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O ALCANCE DA SEGURANGA ECONOMIGA > Mário Rotberg Adjunto da Divisão de· Assuntos Econômieos/ESG INTRODUÇAO O homem, desde que a histó- ria notícia, revelou, como con- dição imanente à. sua natureza, a expressão de sua insegurança. Insegurança que se manifesta como receio do desconhecido, co- mo medo que internaliza diante dos males a que assiste, como apreensão do que pressente, mo temor do que prevê, como subjacência do seu comporta- mento, enfim, como condição, reflexa da carência, que trans- passa as mais diferentes áreas àa vida humana. É do domínio do saber o va- riado elenco de contrapartidas pelo próprio homem criadas pa- ra se sentir acautelado, seguro e protegido contra a diversifica- da natureza. das adversidades que o circundam. ·A princípio, os fenômenos da insegurança foram notados em relação às forças elementares da natureza que o atemorizavam e o levavam à agregação, como o trovão ou o relâmpago. Estes eram fenômenos facilmente per- ceptíveis por lhe serem exterio- res. Com o decorrer do tempo, ao · tomar consciência de sua exis- tência e interiorização do seu próprio processo, o homem pas- sa a criar defesas necessárias no· vas e constrói, então, amplos e poderosos contrafortes de sua se- gurança. Assim, o faz em relação à natureza e ao meio social que o envolve, em face de seus diferen- tes graus de hostilidade. Entre- tanto, posteriormente perceberá, com o aguçamento de suas per- quirições, que· a segurança é um fenômeno, também, de maior profundidade, intimamente liga- do ao seu indivisível complexo fi- siopsicológico. . era do homem primitivo, como vimos, buscar a vida gre- gária para enfrentar as vicissi- tudes da vida, bem como, o en- tregar-se à ação religiosa em suas mais diferentes manifesta- ções. Assim, a adoração ao sol, em contraposição ao raio ou tro- vão, como o devotamento e a veneração a chefes e deuses ou, ainda, à ação cabalística gene- ralizada, são traços de autode- 100 Revista da Escola Superior de Guerra - N9 2 - Vol. II - Abril / 84

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O ALCANCE DA SEGURANGA ECONOMIGA >

Mário Rotberg Adjunto da Divisão de· Assuntos Econômieos/ESG

INTRODUÇAO

O homem, desde que a histó­ria dá notícia, revelou, como con­dição imanente à. sua natureza, a expressão de sua insegurança. Insegurança que se manifesta como receio do desconhecido, co­mo medo que internaliza diante dos males a que assiste, como apreensão do que pressente, co~ mo temor do que prevê, como subjacência do seu comporta­mento, enfim, como condição, reflexa da carência, que trans­passa as mais diferentes áreas àa vida humana.

É do domínio do saber o va­riado elenco de contrapartidas pelo próprio homem criadas pa­ra se sentir acautelado, seguro e protegido contra a diversifica­da natureza. das adversidades que o circundam.

·A princípio, os fenômenos da insegurança foram notados em relação às forças elementares da natureza que o atemorizavam e o levavam à agregação, como o trovão ou o relâmpago. Estes eram fenômenos facilmente per-

ceptíveis por lhe serem exterio­res. Com o decorrer do tempo, ao

· tomar consciência de sua exis­tência e interiorização do seu próprio processo, o homem pas­sa a criar defesas necessárias no· vas e constrói, então, amplos e poderosos contrafortes de sua se­gurança. Assim, o faz em relação à natureza e ao meio social que o envolve, em face de seus diferen­tes graus de hostilidade. Entre­tanto, posteriormente perceberá, com o aguçamento de suas per­quirições, que· a segurança é um fenômeno, também, de maior profundidade, intimamente liga­do ao seu indivisível complexo fi­siopsicológico. . Já era do homem primitivo, como vimos, buscar a vida gre­gária para enfrentar as vicissi­tudes da vida, bem como, o en­tregar-se à ação religiosa em suas mais diferentes manifesta­ções. Assim, a adoração ao sol, em contraposição ao raio ou tro­vão, como o devotamento e a veneração a chefes e deuses ou, ainda, à ação cabalística gene­ralizada, são traços de autode-

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fesa com os quais supunha re­por ou emprestar a condição de segurança à sua existência.

Esse contexto, entretanto, foi permeado pela constante preo­cupação que acompanhou a vida humana, calcada em três· ve­tores visivelmente delineados quais sejam o da segurança pa­ra sua subsistência, para o al­cance de elevados níveis de bem­estar e para a garantia de ambos em seu futuro.

Todavia, por sua natureza he­donística, o homem desenvolveu sua ação perseguindo os objeti­vos almejados, mapeando-os sem­pre com a obtenção de maiores resultados através do menor es­forço possível. Para concretizar suas aspirações, pautou-se, pre­ponderantemente, pelo imedia­tismo, pela consecução de taxas acentuadas de utilização da na­tureza e de seu relacionamento com a sociedade, despreocupan­do-se dos efeitos de longo prazo, em seu comportamento.

Sem o perceber, modelou um sistema que, atel)dendo à sua natureza, engendrou infinito nú­mero de atividades, distinguidas por multivariadas qualidades dos bens e serviços desfrutáveis, mul­tiplicando-lhes, também, a quan­tidade para atender às exigências da progre~.são do crescimento po­pulacional.

Construiu, desse modo, no curso da história, as estruturas da sustentação da próprla vida onde sua atividade, ao observar os vetores básicos da própria se­gurança, desenvolveu-se sob um clima de disputa, onde todos que­riam, ao mesmo tempo, estar, pe­lo menos, igualmente seguros.

Este fato, se trouxe consigo a transformação de sociedades tradicionais em sociedades de al­to e sofisticado desfrute, criou, também, diferenças, contradi­ções e contraposições que obri­garam à surgência de institui­ções apropriadas com regimes definidos, normas, proposições e empreendimentos, capazes de tornar conviventes os homens em sua ação na busca de sua própria segurança.

Edificou-se, dessa maneira, na estrita interdependência dos homens em face da divisão do trabalho, como embrião da tec­nologia, para maiores. ganhos de produtividade e fruição do bem­estar conseqüente, a profunda interação de estruturas econômi­cas e regimes cuja operaciona-

. !idade conformou os sistemas econômicos como principal insti­tuição a presidir e a circunscre­ver a ação do homem.

Prover a segurança do siste­ma econômico tornou-se, àssim e por conseqüência, condição sig­nificativa para que o homem, ao ativar sua capacidade, se sen­tisse, ele próprio, protegido pelo próprio sistema quanto à sua ação e aos resultados dela prove­nientes.

A SEGURANÇA ECONôMICA E 1\ EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS ECONÔMICOS

Na busca de segurança eco­nômica, os homens instituciona­lizaram, em conformidade com as circunstâncias e em diferentes patamares históricos de seu rela­cionamento, uma progressão de

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sistemas que passaram da orga­nização tribal, com trocas intra­tribais, para formações de tro­cas entre tribos, entre comuni­dades, entre províncias, entre regiões e entre países, com dife­rentes graus de intensificação. Testemunharam, assim, a exis­tência de estruturas e entidades consonantes com expressões de poder correspondente. Hoje, em estágio superior e em correlação com ·as exigências da formação das nações e do poder nacional de que desfrutam, os sistemas organizam-se como economias supranacionais, complementares na produção e troca, como o rea­firmam as diferentes organiza­ções de blocos de países nos úl­timos trinta e cinco ano.a.

Percebe-se, pois, que, permea­do pela necessidade de seguran­ça, o sistema econômico, como instituição, tornou-se entidade de caráter dinâmico, profunda­mente entrelaçada em seus ele­mentos constituintes, como sua estrutura e seu regime, conjun­to este que participa, com diver­sos graus de plasticidade, do complexo sistema sócio-cultural, por sua vez altamente diversifi­cado, multifacêtico, complexo e

·necessariamente adaptativo. O sistema econômico, como

·seu subconjunto, procurou con­tinuamente harmonizar-se com a extrema variedade do seu meio externo onde despontam, como traços culturais relevantes e que lhe definem as formas, a ciência e a tecnologia, objetivando a materialização das expectativas que dizem respeito à segurança econômica de seus participantes.

Contudo, a condição de se­gurança plena, efetiva, real, em seu sentido econômico em rela­ção aos indivíduos, até hoje, não tem constatada sua concretiza­ção uma vez que as próprias di­ferenciações, inerentes à nature­za humana, dificultam a sua ob­tenção.

A SEGURANÇA ECONóMICA E . AS ESOOLAS DE PENSAMENTO SóCIO-EOONóMIOO

A segurança econômica, de caráter ideal, proposta pelas for­mulações das diferentes escolas do pensamento econômico, bem como a prática de suas experiên­cias, resultaram, até hoje, para as sociedades, improfícuas.

Entre as escolas se destaca­ram, de um lado, aquelas que pretenderam, por meio da socia­lização da propriedade, garantir as condições de consecução da segurança. Supunham ser a pro­priedade individual o elemento fundamental de diferenciação en­tre os indivíduos, geradora de suas desigualdades econômicas, portanto o seu ponto critico, mas que, por outro lado, aciona os ho­mens, como também reconhece­ram, a desfrutar, com maior ou menor intensidade, das condi­ções daquilo que sentem ser a segurança econômica de sua pró­pria vida.

O PENSAMENTO DiAS ESCOLAS SOCIALISTAS

O pensamento da escola so­cialista propunha, através de medidas impedientes da concre-

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tização da propriedade em ter­mos individuais, convencer que a segurança estaria sendo des­frutada por todos os indivíduos se estes tivessem introjetada a imagem de que a propriedade de caráter coletivo, ao evitar as discrepâncias relativas às dife­renciações econômicas pessoais que existem entre os homens, te­ria, como resultado, o estabeleci­mento da segurança econômica de caráter pleno e geral para to­dos os membros da sociedade.

OS SOCIALISTAS UTóPICOS

Nesse sentido, registram-se as tentativas das diferentes pro­posições de organização de sis­temas econômicos levadas a efei­to pelos teóricos do pensamento socialista. Estes, através de di­versas correntes, propuseram, entre outras organizações, a for­mação de colônias tipo comunis­ta como na visão da colônia New Harmony, em Indiana, nos Es­dos Unidos, organizada por Ro­bert Owen, o Falanstério, como no caso do Hotel Cooperativo, proposto por Charles Fourier, o Banco de Trocas, por Proudhon, a .oificina Social, por Louis Blanc, a Câmara de Sábios, de Técnicos e Artistas, conforme a proposição de Saint-Simon. ToM das, visando a um associacionis­mo eivado de espiritualismo de caráter1iberal ou autoritário. En·· tretantot foram experiências ou proposições cuja prática foi ne­gada diante da própria natureza, profundamente complexa, do ho­mem.

Em suas plataformas, esses pensadores, cingidos pelas dlfe-

rentes correntes do socialismo utópico, esgrimiam, através do apelo espiritualista ao volunta­rismo dos homens, com a intei­ra consecução de liberdade, com a igualdade generalizada e ~om a abolição da propriedade priva­da, condições, segundo eles, ine­gavelmente adstritas à seguran­ça do homem.·

Entretanto, as relações esta" belecidas em suas arregimenta­ções associacionistas jamais pu­deram erradicar o espírito do lu­cro, da concorrência, da disputa e, fundamentalmente, da dife­renciação entre os homens, fa­zendo, assim, com que o socia­lismo se parecesse inteiramente irreal. Desencorajava-se, por via de conseqüência, a esperança de que pudesse vtr a viger o voltin- ·. tarismo coletivista e a decorren­te condição de segurança que da­ria ao indivíduo o devido alento para a adesão às diferentes or­ganizações propostas pelas cor­rentes do socialismo utópico.

OS SOCIALISTAS DITO-CIENT.tFIOOS

Dian.te do fracasso dos utópi­cos, a escola socialista capitanea­da por Marx, e dita científica} abandonou, com causticidade cri~ tica, os aspectos espiritualistas de suas justificativas. Afiliou-se à concretização da obtenção da segurança plena para o homem por meio da sociedade socialista onde as características funda­mentais de sua solidez estariam presas ao caráter material que presidiria a relação entre os ho~ mens e não ao seu espiritualis­mo.

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Portanto, uma posição supos­tamente objetivista, totalmente diversa do subjetivismo utopista; e que teria a respaldá-la a exis­tência de contradições materiais, próprias à evolução dos diferen­tes sistemas. No capitalismo, elas se afiguravam na produção cole­tiva e apropriação individual dessa produção, na superprodu­ção e no subconsumo ou, ainda, na contraposição decorrente da taxa decrescente de lucro e a ine­vitabilidade de maior exploração do operário via «mais valia abso-1 uta".

Segundo essa escola, as con­tradições, geradoras dos confli­tos entre classes estratificadas nos diferentes patamares da pe­riodização · histórica, seriam a causa básica e até única da me­tamorfose ocorrida na convivên­cia da sociedade. Justificava-se, assim, teleologicamente e com um enfoque reducionista, que a persecução à segurança econômi­ca seria a razão das transforma­ções sociais sofridas desde a for­mação da sociedade comunal pri­mitiva a.tê a ocorrência da socie­dade socialista.

Localizado, assim, o ''móvel'' da morfocinética social e empres­tando-lhe a conotação histórica e determinista, não restaria senão aos igualitaristas marxistas, co­mo "portadores" do sentimento de segurança definitiva entre os homens, impor, via autoritária e não voluntária, as condições de transformação da sociedade ca­pitalista, para eles insegura, em sociedade socialista soit disant segura.

Para a primeira aplicariam, aproveitando-lhe as contradições

e em concoraanc1a com as pro­f ecias catastróficas da escola, a ação revolucionária das massas para modificá-la. Isto, a seu ver, seria inteiramente compatível com a necessidade de sincronizar o sistema econômico com a evo-1 ução da história que estaria, a esta altura, a exigir a sociedade socialista. ·

AS IDÉIAS SOCIALISTAS E A REALIDADE . SóCIO-ECONôMICA

Entretanto, a experiência vi­vida e agora envolvendo todas as proposições, sejam elas das es­colas utópicas do socialismo ou das escolas do socialismo dito científico, apresentam seqüelas conseqüentes dos profundos ir­realismo e romantismo com que encaram suas desejabilidades em face da fecunda diferenciação que caracteriza a própria espécie humana. Esta confere à luta pe­la conquista de sua segurança vi­sões que extrapolam qualquer ti­po de organização artificial e bu­rocratizada de sua vida, de seus interesses, através de proposições ou de formas monótipas de orga• nização de sistemas. Isto porque o homem, como ser altamente complexo e naturalmente resis­tente a mudanças que lhe afetem as condiçõe~ de segurança e que já lhe são prevalentes, resiste, inevitavelmente, a essas mudan­ças. E estas, em face do posicio­namento dos indivíduos na cli­vagem social, podem trazer-lhes insegurança mesmo que repre­sentem maior ou novos níveis de segurança para aqueles que dela não desfrutavam em condições

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compatíveis com a dignidade do ser humano.

E a própria experiência da administração da sociedade so­cialista tem-na posto à prova. Nela, um número de restrições teóricas, antes. projetadas, tive­ram de ser e estão sendo, por for­ça da prática social, abolidas e/ou desfiguradas, a fim de que os homens, dada a sua condição natural e em face da degeneres­cência e obsolescência das idea­lizações antes mobilizadoras, não extravazem ou concretizem, irre­freavelmente, suas lidimas von­tades. Estas, se levadas à prática, confrontar-se-iam, como de fato ocorreu e tem ocorrido, com os fundamentos da segurança do sistema socialista que supunha predições de infalibilidade da se­gurança econômica individual, mecanicamente garantida, com a transformação socialista da economia.

A DEJtROTA DO RADICALISMO SOCIALISTA DIANTE DA VID~

Se, de inicio, suas previsões postulavam medidas de caráter radical, definitivas, o próprio em­bate com a vida, com a natureza humana, e com o próprio com­plexo social, obrigou-o a modifi­car suas postulações, afastando­se elas da concepçã_o radical, me­canicamente niveladora, em ter­mos de uma igualdade humana.

A princípio, propugnavam por uma ideal igualdade aritmético­numérica de condições para to­dos os participantes .da socieda­de inteiramente fantasiosa. De­pois, cederam à igualdade de ca-

ráter funcional, também qu1me~ rica, como, também, à igualda" de de caráter proporcional que jamais foram alcançadas, uma vez que as funções dos homens se apresentam multivariadas, pa­ra uma mensuração, através de um denominador comum de fun­cionalidade ou proporcionalida­de.

Além disso, a contrapartida do reconhecimento das igualda-. des estaria sujeita, na medida de sua própria avaliação, à própria consideração dos homens que se manifestavam subjetivamen­te em relação ao problema. E es~ te se acentuava, no que se refe­re à igualdade proporcional, em face do fato de que a abundân­cia, por maior que seja e conse­aüente de diferentes esforços in­dividua'is ou grupais, não confe­riu a certeza de que os homens deixariam de disputar os bens e serviços oferecidos pelo banquete da própria transformação da na­tureza. Diante desse quadro, a obediência à proporcionalidade das necessidades soou irreal e di­ficilmente seria, por condições naturais, respeitada.

Comprova-o a história, .que, mesmo em períodos de abundân­cia, não registrou menores exi­gências do homem ou maior coe­ficiente de confiança para a ma-

. nutenção de seu status, que quer sempre mais elevado diante de qualquer situação de abundân~ eia efetiva.

Acresça-se, ainda, que, em vez da abundância tão decanta­da pelas diferentes escolas do socialismo produtivista, até hoje, a economia, diante de recursos escassos, apresentou.se, isto sim,

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como carência para atendimento das exigências humanas, resi­dindo, ai, o leit motiv da inse­gurança econômica.

SEGURANÇA ECONôMICA E O APRIMORAMENTO DE SUA POSTULAÇAO

O que resulta subjacente é que a questão da segurança eco­nômica exige considerações de maior profundidade. E as supo­sições das escolas socialistas não a. atendem porque vêem a ques­tão da segurança do indivíduo através de uma consciente auto­mutilação de vontade, como no caso da propriedade individual, além de uma constante autovi­gilia quanto a supostos excessos individuais. Processo exorcizante que se choca com a natureza he­donista do homem e. portanto, f alivel. Dai a recorrência do sis­tema socialista às limitações im­postas, via autoritária, às que­renças humanas, o que também, se contrapõe à natureza do indi­víduo. Tudo isto torna sumamen­te frágeis as condições de pre­tensa igualdade com que justi­ficam a segurança do seu siste­ma.

A SEGURANÇA E O PENSAMENTO DO CAPITALISMO COMO SISTEMA ABERTO

Diferentemente, o pensamen­to capitalista colocou a defesa da propriedade individual como resultado de um processo histó­rico de evolução da sociedade que consubstanciava a continua-

ção do esforço a ser desenvolvido pelo homem para, como prêmio, conseguir, em nível individual, as condições de sua segurança .

. Justamente por isso e pelo· contrário do que apregoa o socia­lismo, é preciso buscar as raizes da segurança, admitindo a dife­renciação e o complexo de contra­dições existentes entre os homens. Deve-se notar que, do ponto-de­-vista filosófico, não se pode ad­mitir que a sociedade e seus in­divíduos se apresentem, de uma certa maneira, arrumadinhos com relação às suas vontades. Os indivíduos, por suas caracte­rísticas genéticas, apresentam exigências e procuram atendê­las. E, ao fazê-lo, dão corpo à expressão de sua própria poten­cialidade, com o que ajudam ao restante de seus semelhantes. Portanto, é no seu genoma que está o exigir, o realizar, o lutar por conseguir, o fazer o melhor possível no sentido de premiar com segurança as suas exigên­cias de ordem individual.

O capitalismo, com sua for­mação de sistema aberto liberal, vê o problema desta maneira. pois pretende que a segurança do indivíduo é. conseqüência do seu crescimento, de sua própria caw pacitação, do seu adestramento técnico, da sua formação cienti­fica, de seu aprestamento para enfrentar a vida, razão pela qual o individuo é instado a mobili­zar toda a sua potencialidade, a colocá-la em· ação, a fim de que a segurança seja alcançada como resultado deste comportamento.

É importante notar que essa visão de segurança traz para a sociedade subprodutos altamen-

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te importantes. Isto porque, nes­se processo de persecução à se­gurança, o homem ejeta diferen­tes e multivariáveis formas de ação individual que proporcio­nam aos demais circunstantes novas experiências, novas atitu­des, novos comportamentos, no­vos métodos e processos, novas descobertas, enriquecendo, em maior grau, todo o contexto só­cio-econômico. Assim ocorre por­que sua potencialidade, posta' à prova, revela uma mobilização maior de suas próprias energias e condições culturais, garantin­do, diante da maior diversidade de campos explorados, o futuro aos pósteros e à. própria segu­rança da sociedade ante a pauta de caminhos abertos que visam à eternização do homem como indivíduo.

Em vez de comprimir ou aba­far as potencialidades individuais sob pretexto de que a exacerba­ção de sua manifestação é anti­coletiva, como o admite a for­mação socialista da sociedade, a sociedade capitalista mobiliza todas as disponibilidades e quali­dades que o indivíduo tem como acervo, para, através de suas mais variadas e diferentes ex­pressões, desabrolhar para o fu­turo uma múltipla estrada social e econômica com múltiplas op­ções.

Ao invés de ancilosar, de ini­bir o pensamento do homem, li­mitando-o, em face do receio de atentar contra a coletividade, como no socialismo filosófico, o capitalismo filosófico, ao por à prova toda a capacidade do in­divíduo, todo o seu entusiasmo, toda a sua criação na obtenção

de novos rumos, de novas dispo­nibilidades, assegura a garantia de sua segurança.

Por outro lado, é da socieda­de, como entidade, também, pro­ceder no sentido de conseguir o melhor para ela, ou seja, de ob­ter participação consciente e dig­nificadora da pessoa, evitando as extrapolações individuais, a fim de que não seja atingida como entidade própria, autônoma e cujo elegante digladiar com o in­divíduo estrutura o equilíbrio di­nâmico entre o que pode a so­ciedade conseguir e o que pode o indivíduo desfrutar dentro do meio social.

O que releva notar é que am­bas as entidades, em assim agin­do, fazem com que o cadinho de experiência se engrandeça na refrega entre os seus dois consti­tuintes e enriqueça a própria ex­periência humana. Esta se vale­rá desse repositório da história para poder enfrentar os diferen­tes problemas que se colocam nos processos de desenvolvimen­to dos diferentes países. E isto torna-se, de um certo modo, tan­to mais válido, porque, face a ca­racterísticas semelhantes de sua evolução, os processos admitem nomotetia, ou seja, soluções re­lativamente semelhantes para os seus problemas e, com especiali­dade, se estes se apresentam equigenéticos.

A SEGURANÇA EiCONõMICA, O INDIVtDUO E A SOCIEDADE

É interessante, também, assi­nalar que, ao lado do estímulo ao indivíduo para que exija mais

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do ambiente em que vive e do incentivo à sociedade para con­seguir melhores condições de seu ordenamento, deflui a obser­vação de que a própria inteli­gência humana está buscando obter as direções e os caminhos da otimização convivente entre as duas entidades. Isto é, o que deseja a sociedade, como regu­ladora do comportamento dos indivíduos em termos de sua se­gurança institucional e o que de­seja o individuo em sua própria atividade visando a sua própria segurança.

Nesse desafio de otimização, a inteligência das duas entida­des tem adentrado a capacida­de humana para perquirir, para perscrutar as melhores formas de equilíbrio permanente e dinâ­mico entre o que deseja o in­divíduo e o que deseja a socie­dade para a sua própria segu­rança.

Esse está sendo o acicate do presente. O embate que está pro­porcionando a formulação de concepções sistêmicas de orga­nização da· vida, envolvendo os seus diferentes aspectos. Nestes a economia. desempenha, reco­nhecidamente, relevante papel, já que relacionada com as dife­rentes manifestações nos mais variados campos e altamente multiplicados da própria ação humana.

Não se trata, portanto, de, através de um processo cultural de condescendência ou de resig­nação, admitir que o ótimo de convivência indivíduo/ sociedade dê-se em conseqüência de um atentado à própria natureza ge-

nética do individuo. Não se tra­ta de inibir as condições da von­tade, da sofreguidão, da avidez, da individualização ou de miti­gar a própria personalidade hu­mana.

Pelo contrário, o que cabe é, no atendimento mais profundo do papel dessa personalidade, despertar-lhe e exercitar-lhe a · capacidade, incentivar-lhe as rea­lizações a fim de que se eleve solidamente o patamar do usu­fruto das riquezas dos bens e dos serviços no futuro. O que cabe é, emprestando a. conotação hu­manista aos seus procedimentos, que, por sua vez, assegura sóli­das taxas de retorno na compa­ração entre o custo e o benefí­cio sócio-econômico dos empre­endimentos, fazer com que cres­çam estimulados, ao mesmo tem­po, indivíduo e sociedade. Esta, . coibindo, se necessário, as extra­polações da sofreguidão por ele manifestadas e que atinjam a sociedade em seu conjunto. O ideal é permitir, atendendo à ca­racteristica da natureza huma­na., que o .motivo que preside o comportamento do indivíduo, como indivíduo, se exprima, em­bora .a sociedade exerça sobre ele a ação moderadora, harmonizan­do o seu comportamento conse~ qüente com a necessidade, de equilíbrio do comportamento so­cial, visando a segurança de am­bos.

Sendo assim, não se trata, também, de extrapolar os aspec­tos repressivos do conjunto da entidade social com sentido de abafar, de esmagar exatamente as qualidades que o homem,

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condição imanente.

A <Yl'IMIZAÇAO ECONÔMICA DO RELACIONAMEN'l'O INDIVtDUO E SOCIEDADE

Faz-se mister, também, admi­tir que o ótimo, desejado no relacionamento econômico ho­mem/ sociedade, tem caráter di­nâmico e deve ser conseqüência de um trabalho constante, diu­turno, de um desafio que é colo­cado aos homens como indivi­d uos e aos homens como socie­dade, sem que haja por parte dos homens, como indivíduos, um sentido concessivo no que tange à sua personalidade.

Nesse processo, caberá evitar que a prevalência da ação da so­ciedade sobre o individuo se faça com tàl grau de coerção que lhe desavise a forma de poder. Esta se degenera e enfraquece por comportamentos burocratizantes, pouco produtivos, pouco criati­vos, originando embaraço à reali­zação econômica, levando o indi­viduo a se sentir ancilosado para a realização de ações, capazes de elevar o nível de desfrute que, indivíduo e sociedade, já possam ter em relação aos bens dispo­níveis. O importante, também, é que, contra essa ação paralisan­te da sociedade, o indivíduo dis­ponha dos mecanismos de defe­sa, para extroverter sua capaci­dade e, isto, filosófica e cientifi­camente, lhe deve ser reconheci­do, para que a economia usu­frua, com devida compatibiliza­ção, dos recursos que a nature­za, acionada por instituições

g,,p.1.v.t'.1..1.au~g, v.1."&"'~"' ...,.._..., ... ._ .... 'IW'••w para a consolidação e amplia­ção de sua própria segurança.

E, justamente no contrapon­to da exploração dessa capacida­de do individuo, a história teste­munhou o surgimento e a vida de progressivas e diferentes for­mas de organização econômica. Estas evoluíram, ao perseguir a segurança econômica1 desde as formas primitivas de mercado até as mais desenvolvidas, a exemplo de um mercado nacio­nal uno, consubstanciando, eco­nomicamente, a existência politi­ca das nações e dos países.

o homem avançou por essas formas, . passando das feiras lo­calizadas às feiras andantes, en­treláçando formações econômi­cas provinciais e regionais até que estabeleceram os mercados nacionais, buscando, sempret a segurança. sua atividade visou, sempre, condições de vida me­lhor no futurot explorando o que a natureza lhe proporcionava e obedecendo, como linha geral, aos termos de compatibilidade com o avanço científico e tecno­lógico. Toda essa evolução apre­sentou transformações de ordem geográfica, abrangendo áreas ca­da vez mais avultadas, até a for­mação de nações e países devida­mente fronteirizados. Esse senti­do de evolução, ou seja, o da for­mação nacional, como pais, pren­deu-se, fundamentalmente, à. ne­cessidade que os homens apre­sentavam para, através da mobi­lização com aquele objetivo, ex­pressa pela expansão mercanti· lista na evolução da história, ob­ter as condições de sua segu­rança.

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