sistema, trajetrias noespao de fase nunca se cruzam.

    Para uma dada energia E do sistema, existe um conjunto infinito de microes-tados. Definimos a funo (p, q, t) como sendo a densidade de probabilidade deencontrar o sistema em um elemento de volume dp dq no espao de fase ao tempot. O conjunto de pontos (p, q) cuja probabilidade ao tempo t (p, q, t)dp dq for-mam um ensemble estatstico. Cada ponto representa uma cpia exata do sistemaem um microestado diferente. O conceito de ensemble estatstico foi introdu-zido por Josiah Willard Gibbs (1839-1903) na segunda metade do sculo XIX eocupa um rol fundamental no formalismo e interpretao da Mecnica Estatsticado equilbrio. A densidade de probabilidade deve estar normalizada para todotempo:

    (p, q, t) dp dq = 1, (1.3)

    onde a integrao se extende a todo o espao de fase .Para obter as equaes que regem a dinmica do sistema de N partculas co-

    meamos considerando que o nmero de partculas se deve conservar. Considere-mos a probabilidade de encontrar o sistema dentro de um volume V0, limitado poruma superfcie S0. A medida que o tempo passa algumas trajetrias saem de V0 ea probabilidade correspondente P (V0) muda. Como a probabilidade total con-servada, eq. (1.3), e as trajetrias no se cruzam, a variao da probabilidade novolume V0 deve corresponder ao fluxo da mesma atravs da superfcie S0, comoacontece em um fluido:

    dP (V0)

    dt=

    t

    V0

    (p, q, t) dp dq = S0

    ~n ~J dS (1.4)

    onde ~J = ~v uma corrente de probabilidade, ~v = {qi, pi} a velocidade (genera-lizada) de um ponto no espao de fase e ~n um vetor unitrio normal superfcie

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 5

    S0. Usando o Teorema de Gauss:V0

    t(p, q, t) dp dq =

    V0

    (~ ~J) dp dq (1.5)

    Como V0 arbitrrio ento:

    d

    dt+ ~ (~v) = 0 (1.6)

    Mas

    ~ ~v = qq

    +p

    p

    =3Ni=1

    [

    qi

    (H

    pi

    )+

    pi

    (Hqi

    )]= 0 (1.7)

    Ento:

    t+ ~v ~ = 0 ou d

    dt= 0 (1.8)

    A equao anterior se conhece como o Teorema de Liouville. Diz que a derivadatotal, ou derivada convectiva de no espao de fase nula para qualquer ponto equalquer instante. Podemos interpretar ento a evoluo dos pontos do ensembleestatstico no espao de fase como sendo anlogos a um fluido incompressvel.Notando que

    ~v ~ = q q

    + p

    p=

    H

    p

    q H

    q

    p= {,H} , (1.9)

    onde {,H} o parntese de Poisson entre e H , podemos reescrever o Teoremade Liouville da seguinte forma:

    t= {,H} . (1.10)

    Em equilbrio, no depende explicitamente do tempo, uma constante do mo-vimento, e ento {,H} = 0. Esta condio se pode satisfazer, por exemplo, se for uma funo explcita de H , ou seja, se (p, q) [H(p, q)]. O caso mais sim-ples corresponde a = cte. Agora estamos em condies de enunciar o PostuladoFundamental da Mecnica Estatstica.

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 6

    Postulado de igual probabilidade a priori

    Para formular o mesmo de forma transparente conceitualmente, vamos relaxara condio que a energia seja estritamente constante, permitindo ento que flutueentre dois valores prximos E e E + , com E. Isto pode ser justificadopelo fato de, na realidade, no existirem sistemas perfeitamente isolados. A pos-teriori vamos ver que esta condio no afeta os resultados no limite de sistemasgrandes, que sero independentes de . No entanto, pode ser mostrar que a quan-tidade fundamental no postulado, que o volume no espao de fase ou nmero demicroestados de energia E, (E) , uma funo irregular de E, enquanto que aintegral em um intervalo bem comportada.

    Em um sistema em equilbrio com energia entre E e E + , todos os micro-estados acessveis so igualmente provveis.

    Formalmente:

    (p, q) =

    { 1(E)

    se E H(p, q) E +0 caso contrrio (1.11)

    onde(E) =

    EH(p,q)E+

    dp dq (1.12)

    o volume do espao de fase ocupado pelo sistema. Os pontos nesse volumedefinem um ensemble conhecido como o ensemble microcannico.

    1.2.2 A hiptese ergdicaA mdia temporal de uma funo f(p, q) ao longo de uma trajetria no intervalode tempo (t0, t0 + T ) definida como

    fT = 1T

    t0+Tt0

    f(p(t), q(t)) dt (1.13)

    A mdia de ensemble do mesmo observvel definida como

    fe =

    f(p, q) (p, q) dp dq (1.14)

    =1

    (E)

    EH(p,q)E+

    f(p, q) dp dq (1.15)

    Um sistema considerado ergdico se f = fe = limTfT

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 7

    A hiptese ergdica, introduzida por Ludwig Eduard Boltzmann (1844-1906),consiste em assumir que sistemas com N 1 so ergdicos. Este um postuladoque em geral s pode ser verificado a posteriori, pelas consequncias sobre ocomportamento do sistema.

    A ergodicidade de um sistema pode ser de utilidade para obter valores mdiosde observveis em tempos relativamente curtos durante uma srie de experimen-tos repetidos, ou ento em uma srie de simulaes computacionais. Suponhamosque rodamos uma simulao de dinmica molecular de um lquido clssico, e que-remos calcular o valor quadrtico mdio da velocidade das partculas. Se fazemosmdias temporais deveremos tomar a mdia de velocidades instantneas medi-das a intervalos mais ou menos regulares durante uma simulao muito longa, deforma a garantir que uma amostragem significativa das velocidades foi feita. Noentanto, se contamos com a posibilidade de rodar muitas simulaes idnticas emparalelo, poderemos apreitarmos da ergodicidade do sistema e calcular a mesmamdia tomando valores das velocidades nos diferentes sistemas, sendo que emcada um deles podemos rodar simulaes de muito menos tempo. Ou seja, noprimeiro caso fazemos uma mdia temporal, uma amostragem na linha do tempo,no segundo fazemos uma mdia no ensemble, uma srie de amostragens menoresnos diferentes sistemas. Se o sistema fsico for ergdico, ambas a mdias devemcoincidir.

    A hiptese ergdica, de certa forma, justifica o postulado e igual probabilidadea priori, pois implica que, se um sistema ergdico, a frao de tempo que elepassa em uma regio restrita do espao de fase acessvel proporcional ao volumedessa regio, e no as posies particulares na superfcie de energia ocupadas pelosistem em um determinado tempo. Isto se pode ver da seguinte forma: sejaR umaregio com R . Definimos:

    R(p, q) =

    {1 se (p, q) R0 caso contrrio (1.16)

    O tempo que o sistema passa em R durante o intervalo T dado por R = t0+Tt0

    (p(t), q(t)) dt. Se o sistema ergdico

    limT

    RT T = 1

    (E)

    EH(p,q)E+

    (p, q) dp dq =(R)

    (E), (1.17)

    ou seja, a frao de tempo que o sistema passa em uma dada regio R igual frao de volume do espao de fase ocupado pela mesma regio.

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    Formalmente, muito difcl demonstrar que um dado sistema Hamiltoniano ergdico. Sistemas dissipativos, como um pndulo amortecido, so claramenteno-ergdicos, pois a tempos longos tendem a ficar confinados em um pequeno su-bespao (chamado atrator) do espao de fase acessvel inicialmente. Mesmo emsistemas conservativos aparentemente simples, como no famoso problema dos trscorpos interagindo gravitacionalmente, foi s no sculo XX que o Teorema KAM(de Kolmogorov, Arnold e Moser) mostrou que existe um conjunto de medida nonula de trajetrias no espao de fase que ficam aproximadamente confinadas, eque correspondem a conjuntos particulares de condies iniciais. Essas trajetriasse encontram misturadas no espao de fase a muitas outras com aparncia maiscatica, ou ergdicas. Pensando que a existncia desses estados previstos peloTeorema KAM era uma propriedade exclusiva de sistemas formados por poucaspartculas, depois da Segunda Guerra Mundial, Fermi, Pasta e Ulam fizeram umadas primeiras simulaes computacionais de um sistema de osciladores anarm-nicos unidimensionais com o intuito de estudar as propriedades de ergodicidadede um sistema de muitas partculas. Os resultados que obtiveram no foram os es-perados, de fato foi encontrado que a taxa de transferncia de energia entre modosde oscilao era extremamente lenta e, nos tempos acessveis da simulao, mui-tas condies iniciais levavam a trajetrias mais parecidas a ciclos limite do quea trajetrias ergdicas. De fato, ergodicidade violada rigorosamente nas fasescom simetrias quebradas nas transies de fases, como na passagem de um lquidoa um slido. O sistema no estado slido no ir mais explorar todas as configu-raes de igual energia que o sistema original, no estado lquido, podia explorar.No entanto, essas limitaes da hiptese ergdica, formais as vezes ou prticasem outras, no limitam de forma substancial o poder de predio da MecnicaEstatstica do equilbrio, como vamos ver no decorrer do curso.

    1.3 Sistemas qunticosEm Mecnica Quntica os estados microscpicos de um sistema so definidos pelafuno de onde (q), soluo da equao de Schrdinger. Como esta tem umainterpretao probabilstica, intrnseca ao formalismo quntico, devemos redefiniro conceito de ensemble para sistemas qunticos.

    A funo de onda (q) pode ser desenvolvida em termos dos elementos deuma base ortonormal de autofunes de algum operador:

    (q) =n

    cnn(q) (1.18)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 9

    onde |cn|2 a probabilidade de encontrar o sistema no autoestado n.O valor esperado (quntico) de um observvel O dado por

    |O| =

    (q)O(q) dq

    =m,n

    Omncncm (1.19)

    onde Omn = m|O|n so os elementos de matriz do operador O na base consi-derada. Em um sistema formado por muitos corpos existiro muitos microestadosi(q) compatveis com os vnculos macroscpicos, e estes sero a base para defi-nir um ensemble. Notar que, neste caso, i(q) uma funo de onda de N corpos,a funo de onda do sistema completo. Explicitamente:

    i(q) =n

    cin n(q) (1.20)

    e

    i|O|i =m,n

    Omncinc

    im (1.21)

    representa o valor esperado quntico do operador O no microestado i(q). Seagora associamos a cada microestado uma probabilidade de ocorrncia pi, a mdiade ensemble do observvel O dada por:

    O =i

    pii|O|i

    =i

    pim,n

    Omncinc

    im (1.22)

    Podemos definir uma matriz de elementos nm:

    nm =i

    picinc

    im (1.23)

    tal queO =

    m,n

    nmOmn (1.24)

    O operador cujos elementos de matriz na base ortonormal de autoestados n soos nm conhecido como operador densidade ou matriz densidade:

    nm =

    n(q)

    m(q) dq n||m (1.25)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 10

    Com esta definio, a mdia no ensemble de um operador O pode ser escrita como

    O =n

    (O)nn

    = Tr O = Tr O (1.26)

    Notemos que

    Tr =n

    nn =i

    pin

    |cn|2 =i

    pi = 1, (1.27)

    o que permite interpretar o elemento nn como a probabilidade de encontrar osistema no autoestado n.

    O operador densidade se pode expressar tambm em forma matricial:

    =i

    piii (1.28)

    onde

    i =

    ci1.

    .

    .

    cil.

    .

    .

    e i =

    (ci1 , . . . c

    il , . . .

    ) (1.29)

    Os microestados satisfazem a equao de Schroedinger ihi/t = Hi. Trans-pondo e tomando o complexo conjugado obtemos:

    ihi

    t= iH = iH (1.30)

    onde usamos o fato que H hermitiano. Com este resultado e a definio (1.28)pode-se mostrar que satisfaz

    ih

    t=

    [, H

    ](1.31)

    onde o lado direito representa o comutador de e H. Este resultado correspondeao Teorema de Liouville para sistems qunticos descritos por uma matriz densi-dade .

    Postulado de igual probabilidade a priori para um sistema quntico

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 11

    Seja n um autoestado de uma base ortonormal do Hamiltoniano H . En-to Hn = Enn. Para um sistema isolado com energia entre E e E + E,seja {l, l = 1, . . . ,M(E)} o conjunto de autoestados de energia E. Ento, opostulado de igual probabilidade a priori, para o caso de um sistema quntico,corresponde a

    ll =

    { 1M(E)

    para l = 1, 2, . . . ,M(E)0 para o resto (1.32)

  • Captulo 2

    Teoria de ensembles estatsticos

    2.1 O ensemble microcannicoO postulado de igual probabilidade a priori permite determinar a probabilidadede encontrar o sistema em um microestado compatvel com os vnculos macros-cpicos, e a partir da probabilidade podemos determinar valores mdios de ob-servveis como energia, magnetizao, etc. Para obter uma conexo com a ter-modinmica temos que estabelecer uma definio microscpica para a entropia,que o potencial termodimico relevante em sistemas com energia fixa. Como aprobabilidade uma funo do nmero de microestados, e ela uma quantidadefundamental, razoavel pensar que a entropia tambm ser funo do nmero demicroestados. Em um distema quntico, com nveis de energia En discretos, a de-finio do nmero de microestados W (E) de energia E imediato. No caso cls-sico necessrio definir um volume unitrio no espao de fase, que um espaocontinuo, tal que permita contar o nmero de microestados, e que seja compatvelcom a Mecnica Quntica em algum limite apropriado. O Princpio de Incertezade Heisenberg, pq h, implica a existncia de um volume minimo no es-pao de fase, Vmin h, tal que resulta impossvel identificar estados fsicos emescala menor que a constante de Planck h. Definimos ento W (E) = (E)/h3Ncomo sendo o nmero de clulas unitrias no espao de fase correspondentes aum volume (E) nesse espao.

    Para definirmos uma entropia que seja compatvel com o formalismo termodi-nmico, esta deve ser

    Aditiva Satisfazer a segunda lei da Termodinmica.

    12

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 13

    Figura 2.1: Dois sistemas separados por uma parede adiabtica, fixa e imperme-vel.

    Consideremos dois sistemas no interagentes com W1 e W2 microestados res-pectivamente. O nmero total de microestados do sistema composto ser W =W1 W2. Agora, como de acordo com a Termodinmica a entropia deve ser adi-tiva, S(W ) = S(W1) + S(W2), deve ser uma funo proporcional ao logaritmode W . Definimos ento a entropia como:

    S(E) = kB lnW (E). (2.1)

    Vamos verficar se esta definio satisfatria, ou seja, se obedece os dois requisi-tos de compatibilidade com a termodinmica citados acima. Consideremos agoraos subsistemas (1) e (2) separados por uma parede adiabtica, fixa e impermevel,como mostra a figura 2.1, de forma que H(p, q) = H1(p1, q1) +H2(p2, q2).

    A entropia de cada subsistema dada por:

    S1(E1, V1, N1) = kB ln(1(E1)/h

    3N)

    S2(E2, V2, N2) = kB ln(2(E2)/h

    3N) (2.2)

    Qual a entropia do conjunto ? O volume total do espao de fase (E) =1(E1) 2(E2), onde E = E1 + E2. A entropia do sistema completo ento

    S(E, V,N) = kB ln((E)/h3N

    ) (2.3)= kB ln

    (1(E1)/h

    3N)+ kB ln

    (2(E2)/h

    3N)

    = S1(E1, V1, N1) + S2(E2, V2, N2)

    que satisfaz a condio de aditividade. Resta verificar se a definio de Boltzmannsatisfaz a segunda lei. Para isto suponhamos que removemos a parede adiabtica e

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 14

    permitimos que os subsistemas troquem energia (parede diatrmica). Desta formaa energia de cada subsistema poder variar entre 0 e E, tal que E1 + E2 = Epermanea fixa em todo momento. O nmero de microestados do sistema totalcom energia E, para um valor fixo de E1 pode ser escrito como:

    W (E,E1) =(E,E1)

    h3N=

    1

    h3N1(E1)2(E E1) (2.4)

    O nmero total de microestados compatvel com a energia E ser dado pela somade W (E,E1) para todos os valores de E1 entre 0 eE. Se discretizamos o espectrode energias em intervalos de largura , podemos escrever

    (E) =

    E/i=1

    1(Ei)2(E Ei) (2.5)

    O nmero de microestados cresce com a energia, ento como (E) uma fun-o montona crescente de E, quando 1(Ei) cresce, 2(E Ei) decresce, eviceversa. Se conclui que (E) deve passar por um mximo em algum valor0 Ei E. Sejam E1 e E2 = E E1 os valores das energias para as quais1(E1)2(E2) mximo. Ento se deve satisfazer que

    1(E1)2(E2) (E) E1(E1)2(E2) (2.6)

    ou

    ln[1(E1)2(E2)

    ] ln (E) ln(E

    )+ ln

    [1(E1)2(E2)

    ] (2.7)Analisemos a ordem de grandeza destes termos. Em geral o nmero de mi-croestados cresce exponencialmente com o nmero de partculas, de forma queln i Ni, ou seja, a entropia extensiva. No entanto, a energia cresce proporci-onalmente a N : E N = N1+N2. Desta forma, no limite quando N1, N2 o termo em ln

    (E

    )se torna desprezvel frente a ln e por tanto a relao (2.7)

    satisfeita como uma igualdade. Assim, a entropia do sistema total dada por:

    S(E, V,N) = S1(E1, V1, N1) + S2(E2, V2, N2) +O(lnN) (2.8)

    A entropia (2.1) aditiva e extensiva, e os subsistemas tomam valores de ener-gias E1 e E2 que maximizam o nmero total de estados acessveis. No limite

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 15

    termodinmico este resultado corresponde a segunda lei da Termodinmica 1Ainda considerando que a probabilidade dos subsistemas se encontrarem com

    energiasE1 eE2 ser proporcional ao nmero de microestados compatveis, temosque

    lnP (E,E1) = cte + ln(E1) + ln(E E1) (2.9)Maximizando em relao a E1 obtemos

    lnP (E,E1)

    E1=

    ln (E1)

    E1 ln (E E1)

    E2= 0 (2.10)

    Agora usando a definio de entropia de Boltzmann a relao anterior resultaequivalente a

    S1E1

    E1=E1

    =S2E2

    E2=E2

    (2.11)

    e fazendo uso da relao termodinmica entre entropia e temperatura concluimosque

    1

    T1=

    1

    T2, (2.12)

    que corresponde condio de equilbrio trmico. Vemos ento que a condiode equilbrio trmico entre dois sistemas equivale a maximizar a entropia do con-junto.

    2.1.1 Gs ideal monoatmico clssicoConsideremos um gs de N partculas clssicas em um volume V . O Hamiltoni-ano do gs clssico de partculas no interagentes :

    H =3Ni=1

    p2i2m

    (2.13)

    1 fcil mostrar que esta formulao variacional da segunda lei equivalente a condio deirreversibilidade, ou seja, se um sistema isolado em equilbrio passa de um estado a outro estado deequilbrio a entropia no pode diminiur. Em outras palavras, o nmero de microestados acessveis maximizado no processo. No exemplo do gs simples de partculas no interagentes como o dafigura 2.1, a concluso que se permitimos que ambos os sistemas troquem energias o sistematotal ir equilibrar em um estado que maximize o nmero de microestados acessveis, e nunca ocontrrio.

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 16

    O volume do espao de fase com energia entre E e E + dado por

    (E, V,N) =

    EH(p,q)E+

    dp dq. (2.14)

    No entanto, um clculo rigoroso desta quantidade mostra que a dependncia comE muito irregular [1]. Resulta mais conveniente calcular a quantidade:

    (E, V,N) =

    H(p,q)E

    dp dq, (2.15)

    de forma que (E) = (E+)(E). possvel mostrar que quandoN ,(E) e (E) diferem em termos O(lnN). Por tanto, se estamos interessados nolimite termodinmico, podemos escrever

    S(E, V,N) = kB ln

    ((E, V,N)

    h3N

    )(2.16)

    onde(E, V,N) =

    HE

    dp dq = V N3N (R) (2.17)

    e onde 3N (R) o volume de uma hiperesfera de dimenso 3N e raio R =2mE:

    3N (R) = C3N E3N2 (2.18)

    Assim,

    S(E, V,N) = kB ln

    (V N C3N E

    3N2

    h3N

    )(2.19)

    possvel calcular C3N (ver, por exemplo, [1, 2]). Aproximando a expressoresultante para N 1 obtemos:

    S(E, V,N) =3

    2NkB +NkB ln

    [V

    (4m

    3h2E

    N

    )3/2](2.20)

    Invertendo esta expresso podemos obter a energia interna como funo de S, Ne V , e a partir dali podemos obter as equaes de estado do gs ideal e demaisgrandezas termodinmicas. No entanto, podemos notar que se multiplicarmos E,V eN por um fator arbitrrio resulta S(E, V, N) 6= S(E, V,N). Ou seja, aentropia que obtivemos no uma funo homognea como deve ser um potencial

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 17

    termodinmico. Em particular, a forma obtida da entropia no extensiva ! J. W.Gibbs resolveu este problema de forma emprica, operacional, postulando que onmero de microestados no clculo anterior foi superestimado e propondo umfator de correo (E) (E)/N ! que leva em conta a indistinguibilidade daspartculas do gs ideal. Podemos entender o problema na contagem considerandoa entropia de dois sistemas inicialmente isolados que so depois misturados. Aentropia de mixing viola a extensividade e leva ao chamado Paradoxo de Gibbs [1,2, 3, 4]. Incluindo o fator N ! e refazendo o clculo se chega a seguinte expressopara a entropia:

    S(E) =3

    2NkB

    [5

    3+ ln

    (4m

    3h2

    )]+NkB ln

    [V

    N

    (E

    N

    )3/2](2.21)

    Esta expresso extensiva e se conhece como Frmula de Sackur e Tetrode. Aintroduao ad hoc do fator de contagem de Gibbs aparece de forma natural emsistemas qunticos de partculas indistiguveis e ser visto quando tratemos o pro-blema dos gases ideais qunticos.

    2.1.2 A formulao de GibbsJ. W. Gibbs props uma expresso para a entropia alternativa a de Boltzmann eque permite formular a teoria a partir de um princpio variacional. Se (p, q) adensidade de probabilidade de equilbrio, a entropia de Gibbs dada por:

    S = kBln (C) (2.22)

    onde C uma constante que vale h3N para um sistema clssico e C = 1 para umsistema quntico. A mdia deve ser calculada em relao a prpria distribuio .No caso clssico:

    S = kB

    (p, q) ln[h3N(p, q)

    ]dp dq (2.23)

    Agora postulamos que a densidade de equilbrio aquela que maximiza a entro-pia de Gibbs, sujeita aos vnculos macroscpicos. Para um sistema no ensemblemicrocannico, onde E,V e N so fixos, o vnculo adicional de normalizao dasprobabilidades exigido:

    (p, q) dp dq = 1. (2.24)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 18

    Vnculos podem ser considerados no princpio variacional via multiplicadores deLagrange. Sendo a entropia de Gibbs um funcional da densidade de probabili-dade, a condio de extremo (mximo) pode ser expressa na forma:

    [S[] 0

    dp dq

    ]= 0 (2.25)

    onde indica uma variao funcional e 0 o multiplicador que impe a norma-lizao das probabilidades. Desenvolvendo a variao obtemos:

    S[+ ] S[] 0[+ ] dp dq = 0 (2.26)

    kB {

    (+ ) ln [h3N (+ )] ln (h3N)} dp dq 0

    dp dq = 0

    Expandindo at primeira ordem em (kB kB ln [h3N] 0) dp dq = 0 (2.27)Como arbitrrio, se obtm

    (p, q) =1

    h3Ne0/kB1. (2.28)

    A densidade de probabilidade microcannica uma constante, como esperado.Resta determinar o valor do multiplicador de Lagrange 0. Ele fixado pelacondio de normalizao da probabilidade, resultando:

    (p, q) =1

    (E)se E H(p, q) E + (2.29)

    Notamos que, neste caso de um sistema isolado, a distribuio equiprovvel aque maximiza a entropia de Gibbs ( a segunda variao permite mostrar que oextremo obtido , de fato, um mximo). Substituindo na definio:

    S(E) = kBln (h3N) = kB(E)

    ln[h3N/(E)

    ]dp, dq (2.30)

    ou

    S(E) = kB ln

    ((E)

    h3N

    )(2.31)

    que coincide com a expresso da entropia de equilbrio microcannica.

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 19

    2.2 O ensemble cannicoEm geral os sistemas no so isolados. Suponhamos um sistema que possa trocarcalor com um reservatrio trmico a temperatura T . O sistema composto consi-derado isolado, com energia E0 = ES+ER fixa. Vamos supor ainda que o sistemae o reservatrio esto separados por uma parede diatrmica, rgida e imperme-vel. No equilbrio, a probabilidade de encontrar o sistema em um microestadoparticular j, independentemente do estado do reservatrio, ser dado por

    Pj = cWR(ER) = cWR(E0 Ej) (2.32)

    com c uma constante e WR(ER) o nmero de estados microscpicos do reserva-trio com energia ER = E0 Ej . Como Ej E0:

    lnPj = ln c+ lnWR(E0) + lnWR(ER)

    ER

    ER=E0

    (Ej) +O(E2j )(2.33)

    Da definio de entropia e as condies de equilbrio:

    lnWR(ER)

    ER

    ER=E0

    =1

    kBT(2.34)

    onde T a temperatura do reservatrio. Portanto a probabilidade proporcional aexp (Ej), com = 1/kBT . A constante de proporcionalidade pode ser fixadaexigindo a normalizao das probabilidades,

    j Pj = 1, dando como resultado:

    Pj =eEji e

    Ei =1

    kBT(2.35)

    O ensemble cannico e constitudo pelo conjunto de microestados de um sistemaem contato com um reservatrio trmico a temperatura T cujas probabilidades sodadas por (2.35).

    Consideremos agora um sistema quntico em contato com um reservatriotrmico. Vamos obter novamente a probabilidade dos microestados do sistemapartindo do princpio variacional de Gibbs. Em equilbrio a energia mdia fixa:

    U = E = Tr(H) =n

    nnEn (2.36)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 20

    onde o operador densidade e os ns so nmeros qunticos correspondentesa uma base de autoestados do operador Hamiltoniano de N partculas e que dia-gonaliza simultaneamente ambos operadores e H . A entropia de Gibbs dadapor

    S = kBln = kBn

    nn ln nn (2.37)

    A densidade de probabilidade de equilbrio deve ser aquela que maximize a en-tropia de Gibbs. Considerando que as probabilidades devem estar normalizadas,Tr =

    n nn = 1, devemos introduzir dois multiplicadores de Lagrange e cal-

    cular a variao da expresso resultante:

    [Tr(0+ 1H kB ln

    )]=

    n

    (0nn + 1nnEn kBnn ln nn) =n

    [(0 kB) + 1En kB ln nn] nn = 0, (2.38)

    onde a ltima linha corresponde variao de primeira ordem. Como esta arbi-trria obtemos

    nn = exp

    [(0kB

    1)+

    1kB

    En

    ](2.39)

    Da condio de normalizao obtemos

    exp

    (1 0

    kB

    )=n

    exp

    (1kB

    En

    )= ZN(1) (2.40)

    Definimos a funo de partio do sistema:

    ZN(1) =n

    exp

    (1kB

    En

    )= Tr exp

    (1kB

    H

    )(2.41)

    Multiplicando o coeficiente do trmino de primeira ordem na variao, que deveser nulo, por nn que maximiza a entropia de Gibbs, e somando em n obtemos:

    (0 kB) + 1U + S = 0 (2.42)

    ou

    kB lnZN(1) + 1U + S = 0 (2.43)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 21

    Identificando 1 = 1/T e lembrando que F U + TS = 0, obtemosF (T, V,N) = kBT lnZN(T, V ) (2.44)

    onde F (T, V,N) a energia livre de Helmholtz. Esta relao conecta a funode partio com a termodinmica do sistema. Como F (T, V,N) uma relaofundamental, a funo de partio cannica tambm contm toda a informaosobre o sistema. A partir de (2.39) e (2.40) podemos escrever a matriz densidadede equilbrio na forma

    =eH

    Tr eH(2.45)

    J para um sistema clssico a densidade de probabilidade dada por

    (p, q) =eH(p,q)

    ZN(T, V )(2.46)

    ondeZN(T, V ) =

    dp dq

    h3Nexp {H(p, q)} (2.47)

    2.2.1 A densidade de estados e a funo de partioConsideremos a integral no espao de fase de uma funo arbitrria f que dependede (p, q) atravs do Hamiltoniano

    I =

    dp dq

    h3Nf [H(p, q)] (2.48)

    Podemos escrever a mesma integral na forma

    I =

    0

    f(E)g(E)dE (2.49)

    ondeg(E) =

    H(p,q)=E

    dp dq

    h3N(2.50)

    conhecida como densidade de estados. g(E)dE o nmero de estados comenergias entre E e E + dE. Em particular, se f(H) = (E H), onde (x) afuno degrau, obtemos

    I =

    E0

    g(E )dE =(E)

    h3N(2.51)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 22

    Entog(E) =

    1

    h3N(E)

    E. (2.52)

    possvel mostrar que, no limite N :1

    h3N(E)

    E=

    w(E)

    h3N= eSm(E)/kB (2.53)

    onde Sm a entropia microcannica.Assim, podemos escrever a funo de partio na forma

    ZN(T ) =

    0

    eEg(E)dE (2.54)

    que corresponde transformada de Laplace da densidade de estados.No caso quntico a expresso correspondente :

    ZN(T ) =n

    eEn (2.55)

    onde n representa um conjunto completo de nmero qunticos, ou seja, a somavarre todos os possveis autoestados do Hamiltoniano, sendo En os corresponden-tes autovalores. Se o conjunto de autovalores da energia for degenerado, se podeescrever

    ZN(T ) =E

    g(E)eE (2.56)

    onde agora a soma feita em todos os autovalores diferentes do Hamiltoniano, eg(E) a degenerescncia do autovalor E.

    2.2.2 Flutuaes da energiaA energia mdia do sistema no ensemble cannico dada por

    U H =

    j Ej eEj

    ZN(T )= lnZ

    (2.57)

    Como cada microestado tem associada uma probabilidade de ocorrncia Pj , entodevem existir flutuaes em torno do valor mdio. O desvio quadrtico mdio da

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 23

    energia dado por

    (H H)2 = H2 H2 (2.58)

    =1

    Z

    j

    E2j eEJ 1

    Z2

    (j

    EjeEj

    )2

    =

    ( lnZ

    )= U

    = kBT

    2U

    T= kBT

    2N cV > 0

    ondecV =

    1

    N

    U

    T(2.59)

    o calor especfico a volume constante. Assim, as flutuaes da energia no en-semble cannico so proporcionais ao calor especifico, o que tambm aponta paraa positividade de cV . Esta relao muito til para determinar o calor especficoem simulaes de Monte Carlo, ou Dinmica Molecular, pois os valores mdiosde momentos da energia podem ser obtidos facilmente ao longo da trajetria dosistema durante a simulao. O desvio relativo dado por:H2 H2

    H =NkBT 2cVNu

    1N, (2.60)

    onde u = H/N a densidade de energia. Notamos que o desvio relativo aovalor mdio tende para zero quando N . Isto quer dizer que a distribuio deenergias est fortemente concentrada em torno do valor mdio, e as probabilidadesde o sistema se encontrar em microestados diferentes do valor mdio so muitopequenas. Desta forma, os resultados do ensemble cannico coincidem com os doensemble microcannico no limite termodinmico. Vejamos isto com um poucomais de detalhe. Vimos que a probabilidade de encontrar o sistema com umaenergia entre E e E + dE :

    P (E)dE = g(E) eEdE. (2.61)

    A densidade de estados uma funo fortemente crescente de E, ao passo queo exponencial de Boltzmann decai rapidamente. Como consequncia, o produtodeve passar por um mximo para alguma energia especial E. O valor de E determinado por:

    E

    (g(E)eE

    )E=E

    = 0, (2.62)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 24

    que equivale a ln g(E)

    E

    E=E

    = . (2.63)Mas,

    S = kB ln g(E) eS(E)

    E

    E=U

    =1

    T= kB. (2.64)

    Isto quer dizer queE = U. (2.65)

    Este resultado importante pois implica que o valor mais provvel da energia igual energia mdia. Vejamos agora qual a forma da distribuio de probabilida-des da energia. Para isso til expandir o logaritmo da densidade de probabilidadeno entorno do valor mdio U :

    ln[g(E)eE

    ]= E|E=U + ln g(E)|E=U +

    1

    2

    2

    E2ln[g(E)eE

    ]E=U

    (E U)2 + . . .

    = (U TS) 12kBT 2CV

    (E U)2 + . . . (2.66)

    Obtemos finalmente:

    P (E) g(E)eE e(UTS) exp{ (E U)

    2

    2kBT 2CV

    }. (2.67)

    A densidade de probabilidade da energia uma distribuio Gaussiana, com m-dia U e desvio padro

    kBT 2CV . Considerando a escala de energia dada pela

    energia interna U podemos definir a varivel adimensional E/U . Esta tambmpossui uma distribuio Gaussiana, com mdia 1 e desvio padro

    kBT 2CV /U ,

    que de ordem O(N1/2). Por tanto, para N >> 1 a distribuio de probabili-dade muito estreita, tendendo a uma funo delta quando N . Integrandoo resultado (2.67) fcil mostrar que

    kBT lnZN(T, V ) F (T, V,N) U TS 12kBT ln (2kBT

    2CV ), (2.68)que inclui correes de ordem lnN expresso termodinmica para a energialivre.

    Finalmente, interessante notar que as flutuaes para sistemas com grandenmero de graus de liberdade podem ser importantes em situaes especiais,como por exemplo perto de transies de fase de segunda ordem, quando cV podetomar valores muito grandes e at divergir.

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 25

    2.2.3 Gs ideal no ensemble cannicoO ponto de partida para obter a termodinmica de um sistema no ensemble can-nico o clculo da funo de partio. No caso do gs ideal clssico:

    ZN(T ) =

    dp dq

    h3Nexp

    [

    3Ni=1

    p2i2m

    ](2.69)

    =

    (V N

    h3N

    ) 3Ni=1

    dpi exp

    (p

    2i

    2m

    )

    =

    (V

    h3

    )N [dpixdpiydpize

    2m(p2ix+p2iy+p2iz)

    ]N= [Z1(T )]

    N

    ondeZ1(T ) =

    V

    3T(2.70)

    a funo de partio de uma partcula e

    T =h

    2mkBT(2.71)

    o comprimento de onda trmico das partculas. Esta quantidade, que tem dimen-ses de comprimento, importante pois corresponde aproximadamente ao valormdio do comprimento de onda de de Broglie. Se o comprimento de onda tr-mico for muito menor que a distncia tpica interpartcula ento o gs pode serconsiderado clssico. No entanto, se T for da ordem ou maior que a distnciainterpartcula, os efeitos qunticos sero importantes e o gs deve ser estudado apartir das estatsticas qunticas de Bose-Einstein ou Fermi-Dirac.

    A energia livre do gs ideal clssico dada por:

    F (T, V,N) = kBTN lnZ1 = kBTN ln{V

    h3(2mkBT )

    3/2

    }(2.72)

    A energia livre obtida no extensiva: F (T, V, N) 6= F (T, V,N). Encon-tramos novamente o paradoxo de Gibbs. A soluo, no contexto do ensemblecannico, consiste em introduzir o fator de contagem de Gibbs na forma:

    ZN(T, V ) ZN(T, V )N !

    (2.73)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 26

    No limite de N grande, podemos aplicar a aproximao de Stirling ao fatorial,N ! N lnN N , dando como resultado:

    F (T, V,N) = kBTN ln{

    V

    Nh3(2mkBT )

    3/2

    } kBTN (2.74)

    recuperando o comportamento extensivo da energia livre.

    2.3 Fluidos clssicos no ideaisFluidos simples geralmente so bem descritos com a estatstica clssica pois nastemperaturas (baixas) onde os efeitos qunticos comeam a ser relevantes, estessolidificam. A situao mais comum em relao ao Hamiltoniano de um fluidoclssico que possa ser considerado como a soma de uma parte cintica, depen-dente das velocidades, e uma energia potencial, que depende das coordenadas:Up(q1, q2, . . . , qN). Ento a funo de partio clssica se fatora, podendo serescrita na forma:

    ZN(T, V ) = ZGI VN Q (2.75)

    onde ZGI a funo de partio do gs ideal, com o fator de contagem correto, e

    Q ==

    dq1 dqNeUp(q1,...,qN ) (2.76)

    a funo de partio configuracional. Por causa do fatoramento entre a partecintica e configuracional, o valor mdio estatstico de uma funo f(q) resulta:

    f(q1, . . . , qN) = 1Q

    dq1 dqNf(q1, . . . , qN ) eUp(q1,...,qN ) (2.77)

    que independente do termo cintico.Para analizar as propriedades de fluidos, gases ou lquidos, importante le-

    var em considerao questes de simetria. Em primeiro lugar, a energia potencialUp(q1, q2, . . . , qN) deve ser invariante frente a permutaes dos ndices das par-tculas, pois, embora partculas clssicas so consideradas distinguveis, elas soidnticas. Outra simetria importante a invarincia da energia potencial frente auma translao espacial de todo o sistema, ou seja, se deslocamos todas as coor-denadas por um vetor fixo no espao, a energia potencial deve ser a mesma. Istoquer dizer que a energia potencial deve ser funo apenas das distncias relativasentre as partculas e no das posies absolutas no espao. A invarincia frente

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 27

    a translaes globais implica na homogeneidade do fluido. Alm de homogneo,um fluido simples deve ser isotrpico, ou seja, a energia potencial deve ser invari-ante frente a rotaes de coordenadas. Estas trs so as invarincias ou simetriasmais importantes de sistemas fluidos simples.

    Uma quantidade fundamental para descrever a fase fluida a densidade localde partculas. Assumindo que as partculas so puntuais, a densidade se definecomo:

    p(r) =

    Ni=1

    (r qi) = 1Q

    dq1 dqN

    Ni=1

    (r qi) eUp(q1,...,qN). (2.78)

    Agora, devido invarincia do potencial frente a permutaes de partculas,cada um dos termos da soma deve ser igual aos outros, resultando em:

    p(r) =N

    Q

    dq2 dqN

    dq1(r q1) eUp(q1,...,qN ) (2.79)

    Ainda, como o potencial deve depender apenas das distncias relativas entre paresde partculas |qi qj |, podemos definir novas variveis qi = qi q1, para i =2, . . . , N , resultando em

    p(r) =N

    Q

    dq2 dqNeU(q

    2,...,q

    N )

    dq1(r q1)

    =N

    Q

    dq2 dqNeUp(q

    2,...,q

    N ) (2.80)

    De forma semelhante:

    Q =

    dq2 dqNeUp(q

    2,...,q

    N )

    dq1 = V

    dq2 dqNeUp(q

    2,...,q

    N )

    (2.81)De (2.80) e (2.81) se conclui que p(r) = N/V para todos os pontos r no volumeV . Esta propriedade vlida para qualquer fluido simples. J em um slido adensidade local no uniforme pois as partculas se encontram localizadas noespao, a invarincia translacional quebrada na fase slida.

    Em um gs ideal as posies das partculas so independentes entre si. J emum fluido real existem correlaes entre as posies. Uma funo que descreveas correlaes espaciais entre partculas a funo de distribuio de pares g(r),definida como:

    g(r) 2VN(N 1)

    (i,j)

    (r rij) , (2.82)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 28

    onde rij qi qj o vetor distncia relativa entre as partculas i e j, e a notao(i, j) indica que cada par de partculas contabilizado apenas uma vez. Notamosque a funo g(r) corresponde, essencialmente, ao nmero mdio de pares departculas que se encontram a uma distncia r uma da outra. Para entender melhora definio da g(r) notamos que, pela invarincia do sistema frente a permutaesde partculas, todos os termos de pares devem ser idnticos. Ainda, pela isotropiado sistema, a funo no pode depender da direo do vetor r, mas apenas domdulo r = |r|. Ento:

    g(r) = V (r r12) . (2.83)Para um gs ideal Up(q1, . . . , qN ) = 0 e ento o valor mdio pode ser calculadofacilmente, de onde obtemos que (r r12) = 1/V e g(r) = 1. Este resultadoquer dizer que, para o gs ideal, todas as distncias entre pares de partculas soigualmente provveis. J no caso de partculas em interao obtemos:

    g(r) =V

    Q

    dq2 (r q2)

    dq3 dqN eUp(q

    2,...,q

    N)

    dq1

    =V 2

    Q

    dq3 dqN eUp(r,q

    3...,q

    N ). (2.84)

    A forma mais frequnte de energia potencial a que corresponde a uma soma deinteraes de pares, ou seja:

    Up(q1, . . . , qN) =(i,j)

    u(rij). (2.85)

    Levando em considerao a simetria do potencial frente a permutaes das part-culas resulta:

    Up = N(N 1)2

    u(r12)

    =N(N 1)

    2Q

    dq2 u(q

    2)

    dq3 dqN eUp(q

    2,...,q

    N )

    dq1

    =V N(N 1)

    2Q

    d3r u(r)

    dq3 dqN eUp(r,...,q

    N ) (2.86)

    Agora, usando o resultado (2.84) e incluindo a contribuio da energia cintica,obtemos uma expresso para a equao de estado da energia do fluido:

    U = H = 32NkBT +

    N(N 1)2V

    d3r u(r) g(r), (2.87)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 29

    Para obter a equao de estado da presso do fluido, partimos da definio dapresso no ensemble cannico:

    P = FV

    = kBT lnZNV

    = kBT

    Vln

    (ZGI Q

    V N

    )= kBT p + kBT

    V N

    Q

    V

    (Q

    V N

    ). (2.88)

    Com um pouco mais de trabalho podemos obter uma expresso para a presso deum fluido, com interaes de pares, em termos da funo distribuio de pares:

    P = kBT p

    [1 2p

    3kBT

    0

    r3du(r)

    drg(r) dr

    ]. (2.89)

    Esta ltima relao se conhece como equao de estado do virial. Notamos queas equaes de estado ficam completamente determinadas conhecendo o potencialde pares e a funo de distribuio g(r).

    A funo de distribuio de pares pode ser determinada experimentalmentepor tcnicas de espectroscopia, como espalhamento de raios X, nutrons, eltrons,etc. Ela est relacionada com uma quantidade bsica em experimentos de espec-troscopia que o fator de estrutura, definido como:

    I(~k) =

    Nj=1

    ei~k.~qj

    2

    , (2.90)

    onde a mdia realizada no ensemble. I(~k) mede a intensidade do espalhamentoem funo do vetor de onda k da radiao espalhada pelo material. Da definioanterior obtemos:

    I(~k) =

    Nj=1

    Nl=1

    ei~k.(~qj~ql)

    = N +

    j 6=l

    ei~k.(~qj~ql)

    (2.91)

    Como a funo que deve ser mediada depende apenas das coordenadas:

    I(~k) = N +1

    Q

    j 6=l

    dq1 dqN ei~k.(~qj~ql) eU(q1,...,qN )

    = N +N(N 1)

    Q

    dq1 dqN ei~k.(~q2~q1) eU(q1,...,qN)

    = N +V N(N 1)

    Q

    dq2 dqN ei~k.~q

    2 eU(q

    2,...,q

    N ) (2.92)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 30

    Figura 2.2: O potencial de Lennard-Jones.

    Comparando com (2.84) obtemos:

    I(~k) = N +N(N 1)

    V

    d3r ei

    ~k.~r g(r) (2.93)

    ou seja, o fator de estrutura est relacionado diretamente com a transformada deFourier da funo de distribuio de pares. Desta forma possvel determinar afuno g(r) a partir de dados experimentais para um dado sistema.

    Para muitos fluidos normais o potencial de interao repulsivo a distnciasmuito curtas (caroo duro) e atrativo a distncias um pouco maiores. Um potencialsemi-emprico muito comum o potencial de Lennard-Jones:

    u(r) = 4

    [(r

    )12(r

    )6](2.94)

    que mostrado na figura 2.2.No potencial, possui unidades de comprimento e representa o tamanho do

    caroo duro. O potencial u() = 0 e cresce muito fortemente para r < . Parar > o potencial atrativo, apresentando um mnimo, um ponto de estabilidademecnica, em r = 21/6. Para distncias r o potencial tende para zero como1/r6, que corresponde a uma interao de van der Waals. A funo distribuiode pares para este potencial tem a forma mostrada na figura 2.3.

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 31

    Figura 2.3: A funo de distribuio de pares para um sistema com energia po-tencial de Lennard-Jones, para kBT/ = 0.71 e p = 0.844, obtido por simulaonumrica.

    A forma da g(r) pode interpretarse como segue: pg(r) a densidade mdiade partculas que se observam a uma distncia r de uma origem arbitrria. Comopara r < no pode ter partculas por causa do termo de caroo duro, a g(r) = 0nesta regio. Na sequncia, g(r) apresenta um pico pronunciado que correspondeaproximadamente distncia at os primeiros vizinhos, e depois segue uma sriede picos menores representando as sucessivas camadas de vizinhos da partculacentral. O carter oscilatrio da funo consequncia da competio entre for-as atrativas e repulsivas no potencial. Finalmente, para distncias muito grandes,g(r) 1, que coincide com o valor correspondente a partculas livres, como seespera de um par de partculas muito afastadas em um fluido simples. As posiesdos picos do informao das correlaes entre as partculas. Quanto mais diluidoseja o fluido, menos picos vo aparecer na g(r), em oposio ao comportamentode um slido, onde a periodicidade da rede cristalina deve levar presena deuma srie de picos de igual intensidade separados pela mesma distncia, corres-pondente distncia entre as partculas na matriz cristalina.

    No caso de fluidos com interaes fracas, ou densidades baixas, possvelobter a equao de estado da forma seguinte: definimos uma funo:

    f(r) = eu(r) 1 (2.95)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 32

    Definindo fij f(rij), podemos escrever a funo de partio configuracional naforma:

    Q =

    dq1 dqN

    (i,j)

    eu(rij) =

    dq1 dqN(i,j)

    [1 + fij ] (2.96)

    Desenvolvendo os produtos obtemos:

    Q =

    dq1 dqN

    1 +

    (i,j)

    fij +1

    2

    (i,j)

    (k,l)6=(i,j)

    fijfkl +

    = V N + V N2(i,j)

    dqidqj fij +

    = V N + V N1N(N 1)

    2

    d3rf(r) +

    = V N[1 N(N 1)

    VB(T ) +

    ], (2.97)

    ondeB(T ) = 1

    2

    d3r

    [eu(r) 1] (2.98)

    se conhece como segundo coeficiente virial. Desconsiderando termos de ordemsuperior na expanso acima, obtemos:

    Q

    V N 1 N

    2

    VB(T ) (2.99)

    e, da equao (2.88):

    P = kBTp + kBTN2

    V 2B(T )

    1 N2VB(T )

    . (2.100)

    Para N2B(T )/V 1 obtemos, finalmente:P kBTp [1 + pB(T )]. (2.101)

    De fato, possvel mostrar que, para potenciais de muito curto alcance, possvelobter uma expanso da equao de estado em potncias da densidade de partcu-las:

    P = kBT [p + 2pB(T ) +

    3pC(T ) + ], (2.102)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 33

    que se conhece como expanso do virial. Notamos que a aproximao (2.101) vlida somente para densidades muito baixas. Integrando a equao (2.98) porpartes para o potencial de Lennard-Jones obtemos:

    B(T ) = 23

    0

    r3du(r)

    dreu(r) dr. (2.103)

    Substituindo em (2.101) e comparando o resultado com (2.89) notamos que trun-car a expanso do virial a segunda ordem equivale a aproximar a funo de distri-buio de pares por:

    g(r) = eu(r) (2.104)Na figura 2.4 podemos ver o resultado de aproximar a g(r) usando a expanso dovirial at segunda ordem. Aparece apenas o primeiro pico. Para poder obter osoutros picos necessrio ir a ordens superiores na expanso. Esse resultado deixaclaro que a expanso de ordem baixa boa apenas para fluidos muito diluidos.

    Figura 2.4: A funo de distribuio de pares para um sistema com energia poten-cial de Lennard-Jones, obtido truncando a expanso do virial at segunda ordempara kBT/ = 1.

    2.4 O ensemble Grande CannicoConsideremos agora um sistema que pode trocar calor e partculas com o meio noqual se encontra. Neste caso, o nmero de partculas N no ser mais constante,podendo flutuar assim como a energia. No equilbrio, o valor mdio N estar

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 34

    bem definido. No caso de um sistema quntico, se pode definir um operador n-mero de partculas N , cujos autovalores n, correspondem aos possveis resultadosde uma medida particular. Os estados acessveis do sistema correspondem aos au-toestados da energia para uma partcula, duas partculas, etc. O espao de Hilbert formado pela soma direta dos subespaos de uma, duas, trs, etc. partculas. Va-mos assumir que o operador H no mescla estados de subespaos com diferentenmero de partculas, ou seja, que H comuta com N . Desta forma, a matriz querepresenta H ter uma estrutura diagonal em blocos H0, H1, etc. na qual HN ooperador Hamiltoniano de N partculas. Os autoestados do Hamiltoniano de umsistema de N partculas sero indexados com um nmero quntico adicional, porexemplo:

    H|N,Enl = Enl |N,Enl N |N,Enl = n|N,Enl (2.105)

    Vamos agora maximizar a entropia de Gibbs

    S = kB Tr( ln ) = kBn=0

    l

    nl ln nl (2.106)

    onde nl o elemento de matriz (diagonal) do operador densidade correspon-dente aos nmeros qunticos l, n. Os vnculos a ser satisfeitos neste caso so:

    U = H = Tr(H) =n=0

    l

    Enl nl (2.107)

    N = N = Tr(N) =n=0

    nl

    nl (2.108)

    Tr =

    n=0

    l

    nl = 1, (2.109)

    que sero incorporados no processo de variao via multiplicadores de Lagrange.Fazendo isso obtemos

    [n

    l

    {0nl + 1Enl nl + 2nnl kBnl ln nl }]

    = 0

    n

    l

    [(0 kB) + 1Enl + 2n kB ln nl ] nl = 0 (2.110)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 35

    Desta condio, e como a identidade vale para variaes arbitrrias, obtemos:

    kB ln = (0 kB) + 1H + 2N (2.111)

    ou

    = e

    (0kB

    1)e1kB

    H+2kB

    N (2.112)Usando a normalizao da matriz densidade, definimos a funo

    Z e(1 0

    kB

    )= Tr exp

    [1kB

    H +2kB

    N

    ]. (2.113)

    A funo Z conhecida como grande funo de partio. Para fixar os valoresdas constantes 1 e 2 multiplicamos (2.111) por e tomamos o trao:

    (0 kB) + 1U + 2N + S = 0 (2.114)ou, multiplicando pela temperatura:

    kBT lnZ + 1TU + 2TN + TS = 0 (2.115)

    Para determinar os valores das constantes 1 e 2 vamos exigir consistncia coma termodinmica. Identificando 1 = 1/T , 2 = /T , onde o potencialquimico, e da definio termodinmica da funo grande potencial:

    (T, V, ) = U TS N (2.116)

    obtemos:(T, V, ) = kBT lnZ. (2.117)

    EntoZ(T, V, ) = e(T,V,) = Tr e(HN) (2.118)

    e

    =1

    Z exp[(H N)

    ]. (2.119)

    Das relaes anteriores podemos obter, por exemplo,

    S = (

    T

    )V,

    N = (

    )T,V

    (2.120)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 36

    Usando a relao de Euler: U = TS PV + N obtemos = PV . Final-mente podemos obter uma relao entre a grande funo de partio e a funo departio cannica:

    Z = Tr e(HN) =n

    enl

    eEnl

    =n

    zn ZN(T, V ) (2.121)

    onde z = e conhecida como fugacidade.Mais uma vez, como no caso do ensemble cannico, a distribuio que ma-

    ximiza a entropia de Gibbs dada pelo exponencial de Boltzmann da energiacorrespondente ao sistema sujeito aos vnculos macroscpicos correspondentes,neste caso temperatura e potencial quimico fixos. Este procedimento pode sergeneralizado facilmente para outras situaes com diferentes vnculos, como serdiscutido com um pouco mais de detalhe no final da prxima seo.

    2.4.1 Flutuaes no nmero de partculasNo ensemble grande cannico a temperatura e o nmero mdio de partculas sofixos, mas os valores da energia e do nmero de partculas podem flutuar. Jvimos como estimar as flutuaes da energia para um sistema em contato comum reservatrio trmico. Vamos agora fazer uma anlise semelhante e ver comose comportam as flutuaes no nmero de partculas para um sistema em contatocom um reservatrio de partculas.

    Comeamos escrevendo a condio de normalizao das probabilidades daseguinte forma:

    Tr = Tr e((T,)H+N) = 1, (2.122)onde a notao vlida tanto para sistemas qunticos, onde , H H , etc.so operadores, quanto para sistemas clssicos onde Tr corresponde a uma inte-gral no espao de fase e , H , N , etc. so as funes densidade de probabilidade,Hamiltoniano, nmero de partculas, etc.

    Derivando em relao ao potencial qumico obtemos:

    Tr

    [(

    + N

    )e((T,)H+N)

    ]= 0, (2.123)

    ou

    + Tr

    [Ne((T,)H+N)

    ]= 0. (2.124)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 37

    Derivando mais uma vez:

    2

    2+ Tr

    [N

    (

    +N

    )e((T,)H+N)

    ]= 0, (2.125)

    ou

    2

    2+ 2

    Tr [N] + 2Tr

    [N2

    ]= 0. (2.126)

    Usando a relao (2.120) obtemos uma expresso para o desvio quadrtico mdiodo nmero de partculas:

    N2 N2 = kBT 2

    2= kBT

    N

    . (2.127)

    possvel mostrar (ver, por exemplo, o livro de Salinas [4]) que a derivada donmero mdio de partculas em relao ao potencial quimico est relacionadacom a compressibilidade isotrmica do sistema:

    kBT N

    = N2kBTTV

    (2.128)

    Por tanto, o desvio relativo ao valor mdio no nmero de partculas da ordem:N2 N2N V

    1/2. (2.129)

    Ento vemos que a medida que o volume do sistema aumenta o nmero de par-tculas se afasta muito pouco do seu valor mdio, que por sua vez coincide como valor mais provvel da distribuio de equilbrio de Boltzmann. Concluimosque, no limite termodinmico, quando N e V so muito grandes (comparadoscom o tamanho das partculas) as flutuaes da energia e do nmero de partculasso desprezveis, e por tanto nestas condies os trs ensembles, microcannico,cannico e grande cannico so equivalentes do ponto de vista termodinmico.Uma exceo a este comportamento acontece na vizinhana de um ponto crticoquando as flutuaes na densidade do sistema podem ser muito grandes e a com-pressibilidade cresce sem limites. As flutuaes da densidade perto de um pontocrtico levam ao fenmeno da opalescncia crtica, um fenmeno que representauma evidncia experimental direta da presena de um ponto crtico.

    Para concluir esta anlise notemos a semelhana entre os operadores densi-dade nos ensembles cannico e grande cannico em relao ao princpio variacio-nal de Gibbs. Em ambos os ensembles os operadores so dados pela exponencial

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 38

    de uma combinao linear de observveis, um por cada vnculo macroscpico im-posto via um multiplicador de Lagrange. Os valores mdios de tais observveisso todos variveis termodinmicas extensivas. Os coeficientes da combinaolinear dos mesmos esto associados a multiplicadores de Lagrange respectivos eso iguais ao parmetro intensivo correspondente ao observvel na representaode entropia: 1/T no caso da energia e /T no caso do nmero de partculas.Generalizando este mecanismo possvel obter diferentes tipos de ensembles,apropriados para situaes particulares, sendo que todos so equivalentes no li-mite termodinmico. Um exemplo importante o ensemble das presses, quecorresponde situao de um sistema em contato com um reservatrio trmico ede presso. Nesta situao, o nmero de partculas fixo, mas a energia e o vo-lume podem flutuar. Os vnculos externos so ento a energia mdia e o volumemdio (parede mvel ou flexvel). Maximizando a entropia de Gibbs como nos ca-sos anteriores possvel obter a funo de partio grande cannica no ensembledas presses:

    (P, T,N) =

    0

    (Tr e(H+PV )

    )dV =

    0

    ePV ZN(T, V ) dV, (2.130)

    onde ZN(T, V ) a funo de partio cannica para um sistema de N partculas,temperatura T e volume V e

    G(T, P,N) = kBT ln(P, T,N) (2.131)

    a energia livre de Gibbs, que o potencial termodinmico relevante para umsistema a presso constante.

    2.4.2 Adsoro em superfciesConsideremos a superfcie de um material slido, em equilbrio termodinmicocom um fluido (lquido ou gs), a presso e temperatura fixas. Os tomos da su-perfcie do slido apresentam suas interaes desbalanadas em relao aos to-mos do interior do material, por causa da ausncia de tomos do slido do outrolado da superfcie. Ento estes tomos superficiais podem atrair tomos do fluidoem torno, os que podero ligarse superfcie slida. O processo pelo qual to-mos (ou molculas) de um fluido se ligam na superfcie de um slido se chamaadsoro. Este fenmeno fisicamente diferente da absoro, na qual os tomosdo fluido podem entrar no interior do volume do outro material, por exemplo emporos. O processo inverso da adsoro a desoro, na qual um tomo ligado a

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 39

    uma superfcie se desprende da mesma e volta para o fluido. Em equilbrio termo-dinmico o nmero mdio de partculas adsorvidas e desorvidas ser o mesmo e aconcentrao do material adsorvido, o adsorvato, na superfcie ser constante. Oprocesso de adsoro leva a formao de um filme do adsorvato sobre a superfciedo adsorvente, e apresenta uma grande gama de aplicaes industriais.

    Um processo real de adsoro muito complexo, mas se podem entender al-guns mecanismos bsicos do mesmo atravs de um modelo simples introduzidoem 1916 por Irving Langmuir e que representa um bom exemplo de aplicaodo ensemble grande cannico clssico. Os ingredientes fundamentais do modeloconsistem em supor que

    as partculas do adsorvato se depositam em um nmero fixo de stios dasuperfcie adsorvente, chamados stios de adsoro.

    cada stio de adsoro pode adsorver no mximo uma molcula. as molculas adsorvidas no interagem entre si, so independentes. o fluido considerado um gs ideal.J que a superfcie do slido se encontra em equilbrio com o gs, este pode

    ser considerado como um reservatrio de partculas para a superfcie. Vamosento calcular a grande funo de partio para os stios de adsoro e depoisimpor as condies de equilbrio termodinmico com o gs. Vamos supor entoque existem M stios de adsoro e que a energia de ligao das molculas nasuperfcie . Assim ser a energia necessria para desorver ou evaporar umamolcula da superfcie. Podemos ainda supor que as molculas do gs possuemgraus internos de liberdade. Seja (T ) a funo de partio cannica dos grausinternos de liberdade de uma molcula. A funo de grande partio do conjuntode stios de adsoro dada por:

    ZM =M

    N=0

    zN ZN(T ), (2.132)

    onde ZN(T ) a funo de partio cannica para um sistema de N molculasadsorvidas. Neste problema no deve ser incluido o fator de contagem de Boltz-mann, pois os stios de adsoro so considerados distinguveis. Como as mol-culas adsorvidas so independentes:

    ZN(T ) = g(N) (Z1(T ))N = g(N)

    (e(T )

    )N (2.133)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 40

    onde g(N) o nmero de formas de distribuir N molculas em M stios de ad-soro. Ento:

    ZM =MN=0

    M !

    N !(M N)!(z e(T )

    )N=(1 + z e(T )

    )M (2.134)Podemos derivar o resultado anterior por um caminho alternativo. Os graus inter-nos de liberdade das molculas podem ser considerados redefinindo a fugacidadez z = z (T ). Cada stio de adsoro pode ser considerado como um sis-tema de dois estados: com molcula adsorvida ou sem, com energias e zerorespectivamente. Ento podemos associar a cada stio de adsoro um nmero deocupao ni = 0, 1, de forma que os estados ni = 0, 1 correspondem ao stioi-simo estar desocupado ou ocupado por um adsorvato respectivamente. Assim,podemos escrever um Hamiltoniano para este sistema na forma H = Mi=1 nie N =

    Mi=1 ni, e a funo de grande partio pode ser escrita na forma:

    ZM = Tr e(HN) =n1=0,1

    nM=0,1

    e

    i ni(+) =

    (1 + e(+

    ))M(2.135)

    que resulta idntica com a (2.134). O nmero mdio de partculas adsorvidas dado por:

    N = z lnZMz

    = Mz e(T )

    1 + z e(T ). (2.136)

    Se define recobrimento, (T, P ), frao de partculas adsorvidas na superfcieN/M , que resulta:

    =z e(T )

    1 + z e(T ). (2.137)

    A condio de equilbrio termodinmico entre a superfcie e o gs corresponde igualdade entre os seus potenciais quimicos. O potencial quimico do gs corres-ponde ao de um gs ideal, cujo valor :

    = kBT ln

    (N 3TV

    )(2.138)

    Por tanto:z (T ) =

    N 3TV

    =P 3TkBT

    (2.139)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 41

    Ento podemos escrever: =

    P

    P0 + P, (2.140)

    ondeP0 =

    kBT

    3Te . (2.141)

    A equao (2.140) se conhece como isoterma de Langmuir e define o valor dorecobrimento em funo da presso do gs para uma temperatura fixa. Notamosque para P/P0 1 o recobrimento se comporta como P/P0 e 1quando P/P0 1. O modelo de Langmuir, embora extremamente simplificado,resulta fisicamente muito natural, e por tanto serve como bom ponto de partidapara incluir de forma sistemtica condies mais realistas, como interaes entreas partculas adsorvidas ou modelos mais sofisticados para o reservatrio fluido.

  • Captulo 3

    Estatsticas qunticas

    3.1 Sistemas de partculas indistinguveisO Princpio de Incerteza de Heisenberg leva a concluir que duas partculas idnti-cas so indistiguveis, a menos que exista uma situao particular que limite suasposies espaciais, como caso dos tomos em um slido.

    Uma consequncia desta condio que operadores, como o Hamiltonianode N partculas, so invariantes frente a permutaes arbitrrias das variveis di-nmicas associadas as partculas, ou seja, os operadores so invariantes frente auma renumerao das partculas. Como sabemos, por cada operao de simetriaexiste um operador associado que comuta com o Hamiltoniano do sistema, e podeser diagonalizado simultaneamente. Veremos que existem apenas dois autovalorespossveis associados aos operadores de permutao de partculas, e assim o espaode Hilbert associado a um sistema de N partculas qunticas fica dividido em doissubespaos, com caractersticas muito diferentes e implicaes fundamentais parao comportamento fsico dos sistemas associados a cada um deles.

    Vamos supor um sistema de N partculas sem spin. A funo de onda corres-pondente na representao de coordenadas (q1, . . . , qN). Trocas na enumera-o das partculas podem ser descritas pelos operadores permutao de pares Pik,os quais trocam as coordenadas qi e qk na funo de onda:

    Pik(q1, . . . , qi, . . . , qk, . . . , qN ) = (q1, . . . , qk, . . . , qi, . . . , qN ) (3.1)Se o Hamiltoniano invariante frente a trocas arbitrrias de pares de partculas severifica que: [

    H, Pik

    ]= 0 i, k = 1, . . . , N com i 6= k (3.2)

    42

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 43

    As autofunes de Pik tm que satisfazer:

    Pik(q1, . . . , qi, . . . , qk, . . . , qN) = (q1, . . . , qi, . . . , qk, . . . , qN)

    = (q1, . . . , qk, . . . , qi, . . . , qN) (3.3)

    Aplicando novamento o operador Pik obtemos:

    P 2ik(q1, . . . , qi, . . . , qk, . . . , qN) = (q1, . . . , qi, . . . , qk, . . . , qN )

    = 2(q1, . . . , qi, . . . , qk, . . . , qN). (3.4)

    Ou seja, os autovalores do operador permutao de pares podem tomar apenasdois valores = 1. Assim, as autofunes so chamadas de simtricas secorrespondem a = 1 e antissimtricas se correspondem a = 1. Se o Hamil-toniano comuta com todos os operadores de permutao, ento suas autofunespodem ser construidas de forma a serem totalmente simtricas, ou seja, simtricasfrente a qualquer permutao de coordenadas, ou totalmente antissimtricas, ouseja, antissimtricas frente a qualquer permutao de coordenadas.

    Uma permutao qualquer pode ser realizada pelo operador de permutao P ,tal que:

    P(q1, q2, . . . , qN ) = (qP1, qP2 , . . . , qPN ) (3.5)onde P1, . . . , PN corresponde a uma permutao arbitrria dos nmeros 1, . . . , N . simples notar que qualquer operador P equivalente a aplicar uma sequnciade permutaes de pares Pij . Por tanto, as autofunes de P tambm sero fun-es simtricas ou antissimtricas. Se uma autofuno qualquer do Hamiltoniano(q1, . . . , qN) no tiver nenhuma paridade definida, podemos construir autofun-es totalmente simtricas ou totalmente antissimtricas a partir dela da seguinteforma:

    S(q1, . . . , qN) = BSP

    P(q1, . . . , qN ) (3.6)

    A(q1, . . . , qN) = BAP

    (1)P P(q1, . . . , qN) (3.7)

    onde BS, BA so constantes de normalizao e as somas varrem todas as poss-veis permutaes dos qis. O sinal (1)P +1 se a permutao for par, e 1 sefor mpar. Uma permutao par (mpar) se o nmero de permutaes de paresnecessrias para obter a permutao geral P1, . . . , PN a partir da 1, 2, . . . , N forpar (mpar)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 44

    Como exemplo, consideremos uma funo de onda de trs partculas (q1, q2, q3).Podemos construir funes totalmente simetrizadas com a receita anterior:

    S(q1, q2, q3) = BS [(q1, q2, q3) + (q2, q1, q3) + (q1, q3, q2)

    +(q2, q3, q1) + (q3, q1, q2) + (q3, q2, q1)]

    A(q1, q2, q3) = BA [(q1, q2, q3)(q2, q1, q3)(q1, q3, q2)+(q2, q3, q1) + (q3, q1, q2)(q3, q2, q1)]

    Funes de onda de sistemas de partculas de um mesmo tipo (eltrons, ftons,quarks) apresentam um tipo de simetria definido frente ao intercmbio de partcu-las. Ou seja, as funes de onda de partculas elementares so simtricas ou antis-simtricas. As partculas descritas por funes de onda simtricas so chamadasde bsons em homenagem ao fsico indio Satyendra Nath Bose (1894-1974). Par-tculas descritas por funes de onda antissimtricas so chamadas de frmions,em homenagem ao fsico italiano Enrico Fermi (1901-1954).

    O carter de simetria das funes de onda est tambm relacionado com ospin das partculas elementares. Na natureza se observa que todos os frmionspossuem spin semi-inteiro, enquanto que os bsons apresentam spin inteiro. Estarelao conhecida como Teorema spin-estatstica.

    As propriedades de simetria das partculas frente ao intercmbio tm profun-das consequncias nas propriedades fsicas dos sistemas. Do ponto de vista daMecnica Estatstica, bsons e frmions se comportam de forma muito diferente,dando lugar as chamadas estatsitca de Bose-Einstein e estatstica de Fermi-Dirac,cujas propriedades vamos analizar a seguir.

    Para poder construir autofunes com simetria definida, necessrio definiruma base inicial de autofunes do Hamiltoniano. Uma base possvel a corres-pondente a um sistema de partculas no interagentes, quando o Hamiltoniano dasN partculas se reduz soma de operadores de partcula nica:

    H(q1, . . . , qN , p1, . . . , pN) =

    Ni=1

    h(qi, pi) (3.8)

    Resolvendo o problema de autovalores para uma partcula:

    hk(q) = kk(q) (3.9)onde k representa um conjunto de nmeros qunticos, se pode construir um auto-estado de H na forma:

    Ek1,...,kN = Ni=1ki(qi) (3.10)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 45

    que corresponde a um autovalor de H:

    E =

    Ni=1

    ki (3.11)

    Assim, no caso de partculas independentes podemos escrever as autofunes to-talmente simtricas e antissimtricas na forma:

    E,Sk1,...,kN (q1, . . . , qN) = BSP

    Pk1(q1) kN (qN) (3.12)

    E,Ak1,...,kN (q1, . . . , qN) = BAP

    (1)P P k1(q1) kN (qN ) (3.13)

    A funo de onda totalmente antissimtrica pode ser escrita em forma de de-terminante:

    E,Ak1,...,kN (q1, . . . , qN) = BA det

    k1(q1) k1(qN).

    .

    .

    .

    .

    .

    kN (q1) kN (qN )

    (3.14)

    conhecido como determinante de Slater, por John Clarke Slater (1900-1976)que os usou para obter funes de onda antissimtricas para descrever sistemasde eltrons. Da forma do determinante se observa que se duas ou mais partculasestiverem no mesmo estado quntico, ento o determinante ter duas ou mais filasou colunas iguais, e por tanto ser identicamente nulo. Este resultado correspondeao Principio de excluso de Pauli, ou seja, dois ou mais frmions no podemocupar simultaneamente o mesmo estado quntico.

    Tambm notamos que um estado quntico caracterizado completamente peloconjunto de nmeros qunticos {k1, . . . , kN}. Uma permutao destes ndices so-mente produz um cmbio de sinal no caso antissimtrico e deixa a funo de ondainalterada no caso simtrico. A indistinguibilidade das partculas frente a permu-taes faz com que a quantidade relevante para caracterizar um estado, ou funode onda, seja quantas partculas existem em cada estado. Esta especificao podeser feita definindo os nmeros de ocupao: nk. A especificao dos nmeros deocupao para todos os nveis k de cada partcula, sujeitos ao vnculok nk = Ndetermina completamente um estado simtrico. No caso de frmions, o Princpiode Excluso limita os possveis valores dos nmeros de ocupao a nk = 0, 1.

    A impossibilidade de identificar as partculas individualmente implica que to-dos os operadores associados a observeis quaisquer devem comutar com os ope-radores de permutao: [

    O, P]= 0 (3.15)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 46

    Em particular, o operador densidade deve tambm ser invariante frente a permu-taes das partculas do sistema.

    Uma vez definidos os nmeros de ocupao, a energia de um autoestado de Npartculas dada por:

    E =k

    nkk (3.16)

    Se conhecermos e espectro de energias i do sistema, podemos calcular a funode partio cannica do mesmo na forma

    Z(T,N, V ) = Tr eH ={nk}

    exp (k

    nkk) (3.17)

    onde, de forma geral, o conjunto de nmeros de ocupao deve satisfazer o vnculok nk = N . Este vnculo torna o clculo explcito da funo de partio uma

    tarefa complicada em geral. A dificuldade se reduz se considerarmos o ensemblegrande cannico. A grande funo de partio dada por:

    Z(T, , V ) = Tr e(HN) =

    N=0

    zNZ(T,N, V ) (3.18)

    =

    N=0

    eN{nk}

    exp (n11 n22 )

    =

    N=0

    {nk}

    exp ((1 )n1 (2 )n2 )

    Como N est somado entre zero e infinito, e os nks esto sujeitos ao vnculo jvisto, a ltima linha equivalente a somar os nks sem restries:

    Z(T, , V ) =

    n1,n2,...

    exp ((1 )n1 (2 )n2 )

    =n1

    e(1)n1n2

    e(2)n2 . . .

    =k

    nk

    exp [(k )nk] (3.19)

    A funo grande potencial dada por:

    (T, , V ) = kBT lnZ = kBTk

    ln

    {nk

    e(k)nk

    }(3.20)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 47

    O nmero de ocupao mdio dado por:

    nk = 1

    lnZk

    T,V

    (3.21)

    3.2 Gases ideais qunticosPara um gs de Bose-Einstein a grande funo de partio toma a forma:

    ZBE(T, , V ) =

    n1=0

    n2=0

    n=0

    exp

    {

    k

    nk(k )}

    (3.22)

    No caso de um sistema de frmions, o Princpio de Excluso limita os nmerosde ocupao resultando na estatstica de Fermi-Dirac:

    ZFD(T, , V ) =1

    n1=0

    1n2=0

    1

    n=0

    exp

    {

    k

    nk(k )}

    (3.23)

    3.2.1 O gs de Maxwell-Boltzmann e o limite clssicoAntes de analizar em detalhe os comportamentos de sistemas de bsons e frmi-ons, vamos considerar novamente um sistema de partculas distinguveis, s queagora do ponto de vista das estatsticas qunticas. Se as partculas so distingu-veis no teremos nenhuma restrio nos valores dos nmeros de ocupao. Noentanto, para um conjunto de nmeros de ocupao fixos {nk} a troca de duaspartculas em diferentes nveis ki e kj , com nmeros de ocupao nki e nkj cor-responde agora a um novo estado, diferente do anterior, mas que no modificaos nmeros de ocupao, e por tanto, possui o mesmo fator exponencial. Destaforma, para um conjunto de valores {nk}, devemos multiplicar o fator exponen-cial por um fator de degenerescncia, que corresponde ao nmero de combinaesdiferentes de partculas (distinguveis) entre todos os estados (nveis). A funogrande partio toma a forma:

    Zdist(T, , V ) =

    n1=0

    n2=0

    n=0

    N !

    n1!n2! n! exp{

    k

    nk(k )}

    (3.24)Para altas temperaturas o nmero mdio de bsons em qualquer estado k muitopequeno, e ento os estados que contribuem para a funo de grande partio so,

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 48

    essencialmente, aqueles com nmero de ocupao 0 ou 1. Por isto, o compor-tamento de bsons e frmions em altas temperaturas essencialmente o mesmo.Este comportamento tambm vale para partculas distinguveis. Ento, no limitede altas temperaturas, a nica diferena entre as estatsticas de Bose-Einstein,Fermi-Dirac e partculas distinguveis o fator N ! na expresso desta ltima. No-tamos ento, que se quisermos considerar as partculas a altas temperaturas comoindistinguveis basta dividir emZdist porN !, que justamente o fator de contagemde Gibbs.

    Um sistema de partculas descrito pela funo de grande partio:

    ZMB(T, , V ) =

    n1=0

    n2=0

    n=0

    1

    n1!n2! n! exp{

    k

    nk(k )}

    (3.25)se conhece como gs de Maxwell-Boltzmann e descreve o comportamento a altastemperaturas de todos os gases ideais (com o correto fator de contagem).

    Vamos ento re-derivar os resultados para o gs ideal clssico consideradocomo um gs de MB. fcil somar a funo de grande partio neste caso, poisos termos para diferentes nmeros de ocupao se fatoram:

    ZMB(T, , V ) =k

    ( nk=0

    1

    nk!exp {nk(k )}

    )

    =k

    (exp

    [e(k)

    ]) (3.26)onde usamos o resultado da srie infinita ex =

    n=0(1/n!)x

    n. A funo grande

    potencial resulta:

    MB(T, , V ) = kBT lnZMB(T, , V )= kBT

    k

    e(k)

    = kBT zk

    ek , (3.27)

    onde z a fugacidade. O nmero mdio de partculas dado por:

    N = (MB

    )T,V

    =k

    z ek . (3.28)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 49

    Como tambm N = knk, obtemos para o nmero de ocupao mdio doestado k:

    nk = z ek . (3.29)Os resultados anteriores so vlidos para qualquer espectro de energias k. Nocaso de partculas livres, os nveis de energia so dados pela soluo da equaode Shrodinger:

    hk(q) = kk(q) (3.30)onde

    h =p2

    2m= h

    2

    2m

    d2

    dq2(3.31)

    em uma dimenso espacial. A extenso para mais dimenses imediata. Osautoestados so ondas planas

    k(q) = C eikq com k =

    h2k2

    2m(3.32)

    Suponhamos que as partculas esto em um recipiente de dimenso linear L e pa-redes impenetrveis, o que pode ser implementado considerando um potencial debarreira infinita em q = 0 e q = L e zero nos outros pontos. Como a probabilidadede encontrar a partcula fora da caixa zero, ento a funo de onda deve ser nulanos extremos da mesma. Isto leva a que a forma da funo de onda deve ser:

    k(q) = A sin (kq) (3.33)

    A condio de contorno k(kL) = 0 determina os possveis valores do vetor deonda:

    k =n

    Lcom n = 1, 2, 3, . . . (3.34)

    No limite termodinmico L o espectro tender a ser continuo, de forma quek

    f(k)

    dk

    (/L)f(k) (3.35)

    j que /L a distncia entre valores consecutivos do vetor de onda k. Ento,desconsiderando graus de liberdade internos das partculas, como o spin, e gene-

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 50

    ralizando os resultados anteriores para d = 3, obtemos:

    lnZMB(T, , V ) =

    kx=/L

    ky=/L

    kz=/L

    exp

    {

    (h2k2

    2m

    )}

    V

    d3k

    (2)3exp

    {

    (h2k2

    2m

    )}

    =V

    (2)3e

    (2m

    h2

    )3/2, (3.36)

    onde em trs dimenses k2 = k2x+k2y+k2z . A funo grande potencial dada por:

    MB(T, , V ) = kBT lnZMB(T, , V )

    = V e(kBT )5/2(2m

    h2

    )3/2(3.37)

    que coincide com um clculo puramente clssico, considerando um volume uni-trio no espao de fase igual a h3 e com o correto fator de contagem de Gibbs.

    Finalmente, o nmero mdio de partculas do sistema dado pela (3.28), que equivalente a

    N = z z

    lnZMB = z V(2m

    h2

    )3/2. (3.38)

    Ento, a fugacidade z resulta uma funo da densidade mdia N/V e da tempe-ratura:

    z =NV

    h3

    (2mkBT )3/2(3.39)

    =

    (Ta

    )3

    onde T o comprimento de onda trmico, e (V/N)1/3 = a representa umadistncia interatmica tpica. O limite clssico corresponde a altas temperaturasou baixas densidades, ento nesse limite a fugacidade pequena z 1, o quecorresponde a a T , que a expectativa usual da mecnica quntica.

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 51

    3.2.2 Estatstica de Bose-EinsteinUsando o resultado

    n=0 x

    n = 1/(1 x) para x < 1, de (3.22) obtemos:

    nk=0

    exp {(k )nk} = 11 exp [(k )] (3.40)

    Como exp [(k )] < 1 k e k 0, entao k > 0 e o potencial quimicodeve ser negativo sempre para um gs de bsons livres: < 0.

    O resultado anterior permite escrever:

    lnZBE(T, , V ) = k

    ln {1 exp [(k )]} (3.41)

    Da definio do nmero de ocupao mdio, eq. (3.21), obtemos no caso do gsde bsons:

    nk = 1e(k) 1 (3.42)

    Como e(k) < 1 k, ento nk 0 k.Por outro lado, para baixas temperaturas 1 resulta:

    nk 0 (3.43)para a maioria dos estados, exceto os de menor energia.

    3.2.3 Estatstica de Fermi-DiracNo caso de frmions nk = 0, 1 e ento:

    1nk=0

    exp {(k )nk} = 1 + e(k) (3.44)

    com o quelnZFD(T, , V ) =

    k

    ln {1 + exp [(k )]} (3.45)

    O nmero de ocupao mdio resulta, neste caso:

    nk = 1e(k) + 1

    {

    1 se k < 0 se k >

    (3.46)

    Sempre se verifica que 0 nk 1.

  • Captulo 4

    Gs ideal de Bose-Einstein

    Vamos descrever neste captulo o comportamento estatstico e termodinmica degases de bsons independentes. A anlise nos levar ao estudo do fenmeno dacondensao de Bose-Einstein, uma transio de fases em um sistema qunticode partculas livres. A condensao de Bose-Einstein uma consequncia docomportamento quntico de bsons indistiguveis e foi descrita inicialmente nadcada de 1920. A primeira demonstrao experimental da condensao de BEveio muito mais tarde, em 1995, em trabalhos com tomos frios de rubdio Rb87por Eric Cornell e Carl Wieman no JILA e de forma independente com tomos desdioNa23 pelo grupo de Wolfgang Ketterle no MIT. As temperaturas crticas soda ordem dos nanokelvins, perto do zero absoluto !, e o tamanho dos condensadosfoi de uns 2000 tomos de rubdio e 200000 tomos de sdio aproximadamente.Por esses trabalhos Cornell, Wieman e Ketterle ganharam o Prmio Nobel deFsica em 2001.

    Tambm vamos estudar o comportamento de um gs de ftons e o problemarelacionado da radiao de corpo negro.

    4.1 A condensao de Bose-EinsteinA partir dos resultados do captulo anterior podemos escrever a funo grandepotencial para um gs de Bose-Einstein como:

    BE = kBT lnZBE(T, , V ) = kBTk

    ln {1 exp [(k )]}, (4.1)

    52

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 53

    de onde podemos calcular o nmero mdio de partculas na forma:

    N = (BE

    )T,V

    =k

    (e(k)

    1 e(k))=k

    (1

    e(k) 1)

    (4.2)

    Lembrando queN =

    k

    nk (4.3)

    obtemos para o nmero mdio de partculas no estado k:

    nk = 1e(k) 1 =

    1

    z1ek 1 (4.4)

    Para avanar na determinao das funes termodinmicas devemos especificar oespectro de autovalores da energia k, que define o sistema em estudo. Conside-remos ento um sistema de bsons livres, cujo espectro de energias dado pork = h

    2k2/2m. Consideramos o sistema em uma caixa de volume V = L3 comcondies de contorno peridicas. Ento, os vetores de onda podem tomar os va-lores ki = (2/L)ni, onde i = x, y, z e com ni = 0,1, . . .. Quando L oespectro de valores da energia k se torna continuo, e as somas tendem a integrais:

    k

    d3k

    (2/L)3 (4.5)

    Desta forma, como o espectro depende de ~k somente atravs do mdulo k = |~k|,podemos reescrever o nmero mdio de partculas na forma:

    N = 4V(2)3

    0

    k2 z

    eh2k2/2m z dk =

    4V

    (2mkBT

    h2

    )3/2 0

    x2(

    z

    ex2 z)dx.

    (4.6)Ento podemos escrever uma equao de estado que relaciona a fugacidade, atemperatura e a densidade na forma:

    3T = g3/2(z), (4.7)onde T = h/

    2mkBT o comprimento de onda trmico, e definimos a funo

    de Bose-Einstein :

    g3/2(z) =4

    0

    x2(

    z

    ex2 z)dx =

    k=1

    zk

    k3/2(4.8)

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 54

    z

    0.0 .5 1.00

    1

    2

    3

    4

    g3/2(z)g5/2(z) 2.612

    1.342

    Figura 4.1: As funes g3/2 e g5/2.

    um caso particular da familia de funes

    gn(z) =

    k=1

    zk

    kn. (4.9)

    A funo g3/2(z) limitada e bem comportada no intervalo 0 z 1, comvalores nos extremos

    g3/2(0) = 0

    g3/2(1) =

    k=1

    1

    k3/2= (3/2) = 2.612 . . . (4.10)

    onde a funo (x) a funo zeta de Riemann. A derivada da g3/2(z) divergepara z 1 e da expanso em srie para z 1 se obtm que g3/2(z) z paravalores pequenos de z, como se observa na figura 4.1.

    A equao de estado (4.7) uma equao implcita para a fugacidade z emfuno de e T . Mas fcil observar que o lado esquerdo pode tomar valo-res arbitrariamente grandes para T suficientemente pequena ou suficientementegrande. De fato, na figura 4.1 podemos notar que se 3T > 2.612 a equao notem soluo real, j que z 1. Concluimos que deve haver alguma inconsistncia

  • Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2014 55

    no nosso clculo anterior. Uma forma de ver onde pode residir o problema vero comportamento do nmero mdio de partculas no estado fundamental, ou seja,quando = 0:

    n0 = z1 z (4.11)

    Notamos que limz1n0 = . Por tanto, o nmero de partculas no estadofundamental diverge para z 1 no limite termodinmico. Vamos ento analizarem mais detalhe a forma como foi feito o limite termodinmico no clculo daequao de estado. Para isso comeamos por separar a contribuio do estadofundamental da soma nos estados no clculo do N:

    N = z1 z +

    4V

    (2)3

    2/L

    k2 z

    eh2k2/2m zdk

    =z

    1 z +4V

    3T

    T

    /L

    x2(

    z

    ex2 z)dx (4.12)

    possvel mostrar que o limite inferior na ltima integral pode ser extendido azero sem afetar o resultado no limite termodinmico, obtendo a equao de estadona forma:

    3T =3TV

    z

    1 z + g3/2(z) (4.13)Na figura 4.2 vemos o comportamento do primeiro termo da equao