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O Acordo de Capitais de Basiléia III: Mais do Mesmo? Karla Vanessa B. S. Leite Doutoranda da Universidade do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil Marcos Reis Doutorando da Universidade do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil Resumo Basiléia III é o nome utilizado para indicar o conjunto de alterações feitas pelo Comitê de Basiléia que foram inseridas no documento conhecido como Basiléia II. As principais mudanças introduzidas por esse acordo foram as seguintes: aumento das exigências de capital dos bancos; introdução de um colchão de conservação de capital; introdução de padrões de liquidez e de alavancagem máxima global. É importante ressaltar que Basiléia III não se constitui em um novo acordo. É, antes, um conjunto de propostas de emenda ao acordo anterior, modificando as medidas que foram julgadas insuficientes, tanto para controlar a instabilidade dos mercados financeiros, quanto para evitar aocorrência de crises mais graves. Nesse contexto, o presente artigo se propõe a discutir o Acordo de Basiléia III com o propósito de mostrar que embora seja mais um passo na regulação prudencial, ainda traz mudanças tímidas que não podem ser consideradas como rupturas com os acordos anteriores e, portanto, com os moldes vigentes de regulação financeira que se mostraram fracassados. Parte-se do pressuposto que Basiléia III se constitui, sobremaneira, em uma resposta política às pressões feitas ao setor financeiro desde 2008, quando eclodiu a crise financeira. Palavras-chave: Regulação Financeira, Basiléia III; Sistema Bancário Classificação JEL: E32, E44, G18 Abstract Basel III is the name used to denote the set of changes made by the Basel Committee, which were inserted in the document known as Basel II. The main changes introduced by this agreement were the following: increase in the capital requirements of the banks, introduction of a cushion of capital conservation, introduction of standards of global liquidity and maximum leverage. It is important to notice that Basel III does not constitute a new agreement. It is rather a set of proposed amendments to the previous agreement modifying the measures that have been deemed insufficient in controlling the instability of financial markets, and to prevent the occurrence of more serious crisis. In this context, this present article intends to discuss the Basel Accord III with the purpose of showing that although it is a step in prudential regulation, it still brings changes that Revista EconomiA Janeiro/Abril 2013

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O Acordo de Capitais de Basiléia III: Maisdo Mesmo?

Karla Vanessa B. S. LeiteDoutoranda da Universidade do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil

Marcos ReisDoutorando da Universidade do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil

ResumoBasiléia III é o nome utilizado para indicar o conjunto de alterações feitas pelo Comitê

de Basiléia que foram inseridas no documento conhecido como Basiléia II. As principaismudanças introduzidas por esse acordo foram as seguintes: aumento das exigências decapital dos bancos; introdução de um colchão de conservação de capital; introdução depadrões de liquidez e de alavancagem máxima global. É importante ressaltar que BasiléiaIII não se constitui em um novo acordo. É, antes, um conjunto de propostas de emendaao acordo anterior, modificando as medidas que foram julgadas insuficientes, tanto paracontrolar a instabilidade dos mercados financeiros, quanto para evitar aocorrência de crisesmais graves. Nesse contexto, o presente artigo se propõe a discutir o Acordo de Basiléia IIIcom o propósito de mostrar que embora seja mais um passo na regulação prudencial, aindatraz mudanças tímidas que não podem ser consideradas como rupturas com os acordosanteriores e, portanto, com os moldes vigentes de regulação financeira que se mostraramfracassados. Parte-se do pressuposto que Basiléia III se constitui, sobremaneira, em umaresposta política às pressões feitas ao setor financeiro desde 2008, quando eclodiu a crisefinanceira.

Palavras-chave: Regulação Financeira, Basiléia III; Sistema Bancário

Classificação JEL: E32, E44, G18

AbstractBasel III is the name used to denote the set of changes made by the Basel Committee,

which were inserted in the document known as Basel II. The main changes introducedby this agreement were the following: increase in the capital requirements of the banks,introduction of a cushion of capital conservation, introduction of standards of globalliquidity and maximum leverage. It is important to notice that Basel III does notconstitute a new agreement. It is rather a set of proposed amendments to the previousagreement modifying the measures that have been deemed insufficient in controlling theinstability of financial markets, and to prevent the occurrence of more serious crisis. Inthis context, this present article intends to discuss the Basel Accord III with the purposeof showing that although it is a step in prudential regulation, it still brings changes that

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cannot be considered breaks with previous agreements and, therefore, the patterns offinancial regulation in force. It starts with the assumption that Basel III constitutes apolitical response to the pressures that are being made to the financial sector since 2008,when happened the outbreak of financial crisis.

1. Introdução

Na década de 1980, as mudanças nos sistemas financeiro e bancário – ocasionadas,em grande parte, pela introdução de inovações financeiras e pela liberalização –aliadas à percepção dos reguladores americanos de que os bancos do seu paísestavam sendo prejudicados pela competição internacional levou a formulaçãodo Acordo de Basiléia em 1988. Embora faça menções a preocupações com aestabilidade do sistema bancário, a principal meta do acordo foi igualar as condiçõesde competição entre os bancos de atuação internacional, no que concerne aos custosde obediência à regulação (Carvalho 2007).

O movimento de diversificação das atividades realizadas pelos bancos –impulsionado pela introdução de inovações financeiras que modificaram a formade operação do setor bancário – tornou o acordo rapidamente anacrônico. Comoresposta a essa situação, o Comitê de Basiléia retomou suas discussões resultandona emenda de 1996, através da qual foram impostos coeficientes mínimos de capitaltambém proporcionais aos riscos de mercado (até então se calculava somente o riscode crédito). Todavia, o cálculo desse risco foi deixado aos próprios bancos, cabendoao supervisor bancário examinar e aprovar os métodos de cálculo. Dessa forma,prosseguiu-se uma mudança de grande profundidade nos métodos de supervisãoe regulação que levou à revisão do Acordo de Basiléia I e resultou no Acordo deBasiléia II.

Nas duas últimas décadas, a internacionalização bancária com seus contínuosfluxos de capitais e a crescente integração dos mercados financeiros, seguida deinstabilidades econômicas dos sistemas monetários nacionais e pela recente crisefinanceira trouxeram, mais uma vez ao debate questões referentes à necessidade dofortalecimento do sistema monetário internacional, assim como da estabilidade dasinstituições financeiras.

Nesse sentido, a crise financeira recente tornou evidente a ineficiência do modelode regulação financeira vigente. As duas rodadas de regulação internacional,Basiléia I e II, não foram suficientes para impedir as práticas arriscadas dos bancos,que culminaram em uma profunda crise no sistema financeiro mundial em 2008.Nessa conjuntura, em 2010, foram aprovadas novas regras prudenciais para seremadotadas através de algumas fases, a partir de 2013 e com implementação total até2019.

? Recebido em novembro de 2011, aprovado em novembro de 2012. Artigo indicado para a Selecta 2011.E-mail addresses: [email protected], [email protected]

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Basiléia III é o nome utilizado para indicar o conjunto de alterações que vêmsendo feitas pelo Comitê de Basiléia e que devem ser inseridas no documentoconhecido como Basiléia II. As principais mudanças estão sendo introduzidas nospontos que, acredita-se, devem permitir aos bancos lidar de forma mais eficientecom o conceito de risco e as relações associadas a ele. O terceiro acordo de Basiléiaaumenta as exigências de capital de alta qualidade, ao qual será somado ainda umcolchão de proteção do capital. Além disso, em paralelo a esse ajuste na composiçãode capital dos bancos, foram criados dois índices: um de alavancagem e outro decobertura de liquidez. Isto posto, em termos de requisitos regulamentares, o acordotem se concentrado em propostas que prevêem três áreas onde as restrições devemser modificadas: regulação de capital, liquidez e alavancagem.

Com Basiléia III, pretende-se fortalecer a resiliência do setor bancário tornando-omais capaz de lidar com questões cruciais para o sistema financeiro, e para aeconomia como um todo, evitando os riscos que engendraram a recente crisefinanceira internacional.

Ainda é de suma importância ressaltar que, apesar de representar algum avançoregulatório, Basiléia III não se constitui em um novo acordo, uma vez que nãoapresenta rupturas com a forma de se fazer regulação das propostas anteriores. É,antes, um conjunto de emendas à Basiléia II, modificando as medidas que foramjulgadas insuficientes, tanto para controlar a instabilidade dos mercados financeiros,quanto para evitar a ocorrência de crises mais graves.

Nesse contexto, o presente artigo se propõe a discutir o Acordo de BasiléiaIII com o propósito de mostrar que embora a reforma seja mais um passo naregulação prudencial, as mudanças introduzidas são muito tímidas, marginais, eque, portanto, não podem ser como rupturas com os acordos anteriores e, portanto,com os moldes vigentes de regulação financeira que se mostrou fracassada. Parte-sedo pressuposto que Basiléia III se constitui em uma resposta política à eclosão dacrise financeira recente.

Assim sendo, para que se cumpra o objetivo proposto, o artigo encontra-seestruturado em cinco seções além dessa Introdução. Na Seção 2, são apresentadosos principais pontos presentes no acordo de Basiléia II em relação aos coeficientesde capital ponderados pelo risco, destacando, entre outras críticas, como estetende a aprofundar o caráter pró-cíclico das instituições financeiras. Na Seção 3,apresenta-se a proposta de Basiléia III. A Seção 4 traz uma apreciação da propostaapresentada, destacando alternativas e caminhos a serem explorados dentro dotema de pesquisa. Na Seção 5, as críticas ao referido acordo são compiladas e éfeita uma discussão sobre o que se pode esperar de Basiléia III. A Seção 6, a títulode conclusão, sumariza os argumentos principais do artigo.

2. O Acordo de Basiléia II

O acordo de capitais denominado Basiléia II (Basel Committee on BankingSupervision 2004) foi, ao contrário do primeiro acordo, formulado como uma

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peça de regulação prudencial (Carvalho 2005b). Enquanto Basiléia I enfatizava onivelamento das condições de concorrência entre bancos internacionalmente ativos,Basiléia II trata de riscos bancários, o que implica uma análise mais idiossincrática,observando o conjunto de riscos a que cada instituição está sujeita.

Passa-se de uma estratégia de regulação tutelar para um método em que ospróprios bancos são incentivados a mensurar seus riscos e melhorar seus sistemasinternos de controle. Fica claro que os formuladores do acordo decidem adotaruma postura mais “market-friendly”. Assim, “Há, implicitamente, o reconhecimentode que, diante do elevado grau de inovação financeira, qualquer tentativa depré-classificar riscos tende a se tornar rapidamente obsoleta” (Castro 2007).

As diretrizes básicas do acordo estão sumariadas na Figura 1.

Fig. 1. A estrutura de Basiléia II

Fonte: http://www.iapmei.pt. Acessado em 17/10/2010.

É por meio do pilar (I) que se estabelece o índice de Basiléia, expresso pela razãoentre a quantidade de capital e as exigências regulatórias para cobrir os riscos; asparcelas para cobrir o risco operacional e o risco de mercado devem ser somadasà parcela de capital para risco de crédito. Já o risco operacional é uma novidadeintroduzida pelo comitê.

Para a apuração de tais riscos, propõe-se o cálculo de coeficientes de capitalpor meio de diferentes métodos, cuja escolha dependerá da capacidade do banco deadotar os meios mais avançados de mensuração e administração de riscos. Para cadacategoria, existem técnicas “padrão”, onde as categorias são pré-fixadas pelo Comitêda Basiléia e “próprias”, onde se faz uso de modelos internos. Nas primeiras, ospesos atribuídos aos ativos continuam a ser fixados de forma exógena. Reproduz-seo espírito do acordo de 1988, substituindo-se, porém, a tabela pré-fixada declassificação de riscos pelo uso de informações geradas por agências de avaliação deriscos, como as empresas de rating.

Já nos modelos internos, utiliza-se parcial (Foundation) ou totalmente(Advanced) insumos dos bancos no cálculo dos coeficientes. Assim, como aexpectativa é a de que métodos mais avançados de administração de risco permitama redução dos coeficientes exigidos de capital, haveria um incentivo explícito aosbancos para o avanço nessa área (Carvalho 2007).

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2.1. Os três pilares de Basiléia II

O primeiro pilar se relaciona aos requerimentos mínimos de capital próprio. Paracalculá-lo, a abordagem sugerida por Basiléia II usa o método “de baixo paracima”; ou seja, calculam-se os riscos associados a cada posição e depois se agregamos valores para chegar ao valor exigido a fim de lastrear determinado portfólio(Morandi e Firmo 2010).

Em relação ao risco de mercado, são dois os mecanismos de cálculo dosrequerimentos de capital: a forma padronizada e modelos internos. Na formapadronizada, é utilizada uma metodologia na qual são calculados separadamente osriscos específicos de cada ativo e os riscos gerais. As formas de cálculo para os riscosespecíficos e gerais variam conforme o tipo de exposição em análise e conforme ascaracterísticas de avaliação de riscos e maturidade.

Já no método avançado, os requerimentos de capital são obtidos por meiode modelos V aR, com certa liberdade em relação ao tipo de modelo (histórico,paramétrico, etc.) e em relação aos métodos para estabelecer correlações entre osfatores de risco (juros, câmbio, ações etc.). Adicionalmente, neste método, devehaver o registro histórico dos dados relevantes para o cálculo das exposições depelo menos um ano (Freitas 2008).

No cálculo da exposição ao risco de crédito, há a possibilidade de utilização detrês métodos alternativos: padronizado (Standard) e modelos internos de risco (IRB– Internal Ratings Aproach), que podem ser decompostos na versão básica (FIRB –fundation alinternal ratings aproach) e avançada (AIRB – advanced internal ratingsaproach). O foco das exigências de capital recai sobre a cobertura de perdas nãoesperadas. O intuito é que as perdas esperadas estejam devidamente cobertas porprovisões. 1

A vantagem das abordagens IRB sobre a padronizada é que a primeira podeproporcionar ao banco uma diminuição de capital e, portanto, um maior retornosobre o patrimônio. Desse modo, são as próprias instituições que devem calculara probabilidade de inadimplência através de modelos próprios chancelados pelosreguladores.

Os bancos devem agrupar suas posições em alguns “grupos de risco”, cada qualassociado a um rating de risco de crédito. A cada rating deve ser associada umaprobabilidade de default (PD), utilizando uma base de dados de, no mínimo, cincoanos. Para os cálculos das probabilidades, devem ser consideradas senioridades epreferência em relação a outros créditos, mas não devem ser consideradas garantiasreais ou colaterais. A PD de um devedor classificado em certo rating deve refletir,portanto, a probabilidade de que esse venha a inadimplir no período de um ano àfrente, independentemente da capacidade do credor minimizar as perdas por meio

1 “O objetivo da manutenção de uma parcela mínima de capital é servir como colchão de segurança paraque a instituição financeira enfrente perdas extremas, ou perdas não esperadas, associadas a eventos derisco sistêmico que afetam simultaneamente exposições em risco de vários agentes econômicos” (Morandie Firmo 2010).

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da recuperação do crédito (Morandi e Firmo 2010).Para gerenciar o risco de crédito de uma carteira com diversas operações, o banco

deve considerar, além do risco de cada tomador, a correlação entre os eventos deinadimplência. O comitê orienta que os bancos devam gerir o risco de crédito de suacarteira de forma conjunta e não apenas as suas exposições individuais. A gestãodo risco conjunto da carteira é feita, assim como no risco de mercado, com modelosbaseados em uma metodologia V aR. Originalmente criado para mensurar o riscode mercado, o uso do V aR foi rapidamente disseminado para a área de gestão derisco de crédito.

Uma diferença entre as distribuições usadas no V aR para risco de mercado eno V aR para risco de crédito é que a primeira representa os possíveis resultados(ganhos e perdas) da carteira, enquanto a segunda distribuição representa apenasas possíveis proporções de inadimplência. Ainda, sua mensuração é mais complexaque a do risco de mercado. Além da liquidez mais restrita que apresenta a carteirade crédito – fazendo com que a construção de séries históricas diárias seja muitodifícil ou até mesmo impossível – há de se observar que uma perda elevada nacarteira de crédito pode levar um banco à falência. Por isso é usual a adoção deum nível de confiança bastante conservador (99,9% ou até mesmo maior).

A inclusão do risco operacional no cálculo dos coeficientes mínimos de capitalpretende adicionar uma proteção contra eventuais perdas resultantes de erros oufalhas decorrentes de processos internos, ação humana, sistemas inadequados, eainda as provenientes de eventos externos. Procura-se, portanto, uma prevençãocontra fraudes internas e externas, manipulações de mercado, danos a ativos físicos,problemas de contabilidade e de uso inadequado de softwares e hardwares, entreoutros.

O segundo pilar se refere ao processo de supervisão. Há uma ampliação dopapel do regulador, podendo esse avaliar a forma de cálculo do capital exigidopraticada por cada banco e intervir sempre que julgar necessário. Como observaCastro (2009), “O objetivo maior é estabelecer um diálogo permanente entreregulados e órgão regulador, aumentando a segurança do sistema, permitindointervir em situações de crescimento do risco e/ou evitando a criação de vantagensou desvantagens entre instituições reguladas”.

A possibilidade dos bancos elaborarem sua própria estratégia para lidar como risco impõe aos supervisores a necessidade aprovar a validade e verificar acapacidade de implementação da estratégia por parte da instituição financeira.Isso envolve examinar os métodos bancários de levantamento, monitoramento eprocessamento de informações relevantes (Carvalho 2005a).

De tal modo, cabe ao regulador observar se as metas de capital são bemfundamentadas e consistentes com o perfil de riscos e o ambiente operacional dainstituição. Ademais, devem-se avaliar cenários e exigir a realização de testes deestresse com a intenção de perceber possíveis mudanças que possam ter impactosadversos sobre o banco. 2

2 Jiménez e Saurina (2006) destacam a importância dos testes de estresse dentro do arcabouço

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A ênfase deve ser na gestão e nos controles, com o cuidado de não assumir funçõestípicas de administração do banco. É recomendável a realização de análises diretase indiretas, discussões com a diretoria, a revisão dos trabalhos realizados pelosauditores internos e externos e relatórios periódicos (Freitas 2008).

Conforme visto na exposição do pilar I, o método proposto pelo comitê calculao risco de crédito da carteira com base na premissa de que não há concentraçãodo portfólio em qualquer dimensão especifica do risco. Já o pilar II assegura aossupervisores a capacidade de exigir capital adicional, caso se avalie a necessidade.Assim, caso se verifique que o risco de concentração da carteira é relevante, deve-seexigir um colchão adicional de capital (Morandi e Firmo 2010). Com isso, Freitas(2008) observa que:

Os requerimentos do Pilar I são entendidos como um “colchão” diante de incertezassobre o sistema bancário entendido de forma homogênea, sem a consideração deespecificidades individuais, como por exemplo, aspectos relacionados à concentraçãode suas carteiras e a qualidade dos controles. Desta forma, situações singulares que nãoestejam previstas no Pilar I, podem ser objeto de requerimentos adicionais de capitalpor parte dos supervisores.

Cabe destacar que para realizar as tarefas descritas no Pilar II, precisar-se-áde supervisores altamente qualificados. Os mesmos deverão ser capazes decompreender e avaliar modelos de gestão de risco elaborados por profissionais dasinstituições financeiras.

Conclui-se que o destaque dado ao processo de supervisão é salutar na medidaem que permite aos reguladores flexibilizarem os requerimentos de capital antea detecção de problemas. Em uma situação de crise, por exemplo, permitiriauma intervenção que buscasse injetar liquidez no sistema. No caso oposto, Borio(2009) observa que“Through Pillar 2, it has substantially enhanced the scope forsupervisors to require levels of capital above the minima, thereby allowing themto tailor the capital cushion to the risk incurred by institutions”. Portanto, umpilar II robusto poderia funcionar como um meio de fornecer respostas a processosendógenos do sistema, contribuindo com a solidez das instituições.

O terceiro e último pilar trata da disciplina de mercado. Ele traça políticas erequerimentos com a intenção de que os bancos sejam transparentes na divulgaçãode informações relevantes sobre seus níveis de capital, suas operações, principaisriscos a que estão expostos e tipos de controles adotados. 3 Baseados na hipótesede existência de informação assimétrica no mercado, esses expedientes são vistoscomo necessários no provimento de uma correta disciplina de mercado.

regulatório proposto: “[...] the first regulatory answer would be to cope with credit risk resulting fromlending cycles using loan loss provisions. If accounting or whatsoever restrictions render this mechanismnot available, Basel II Pilar 2 might be very well suited to accommodate this prudential mechanism interms of stress testing.”3 Segundo Borio (2009), “The challenge is reduce the procyclical sensitivity of the framework withoutsacrificing its ability to differentiate across risks at a point in time, and to do so through simple andtransparent adjustments.”

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2.2. Críticas ao acordo de Basiléia II

Apesar de percebido como um avanço em relação à Basiléia I no tocante àpreocupação com a higidez do sistema financeiro, o acordo de Basiléia II apresentainúmeros pontos falhos.

Em primeiro lugar, destaca-se a inclusão do risco operacional nos cálculos decoeficientes de capital mínimo. A baixa frequência dos dados de risco operacionaldificulta a utilização por aproximação de distribuições de probabilidade de usomais difundido, tal como a Normal. Ainda, não há garantias de que as categoriasde eventos previstos em Basiléia possuam informações em sistema (alguns controlessão gerenciais). Ademais, é de se esperar que muitas instituições não possuam sérieshistóricas de perdas bem estabelecidas, já que a prática contábil frequentemente asapurava como “outras despesas financeiras” nos balanços internos (Castro 2009).

Ainda, no risco operacional, ao contrário dos outros dois, não há espaço para apossibilidade de contágio, razão colocada como principal na observância da higidezda instituição financeira sob a ótica macroeconômica.

Outro problema de Basiléia II é a sofisticação e a complexidade dos modelosde controle de risco. Com as críticas à simplicidade de Basiléia I, os reguladoresprocuraram fornecer uma metodologia mais completa para o tratamento do risco.Porém, devido à excessiva complexidade, tanto os bancos – que deverão investirmais em gerenciamento de risco – quanto os supervisores, que deverão possuirequipes capazes de analisar os modelos desenvolvidos, incorrerão em maiores custos.

Com a tarefa de avaliar e julgar as estratégias de risco e os métodos deadministração e controle utilizados pelas instituições financeiras se faz necessárioque o órgão supervisor seja formado por profissionais de alta capacidade. Assim,dado a capacidade de inovação e o constante aperfeiçoamento das práticasbancárias, será necessário que os encarregados de regular o mercado se mantenhamconstantemente atentos e atualizados.

Surge então o problema observado por (Carvalho 2005a), que, diante das altasremunerações do setor privado, aventa-se a possibilidade de cooptação por partedas instituições os supervisores mais qualificados, fazendo com que seja difícilpara o aparato regulatório manter uma equipe de nível elevado. Ainda, (Carvalho2007) destaca a possibilidade de ocorrência de mais um problema: “a captura dosupervisor pela instituição bancária, que pode sobrecarregá-lo com dados, modelos,simulações, etc. de modo a intimidá-lo, forçando-o a validar quaisquer escolhasfeitas pelo banco”.

A metodologia proposta pelo acordo poderá funcionar bem durante períodosde normalidade, quando os modelos de risco poderão fazer previsões corretas eestipular capital suficiente para absorver perdas ocasionais. Entretanto, ao não levarem conta a dinâmica específica das crises financeiras, onde pode ocorrer contágiocumulativo e de forma não linear, o modelo proposto não atende plenamente aopropósito de proporcionar maior solidez ao sistema financeiro.

O uso dos modelos de risco propostos no arcabouço do acordo trazem a

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metodologia V aR ao centro da discussão. É natural que, para resumir o riscoem um único número, muitas hipóteses simplificadoras devam ser feitas. Assim,deve se destacar que o mais importante não são os resultados dos modelos, massim as decisões tomadas com base neles. Caso se compreenda suas limitações, elespodem ser úteis no auxilio dos caminhos a serem seguidos. O que não pode ocorreré o usuário aceitar o resultado apresentado como uma medida objetiva do risco,independente das condições de mercado.

A mais notória dentre as hipóteses simplificadoras do V aR é a de que adistribuição conjunta dos fatores de risco é normal. Eventos extremos são bemmais comuns nos mercados financeiros do que os que se espera numa distribuiçãonormal, de modo que, na prática, deva se observar caudas mais espessas (Lowenkron2010).

Dada essa característica, o V aR deve ser interpretado como uma medida derisco em “condições normais de mercado”. Ao reconhecer esta limitação, o comitêestabelece, além do uso 99% como nível de significância no cálculo probabilístico, anecessidade de cada instituição estabelecer um nível de perda com o qual se senteconfortável em situações “normais” (V aR) e em estresse (teste de estresse).

Assim, uma característica altamente subjetiva que é o risco passa a sercapturada e traduzida em apenas um número, fazendo com que os cálculosde requerimentos mínimos de capital possam ser feitos. Em outras palavras,“Value-at-Risk calculations transform complex and multifaceted risk positions (andhence potentially huge nominal amounts) into a single compressed risk figure. It istherefore critical to understand the limitations of such statistical measures of risk”(Hannoun 2010).

O emprego pelos bancos de técnicas de modelagem similares os torna maishomogêneos em suas estratégias e, por conseguinte, o sistema mais volátil e instável.O argument pode ser ilustrado da seguinte maneira: “Of special concern is howthe proposed regulation would induce the harmonisation of investment decisionsduring crises with the consequence of destablising rather than stablising the globalfinancial system” (Danielsson et alii 2001).

Essa homogeneidade nos traz ao principal problema do uso de modelos de riscotais como o apresentado. Os participantes do mercado geralmente veem o risco,baseados nos modelos, como exógeno. Assume-se que as ações individuais, baseadasem uma volatilidade prevista não afetarão a volatilidade futura, tal como prever oclima não o afeta no futuro (idem, 2001).

Porém, com o florescer de uma crise – tal como observado na recente crisefinanceira –, os dados sofrerão uma “quebra estrutural” e as expectativas setornam mais homogêneas. Portanto, a hipótese da estacionariedade é violada. Osdados utilizados até então se tornam inúteis para o propósito da estimação sobessa mudança. Conclui-se que por ser extremamente sensível às volatilidades domercado, de forma que, quando a instabilidade do mercado aumenta, as perdasauferidas elevam-se de forma significativa, o VaR é um instrumento que bem refleteo comportamento do mercado. Entretanto, ao ser usado como metodologia paracapital regulamentar, comporta-se de forma pró-cíclica (Castro 2009).

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Portanto, o sistema, que já seria endogenamente instável – como observado porMinsky (1986) – pode ter suas flutuações exacerbadas pelo uso do modelo emquestão. Ainda, o mecanismo de regulação poderá não só ser incapaz de deter umcolapso como ainda ser um dos seus responsáveis diretos. 4

De tal modo, o acordo é essencialmente pró-cíclico, e ao invés de mitigar talcaracterística que já se faz presente no crédito bancário a exacerba, aprofundandoos ciclos econômicos. A percepção de um maior risco de default durante um períodorecessivo provoca uma realocação nos portfólios de empréstimos dos bancos, o queleva ao aumento do capital requerido e quase que inevitavelmente à redução docrédito, a qual, por sua vez, contribui para agravar a recessão econômica. Em umcenário de crise, quando há crescente incerteza, os bancos rumam para posturasmais conservadoras, dada o aumento na sua preferência pela liquidez. Porém, talprocesso é danoso do ponto de vista macroeconômico, pois, especialmente nestesmomentos, o crédito é fundamental para evitar que as firmas que apresentemposturas mais especulativas entrem em falência, além de seu papel essencial nofinanciamento da economia. Nesse sentido, a fixação de coeficientes de capitalsensíveis ao risco, como forma de proteção microeconômica, pode entrar emcontradição com os objetivos macroeconômicos, com sérias implicações sobre adinâmica do sistema econômico (Ohana e Reis 2010).

Danielsson et alii (2001) argumentam que em uma situação de deflação de ativos,a maioria dos bancos deve vender ativos para reforçar seu capital regulatório.Como a percepção do risco é maior, o modelo exigiria maiores quantias de capital,formando uma espiral deflacionária. Na ausência deste tipo de regulação, haveriaespaço para instituições mais propensas ao risco proverem liquidez ao mercado.

Conclui-se que o modelo de risco utilizado assume que os dados seguem umprocesso estocástico que depende apenas de observações passadas próprias e deoutras variáveis. Obviamente isso facilita a modelagem, porém, por construção,poderão capturar a aleatoriedade apenas em momentos de "calma", onde não hátanto problema em se assumir certa exogeneidade no risco.

De tal modo, passa-se à questão da suposição de ergodicidade na análiseeconômica. Para o cálculo dos modelos objetivos de medição de risco, como osdo tipo V aR, tal hipótese se faz estritamente necessária. A mesma, por não serempiricamente testável, deve ser suposta – ou ao menos aceita – pelo formuladordo modelo em questão. A essencialidade de tal hipótese em tais cálculos é destacadapor Davidson (2009):

Only if this ergodic axiom is accepted as a universal truth, will calculating probabilitydistributions (risks) on the basis of historical market data be statistically equivalent todrawing and analyzing samples from the future. Only under the ergodic axiom is thepast, the present, and the future all rolled up into one!

4 “The proposed regulations fail to consider the fact that risk is endogenous. Value-at-Risk candestabilize an economy and induce crashes when they would not otherwise occur” (Danielsson et alii2001). [grifo nosso]

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O Acordo de Capitais de Basiléia III: Mais do Mesmo?

Portanto, com o uso do axioma da ergodicidade, calculam-se os riscos de umamaneira que os resultados obtidos só sejam úteis caso a situação corrente se repitaconstantemente. Porém, como a história demonstra as perdas auferidas durantemomentos de “quebra estrutural” e devido a “choques externos” se mostram graveso bastante para que se questione o uso de tal metodologia. 5

É preciso se destacar, ainda, que medidas tradicionalmente adotadas na regulaçãofinanceira no período pré-acordos de Basiléia como a restrição à alavancagem eexigência de índices mínimos de liquidez foram abandonadas sob a crença de quea exigência de capitais mínimos ponderados pelo risco seria medida suficiente parapreservar a solvência das instituições.

Na análise feita no período pós-deflagração da crise financeira, é possível destacarainda dois temas que se tornaram centrais. O primeiro se relaciona ao papel dasagências de rating. Como a ponderação de riscos é feita, no modo tradicional, com ouso da classificação de risco que tais agências dão aos ativos, os erros monumentaisna avaliação de risco apresentado por elas foram determinantes para que diversosagentes experimentassem um derretimento patrimonial acentuado. Portanto, acredibilidade das mesmas perante o público sofreu um abalo considerável e adiscussão sobre a validade do uso das mesmas para fornecer insumos aos cálculosse tornou mais intenso.

O segundo ponto, que será discutido adiante em maior profundidade, é apossibilidade que as instituições financeiras se aproveitem dessa situação de“auto-regulação” e se aventurem em atividades obscuras e operações opacas taiscomo os CDOs e os Veículos de Investimento Estruturado, entre outros (Blinder2010).

3. O Acordo de Basiléia III

3.1. A insuficiência de Basiléia II e o surgimento de Basiléia III

Com a agudização da crise internacional em meados de 2008, acentuam-se ascríticas ao arcabouço regulatório então prevalecente, Basiléia II. Os resultadosda crise foram devastadores para diversos países, estima-se que globalmente 30milhões de pessoas tenham perdido seus empregos desde 2007 até 2010. Houveinterrupção do crescimento, arrefecimento do comércio internacional e aumento dadívida pública em um grande número de países (Viñals 2010).

A fragilidade exibida pelas instituições financeiras deixou claro que o modelo deregulação adotado não era suficiente para prevenir crises de grandes proporções.De tal modo, o recente acordo de capitais de Basiléia II, lançado em 2004 e aindaem fase de implementação em diversas localidades passa a ser apontado como um

5 Como exposto, além de ignorar a natureza endógena do risco, esse tipo de modelo ignora a existênciada incerteza do tipo Knightiana, não redutível ao risco probabilístico. Como observa Danielsson (2009):“If the results are less than satisfactory, the solution is to further develop the model and/or expand thedata set. All still comfortably within the universe of Knightian risk. In this particular view, the problemof imperfect risk measurement has a simple solution – more sophistication”.

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dos principais fatores que levaram à eclosão da crise. Assim, como observa Georg(2011): “Although Basel II was not fully implemented by the time the financialcrisis struck, it was agreed upon by the G20 leaders that it has to be reformed inorder to cope with systemic risk as well.”

Dentre as lições apreendidas em decorrência da crise, destaca-se a constataçãode que a regulação financeira não pode ser focada no individuo, é preciso que sereconheça que o sistema como um todo é maior que a soma de suas partes. Portanto,a regulação proposta até então deve ser complementada por uma série de medidasde cunho “macroprudencia” que objetivem a higidez do sistema e a contenção dorisco sistêmico. 6 Nesse contexto, Viñals (2010) observa que:

The first three “must haves” – microprudential regulation, supervision, and resolution –are necessary, but as the crisis has made clear, they are not sufficient to rein in systemicrisks. They must be complemented by an overarching macroprudential framework anda set of new tools to complete the toolkit to address systemic risks.

Dentre as causas da relacionadas mais diretamente à questão da regulaçãofinanceira encontram-se: o excesso de liquidez global; a alavancagem dos agentesem patamares contraproducentes; pouco capital de alta qualidade nas instituiçõesfinanceiras, requerimentos de capital inadequados e os processos de securitização. 7Ainda, destacam-se problemas com a governança corporativa, a gestão de risco eos problemas de transparência de mercado por parte das instituições financeiras(Wellink 2011). 8

A crise foi amplificada por um processo agudo de deflação de ativos, pelasinterconexões tanto das instituições que operam no mercado financeiro quantodessas para com a economia de modo geral. Em um mundo cada vez maisfinanceiramente globalizado, as crises tendem a se espalhar com uma velocidadecada vez maior. Esse processo levou a um abrupto estancamento da oferta de créditoe tornou-se inevitável a ação dos governos no intuito de amenizar as consequênciasda crise – fruto, em especial, de ingerências das instituições financeiras –, resultandoem um processo de “socialização das perdas”. Em outras palavras, (Basel Committeeon Banking Supervision 2010a):

The crisis was further amplified by a procyclical deleveraging process and by theinterconnectedness of systemic institutions through an array of complex transactions.

6 Diversos autores observam que o arcabouço regulatório em vigor durante a crise é deficientepois possui natureza “microprudencial”, limitando-se a garantir a solvênvcia individual dos bancos eignorando aspectos “macroprudenciais” da regulação financeira. Dentre vários, destacam-se: Kashyap eStein (2004) e Brunnermeier et alii (2009).7 Wray (2011) destaca que a disseminação da securitização pode ser apontada como uma das principaiscausas da crise. Ao usar tal artefato as instituições financeiras não arcariam com os custos deempréstimos que futuramente possam vir a inadimplência.8 Em sua leitura sobre as causas da crise o comitê de Basiléia, em consonância com o autor, enfatizatais questões como essenciais para a ocorrência e a gravidade da crise ocorrida: “The depthands everityof the crisis were amplified by weaknesses in the banking sector such as excessive leverage, inadequateand low-quality capital, and insufficient liquidity buffers. The crisis was exacerbated by a procyclicaldeleveraging process and the interconnectedness of systemically important financial institutions” (BaselCommittee on Banking Supervision 2010c).

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During the most severe episode of the crisis, the market lost confidence in the solvencyand liquidity of many banking institutions. The weaknesses in the banking sector wererapidly transmitted to the rest of the financial system and the real economy, resultingin a massive contraction of liquidity and credit availability. Ultimately the public sectorhad to step in with unprecedented injections of liquidity, capital support and guarantees,exposing taxpayers to large losses.

Há de se destacar ainda a percepção generalizada de que essa crise não podeser descrita como uma crise bancária padrão. As atividades desenvolvidas porinstituições como fundos hedge, bancos de investimento, seguradoras, entre outros,contribuíram enormemente para que a crise atingisse tais proporções. Assim, comoobserva Turner (2011):

This seemed at the time a new form of financial crisis, different from the classic bankfailures and bank runs of the past. And it occurred within a financial system whichin the 20 years before the crisis had seen dramatic growth in a complex system ofnon-bank credit intermediation. [grifo nosso]

Por fim, como resultado dos problemas enfrentados globalmente no combateà crise, a percepção de que uma regulação financeira mais robusta do que aanteriormente usada seria essencial tornou-se um ponto comum no debate. Ainda,não só tal regulação deveria ser a responsável por preservar a higidez do sistema,mas que toda a política econômica, incluindo políticas monetária e fiscal, sejamconsistentes com o objetivo de garantir a estabilidade financeira.

Na próxima seção apresentaremos o acordo de Basiléia III e nas seçõessubseqüentes será feita uma análise do mesmo com o objetivo de verificar se assuas propostas poderão realmente fazer com que tenhamos um sistema financeiromais saudável e que auxilie o crescimento/desenvolvimento global.

3.2. O acordo de Basiléia III

Em Novembro de 2010, em Seul, os países do G20 (grupo das 20 maioreseconomias) chegaram a um acordo sobre a reforma do sistema bancário e dassuas maiores instituições de crédito, apontadas como as responsáveis pela crisefinanceira de 2008. Esse acordo se refere ao Acordo de Basiléia III, queé formado,principalmente, pelos seguintes documentos: “Basel III: A global regulatoryframework for more resilient bank sand banking system” (Basel Committee onBanking Supervision 2010a) e “Basel III: International framework for liquidityrisk measurement, standards and monitoring” (Basel Committee on BankingSupervision 2010b).

As mudanças propostas pelo comitê de Basiléia são feitas com o reconhecimentodo fracasso do modelo de regulação até então prevalecente. Porém, como seargumentará adiante, apesar de representar um avanço em direção a um sistemafinanceiro mais estável e eficiente, o acordo pode ser considerado mais umcomplemento do que uma ruptura com o fracassado modelo de regulação

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anterior.Essencialmente, os principais pontos do Acordo passam por: reforço dos requisitos

de capital próprio das instituições de crédito; aumento considerável da qualidadedesses fundos próprios; redução do risco sistêmico e um período de transiçãoque seja suficiente para acomodar essas exigências. Podemos elencar alguns dosobjetivos do novo acordo. Segundo o comitê, destacam-se (Basel Committee onBanking Supervision 2010c):• Aumentar a qualidade do capital disponível de modo a assegurar que os bancos

lidem melhor com as perdas;• Aumentar os requerimentos mínimos de capital, incluindo um aumento no capital

principal de 2% para 4,5%;• Criar um colchão de conservação de capital e de um colchão anticíclico de capital,

ambos em 2,5% cada;• Diversificar a cobertura do risco, incorporando as atividades de trading,

securitizações, exposições fora do balanço e derivativos;• Introduzir uma taxa de alavancagem para o sistema e medidas sobre

requerimentos mínimos de liquidez, tanto para o curto quanto (LCR) para olongo prazo (NSFR);

• Aumentar a importância dos pilares II e III do acordo anterior no processo desupervisão e de transparência. Para isso, o comitê propõe práticas para a gestãode liquidez, realização dos testes de estresse, governança corporativa e práticasde avaliação de ativos. Ainda, há a preocupação com a gestão e concentração derisco além da promoção de incentivos para que os bancos tenham uma melhoradministração do risco e retorno orientados para o longo prazo.Com a introdução de tais medidas, espera-se que seja possível se obter um sistema

bancário mais forte e estável, além de diminuir a alocação ineficiente de recursosque acontece em períodos de excessivo crescimento de crédito (Wellink 2010).

A Figura 2 ilustra a estrutura de Basiléia III:Com base nas novas exigências, as instituições serão obrigadas a deter um

volume maior de capital e ativos de alta qualidade para limitar os riscos que estãorelacionados à concessão de crédito, bem como à negociação de ativos. Ainda, terãoque aprimorar seus processos de gerenciamento de risco, disponibilizar ativos de altaqualidade (“colchões” de segurança), aumentar a liquidez para prover a coberturade desencaixes em períodos de estresse e ampliar a transparência e disponibilidadede informações.

O “colchão” de conservação de capital será equivalente a 2,5% dos ativosponderados pelo risco. A adoção será feita por etapas (vide anexo). Tal como orequerimento anticíclico de capital, entre os anos de 2016 a 2019, suai mplementaçãoserá feita gradualmente. Nesse período, poderá se acrescentar anualmente 0,625%no requerimento até que em 2019 atingir-se-á o limite máximo de 2,5% e daíem diante a medida estará em pleno vigor. Porém, o comitê (Basel Committeeon Banking Supervision 2010a) salienta que países que passem por um excessivoaumento de crédito poderão considerar a possibilidade de acelerar esse processo,cabendo às autoridades nacionais a decisão.

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Fig. 2. Estrutura de Basiléia III

Fonte: Elaboração Própria com base em http://www.moodyskmv.com/download/Basel-III-FAQ.pdf.

A diferença em relação aos requerimentos mínimos gerais é que esse “colchão”poderá ser utilizado pelos bancos em determinadas circunstâncias. Todavia, osmesmos terão que reduzir a distribuição de lucros e dividendos, caso se estejapróximo do percentual mínimo exigido. O objetivo do comitê é de evitar o que oocorreu na crise do subprime, onde mesmo passando por dificuldades, as instituiçõesmantinham suas políticas de distribuição de lucros e bônus normalmente. 9

Portanto, seu objetivo é garantir que os bancos e demais instituições financeirasque estejam sujeitas as regras do acordo mantenham uma reserva de capital como propósito de serem usadas em períodos de dificuldades. Assim, quanto menor orequerimento retido pelo banco, maiores as limitações quanto às distribuições debônus e dividendos.

No que toca aos requerimentos de capital, tem-se as seguintes características:i) capital nível 1 ou Tier 1 – foi estabelecido em 6% e se refere às reservas básicas

mantidas por um banco;ii) capital principal ou Core Tier 1 – estabelecido em 4,5%, inclui o capital social

que, por sua vez, constitui-se de cotas ou por ações ordinárias e preferenciaissem mecanismos de cumulatividade de dividendos e não resgatáveis;

9 Como observa Caruana (2010): “During the crisis, most of the banks continued to make distributionsat the accustomed, blue-sky rate, paying dividends and bonuses and repurchasing shares. This buffer isbest thought of as a microprudential tool with macroprudential implications, since it would leave thesystem more resilient as a downturn deepened.”

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iii) Capital de Proteção – somado ao capital principal, objetiva evitar que capitalseja esgotado rapidamente em tempos de crise;

iv) Capital anticíclico – tem por propósito forçar os Bancos a construir um“colchão” adicional quando houver sinais de que o crédito está se expandindode forma excessiva.

Apesar de o capital total mínimo ponderado pelo risco ter sido mantido em8%, este se elevará para 10,5% quando se somar os 2,5% exigidos como capital deproteção (vide anexo).

Além de procurar combater a pró-ciclicidade, Basiléia III se preocupa mais do queseu predecessor com a quantidade e, principalmente, a qualidade do capital exigidopara os bancos. 10 O recente acordo ainda incorpora requerimentos anticíclicos –0% a 2,5% e será adotado de acordo com as circunstâncias econômicas de cadapaís – e de conservação de capital, além de demonstrar uma maior preocupaçãocom as instituições consideradas “grandes demais para falir” (porém, a exigênciade requerimentos adicionais para tais instituições foi deixada para o futuro).

Outro ponto importante diz respeito à gestão do risco de liquidez. A experiênciaadvinda com a recente crise mostrou que requerimentos de capital maiores sãonecessários, porém não suficientes, para a manutenção da estabilidade financeira. 11É preciso que as instituições apresentem graus de liquidez satisfatórios, na medidaem que dado o descasamento de prazos entre ativos e passivos, não basta que asmesmas sejam solventes, mas também líquidas o suficiente de modo que possamcumprir suas obrigações frente a um aumento temporário dos saques.

Há a introdução de duas medidas de risco para racionalizar o acompanhamentoda liquidez:i) Taxa de Cobertura de Liquidez (Liquidty Covergae Ratio, LCR) eii) Taxa de Financiamento Líquido Estável (Net Stable Funding Ratio, NSFR).Essas medidas foram desenvolvidas para alcançarem dois objetivos distintos e

complementares. A LCR busca promover a liquidez de curto prazo garantindo quehaja ativos líquidos o suficiente no portfólio da instituição para um cenário deestresse agudo de um mês completo. Já a NSFR é orientada para o longo prazo.Seu objetivo é promover a resiliência bancária através da criação de incentivos paraque os bancos convivam com fontes mais estáveis de financiamento. Seu horizontede tempo é de um ano.

A implementação ocorrerá da seguinte forma: após um período de observaçãoque vai de 2011 a 2014, a LCR e a NSFR serão introduzidas em 2015 e 2018,respectivamente. O comitê pretende examinar cuidadosamente a operacionalizaçãoe as possíveis consequências da introdução dessas medidas durante, não só o períodoobservação, bem como imediatamente após a implementação das mesmas com

10 “In response to the recent Financial Crisis and to the realization that capital levels (which banksoperated with) during the period of the Crisis were insufficient and also lacking in quality, the BaselCommittee responded by raising the quality of capital - as well as its level” [grifo nosso] (Ojo 2010a).11 “During the early “liquidity phase” of the financial crisis, many banks – despite adequate capitallevels – still experienced difficulties because they did not manage their liquidity in a prudent manner.The crisis again drove home the importance of liquidity to the proper functioning of financial marketsand the banking sector” (Basel Committee on Banking Supervision 2010a).

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vistas a delinear impactos sobre a criação de crédito e o crescimento econômico(Basel Committee on Banking Supervision 2010a). 12

A LCR identifica a quantidade de ativos líquidos desonerados e de alta qualidadeque uma instituição detém e que podem ser usados para compensar as saídaslíquidas de caixa sob um cenário de estresse dividido pelo estoque de ativos líquidosde alta qualidade e as saídas de caixa por um período de trinta dias. 13 Portanto,essa medida é constituída de um numerador e um denominador. A razão entre eles,para ser considerada satisfatória, tem que se manter acima dos 100%.

Por sua vez, a NSFR apresenta uma medida de descasamento de maturidadesentre Ativos e Passivos. É composta pela razão entre a quantidade disponível definanciamento estável e o valor requerido de financiamento estável. Especificamente,temos o numerador formado pelos valores integrantes dos níveis I e II do PR eas obrigações com vencimento efetivo igual ou superior a um ano, enquanto odenominador é composto pela soma dos ativos que não possuem liquidez imediatae pelas exposições fora de balanço, multiplicados por um fator que representa a suapotencial necessidade de captação – Required Stable Funding (RSF).

O objetivo do comitê com a introdução desse requerimento de longo prazo paraa liquidez é garantir que ativos de maturidade mais longa sejam financiados emalguma medida por passivos com estabilidade suficiente para garantir a liquidez.Ainda, a NSFR oferece incentivos para que as instituições financiem o seu estoquede ativos líquidos com fundos de curto prazo cuja maturidade seja maior que ostrinta dias propostos pela LCR (Basel Committee on Banking Supervision 2010b).Também foi criado um índice de alavancagem, que será de 3% e deverá impedirque os bancos cometam excessos na concessão de empréstimos de alto risco.

Em relação ao risco de crédito, as principais mudanças em relação à Basiléia IIforam as seguintes:i) fortalecimento dos requerimentos de capital para risco de crédito de

contrapartes (CCR – Counter party Credit Risk) em operações de derivativos;ii) encargo de Capital para perdas por marcação a mercado em função de ajustes

em reavaliações de crédito nas operações de securitização;iii) garantias adicionais e requerimentos de margem para derivativos complexos e

ilíquidos;iv) maiores encargos de capital para exposições bilaterais (OTC).Uma das preocupações do comitê na elaboração do acordo de Basiléia III se

refere ao risco sistêmico gerado pela interconectividade das instituições em suasoperações bem como aos ativos que estão expostas, que são muitas vezes comuns.

12 “Introducing a new global liquidity standard is a complex process. Unlike the capital framework,for which extensive experience and data help inform the calibration, there is no similar track recordfor liquidity standards. The Committee is therefore taking a carefully considered approach to refinethe design and calibration and will review the impact of these changes to ensure that they deliver arigorous overall liquidity standard. It will carry out an “observation phase” to address any unintendedconsequences across business models or funding structures before finalizing and introducing the revisedstandards” (Basel Committee on Banking Supervision 2010c).13 Por ativos líquidos de alta qualidade, o comitê (Basel Committee on Banking Supervision 2010b)indica algumas possibilidades como: moeda, reservas no BC, títulos de dívida de tesouros nacionais oude instituições multilaterais, como o próprio BIS ou o FMI.

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Com a possibilidade de contágio entre os agentes que operam no mercado financeiro,sabe-se que até mesmo problemas ocorridos em uma instituição de pequeno portepodem se propagar e afetar a economia como um todo. Porém, pragmaticamente éaceitável que os reguladores tenham maior atenção na situação das instituições demaior porte (“too big to fail”), pois tais instituições estão expostas a um risco moralmuito alto, na medida em que sabem que, face a uma situação limite, o governogarantiria a solvência das mesmas.

Na recente crise global, ficou claro que diversas instituições tomaram umaproporção tão grande e se mostraram tão complexas e ramificadas que os governos– preocupados com a manutenção do sistema de pagamentos e do crédito bancário,essenciais ao bom funcionamento da economia – não tiveram outra saída a não seroferecer o socorro, em um processo onde as instituições se aproveitam dos momentosde lucro e as perdas são socializadas entre os contribuintes.

Inconvenientemente, não existe um indicador razoável para a mensuração dapossibilidade de risco sistêmico através do contágio resultante de um problemaindividual. Isso leva a um elemento significativo de incerteza quando se trata depropor medidas normativas para a questão (Georg 2011).

Entre as medidas propostas pelo comitê para combater essa questão do riscomoral e reforçar a higidez do sistema financeiro lidando com a interconectividadedas instituições, por Basel Committee on Banking Supervision (2010c), (Wellink2010) e Georg (2011), encontram-se:i) Aumento da robustez sob o ponto de vista macroeconômico do sistema

financeiro para reduzir o risco de contágio advindo de falências individuais;ii) Adoção de medidas extraordinárias pelo regulador, através do pilar II do

acordo, para que as maiores instituições sejam passiveis de exigências maiorese que sejam acompanhadas com maior vigilância pelos supervisores;

iii) Requerimentos maiores para exposições ao setor financeiro desencorajando oaumento da interconectividade entre as instituições;

iv) A introdução de requerimentos de liquidez, penalizando a exposiçãoexcessivamente de curto prazo, propiciando financiamento a ativos de longamaturação;

v) Requerimentos maiores para derivativos, ativos securitizados e exposições forado balanço.

As novas exigências introduzidas por Basiléia III revelam, essencialmente, duaspreocupações: a necessidade de gestão do risco sistêmico que a atividade bancáriarepresenta, bem como a importância de uma gestão mais prudente das instituiçõesfinanceiras nos tempos de relativa estabilidade, em função de eventuais ciclossubsequentes de maiores dificuldades. Feita uma apresentação sumária do Acordode Basiléia III, tem-se agora a base necessária para prosseguir com uma análisecrítica do mesmo.

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4. Uma Análise Crítica de Basiléia III

Apesar de poder ser considerado um avanço – ainda que modesto – na regulaçãofinanceira, Basiléia III apresenta pontos cuja eficiência dos resultados é, no mínimo,controversa e carrega alguns dos problemas do acordo anterior, como, por exemplo:o uso de modelos internos de risco, assim como o uso de modelos do tipo VaR paraos requerimentos de capital e o papel das agências de rating continua intocável. 14Ainda, o período de transição é muito longo, como pode se verificar no anexo queapresenta o cronograma de implementação do mesmo.

Ao avaliar a recente crise internacional, diversos analistas 15 observaram quea rápida expansão do shadow banking system foi a principal causa das altíssimastaxas de alavancagem às quais estavam expostas as instituições financeiras. A tarefade monitorar e regular esse verdadeiro sistema paralelo se tornou praticamenteconsensual desde então. Ainda, com o endurecimento da regulação financeirapromovido pelo acordo de Basiléia III, é de se esperar que as instituições financeirascada vez mais sejam atraídas pelos altos lucros aliados à frouxa, ou até inexistente,regulação.

Esse “sistema paralelo” é formado por instituições não bancárias como osfundos hedge, fundos de pensão, fundos de mercados monetários e seguradorascom atividades semelhantes às dos bancos como, por exemplo, concessão deempréstimos, e que influenciam o grau de risco do sistema. Assim, o sistemabancário é levado a concorrer com companhias que não estão sujeitas às mesmasrestrições regulatórias. Portanto, para que se alcance os resultados desejadoscom a regulação, é preciso que se equilibre as condições competitivas entre taisinstituições. Em outras palavras:

[...] if regulations on banks are stepped up, there will be a corresponding shift inthe amount and nature of business conducted in the shadow banking system. Whereregulatory lines should be drawn is a very difficult subject on which to obtain aconsensus – but one guiding principle is that similar promises should be treated insimilar ways – wherever the promise sits (Blundell-Wignall e Atkinson 2010).

Uma maneira de se acabar com essa vantagem competitiva seria compensar osbancos comerciais por operarem o sistema de pagamentos – externalidade positivapara a economia – impondo um custo aos shadow Banks para que tenham acessoao mesmo (Wray 2011).

Sobre os requerimentos de liquidez, é importante ressaltar que:

A sufficient level of high quality liquid assets limits the idiosyncratic risks to a bank,by providing counterbalancing funding capacity to weather a liquidity crisis. Moreover,

14 “While the Dodd-Frank Act wisely removed most provisions in U.S. law that gave the rating agenciesspecial exalted status, Basel III did not. So the agencies that did so poorly in rating mortgage-backedsecurities and collateralized debt obligations will continue to play major roles in the risk-weightingprocess” (Blinder 2010).15 Entre os autores que destacaram o papel do crescimento do shadow banking system comodeterminante para a magnitude da crise enfrentada encontram-se: Turner (2011), Wray (2011) e Hansonet alii (2011).

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stronger liquidity profiles are important to reduce the risk of collective reactions bybanks and thereby to prevent second round effects and instability of the financial systemas a whole (End 2010).

Porém, requerimentos quantitativos para a liquidez pode não ser a melhor opção,já que apresentam dificuldades na sua implementação. Perotti e Suarez (2009)propõem, como alternativa, a cobrança de encargos sobre a liquidez das instituições.Estes impostos seriam diminuídos com a maturidade, o que desestimularia aexternalidade negativa associada a financiamento barato, instável sem sufocar ousegmentar a intermediação financeira.

Por sua vez, Blundell-Wignall e Atkinson (2010), apontam problemas que podemsurgir das medidas propostas para a liquidez: A LCR apresenta um viés emfavor dos títulos governamentais. Como os déficits públicos em geral são altos ea necessidade de financiamento é constante, a facilidade de rolar a dívida poderátrazer problemas no crédito ao setor privado, visto que esses precisam oferecerjuros maiores do que o governo por não serem, em média, tão garantidos. Já aNFSR é acusada de ser uma medida ruim, uma vez que depende da habilidadedas instituições e dos supervisores de modelar o comportamento do investidor emsituações de crise.

No que se refere à regulação das instituições financeiras sistemicamenteimportantes e do risco sistêmico, Basiléia III também apresenta falhas. Apesar derequisitos de capital mais elevados atuarem no sentido de aumentar a resiliênciadosistema financeiro para efeitos de contágio, uma vez que efetivamente reduzem orisco de contraparte, uma série de problemas permanecem (Georg 2011):i) O fator de correlação dos ativos (AVC), proposto para as grandes instituições

financeiras é um fator global, não levando em consideração as diferentesmagnitudes de correlação de diferentes ativos;

ii) A regulamentação das SIFs será feita por meio da imposição de requisitosde capital adicional, que serão considerados compatíves com a importânciasistêmica da instituição. Esse mecanismo regulatório é falho, pois aimportância sistémicade um banco,no entanto, éuma variável muito volátil eque pode mudar rapidamente ao longo do tempo. Ademais, existe uma grandedificuldade em se mensurar, de forma adequada, a importância sistêmica deuma instituição financeira individual;

iii) Por fim, as diversas formas de risco sistêmico, além de serem interdependentes,reforçam-se mutuamente.

Nesse sentido, Turner (2009) propõe que se exijam capitais adicionais àsmaiores instituições e uma maior qualidade do capital próprio à disposição. Emcomplemento, seriam criados mecanismos que possibilitassem às autoridades aimposição de perdas aos controladores das instituições e o uso dos fundos própriosna recapitalização. O intuito é reintroduzir a disciplina de mercado ex-ante ediminuir ao máximo a socialização de perdas.

Ainda, (Ojo 2010b) observa que deveriam ser adotados mais meios do que os queestão sendo propostos para que se possam controlar os níveis excessivos de tomada

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de risco pelas instituições de crédito. Esses meios incluem a implementação detaxas financeiras que atuariam como forma de melhorar a regulação dos mercadosfinanceiros, limitando a tomada excessiva desses riscos e fornecendo um seguro oufundo para instituições sistemicamente importantes.

Em relação à taxa de alavancagem máxima proposta pelo comitê, basta observarque se permite que as instituições operem alavancadas na razão 33 para 1 (visto queo requerimento é 3%). A título de curiosidade, o banco de investimento LehmanBrothers, apresentava a razão 31 para 1 em suas operações no ano de 2007. 16Novamente, perde-se a oportunidade de incluir uma medida realmente eficiente.

Como foi visto na seção anterior, em Basiléia III, também está contida aintrodução de “colchões” de segurança. A adoção desse tipo de mecanismo fazsentido do ponto de vista do atual sistema de regulamentação, já que se consideramas crises financeiras como sendo eventos raros e aleatórios. Todavia, a introduçãodesses “colchões” não irá promover a estabilidade financeira, uma vez que ascrises financeiras não são aleatórias e as condições para sua ocorrência sãoprogressivamente estabelecidas durante um período de estabilidade. Além disso,haverá muita discricionaridade, dado queos reguladores quem deverão indicar osmomentos de abastecê-los e esvaziá-los. 17 Isto posto, torna-senecessário fazer maisdo que fornecer colchões de segurança, pois, mesmo que sejam fornecidos nos níveis“adequados”, eles não impediriam o desenvolvimento da fragilidade financeira.

5. O Que Esperar do Acordo?

Nessa seção, vamos apresentar primeiramente alguns estudos referentes aosimpactos quantitativos advindos das mudanças introduzidas pelo acordo de BasiléiaIII. Em seguida, aponta-se o rumo que a regulação financeira deveria seguir naopinião dos autores, extrapolando a análise direta do acordo em questão.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que os impactos quantitativos diferemconsideravelmente dependendo da metodologia utilizada para a realização doestudo e, principalmente, por qual grupo de interesse o trabalho foi feito. Asestimativas apresentadas pelo mercado são acentuadamente mais sombrias do queas divulgadas em relatórios internacionais e artigos acadêmicos de modo geral.Antes de passarmos ao exame de alguns desses resultados, é salutar relembrarque crises financeiras severas impõem perdas de grande magnitude, que muitasvezes precisam de um longo período de tempo para serem recuperadas. 18 Portanto,

16 A informação pode ser encontrada na página 29 do relatório anual de 2007 da instituição. Disponívelem: http://www.secinfo.com/d11MXs.t5Bb.htm#_item6_selectedfinancialdata_003911.17 “Building buffers in this way requires supervisors to be forward looking, that is, to keep up withchanges in market structure, practices and complexity. This is inherently difficult. Supervisors maybe even less likely to be able to predict future asset prices and volatility than private bankers.”(Blundell-Wignall e Atkinson 2010).18 Cecchetti (2010) observa que: “The benefit at the top of the list is that, with more capital andliquidity, the probability of crises is reduced. Everyone agrees that crises have serious costs in terms ofGDP losses in the form of serious recessions or even depressions. And, the evidence strongly suggeststhat, following a crisis, there is a significant risk that growth will proceed on a lower path”.

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mesmo que se tenha que enfrentar custos relativamente altos no curto prazo com atransição regulatória, os benefícios de longo prazo – refletidos, especialmente, emuma diminuição da volatilidade do produto – serão maiores e compensadores.

Cônscios da necessidade de se analisar os impactos quantitativos das mudançaspropostas no acordo, o comitê de Basiléia preparou um estudo (Basel Committeeon Banking Supervision 2010b) onde contando com amostras colhidas junto a263 bancos de 23 jurisdições distintas, procurou-se estimar qual seria o efeito dasmudanças propostas por Basiléia III em variáveis como o PIB e a capitalização dosbancos.

O foco do estudo são os custos relacionados à transição entre os acordos deBasiléia II e Basiléia III. O resultado obtido foi de que, considerando-se uma fasede adaptação de quatro anos, o PIB cairia, em média, 0,19% para cada unidadepercentual de aumento na razão de capital bancário. Isso significa que a perdamédia seria de 0,04% a cada ano de transição. O documento aponta ainda que umamudança na implementação das normas de quatro para dois anos levaria a umaperda do produto maior (0.22%). Ou seja, a perda anual passaria de 0,04% para0,09% do PIB. Em contraste, caso as mudanças fossem feitas em um período maisdilatado (seis anos), a diferença de declínio do PIB seria mínima. Tais resultadosindicam que o período de implementação de quatro anos para os requerimentosmínimos parece adequado visto a até então observada claudicante recuperação daeconomia mundial no pós crise.

Podemos destacar ainda mais dois trabalhos que procuram contribuir para amensuração do impacto quantitativo do acordo. São eles Angelini et alii (2011) eSlovik e Cournède (2011). Os primeiros autores chegam a conclusão de que paracada unidade acrescida na razão de capital dos bancos, haverá uma perda médiade 0,09% no produto de equilíbrio da economia. Eles enfatizam ainda a diminuiçãoda volatilidade do PIB em decorrência da introdução dos novos requerimentos.

Angelini et alii (2011) destacam ainda diversas questões metodológicas queprecisam ser levadas em conta na análise dos resultados expostos em tal tipode trabalho. Os autores observam que é preciso, por exemplo, que se leve emconsideração tanto o papel da politica monetária quanto da politica fiscal aoanalisar os impactos das medidas propostas no acordo. Por fim, é estressado quetais estudos são importantes para que se tenha uma base na elaboração dos acordos,mas que é preciso que se leve em consideração os ganhos não mensuráveis advindosda estabilidade financeiro-econômica.

Já Slovik e Cournède (2011) estimam o impacto médio no PIB em 0,23%,valor que se encontra em sintonia com as medições apresentadas nos trabalhosanteriores. Portanto, a despeito de possuírem metodologias diferentes, os resultadosencontrados pelos trabalhos supracitados são condizentes com o que o comitê esperaem termos de impacto econômico das modificações introduzidas por Basiléia III.

Passando para a análise geral da regulação financeira atual, destacamos queé preciso que a mesma seja mais incisiva. O risco moral ao qual as instituiçõesficam expostas é alto demais. Ora, se o governo garante o negócio privado éjusto que ele possa impor as condições que lhe convier ao mesmo. Atualmente,

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os banqueiros são pagos de acordo com o retorno sobre o patrimônio, sem ajuste aorisco; portanto, é de grande interesse pra eles continuar a comandar seus negócioscom pouco patrimônio e expostos a operações de altíssimo risco. Ou seja, respondema incentivos de curto prazo. Se tiverem sorte, as recompensas – em formas de bônus– são imensas. Caso contrário, a sociedade arca com a maior parte do impacto, namedida em que a oferta de crédito seca e o preço dos ativos caem enquanto osgovernos aumentam suas dívidas ao absorver as dividas privadas preocupados coma manutenção das externalidades positivas do sistema financeiro, em especial osistema de pagamentos.

Por isso, Tymoigne (2010) defende que é necessária uma reforma muito maisradical da regulação financeira para dar conta da instabilidade intrínseca daseconomias de mercado. Argumenta ainda que apromoção da estabilidade financeirapode não ser suficiente e que pode ser necessário para mudar a política econômica,a fim de alcançar a sustentabilidade ampla.

É importante salientar que o sistema regulatório atual foi elaborado sob umavisão particular de como funcionam os mercados financeiros e como surgiriam ascrises nesse setor. De forma sucinta, o que se considera é que:i) crises financeiras são eventos raros induzidos por imperfeições especificas dos

mercados,ii) quanto mais próximo da concorrência perfeita o mercado operar, mais

estabilidade financeira se alcançará eiii) deve se resguardar o sistema financeiro de choques externos que desestabilizem

as instituições.Todavia, uma abordagem alternativa para a regulação começa por reconhecer

que crises financeiras são gestadas em períodos de prosperidade. Tais crises não sãoaleatórias, mas sim fruto de um processo de fragilização financeira pelo qual passaa economia durante os períodos de prosperidade. Assim, a regulação financeiradeveria detectar e coibir posturas financeiras do tipo Ponzi, 19 como descritas porMinsky (1986).

Diante do exposto, conclui-se que se faz necessário um tipo diferente de marcoregulatório e uma filosofia diferente de regulação. Em seu centro deve estar adetecção de fragilidade financeira, que pode surgir a qualquer momento, mas tende ase desenvolver e espalhar em períodos de prosperidade econômica. O quadro deve seracompanhado por políticas pró-ativas que supervisionem as inovações financeiras.Além disso, o objetivo dos reguladores deve ser, primordialmente, impedir que asfinanças Ponzi se proliferem. Para tal, os reguladores poderiam acompanhar umíndice que meça o nível de fragilidade financeira ao qual a economia está exposta.Alguns autores 20 tem procurado desenvolver tais índices com o objetivo de fornecer

19 O agente que assume a postura Ponzi possui fluxos financeiros inferiores ao endividamento tanto nocurto quanto no longo prazo, necessitando financiar uma parcela superior ao serviço da dívida, de modoque apresenta uma estratégia de endividamento crescente.20 Entre alguns dos trabalhos recentes na área encontram-se Schroeder (2009) e Tymoigne (2010).

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dados que auxiliem a tomada de decisão dos supervisores. É salutar que os esforçosna área sejam intensificados.

Promover a estabilidade financeira é, portanto, mais do que apenas uma questãode reforma da regulamentação financeira. Ela deve envolver também uma ênfaseno crescimento econômico e um maior foco em medidas mais amplas de bem-estarsocial. Assim, uma coordenação entre as políticas fiscal, monetária e regulatóriase faz estritamente necessária tendo em vista a obtenção de um sistema financeiromais estável.

6. Considerações Finais

Em termos conclusivos, podemos afirmar que o Acordo de Basiléia III éinsuficiente para promover a estabilidade do sistema financeiro. O conjunto dasnovas regras de maior exigência de capital, padrão global de alavancagem e liquidez,além da introdução de colchões de capital, não assevera, necessariamente, que osistema bancário mundial esteja mais bem preparado para enfrentar novas crisessem que se afete a oferta de crédito e, consequentemente, o crescimento econômico.

Basiléia III traz consigo questões controversas e passíveis de críticas, que nãopodem deixar de ser analisadas. A forma pelas quais os ativos são ponderadosdeixa dúvidas quanto ao potencial estabilizador do acordo, uma vez que ponderarativos pelo risco carrega consigo um problema fundamental: só é possível ter acessoa informações que digam se o ativo em questão foi seguro ou não no passado. Eisso não significa nada em termos preditivos. Empiricamente, aceitar tal condiçãoface à crise recente do subprime parece ser uma decisão altamente equivocada.

Quando se trata de regulação macroprudencial, temas como alavancagem eliquidez não são questões primordiais a serem observadas. Mesmo que sejamimpostas restrições na qualidade dos ativos e na taxa de alavancagem, sema regulamentação das inovações financeiras esse esforço será insuficiente. Taisrestrições serão ignoradas, visto que as instituições financeiras irão encontrarmaneiras diferentes de manter o retorno do seu patrimônio. Enquanto não semonitorar a fragilidade financeira e o surgimento de inovações financeiras, osesforços regulatórios que objetivem à estabilidade financeira serão em vão. Emoutras palavras, é preciso entender que:

Not all financial innovation is valuable, not all trading plays a useful role, and a biggerfinancial system is not necessarily a better one. And, indeed, there are good reasonsfor believing that the financial industry, more than any other sector of the economy,has an ability to generate unnecessary demand for its own services-that more tradingand more financial innovation can under some circumstances create harmful volatilityagainst which customers have to hedge, creating more demand for trading liquidity andinnovative products; that parts of the financial services industry have a unique abilityto attract to themselves unnecessarily high returns and create instability which harmsthe rest of society [...] not everything that a financial system does is socially useful;and sometimes bits of it can get too big and it would be better for society if they gotsmaller (Turner 2009).

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Conforme salientou Wray (2011), o problema do novo acordo reside no fato deque os reguladores estão trabalhando nas bordas da questão, aceitando as atividadescorrentes dos bancos como sendo, de algum modo, apropriadas. É importanteressaltar que há uma diferença entre o que os bancos deveriam fazer e o queeles realmente fazem atualmente. Nesse ponto, Kregel (1993) e Turner (2011)corroboramWray e também acreditam que as atividades bancárias vigentes diferemdas que são consideradas como estáveis para o sistema financeiro. Assim sendo,não será um simples nip-and-tuck que irá ser suficiente para conter os excessoscometidos nos anos 2000.

Ainda há que se comentar o risco moral envolvido nas instituições consideradascomo ’grandes demais para falir’. Tais instituições são sistemicamente perigosase sua regulação, gerenciamento e supervisão são bastante complexas. Isto posto,torna-se claro que apenas a imposição de requisitos de capital mais elevados nãoajudarão. O risco moral defrontado por tais instituições é enorme. É preciso que secriem medidas que assegurem uma punição aos gestores caso se.

É de crucial importância que os reguladores compreendam que a estruturafinanceira é transformada, endogenamente, de uma série de bons momentos e deuma estrutura robusta para um estado de fragilidade. Compreendido isso, pode-seavançar no sentido de formular políticas que busquem atenuar essa transformaçãoe lidar melhor com a crise, quando ela ocorrer, e não apenas impor númerosarbitrários para variáveis consideradas importantes para o bom funcionamento dosistema financeiro.

À guisa de conclusões, temos que: promover a estabilidade do sistema financeiroé mais do que apenas uma questão de reforma da regulamentação financeira. Eladeve envolver também uma ênfase no crescimento econômico e um maior foco emmedidas mais amplas de bem-estar social. Deste modo, os reguladores devem evitarque a capacidade de inovação do sistema financeiro seja subestimada, assim comtambém que sejam adotadas regras complexas, cuja implementação se dá num longointervalo de tempo. Ou seja, a regulação deve ser essencialmente proativa, não sedeve acreditar que um conjunto estático de políticas produzirá um sistema estável.

Por fim, mas não menos importante, ficou claro com a crise recente quea regulação financeira não pode ser tratada de forma separada dos outrosinstrumentos de política, em especial a monetária. É estritamente necessário quehaja uma coordenação entre as politicas de forma a afetar o crescimento do crédito,a criação de moeda e seus mecanismos de transmissão.

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