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O enigmático homem novo Antes, havia só um. Agora, há versões para todos os gostos. A diversidade de condutas fomenta inseguranças, mas reforça a importância da honra e do respeito como pilares da identidade POR CLARA SOARES* P rimeiro as senhoras.» Para os homens urbanos que hoje são avós, a cortesia era ensinada desde o berço. Em meninos, habituaram-se a vestir de azul, a receber pistolas, car- ros e bolas para brincar. Já rapazes, eram aplaudidos por pais, familiares e amigos, ao provocarem as raparigas do bairro. Iam à tropa «para aprenderem a ser homens». Sem choros nem pieguices. Queriam-se com barba rija, «trabalhadores e hones- tos», pais de filhos, capazes de manter a casa ou a propriedade. Um homem a sério usava gravata ou farda (supostamente) não batia à mulher «nem com uma flor». E en- tre pares era bem-visto se tivesse amantes e mostrasse a sua raça na caça, no jogo, nos copos, no futebol. Quem ficasse fora desta moldura, não era homem. Não era nada. Mas desde que o «inimigo feminino» ba- ralhou as regras do jogo, a frente de comba- te ficou nublada. Continuar em campo im- plica uma redefinição de posições e tácticas de jogo. Táctica n.º 1: Ser o primeiro entre mu- lheres, ou seja, perceber os códigos delas e adoptar novas técnicas de conquista. Mudar os modos, o guarda-roupa, aliar-se às «mestras» em relações públicas e pri- vadas. Táctica n.º 2: Preservar a moral das tro- pas, acautelando a retaguarda. Já não há bastiões laborais exclusivos para eles. Já há mulheres-polícias e outras que pilotam aviões e dominam faculdades e empresas. Táctica n.º 3: Ser quem se é. Aliviar o peso da armadura e, eventualmente, explorar o seu lado lunar, sem medo de perder a face. Há quem fale de crise de identidade do «sexo forte». Será que ele é capaz de dar conta do recado e sobreviver à metamorfo- se? O que é ser homem, no século XXI? SUAVE TESTOSTERONA Ninguém melhor do que os mais novos para lançar alguma luz sobre a questão do géne- ro. O ritual de iniciação para se ser maior e vacinado coincide, se não existirem per- calços, com o fim do ensino secundário. Na vila da Batalha, concelho de Leiria, Kevin Gonçalves está a concluir o 12.º ano e quer formar-se em Engenharia do Ambiente. Aos 18 anos, está certo de que é preciso ser bom em várias frentes. «No tempo dos meus avós, era-se máscu- lo e pronto. Hoje, liga-se mais à aparência, depois ao respeito que se consegue dos ou- tros. Há necessidade de competição, de ser superior e, também, de engatar miúdas.» Triunfo profissional e poder de atracção são valores eternos, mas o segundo prevalece entre os mais jovens. «Acho que a maioria dos rapazes preferia ser o Cristiano Ronal- do ao Bill Gates. Ambos são reconhecidos pelo mérito profissional mas é mais apete- cível ser o Ronaldo.» João Correia, 19 anos, estudante em Um homem só não chora se se encolher para não o fazer, o coração e a fragilidade fazem tanto parte da sua identidade como a razão» José Luís Peixoto, 34 anos, Escritor ‘‘ FOTOS: JOSÉ CARLOS CARVALHO (PÁG. DO LADO) E MARCOS BORGA

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Antes, havia só um. Agora, há versões para todos os gostos. A diversidade de condutas fomenta inseguranças, mas reforça a importância da honra e do respeito como pilares da identidade Um homem só não chora se se encolher para não o fazer, o coração e a fragilidade fazem tanto parte da sua identidade como a razão» SUAVE TESTOSTERONA José Luís Peixoto, 34 anos, Escritor POR CLARA SOARES* FOTOS: JOSÉ CARLOS CARVALHO (PÁG. DO LADO) E MARCOS BORGA

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Page 1: O Admirável homem novo_2

O enigmático homem novoAntes, havia só um. Agora, há versões para todos os gostos.

A diversidade de condutas fomenta inseguranças, mas reforça a importância da honra e do respeito como pilares

da identidadePOR CLARA SOARES*

Primeiro as senhoras.» Para os homens urbanos que hoje são avós, a cortesia era ensinada desde o berço. Em meninos, habituaram-se a vestir de azul, a receber pistolas, car-

ros e bolas para brincar. Já rapazes, eram aplaudidos por pais, familiares e amigos, ao provocarem as raparigas do bairro. Iam à tropa «para aprenderem a ser homens». Sem choros nem pieguices. Queriam-se com barba rija, «trabalhadores e hones-tos», pais de filhos, capazes de manter a casa ou a propriedade. Um homem a sério usava gravata ou farda (supostamente) não batia à mulher «nem com uma flor». E en-tre pares era bem-visto se tivesse amantes e mostrasse a sua raça na caça, no jogo, nos copos, no futebol. Quem ficasse fora desta moldura, não era homem. Não era nada.

Mas desde que o «inimigo feminino» ba-ralhou as regras do jogo, a frente de comba-te ficou nublada. Continuar em campo im-plica uma redefinição de posições e tácticas de jogo.

Táctica n.º 1: Ser o primeiro entre mu-lheres, ou seja, perceber os códigos delas e adoptar novas técnicas de conquista. Mudar os modos, o guarda-roupa, aliar-se às «mestras» em relações públicas e pri-vadas.

Táctica n.º 2: Preservar a moral das tro-pas, acautelando a retaguarda. Já não há bastiões laborais exclusivos para eles. Já

há mulheres-polícias e outras que pilotam aviões e dominam faculdades e empresas.

Táctica n.º 3: Ser quem se é. Aliviar o peso da armadura e, eventualmente, explorar o seu lado lunar, sem medo de perder a face.

Há quem fale de crise de identidade do «sexo forte». Será que ele é capaz de dar conta do recado e sobreviver à metamorfo-se? O que é ser homem, no século XXI?

SUAVE TESTOSTERONANinguém melhor do que os mais novos para lançar alguma luz sobre a questão do géne-ro. O ritual de iniciação para se ser maior e vacinado coincide, se não existirem per-calços, com o fim do ensino secundário. Na vila da Batalha, concelho de Leiria, Kevin Gonçalves está a concluir o 12.º ano e quer formar-se em Engenharia do Ambiente. Aos 18 anos, está certo de que é preciso ser bom em várias frentes.

«No tempo dos meus avós, era-se máscu-lo e pronto. Hoje, liga-se mais à aparência, depois ao respeito que se consegue dos ou-tros. Há necessidade de competição, de ser superior e, também, de engatar miúdas.» Triunfo profissional e poder de atracção são valores eternos, mas o segundo prevalece entre os mais jovens. «Acho que a maioria dos rapazes preferia ser o Cristiano Ronal-do ao Bill Gates. Ambos são reconhecidos pelo mérito profissional mas é mais apete-cível ser o Ronaldo.»

João Correia, 19 anos, estudante em

Um homem só não chora se se encolher para não o fazer, o coração e a fragilidade fazem tanto parte da sua identidade como a razão» José Luís Peixoto, 34 anos, Escritor

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