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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO O AFETO COMO FATOR PRINCIPAL DA CONSTITUIÇÃO FAMILIAR E A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS JOSIANE CRISTINE ROSA Itajaí, 02 de novembro de 2008

O AFETO COMO FATOR PRINCIPAL DA …siaibib01.univali.br/pdf/Josiani Cristine Rosa.pdfO presente estudo faz uma abordagem sobre o afeto como fator principal da constituição familiar

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O AFETO COMO FATOR PRINCIPAL DA CONSTITUIÇÃO FAMILIAR E A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

JOSIANE CRISTINE ROSA

Itajaí, 02 de novembro de 2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O AFETO COMO FATOR PRINCIPAL DA CONSTITUIÇÃO FAMILIAR E A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

JOSIANE CRISTINE ROSA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito. Orientadora: Professora MSc. Ana Lúcia Pedroni

Itajaí, 02 de novembro de 2008

AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo;

À minha família, pela compreensão e

companheirismo nesta fase da minha

vida;

Ao meu noivo Willian, pelo carinho e

dedicação.

DEDICATÓRIA

In memorian, as minhas avós queridas,

por tudo o que representaram na minha

vida.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e a Orientadora de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí (SC), ____ de ______________ de 2008.

Josiane Cristine Rosa Graduanda

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Josiane Cristine

Rosa, sob o título O AFETO COMO FATOR PRINCIPAL DA CONSTITUIÇÃO

FAMILIAR E A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS, foi submetida em ___

de ___________ de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes

professores: ______________ (Orientador e Presidente da Banca), _________

(Membro) e __________________ (Membro) e aprovada com a nota 0,00

(_________).

Itajaí, ____ de ____________ de 2008.

Prof. MSc Ana Lúcia Pedroni Orientadora e Presidente da Banca

Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas

à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos

operacionais.

Adoção:

“A adoção é uma instituição de caráter humanitário, tendo, por um lado,

o estabelecimento de um liame legal de paternidade e filiação civil e, por

outro, uma finalidade assistencial, como um meio de melhorar a condição

moral e material do adotado” 1.

Afeto:

“O afeto é um elemento essencial de qualquer núcleo familiar, inerente a

todo e qualquer relacionamento conjugal ou parental”2.

Casamento:

“Casamento tanto significa o ato de celebração do matrimônio como a

relação jurídica que dele se origina, a relação matrimonial”3.

Dignidade da pessoa humana:

“A dignidade da pessoa humana é mais que um princípio, devendo ser

considerado um valor, na medida que constitui uma preferência

intersubjetivamente compartida e expressa o caráter preferencial dos

bens jurídicos (bem atrativo), pelo qual, em uma sociedade como a nossa

1DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil, p. 417. 2 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como valor jurídico, p. 369. 3 Dias, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias, p. 143.

(desigual, miserável e injusta), vale a pena lutar, podendo ser

concretizado de diversas maneiras”4.

Direito de Família:

“Ramo do direito que disciplina a organização da família, conceitua-se o

direito de família com o próprio objeto a definir” 5.

Família:

“A família é o elemento ativo; nunca permanece estacionária, mas passa

de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade

evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado. Os sistemas de

parentesco, pelo contrário, são passivos; só depois de longos intervalos,

registram os progressos feitos pela família” 6.

Família Homoafetiva:

“Por absoluto preconceito, a Constituição Federal emprestou de modo

expresso a juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e

uma mulher, ainda que em nada se diferencie a convivência homossexual

da união estável. A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o

afeto se pode deixar de conferir status de família, merecedora da

proteção do Estado, pois a Constituição Federal (1º III) consagra, em

norma pétrea, o respeito á dignidade da pessoa humana” 7.

Filiação:

“Tal como aconteceu com a entidade familiar, também a filiação passou

a ser identificada pela presença de um vínculo afetivo paterno-filial.

Ampliou-se o conceito de paternidade, que passou a compreender o

4CAMBI, Eduardo. Grandes Temas da Atualidade/Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 63. 5 Dias, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias, p. 31. 6 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, p. 30. 7 Dias, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias, p. 45.

parentesco psicológico, que prevalece sobre a verdade biológica e a

realidade legal” 8.

Homossexualidade:

“Não é crime e nem pecado; não é uma doença e nem um vício. É

simplesmente uma outra forma de viver” 9.

Princípio:

“Existem vários conceitos para o termo princípio. Estes conceitos muitas

vezes referem-se a normas com alto nível de generalidade,

indeterminação, portanto se faz necessário serem concretizados para

tornar-se possível a sua aplicação, ou que possuam caráter programático,

ou seja, que estabelecem comportamentos, bem como quando se trata

de norma com hierarquia elevada, ou mesmo quando cumpre papel

importante e fundamental dentro de um sistema jurídico ou político” 10.

Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente:

“O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente tem suas

raízes na mudança havida na estrutura familiar nos últimos tempos, através

da qual ela despojou-se de sua função econômica para ser um núcleo de

companheirismo e afetividade, ‘lócus do amor, sonho, afeto e

companheirismo’” 11.

União Estável:

8 Dias, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias, p. 328/329. 9 Dias, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias, p. 191. 10 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 257/258. 11 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como valor jurídico, p. 370.

“A união estável é forma de constituição de família. Esta pode ser

formada apenas pelo homem e pela mulher, não sendo o filho elemento

essencial, embora desejável” 12.

12VIANA, Marco Aurélio S. Da União Estável, p. 29.

SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... XII

INTRODUÇÃO .................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4

A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA ATRAVÉS DA UNIÃO ESTÁVEL ............. 4

1.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA ............................................4 1.2 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E LEGISLATIVAS DA FAMÍLIA.....................9 1.3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA................................13 1.3.1 O RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA FORMADA PELA UNIÃO ESTÁVEL ...........................13 1.3.2 CONCEITO DE PRINCÍPIO ...................................................................................16 1.3.3 DIFERENÇA ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS ...............................................................17 1.3.4 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA FAMÍLIA .............................................................18 1.3.5 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA .................................................................20 1.4 REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL ...................22

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 26

A FILIAÇÃO ATRAVÉS DA ADOÇÃO .............................................. 26

2.1 RAÍZES HISTÓRICAS DA ADOÇÃO................................................................26 2.2 A EVOLUÇÃO DA ADOÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO ................................27 2.3 CONCEITOS DE ADOÇÃO.............................................................................31 2.4 NATUREZA JURÍDICA......................................................................................34 2.5 REQUISITOS NECESSÁRIOS À ADOÇÃO.......................................................37 2.5.1 IDADE.............................................................................................................39 2.5.2 ESTADO CIVIL DO ADOTANTE .............................................................................40 2.5.3 CONSENTIMENTOS EXIGIDOS ..............................................................................41 2.5.4 ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA ................................................................................43 2.5.5 IMPEDIMENTOS À ADOÇÃO ................................................................................45 2.6 EFEITOS DA ADOÇÃO ...................................................................................46

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 50

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS E O AFETO COMO FONTE PRINCIPAL DE CONSTITUIÇÃO FAMILIAR ....................................... 50

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE ......................50 3.1.1 ASPECTOS PSICOLÓGICOS E SOCIAIS ..................................................................51 3.1.2 ASPECTOS JURÍDICOS........................................................................................54 3.2 A UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO E A INTENÇÃO DE CONSTITUIR FAMÍLIA ................................................................................................................58 3.3 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS.....................................................60 3.4 O ABANDONO INFANTIL E A ADOÇÃO .......................................................64 3.5 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ...........................................................................67 3.6 A FORMAÇÃO DA “FAMÍLIA” HOMOAFETIVA ATRAVÉS DO AFETO ..........69

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 71

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................ 75

ANEXOS ........................................................................................... 78

RESUMO

O presente estudo faz uma abordagem sobre o afeto

como fator principal da constituição familiar e a adoção por casais

homossexuais, respectivamente, dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

O objetivo é fazer uma análise crítica sobre a possibilidade de um casal

homoafetivo adotar uma criança ou adolescente. O método utilizado

para a realização da pesquisa foi o Indutivo, através do qual, no primeiro

capítulo foi realizado estudo sobre a origem e evolução histórica da

Família, suas transformações, abordando-se a constitucionalização, alguns

princípios essenciais a este tema, o reconhecimento da família formada

pela união estável, chegando até os requisitos para o reconhecimento da

união estável. No segundo capítulo, abordou-se sobre as raízes históricas

da adoção, a evolução da adoção no direito brasileiro, bem como os

conceitos, natureza jurídica e requisitos da adoção, chegando até um

breve relato sobre os efeitos pessoais e patrimoniais da adoção. O terceiro

e último capítulo destinou-se a um estudo mais apurado sobre a adoção

por casais homossexuais, apresentando um breve relato sobre a

homossexualidade em seus aspectos psicológicos, sociais e jurídicos, a

união entre pessoas do mesmo sexo e a intenção de constituir família, a

adoção por casais homoafetivos, o abandono infantil e a adoção, os

princípios da dignidade humana e do melhor interesse da criança e do

adolescente. Abordou-se, por fim, a formação da “família” homoafetiva

através do afeto.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como Objeto13, investigar o

Afeto como fator principal da Constituição Familiar e a Adoção por Casais

Homossexuais, no direito brasileiro e, como Objetivos14: institucional,

produzir uma Monografia como requisito para obtenção do Título de

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; geral,

pesquisar acerca da possibilidade de adoção de criança ou adolescente

por casais homossexuais; específicos, investigar, interpretar e discorrer

sobre a formação da família através da união estável; pesquisar, analisar e

dissertar sobre a filiação através da adoção; pesquisar, interpretar e

descrever especificamente sobre a adoção por casais homossexuais.

Para tanto, no Capítulo 1, será efetuado um estudo

sobre a formação da família através da união estável, passando pela

origem e evolução histórica da família; em seguida, tratar-se-á das

transformações sociais e legislativas da família, a constitucionalização do

direito de família e para finalizar será feito um breve resumo dos requisitos

legais para o reconhecimento da união estável.

No Capítulo 2, o tema a ser tratado será a filiação

através da adoção, apresentando as raízes históricas, a evolução,

conceitos, natureza jurídica da adoção; após, apresentando um breve

relato sobre os requisitos necessários à adoção e por fim, destacando os

efeitos da adoção.

No Capítulo 3, tratar-se-á da adoção por casais

homossexuais, fazendo um breve relato sobre a homossexualidade,

13 “Objeto é o motivo temático (ou a causa congnitiva, vale dizer, o conhecimento que se deseja suprir e/ou aprofundar) determinador da realização da investigação”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa Jurídica – Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p.77. 14 “Objetivo é a meta que se deseja alcançar como desiderato da Pesquisa”. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa Jurídica – Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p.77.

2

demonstrando os aspectos psicológicos, sociais e jurídicos desta; em

seguida destacando a união entre pessoas do mesmo sexo e a intenção

de constituir família; logo após a adoção por casais homoafetivos, o

abandono infantil e a adoção, o princípio da dignidade humana e do

melhor interesse da criança e do adolescente e por fim, destacando a

formação da “família” homoafetiva através do afeto.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram

criados os seguintes problemas:

a) Às uniões afetivas formadas por pessoas do mesmo

sexo aplicam-se os mesmos princípios e regras aplicáveis à união estável?

b) O afeto e o princípio da dignidade humana têm se

revelado em fatores indispensáveis à constituição da família

contemporânea. Assim, na atual conjuntura social e também sob o prisma

da igualdade de direitos e da solidariedade familiar, seria possível o

deferimento do pedido de adoção formulado por casais homossexuais?

Em resposta aos problemas, foram levantadas as

seguintes hipóteses:

a) A união afetiva formada por pessoas do mesmo

sexo não se difere em seus princípios e regras em relação à união estável,

pois ambas tem que preencher requisitos como afetividade, estabilidade

e ostensividade para serem reconhecidas como entidade familiar (CF

226).

b) O deferimento do pedido de adoção formulado

por casais homossexuais é possível, porque os fatores que são

indispensáveis à constituição da família contemporânea como o afeto e o

princípio da dignidade humana têm sido levado em consideração nas

decisões e tornado realidade a este tipo de entidade familiar o sonho de

ter um filho.

3

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que na

Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de

Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e o Relatório dos Resultados

expresso na presente Monografia é composto na base lógica indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da

Pesquisa Bibliográfica.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das

reflexões sobre o Afeto como fator principal da Constituição Familiar e a

Adoção por Casais Homossexuais.

CAPÍTULO 1

A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA ATRAVÉS DA UNIÃO ESTÁVEL

1.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA

A família é considerada base para o cuidado integral

dos seres humanos. Esta forma de vivência é conhecida e adotada desde

a antiguidade, porém não da mesma forma que observa nos tempos

atuais, quando o conceito de família tem se modificado, mas a instituição

familiar permanece no decorrer dos tempos.

Dias15 ensina sobre a necessidade de convivência do

ser humano em grupo familiar e neste sentido, destaca que:

Vínculos afetivos não são uma prerrogativa da espécie

humana. O acasalamento sempre existiu entre os seres

vivos, seja em decorrência do instinto de perpetuação da

espécie, seja pela verdadeira aversão que todas as pessoas

têm à solidão. Tanto é assim, que se considera natural a

idéia de que a felicidade ao qual o sujeito sozinho não tem

acesso. Não importa a posição que o indivíduo ocupa na

família, ou qual a espécie de grupamento familiar a que ele

pertence, o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar

naquele idealizado lugar onde é possível integrar

sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a

caminho da realização de seu projeto de felicidade.

15 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 23.

5

Para Engels16, o estudo da história primitiva revela um

estado de coisas em que os homens praticam a poligamia e suas

mulheres, a poliandria, e em que, por conseqüência, os filhos de uns e

outros tinham que ser considerados comuns. É esse estado de coisas, por

seu lado, que, passando por uma série de transformações, resulta na

monogamia. Essas modificações são de tal ordem que o círculo

compreendido na união conjugal comum, e que era muito amplo em sua

origem, se estreita pouco a pouco até que, por fim, abrange

exclusivamente o casal isolado, que predomina hoje.

Neste sentido, salienta Venosa17:

As sociedades primitivas tinham como preocupação

básica a satisfação das necessidades primárias. Com meios

técnicos rudimentares para enfrentar os rigores da

natureza, o problema central do homem primitivo era

prover sua própria subsistência. O homem e a mulher

dividiam as tarefas, por isso o indivíduo solteiro era uma

calamidade para a sociedade dessa época (Mizrahi,

1998:23). Para os povos primitivos, o solteiro é uma raridade.

Aponta Engels18, que na origem da família nas

sociedades primitivas não existia propriamente uma relação conjugal

individualizada, mas relações familiares grupais promíscuas. A família é

entidade sociológica que independe do tempo e do espaço

No conceito de Morgan, citado por Engels19, a família

“é o elemento ativo; nunca permanece estacionária, mas passa de uma

forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de

16 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, p. 31. 17 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil /Direito de Família, p.37. 18 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil /Direito de Família, p.37. 19 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, p. 30.

6

um grau mais baixo para outro mais elevado. Os sistemas de parentesco,

pelo contrário, são passivos; só depois de longos intervalos, registram os

progressos feitos pela família.”

Neste sentido salienta Engels20 que esta evolução

histórica da família se deu através dos diversos tipos de formação familiar

que existiram até chegarmos à família existente nos dias atuais:

A primeira etapa da família foi a consangüínea, nela os

grupos conjugais classificam-se por gerações: todos os avôs

e avós, nos limites da família, são maridos e mulheres entre

si; o mesmo sucede com seus filhos, quer dizer, como os

pais e mães; os filhos destes, por sua vez, constituem o

terceiro círculo de cônjuges comuns; e seus filhos, isto é, os

bisnetos dos primeiros, o quarto círculo. Nessa forma de

família, os ascendentes e descendentes, os pais e filhos, são

os únicos que, reciprocamente, estão excluídos dos direitos

e deveres (poderíamos dizer) do matrimônio 21.

Engels22 ensina que “A família consangüínea

desapareceu. Nem mesmo os povos mais atrasados de que fala a história

apresentam qualquer exemplo seguro dela”.

Se o primeiro progresso na organização da família

consistiu em excluir os pais e filhos das relações sexuais recíprocas, o

segundo foi a exclusão dos irmãos uterinos. Engels23 destaca que:

A família Punaluana foi a segunda etapa da evolução, esse

progresso foi infinitamente mais importante que o primeiro

20 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, p. 38. 21 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, p. 38. 22 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, p. 39. 23 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, p. 39.

7

e, também, mais difícil, dada a maior igualdade nas idades

dos participantes. Foi ocorrendo pouco a pouco,

provavelmente começando pela exclusão dos irmãos

uterinos (isto é, irmãos por parte de mãe), a princípio

isolados e depois, gradativamente, como regra geral (no

Havaí ainda havia exceções no presente século) e

acabando pela proibição do matrimônio até entre irmãos

colaterais (quer dizer, segundo nossos atuais nomes de

parentesco, entre primos carnais, primos em segundo e

terceiro graus).

Observa Engels24 que entre esses dois tipos de família

acima descritos o desenvolvimento e o número de componentes só têm

diminuído. Pode-se pressupor que a próxima evolução histórica restringe

ainda mais o círculo familiar, e, nesse contexto, apresenta a respectiva

família:

A família Sindiásmica tem seu diferencial acentuado em

relação ao regime de matrimônio por grupos, ou talvez

antes, já se formavam uniões por pares, de duração mais

ou menos longa; o homem tinha uma mulher principal

(ainda não se pode dizer que fosse uma favorita) entre suas

numerosas esposas, e era para ela o esposo principal entre

todos os outros. Esta circunstância contribuiu bastante para

a confusão produzida na mente dos missionários, que vêem

o matrimônio por grupos ora uma comunidade promíscua

das mulheres, ora um adultério arbitrário.

A próxima e última espécie de constituição familiar,

conforme trata Engels25, é a monogâmica:

24ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, p. 48. 25 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, p 66.

8

Este tipo de formação familiar baseia-se no predomínio do

homem, onde sua finalidade expressa é a de procriar filhos

cuja paternidade seja indiscutível, e exige-se essa

paternidade indiscutível porque os filhos, na qualidade de

herdeiros diretos, entrarão, um dia, na posse dos bens de

seu pai. Esta família diferencia-se do matrimônio

sindiásmico por uma solidez muito maior nos laços

conjugais, que já não podem ser rompidos por vontade de

qualquer das partes.

Tendo melhorado a partir do começo da civilização e,

de uma maneira muito notável, observa Engels26, a família monogâmica,

“é lícito pelo menos supor que a família monogâmica seja capaz de

continuar seu aperfeiçoamento até que chegue à igualdade entre os dois

sexos. Se, num futuro remoto, esta não mais atender as exigências sociais,

é impossível predizer a natureza da família que a sucederá”.

Destaca Dias27 que, intervencionismo estatal levou à

instituição do casamento, ou seja, convenção social para organizar os

vínculos interpessoais. A própria organização da sociedade dá-se em

torno da estrutura familiar, e não em torno de outros grupos ou de

indivíduos em si mesmos.

Assinala Dias28 que a sociedade instituiu o casamento

como regra de conduta; essa foi uma forma encontrada para impor

limites ao homem, ser desejante que, na busca do prazer, tende a fazer

do outro um objeto. É por isso que o desenvolvimento da civilização impõe

restrições à total liberdade, e a lei jurídica exige que ninguém fuja dessas

restrições.

26 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, p. 91. 27 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 24. 28 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 25.

9

Atualmente existe uma nova concepção da família,

formada por laços afetivos de carinho, de amor. Toma-se novamente as

palavras de Dias29, que diz:

A valorização do afeto nas relações familiares não pode

cingir-se apenas ao momento de celebração do

casamento, devendo perdurar por toda relação. Disso

resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de

sustentação da família, e a dissolução do vínculo é o único

modo de garantir a dignidade da pessoa.

1.2 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E LEGISLATIVAS DA FAMÍLIA

Para Cambi30, “O código Civil brasileiro de 1916,

seguindo o modelo do Código Civil de Napoleão Bonaparte de 1804,

adotou o casamento civil como sendo a única forma de constituição da

família legítima.”

Naquela época, apenas a família constituída pelo

casamento gozou da tutela do Estado, ficando as demais formas de

convivência afetiva à margem da legalidade. Por exemplo, o Código Civil

anterior previa uma série de regras que tornavam o concubinato, em sua

expressão mais ampla, ilegal31.

29 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 26. 30CAMBI, Eduardo. Grandes Temas da Atualidade/Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 63. 31CAMBI, Eduardo. Grandes Temas da Atualidade/Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 63.

10

O conceito de família contido no Código Civil de 1916

foi estruturado sob um modelo autoritário e neste sentido Dias32 destaca

que:

Em sua versão original, trazia uma estreita e discriminatória

visão da família, limitando-a ao grupo originário do

casamento. Como se observa este código fazia distinções

entre os membros daquela família e trazia qualificações

discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos

filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos

vínculos extra matrimoniais e a filhos ilegítimos eram

punitivas, exclusivamente para excluir direitos.

Com todas as mudanças, especialmente nos

costumes e na liberação sexual, começou-se a pensar que a família

entrou em crise, em desordem. Desta forma, Pereira33 tem expressado sua

opinião sobre o assunto e diz também que “é natural que em meio a um

progresso histórico, e que ainda estamos vivenciando, tenhamos um olhar

medroso e pessimista às mudanças”.

Em outubro de 1988, com a Constituição da República

Federativa do Brasil, ficaram consagrados os princípios fundamentais para

o ordenamento jurídico brasileiro.

Pereira34 destaca, ainda, que para o Direito de Família

foi uma verdadeira revolução, “a partir dessa revolução constitucional

que se consolidou toda a evolução do Direito de Família, e que nos

32 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 27. 33 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família, p. 03. 34 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família, p. 06.

11

autorizamos a estabelecer os princípios fundamentais para a organização

jurídica da família”.

Foi desta forma que o Código Civil perdeu o papel de

lei fundamental do direito de família, conforme se observa a seguir35:

A constituição Federal de 1988, num único dispositivo,

espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a

igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o

conceito de família, passando a proteger de forma

igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção

à família constituída pelo casamento, bem como à união

estável entre o homem e a mulher e à comunidade

formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do

casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos

direitos e qualificações.

Pereira36 comenta que “é compreensível que as coisas

novas amedrontem, mas o processo é de uma evolução histórica, e não

de decadência. As turbulências do caminho são decorrências naturais.”

A evolução pela qual passou a família acabou

forçando sucessivas alterações legislativas. Dias37 explica em nota de

rodapé que:

A mais expressiva foi o Estatuto da Mulher Casada (Lei n.

4.121/62), que devolveu plena capacidade à mulher

casada e deferiu-lhe bens reservados que lhe asseguravam

35 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 27. 36 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família, p. 04. 37 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 27.

12

a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto

de seu trabalho.

Para Dias38 “a instituição do divórcio acabou com a

indissolubilidade do casamento, eliminando a idéia da família como uma

instituição sagrada.”

Assim, o surgimento de novos paradigmas,

conseqüentes da emancipação da mulher, descoberta dos métodos

contraceptivos e a evolução da engenharia genética, transformaram os

conceitos do casamento, sexo e reprodução. “O moderno enfoque dado

à família pelo direito volta-se muito mais à identificação do vínculo afetivo

que enlaça seus integrantes”.

Registra ainda Pereira39 “que a Lei do Divórcio, (...)

significou a vitória de um dos princípios basilares do Direito, a liberdade,

sobre um princípio que não mais impera em nosso ordenamento jurídico, o

da indissolubilidade do vínculo matrimonial”.

Nesse contexto, Pereira40 explica que, com a

conquista das mulheres, o princípio da indissolubilidade do casamento se

desfez. A submissão histórica das mulheres é que sustentava os

casamentos, “o fantasma do fim da conjugalidade foi atravessando por

uma realidade social, em que imperava a necessidade de que o sustento

do laço conjugal estivesse no amor, no afeto e no companheirismo”.

38 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 27. 39 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família, p. 06. 40 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família, p. 05.

13

Pereira41 destaca, ainda, que a família deixou de ser

essencialmente um núcleo econômico e de reprodução, destacando-se

desta forma o princípio da afetividade. Este obriga-nos a pensar em

ordenamento jurídico para a família que revalorize e redimensione todos

os demais princípios como uma fonte do Direito realmente eficaz e de

aplicação prática.

Na mesma linha de pensamento se posiciona Cambi42,

ao afirmar que o que existe de comum em todas essas mudanças jurídicas

é o valor da afetividade que passa a reger todas as relações familiares,

procurando enfatizar o ser humano, em sua complexidade(...).

Macedo43 complementa o estudo relatando que “A

família é, incontestavelmente, uma estrutura fixada em bases de amor,

capaz de criar vínculos e, jamais instalada somente através de meios

legais ou assentada, exclusivamente, em laços biológicos.”

1.3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA

1.3.1 O reconhecimento da família formada pela união estável

41 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família, p. 12. 42CAMBI, Eduardo. Grandes Temas da Atualidade/Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 63. 43MACEDO, Emilisa Curi. Grandes Temas da Atualidade/Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 156.

14

Grande parte do Direito Civil está na Constituição da

República Federativa do Brasil de 198844, que acabou enlaçando os temas

sociais juridicamente relevantes para garantir-lhes efetividade.

Segundo Dias45, o Direito Civil constitucionalizou-se,

afastando-se da concepção individualista, tradicional e conservadora-

elitista da época das codificações do século passado, resumindo:

Qualquer norma jurídica em direito de família exige a

presença de fundamento de validade constitucional. Essa

é a nova tábua de valores da Constituição Federal,

especialmente no tocante à igualdade de tratamento dos

cônjuges. Tanto o marido, como a mulher podem

livremente praticar todos os atos de disposição e de

administração ao desempenho de sua profissão.

Desta forma, Dias46 afirma que o legislador constituinte

procedeu ao alargamento do conceito de família, baseado na realidade

que se impôs, emprestando juridicidade ao relacionamento existente fora

do casamento. Afastou da idéia de família o pressuposto de casamento,

identificando como família também a união estável entre um homem e

uma mulher.

O reconhecimento da união estável segue os mesmos

princípios contidos na Constituição. Estabelece o Código Civil47:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união

estável entre o homem e a mulher, configurada na

44 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Doravante será chamada de Constituição Federal. 45DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 33. 46DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 34. 47BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

15

convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida

com o objetivo de constituição de família.

A Constituição Federal determinou que os

companheiros devessem ser protegidos por norma futura, conforme o

artigo que segue:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial

proteção do Estado.

[...]

§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a

união estável entre o homem e a mulher como entidade

familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em

casamento.

Comentando as regras contidas no dispositivo legal

acima citado, Venosa48 registra que:

(...) este fato refere-se ao incentivo do constituinte ao

legislador ordinário no sentido de facilitar a conversão da

união estável em casamento. Não há razão em converter

uma coisa em outra, salvo se forem desiguais. Destarte,

acentua-se que a natureza jurídica de ambos os

fenômenos é diversa: enquanto o casamento é negócio

jurídico, a união estável é fato jurídico. Esse aspecto fica

bem claro no tratamento legislativo, Por isso já se decidiu,

por exemplo, que: “[...] a convivência concubinária não

transmite ao convivente o estado civil de casado, não

sendo impediente ao casamento com outra pessoa,

48VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil /Direito de Família, p.57.

16

incorrendo a hipótese prevista no CCB, art. 183, VI [...]”

(TJMG, Ap. Civ. 111.669/8, 18-3-99, Rel. Des. Corrêa Martins).

Antes de adentrar especificamente no tema relativo

aos princípios inerentes ao direito de família, necessário se faz apresentar

um conceito de princípio, bem como a diferença entre regras e princípios.

1.3.2 Conceito de princípio

Bonavides49 entende que existem vários conceitos para

o termo princípio. Estes conceitos muitas vezes referem-se a normas com

alto nível de generalidade, indeterminação, portanto se faz necessário

sejam concretizados para se tornar possível a sua aplicação, ou que

possuam caráter programático, ou seja, que estabeleçam

comportamentos, bem como quando se trata de norma com hierarquia

elevada, ou mesmo quando cumpra papel importante e fundamental

dentro de um sistema jurídico ou político.

Assim, entende Tupinambá50 “são variadas as funções

que os princípios exercem dentro de um sistema jurídico, principalmente

diante do contínuo desenvolvimento e complexidade das relações

humanas e familiares”.

A autora acima indicada complementa o estudo dos

princípios identificando que em situações mais complexas, de choque de

valores, os princípios assumem função hermenêutica, contudo em

situações que escapam à regulamentação da lei, ou seja, na ausência de

49 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 257/258. 50 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como valor jurídico, p. 359.

17

regras que cuidem de uma situação em específico, os princípios assumem

função regulativa.

1.3.3 Diferença entre princípios e regras

Para Tupinambá51 “as regras e os princípios devem,

pois, coexistirem dentro de um sistema jurídico, ambos com o devido

patamar de norma, a fim de que o Direito possa atingir a finalidade a que

se destina(...)”.

Sobre princípios e regras, Tupinambá52, assevera que:

Os valores jurídicos são excedidos pelos princípios, em

termos de concretização, tendo em vista que esses

últimos já são concretos o suficiente para indicarem as

conseqüências jurídicas de um caso concreto,

enquanto que os primeiros representam apenas fontes

que servem de fomento à abordagem de novos

princípios ou à criação de novas regras jurídicas que

atendam às situações advindas de uma nova e

eventual relação social ou familiar.

Merece destaque, também, o conceito trazido por

Pereira, citado por Tupinambá53: “Logo, os princípios gerais são normas

muito mais que quaisquer outras, pois eles traduzem não somente o

51 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como valor jurídico, p. 361. 52 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como valor jurídico, p. 359. 53 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como valor jurídico, p. 362.

18

sentido de um ato de vontade, mas principalmente, o conteúdo de

sentido e o espírito da norma”.

1.3.4 O princípio da igualdade na família

Quanto ao princípio da igualdade na família, sempre

vale lembrar a célebre frase de Rui Barbosa: “tratar a iguais com

desigualdade ou a desiguais com igualdade não é igualdade real, mas

flagrante desigualdade”.

O princípio da igualdade é um dos sustentáculos do

Estado Democrático de Direito, assim entende Dias54, não basta que a lei

seja aplicada igualmente para todos, “também é imprescindível que a lei

em si considere todos igualmente, ressalvadas as desigualdades que

devem ser compensadas para prevalecer à igualdade material em

detrimento da obtusa igualdade formal”.

Abordando o assunto, Cambi55 esclarece que:

Captando essa dimensão plural, o constituinte reestruturou

o direito de família, tornando possível, no plano

constitucional, a igualdade entre marido e mulher na

sociedade conjugal, a união estável como forma de

constituição familiar e a paridade entre os filhos,

procurando, com esse novo modelo, romper as injustiças

existentes.

54DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 60. 55CAMBI, Eduardo. Grandes Temas da Atualidade/Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 63.

19

O sistema jurídico assegura todos sejam iguais perante

a lei, Dias56 entende que “A idéia central é garantir a igualdade, o que

interessa particularmente ao direito, pois está ligada à idéia de justiça.”

A organização e a própria direção da família

repousam no princípio da igualdade. O artigo seguinte do Código Civil

aborda este tema:

Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de

vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos

cônjuges.

Segundo Dias57, a supremacia do princípio de

igualdade alcançou também os vínculos de filiação, ao ser proibida

qualquer designação discriminatória com relação aos filhos havidos ou

não da relação de casamento ou por adoção.

A Constituição Federal em seu artigo 227, § 6º eliminou

qualquer tipo de discriminação relativa a filiação, igualando todos os

direitos inerentes aos filhos havidos ou não do casamento, conforme artigo

abaixo citado:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado

assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta

prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência

familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão.

56DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 60. 57DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 61.

20

[...]

§ 6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento,

ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,

proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à

filiação.

Para Dias58, é imperioso que em nome da isonomia se

reconheça o direito a determinadas situações que merecem proteção.

“Assim como a lei não pode conter normas que arbitrariamente

estabeleçam privilégios, o juiz deve aplicar a lei de modo a não gerar

desigualdades”.

1.3.5 O princípio da dignidade humana

Diante da tendência mundial humanista as duas

grandes guerras mundiais alteraram profundamente a compreensão dos

direitos. Cambi59 acrescenta:

No plano internacional, notadamente a partir da

Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, dos

direitos humanos abrem nova perspectiva metodológica

no conhecimento jurídico. No âmbito das Constituições

nacionais, o constituinte positiva direitos fundamentais que

passam a disciplinar não apenas a relação entre o Estado e

o cidadão ou a sociedade, mas também os vínculos

eminentemente privados.

58DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 62. 59CAMBI, Eduardo. Grandes Temas da Atualidade/Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 63.

21

Registra ainda Pereira60 que a expressão “dignidade

da pessoa humana” é uma criação da tradição kantiana no começo do

século XIX. “Não é, diretamente, uma criação de Kant. Em sua

Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), ao argumentar que

havia cada homem um mesmo valor por causa da sua razão, empregou a

expressão “dignidade da natureza humana”, mais apropriada para

indicar o que está em questão quando se busca uma compreensão ética

– ou seja, da natureza – do ser humano”.

Destaca Cambi61 que dessa maneira a dignidade da

pessoa humana é mais que um princípio, devendo ser considerado um

valor, na medida que constitui uma preferência intersubjetivamente

compartida e expressa o caráter preferencial dos bens jurídicos (bem

atrativo), pelo qual, em uma sociedade como a nossa (desigual, miserável

e injusta), vale a pena lutar, podendo ser concretizado de diversas

maneiras.

Na forma da lei segundo Pereira62, a dignidade é

apresentada sem definição para ela mesma – ou seja, o art. 1º, III, da

CF/1988 não diz o que a dignidade é, mas unicamente traz a indicação

de que ela é um dos princípios constitucionais, ou seja, uma das

finalidades a ser sempre buscada ou preservada pelo Estado brasileiro.

Ensina Pereira que a “dignidade da pessoa humana

passou a ser empregada pelo Direito, ela tinha a missão de designar uma

personalidade, que em Direito também envolvia a imagem pública de

alguém.”

60PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais para o Direito de Família, p.95. 61CAMBI, Eduardo. Grandes Temas da Atualidade/Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 63. 62PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais para o Direito de Família, p.95.

22

De acordo com Pereira63, a dignidade da pessoa

humana é mais que um direito, pois ela é a prova de que deve haver

certos direitos de atribuição universal, por isso é também um princípio

geral do direito. Uma Carta de Direitos que não reconheça essa idéia ou

que seja incompatível com ela é incompleta ou ilegítima, pois se tornou

um valor e uma necessidade da própria democracia.

Entende Pereira64 que “Assim, não é por acaso que a

dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional. Ela é acima

de tudo um princípio ético, que a história mostrou ser necessário incluir

entre os princípios do Estado.”

1.4 REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL

Impõe-se a visão de que o casamento e a união

estável são institutos diversos, nesse sentido Cavalcanti65 ensina que:

O novo Direito de Família que emerge a Constituição

vigente não mais se estrutura só no casamento, senão

também na união estável. Torna-se imperioso deixar

assente, no entanto, à vista das disposições constitucionais,

que isso não significa transformar a união estável num

quase-casamento ou dar-lhe tratamento igual ou

semelhante ao do matrimônio.

63PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais para o Direito de Família, p.98. 64PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais para o Direito de Família, p.98. 65CAVALCANTI, Lourival Silva. União Estável, p. 49.

23

Acrescenta ainda o autor que o único modo de dar-

se um sentido lógico a esse reconhecimento, portanto, é entender que,

com ele, o campo do Direito de Família foi aplicado pela Constituição.

Nesse contexto, Viana66 define que a Constituição não

equiparou a união estável ao casamento, mas entendeu que fosse

adequado assegurar-lhe proteção. Fez opção de forma clara para a

relação que se apresenta com toda roupagem de casamento, porém

deixando à margem da lei as relações eventuais de caráter meramente

carnal.

Complementa Dias67 que o legislador se preocupa em

identificar a relação pela presença de elementos de ordem objetiva,

ainda que o essencial seja a existência de vínculo de afetividade, ou seja,

o desejo de constituir família. O afeto, apesar de não contemplado pelo

ordenamento jurídico e ignorado pela doutrina, ingressou no mundo

jurídico, lá demarcando seu território.

Entende Viana68 que para que se tenha a união

estável não basta que haja a ligação entre homem e mulher; essa relação

deve envolver determinadas características, ou seja, a união para

merecer tutela é aquela que se reveste de estabilidade, solidez, havendo

por parte dos seus membros o interesse de vida em comum.

Caberá aos conviventes ou a qualquer interessado

comprovar a sociedade de fato e a união estável. Assim ensina Venosa69:

66VIANA, Marco Aurélio S. Da União Estável, p. 14. 67DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 150. 68VIANA, Marco Aurélio S. Da União Estável, p. 14. 69VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil /Direito de Família, p. 454.

24

Em suma, uma vez reunidos os elementos necessários para

a configuração da união estável, seu reconhecimento

dependerá da iniciativa dos interessados, conviventes ou

herdeiros, matéria que pode ser discutida em ação

ajuizada exclusivamente para esse fim ou decidida

incidentemente em pedidos de várias naturezas (alimentos,

filiação, direitos sucessórios etc.).

Quanto às características da União Estável, Viana70 as

enumera na seguinte ordem:

a) a convivência notória, isso significa que a união deve ser

conhecida dentro e fora do círculo dos amigos, de pessoas

íntimas, de vizinhos.

b) a estabilidade, isso significa que deve ser contínua, que

se prolongue no tempo. Não pode tipificar a figura em

estudo a união circunstancial, momentânea, eventual,

intermitente.

c) a intenção de constituir família, essa intenção deve vir

apoiada em elementos objetivos de convicção.

d) a comunidade de vida, em linha de princípio, a vida

comum, sob o mesmo teto, é o que mais evidencia a

aparência de casamento.

e) a fidelidade, que é outro traço determinante. Ela

funciona como fato de valorização ética.

70VIANA, Marco Aurélio S. Da União Estável, p. 25-27.

25

f) a vontade, como determinante da manutenção da

união estável é relevante, pois uma permanência sob

coação ou contra a vontade desvirtua a união estável.

Registra ainda Dias71 que, só se pode afirmar que a

união estável inicia de um vínculo afetivo. O envolvimento mútuo acaba

transbordando o limite privado, começando as duas pessoas a ser

identificadas no meio social como um par. Com isso o relacionamento

transforma-se em uma unidade.

Viana72 complementa que “Em verdade a união

estável é forma de constituição de família. Esta pode ser formada apenas

pelo homem e pela mulher, não sendo o filho elemento essencial, embora

desejável.”

Por fim, ensina Viana73, que os elementos mais

expressivos dessa relação são a convivência, alicerçada na vontade dos

conviventes; o caráter notório e estável e a intenção de constituição de

família e que não se difere da união homoafetiva.

Dias74 afirma que por absoluto preconceito, a

Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade somente às

uniões estáveis entre um homem e uma mulher, ainda que em nada se

diferencie a convivência homossexual da união estável heterossexual.

Assim, encerra-se, o breve estudo efetuado sobre a

união estável, desde a sua origem até o seu reconhecimento legislativo,

destinando o tema sobre a filiação através da adoção, para o próximo

capítulo.

71DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 150. 72VIANA, Marco Aurélio S. Da União Estável, p. 29. 73VIANA, Marco Aurélio S. Da União Estável, p. 29. 74DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 43.

CAPÍTULO 2

A FILIAÇÃO ATRAVÉS DA ADOÇÃO

2.1 RAÍZES HISTÓRICAS DA ADOÇÃO

A adoção existe desde as eras mais remotas onde o

casamento dava continuidade ao culto dos deuses familiares e, quando o

casal não podia ter filhos, era-lhe concedido o direito de adotar.

No antigo direito Romano, a adoção era amplamente

utilizada para prover a falta de filhos. Rodrigues75 assinala que a adoção

tem uma característica principal, a de proporcionar prole civil àqueles que

não a têm de forma consangüínea. “E busca-se, por intermédio dela,

imitar a natureza. Já dispunham as Institutas (Liv. 1, Tít. 11º, § 4º) que o mais

jovem não pode adotar mais velho, pois a adoção imita a natureza,

adoptio enim naturam imitatur, e seria monstruoso um pai mais novo do

que o filho”.

Na Bíblia Sagrada encontra-se a adoção de Moisés,

pela filha do Faraó, quando o descobre no meio de juncos e o adota. Esse

texto está contido em Êxodo (2, 10)76, que assim expressa:

(...) E sendo o menino já grande, ela o trouxe à filha de

Faraó, a qual o adotou; e chamou o seu nome Moisés,

e disse: Porque das águas o tenho tirado.

75RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 380. 76Antigo Testamento. Êxodo, 2, 10.

27

A adoção decerto surgiu para assegurar a

continuidade da família, no caso de pessoas sem filhos. Nesse sentido,

Rodrigues77 relata que:

A mesma religião que obrigava o homem a casar-se para

ter filhos que cultuassem a memória dos antepassados

comuns; a mesma religião que impunha o divórcio em caso

de esterilidade e que substituía o marido impotente, no leito

conjugal, por um parente capaz de ter filhos, vinha

oferecer, por meio da adoção, um último recurso para

evitar a desgraça representada pela morte sem

descendentes.

Para Cachapuz78 o histórico da adoção dividiu-se em

três partes: a primeira diz respeito à origem da adoção que teve um

caráter religioso, místico; em um segundo momento ela denota um cunho

político, visando ao interesse das pessoas que não podiam ter filhos,

ressaltando, desse modo, a importância do adotante em ter um filho; para

finalmente, num terceiro momento, perpetuar seu caráter social, onde o

bem-estar da criança e a dignidade humana ocupam papel

preponderante na realidade comunitária, na qual a criança deve ser

respeitada, e não considerada objeto de acordo com o interesse dos

adultos.

2.2 A EVOLUÇÃO DA ADOÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

77RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 379/380. 78CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 284.

28

Rodrigues79 ensina que “O Código Civil disciplinou a

adoção na forma por que era tradicionalmente regulada alhures, isto é,

como instituição destinada a dar filhos, ficticiamente, àqueles a quem a

natureza os havia negado.”

Quanto à evolução da adoção, assevera Rodrigues80,

também que:

No regime do Código Civil a adoção só era possível aos

maiores de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada.

Entendia o legislador que, ao atingir essa idade, o casal já

descoroçoara de ter filhos, sendo ademais provável que

não viesse a tê-los. Então, e só então, abria-se-lhe a porta

da adoção, a fim de suprir, dessa maneira, uma falta que a

natureza criara.

Conforme Dias81 ensina, este Código Civil (1916)

chamava de simples a adoção tanto de maiores como de menores. Só

podia adotar quem não tivesse filhos. A adoção era levada a efeito por

escritura pública, e o vínculo de parentesco limitava-se ao adotante e ao

adotado.

Segundo Venâncio82, outro aspecto fundamental da

legislação luso-brasileira dizia respeito à origem atribuída aos bebês

desamparados, e faz a seguinte observação:

No início do século XVI, as leis lusitanas consideravam os

enjeitados como filhos de alguns homens casados, ou de

79RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 377. 80RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 377/378. 81DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 384. 82VENÂNCIO, Renato Pinto. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 277.

29

solteiros...ou...filhos...de Religiosas, ou de mulheres casadas.

Os abandonados eram tidos como bastardos e a opinião

oficial a respeito dos pais era a pior possível.

Conforme relata Venâncio83, naquela época a

criação de abrigos para enjeitados cumpria assim uma dupla função

cristã: evitava o infanticídio e possibilitava que os cristãos exercessem a

caridade e o amor ao próximo.

Rodrigues84 destaca o surgimento da lei nº 3.133/57,

que aboliu o requisito da inexistência de prole para a adoção, e

determinou que, quando o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou

reconhecidos, a relação de adoção não envolvia a de sucessão

hereditária.

De acordo com o entendimento de Cachapuz85, a

nova lei tentou minimizar o aspecto restritivo, principalmente no que diz

respeito à idade do adotante; no entanto as discriminações permaneciam

evidentes, especialmente em relação aos direitos sucessórios.

Conta Cachapuz86 que, em 02 de junho de 1965, a Lei

n º 4.655 (Revogado pela lei nº 8.069 de 1990) instituiu a legitimação

adotiva no Brasil, impondo limites ao número de adoção por casais,

limitando a possibilidade de deferir-se legitimação adotiva aos adotantes

que já os tivessem ou aos quais poderia sobrevir filhos.

83VENÂNCIO, Renato Pinto. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 277. 84RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 378. 85CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 284. 86CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 284.

30

Assim, registra Dias87 que:

Esta lei admitiu mais uma modalidade de adoção, a

chamada legitimação adotiva. Dependia de decisão

judicial, era irrevogável, e fazia cessar o vínculo de

parentesco com a família natural.

Nesse sentido expõe Rodrigues88, que esta lei foi a

segunda grande inovação, no campo da adoção, pois tratava de

instituto que tirava algo da adoção e algo da legitimação. “Como

naquela, estabelecida um liame de parentesco de primeiro grau, em linha

reta entre adotante e adotado, e, como na legitimação, este parentesco

era igual ao que liga o pai ao filho consangüíneo”.

A Constituição Federal em seu artigo 227, § 6º, eliminou

a distinção entre adoção e filiação ao deferir idênticos direitos e

qualificações aos filhos, proibidas quaisquer designações discriminatórias.

O Código de Menores (Revogado pela lei nº 8.069 de

1990) substituiu a legitimação adotiva pela adoção plena, mas manteve o

mesmo espírito, assim, registra Dias89:

O vínculo de parentesco foi estendido à família dos

adotantes, de modo que o nome dos ascendentes passou

a constar no registro de nascimento do adotado,

independentemente de consentimento expresso dos avós.

Nesta linha de raciocínio Dias90 aduz ainda que a

justiça, no entanto, é uníssona em impedir distinções. Mesmo que se trate

87DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 384. 88RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 378/379. 89DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 384.

31

de adoção de maiores ou ainda que tenha sido a adoção levada a

efeito antes da vigência da norma constitucional, não mais existem

diferenciações.

Venâncio91 ensina que “Aos poucos, a concepção

antiga da adoção (...), cede lugar a um discurso que vinculava o gesto a

uma forma de integração familiar de crianças pobres abandonadas”.

2.3 CONCEITOS DE ADOÇÃO

A adoção, primordialmente, caracterizava-se como

uma situação de fato, onde determinado lar recebia um estranho, alguém

não integrante da família de sangue, na qualidade de filho.

Zeveiter92 ensina ainda que:

Progressivamente, a adoção passou a ser concebida

como um instituto essencialmente assistencial. Com o

objetivo de dar proteção ao adotado, tenta ajustá-lo na

nova família, adaptando-o a um outro ambiente

doméstico, igualando-o em tudo a um filho legítimo do

adotante, envolvendo, assim, todas as implicações

humanas, legais e sociais pertinentes.

Portanto, de acordo com Diniz93 a adoção é uma

instituição de caráter humanitário, tendo, por um lado, o estabelecimento

90DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 384. 91VENÂNCIO, Renato Pinto. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 277. 92ZVEITER, Waldemar. Adoção por ascendente, p. 205. 93DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil, p. 417.

32

de um liame legal de paternidade e filiação civil e, por outro, uma

finalidade assistencial, como um meio de melhorar a condição moral e

material do adotado.

Marmitt94 assevera que “(...) pelo relevante conteúdo

humano e social que encerra, a adoção muitas vezes é um verdadeiro

ato de amor, tal como o casamento, e não um simples contrato”.

No conceito de Beviláquia, citado por Rodrigues95,

“a adoção é o ato civil pelo qual alguém aceita um estranho, na

qualidade de filho”. Esta não é uma definição perfeita, porque o

vocábulo “aceita”, usado pelo consagrado mestre, não reflete bem o

comportamento do adotante. Em geral, este é quem toma a iniciativa do

negócio. Assim, melhor se diria que a adoção é o ato do adotante pelo

qual ele traz, para sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é

estranha.

A adoção é negócio solene, porque a lei lhe impõe

determinada forma, sem a qual o ato não tem validade, ou mesmo

existência, como tal. Relata Rodrigues96:

Trata-se de negócio unilateral e solene. É verdade que a

unilateralidade da adoção é imperfeita e mesmo

indiscutível, pois a lei reclama o consentimento dos pais

ou do representante legal do adotado (ECA, art. 45). Esse

requisito levou mesmo alguns escritores clássicos a

definirem a adoção como contrato. Mas, como há

hipóteses em que tal concordância não é exigida e

94MARMITT, Arnaldo. Adoção, p. 07. 95RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 380. 96RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 381.

33

como a principal manifestação de vontade é a do

adotante, não choca admiti-la como ato unilateral.

Constata Dias97 que “O estado de filiação decorre

de um fato (nascimento) ou de um ato jurídico: a adoção. A adoção é

um ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à

chancela judicial”.

A adoção constitui um parentesco eletivo, pois

decorre exclusivamente de um ato de vontade. Assim registra Dias98:

A verdadeira paternidade funda-se no desejo de amar e

ser amado, mas é incrível como a sociedade ainda não

vê a adoção como deve ser vista. Precisa ser justificada

como razoável para reparar a falha de uma mulher que

não pode ter filhos. Trata-se de modalidade de filiação

construída no amor, gerando vínculo de parentesco por

opção. A adoção consagra a paternidade socioafetiva,

baseando-se não em fator biológico, mas em fatos

sociológicos.

Hirschfeld99 retrata a adoção como um ato jurídico

bilateral, solene e complexo, criando relações idênticas às decorrentes da

filiação biológica, regido pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e

do Adolescente, que visa, antes de tudo, proteger o superior interesse do

menor.

97DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 385. 98DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 385. 99HIRSCHFELD, Adriana Kruchin. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 18/19.

34

É elementar no atual conceito de adoção a

preservação do interesse do adotado, previsto no Estatuto da Criança e

do Adolescente100, que assim dispõe:

Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar

reais vantagens para o adotando e fundar-se em

motivos legítimos.

Para Dias101, agora a adoção significa muito mais a

busca de uma família para uma criança. Foi abandonada a concepção

tradicional, em que prevalecia sua natureza contratual e significava a

busca de uma criança para uma família.

Cachapuz102 acrescenta que “Adotar uma criança é

sobrepujar os limites físicos-materiais e adentrar aos valores mais nobres do

espírito. É aproximar-se de Deus, assumindo um tanto a responsabilidade

da criação”.

2.4 NATUREZA JURÍDICA

Quando se trata de crianças e adolescentes, a

justiça reside em atender aos seus maiores interesses independentemente

de outras demandas envolvidas, provenham elas de pais adotantes ou

biológicos.

100BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. 101DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 385. 102CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 292.

35

Para Hirschfeld103, as leis referentes a adoção foram

evoluindo da seguinte forma:

No direito pátrio, devido às excessivas exigências previstas

no Código Civil de 1916, os dispositivos concernentes à

adoção não tiveram grande aplicabilidade. As leis

números 3.133/57 e 4.655/65, tentaram aproximar a

realidade de fato à realidade de direito, modernizando-a

com a criação da chamada legitimação adotiva. Com a

edição do Código de Menores, Lei número 6.697/79,

ampliou-se o instituto através da adoção plena. Em 1990,

com a publicação da Lei número 8.069, de 13 de julho, o

Estatuto da Criança e do Adolescente, um novo impulso

se deu a fim de modernizá-la frente aos atuais conflitos

vivenciados pela sociedade nacional.

De acordo com Cachapuz104, a elaboração do

Estatuto deu-se com a participação ampla da sociedade, assim

expressando anseios e aspirações nacionais quanto à questão da criança

e do adolescente, onde são encerados como pessoas peculiares em

desenvolvimento físico, moral, psíquico, espiritual, cultural e cognitivo,

tornando-os, portanto, sujeitos de uma condição especial, com

prioridades absolutas, onde devem ter precedência na segurança, no

socorro, em qualquer circunstância e preferência na formulação da

política e nos gastos públicos.

Conforme já exposto, o Estatuto da Criança e do

Adolescente introduziu uma adoção com roupagens novas,

103HIRSCHFELD, Adriana Kruchin. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 02/03. 104CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 285.

36

estabelecendo uma relação impregnada de afeto e amor. Explica

Hirschfeld105:

Os novos princípios, trazidos por esta lei, provocaram

mudanças profundas no instituto da adoção, fazendo

com que, dentro do panorama legal, as regras estejam a

serviço da proteção do menor. As autoridades, dessa

forma, têm a responsabilidade de sempre buscar o

melhor interesse da criança.

A adoção passa a atribuir a condição de filho ao

adotado, expõem Veronese e Oliveira106, e complementam que estes

terão os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de

qualquer vínculo com os pais e parentes naturais, salvo os impedimentos

matrimoniais – art. 41. “Assim o adotando não mais herdará dos pais

biológicos e nem poderá receber pensão alimentícia e mesmo que ocorra

a morte dos adotantes não será restabelecido o pátrio poder (hoje há que

se dizer poder familiar) dos pais naturais – art. 49”.

Assim, mais uma vez observa-se que este é o

comando contido na Constituição Federal, conforme artigo 227, § 6º já

citado acima, cujo preceito é repetido pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, em seu artigo 20, conforme segue:

Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do

casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e

qualificações, proibidas quaisquer designações

discriminatórias relativas à filiação.

105HIRSCHFELD, Adriana Kruchin. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 04. 106VERONESE, Josiane Rose Petry e OLIVEIRA, Luciene Cássia Policarpo. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 205.

37

Desta forma, Cachapuz107 aduz que o Estatuto da

Criança e do Adolescente representa marco de ruptura definitiva com o

paradigma da “situação irregular” e conseqüentemente consolidação da

Doutrina da Proteção integral, fundamentada no princípio da Prioridade

Absoluta.

Enfim, Hirschfeld108 conclui que são as normas do

Estatuto da Criança e do Adolescente e do novo Código Civil que traçam

as diretrizes atuais para a realização do processo adotivo, definindo

capacidades para adotar e ser adotado, bem como os procedimentos

legais que permeiam o instituto.

2.5 REQUISITOS NECESSÁRIOS À ADOÇÃO

Muito se tem discutido a respeito daqueles que

podem adotar, bem como os que podem ser adotados. Hirschfeld109

comenta que, sendo eles objeto de maior estudo e análise, uma vez que

serão formadores da futura relação parentesco-filial. Entretanto, os que

não podem adotar, em especial os ascendentes, apenas são excluídos

taxativamente dos possíveis adotantes.

A adoção é ato pessoal do adotante, já que a lei a

veda por procuração (Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 39,

parágrafo único). Todas as pessoas maiores de 21 anos,

107CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 285. 108HIRSCHFELD, Adriana Kruchin. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 04. 109HIRSCHFELD, Adriana Kruchin. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 05.

38

independentemente do estado civil, têm capacidade e legitimação para

adotar.

O método da adoção torna-se o mais simples, frente

ao estágio seguinte: a experiência do convívio e o enfrentamento de

preconceitos. Desta forma aborda Macedo110:

Isso porque estará sustentando em bases legais,

composto anteriormente por inúmeros procedimentos

psicossociais, isto é, sondagem sutil na avaliação de

aspectos morais, sociais, espirituais e afetivos que

conduzem à identificação das condições de quem está

com intenção de adotar; no preparo das famílias, na

espera pelo adotando e pelo adotante. Tal avaliação é

executada por psicólogos, assistentes sociais, pedagogos

e outros profissionais, se necessário.

No Brasil, para que haja efetiva integração do

adotado à nova família, é de fundamental importância encerrar, cortar os

laços com a família consangüínea, para evitar prejuízos e interferências.

Para Granato111, “(...) os vínculos da filiação anterior

são cancelados e rigoroso segredo se estabelece em relação à certidão

de nascimento original, de forma que mesmo os parentes consangüíneos

podem ignorar o parentesco”.

Nesta ordem de raciocínio, Sanseverino112 encerra o

assunto afirmando que a instrumentação legal deve servir à sociedade,

zelando pelos interesses dos menores e não para que as crianças em 110MACEDO, Emilisa Curi de. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 156. 111GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção, doutrina e prática, p. 90. 112SANSEVERINO, Ana Lúcia Mutti de Oliveira. O Estatuto da Criança e do Adolescente – a adoção na nova lei, p.71.

39

estado de abandono, seja psíquico ou material, venham a ser penalizadas

com empecilhos legais que inviabilizam a adoção, uma vez que essa é

uma das alternativas para construir seres humanos na sua plenitude,

dignos de uma vida melhor.

2.5.1 Idade

O primeiro requisito da adoção diz respeito à idade

das partes envolvidas nesse ato jurídico. O adotante há de ter pelo menos

21 anos e ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotando.

Observa Rodrigues113 que se deve atentar ao fato de

que o Estatuto da Criança e do Adolescente fala em 21 anos, mas houve

a redução da maioridade e agora vigora novo limite, portanto, qualquer

pessoa pode adotar, basta ter mais de 18 anos.

Todavia, dispõe o artigo 42 do Estatuto da Criança e

do Adolescente que:

Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos,

independentemente de estado civil.

[...] § 3º. O adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado.

Leciona Rodrigues114 que, com efeito, a regra se

inspira na idéia de que a adoção procura imitar a natureza, e que, assim,

mister se faz estabelecer entre as partes, que vão assumir as posições de

pai e filho, uma diferença que as situe em gerações diversas. Seria ilógico, 113RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 383/384. 114RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 384.

40

como aponta o já citado texto Justinianeu (Institutas, Liv. 1º, Tít. 11, parag.

4º), que o pai e o filho adotivo sejam da mesma idade ou o filho aparente

mais velho que o pai.

2.5.2 Estado Civil do Adotante

O artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente

diz que podem adotar independentemente de estado civil. Assim, pessoas

sozinhas, casadas ou que vivem em união estável também podem

adotar, mas a adoção não precisa ser levada a efeito pelo casal.

Dias115 complementa afirmando que somente um

pode adotar, porque a lei não o proíbe, e o que não é proibido é

permitido. Basta haver a concordância do cônjuge ou companheiro –

essa é a única exigência para a colocação em família substituta, norma

que se aplica também à adoção.

A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos

poderá se realizar, desde que um deles tenha completado 21 anos (este

limite encontra-se revogado) e haja comprovada estabilidade familiar.

Dispõe o artigo 42, § 2º do Estatuto da Criança e do

Adolescente que:

Art. 42 Podem adotar os maiores de vinte e um anos,

independentemente de estado civil.

[...]

115DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 388/389.

41

§ 2º. A adoção por ambos os cônjuges ou companheiros

poderá ser formalizada, desde que um deles tenha

completado dezoito anos de idade, comprovada a

estabilidade da família.

Os divorciados e os judicialmente separados

poderão adotar conjuntamente, desde que estejam de acordo sobre a

guarda e o regime de visitas, e, ainda, que o estágio de convivência já

tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal – art. 42, § 4º,

Estatuto da Criança e do Adolescente.

Segundo Dias116, quanto aos ex-companheiros, ficou

estabelecido o seguinte:

Apesar da falta de referência em qualquer dos estatutos

legais, não se pode negar igual possibilidade – basta o

atendimento dos mesmos requisitos: início do estágio de

convivência antes do rompimento da união e acerto

sobre guarda e visitas.

Dias117 comenta que não só uma, mas duas pessoas

podem adotar alguém. “A disposição legal, no sentido de que os

adotantes devem ser marido e mulher ou viver em união estável, não

exclui a concessão da medida a homossexuais. Não é indicado o modo

de demonstração da união estável, bastando a comprovação da

estabilidade da família (Estatuto da Criança e do Adolescente 42, § 2º)”.

2.5.3 Consentimentos exigidos

116DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 389. 117DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 389.

42

O consentimento dos pais é sempre reclamado, a

menos que eles tenham sido destituídos do pátrio poder. “Esta é uma

medida de grande alcance, pois a concordância equivale à renúncia

voluntária do pátrio poder118”.

Dispõe o artigo 45 do Estatuto da Criança e do

Adolescente:

Art. 45. A adoção depende do consentimento dos

pais ou do representante legal do adotado.

§ 1º. O consentimento será dispensado em relação

à criança ou adolescente cujos pais sejam

desconhecidos ou tenham sido destituídos do

pátrio poder.

§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze

anos de idade, será também necessário o seu

consentimento.

Acrescenta o Código Civil mais duas hipóteses de

dispensa da vênia dos pais:

Art. 1.624. Não há necessidade do consentimento

do representante legal do menor, se provado que

se trata de infante exposto, ou de menor cujos pais

sejam desconhecidos, estejam desaparecidos, ou

tenham sido destituídos do poder familiar, sem

nomeação de tutor, ou de órfão não reclamado

por qualquer parente, por mais de um ano.

118RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 385/386.

43

Neste ponto que diz respeito ao consentimento, o Código Civil traz uma novidade:

Art. 1.621. A adoção depende de

consentimento dos pais ou dos representantes

legais, de quem se deseja adotar, e da

concordância deste, se contar mais de doze

anos.

[...]

§ 2º. O consentimento previsto no caput é

revogável até a publicação da sentença

constitutiva da adoção.

Diante do dispositivo citado acima, Rodrigues

argumenta que permitir a retratação do consentimento, até a publicação

da sentença, se for ela manifestada no final do processo, certamente

trará numerosos transtornos pessoais, além de ensejar significativo

desgaste emocional ao menor se já adaptado, no estágio de convivência

e guarda provisória, à nova família, podendo representar traumática

frustração das expectativas do menor e dos próprios adotantes.

2.5.4 Estágio de convivência

Adotante e adotado passam pelo estágio de

convivência, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 46. A adoção será precedida de estágio de

convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo

44

que a autoridade judiciária fixar, observadas as

peculiaridades do caso.

Para Rodrigues119 “A finalidade do estágio de

convivência é comprovar a compatibilidade entre as partes e a

probabilidade de sucesso da adoção”.

Todavia a lei prevê a dispensa do estágio de

convivência, em duas hipóteses:

a) quando o adotando for infante de menos de um ano,

pois nesse caso é extremamente provável o ajuste do

menor com o seu novo progenitor;

b) qualquer que seja a idade do adotando, quando este

já estiver na companhia do adotante durante o tempo

suficiente para se poder avaliar a conveniência da

constituição do vínculo.

Rodrigues120 observa que esta segunda hipótese

conduz à persuasão de que em muitos casos aquela primeira fase do

processo de adoção não será reclamada. Isso porque, permitindo a lei

dispensa do estágio de convivência se o adotando “estiver na companhia

do adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a

conveniência da constituição de vínculo” (art. 46, § 1º), na maioria dos

casos o adotante lançará mão dessa possibilidade.

Para Macedo121, esse estágio é o período

experimental em que o adotando convive com os adotantes, para se

119RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 385. 120RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 385. 121MACEDO, Emilisa Curi de. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 175.

45

avaliar a adaptação daquele à família substituta, bem como a

compatibilidade desta com a adoção.

E continua dizendo que é de grande importância,

porque constituindo um período de adaptação do adotando e dos

adotantes à nova forma de vida, afasta adoções precipitadas que geram

situações de sofrimento para todos os envolvidos.

2.5.5 Impedimentos à adoção

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu

artigo 42, § 1º, proíbe a adoção pelos ascendentes e irmãos do adotando.

Afirma Dias122 que não repete a lei civil a vedação

que consta no Estatuto da Criança e do Adolescente de ascendentes e

irmãos adotarem. A omissão, no entanto, não implica o reconhecimento

da possibilidade de tratamento diferenciado entre a adoção de maiores

e de menores. Aplica-se à adoção de maiores a mesma proibição.

E continua dizendo que assim, avós e irmãos não

podem adotar netos ou irmãos, ainda que sejam adultos. Como o vínculo

de parentesco alcança também a união estável (Código Civil 1.595), a

restrição estende-se também aos conviventes, sendo vedada a adoção

dos ascendentes, mesmo depois de rompida a união.

Entende Rodrigues123 que a proibição de adotar um

neto talvez se justifique a idéia de que o ato poderá afetar a legítima de

herdeiro necessário mais próximo, tal como o filho. Como o neto adotado 122DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 387/388. 123RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 383.

46

assumirá a posição de filho, para todos os efeitos, ele concorrerá com seu

próprio pai, na sucessão do avô.

Quanto aos irmãos, entende Dias124:

O impedimento só existe enquanto persiste o vínculo.

Contudo, não há qualquer óbice à adoção entre

parentes colaterais de terceiro e quarto graus. Nada

impede que alguém adote um sobrinho ou um primo,

quer consangüíneo, quer ele tenha sido adotado.

Ensina Rodrigues125 que “Seguindo tradição antiga e

consagrada em muitos sistemas o tutor ou o curador não podem adotar o

pupilo ou o curatelado enquanto não derem conta de sua administração

e saldarem o seu alcance”.

Para Dias126 é fundamental a exigência de o tutor e

o curador prestarem contas da sua administração para adotar o pupilo ou

o curatelado (Código Civil 1.620 e Estatuto da Criança e do Adolescente

44). Como o tutor e o curador têm a obrigação de prestar contas

(obrigação que inexiste em se tratando dos pais), não exigir o

adimplemento de tal ônus poderia dar margem a subterfúgio para

simplesmente serem dispensados do encargo: bastaria adotar o tutelado

ou o curatelado.

2.6 EFEITOS DA ADOÇÃO

124DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 387/388. 125RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 383. 126DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 390.

47

Relações interpessoais são sempre processos

complexos, e relacionamentos entre pais e filhos, tanto adotivos quanto

genéticos, não fogem desta regra.

No entanto, famílias por adoção defrontam-se com

situações peculiares que precisam ser compreendidas e nunca deixadas

de lado, assim ensina Weber127:

Mesmo que a motivação para a adoção tenha sido

infertilidade, o altruísmo, ou ambos, a adoção traz

alegrias e diminui sentimentos e situações negativas para

os adotantes e, obviamente, aos filhos adotados.

Werber128 acrescenta que os pais por adoção

deparam-se com uma série de situações aversivas, e a maneira como

forem enfrentadas determina aspectos da dinâmica familiar. “Sem uma

preparação adequada e sem o suporte de Grupos de Apoio à Adoção,

deve-se refletir sobre como os membros das famílias por adoção resolvem

por si mesmos tais questões”.

Rodrigues129 aborda que a adoção de crianças e

adolescentes, na forma prescrita no Código respectivo, visou incorporar o

adotado integralmente à família do adotante, como se fosse seu filho

consangüíneo. O Estatuto da Criança e do Adolescente quis apagar

qualquer traço que indicasse a ligação do adotado com sua família

natural. E isso representou a mais importante inovação trazida pela nova

legislação.

127WEBER, Lidia Natalia Dobriankyj. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 225/226. 128WEBER, Lidia Natalia Dobriankyj. Grandes Temas da Atualidade /Adoção. (Coord: Eduardo de Oliveira Leite), p. 235/236. 129RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 386.

48

O adotado adquire os mesmos direitos e obrigações

de qualquer filho: nome, parentesco, alimentos e sucessão. Nesse sentido

Dias130 relata que:

Na contramão, também correspondem ao adotado os

deveres de respeito e de obediência. Os pais, por sua vez,

têm os deveres de guarda, criação, educação e

fiscalização.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é enfático

nesse sentido, e o diz bem o art. 41 desse diploma:

Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao

adotado, com os mesmos direitos e deveres,

inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer

vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos

matrimoniais.

Para Dias131, a relação de parentesco se estabelece

entre o adotado e toda a família do adotante. Os seus parentes tornam-se

parentes do adotado, tanto em linha reta, como em linha colateral.

“Também idênticos os graus de parentesco que se estabelecem em

relação aos filhos biológicos do adotante (Código Civil 1.628 e Estatuto da

Criança e do Adolescente 41). Vivendo os adotantes em união estável,

também os vínculos parentais estendem-se ao adotado”.

A alteração do sobrenome do adotado é

obrigatória. Permite o Estatuto da Criança e do Adolescente a alteração

do prenome a pedido do adotante. Agora, sendo o adotado criança ou

adolescente, não só a pedido do adotante, mas também por solicitação 130DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 386. 131DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 386.

49

do adotado é possível a mudança do nome (Código Civil 1.627 e Estatuto

da Criança e do Adolescente 47 § 5º).

Apesar de os efeitos da adoção só terem início a

partir do trânsito em julgado da sentença (Código Civil 1.628), a

possibilidade de os genitores manifestarem a revogação da

concordância vai só até a data da publicação da sentença (Código Civil

1.621 § 2º).

De acordo com Rodrigues132 “A adoção simples do

passado gerava efeitos menos intensos do que a atual, e por isso ela se

extinguia em mais de uma hipótese”.

Relata Rodrigues133 também, que hoje a adoção cria

um vínculo absoluto entre o adotado, o adotante e a família deste;

portanto, decorrência lógica dessa solução legal é sua perenidade.

Rodrigues134 afirma ainda que a exceção à regra

geral se abre na hipótese de o adotante morrer no curso do

procedimento judicial e antes da sentença. Aí, os efeitos da adoção

retroagem a data do óbito.

Por fim, realizada esta breve abordagem sobre a

adoção, bem como o histórico, conceitos, natureza jurídica entre outros

itens citados relativos a este tema, far-se-á na seqüência uma síntese a

respeito especificamente sobre a adoção por casais homossexuais.

132RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 388. 133RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 388. 134RODRIGUES, Silvio. Direito Civil /Direito de Família, p. 388.

CAPÍTULO 3

ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS E O AFETO COMO FONTE PRINCIPAL DE CONSTITUIÇÃO FAMILIAR

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE

Dagnese135 ensina que “A discussão inicial que se

trava na abordagem da homossexualidade recai sobre o argumento de

sua afronta à predisposição natural dos sexos”.

Conta Dagnese136 ainda, que por volta de 1850 o

termo homossexual estabeleceu-se, colocando em segundo plano

referências como sodomita, pederasta, alma feminina em corpo

masculino, para definir a afronta aos gêneros, pois naquela época existia

a negação tendente de enxergar o natural.

O autor citado acima complementa o assunto

afirmando que “Teorias surgiram inicialmente por Kraft Ebing em

Psychopathia Sexualis, alegando ser a homossexualidade doença

constitucional ou degenerativa”.

Disse Freud, citado por Dagnese137 noutros termos,

que a sexualidade humana não é determinada pela procriação, o que

induziu à maior aceitação homossexual.

135DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 11. 136DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 41. 137DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 42.

51

3.1.1 Aspectos psicológicos e sociais

De acordo com Dagnese138, para os heterossexuais

já é difícil a vida em sociedade, contudo para os homossexuais muitas

vezes torna-se impossível esta vivência:

Dificilmente o jovem consegue viver sua sexualidade sem

os tabus, os conflitos e os sentimentos de culpa, em

conseqüência do confronto entre estes valores e os que a

sociedade oferece hoje, entre as regras e o desejo.

“O homossexual, agora com passado presente e

futuro, sob a análise psicológica passa a ser personagem139.”

Nesse contexto, afirma Dagnese140 “que os anos 80

trouxeram evidências de que a homossexualidade poderia ser

comprovada cientificamente como característica inata, tal como a cor

da pele, e não um estilo de vida escolhido.”

Conforme o exposto Dagnese141 aponta ainda:

As pesquisas naquela época estenderam-se,

basicamente, em três áreas: a descoberta de um gene

determinante da homo ou heterossexualidade; a

presença de estruturas cerebrais diferenciadas; e os

efeitos de variações da concentração hormonal durante

o período de gestação e de diferenciação do encéfalo.

138DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 42. 139DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 42. 140DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 43. 141DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 43.

52

Diante de todo preconceito existente deve-se alertar

para os perigos de explicar o comportamento humano através da

genética. Torna-se importante lembrar os inúmeros defeitos destas

explicações reduzidas a respeito da difícil realidade dos seres humanos.

Observa Dagnese142 esse período da história:

No início do século os preconceitos gerados pela crença

de anatomistas consistiam em disposições sociais que

eram justificadas pelas medições de cérebros distintas

entre brancos, negros e mulheres.

Quanto à evolução da homossexualidade,

Dagnese143 traz as seguintes afirmações:

a) Em 1974 a homossexualidade sob o ponto de vista

médico ou psiquiátrico, por decisão da Associação

Psiquiátrica Americana (EUA), deixa de ser

considerada como doença mental.

b) Na classificação Internacional das Doenças – CID,

da Organização Mundial da Saúde, revista em 1975,

a homossexualidade é enquadrada como desvio e

transtornos sexuais.

c) Em 1980 deixa de ser considerada distúrbio de

personalidade ou distúrbio sociopático da

personalidade, para ser considerada situação aceita

como normal (ego-sintônica) ou como algo que o

indivíduo não aceita como normal (ego-distônica).

142DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 44. 143DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 44.

53

d) Em 1985, o Conselho Federal de Medicina (do

Brasil), antecipando-se oito anos à OMS, tornou sem

efeito o artido 302 da Classificação Internacional de

Doenças, não mais considerando a

homossexualidade como desvio ou transtorno sexual,

que por fim, aconteceria com a CID-10, isto é, sua

10ª edição. Aboliu-se, também, o radical “ismo”

(homossexualismo), referência de menosprezo e

doença.

Destaca Dias144 que no decorrer da história do

homem a homossexualidade esteve presente:

Não é crime nem pecado; não é uma doença nem um

vício. Também não é um mal contagioso, nada

justificando a dificuldade que as pessoas têm de ser

amigas de homossexuais. É simplesmente uma outra

forma de viver.

Assinala Dagnese145 que não pode ser concluído,

que possa ser definida à origem da orientação sexual humana – seja

homo ou heterossexual -, se genética, endocrinológica ou psicossocial.

Pode-se, crer que existem inúmeros fatores, e que estes nem sempre são

de mesma intensidade.

Conta Dias146 que “Em face do repúdio social, fruto

da rejeição de origem religiosa, as uniões de pessoas do mesmo sexo

receberam, ao longo da história, um sem-número de rotulações

pejorativas e discriminatórias”.

144DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 174. 145DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 46. 146DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 174.

54

O fato é que as pessoas sempre estão em busca da

felicidade. Dias147 registra que as pessoas abandonam relacionamentos

jurados como eternos e partem em busca de novos amores, iniciam outros

vínculos afetivos, mesmo afrontando o estabelecido pelo Estado como

forma única de constituição da família. Mas a felicidade nem sempre se

encontra no relacionamento heterossexual.

3.1.2 Aspectos jurídicos

De acordo com Dagnese148:

A história já revelava, aos conscientes do pós-guerra, a

necessidade da reunião cumulativa das mais variadas

garantias quando se trata da defesa dos direitos

humanos, sob pena de ser dado espaço de ação aos

perigosos subterfúgios que o direito mal empregado

possibilita aos interesses dos dominantes do poder de

justificarem suas atrocidades.

Nesse contexto, o autor relata ainda que a

expressão orientação sexual está expressamente inserida no texto do

inciso IV do art. 3º da Constituição Federal e tem a mesma intensidade

daquele que postule pelas expressões sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade, constantes no inciso, sob pena de corroer o equilíbrio

constitucional pretendido, conforme segue:

147DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 174. 148DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário, p. 49.

55

Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil:

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras

formas de discriminação.

A sexualidade integra a própria condição humana. É

direito humano fundamental que acompanha o ser humano desde o seu

nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Abordando o assunto

Dias149 esclarece que:

Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável

e imprescritível. Ninguém pode se realizar como ser

humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício

da sexualidade, conceito que compreende tanto a

liberdade sexual como a liberdade à livre orientação

sexual. O direito ao tratamento igualitário independe da

tendência afetiva. Todo ser humano tem o direito de

exigir respeito ao livre exercício da sexualidade.

O princípio que serve de norte ao sistema jurídico é o

que consagra o respeito à dignidade humana, que está disciplinado no

artigo 1º, III da Constituição Federal:

Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada

pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

149DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 176.

56

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático

de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

No que tange o compromisso do Estado para com o

cidadão, Dias150 entende que, ao conceder proteção a todos, o Estado

veda discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo, ou

idade e assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,

a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça

como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos.

Dias151 destaca também que é no âmbito do

Judiciário que, batizadas com o nome de uniões homoafetivas, as uniões

de pessoas do mesmo sexo começaram a encontrar reconhecimento.

Com os vínculos afetivos sejam compreendidos sem que se interrogue a

identidade dos parceiros.

Em recente julgado prolatado pelo Superior Tribunal de

Justiça, relativo ao Recurso Especial nº 820.475 – RJ152, admitiu a

possibilidade jurídica do pedido de reconhecimento da união estável

entre homossexuais, conforme se pode verificar de seu acórdão:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO

HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ.

OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC.

150DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 175. 151DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 175. 152 STJ, Recurso Especial n. 820.475 – RJ (2006/0034525-4), publicado DJe em 06.10.2008.

57

POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI

9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE

LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA

ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO.

1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz,

se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das

provas estava em gozo de férias, quando da prolação da

sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos

nas ações principal e cautelar.

2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a

possibilidade jurídica do pedido, corresponde a

inexistência de vedação explícita no ordenamento

jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.

3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de

fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se

pretende a declaração de união homoafetiva, não existe

vedação legal para o prosseguimento do feito.

4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a

possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês

que preencham as condições impostas pela lei, quais

sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem,

contudo, proibir a união entre dois homens ou duas

mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar

expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre

pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída

da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.

5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau

entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria,

conquanto derive de situação fática conhecida de

todos, ainda não foi expressamente regulada.

6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob

o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se,

se for o caso, a integração mediante o uso da analogia,

a fim de alcançar casos não expressamente

contemplados, mas cuja essência coincida com

outros tratados pelo legislador.

5. Recurso especial conhecido e provido.

58

Entende Splenger citada por Dias153 que “vencer o

preconceito é uma luta árdua, que vem sendo travada diuturnamente, e

que, aos poucos, de batalha em batalha, tem se mostrado exitosa numa

guerra desumana”.

3.2 A UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO E A INTENÇÃO DE CONSTITUIR

FAMÍLIA

Afirma Dias154 que “Em um passado não muito

distante, a justiça, nas raras vezes em que reconhecia a existência das

uniões homossexuais, conferia-lhes apenas efeitos de ordem patrimonial,

intitulando-as como sociedades de fato”.

Segundo Dias155 o legislador é omisso e com isso leva

ao surgimento de um círculo perverso. “Diante da inexistência da lei, a

justiça rejeita a prestação jurisdicional. Sob a justificativa de que não há

uma regra jurídica, negam-se os direitos. Confunde-se carência legislativa

com inexistência de direito”.

E, quanto à solução para esta omissão, a mesma

autora aponta os seguintes aspectos:

Necessita socorrer-se dos princípios constitucionais que

impõem o respeito à dignidade e asseguram o direito à

liberdade e à igualdade. O ordenamento jurídico

estrutura-se em torno de certos valores, muitos dos quais

estão postos em sede de princípios constitucionais, que

153DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 175. 154DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 180/181. 155DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 178.

59

também devem informar a interpretação da legislação

específica numa leitura incorporada pelos reclamos da

atualidade histórica.

Destaca Dias156 que, por absoluto preconceito, a

Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade somente às

uniões estáveis entre um homem e uma mulher, ainda que em nada se

diferencie a convivência homossexual da união estável heterossexual.

Assim, no entendimento da autora, a nenhuma

espécie de vínculo que tenha por base o afeto, pode-se deixar de conferir

status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição

(1º III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa

humana.

Dias157 aborda, ainda, que necessário é encarar a

realidade sem discriminação, pois a homoafetividade não é uma doença

nem uma opção livre. Assim, descabe estigmatizar a orientação

homossexual de alguém, já que negar a realidade não irá solucionar as

questões que emergem quando do rompimento dessas uniões.

No entendimento de Dias158 não há como chancelar

o enriquecimento injustificado e deferir, por exemplo, no caso de morte do

parceiro, a herança aos familiares, em detrimento de quem dedicou a

vida ao companheiro, ajudou a amealhar patrimônio e se vê sozinho e

sem nada.

156DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 43. 157DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 43. 158DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 43.

60

Matos159, por sua vez, acentua que, se primeiramente

excluídos estavam de seus direitos, hoje se vislumbra amplas conquistas. As

recentes decisões que visualizam de forma igualitária a união

homoafetiva, atribuindo-lhe as regras próprias do Direito de Família,

utilizam-se da analogia com a união estável, na ausência de lei

específica. Outras que aproximam a homossexualidade da sociedade de

fato têm o mérito de conceder, em parte, os efeitos jurídicos almejados.

Não desvelam, no entanto, a real nota de tais uniões que é o afeto.

Finalizando este item, pode-se, portanto, vislumbrar

os passos largos dados no reconhecimento das uniões entre pessoas do

mesmo sexo. Nesse sentido, Matos160 destaca que ainda necessário se faz

avançar nas reflexões, de modo que a produção de efeitos jurídicos não

se resuma ao vínculo familiar dos parceiros, estendendo-se para a inclusão

das questões relativas às crianças já envolvidas afetivamente ou mesmo

para a possibilidade de adoção plena.

3.3 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

De acordo com Matos161 “Os laços entre pais e filhos

não derivam simplesmente do vínculo biológico, o acolhimento afetivo do

filho é um processo importante e acredita-se ser a convivência um

elemento fundamental desta sublime forma de amar”.

159MATOS, Ana Carla Harmatiuk. Família e Dignidade Humana, (Coord: Rodrigo da Cunha Pereira), p. 84. 160MATOS, Ana Carla Harmatiuk. Família e Dignidade Humana, (Coord: Rodrigo da Cunha Pereira), p. 87. 161MATOS, Ana Carla Harmatiuk. Família e Dignidade Humana, (Coord: Rodrigo da Cunha Pereira), p. 89.

61

Segundo Dias162 este tipo de adoção é um tema que

divide opiniões, no entanto, inexiste obstáculo à adoção homossexual.

Aliás, é crescente o número de gays e lésbicas que se candidatam

individualmente à adoção. Ainda que de forma tímida, vem sendo

concedida a medida, não havendo mais necessidade de ocultar a

orientação sexual para a habilitação.

Para Matos163, negar a possibilidade de uma criança

ou mesmo um adolescente reconhecer juridicamente sua situação familiar

já constituída pelos laços do afeto e convivência próprios das famílias –

nos casos de guarda tutela, visita, parceiros dos pais biológicos do mesmo

sexo, filiação “de fato” ou mesmo irregular já vivenciada – parece não

atender aos parâmetros do atual Direito de Família – o qual prima pelo

valor jurídico do afeto.

A restrição não mais se justifica. Abordando o

assunto, Dias164 esclarece que:

As únicas exigências para o deferimento da adoção (CC

1.625 e ECA 43) são que esta apresente reais vantagens

para o adotado e se fundamente em motivos legítimos.

Ora, vivendo o adotando com quem mantém um vínculo

familiar estável, excluir a possibilidade de adoção, e

mantê-lo institucionalizado, só vem em seu prejuízo. Não

se pode olvidar que a lei não veda a possibilidade de

duas pessoas adotarem, ainda que não sejam casadas

ou vivam em união estável.

162DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 396. 163MATOS, Ana Carla Harmatiuk. Família e Dignidade Humana, (Coord: Rodrigo da Cunha Pereira), p. 87. 164DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 396.

62

Infelizmente permanece a resistência em conceder

a adoção a um casal que mantenha união homoafetiva; entende Dias165

que as justificativas são muitas: problemas que a criança poderia enfrentar

no ambiente escolar, ausência de referenciais de ambos os sexos para o

desenvolvimento do adotando, obstáculos na lei dos Registros Públicos,

entre outros. Mas o motivo é um só: o preconceito. É enorme a dificuldade

de aceitar os pares de pessoas do mesmo sexo como família.

Para Dias166 “Há a crença de que se trata de

relacionamento isento de perfil de retidão e moralidade. Isso tem o nome

de discriminação. A aparente intenção de proteger as crianças só as

prejudica”.

Silva Júnior167 destaca que na esfera dos avanços

jurídico-científicos em torno da homossexualidade e das uniões

homoafetivas, não perceber a viabilidade de ser deferido pedido de

adoção de um menor a dois conviventes do mesmo sexo demonstra

preconceito ou, no mínimo, falta de informações adequadas sobre o atual

estágio do conhecimento.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

recentemente deferiu a adoção a casal homossexual, conforme se

denota da apelação cível nº 70013801592168, que segue:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS

PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida

como entidade familiar, merecedora da proteção

estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo

com características de duração, publicidade,

165DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 397. 166DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 397. 167SILVA JR., Enézio de Deus. A possibilidade de adoção por casais homossexuais, p. 156. 168 TJRS, Apelação Cível n. 70013801592, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 05.04.2006.

63

continuidade e intenção de constituir família, decorrência

inafastável é a possibilidade de que seus componentes

possam adotar. Os estudos especializados não apontam

qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas

por casais homossexuais, mais importando a qualidade

do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em

que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É

hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes

hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se

uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que

constitucionalmente é assegurada aos direitos das

crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição

Federal). Caso em que o laudo especializado comprova

o saudável vínculo existente entre as crianças e as

adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.

Assim, Matos169 entende que se porventura um sujeito

sozinho adota e convive numa união homossexual, possivelmente seu

parceiro desenvolve os papéis inerentes à parentalidade. Apresenta-se,

desse modo, toda uma gama de privilégios afetivos e vivenciais, dado o

acompanhamento do desenvolvimento da criança ser exercido de forma

conjunta – o que lhe é um grande acréscimo emocional. Ambos somam-

se nos esforços necessários e comungam a realização pessoal.

Mais uma vez, Matos170 destaca que quando não há

o reconhecimento jurídico, ocorre um prejuízo ao filho adotado por

homossexual, pois os eventuais efeitos jurídicos pretendidos não se operam

automaticamente em razão da ausência da formalidade de um dos

parceiros.

169MATOS, Ana Carla Harmatiuk. Família e Dignidade Humana, (Coord: Rodrigo da Cunha Pereira), p. 91. 170MATOS, Ana Carla Harmatiuk. Família e Dignidade Humana, (Coord: Rodrigo da Cunha Pereira), p. 92.

64

3.4 O ABANDONO INFANTIL E A ADOÇÃO

Comenta Cezar171 que “Pais inconseqüentes

abandonam seus filhos... Tragédias deixam milhares de crianças órfãs...

Miséria constrange muitos pais a deixarem seus filhos aos cuidados de

outros... Adolescentes, jovens e imaturas, doam seus bebês...”

De acordo com o pensamento da autora acima

citada, é assim que milhares de crianças abandonadas ou órfãs têm na

adoção a única alternativa capaz de livrá-las da delinqüência. Elas

esperam a oportunidade de serem adotadas em nosso país.

Estes fenômenos são a realidade de muitas crianças

e jovens carentes, abandonados e desamparados nas ruas dos grandes

centros urbanos brasileiros. Observa Ferreira172 que:

(...) com o crescimento da violência e da criminalidade a

partir da década de 1990 e com o aumento de crianças

e adolescentes cooptados para atividades criminosas por

grupos de traficantes, cresceram as pressões para o

recolhimento e o confinamento de crianças e

adolescentes infratores e abandonados em

estabelecimentos, tanto internatos para cumprimento de

medidas sócio-educativas quanto abrigos.

Em reportagem publicada no site www.folhauniversal.com.br, sobre o abandono infantil173 destacou que:

171 CEZAR, Clélia Zitto. Refletindo a Adoção, p. 37. 172 FERREIRA, Lucia Maria Teixeira. O Cuidado como Valor Jurídico. (Coord: PEREIRA, Tânia da Silva e OLIVEIRA, Guilherme de), p. 143. 173http://www.folhauniversal.com.br/integra.jsp?codcanal=988&cod=122044&edicao=804

65

Acredita-se que atualmente chegue perto de 8 milhões o

quantitativo de crianças abandonadas no Brasil. Destas,

cerca de 2 milhões vivem permanentemente nas ruas,

envolvidos com prostituição, drogas e pequenos furtos.

Um número expressivo, demonstrando que não foram

aplicadas políticas eficazes para a redução da triste

realidade apresentada já em 1994, quando existiam 7

milhões, segundo levantamento da Organização Mundial

de Saúde (OMS). A estatística mais triste encontra-se em

São Paulo. Dados mostram que, a cada dia, duas

crianças são abandonadas na cidade, em abrigos ou nas

ruas. Só nos primeiros três meses deste ano, mais de 200

crianças foram desamparadas. Isso equivale a uma

média de 15 crianças a cada semana – comprovando

que nos países subdesenvolvidos o controle de

natalidade ainda é muito baixo.

Diante de fatos, não é hora de se procurar culpados

e sim de criar a estratégia de uma ação conjunta, e, nesse contexto

Cezar174 apresenta determinadas soluções:

a) Para a mãe desesperada, é preciso um suporte

emocional, condições dignas de sustento e

orientação pré-maternidade.

b) Para o judiciário reticente e moroso, é preciso a

sensibilidade para ponderar e agir prontamente, a

fim de não legar a esta criança as conseqüências

danosas à institucionalização.

174CEZAR, Clélia Zitto. Refletindo a Adoção, p. 42.

66

c) Para a sociedade, a descida de seu pedestal

condenatório e um engajamento, de fato, com o

“chorar com os que choram”. Ou seja, um

envolvimento com os grupos que trabalham a favor

do menor abandonado, propostas concretas e

participação no levantamento de recursos.

d) Para a criança indefesa e sem condições de

verbalizar sua tragédia e suas necessidades

inadiáveis, a opção da família substituta, através do

milagre da adoção.

Segundo Ferreira175, ao se falar em abandono, há

que se mencionar, também, o processo cruel de urbanização. Em

detrimento dele a exclusão social ocorre nos dias de hoje, aumentando a

pobreza urbana, as inúmeras crianças desamparadas por falta de recursos

de suas famílias e os “processos de favelização e periferização, com a

segregação espacial da classe trabalhadora, confinada em espaços

marcados pela escassez de serviços urbanos e de equipamentos de uso

coletivo”.

Observa Cezar176 que se a indefinição da miséria e

do caos da família de origem de uma criança persiste, nada mais justo

que esta criança tenha o direito de viver em um lar substituto. Só assim ela

deixará de ser indefinidamente excluída.

Conclui Dias177 lembrando que negar a possibilidade

de filiação, quando os pais são do mesmo sexo, é uma forma cruel de

175 FERREIRA, Lucia Maria Teixeira. O Cuidado como Valor Jurídico. (Coord: PEREIRA, Tânia da Silva e OLIVEIRA, Guilherme de), p. 160. 176CEZAR, Clélia Zitto. Refletindo a Adoção, p. 48. 177DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 397/398.

67

discriminar e de punir. Há uma legião de filhos esperando alguém para

chamar de mãe ou pai. Se forem dois pais, ou duas mães, não importa,

mais amor irão receber.

3.5 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E DO MELHOR INTERESSE DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O princípio da dignidade humana é o mais universal

de todos, pois serve de referência aos demais. Assim ensina Dias178 “é um

macro princípio no qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia

privada, cidadania, igualdade, e solidariedade, uma coleção de

princípios éticos”.

Entende Dias179 que a ordem constitucional dá uma

proteção especial à família, independentemente de sua origem e observa

o seguinte:

A multiplicação das entidades familiares: o afeto a

solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o

projeto de vida comum, permitindo o pleno

desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com

base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e

humanistas. Ora, se é direito da pessoa humana constituir

núcleo familiar, também é direito seu não manter a

entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a

existência digna. É direito constitucional do ser humano

ser feliz e dar àquilo que o aflige sem inventar motivos. 178DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 57. 179DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 58.

68

Sobre a valorização do ser humano e o princípio do

melhor interesse da criança e do adolescente, comenta Pereira, citado

por Tupinambá180:

O princípio do melhor interesse da criança e do

adolescente tem suas raízes na mudança havida na

estrutura familiar nos últimos tempos, através da qual ela

despojou-se de sua função econômica para ser um

núcleo de companheirismo e afetividade, ‘lócus do amor,

sonho, afeto e companheirismo’.

Vale lembrar, de acordo com Dias181 que a

convivência familiar e o fortalecimento desses vínculos tornam realidade

uma tendência de que as crianças permaneçam junto à família natural,

porém, às vezes, o que melhor atenderia aos interesses do infante seria a

destituição do poder familiar e a sua entrega à adoção.

A mesma autora assevera, ainda, que os fatores

principais são o direito à dignidade e ao desenvolvimento integral, mas

nem sempre esses valores são preservados pela família. Diante do exposto

torna-se necessária a intervenção do Estado, afastando as crianças e

adolescentes do contato com os genitores, colocando-as a salvo junto a

famílias substitutas. Este direito à convivência familiar não quer

necessariamente a criança ligada à ordem biológica da família, portanto

esta deve ser uma relação construída no afeto, não derivando dos laços

de sangue.

180 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como valor jurídico, p. 370. 181DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 64.

69

Para Tupinambá182 essa proteção à criança e ao

adolescente não poderia ser diferente, afinal, a Convenção Internacional

sobre os Direitos da Criança estabelece que é a prioridade absoluta e

imediata da infância e da juventude, conduzindo a criança e o

adolescente a uma consideração especial, sendo seus direitos

fundamentais universalmente salvaguardados.

3.6 A FORMAÇÃO DA “FAMÍLIA” HOMOAFETIVA ATRAVÉS DO AFETO

Dias183 entende que “a comunhão de afeto é

incompatível com o modelo único, matrimonializado, da família. Por isso, a

afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as

relações familiares contemporâneas”.

No mesmo sentido, são pertinentes as palavras de

Tupinambá184:

O texto constitucional, em especial nos arts. 226 e 227,

assimilaram o marco da nova família, com contornos

diferenciados, priorizando a necessidade da realização

da personalidade dos seus membros, ou seja, a família-

função, em que subsiste a afetividade, que, por sua vez,

justifica a permanência da entidade familiar. “Esta é a

família constitucionalizada.”

No entanto, lembra Dias185 que por absoluto

preconceito, a Constituição Federal emprestou de modo expresso a

182 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como valor jurídico, p. 371. 183DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 67. 184 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como valor jurídico, p. 369. 185DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 45.

70

juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher,

mesmo que a convivência homossexual não se diferencie da união

estável. É inaceitável que isso aconteça, pois a nenhuma espécie de

vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir status de

família. Nesse sentido a família homoafetiva é merecedora da proteção

de Estado, pois a Constituição Federal consagra, ainda, em norma pétrea,

o respeito à dignidade da pessoa humana.

Observa-se ser necessário que haja um afeto

familiar para que possa existir uma entidade familiar. Desta forma

Tupinambá186, citando Pereira assevera que:

Diante desse quadro estrutural, o que se conclui é ser o

afeto um elemento essencial de qualquer núcleo

familiar, inerente a todo e qualquer relacionamento

conjugal ou parental.

A nova forma de observar a sexualidade valorizou

os vínculos conjugais que passaram a se basear no amor e no afeto,

Dias187 entende que “Na esteira dessa evolução, o direito da família

instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico

ao afeto”.

Ao longo deste capítulo, procurou-se enfocar a

adoção por casais homossexuais, fazendo uma breve consideração sobre

a homossexualidade, união entre pessoas do mesmo sexo e a intenção de

constituir família, o abandono infantil e outros quesitos que resolvam esta

complexa questão que envolve diretamente os direitos fundamentais do

indivíduo.

186 TUPINAMBÁ, Roberta. O cuidado como valor jurídico, p. 369. 187DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p. 68.