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NOTÍCIA - 27 de abril de 2016 27 de abril de 2016 - NOTÍCIA PESQUISA CELSO MATTOS O s processos de fermentação con- trolados são utilizados para elabo- rar produtos como queijo, vinho, vina- gre, iogurte, cerveja e chás. Enquanto os micróbios “do mal” estragam a comi- da, os “do bem” são utilizados na fer- mentação para criar novos sabores e produzir diferentes tipos de alimentos e bebidas. É o caso do projeto de pesquisa “Kombucha: desenvolvimento e carac- terização de bebida fermentada de camellia sinensis”, coordenado pela professora Wilma Aparecida Spinosa, do Departamento de Ciências e Tecnologia de Alimentos, do Centro de Ciências Agrárias (CCA). Kombucha é uma colônia composta de micro-organismos aglomerados em uma película parecida com uma “panqueca”. Quando essa película é colocada em um recipiente contendo uma mistura do chá e do açúcar, trans- forma o líquido em uma bebida refres- cante, gasosa e ácida que pode substi- tuir o refrigerante. A cultura do Kombucha se alimenta do açúcar e, na troca, produz outras substâncias valio- sas que se formam na bebida. É uma bebida muito tradicional na cultura asi- ática cuja técnica pode ser utilizada em diferentes tipos de chás como o verde ou preto, por exemplo. O processo muda o sabor do chá deixando a bebida mais ácida, gostosa, refrescante e benéfica à saúde. A téc- nica agora está sendo desenvolvida em uma pesquisa de mestrado do programa de pós-graduação em Ciência de Ali- mentos da UEL, utilizando o Kombucha no chá mate que é muito consumido em algumas regiões do Brasil. Sob orientação da professora Wilma Spinosa, a pesquisa é realizada pelo mestrando Vitor Hugo Tsuru. Ele res- salta que o Kombucha é uma bebida milenar, mas o estudo está fazendo uma reeleitura, uma adaptação para os hábi- tos dos brasileiros.“Na Ásia ela é muito utilizada no chá verde ou preto, mas na pesquisa estamos utilizando na erva mate que é uma matéria prima da América do Sul”, explica o estudante. Ele acrescen- ta que a fermentação resulta em sabo- res diferentes do mesmo produto. “A mudança de sabor depende do processo de fermentação”. Nos Estados Unidos, Europa e Ásia é possível encontrar o Kombucha industri- alizado e vendido em latinhas e garrafas Micróbios do “bem” são usados para criar novos sabores Pesquisa desenvolvida no programa de pós-graduação em Ciência de Alimentos (CCA) usa o Kombucha na fermentação do chá mate. O resultado é uma bebida com sabor mais ácido e refrescante que pode substituir o refrigerante A professora Wilma Spinosa também desenvolve pesquisas na área de fermentados como, por exemplo, vinagre extraído do melaço de soja, da banana, do gengibre e do cúrcuma. O Kombucha é uma das linhas de pesquisa. Segundo ela, a fermentação também é uma forma de aproveitamento de produtos que não têm mais comercialização. É o caso da banana que, quando começa a ficar escura de tão madura, os supermercados acabam descartando. “Essa banana pode ser fermentada e virar vinagre”, diz Wilma Spinosa. As pesquisas desenvolvidas pela professora já renderam reportagens para os programas Globo Repórter e Mais Você, este último apresentado por Ana Maria Braga, da Rede Globo. Reportagem publicada no suplemen- to Folha Ciência, do jornal Folha de S. Paulo, no dia 11 deste mês, destaca o processo de fermentação a base de fun- gos e bactérias do “bem”. O Katsuobuchi, por exemplo, é um atum fermentado vendido em raspas. O produto é usado na preparação do Daschi, um dos caldos básicos da culinária japonesa. Já o Kefir é uma colônia de micro- organismos imersa em polissacarídeos e proteínas. Originário do Cáucaso, é formado por lactobacilos e leveduras aptos a fermentar o leite e outras bebi- das. O Koji é um bolor utilizado nas culinárias chinesa e japonesa para fer- mentar o feijão de soja e para sacarificar o arroz e a batata na produção de bebidas alcoólicas como o saquê. O Missô, ingrediente tradicional ja- ponês é feito a partir da fermentação de arroz, cevada e soja com sal. O resulta- do é uma pasta usada principalmente para fazer uma sopa chamada mis- soshiru. O KVAS é uma bebida fermen- tada à base de pão ou de centeio popular na China, na Rússia, no Báltico e nas culturas eslavas. Pode ser preparada em versões com ou sem álcool. O Tsuke- mono é uma conserva em vinagre ou ácido cítrico. Há vários tipos de alimen- tos que podem ser fermentados com esta técnica, como o gari-gengibre, o pepino-japonês e a acelga. Fungos e bolores viram iguarias culinárias Vinagre de banana em supermercados. “Entretanto, aqui no Brasil é pouco conhecido e, geralmente, preparado em casa como se faz com o iogurte caseiro. Mas nossa intenção é pesquisar sua eficácia em matéria prima que faz parte dos hábitos alimentares dos brasileiros para difundir seu consumo no Brasil. É uma bebida que pode substituir o refrigerante”, esclarece Vitor Hugo. “Aqui, o chá mate é consumido quente e apenas em algumas regiões. Além disso, não agrada o paladar de muita gente. A fermentação deste chá com o Kombucha, além de deixar o sabor mais agradável, é consumido gelado, que é mais apropriado ao nosso clima”, acrescenta o mestrando. A professora Wilma Spinosa desta- ca que as pesquisas desenvolvidas na área de fermentação no programa de pós-graduação em Ciência de Alimen- tos têm como objetivo fornecer dados científicos na produção de diferentes alimentos. “Utilizamos luz controlada, bases da química e regras estatísticas para transformar um produto em outro. “Além de produzir um alimento mais saudável, trabalhamos para que esse alimento seja gostoso e agrade o pala- O mestrando Vitor Hugo e a professora Wilma Spinosa trabalham na fermentação do Kombucha na erva mate dar do consumidor. Comida tem que ser saborosa”, afirmar. Ela lembra que em países europeus, em especial os nórdicos, cientistas liga- dos à área de alimentos trabalham em parceria com chefs de cozinha para descobrir novos produtos e sabores. “Nesses países a técnica de fermenta- ção é utilizada também na preservação dos alimentos, considerando que devido ao inverno longo e rigoroso a produção ocorre apenas alguns meses por ano, ao contrário do Brasil onde se produz o ano inteiro”. A professora, inclusive, desen- volve produto a base de fermentação do mel de abelha sem ferrão para o chef de cozinha brasileiro Alex Atala. Segundo a lenda, o Kombucha surgiu na Ásia há mais de 2 mil anos. Um médico coreano chamado Kombu curou um imperador japonês de um dor de estômago com um chá fermentado com Kombucha e partir disso, a bebida se espalhou pela Ásia e depois para o mun- do. A professora Wilma Spinosa ressalta que todo produto tem suas histórias e lendas que são importantes e não devem ser descartadas na pesquisa científica. Nos EUA, Europa e Ásia o Kombucha é comercializado em latinhas ou garrafas O resultado é uma bebida ácida, gasosa e refrescante. Ideal para o clima tropical do Brasil O Kombucha depois de 7 dias de fermentação fica com uma

NOTÍCIA 27 de abril de 2016 PESQUISA Micróbios do “bem ... · arroz, cevada e soja com sal. O resulta- ... pepino-japonês e a acelga. Fungos e bolores viram iguarias culinárias

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NOTÍCIA - 27 de abril de 2016 27 de abril de 2016 - NOTÍCIAPESQUISA

CELSO MATTOS

Os processos de fermentação con-trolados são utilizados para elabo-

rar produtos como queijo, vinho, vina-gre, iogurte, cerveja e chás. Enquantoos micróbios “do mal” estragam a comi-da, os “do bem” são utilizados na fer-mentação para criar novos sabores eproduzir diferentes tipos de alimentos ebebidas. É o caso do projeto de pesquisa“Kombucha: desenvolvimento e carac-terização de bebida fermentada decamellia sinensis”, coordenado pelaprofessora Wilma Aparecida Spinosa,do Departamento de Ciências eTecnologia de Alimentos, do Centro deCiências Agrárias (CCA).

Kombucha é uma colônia compostade micro-organismos aglomerados emuma película parecida comuma “panqueca”. Quando essa películaé colocada em um recipiente contendouma mistura do chá e do açúcar, trans-forma o líquido em uma bebida refres-cante, gasosa e ácida que pode substi-tuir o refrigerante. A cultura doKombucha se alimenta do açúcar e, natroca, produz outras substâncias valio-sas que se formam na bebida. É umabebida muito tradicional na cultura asi-ática cuja técnica pode ser utilizada emdiferentes tipos de chás como o verdeou preto, por exemplo.

O processo muda o sabor do chádeixando a bebida mais ácida, gostosa,refrescante e benéfica à saúde. A téc-nica agora está sendo desenvolvida emuma pesquisa de mestrado do programade pós-graduação em Ciência de Ali-mentos da UEL, utilizando o Kombuchano chá mate que é muito consumido emalgumas regiões do Brasil.

Sob orientação da professora WilmaSpinosa, a pesquisa é realizada pelomestrando Vitor Hugo Tsuru. Ele res-salta que o Kombucha é uma bebidamilenar, mas o estudo está fazendo umareeleitura, uma adaptação para os hábi-tos dos brasileiros.“Na Ásia ela é muitoutilizada no chá verde ou preto, mas napesquisa estamos utilizando na erva mateque é uma matéria prima da América doSul”, explica o estudante. Ele acrescen-ta que a fermentação resulta em sabo-res diferentes do mesmo produto. “Amudança de sabor depende do processode fermentação”.

Nos Estados Unidos, Europa e Ásia épossível encontrar o Kombucha industri-alizado e vendido em latinhas e garrafas

Micróbios do “bem” são usados para criar novos saboresPesquisa desenvolvida no programa de pós-graduação em Ciência de Alimentos (CCA) usa o Kombucha na fermentação do chá mate. O resultado é uma bebida com sabor mais ácido e refrescante que pode substituir o refrigerante

A professora Wilma Spinosa também desenvolve pesquisas na área de fermentadoscomo, por exemplo, vinagre extraído do melaço de soja, da banana, do gengibre e docúrcuma. O Kombucha é uma das linhas de pesquisa.

Segundo ela, a fermentação também é uma forma de aproveitamento de produtos quenão têm mais comercialização. É o caso da banana que, quando começa a ficar escura detão madura, os supermercados acabam descartando. “Essa banana pode ser fermentadae virar vinagre”, diz Wilma Spinosa.

As pesquisas desenvolvidas pela professora já renderam reportagens para os programasGlobo Repórter e Mais Você, este último apresentado por Ana Maria Braga, da Rede Globo.

Reportagem publicada no suplemen-to Folha Ciência, do jornal Folha de S.Paulo, no dia 11 deste mês, destaca oprocesso de fermentação a base de fun-gos e bactérias do “bem”. O Katsuobuchi,por exemplo, é um atum fermentadovendido em raspas. O produto é usadona preparação do Daschi, um dos caldosbásicos da culinária japonesa.

Já o Kefir é uma colônia de micro-organismos imersa em polissacarídeose proteínas. Originário do Cáucaso, éformado por lactobacilos e levedurasaptos a fermentar o leite e outras bebi-das. O Koji é um bolor utilizado nasculinárias chinesa e japonesa para fer-mentar o feijão de soja e para sacarificar

o arroz e a batata na produção de bebidasalcoólicas como o saquê.

O Missô, ingrediente tradicional ja-ponês é feito a partir da fermentação dearroz, cevada e soja com sal. O resulta-do é uma pasta usada principalmentepara fazer uma sopa chamada mis-soshiru. O KVAS é uma bebida fermen-tada à base de pão ou de centeio popularna China, na Rússia, no Báltico e nasculturas eslavas. Pode ser preparada emversões com ou sem álcool. O Tsuke-mono é uma conserva em vinagre ouácido cítrico. Há vários tipos de alimen-tos que podem ser fermentados comesta técnica, como o gari-gengibre, opepino-japonês e a acelga.

Fungos e boloresviram iguarias culinárias

Vinagre de bananaem supermercados. “Entretanto, aqui noBrasil é pouco conhecido e, geralmente,preparado em casa como se faz com oiogurte caseiro. Mas nossa intenção épesquisar sua eficácia em matéria primaque faz parte dos hábitos alimentares dosbrasileiros para difundir seu consumo noBrasil. É uma bebida que pode substituiro refrigerante”, esclarece Vitor Hugo.“Aqui, o chá mate é consumido quente eapenas em algumas regiões. Além disso,não agrada o paladar de muita gente. Afermentação deste chá com o Kombucha,além de deixar o sabor mais agradável, éconsumido gelado, que é mais apropriadoao nosso clima”, acrescenta o mestrando.

A professora Wilma Spinosa desta-ca que as pesquisas desenvolvidas naárea de fermentação no programa depós-graduação em Ciência de Alimen-tos têm como objetivo fornecer dadoscientíficos na produção de diferentesalimentos. “Utilizamos luz controlada,bases da química e regras estatísticaspara transformar um produto em outro.“Além de produzir um alimento maissaudável, trabalhamos para que essealimento seja gostoso e agrade o pala-

O mestrando Vitor Hugo e a professora Wilma Spinosa trabalham na fermentação do Kombucha na erva matedar do consumidor. Comida tem que sersaborosa”, afirmar.

Ela lembra que em países europeus,em especial os nórdicos, cientistas liga-dos à área de alimentos trabalham emparceria com chefs de cozinha paradescobrir novos produtos e sabores.“Nesses países a técnica de fermenta-ção é utilizada também na preservaçãodos alimentos, considerando que devidoao inverno longo e rigoroso a produçãoocorre apenas alguns meses por ano, aocontrário do Brasil onde se produz o anointeiro”. A professora, inclusive, desen-volve produto a base de fermentação domel de abelha sem ferrão para o chef decozinha brasileiro Alex Atala.

Segundo a lenda, o Kombucha surgiuna Ásia há mais de 2 mil anos. Ummédico coreano chamado Kombu curouum imperador japonês de um dor deestômago com um chá fermentado comKombucha e partir disso, a bebida seespalhou pela Ásia e depois para o mun-do. A professora Wilma Spinosa ressaltaque todo produto tem suas histórias elendas que são importantes e não devemser descartadas na pesquisa científica.

Nos EUA, Europa e Ásia o Kombucha écomercializado em latinhas ou garrafas

O resultado é uma bebida ácida, gasosa e refrescante. Ideal para o clima tropical do Brasil

O Kombucha depois de 7 dias de fermentação fica com uma