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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ CAMPUS FAFIPAR CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS INGLÊS E RESPECTIVAS LITERATURAS RHUAN FELIPE SCOMAÇÃO DA SILVA O ANTAGONISMO NOS FINAIS DE STEPHEN EDWIN KING. PARANAGUÁ 2011

O ANTAGONISMO NOS FINAIS DE STEPHEN EDWIN KING. · dessa forma causar um sentimento tão forte quanto o medo. O prazer por essa leitura deixou ... Por fim, acredito que esta pesquisa

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ – CAMPUS FAFIPAR

CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS – INGLÊS E RESPECTIVAS LITERATURAS

RHUAN FELIPE SCOMAÇÃO DA SILVA

O ANTAGONISMO NOS FINAIS DE STEPHEN EDWIN KING.

PARANAGUÁ

2011

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RHUAN FELIPE SCOMAÇÃO DA SILVA

O ANTAGONISMO NOS FINAIS DE STEPHEN EDWIN KING

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado

como requisito para a conclusão do Curso de

Licenciatura Plena em Letras Português, Inglês

e Respectivas Literaturas, da Universidade

Estadual do Paraná - Campus FAFIPAR.

Professora orientadora: Ms. Alessandra da

Silva Quadros Zamboni

PARANAGUÁ

2011

RHUAN FELIPE SCOMAÇÃO DA SILVA

O ANTAGONISMO NOS FINAIS DE STEPHEN EDWIN KING

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito para a conclusão do

Curso de Licenciatura Plena em Letras Português, Inglês e Respectivas Literaturas, da

Universidade Estadual do Paraná – Campus FAFIPAR.

Paranaguá, 02 de Fevereiro de 2011.

___________________________________________________________________________

Professora Orientadora: Ms. Alessandra da Silva Quadros Zamboni

___________________________________________________________________ Professor(a):

___________________________________________________________________ Professor(a):

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho primeiramente a minha

mãe, a qual me acompanhou nas madrugadas

cinéfilas de terror durante minha infância, e a

Deus, fonte inesgotável de força no decorrer

deste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de começar agradecendo à professora

Alessandra Quadros Zamboni, a qual esteve

sempre próxima, me auxiliando e dando força

quando estive próximo de desistir; à minha

família e amigos, em especial Mariana, que me

empolgava a cada conversa e discussão acerca do

tema, e mais uma vez a Deus, por ser tão

presente em minha vida.

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―Lá longe, ao sol, encontram-se as minhas spirações.

Poderei não alcançá-las, mas posso levantar os

olhos, ver a sua beleza e acreditar nelas.‖

Mark Twain

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................................................................................... VII

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 1

1.1 - JUSTIFICATIVA ............................................................................................................................................. 1 1.2 – OBJETIVOS .................................................................................................................................................. 2

1.2.1 – Objetivo Geral .................................................................................................................................... 2 1.2.2 – Objetivos Específicos .......................................................................................................................... 2

2 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................................................. 4

2.1 LITERATURA DE HORROR: UM BREVE ESBOÇO ............................................................................................... 5 2.1.1 Da Gênese a Poe ................................................................................................................................... 8 2.1.2 O gênero terror em sua fase de maior reconhecimento ....................................................................... 13 2.1.3 O Horror moderno ............................................................................................................................... 19

2.2 AS DUAS FACES DO HORROR EM PESSOA ...................................................................................................... 22 2.2.1 Stephen King além dos livros ............................................................................................................... 23 2.2.2 Stephen King como Richard Bachman, ou o contrário? ...................................................................... 25 2.2.3 Terror e suspense em Stephen King ..................................................................................................... 26

2.2.3.1 A década de 70 e o reconhecimento................................................................................................................ 27 2.2.3.1.1 Carrie e o horror como estudo ................................................................................................................. 27 2.2.3.1.2 De Stoker a King ..................................................................................................................................... 28 2.2.3.1.3 O clichê do horror ................................................................................................................................... 28 2.2.3.1.4 O terror em sua maior escala ................................................................................................................... 29

2.2.3.2 – 10 anos de muito trabalho ............................................................................................................................ 30 2.2.3.2.1 – O melhor amigo do homem ................................................................................................................. 31 2.2.3.2.2 - Você acredita em lobisomem? .............................................................................................................. 31 2.2.3.2.3 – O horror em pequenas escalas .............................................................................................................. 32 2.2.3.2.4 – A Coisa ................................................................................................................................................ 32 2.2.3.2.5 – Bipolaridade ......................................................................................................................................... 33

2.2.3.3 A era do horror psicológico ............................................................................................................................ 33 2.2.3.3.1 Viagem no tempo .................................................................................................................................... 34 2.2.3.3.2 Coisas Necessárias .................................................................................................................................. 34 2.2.3.3.3 Saco de Ossos ......................................................................................................................................... 35 2.2.3.3.4 – Divina providência ............................................................................................................................... 35 2.2.3.4 – Um retorno às origens e uma aventura épica .......................................................................................... 36 2.2.3.4.1 – Mais um conjunto de terror .................................................................................................................. 36 2.2.3.4.2 Não atenda o Celular ............................................................................................................................... 37

2.2.4 Por fim, o que é realmente o horror em King? .................................................................................... 37 2.3 OS FINAIS NÃO CONVENCIONAIS DE UM CRIADOR DO MEDO. ........................................................................ 38

2.3.1 O final padrão...................................................................................................................................... 39 2.3.2 Por que as pessoas gostam do terror? ................................................................................................. 41

2.3.2.1 A Maldição do Cigano .................................................................................................................................... 43 2.3.2.1.1 – Resumo da obra ................................................................................................................................... 44 2.3.2.1.2 Personagens ............................................................................................................................................ 45 2.3.2.1.3 Tema ....................................................................................................................................................... 47 2.3.2.1.4 Implicações para o desfecho da obra ....................................................................................................... 47 2.3.2.1.5 – O trágico encerramento ........................................................................................................................ 51

2.3.2.2 O Cemitério .................................................................................................................................................... 53 2.3.2.2.1 Resumo da obra ...................................................................................................................................... 54 2.3.2.2.2 Personagens ............................................................................................................................................ 56 2.3.2.2.3 Tema ....................................................................................................................................................... 58 2.3.2.2.4 Implicações para o desfecho da obra (XXXX)........................................................................................ 59 2.3.2.2.5 O Trágico encerramento.......................................................................................................................... 64

2.3.3. Características de Stephen King e suas influências ........................................................................... 68

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3 CONCLUSÃO .................................................................................................................................................. 71

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 72

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RESUMO

A ficção de horror e a literatura gótica rumaram paralelas no decorrer da história e tiveram

repercussão por onde passaram. Desde os antigos mitos até a literatura de hoje muitos

escritores e pensadores passaram e deixaram suas marcas, marcas essas que fizeram o autor

principal a que esse trabalho tem como foco, o mais lido da literatura de horror moderna.

Stephen Edwin King deixou, e ainda deixa, sua marca na história, principalmente pelo grande

número de adeptos que adquire a cada dia, desde leitores comuns, até escritores conceituados,

os quais o intitulam como o autor que fez o gênero horror renascer. Seus mais variados temas

e modos de conduzir o leitor a seu temido final o tornaram esse ―monstro‖ que é hoje, e uma

das características mais evidentes de King é sua capacidade de tornar um final algo tão

catastrófico, algo que faz o leitor se sentir acabado, com raiva, que após terminar um de seus

romances faça-o pensar duas vezes antes de ler outro, algo que faz o leitor acostumado com o

usual ―final feliz‖ sentir a poderosa força discursiva que seus livros proporcionam, e, com

isso, fazer com que outros tenham o prazer de conhecer suas histórias.

1 INTRODUÇÃO

1.1 - JUSTIFICATIVA

A escolha desse tema representa um interesse que dedico há mais de uma década ao

escritor Stephen King. Logo que assisti à adaptação cinematográfica de Carrie (Brian de

Palma, 1976), dedico parte de meu tempo à leitura e pesquisa das obras do gênero terror, e

posso afirmar que hoje considero King o principal responsável pelo meu prazer no universo

literário.

O gênero em si atrai por sua facilidade em retratar o sobrenatural, o inexistente, e

dessa forma causar um sentimento tão forte quanto o medo. O prazer por essa leitura deixou

de ser apenas um gosto pessoal e passou a ser elemento de estudo, principalmente pelo caráter

maravilhoso em que é apresentado, podendo fazer o singular leitor se tornar atraído ao

perceber o prazer que essas obras podem lhe proporcionar.

Como foi dito acima, tenho acompanhado a trajetória do autor há um tempo

considerável, e devido a esse aspecto, acredito que o trabalho que será apresentado reflete, de

maneira muito abrangente, minha verdadeira paixão pelo sobrenatural em suas obras.

Entretanto, não é apenas o sobrenatural que atrai em seus romances, pois Stephen King é um

escritor de estilo monótono; ao contrário, seus livros, contos, novelas, ensaios, entre outros

gêneros de sua vasta coleção de escritos – atualmente estimada em mais de 550 criações

individuais – são sempre inimagináveis, o que os deixa muito mais atrativos para uma longa e

agradável leitura, onde o principal objetivo nem sempre é saber o ―macabro‖ final, e sim

deliciar-se com seu modo de conduzir o leitor pelos meandros do texto.

Creio que o que será apresentado nesta monografia é de considerável relevância

pessoal, porém, tentarei mostrar que Stephen King pode também ser elemento de estudo.

Deste modo, pretendendo corrigir uma injustiça vista pelo corpo acadêmico de estudiosos em

literatura em considerar o autor apenas uma válvula de escape da realidade, visto que suas

obras são muito mais do que isso: elas retratam muito mais do que o entretenimento a que são

pré-conceituadas, representam dramas familiares (The Shinning, 1977), convivência em

sociedade (Needfull Things, 1991), conflitos de vários gêneros (Carrie, 1974 e Pet Sematary,

1983), guerras (The Stand, 1978), escolhas (Dead Zone, 1979) e, é claro, aquilo que faz de

suas obras uma atração à parte: o sobrenatural.

Tendo em vista que o que será estudado é uma visão dos finais nada convencionais

de algumas de suas obras, onde o clássico final feliz não acontece, o que tentarei mostrar é

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que é devido a esse elemento pessimista que os livros de Stephen King são cada vez mais

comprados e estudados ao redor do globo, tornando-o exemplo mundial de uma literatura que

estava sendo considerada morta depois de Anne Rice, e que retorna com toda a força após a

chegada de King.

A justificativa acadêmica para a escolha desse tema deve-se ao teor inédito de

produção na área em território nacional: Digo isso, pois, após uma intensa pesquisa, foi

possível perceber que o estudo do tema é escasso, para não dizer praticamente nulo em nosso

país, e quero acreditar que a literatura de Edgar Alan Poe, Mary Shelley, Stephen King e

muitos outros escritores do gênero, merece muito mais atenção do que a que vem recebendo

hoje em dia.

Stephen King é um admirador de grandes nomes da literatura mundial, dentre eles

Edgar Alan Poe, H. p. Lovecraft e Dorothy Sayer, e suas obras refletem por vezes o estilo de

tais autores; logo, imagino que tendo sido influenciado por tão grandes nomes, e fazendo o

sucesso que faz em todo o mundo, por que não estudar de maneira mais aprofundada uma de

suas características, preenchendo assim, uma parte dessa lacuna no estudo do tema no Brasil?

Por fim, acredito que esta pesquisa vem para formalizar um estudo que venho

fazendo há alguns anos do gênero em questão, tentado criar uma linha de pesquisa que não

acabe nesta monografia, e possa perdurar para uma pesquisa muito mais abrangente do gênero

em âmbito nacional.

1.2 – OBJETIVOS

1.2.1 – Objetivo Geral

Este trabalho tem por objetivo analisar o pessimismo nos finais de duas obras de

Stephen King: ―O Cemitério‖ (2006) e ―A Maldição do Cigano‖ (2001), analisando a

formulação de tais desfechos.

1.2.2 – Objetivos Específicos

Propiciar uma visão abrangente das obras fantásticas de Stephen King,

analisando desde seu tema usual, o sobrenatural, a obras que não utilizam esse

aspecto e mesmo assim causam aquilo que ele tem de mais forte em suas

características como escritor: usar o inimaginável para hipnotizar o leitor;

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Traçar um paralelo histórico quanto a essa literatura, relembrando escritores

considerados ícones do gênero, e mostrando as principais obras no decorrer dos

séculos;

Observar a influência que esses escritores possuem nas obras em questão,

tornando Stephen King um ícone mundial do horror moderno;

Traçar um paralelo entre o final padrão e o não-padrão, analisando uma

característica usual nas obras de Stephen King: o desfecho pessimista.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

O arcabouço teórico que embasa esta pesquisa baseia-se nos pressupostos apontados

por Spignesi (2003); Miller (1990); Beahm (1998); Timpone (1997) e King (2007), todos eles

sendo considerados referência no exterior quanto aos estudos dedicados a Stephen King.

Spignesi assim descreve seu interesse no autor:

Antes de começar, devo admitir que eu provavelmente sou a pessoa errada

para estar escrevendo esse livro. Por quê? Porque sou um fã ardoroso de

Stephen King e, assim, você não encontrará aqui impressões negativas sobre

os trabalhos de King. (SPIGNESI, 2003 p. 13)

Stephen J. Spignesi vem escrevendo sobre o autor há muito tempo e seus livros são

consecutivamente utilizados como referência ao se tratar de qualquer obra de Stephen King. O

autor viaja várias vezes para o Maine, estado em que King mora, e os dois são grandes

amigos, assim como o outro grande estudioso do autor, George Beahn.

Stephen King, em seu frequentemente utilizado ditado diz ―é o conto, não

aquele que conta a história‖, enfatizando a história e não o contador de

histórias, mas para mim, é o conto e quem o conta. Os dois são inseparáveis.

(BEAHM,1998 p. 8)

George Beahm é considerado o maior estudioso do mundo de King, chegando a ser

considerado um amigo do autor. Sua pesquisa já rendeu vários livros e ele é visto como

cânone ao se estudar algo relacionado a Stephen King.

A Coletânea (Timpone, 1997), maior nome de revistas relacionadas ao tema horror

da América, será uma grande auxiliadora para este trabalho, e em edição especial ela mostrará

entrevistas com Stephen King, onde o autor falará de suas obras e das adaptações para o

cinema. Vale ressaltar que Fangoria é uma das pouquíssimas revistas a qual tem

acompanhando o trabalho de Stephen King desde suas primeiras edições, e também uma das

poucas a quem Stephen King não se importa em dar entrevistas. Esse fato revela-se

importante para provar certas teorias, devido ao valor verossímil que o próprio escritor atribui

à revista.

Dissecando Stephen King é uma obra de consulta obrigatória para aqueles

que pretendem conhecer profundamente as bases do terror e as motivações e

mecanismos de criação do maior mestre moderno do gênero. (MILLER,1990 p. 2)

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Sem dúvida, King é dissecado nesse conjunto de entrevistas em forma de livro, em

que várias facetas do escritor serão exploradas, desde sua vasta obra, sua vida pessoal e a

influência da mídia em sua carreira. Há entrevistas sobre suas obras, desde Carrie (2007) até

as mais recentes, sobre praticamente todas as suas adaptações cinematográficas, obras futuras

e assuntos variados de seu cotidiano. Tais entrevistas serão muito importantes, pois mostrarão

os bastidores de algumas de suas obras, entre elas as que serão utilizadas como estudo nesta

monografia, e nos darão uma visão diferente do simples leitor, uma visão de um verdadeiro

dissecador.

Para chegar ao ponto de analisar as obras passaremos pela história do terror na

literatura, e como base será utilizado o próprio Stephen King, em seu livro de não-ficção

Dança Macabra (2007), obra em que o escritor narra o que o motivou a escrever sobre o que

não existe, e como isso foi evoluindo com o passar dos tempos. O interessante é que King faz

um resumo geral de três décadas do Terror, desde a literatura, passando pelos quadrinhos, até

o cinema. Essa radiografia geral nos dá uma base extremamente poderosa das raízes da

criatividade de Stephen King, sendo que serão abordados os primórdios do horror, de Mary

Shelley, Bram Stocker e outros, passando pelo horror explicito de H. p. Lovercraft e

alcançando os atuais nomes do horror mundial. Com isso, será possível mostrar de onde vêm

as inspirações de King, e, assim, mostrar a gênese da literatura de horror.

2.1 LITERATURA DE HORROR: UM BREVE ESBOÇO

A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo

e mais forte tipo de medo é o medo do desconhecido. Esses fatos poucos

psicológicos irão discordar, e sua verdade admitida deve estabelecer, por

todo o tempo, a genuidade e dignidade do estranhamente horrível conto

como uma forma literária. (LOVECRAFT, 1973 p. 12)1

Lovecraft relata, no parágrafo acima, o que é literatura de horror em sua

concepção, e, considerando o autor como um dos maiores nomes do gênero, há de se

considerar a verossimilhança de tal afirmação. Porém, para consagrar um valor ainda mais

verossímil à afirmativa de Lovecraft, vejamos o que alguns teóricos e escritores dizem acerca

desse gênero da literatura fantástica: França (2008) escreve logo no inicio de seu artigo que:

Literatura de Horror é a denominação mais usual dada a textos ficcionais que, de algum

modo, são relacionados ao sentimento de medo físico ou psicológico. O autor escreve esse

1 Tradução livre do autor

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artigo como mostra em um evento da USP, e, sendo um dos pouquíssimos teóricos de quem

foi possível encontrar material relacionado ao assunto no Brasil, acredita-se que sua opinião é

muito semelhante, mesmo com o distanciamento de décadas, com a de Lovecraft.

Adicionemos, também, a visão de Beghini (2010) com relação ao gênero:

O terror é um gênero literário riquíssimo, pois mostra ao leitor o que não é

convencional em narrativas, mas que está presente em cada um de nós. Todo

ser humano, desde a infância, tem vários medos e os alimenta a cada dia,

seja por desconhecer algo e persistir na ignorância, seja por vivenciar

experiências traumáticas, seja através do medo alheio, que é divulgado e se

torna de senso-comum. O medo, a principal sensação que se tem ao ler um

livro de Edgar Allan Poe, de Stephen King ou de H. P. Lovecraft, por

exemplo, é uma descarga enorme que causa considerável impacto físico-

emocional no indivíduo. Portanto, as mensagens que o texto de terror nos

transmite, sejam elas explícitas ou implícitas, serão gravadas

irremediavelmente na memória, fazendo-nos muitas vezes até sonhar com

tais situações macabras.

Tendo em vista a semelhança entre as três definições acima, coloquemos ainda o

conceito de outro importante teórico, Tzvetan Todorov (1981). O autor apresenta a visão de

diversos outros escritores para uma tentativa de representação do gênero, afirmando que a

relação de gênero é muito particular, e que ―há um fenômeno estranho que pode ser explicado

de duas maneiras, por tipos de causas naturais e sobrenaturais. A possibilidade de vacilar

entre ambas cria o efeito fantástico‖ (TODOROV, 1981 p. 16). Dessa forma, defende que o

fantástico, o sobrenatural, só existem por causa da dúvida, e que em uma sociedade

completamente agnóstica provavelmente não existiriam.

Logo, a literatura de horror em si se ramifica em vários outros gêneros, e nessa

grande gama serão encontrados todos os diferentes graus do horror: psicológico, social,

alegórico, gótico, ficção científica, fantasia, entre muitas outras divisões, as quais possuem

como função primordial causar o sentimento tão comumente relatado por Lovecraft: o medo.

Mas, se colocarmos a definição de horror como sendo um intenso medo e dor, no estado

físico, ou medo e desânimo, no estado psicológico, o gênero não pode ficar preso apenas nos

conceitos sobrenaturais, apenas aos vampiros, lobisomens e fantasmas, pois o horror lidará

com a humanidade, com a vida e aquilo que ela propicia ao ser humano. Tendo isso em vista,

trataremos o horror de diversas maneiras. Assim como Todorov nos mostra, deixemos de lado

apenas a classificação por gênero, e nos foquemos naquilo de maior aderência desse tipo de

escrita: a tendência em causar o medo.

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Uma das mais usuais duvidas entre os leitores e estudiosos do gênero horror/terror é

exatamente essa diferença, o porquê de alguns títulos serem discriminados como horror e

outros como terror.

Ann Radcliffe elucida sua posição em 1826 em um ensaio intitulado "O

sobrenatural da poesia", no qual baseia-se Edmund Burke, a fim de

distinguir entre o terror e horror na literatura. Ela argumenta que o terror é

caracterizada por "obscuridade" ou indeterminação no tratamento de

possíveis eventos horríveis, e é essa indeterminação que conduz o leitor em

direção ao sublime. Horror, em contrapartida,"quase aniquila" a capacidade de

resposta do leitor com a sua mostra inequívoca de atrocidade. (RAŠKAUSKIENÉ,

2009 p. 21)

Tendo em estudo a análise de Ann Radcliffe, podemos então fazer uma divisão

primária de cada um dos gêneros dispostos, horror, então, trataria do medo em seu estado

mais psicológico; o horror secreto do ser humano, o medo de olhar em baixo da cama, ou na

fresta do guarda-roupa, ou, ainda, o medo de um estranho ou de um assassino serial, por

exemplo. O horror trata então mais do imaginário do que do visual; O terror, pelo contrario,

trata de levar o leitor ao mundo dos monstros, das anomalias naturais e sobrenaturais,

explorando o medo visceral do ser humano, do inevitável, daquilo que foge do seu

conhecimento de mundo.

Talvez seja por isso que, normalmente, ao que se pergunta a alguém o que ela

entende por horror, as respostas mais usuais são Freddy Krueger, Jason Voorhees ou Mike

Myers2, porém, muito raramente, encontramos alguém que cite Mary Shelley, Stevenson ou

Stephen King, a figura do horror explorado pelo cinema trouxe isso, e a literatura tende a

carregar seu peso por onde passa.

Por consequencia, a principal afirmativa dessa dificuldade em exemplificar o que é o

horror seja a grande expansão que o gênero teve nos anos 80, com uma explosão de títulos

explorando muitos temas clichês do gênero3, fazendo a literatura do horror criar uma

defasagem cultural em sua estrutura. Principalmente devido a seu caráter inicial, o gênero

horror tinha como intuito assustar, e para isso os escritores deviam sempre estar modificando

seus escritos para causar no leitor o sentimento de novidade, o sentimento de algo nunca visto,

e tudo o que é novo deve ser temido, proporcionando, desse modo, o sentimento que o leitor

procura, o medo.

2 Os exemplos acima são referencia do gênero terror em escala cinematográfica, cada um deles representando o

antagonista principal dos seguintes filmes: A Hora do Pesadelo, Sexta-Feira 13 e Halloween, respectivamente. 3 Vampirismo, licantropia, espectrologia, etc.

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Interessante vermos que mesmo após essa defasagem, ainda encontramos obras do

gênero nas escolas e universidades, não raramente podemos ver contos de Poe, obras de Bram

Stoker ou Oscar Wilde, Drácula e O Retrato de Dorian Gray respectivamente, sendo aplicadas

no currículo da instituição. É inegável a importância dessas obras para a literatura e,

felizmente, assim como o medo da humanidade muda com o tempo, a literatura também

muda, precisamente como deve ser.

2.1.1 Da Gênese a Poe

Para ser possível estudar o que é proposto, primeiramente será feita uma breve

retrospectiva do que é o gênero terror, para isso será necessário analisar mais do que apenas as

obras de King, será preciso saber de onde vieram às inspirações e o conhecimento que o

escritor possui desse gênero. Também será realizada uma analise da literatura do horror em

geral, iniciando com a literatura de Edgar Alan Poe, não desconsiderando todos os mitos

anteriores dos deuses e da idade das trevas aos quais serão vistos também, pois Poe será uma

das bases fundamentais para o que conhecemos como literatura de horror atualmente, mas não

apenas ele, veremos, H. P. Lovecraft em The Call of Cthulhu (1928), Horace Walpole em The

Castle of Otranto (1764), Mary Shelley em Frankenstein: or the Modern Prometheus (1818),

Bram Stoker em Drácula (1897), R. L. Stevenson em The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr.

Hyde (1886), entre muitos outros que fizeram a base dessa área na literatura.

Para isso, este capítulo será divido em três subcapítulos, os quais abrangerão a

história da literatura em diferentes períodos. Em um primeiro momento, veremos os

primórdios, os deuses, mitos e heróis que confrontavam esses temores, passando pela idade

média, a inquisição, até a literatura de Edgar Alan Poe; em uma segunda instância,

passaremos por aqueles que fazem a base do que conhecemos como ficção de horror depois

do que Poe nos apresentou, Bram Stoker, Mary Shelley e outros, até o horror cósmico de

Lovecraft; por fim, será abordada a ficção de horror atual, começando por Anne Rice,

passando por alguns autores em especial e fazendo um breve comentário sobre um autor do

gênero brasileiro, André Vianco, para termos uma noção do que se passou durante todos esses

anos nessa área literária. É claro que não poderemos abranger todos os grandes escritores que

permearam essa época, entretanto será apresentada uma visão sucinta da literatura de horror

universal.

O horror vem muito antes desses escritos que conhecemos como gênese do gênero.

Os romanos, os gregos, entre outros povos da antiguidade, que possuíam um sistema politeísta

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de crença, tinham os deuses como seres onipotentes, não diferentes hoje em dia, e

acreditavam que através da oferta de sacrifícios, os deuses os auxiliariam na colheita e em

suas tarefas diárias. Entretanto, ao mesmo tempo em que esses deuses eram uma bênção, eles

também traziam o terror àquelas nações, em suas crenças, que acreditavam que se

determinado deus não ficasse satisfeito com os sacrifícios, ou não fosse possível completar o

que era pedido pelo sacerdote, o deus os puniria com destruição e terror. Desse modo, temos

uma sociedade controlada pelo horror da destruição, e não pela benevolência de um ser

supremo. Deve-se a isso o poder fantástico da psique do ser humano em crer no invisível, em

reverenciar algo imaterial. Logo, é possível constatar que esses foram os primórdios do terror

na história, o medo de algo incontrolável, que fazia todos se sentirem impotentes diante de tão

grande poder. Uma visão interessante disso é apresentada por Melo (2007), na qual o autor

mostra uma visão interessante quanto a esse tema:

Os deuses foram feitos para termos medo, pelo seu poder e pela sua

influência. Uma vingança divina traz horror a um coração quente, pois o

medo de ser o alvo disso condiciona a pessoa a nunca ir contra essas forças.

Para ir contra elas, existem os heróis. Assim acontece com Beowulf, onde o

grande herói luta contra um perigo que nenhum homem pode enfrentar;

assim é com Hercules, com Teseu, com Siegrifield, com Vasco da Gama (em

Os Lusíadas), entre outros. A figura do herói fará o papel de todas as pessoas

que nele se enxergam, pois aquele herói será a sua representação para

enfrentar algo que está alem dele.

Logo vemos o principal intuito de qualquer sociedade para sua sobrevivência, a

criação do herói para salvá-los do mal que antes os ajudava e agora só traz destruição. É

importante lembrar que essa idéia de herói não é muito utilizada na literatura do gênero em

questão, pois, na maioria das vezes, temos um protagonista, (Zona Morta, de Stephen King,

1979) ou vários deles (A Coisa, Stephen King, 1986) que, entretanto, se vêem em uma teia de

conspiração do sobrenatural para si, e tentam sobreviver, ou completar o que seja necessário

para se livrar daquele mal. Temos então uma visão histórica do que é considerado terror

fantástico, ou sobrenatural, onde aquilo que se enfrenta é algo fora dos conceitos aceitáveis

pela ciência.

Contudo, consideremos também como horror não apenas aquilo a que não se deve

acreditar cientificamente, como os deuses, mitos e histórias inventadas para assustar, e se o

horror for tão real quanto essa folha de papel, como o local onde moramos ou como os livros

onde são escritos essas estórias, Stephen King em seu livro Dança Macabra (2007) falará

exatamente isso, ou seja, que o horror não precisa ser necessariamente aquilo fora do contexto

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do real, o horror é muito mais real do que muitos levam a crer, é tudo aquilo que nos faz

refletir devido a certa situação, desde se devemos ou não abrir aquela porta, até a mais intensa

discussão familiar. Em sua introdução ao livro citado, King fala do horror das guerras, das

ações da humanidade, de todos os filmes e livros que o influenciaram a escrever sobre o tema,

além de sua primeira experiência com o horror real. O trecho que segue mostra a reação de

alguém com a iminência desse horror, ocorrerá algo que o marcará instantaneamente e para o

resto de sua vida, muito mais do que ele estava assistindo (A Invasão dos Discos Voadores,

Earth Vs. The Flying Saucers (1956), muito mais do que alienígenas em filmes de ficção

científica, vampiros, lobisomens e fantasmas, o horror real da humanidade, o horror de perder

alguém querido, ou, para alguns, seu herói, aquilo que você presa com tanto cuidado, e que

lhe é tirado de forma abrupta e assustadora, quando o real se torna tão assustador, que o maior

desejo daquele que vive o fato é fugir, é não encarar algo tão perturbador com a mente sã:

O rolo não tinha soltado, o projetor tinha sido simplesmente desligado. As

luzes, então, começaram a ser acesas, uma ocorrência bastante singular.

Ficamos sentados, olhando para os lados, cegos como toupeiras pela

claridade. O gerente se encaminhou para o meio do palco e levantou as mãos

– sem nenhuma necessidade – pedindo silêncio. Em 1963, seis anos mais

tarde, lembrei-me desse momento, numa tarde de quinta-feira em novembro,

quando o rapaz que nos trazia e levava para a escola de carro nos disse que

nosso presidente tinha sido atingido por um tiro em Dallas. (KING, 2007 p.

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Stephen King usa o exemplo acima para denotar a força do terror onipotente, por

mais que na antiguidade a população fosse refém de tal força, sua adoração a esses seres

chamados deuses era indiscutível, sacrifícios eram oferecidos a todo o momento tanto como

forma de agradecimento pelas boas colheitas como também orando para que o tempo ruim

cessasse. Toda essa pequena explanação quanto às religiões politeístas da antiguidade aparece

para termos uma noção do quão grande é a mudança do que é considerado horror no decorrer

das eras e como ela é tratada das mais diferentes formas, uma vez que o que era o terror para

os povos da antiguidade não passa de lendas para a grande maioria dos povos de hoje, mesmo

que a grande maioria dos povos persista com a idéia de um deus onipotente, fazendo dessa

transferência de medo pelas eras um assunto de grande abrangência discursiva.

Stephen King nesse livro dará vários exemplos daquilo que o influenciou de forma

imensurável para escrever sobre o sobrenatural. Entretanto, vamos voltar um pouco para antes

da literatura mais uma vez, voltemos à Idade Média, ou Idade das Trevas como é

referenciado, onde a igreja criou a ―santa‖ inquisição, onde aqueles que diziam possuir

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poderes sobrenaturais4, eram assassinados, por vezes de maneira sádica. Temos nessa época a

criação das primeiras lendas, entre elas os vampiros, lobisomens, fantasmas, etc., as quais

darão base à literatura futura. Teremos nessa época a caça às bruxas, fato que marcou a

humanidade, assim como afirma Melo (2007):

Isso muda na Idade Média. Nela, a tradição oral dos povos dominados pelos

cristãos incorporou-se ao imaginário local. Passou ao estado de lenda, de

sobrenatural, por fugir daquilo que as leis cristãs consideravam naturais.

Então foi nesse período que vieram as figuras do vampiro, do lobisomem,

dos espíritos, da bruxa, do mago, dos seres imaginários que podiam acabar

conosco. Isso causava medo no homem cristão, uma vez que estava diante de

algo que seu deus não conseguia conceber.

Logo vemos que, apesar de terem se passado vários séculos, as tradições não

mudaram tanto quanto parece, o horror ocasionado pelos deuses, e os horrores causados por

esses seres sobrenaturais funcionam praticamente da mesma maneira. O que isso causa

naqueles que vivenciam é o sentimento de impotência diante do fato, parece que nada pode

detê-lo, e nesse momento, assim como no passado eram criados heróis, a humanidade cria a

inquisição para se livrar desse horror que a assola.

Avançando alguns séculos na história, passando da Idade Média ao século XVII,

encontramos um dos primeiros escritores a adentrar nesse universo paralelo, que é o

sobrenatural: Horace Walpole que, apesar de não escrever exatamente sobre esse tema, é de

primordial importância para os escritores futuros. Em seu livro O Castelo de Otranto (1764),

Walpole explora muito mais a ficção científica do que o horror em si. Entretanto sua

influência extrapola seus escritos, sendo que a dimensão de sua influência é gigantesca,

chegando a servir como modelo para grandes mestres como Edgar Alan Poe, Bram Stoker,

Daphne du Maurier em The Loving Spirit (1931) e um número substancioso de outros

escritores.

O Castelo de Otranto é considerado o primeiro romance da literatura gótica e nele

temos a clássica história do castelo amaldiçoado. A história narra Manfredo, príncipe do

condado de Otranto, sofrendo com a maldição de gerações de sua família. No dia do

casamento de seu filho, Conrado, essa maldição tem início. Seu filho é assassinado e toda

uma divagação de Manfredo para a procura do culpado tem início. Nesse ínterim, serão

4 Nem sempre significava o sobrenatural em sua forma mais auto-explicativa, a inquisição era vista como um

poder supremo, coordenando para manter a sociedade em igualdade de pensamento e crença, tudo que fosse

retratado sem prova, ou que fosse contra os preceitos religiosos, era condenado à morte. Sua forma mais

comum de punição foi a morte na fogueira, muito comumente efetivado quando alguém era considerado um

―bruxo‖.

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representados vários temas que seriam mostrados continuamente no gênero terror por grandes

mestres, como o espiritismo e a casa mal assombrada; entretanto, é revelada uma grande

trama recheada de personagens, onde será questionada, inclusive, a legitimidade do trono de

Manfredo. O que temos então é um tema que será muito difundido nos escritos futuros: o

castelo amaldiçoado, que será usado como base para diversas histórias e então haverá diversas

ramificações, como casas, prédios e todo local que a imaginação do autor puder utilizar para

aterrorizar os leitores. Um bom exemplo na literatura muito posterior a Walpole é o romance

de Shirley Jackson A Assombração da Casa da Colina5 (1959).

Alguns anos adiante, temos Nathan Drake (1766 – 1836), um ensaísta inglês e físico

que explorou o campo do medo nas pessoas de modo grandioso. Suas obras ficaram

conhecidas por seu interesse em expandir o prazer que essas leituras causavam nos leitores.

Influenciado pelo escritor anteriormente citado Horace Walpole, ambientava muitas vezes

suas obras em castelos, para causar a atmosfera gótica utilizada. Drake, sendo filho de um

artista, utiliza as lendas locais, tão escondidas pela Inglaterra pós revolução industrial,

explorando todo o conhecimento popular de que tinha conhecimento, passando pelas lendas

medievais e alçando o sobrenatural a que se dedicou com mais atenção.

Chegamos então a um escritor com extrema influência na literatura do horror,

Matthew Gregory Lewis, que em sua obra Monk (1795) denuncia a inquisição espanhola, e

com esse livro se torna extremamente conhecido recebendo o pseudônimo de Monk Lewis.

As obras de Lewis tratavam o sobrenatural de maneira mais ofensiva, e sua visão era mais

visceral que o de costume. Monk Lewis detalhava cenas sangrentas e sádicas, assim como

Clive Barker tratará alguns séculos depois. Além de criticar fortemente os ideais morais,

religiosos e sociais da época, sua atmosfera era muito mais densa que seus antecessores, suas

sombras, como é relatado no ensaio de Melo (2007), são eternas, e suas ações, violentas.

Avançamos então ao que, para a grande maioria dos estudiosos, foi o maior escritor

de contos fantásticos: Edgar Alan Poe. Poe foi, e ainda é, a base concreta para grandes

escritores de horror ao longo da história e suas obras servem como referência para

conhecidíssimos escritores, tais como Lovecraft, Clive Barker, Anne Rice, Stephen King, e o

brasileiro André Vianco, escritor de Os Sete (2000).

A influência de Poe ultrapassa todos os ramos da história como sendo o mais

conhecido escritor do gênero, autor de O Poço e o Pêndulo (The Pit And The Pendulum

5 The Haunting of hill house no original

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(1842)‖ e O coração Delator, além do poema The Raven (O Corvo, 1845)‖ Poe mostra seu

estilo próprio de escrever , estilo esse que será usado como referência.

Temos em Poe aquilo que é de maior aceitabilidade na literatura do horror, visto que

sua obras tratam o sobrenatural de maneira subjetiva. Poe deixa o leitor imaginar as cenas de

maneira própria, não lhe impondo nada, algo semelhante a Lovecraft, o qual deixa o

―monstro‖ sem aparecer por vezes. As obras de Poe têm um teor poderoso de impessoalidade,

comprovada por sua poderosa capacidade de fazer o leitor não perceber a existência de um

narrador, como se o próprio leitor estivesse vivenciando o que a história narra. Além disso,

suas obras exploram algo que será muito utilizado na literatura de horror: o suspense.

2.1.2 O gênero terror em sua fase de maior reconhecimento

Podemos então fazer uma primeira divisão na literatura do horror, sendo que os

autores citados acima fazem parte da história como sendo os precursores de um gênero muito

difundido durante os séculos. Tais nomes são de tão grande relevância, e, caso não fossem

mencionados, esta pesquisa não teria validade alguma.

Para todos os autores que vieram depois deles, a influência desses ícones da literatura

foi inerente em suas vidas, e podemos arriscar dizer que se não fosse por eles, escritores pós

Poe não existiriam, seriam apenas mais um em um todo.

A partir de agora iremos tratar especialmente de três obras que formaram muitos dos

escritores que hoje atuam, e que, ainda hoje, possuem suas idéias imitadas e usadas das mais

variantes formas. Vejamos esse trecho retirado do livro de Stephen King, Dança Macabra,

para darmos uma breve introdução a respeito da influência de tais obras no gênero terror:

Os três romances que eu gostaria de discutir nesse capítulo parecem ter

realmente alcançado tal imortalidade... Todos os três experimentam um certo

tipo de exclusão do iluminado círculo das obras literárias inglesas

reconhecidas como ―clássicos‖. Talvez por bons motivos. ―O médico e o

monstro‖ foi escrito por Robert Luiz Stevenson num furor literário, em três

dias. Sua esposa ficou tão aterrorizada, que ele queimou o manuscrito na

lareira... e depois o reescreveu da estaca zero em outros três dias. ―Drácula‖

é um melodrama realmente palpitante, concebido no estilo do romance

epistolar – uma convenção que havia dado seus últimos suspiros 20 anos

antes, quando Wolkie Collins escrevera o último de seus grandes romances

de mistério/suspense. Frankenstein, o mais notório dos três, foi escrito por

uma garota de 19 anos e, mesmo sendo o mais bem escrito dos três, é o

menos lido, e sua autora jamais escreveria novamente tão rápido, tão bem e

com tanto sucesso... ou tão audaciosamente. (KING, 2007, p. 51)

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No princípio do capítulo de onde a citação acima foi retirada, King apresenta as

obras que se tornaram verdadeiras lendas do gênero terror, cada qual de maneira única. Ele irá

refletir acerca da grande força que essas obras tiveram no intelecto geral dos escritores que

vieram após tais obras, e como elas foram usadas como referência das mais diversas maneiras.

Veremos então um pouco desses três grandes escritos citados acima, Bram Stoker,

R.L.Stevensen e Mary Shelley, entretanto, adicionarão mais um que será também usado como

esses três em questão, Lovecraft, o qual apresentará os famosos monstros gigantes tão

explorados hoje em dia.

Iniciemos então de forma cronológica. Mary Shelley (Frankenstein: or the Modern

Prometheus, 1818) utiliza a idéia da morte e ressurreição para nos trazer seu terror. Na obra, o

doutor Frankenstein está obcecado com a idéia de criar vida, e seu conhecimento abrangente

em medicina faz de sua ciência realidade, sendo que ele acaba por criar um monstro a partir

de partes de corpos humanos, monstro esse que ―nasce‖ a partir de uma cirurgia bem

sucedida; contudo, esse monstro o assusta e acaba fugindo. O livro passará por diversas

excursões e acabará na derradeira batalha entre o criador e sua criação. Mas o que nos vale

nessa breve análise dessa obra prima da literatura é seu valor para os futuros escritos; a idéia

de ―criar‖ vida, ou renascer dos mortos, será difundida de maneira consecutiva, e não apenas

na literatura partindo para as telas do cinema6. Mary Shelley mostrou que apesar de sua pouca

idade – possuía 19 anos quando publicou Frankenstein –, seu talento era impressionante, e

nem mesmo seu anonimato da primeira edição foi capaz de apagar isso. O que não se deve,

por outro lado, é criar uma visão prematura da leitura devido à pouca idade da escritora.

Acerca disso, Stephen King faz uma comparação interessante ao ritmo que Mary Shelley

coloca em sua obra:

O romance de Mary Shelley é um melodrama de ritmo bem lento e prolixo,

seu tema desenvolvido em tacadas largas, cuidadosas e até mesmo brutas.

Ele se desenvolve da maneira como um estudante brilhante, mas ingênuo,

defenderia seu argumento. (KING, 2007 p. 55)

Logo, é possível dizer que a obra de Shelley é uma das precursoras do tema monstro,

muito utilizada na literatura do horror. Contudo, a criatura de Shelley possui desejos

ambíguos, visto que por vezes ele é extremamente humano, chegando a ajudar pessoas e

6 O diretor George Romero captou muito bem essa idéia de renascer dos mortos em seu filme The Night of the

Living Dead (1968), onde, para o telespectador preocupado apenas com o entretenimento, não passa de mais

um filme de terror. Porém, Romero demonstra em seus filmes, implicitamente, a situação de uma sociedade em

colapso, uma sociedade à beira da destruição e que, mesmo tendo consciência disso, não tenta reverter tal

situação. Ele retrata nossa própria sociedade, e como somos dependentes de tudo o que ela nos proporciona, a

famosa ―política do pão e circo‖.

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salvar uma menininha; em outras vezes ele se vê como um verdadeiro monstro odiado por

todos, e escorraçado aonde fosse, até o desejo de possuir uma esposa de sua raça para

satisfazer seus desejos mais primários. Indiferente de preceitos, temos nessa obra uma idéia

que terá importância de grande valia no futuro literário. As obras que irão usar como base as

idéias de Shelley serão imensas, incontáveis poderia se dizer, entretanto o legado que essa

jovem escritora deixou é inegável, e imitado de forma eficaz por poucos.

Passando então de monstros reais, físicos, para a psique monstruosa de um

personagem estudado com afinco desde seu primeiro lançamento em 1886, temos O Médico e

o Monstro de Louis Stevenson (The Strange case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde). Nesse livro, o

autor nos apresenta o que a pura maldade pode fazer quando toma o controle do ser humano.

Dr. Jekyll é um personagem da aristocracia local, muito respeitado por ser considerado um

exemplo de bons costumes. Entretanto, devido a uma de suas experiências, descobre que pode

trocar sua imagem para outra completamente diferente de si, tornando-se o execrável Mr.

Hyde. Contudo, o que ele faz com esse outro eu é de grande repugnância social, pois Jekyll

experimenta várias sensações e ações, que não teria coragem de fazer com o estereótipo

adquirido no decorrer dos anos. Todavia, o que ele não sabe é que essa nova personalidade

começa a controlá-lo aos poucos, até chegar ao ponto em que a criatura toma conta de seu

criador.

Mais uma vez temos a visão de um monstro, porém, desta vez, muito diferente do ser

abominável de Mary Shelley. O monstro de Stevenson tem aparência humana, mesmo que por

vezes o narrador tente descrevê-lo e não consiga, podendo ser facilmente considerado um

transtorno bipolar do Dr. Jekkil, conforme afirma Magalhães (2010).

Vemos aqui uma excursão de Stevenson ao retratar um monstro fora dos padrões

visuais. A criação de Stevenson primeiramente é apenas ficcional, obra de um cientista

envolvido em seus experimentos, entretanto esse monstro toma a forma de algo muito maior,

algo poderoso que transforma totalmente o plano personagem Dr. Jekkil em duas

personalidades totalmente diferentes.

Interessante ressaltar o que King (2007) comenta sobre a obra de Stevenson em

comparação a Drácula de Bram Stoker:

Se Bram Stoker nos brinda com cenas ímpares de horror em seu Drácula,

nos fazendo sentir como se tivéssemos levado um soco no queixo por um

brutamontes, a narrativa breve e cautelosa de Stevenson é como um golpe

rápido e mortal de um picador de gelo.

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Dá-se o fato da obra de Stevenson ser consideravelmente pequena, cerca de 1207

páginas, em comparação a Drácula, normalmente acerca de 4158 páginas. Entretanto o modo

com que cada um deles é escrito dá margem a ações proporcionais de modo diferente.

Voltando a obra de Stevenson, veremos que o texto do autor é muito amplo em

pesquisas, apenas por motivo de exemplificaçao, temos a discussão do assassinato, ou não, de

Mr. Jekkil, tema esse muito difundido, sendo tese de monografias em vários lugares.

Todavia, o que essa obra realmente vale para esse trabalho é seu caráter amplamente

imitado, tanto na literatura como no cinema – Psicose9 é um excelente exemplo –, logo

podemos dizer que O Médico e o Monstro será uma das bases para futuros escritores, e uma

observação muito interessante relacionada às atitudes de Mr Hyde quanto à sociedade é feita

por Anajara (2007):

Quando tomava a poção desenvolvida por ele, se transformava, numa

verdadeira metamorfose em Hyde, que era totalmente oposto a Jekyll e nesta

figura poderia fazer tudo que era condenável em Jekyll, desde os princípios

éticos e morais até os desejos e ambições reprovados pela sociedade, família

e religião.

Como obra final desses três pilares do gênero horror, veremos aquela que vem sendo

a mais utilizada e readaptada lenda no decorrer do tempo, o vampirismo. Drácula (1897), de

Bram Stoker, aborda uma das criaturas mais difundidas como sendo o clássico do horror, e,

mesmo sabendo que Stoker não foi o primeiro a escrever sobre a lenda, poucos discordam que

ela não seja a mais bem escrita e, sem dúvida, a mais estudada no universo acadêmico.

A lenda do Vampiro é tão difundida que poucos sabem de onde ela realmente surgiu;

Obras atuais como Twilight, Stephenie Meyer (2005) Dead Until Dark, de Charlaine Harris

(2001) e Vampire Diaries, de Lisa Jane Smith (1991) são apenas uma pequena parcela do que

realmente trata a obra de Stoker, e que posteriormente seria tratada da maneira que merece

por Anne Rice.

Interessante começar essa passagem por Drácula de maneira comparativa com obras

atuais, pois para quem conhece a obra de Stoker, vai entender que o horror de Drácula é muito

diferente do que é proposto nos temas das três obras citadas acima. Em Drácula, o que temos

7 Edição da editora EDIOURO de 1971.

8 Edição da editora Martin Claret de 2002.

9 Psicose, do diretor Alfred Hitchcock , é um marco no cinema mundial, o filme trata da história de Marion que,

após dar um desfalque na empresa onde trabalhava, foge sem destino encontrando o motel onde seria

assassinada pelo simpatico, Normam Bates. A relaçao que esse filme possui com a obra de Stevenson é a

relaçao que Normam Bates tem com sua mãe, já morta, mudando de personalidade com opiniões que ele

mesmo cria imaginando ser ordens de sua moribunda mãe.

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é a humanização do conceito de mal exterior (King, 2007, p. 61), sendo que todos os atos do

conde Drácula são predestinados unicamente com vistas à maldade. Interessante também,

observar como ele não coloca o Conde em todo o livro, sendo que em dado momento o Conde

praticamente desaparece da obra, reaparecendo apenas algumas vezes e no clímax final,

fazendo assim o leitor ter a sensação do horror que não apenas é evidenciado pelas repentinas

aparições do vampiro principal, como também, pelos outros personagens que antagonizam a

obra – como a preferência alimentícia de Reinfield por insetos.

Temos nessa obra o estereótipo que será utilizado por muitos no futuro, infelizmente

muitas vezes de maneira errônea, para criar personagens ―vampirescos‖. Em Drácula é

possível sentir toda a sensualidade que Stoker coloca na obra, criando aquele verdadeiro

personagem que nos vem à mente quando pensamos num ser da noite, que sobrevive de

sangue. Temos nessa obra o que se consagra como sendo a maior realizaçao sobre esse tipo de

―monstro‖ e que será referenciada diversas vezes no futuro literário do horror.

Toda essa sensualidade, a que Drácula é citado, vem da época em que foi escrita, os

costumes a que eram feitos e tudo o que se acreditava ser de consenso com a sociedade da

época. Vejamos o que diz Stephen King a respeito:

De certo modo, foi mais a época em que Stoker escreveu que ditou que a

maldade do conde deveria vir de fora, porque muito dessa maldade

personificada pelo Conde tem sua origem numa perversão sexual. Stoker

revitalizou a lenda do vampiro principalmente porque escreveu um romance

que palpita sensualidade. (King, 2007 p. 62)

Entre os escritores que falarão sobre vampiros após Stoker, teremos alguns que

fizerem um relativo sucesso abordando esse tema. Entre eles, Anne Rice, famosa por seu

vampiro Lestat e o escritor que será material de estudo nessa monografia, Stephen King, em

seu romance A Hora do Vampiro (2010). O cinema também nos presenteará com diversas

adaptações ―vampirescas‖ de qualidade, entre elas algumas muito famosas como M, o

vampiro de Dusseldorf, de Fritz Lang, (1931) e Nosferatu, uma sinfonia de horrores, de

Murnau (1922).

Avançando alguns anos na história, vejamos um pouco acerca de um escritor que não

foi contemporâneo dos três que foram mais evidenciados até aqui, mas também serviu como

base para muitos escritores desse gênero dos dias de hoje. Falemos, então, um pouco sobre

Howard Phillip Lovecraft.

Howard Phillips Lovecraft é considerado um dos maiores nomes da literatura gótica.

Suas obras retratam muito o passado mitológico, onde suas criaturas eram vistas com tanto

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poder que algumas chegavam a ser consideradas deuses. Muito disso se dá pela influência de

Lord Dunsany, famoso escritor de contos fantásticos. Esses seres místicos criados por

Lovecraft fizeram-no obter um termo próprio, os Cthullu Mythes, criado após a morte de

Lovecraft pelo escritor August Derleth, variante de seu livro The Call of Cthulhu (1928).

Essse foi o nome dado às lendas criadas por Lovecraft, e posteriormente imitadas por muitos.

O interessante de Lovecraft, e um dos principais atrativos de suas obras, é a visão

conclusiva que ele tem com seu público. Lovecraft escreve sempre para assustar, tudo o que

permeia a obra, a atmosfera, ambiente, clima, tem como finalidade primária levar o leitor

aonde o escritor deseja. Interessante também acrescentar que, na maioria de suas narrativas, o

autor trabalha com a primeira pessoa, assim como em Saco de Ossos (2006), de Stephen

King, onde Lovecraft pode explorar toda a psique do personagem.

Todorov, consagrado estudioso do gênero fantástico na literatura, usa Lovecraft

como exemplo de escrita que leva muito em consideraçao o ponto de vista do leitor. Ele

afirma que, de acordo com diversos teóricos do gênero, Lovecraft invoca, frequentemente, o

sentimento de medo e perplexidade, condições necessárias para que o gênero seja muito

efetivo.

Para Lovecraft o critério do fantástico não se situa na obra a não ser na

experiência particular do leitor, e essa experiência deve ser o medo. A

atmosfera é o mais importante, pois o critério definitivo de autenticidade [do

fantástico] não é a estrutura da intriga a não ser a criação de uma impressão

específica. (...) Por tal razão, devemos julgar o conto fantástico nem tanto

pelas intenções do autor e os mecanismos da intriga, a não ser em função da

intensidade emocional que provoca. (...) Um conto é fantástico simplesmente

se o leitor experimenta em forma profunda um sentimento de temor e terror,

a presença de mundos e de potências insólitas.(TODOROV, 1981, p. 20)

Contudo, Todorov apresenta a visão de outros teóricos acerca do tema, todos eles

concordando com o fato dessa literatura ter Lovecraft como ponto de referência, mas,

também, apresentando seus pontos de vista. Peter Penzoldt diz que, com exceção do conto de

fadas, todas as histórias sobrenaturais são histórias de terror que nos obrigam a nos perguntar

se o que se toma por pura imaginação não é, depois de tudo, realidade (Todorov, 1981, p. 20).

Ao mesmo tempo, pode-se considerar os argumentos de Caillois (Todorov. 1981, p. 21) onde

ele teoriza que a pedra fundamental do fantástico é a impressão de estranheza irredutível,

ambos os autores mostrando como a maneira de escrever de Lovecraft é referência quando se

fala no gênero fantástico do terror e do horror.

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Vale lembrar que Lovecraft será um dos principais escritores que Stephen King

tomou como base para seus conhecimentos acerca do tema terror. Em seu livro A Dança

Macabra King afirma que Lovecraft é o príncipe barroco das trevas das histórias de horror do

século XX (King, 2007, p. 36), momento em que King ressalta os valores artísticos de

Lovecraft em suas obras, e o quanto ele foi de importância para esse ramo.

Dentre todas as lendas citadas anteriormente, nenhuma falava exatamente do que

Lovecraft escrevia. Dentre todos os seres que permearam a literatura ao longo do tempo,

vampiros, bruxas, lobisomens, múmias, etc., nunca foi mostrado um ser que mesmo sem sua

descrição, e por vezes sem saber exatamente o que era um autor foi capaz de causar tanto

medo com algo nunca visto. Alguns escritores irão explorar também isso. A assombração da

casa da colina de Shirley Jackson é um bom exemplo.

Tendo em vista o que foi dito acerca de Lovecraft, é possível ter uma breve noção de

como suas obras são apresentadas a nós leitores. O escritor que ficou conhecido por descrever

aquilo que não pode ser retratado, algo como o monstro de R. L. Stevenson visto pelo homem

que tentou descrevê-lo, e como era sua visão quanto à literatura do horror, tratando-a de forma

a mostrar que o sentimento do horror é maior e mais antigo que todos os outros, fez com que

seu legado permanecesse para as gerações que viriam, tornando-o mais uma referência do

gênero horror.

2.1.3 O Horror moderno

Chegamos à fase em que mais foram – e ainda são – lançadas obras do gênero.

Comecemos, então, por uma famosíssima escritora que explorou muito bem um campo que há

tempos não recebia uma boa obra, antes extraordinariamente bem explorado por Bram Stoker:

a criadora de Interview with the Vampire (1976) (Entrevista com o Vampiro), The Vampire

Lestat (1985) (O Vampiro Lestat) e The Queen of the Damned (1988) (A Rainha dos

Condenados), Anne Rice.

Nesse meio tempo em que a história da literatura de horror passou com poucos livros

que alcançassem o antigo âmbito a que essa literatura um dia pertenceu, Anne Rice aparece

reinventando o romance gótico de forma a incorporar a estética moderna (Melo, 2007). Seu

tema primordial são os vampiros e todos os sentimentos que eles possuem, suas paixões,

motivações e lutas, entretanto num molde atual atraente tanto aos leitores assíduos dessa

literatura, como aos novos leitores que ainda estão em processo de formação.

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Interessante é observar como Anne Rice apresenta seu principal personagem, Lestat

de Lioncourt, como um vampiro não tão maligno como Drácula. Seu personagem tem vítimas

específicas; ele as estuda e as escolhe principalmente por seus modos de vida. Com relação a

esse fato, Danielle de Oliveira Costa (2010), em sua tese de Mestrado em teoria da literatura,

faz interessante comparação entre Lestat e o personagem fictício de Oscar Wilde, Dorian

Gray, ambos relatando a situação caçador e presa em que se apresentam perante a sociedade.

Vejamos o trecho a seguir, tendo em vista esta ser uma comparação livre entre os romances:

Nenhum livro ou filme de arte escapa ao gosto de Lestat, tornando-o um

Dorian Gray moderno, ainda preso ao artificial, mas com um código de

conduta totalmente diferente de Drácula. Lestat só mata os malfeitores, os

perversos. Estes refletem sua parcela monstruosa, fazendo com que ele

invariavelmente se apaixone pelas vítimas que costuma vigiar por meses,

numa espécie de jogo de gato e rato, culminando com a morte destes.

Dorian, de maneira similar, faz o mesmo tipo de jogo perverso com a atriz

Sybil Vane antes de se apresentar a ela e manter um relacionamento de

sonho, rompendo-o após mostrá-la a Lord Henry, que a ridiculariza,

desencadeando o fim do relacionamento e levá-la à morte, construindo assim

uma espécie de metáfora que simbolizaria o relacionamento do vampiro

moderno com sua vítima, antecipando-o.

Veremos então que após as obras de Anne Rice a fazerem o grande sucesso que se

tornou, seus temas serão cada vez mais utilizados pelos escritores futuros. Na realidade, são

muito atuais os romances que tratam o mito vampiresco de uma maneira menos nociva do que

foi tratado em seu início. Os vampiros das obras de hoje agem muito mais como humanos,

exatamente como Rice tentava colocá-los em suas obras, e suas atitudes reflete ações

pensadas paulatinamente. A exemplo, temos as obras de Stephenie Meyer, Crepúsculo (2005),

em que os vampiros se divertem como adolescentes, ou as obras de Charlaine Harris Morto

até o anoitecer (2001), onde há a luta de um vampiro contra sua própria raça para proteger

uma personagem humana. Da mesma forma, é possível citar diversas obras da atualidade que

tratam o tema vampiresco igualmente. Logo, com isso, podemos ver a dimensão da influência

que principalmente Anne Rice proporcionou para o futuro desse tema.

Após essa curta excursão na história da literatura de horror, podemos dizer que muito

se tem escrito sobre o sobrenatural, e sobre como ele é associado para nós, mas não seria

possível terminar essa excursão sem passarmos por aquele que, para Stephen King, é o futuro

da ficção de terror (Timpone, 1997, p. 123): Clive Barker.

Clive Barker explora o visceral, o grotesco, o mortal do homem, coisa que ainda é

pouco explorada (Melo, 2007). Com isso, ele conseguiu angariar uma legião de fãs, que

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estavam cansados das mesmas tramas tratadas desde sempre, copiadas desde sempre. Para

exemplificar isso, vejamos o que a revista Fangoria fala sobre a escrita de Barker:

O trabalho de Barker combina a prosa rica de Straub com uma imaginação

que não conhece limites. Adicionemos ainda algumas alfinetadas com humor

negro e uma sabedoria afiada, e teremos uma idéia dos horrores de Clive

Barker. (TIMPONE, 1997, p. 124)

Com essa análise em mente, podemos ter uma breve idéia da mente desse escritor

sangrento. Os textos de Barker normalmente são carregados com o erotismo capaz de causar

ânsia aos olhos não acostumados com seus escritos. Tudo isso, aliado a um senso de

inteligência muito apurado, tornam as obras de Clive Barker muito bem posicionadas no

âmbito mundial do horror.

Talvez sua obra mais conhecida seja o livro O Coração Ligado ao Inferno, o qual foi

adaptado, até o presente momento, oito vezes para os cinemas com o nome de Hellraiser,

sendo que apenas em uma delas o próprio Clive Barker dirigiu o filme. Entretanto, o que atrai

nessa obra é o conteúdo desenfreado com que a trama se desenvolve. Barker consegue nos

transportar para seu mundo de um modo que a cada página virada, ou para quem assistiu

apenas aos filmes a cada cena, o leitor/telespectador passa de um simples voyeur para um

elemento/sujeito no texto.

A história de Hellraiser trata de um triângulo amoroso no qual uma mulher se vê no

impasse entre seu atual marido e seu amante do passado, que agora pertence às criaturas de

Barker, os Cenobitas, ―demônios‖ que quando libertados podem dar àqueles aos quais os

liberaram o maior dos prazeres. Com isso, a trama de Barker se desenrola e possui um final

típico de um grotesco mestre do horror moderno.

Outra obra que não poderia ficar de fora dessa passagem por Barker é sua coletânea

de contos Os livros de Sangue (1990). Neles, Barker consegue ser explícito em seu ápice, e

uma breve análise sobre ele diz:

O cara é mestre num gênero de horror pouquíssimo (bem) explorado pela

literatura: o horror que choca, enoja, repugna. O horror que sangra. Um

gênero completamente oposto ao de Stephen King, ser supremo da ficção de

horror da segunda metade do século passado. Enquanto King apela à

psicologia, à moral, à crítica social; Barker age como um açougueiro

metódico: desmembra pedaço por pedaço da nossa sanidade e nos joga num

turbilhão de sangue, tripas, e o que mais vier. (Haunted, 2007)

Como vemos, suas obras tratam do horror visual, os Trash Movies do cinema.

Entretanto, não podemos confundir visualidade ostensiva com má escrita, pois os textos de

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Barker são carregados de falas bem estruturadas, temas maravilhosos, e histórias tão atraentes

quanto à imaginação do leitor aceitar.

Antes de Barker deveríamos ter visto Stephen King, mas como será ele o

―protagonista‖ desta monografia, o capítulo seguinte será exclusivamente dele. Então,

terminemos este capítulo com um exemplo de escritor de ficção de horror brasileiro, muito

pouco conhecido no âmbito nacional, mesmo já tendo escrito quinze romances: André

Vianco.

Vianco traz como seu principal tema o vampirismo, mas trata de muitas lendas já

vistas na ficção de horror. O autor normalmente mescla o sobrenatural e o suspense.

Interessante em Vianco é de onde ele tira grande parte de suas ideias. O escritor traz suas

histórias de lendas de várias partes do globo, fazendo assim uma expedição a campos pouco

conhecidos do intelecto comum, como seus vampiros que se locomoviam pelas árvores, lenda

essa baseada nos aborígenes australianos.

E não é de se surpreender que Vianco tenha sofrido a influência de diversos

escritores, como Poe, King e Lovecraft, visto que sua escrita deriva muito desses monstros da

literatura do horror, e não é surpresa o fato de seu principal livro já ter vendido mais de

50.000 exemplares, e seu nome estar rodando o mundo.

É claro que essa pequena viagem pelo mundo da ficção do horror não pode abordar

todos os escritores do gênero e, deste modo, muitos conhecidos dos fãs ficarão de fora desta

análise, a exemplo de Peter Straub (Ghost Story), Shirley Jackson (A Assombração da casa da

colina), Ira Levin (O bebê de Rosemary), Ray Douglas Bradbury (Fahrenheit 451). Afinal de

contas, é realmente impossível citarmos todos nesse espaço, contudo, o que é passível de

afirmação da literatura de horror é que ela sempre existiu, em melhores ou piores graus, e vem

cada vez mais atraindo fãs de todas as idades, tornando assim essa área da literatura cada vez

mais atrativa para pesquisas e análises. Tratemos, então, do horror em Stephen King.

2.2 AS DUAS FACES DO HORROR EM PESSOA

Após essa visão geral apresentada do gênero horror ao longo da história, tratemos,

então, do horror naquele que será o material principal dessa monografia, Stephen King. Nesse

capítulo será aprofundado o que foi estudado no capitulo anterior, porém especificamente com

relação a King, para tanto, faremos uma trajetória sobre a vida do autor, e veremos como ele

coloca o horror em suas obras, quais as características que afirmam seus textos como ficção

de horror e todo seu caminho em direção ao sucesso que é hoje.

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23

Logo, o que será mostrado neste capítulo, é um apanhado geral em certos pontos, e

uma pesquisa um pouco mais intensa em outros das características do autor. Devido ao caráter

teórico desta monografia, serão mostrados pequenos exemplos que evidenciam a presença do

horror nos textos de King. Logo, julgo ser necessário analisar não só sua vida como escritor,

mas também como filho, marido e pai, para traçarmos uma linha imaginária em uma

comparação de suas obras com os grandes escritores que foram a base para as obras de King.

Para ser possível traçar essas características, primeiramente será traçada uma breve

biografia do autor, pois, mesmo que se condene relacionarmos a vida pessoal do autor com

suas obras, a vida de King passou por diversas turbulências e isso pode ter influenciado certas

obras, em especial em seu pseudônimo Richard Bachman. Analisaremos então, em separado,

autor de pseudônimo, para termos uma breve idéia da importância de cada um deles para

Stephen King.

2.2.1 Stephen King além dos livros

É interessante vermos as atribuições que grande parte da população faz na

comparação do autor com sua obra, e é tão interessante quanto, vermos que, na grande

maioria das vezes, elas estão enganadas. Isso não é diferente com King, que não teve

nenhuma experiência sobrenatural, apesar de dizer ter visto certas coisas por vezes e ter tido

problemas com alcoolismo, e de rir em entrevistas que tocam nesse assunto. Contudo, o que

será apresentado nessa breve biografia não é nada relacionado a isso, e sim uma passada

rápida pela vida do mestre do horror moderno.

Nasce, em 21 de setembro de 1947, em Portland, estado do Maine, nos Estados

Unidos, o autor que se tornaria, com seus livros, um dos mais vendidos e adaptados para o

cinema de toda história, Stephen Edwin King.

Como poucos sabem, a vida de King não foi nem um pouco fácil. Logo na infância,

passou por necessidades, quando seu pai abandonou a família, fazendo sua mãe passar por um

período difícil entre cuidar dos filhos e de seus pais doentes em Durham, Maine. Nellie Ruth

Pillsbury, mãe de King, recebia uma ajuda de seus parentes enquanto cuidava de seus pais

para que sobrevivesse com King e seu irmão. Entretanto, após a morte de seus pais, Nellie

teve de arranjar um emprego para sustentar seus filhos e a casa.

Em sua infância, King presenciou um terrível acidente com um de seus amigos: o

garoto ficou preso na rodovia ferroviária e acabou sendo fatalmente atropelado por um trem.

O próprio King diz que esse acidente não teve nada a ver com seu estilo literário, e acaba por

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24

rir em entrevistas onde os entrevistadores dão ênfase a esse incidente do passado como

referência a seus escritos. Ainda quando criança, King foi um leitor assíduo dos quadrinhos da

EC horror comics10

, incluindo o cultuado Tales from the Crypt (publicado no inicio da década

de 50 e tem como nome principal de criação Willian M. Gaines) ao qual estimulou o prazer da

leitura do horror em King. Ainda na escola, King criava histórias baseadas nos filmes que

assistia e as vendia para seus colegas, venda essa desaprovada pelos professores que o

forçaram a parar após um período.

King cursou o primário na escola de Durham, e o segundo grau na escola

Lisbon Falls, terminando seu ensino médio no ano de 1966. Logo que começou a cursar a

faculdade do Maine, Stephen começou a escrever, primeiramente para sua coluna semanal da

universidade, que se intitulava ―King‘s Garbage Truck‖. Em paralelo, King participava das

políticas estudantis, protestando contra a guerra do Vietnã, e se graduou em 1970, licenciado a

dar aulas de inglês.

Em 1971 King casa-se com Tabitha Spruce, a qual conheceu na Fogley Library

da universidade do Maine onde ambos trabalhavam. O começo de sua vida de pós-graduado

não foi nada fácil, visto que King trabalhou como frentista e lavador de roupas antes de

começar a dar aulas de inglês na universidade em que se graduou. Nesse período já tinha dois

filhos e morava num trailer, enquanto sua esposa fazia seu doutorado. Foi um período

complicado para King, entretanto, nesse meio tempo, ele escrevia contos curtos

periodicamente para revistas masculinas, e isso o auxiliava no sustento da família.

Em 1973 King finalmente consegue emplacar um romance, Carrie11

, e com ele pode

garantir uma vida de escritor em tempo integral. O interessante é que com o romance King

conseguiu apenas U$ 2.500, o que era pouco mesmo para a época. Entretanto, posteriormente

seus direitos autores renderam mais de U$ 400.000.00 com o filme, proporcionando assim

que ele se torna o escritor que é hoje.

Logo após o lançamento de Carrie, a carreira do escritor decolou de vez, e nesse

tempo Stephen King morou em Boulder, Colorado, onde escreveu O Iluminado. Em seguida,

voltou ao Maine em 1975 onde terminou de escrever A Dança da Morte12

. Logo as obras de

10

Entertaining Comics, editora americana. 11

Carrie trata da história de uma tímida adolescente sem amigos, reprimida por uma mãe fanática religiosa

instável, e constantemente sendo alvo de bullying no colégio. Entretanto Carrie possui um poder telecinético

devastador que causara o terror daqueles que a maltrataram. (Carrie, 1974, Contracapa). 12

A Dança da morte tem posição única no corpo de trabalho do autor, ele é seu primeiro épico... King publicou

A Dança da Morte, que continha vários gêneros, e perturbou as expectativas dos fãs. A obra apresenta uma

mistura de ficção cientifica, horror e fantasia, uma história contada em 823 páginas encadernadas que é tão

25

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King começaram a fazer sucesso além dos livros. Após o lançamento em filme de Carrie

(Brian de Palma), suas obras tiveram várias adaptações, tanto para o cinema como para a

televisão. É possível dizer que, segundo a crítica, a melhor adaptação feita de uma de suas

obras, foi O Iluminado, dirigido por Stanley Kubrick. Fato interessante é que, nessa época,

King se encontrava constantemente bêbado – o escritor foi alcoólatra durante mais de uma

década –, e o personagem Jack Torrance de O Iluminado é baseado nele mesmo. Após a

intervenção de sua família, King parou com todos os seus vícios e nunca mais bebeu qualquer

tipo de bebida alcoólica.

Os anos 80 foram o ápice do autor, apesar de que hoje ele vende ainda mais que

naquela época. Entretanto essa foi a fase com o maior número de obras publicadas, chegando

a, em apenas um ano, lançar três livros: Cristine, O Cemitério e A Hora do Lobisomem. Nessa

década também houve o maior número de obras adaptadas para o cinema e, tendo-se isso em

mente, Stephen King é hoje considerado o escritor com o maior número de obras adaptadas

para a cinematografia.

Há alguns anos King sofreu um acidente. Foi atropelado por um carro, teve diversas

fraturas e passou momentos críticos no hospital. Hoje mora com sua esposa, Tabitha King, em

Bangor, Maine, e possui três filhos e três netos. Seu trabalho é reconhecido pelo mundo

inteiro, chegando a possuir diversos livros que estudam exclusivamente suas obras. Em 2002,

o escritor anunciou sua aposentadoria, entretanto os anos foram se passando e o autor já tem

projetos para um próximo livro em 2011, além das diversas convenções de que participa.

2.2.2 Stephen King como Richard Bachman, ou o contrário?

No começo de sua carreira, King publicou diversas obras, chegando a alcançar mais

de uma ao ano. Esse tipo de situação não era bom para a publicidade, pois poderia haver uma

aversão dos leitores quanto a um número tão elevado de livros num curto período de tempo.

Devido a isso, King resolveu escrever com um heterônimo, com a aceitação de seu editor,

para poder lançar mais livros a cada ano. Esse heterônimo recebeu o nome de Richard

Bachman.

Infelizmente, ou não, a vida de escritor de Bachman durou pouco, pois suas obras

foram desmascaradas e King não ficou nada feliz com a idéia de perder seu heterônimo, tanto

multifacetada em localidades e personagens na mesma medida em que O Iluminado é exatamente o oposto.

(Spignesi, 2003, p. 26)

26

26

que escreveu uma obra intitulada A Metade Negra, em que mostra sua raiva pela descoberta

prematura de seu pseudônimo. Uma curiosidade sobre os livros de Bachman é que foi com

esse pseudônimo que King escreveu o controverso Rage13

, o qual foi proibido pelo próprio

Stephen King após o incidente em que um garoto entrou na escola onde estudava e matou

diversos alunos e professores e em seu armário foi encontrado um exemplar de Rage. A

reação de King foi imediata e ele proibiu a vinculação do livro permanentemente.

Dentre as obra de Bachman, teremos algumas que fizerem um grande sucesso, como

A auto Estrada e A maldição do cigano, que serão analisadas nesta monografia, e que servirão

como exemplo da escrita muito pouco diferente do próprio Stephen King. Interessante

ressaltar que, mesmo após a ―morte‖ de Bachman, Stephen King continuou publicando obras

do autor, como se mostra no final do livro A Auto Estrada. Nesse capítulo final da obra, o

autor diz que mesmo com a morte de Bachman, talvez ele ainda encontre algo escondido do

autor:

E eu me pergunto se haverá outros bons manuscritos, concluídos ou quase

concluídos, na caixa encontrada pela viúva Bachman no porão de sua

fazenda em New Hampshire. Às vezes, penso muito nisso. (KING, 2009, p. 303)

E não foi mentira, pois após o fim de seu pseudônimo, King ainda publicou

algumas obras como Bachman, mesmo sabendo que sua identidade já fora revelada.

Posteriormente, uma coleção intitulada Os livros de Bachman foi lançada para promoção de

alguns dos livros publicados logo no começo de Bachman, quando ele ainda não havia sido

desmascarado, e com isso King pode permanecer, mesmo que todos soubessem da mentira, a

escrever com seu pseudônimo.

2.2.3 Terror e suspense em Stephen King

Alcançamos, então, aquilo que serve de base para o tema principal a que esta

monografia se propõe. Nesta seção serão analisadas as obras de King, tendo-se como

referência aquilo que é o alicerce das suas criações, o horror e o suspense, elementos

referenciados sempre que se fala no autor.

Para tanto, iniciemos analisando seu romance inicial, Carrie (1973), qual tema é

proposto nesse romance, e como ele alcançou o título de horror com ele, e em seguida

passemos para outros títulos até alcançarmos o limiar atual. Não serão citadas todas as obras

13

Rage é uma história incrivelmente pessimista e depressiva e, ainda assim, é uma descrição e uma avaliação

precisa da alienação e da raiva experimentada por muitos estudantes do colegial (Spignesi, 2003) PG. 127

27

27

neste capítulo, pois não haveria espaço hábil para isso, entretanto sua produção será dividida

por décadas, sendo, então, apresentados os principais romances, segundo Spignesi em seu

livro O essencial de Stephen King e George Beahm em sua obra Stephen King from A to Z na

Encyclopedia of his work and life, desse período.

Dissequemos, então, o mestre do horror moderno.

2.2.3.1 A década de 70 e o reconhecimento

Tendo em vista que essa foi a década com o lançamento dos livros mais conhecidos

do autor, e segundo Spignesi que coloca entre os dez trabalhos de King a que ele considera os

melhores quatro dos seis livros lançados nessa década, temos aqui um primórdio do que viria

a ser o estilo de King. Será uma pena deixar de fora o livro de contos Sombras da Noite, mas

já que analisaremos apenas algumas obras de cada década, foi optado por aqueles citados

como os principais segundo Spignesi e George Beahm em seus respectivos livros. Porém, não

será possível deixar de fora seu primeiro romance, Carrie, pois mesmo não tendo sido esse

seu primeiro romance escrito, ele foi o primeiro a ser publicado, e foi aquele que lhe deu a

possibilidade de ser um escritor em tempo integral.

2.2.3.1.1 Carrie e o horror como estudo

É interessante vermos que, quando perguntado qual é o terror em Carrie,

normalmente se atribui ao fato dela, em sua fúria sobrenatural, destruir boa parte da cidade

com seus poderes psicocinéticos. Contudo, o romance de King propõe muito mais terror do

que o caos que ela causa, visto que há todo o horror psicológico a que ela é exposta.

Primeiramente, no período da escola, quando é frequentemente alvo de piadinhas, ou quando

sua mãe, católica extrema, trata sua filha como um pecado advindo para sua punição, ou ainda

pior, quando Carrie é humilhada em frente a todos por algo que deveria ser comum entre

todas as meninas, a menstruação, todo esse conjunto de situações culminam para seu ato final.

Entretanto, quando se trata o horror nessa obra em especial, é preciso perceber que, assim

como nos defrontamos diariamente com situações de Bullying, seu horror ultrapassa os

efeitos sobrenaturais, mesmo esses sendo de exímia função na obra, pois advém de medos

reais, medos que são impostos por diversas vezes, e que é necessário serem enfrentados. Todo

esse contexto faz com que o horror nesse primeiro romance de King seja assustador mesmo

fora das páginas.

28

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O texto é recheado de informações, notícias e relatos dos próprios personagens, além

de dados reais sobre estudos do poder de Carrie. Tudo isso repercutiu na sociedade e na

crítica da época, e um trecho tirado do livro de Beahm exemplifica o que os críticos diziam

quando a obra foi lançada:

NYTBR – Então, não perca Carrie, de King (Doubleday, $5.95) seu primeiro

romance e uma garantia de dar-lhe um calafrio... seu primeiro romance é

incrível. LIBRARY JOURNAL – Este primeiro romance é concorrente ao

mais sangrento do ano14. (BEAHM, 1998)

É claro que não foram apenas críticas positivas acerca do livro, mas sua inovação,

para a época, foi indiscutível, e o que faz valer para essa monografia é que, além de ser puro

Stephen King, como diz Harlan Ellison, seu efeito é impactante, sua sede de sangue é poucas

vezes imitada com excelência, e com isso temos o início do que será a carreira de um

romancista que se dedica, ao menos cientificamente, ao inexistente.

2.2.3.1.2 De Stoker a King

Em seu segundo livro, A Hora do Vampiro, Stephen King faz seu romance inspirado

no clássico Drácula, de Bram Stoker. Nessa investida em um dos maiores mitos do horror

mundial, King nos apresenta uma atmosfera grotesca e uma aventura pelo meio sobrenatural

que dificilmente será esquecida. Toda a narrativa se passa em Jerusalem‘s Lot, no interior dos

Estados Unidos, onde Bem Meyers e um menino voltam à cidade para escrever uma história

sobre uma casa abandonada e lá encontram um real pesadelo. Toda a narrativa descritiva de

King nos auxilia a ver a vida corriqueira da pequena cidade do Maine e no que ela se

transforma com os acontecimentos acarretados pela narrativa.

Esse romance tem um peso considerável para esta monografia, visto que aqui King

explora um grande mito que faz Bram Stoker ser lembrado até hoje. Mas o que dá um peso

considerável a esse romance é que ele foi tão bem escrito, tão bem detalhado, que até mesmo

os críticos o comparam como sendo o melhor romance com o tema vampiresco após Drácula:

A Hora do Vampiro é um romance atualmente considerado a melhor

abordagem da história do vampiro tradicional desde Drácula de Bram Stoker

(1897) e uma das últimas sérias abordagens dos mitos que cercam o vampiro

que se desenvolveu durante o curso do século precedente. (SPIGNESI, 2003.

PG. 50)

2.2.3.1.3 O clichê do horror

14

Tradução livre deste autor

29

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Não seriam necessários muitos anos para que os fãs de King chegassem a ler um

romance ambientado em um dos maiores clichês do horror, a famosa casa mal assombrada.

Em 1978, Stephen King lança O Iluminado, livro que acabaria sendo o mais vendido de sua

carreira, aquele com a melhor adaptação cinematográfica (Stanley Kubrick, 1980), e

constantemente sendo chamado o romance mais literário de King, um dos poucos romances

do escritor que os professores de literatura não se recusam a utilizar em sala.

A fusão do garoto Danny Torrance e seu poder de iluminação podendo ver futuros

possíveis com o hotel Overlook, assombrado por seus fantasmas há muito tempo, causam uma

atmosfera de terror poucas vezes igualada, mesmo pelo próprio autor. Esta obra tem um valor

muito importante tanto para a vida literária do escritor como para esta monografia, pois será

citado como uma das principais obras do corpo literário do autor. O hotel em que se passam

os capítulos do romance foi baseado em uma viagem de Stephen e Tabitha King ao hotel

Stanley, o qual, na época, estava para fechar, deixando-os praticamente sozinhos dentro

daquele imenso lugar.

A obra de King tem seu valor como ficção de horror por tratar além do que se parece.

O mito da casa mal assombrada tratará de dramas familiares, a falta de emprego e o pai que se

vê fora de si devido à bebida acabando por machucar seu filho, cena que acontece logo no

primeiro capítulo do livro, transcendendo assim o medo sobrenatural que a obra apresenta

para além das facetas irreais, e impondo-o no medo real de um pai com sua família, quando

nem mesmo ele as consegue proteger, transformando-se, assim, de protetor a carrasco.

Se pudermos comparar essa obra a algum clássico do horror, é passível de afirmação

colocar o romance de Shirley Jackson A Assombração da Casa da Colina, onde o tema casa

mal assombrada é apresentada em seu viés original. Poderíamos também dizer que o romance

de Horace Walpole, O Castelo de Otranto, pode ser o primórdio desse tema; entretanto, é mais

próxima à obra de Shirley Jackson que a de Walpole.

2.2.3.1.4 O terror em sua maior escala

Diz-se que o medo maior de qualquer ser humano é a morte. Há pessoas que dizem

não suportar a idéia da morte sem lhe dar calafrios, que essa palavra não deve sequer ser

usada, entre outras afirmações. Mesmo não sabendo o que há depois da morte, se é que há,

temos um medo irracional do que iremos encontrar do outro lado. Agora, o que seria pior de

que apenas sua morte? e se simplesmente todas as pessoas da terra, ao menos 99,4%,

simplesmentem fosse mortas por um poderosíssimo vírus, e aqueles que sobrassem tivessem

que escolher entre dois lados, o lado da ―luz‖ com Madre Abigail, ou o lado das ―trevas‖, com

30

30

Randal Flagg? É disso que, primeiramente, A Dança da Morte trará, mas será visto que isso é

apenas um pico no primeiro épico de King.

A Dança da Morte, assim como I’m Legend de Richard Matheson (1954), tratará de

um mundo pós-apocalíptico, em que o principal objetivo daqueles que sobreviveram é, além

de enfrentar todo o caos, permanecerem sãos com a solidão com a qual convivem. Entretanto,

diferentemente do romance de ficção científica de Matheson, King tratará de outros temas,

pois, em suas 823 páginas encadernadas na versão original em inglês, o autor poderá explorar

variados temas de um livro que, para King, parecia nunca ter fim.

Logo, o que temos com A Dança da Morte é o horror supremo, aquilo que faria

todos nós repensarmos as atitudes que fazemos a todo o momento, e perceber se isso

realmente vale a pena em nossa sociedade; afinal, no mundo da Dança da Morte de King, a

sociedade em comunidade será de indissolúvel necessidade, e apenas assim os heróis poderão

acabar com as trevas de Randal Flagg e vencer a guerra da luz contra as trevas. Por motivos

de referência, creio que o próprio King pode dizer, em uma de suas entrevistas que formaram

o livro Dissecando Stephen King sobre de onde veio sua ideia para criar o horror de A Dança

da Morte:

Penso que o verdadeiro ímpeto para escrever A Dança da Morte surgiu com

o vazamento químico-biológico ocorrido em Utah. Aquela substância —

parecida com o Agente Laranja, só que é mais mortal ainda — vazou e

matou um rebanho de carneiros porque o vento soprava de Salt Lake City

para o descampado. Num outro dia qualquer, se o vento estivesse soprando

de outra direção, poderia ter envenenado Salt Lake City e tudo teria sido

muito diferente.(MILLER, 1990. p. 21)

2.2.3.2 – 10 anos de muito trabalho

A década de 80 foi aquela com o maior número de obras publicadas de King. A

década foi tão produtiva e tão diversificada, que o número final chega a quase dois romances

por ano, número exorbitante para os padrões de qualquer escritor. Nesse período produtivo,

King produziu dezesseis romances, entre estes cinco como Richard Bachman, duas coletâneas

de contos e um livro de não ficção chamado Dança Macabra15

. Tendo-se isso em mente,

exemplificar o horror em King dessa década terá uma abrangência muito extensa, por isso

15

Em Dança Macabra King fará um aparato de tudo o que ele conhece por horror, passando pelos livros,

quadrinhos e alcançando os filmes; entretanto, terá, primariamente, enfoque principal em três décadas

especificas, de 60 a 80. Mas o interessante do livro é descobrir as aspirações do escritor, e como ele as atribui

com o passar do tempo.

31

31

seremos limitados a falar apenas daqueles assuntos que nenhum de seus livros anteriores

trataram, mostrando assim como King trata o horror desse período.

2.2.3.2.1 – O melhor amigo do homem

Para os homens, o cão é considerado o melhor amigo do homem, contudo, advindo

da mente de um escritor de horror, o que se deve esperar não é um cãozinho que irá nos

esperar na porta após o trabalho, e sim um cão com instinto assassino, capaz de pensar como

um humano e agir como um animal.

É possível dizer que essa breve divagação seja o exemplo perfeito do livro Cujo

(1981). Aqui o horror será mostrado sob a forma daquilo que mais confiamos, e que acaba por

nos trair de uma forma extremamente pessimista. Mesmo King diz que a idéia de matar o

garoto não estava planejada, ela simplesmente aconteceu. Em uma das entrevista de

dissecando Stephen King, após o entrevistador, durante uma das perguntas, fazer menção que

King é um Deus dentro de seus livros, King dá a seguinte resposta quanto a Cujo:

Recebi muitas cartas sobre o livro Cujo. Nele (mas não no filme) o menino

morre e enviaram-me várias cartas indagando: "Como deixou aquilo

acontecer?" Foi parecido com as coisas que acontecem na vida real. Minha

resposta foi que às vezes as crianças morrem mesmo, morrem no berço, ou

são atropeladas por um carro. Que Deus nos ajude, mas chegam até morrer

por causa de cães. ( MILLER, 1990 pg. 85)

Logo, o que podemos dizer do horror nessa obra, é mais uma vez o real, o medo de

não poder confiar em ninguém, que aquele em quem você mais confia pode ser aquele

carrasco que dará fim a algo que você ama, e em alguns casos, de uma maneira muito

violenta.

2.2.3.2.2 - Você acredita em lobisomem?

O romance mostra o clássico do horror The Wolf-Leader (1904) de Alexandre

Dumas, porém com a mente de Stephen King. É isso que tratará A Hora do Vampiro (2010),

um ser que mata desde animais até pessoas, uma a cada mês, e que será combatido por um

menino de dez anos numa cadeira de rodas, o qual servirá como herói da narrativa.

Por se tratar de um livro que foi primeiramente planejado para ser um calendário, a

obra de King funciona com uma coerência incrível, seu texto flui quase imperceptivelmente

durante os meses que separam os capítulos e, com isso, King conseguiu fazer um personagem

tão clássico da literatura do horror ser adaptado de uma maneira que apenas ele seria capaz de

recriar.

32

32

2.2.3.2.3 – O horror em pequenas escalas

Nos duas coletâneas da década em questão, Tripulação de Esqueletos (2002) e

Quatro Estações16

(1982), diversos contos podem ser usados para exemplificar o que esse

capítulo propõe. Entre eles veremos O Macaco, onde um brinquedo cria vida, tem vontade

própria e seu maior desejo é matar, ou Caim Rebelado, em que temos uma história parecida

com Rage (1977), em que um aluno começa a matar pessoas aleatoriamente com uma

espingarda, retratando o medo doentio da influência em nosso cotidiano. Temos também A

Balsa, em que vemos uma criatura engolir, literalmente, quatro jovens que estavam se

divertindo num rio. O interessante desse conto é o pessimismo que ele traz, pois mesmo o

último garoto tendo chegado à margem é devorado pela criatura, evidenciando, talvez, uma

idéia de não esperança, um medo do onipotente. Ou ainda o conto que trata do medo que

algumas crianças, por vezes alguns adultos, têm de pessoas idosas ou doentes, em Nona: um

garoto de cerca de doze anos vive o dilema de cuidar de sua avó doente em seu leito de morte,

que ele descobre também ser uma bruxa.

Interessante nessas coletâneas é vermos como King emprega o horror com muito

menos palavras que um romance, e ainda assim consegue criar personagens e uma atmosfera

densa que nos conduz a um universo de pitadas de horror que, muitas vezes, superam diversos

romances.

2.2.3.2.4 – A Coisa

É interessante como nomeamos determinado ser como ―aquela coisa‖ quando a

descrição de algo nos foge do que compreendemos como normal. Talvez um termo muito bem

empregado quando tratando dos seres do Dr. Moreau em The Island of Dr. Moreau, de H. G.

Wells, ou do monstro em O Médico e o Monstro, de Stevenson, do mesmo modo, a obra de

King A Coisa (2006) se encaixa com perfeição nesse significado.

O que temos nesse segundo épico, e considerado pelos fãs o melhor de seus livros, é

a apresentação de um monstro que causa o terror numa pequena cidade quando os

protagonistas do romance são ainda crianças, e anos depois quando eles achavam já ter

destruído a criatura, ela volta a aterrorizar a pequena cidade, forçando as antigas crianças a

travar mais uma vez uma batalha contra esse ser que os atormenta.

A Coisa é considerada a principal obra de King por Spignesi e Michael Collings,

ambos autoridades em Stephen King, além da grande maioria dos fãs. Essa também é a obra

que retrata o fim da era ―monstro‖ de King, pois a partir desse romance ele irá tratar muito

16

Diferent Seasons no original.

33

33

mais do horror psicológico do que do visual. Com isso, o épico do autor retrata o medo

instintivo do ser inominável, aquela coisa bizarra que parece uma aranha gigante em conjunto

com a imagem de um palhaço para atrair suas vítimas:

Em seu colossal épico, King brinca com múltiplos personagens, cronologias

paralelas e sobrepostas, um diabólico desfile de monstros. Além de diversos

temas socioculturais complexos. Estes incluem a infância e o

envelhecimento, o abuso infantil, o abuso conjugal, a homofobia, a inveja, a

natureza da existência, a eterna natureza do bem e do mal, o poder da fé, a

verdade e o amor. (SPIGNESI, 2003 PG.22)

Como se vê, mais uma vez King abraça assuntos do cotidiano para dar uma visão

mais abrangente à obra. Passando por variados temas e situações, o autor explora a psique de

cada personagem para nos levar ao horror que cada um vivencia, proporcionando assim uma

experiência muito mais focada do caminho que o escritor nos conduz.

2.2.3.2.5 – Bipolaridade

A Metade Negra17

(1989) trata da história de um escritor, Thad Beaumont, que

resolve ―matar‖ seu pseudônimo, George Stark, devido a alguns problemas. Porém, o que ele

descobre após uma cirurgia em que cirurgião descobre um olho dentro de sua massa cinzenta,

olho esse que seria um irmão gêmeo recessivo, é que seu pseudônimo não quer morrer, e

agora ele tem um corpo capaz de fazer atrocidades para ―viver‖ novamente.

O que vale dessa obra para este estudo, é o teor psicológico que King expõe na obra,

ao apresentar algo que em seu primeiro estágio existe apenas na imaginação de Beaumont,

entretanto seu pseudônimo era seu maior sucesso e ele se eleva a um nível além do controle.

Assim, a obra causa o terror em sua escala mais psicológica, o medo de perder o controle, o

medo de não poder mais controlar aquilo que você criou, e a criatura se tornar contra você,

tornando-o refém de sua criação, algo como Frankenstein, de Mary Shelley.

2.2.3.3 A era do horror psicológico

Após cerca de 20 anos explorando o horror em diversas escalas do inimaginável, a

década de 90 será aquela em que King irá explorar, mais intensamente, o horror psicológico

real, onde não necessariamente um ser sobrenatural irá assustar, e sim situações da vida,

situações que podem realmente ocorrer, e isso, sem dúvida, pode vir a assustar muito mais do

que vampiros, lobisomens e fantasmas.

17

The Dark Half no original

34

34

O interessante é que o próprio autor revela isso. Ele agora quer tirar os leitores da

zona do conforto, aquele lugar onde você sabe que não existe nada daquilo, para uma área

onde o que ocorre, em alguns de seus livros, pode realmente vir à tona:

Quando eu escrevo, eu quero assustar as pessoas, mas há um certo elemento

de conforto para o leitor, porque eles tem consciência todo o tempo de que é

somente uma fantasia. Vampiros, o sobrenatural e tudo o mais. Mas estes

últimos dois livros [Eclipse Total e Jogo Perigoso] tiram as pessoas da zona

de segurança e isso, de certa forma, é ainda mais assustador. Talvez isso

pudesse acontecer. (KING, in SPIGNESI, 2003 p. 107)

O que as duas obras da citação irão tratar é, principalmente, de pessoas perigosas.

Em ambos os livros o horror é completamente real, sem praticamente nenhum artifício

sobrenatural além da imaginação do escritor. Esse artifício tornará as obras desse período

extremamente perturbadoras, e farão o leitor pensar se não há um assassino estreitando entre

seus conhecidos.

2.2.3.3.1 Viagem no tempo

Uma das premissas dessa obra é a idéia do que acontece com nosso passado e o que

aconteceria se nos deparássemos com ele. O conto Langoliers do livro Depois da meia noite

(1990) narra exatamente isso, após um grupo de tripulantes de uma aeronave passar por uma

fenda dimensional e acordar no meio do voo percebendo que a grande maioria dos

passageiros simplesmente sumiu, vendo-se num impasse a respeito do que fazer. Logo, o

avião é pousado por um dos sobreviventes, que também é piloto, em um pequeno aeroporto

em Bangor. Porém, o que eles não sabem é que onde eles estão na verdade é o passado, e logo

criaturas nominadas como Langoliers virão para apagar o que eles estão vivenciando.

O que torna a obra tão aterrorizadora é a fusão de horrores que ela traz, o psicológico

onde os sobreviventes têm que contar com a ajuda de um psicopata18

e a idéia de que irão

sumir junto com o passado se não voltarem rapidamente, além do visual, quando percebem

seus inquisidores se aproximando como carrascos.

2.2.3.3.2 Coisas Necessárias

Trocas Macabras19

(1991) tratará do horror de uma forma bem peculiar. Após o

aparecimento de um homem em Castle Rock que pode conseguir qualquer coisa a um mísero

18

Os personagens que completam a equipe são um capitão de aeronave, uma paranormal, um espião, um

violinista judeu e um psicopata, interessante heterogeneidade de personagens que nos leva a pensar a relação

sociocultural que King pode ter tentado passar no conto. 19

Needful Things no original

35

35

preço, além de uma pequena atitude maléfica por parte daquele que comprou, a história se

desenrola.

O horror causado aqui consiste no medo do que seu próprio vizinho poder fazer por

algo que deseja, é um medo íntimo de cada um. Quem nunca teve medo daquele vizinho que

não fala com ninguém do final da rua, ou daquele que poucas vezes aparece em casa e poucos

da vizinhança o conhecem? Entretanto, em Trocas Macabras, o medo supera essas

peculiaridades; ele vai de encontro com aquilo que as pessoas podem fazer para adquirir um

bem pessoal, aquém do que a política de boa vizinhança pode sugerir e além do que a

sociedade pode aceitar como sendo um bom comportamento porta-a-porta.

Esse é mais um exemplo da fase psicológica de King. Mesmo colocando elementos

sobrenaturais, a obra tem como enfoque a traição por parte daqueles em quem, supostamente,

deveríamos confiar, e nos traz mais uma vez o horror de que não podemos fugir, o horror de

nossa segura vizinhança.

2.2.3.3.3 Saco de Ossos

O interessante nessa obra é descobrir qual é o enfoque principal, ou melhor, se há um

principal. Indaga-se se devemos dar maior atenção à assombração que parece consumir Mike

Nooman, ou à batalha contra o poderoso e cruel Max Devore.

Na trama, um renomado escritor está sofrendo com a morte de sua esposa, e há

quatro anos ele já não consegue escrever. Então, resolve voltar a sua antiga casa onde conhece

uma bonita moça que está sendo atormentada pelo pai de seu ex-marido, o qual está tentando

tirar sua única filha. Ao mesmo tempo, Nooman começa a perceber coisas estranhas em sua

casa quando os ímãs de sua geladeira formam a palavra ―OLÁ‖. Após uma excursão em seu

sótão, logo uma trama de assombração e uma batalha que Nooman trava contra Max Devore

se desenrolam para um final surpreendente.

O que nos vale nesse livro é a fusão entre horror sobrenatural e real, e como ambos

são tratados de maneira semelhante, para levar o leitor mais uma vez para fora de sua zona de

conforto.

2.2.3.3.4 – Divina providência

A idéia da existência ou não de Deus na literatura do horror não é muito difundida,

ao menos não diretamente, apesar de várias vezes termos personagens que utilizam o artifício

divino. Porém, a obra de King, À espera de um milagre (1996), trata John Coffey de uma

maneira tão benevolente, mesmo sendo acusado de estupro e assassinato de duas meninas, que

36

36

Spignesi o compara a um avatar de Cristo, avatar esse que nos tem vigiado desde sua morte há

dois mil anos.

A história trata de John Coffey, um grande homem negro que é acusado por um

crime que, aparentemente, cometera, e agora está condenado à morte na cadeira elétrica.

Porém durante seu período no corredor da morte, Coffey realiza pequenos milagres com suas

mãos, mostrando um poder sobrenatural a todos, um poder benevolente que torna tanto

aqueles que leram, ou os que apenas assistiram à adaptação cinematográfica, propensos a sair

transformados após a leitura.

Mas o que há de horror nessa obra fica muito mais suspensa do que olhos não

perceptíveis podem ver: o horror aqui é o da morte eminente, o poder de não controlar o que

está por vir, o inevitável fim a que qualquer ser humano está propenso: a morte, seja ela justa

ou não.

2.2.3.4 – Um retorno às origens e uma aventura épica

Os últimos dez anos de King foram tanto uma viagem pelo passado como uma

aventura por novas terras, principalmente a fantasia. Nessa década, King escreveu seu maior

épico, contendo sete livros e mais de duas mil páginas, intitulado A Torre Negra (2004) 20

‖,

uma aventura em que ele irá explorar um novo mundo criado por ele mesmo e tendo como

idéia o mundo J. R. Tolkien (O Senhor dos Anéis).

Durante esse tempo serão vistos diversos elementos já consagrados do autor,

entretanto, a maioria dessas obras foi escrita após o acidente em que King quase perdeu sua

vida. Logo, alguns personagens, como o menino em O Apanhador de Sonhos, serão um

reflexo dele mesmo. Assim, o escritor irá nos proporcionar mais uma dose do que ele serve de

melhor, o terror.

2.2.3.4.1 – Mais um conjunto de terror

Em mais uma coletânea de contos, King irá viajar em seu próprio mundo de fantasia

mais uma vez nos brindando com o melhor do gênero. No entanto, um dos quatorze contos

que formam esse livro retrata um terror explorado de forma magnífica em Poe com seu conto

O Enterrado Vivo, em que o escritor narra a curta história de uma pessoa que acorda após já

20

Mesmo sendo uma das principais obras de King, esta obra não será abordada nesse capítulo, principalmente

por se tratar principalmente de uma aventura e não do terror a que está sendo o foco do estudo. Entretanto não

é possível deixarmos totalmente de lado a aventura de Roland pelo mundo fantástico de King, pois ela retrata a

busca do homem pelo seu destino, e as peripécias que acarretarão sua busca. Além disso, A Torre Negra será

referenciada em diversas obras do autor, e essas referências cruzadas serão de grande valia para um estudo

mais aprofundado do escritor.

37

37

estar sepultado e vive seus últimos momentos enclausurado dentro de sua própria cova, tema

esse posteriormente explorado várias vezes, mas nunca com o mesmo teor.

Poe diz não haver maior pesadelo do que ser enterrado vivo, mas o que ele diria

sobre sofrer uma autópsia enquanto está vivo nunca iremos descobrir. E é exatamente isso que

King trata no conto Sala de Autópsia 4.

Howard Cottrell foi declarado morto pelo médico legista e se encontra em uma mesa

de autópsia. Entretanto, o que os médicos não sabem é que ele continua vivo, vendo, ouvindo

e, o pior de tudo, sentindo tudo o que toca nele. Sem dúvida, esse é um conto extremamente

aterrorizante para qualquer um, e King irá mesclar tanto o medo da morte como o medo de

permanecer vivo, fornecendo ao leitor um banquete da melhor espécie do gênero.

A história é contada com tanta realidade e o terror de Howard é comunicado

de forma tão eficaz que ela nunca falha em perturbar os fãs que já tiveram a

oportunidade de lê-la. Para mim, é uma das histórias mais assustadoras de

King. (SPIGNESI, 2003 p. 183)

2.2.3.4.2 Não atenda o Celular

Em sua investida no universo dos zumbis, King irá usar como artifício um objeto que

praticamente todos possuem e usam hoje em dia, o celular.

A obra Cell (2006) narra a história de um artista gráfico chamado Clay Riddell, que

após um tempo sem produzir nada de bom consegue emplacar um bom projeto. Feliz com a

boa perspectiva, Clay sai para tomar um sorvete e o horror começa: um tipo de vírus se

espalha por todos aqueles que estavam usando o celular naquele momento e Boston se

transforma num filme de George Romero em poucos instantes.

O teor principal de obra é, segundo Luiz Antonio Guiron, a maior sátira de Stephen

King quanto ao consumismo, e não seria menos que isso. A obra transborda de informações

contra os padrões que a indústria coloca, e nos faz repensar o porquê de comprarmos tudo o

que nos é mostrado. O horror se faz exatamente por esse tema. Assim como Romero, King

usa um ser sem mente própria, que nesse caso é dominado por algo para causar o terror

naqueles que sobreviveram, e assim providenciar uma sociedade utopicamente livre do

consumismo.

2.2.4 Por fim, o que é realmente o horror em King?

Sinceramente pode-se dizer que não há como estereotipar King com um único rótulo,

não é possível dizer que ele escreve sobre apenas um determinado assunto e fica preso àquilo,

38

38

e é possível dizer que esse capítulo pode mostrar isso. A obra do autor é tão extensa que

mesmo grandes estudiosos do escritor, como Stephen J. Spignesi, George Beahm, Stanley

Weater e Hank Wagner, por exemplo, não conseguiram montar um livro abrangendo todas as

obras de King, e mesmo que tentassem é possível dizer que não conseguiriam, a não ser que

fosse uma enciclopédia inteira dedicada ao autor.

Suas obras abordam temas já escritos por muitos, e alguns muito bem, diga-se de

passagem, porém King conseguiu juntar muitos assuntos, praticamente todas as lendas

ocidentais, e algumas orientais, do passado e quem sabe do futuro, viajou por temas que são

tabus da sociedade, como sexo, drogas, homofobia, entre outros, e fez tudo isso no maior

interesse em causar o medo nos leitores. E mesmo assim, mesmo tendo esse gênio propenso a

assustar, o autor possui diversos amigos, e um deles é Mick Garris um famoso diretor

(Psicose 4 e Desespero) e colega de King. Eis o que ele afirma sobre o escritor:

Poucos sabem como King é alegre, com um jeito de criança, leal e generoso.

Eu o chamo de ―El Queso Grande‖ ou ―La Grande Fromage‖, pois ele

realmente é o grande queijo. Ele é hilário, um cara ótimo para conversar, e

seu tamanho esconde a doçura de seu coração. (SPIGNESI, 2003 p. 341)

Tendo essa imagem que Garris cria de King em mente, parece ser difícil acreditar

que ele escreve tudo aquilo para nos assustar, mas é a mais pura verdade. King pode ser um

grande homem fora dos livros, porém, dentro deles, o generoso Stephen King deixa sua

generosidade física, e coloca em prática a generosidade que mais nos interessa, a da

criatividade.

Logo, pode-se dizer que esse capítulo completa, mesmo que parcialmente, o universo

próprio de Stephen King. Foi mostrado dentro de suas obras o que o denota como escritor de

horror, e quais elementos e temáticas que o autor usa para escrever com o intuito de nos

assustar e nos abrir os olhos. Então, para terminar este capitulo, fica a frase do Dr. Michael

Collings, famoso estudioso sobre as obras de King atualmente, e muito respeitado no cânone

mundial como doutor em literatura norte americana: ―Willian Shakespeare foi o Stephen King

de sua geração‖ (SPIGNESI, 2003 p. 344).

2.3 OS FINAIS NÃO CONVENCIONAIS DE UM CRIADOR DO MEDO.

Nos capítulos anteriores discutimos o que é literatura de horror, a trajetória dela na

história da literatura mundial, e quem a faz hoje em dia. Exemplificamos com os autores mais

39

39

famosos de cada época e traçamos um paralelo das várias formas de horror presentes nas

obras em Stephen King.

Enfim, chegamos ao foco principal desta monografia. Nas próximas páginas será

analisado o modo como Stephen King trata seus livros, como ele nos faz viajar pelo mais

obscuro dos sentimentos, o medo, e mesmo assim continua a angariar cada vez mais fãs por

todo o mundo. Será proposta uma análise mais profunda das obras que serão usadas como

exemplo, A Maldição do Cigano, de 1984, escrito com o pseudônimo de Richard Bachman, e

O Cemitério, de 1983, e assim fazeremos uma análise dos finais nada convencionais de tais

obras, finais esses que são uma das características principais do autor, além da característica

de tratar o leitor como um carona em um carro esporte, conduzindo-o da maneira que o autor

deseja.

Após essa análise, faremos uma pesquisa quanto às características da literatura de

horror presente nas obras, e faremos também um paralelo quanto à influencia desses livros e

do autor no futuro da literatura de horror mundial.

Para tanto, antes de analisarmos os finais característicos de uma grande parte das

obras do mestre do gênero atual, vejamos o que seria um final padrão, onde podemos

encontrá-lo, e quais as suas características.

2.3.1 O final padrão

Em grande parte das vezes em que estamos chegando ao final de um livro, um filme,

uma peça teatral, ou até mesmo uma novela, o que esperamos da resolução da trama é um

típico final feliz, aquele final em que o protagonista e os ―mocinhos‖ vencem e o inimigo, o

antagonista, o vilão, pagam por sua maleficência. Tem-se em mente aquele típico final de

conto de fadas, aqueles romances românticos com o casal ficando junto mesmo contra todas

as adversidades que são colocadas em seu caminho em direção ao éden da felicidade. Essa

característica é facilmente encontrada tanto na literatura brasileira como na norte-americana e

mundial. Como exemplo, temos aqui no Brasil Senhora, de José de Alencar, A Moreninha, de

Joaquim Manuel de Macedo e Memórias de um Sargento de Milícias, de Manoel Antônio de

Almeida; na literatura norte-americana podemos usar Sidney Sheldon, O Outro Lado da

Meia-Noite e Charles Dickens com Oliver Twist para representar uma pequena parcela da

gigantesca gama de obras em que essa característica é utilizada para, literalmente, causar o

que o leitor mais espera no final da, às vezes, longa leitura.

40

40

Houve um período na literatura, e uma literatura inteira em si, que utilizaram esse

artifício com grande ênfase. Esse período foi Romantismo, principalmente primeira e terceira

gerações, e a utilização do folhetim21

foi de grande importância para isso. Esse estilo de

escrita teve grande impacto nos contos românticos, pois, mesmo tratando de diversos gêneros

literários, ele era visado para um público mais abrangente. Assim, o final convencional foi

muito explorado por esse estilo, principalmente pelo apelo positivista e os temas aos quais era

constantemente associado. Importante ressaltar que foi nesse estilo de obra que grandes

escritores publicaram suas obras-primas, como José de Alencar, Machado de Assis, Lima

Barreto, além do criador de A Moreninha, que é considerado o exemplo de folhetim mais

popular do Brasil.

Porém, a literatura que possui com maior voracidade essa característica de final

agradável ao leitor é a literatura infantil. Inegavelmente, essa é a área literária com o maior

apelo ao conceito de que tudo deve dar certo no final, como Chapeuzinho Vermelho, de

Charles Perrault, O Patinho Feio, de Hans Christian Andersem e Alice no País das

Maravilhas, de Lewis Caroll. Esses são alguns exemplo do, sem dúvida, maior acervo de

obras com esse tipo de encerramento. É certo que pelo menos a grande maioria dessas obras

não é apresentada em sua forma original. Vejamos um trecho de um estudo feito acerca da

obra ―Chapeuzinho Vermelho‖:

A imagem de uma menina ―inocente‖ e encantadora sendo engolida por um

lobo deixa uma marca indelével na mente. Em ―João e Maria‖, a bruxa só

planejou devorar as crianças; em ―Chapeuzinho Vermelho‖ o lobo engole

realmente a avó e a menina. ―Chapeuzinho Vermelho‖, como a maioria dos

contos de fadas, possui muitas versões diferentes. A mais popular é dos

irmãos Grimm, na qual Chapeuzinho e a avó voltam a viver e o lobo recebe

um castigo bem merecido. Na versão de Perrault a obra termina quando o

lobo responde a ultima pergunta dizendo: ―São para te comer melhor‖ – e

pronunciando estas palavras, atira-se sobre capinha vermelha e a devora.

(BETTELHEIM, 2010, p. 3 e 4)

Logo, é possível dizer que a literatura infantil será aquela que mais utilizará o recurso

em estudo, proporcionando ao leitor um verdadeiro conto de fadas.

Entretanto, o que não se pode dizer é que essa característica seja de posse única aos

romances e a literatura infantil, pois inegavelmente será neles a maior incidência, porém, não

podemos caracterizá-lo de uma única forma. Não é necessário que haja um “felizes para

sempre” no final da obra para a caracterizarmos como final feliz, visto que qualquer final que

21

Numa forma dividida, os folhetins trabalhavam com prosa, ficção e romance de uma maneira diferente dos

livros, eram caracterizados por serem lançados separadamente em periódicos de jornais e revistas, se tornaram

uma grande febre mundial e auxiliaram o Brasil a se adequar aos moldes europeus.

41

41

conceda ao leitor uma visão positivista da obra após seu clímax final pode ser citado como

parte desse gênero. Nesse molde mais geral, nenhuma área da literatura escapa, mesmo dentro

da ficção e do terror, I Am Legend, de Richard Matheson e War of the Worlds, de H. G. Wells,

esse último, mesmo contrariando o que todos esperavam quando a raça humana consegue

vencer os alienígenas, são grandes exemplos disso. Logo, é de grande relevância que citemos

a ficção e o horror nessa breve análise. Acima citamos algumas obras de ficção cientifica,

agora, aos moldes do terror podemos dizer que, tanto The Loving Spirit, de Daphne du

Maurier quanto Hellraiser, de Clive Barker são exemplos característicos de finais agradáveis

ao leitor padrão. Uma grande curiosidade é que nem mesmo Stephen King, conhecido por

suas obras muitas vezes pessimistas, escreveu alguns livros com esse tipo de final. Zona

Morta tem como cena final John Smith, o protagonista da obra, conseguindo desmascarar o

futuro causador da terceira guerra mundial, Greg Stillson, e impedindo que o mundo entrasse

em colapso. Mesmo com a sua morte o final tem seu tom de benevolência, o mal maior foi

evitado e isso é o suficiente. Desse modo, o mestre do horror moderno acabou,

inescapavelmente, criando um final feliz em certas obras, mas apenas algumas.

Partindo de livros para duas áreas em que esse estilo de final será muito utilizado,

temos o cinema e a televisão. Será nele que veremos clássicos da literatura como

superproduções, e irão proporcionar ao leitor, nesse caso telespectador, o que ele deseja.

Nessa área veremos grandes obras que estão guardadas desde sempre na história da cultura

mundial. Para uma pequena exemplificação pode-se citar E o Vento Levou, da obra homônima

de Margareth Mitchell e Doutor Jivago, da obra homônima de Boris Pasternak. Em resumo, o

cinema e a televisão serão um grande proliferador de romances com finais de proeminência

feliz.

Pode-se dizer, então, que um dos principais fatores para a utilização desse artifício

seja de que nossa sociedade já tem defeitos e problemas demais, que, ao menos na ficção,

nossos bons sentimentos se realizem em plenitude, que o bem vença o mal, e que tudo termine

bem, talvez mascarando um verdadeiro problema, problema esse que será encarado de frente

por diversos autores. Esses mostrarão que a realidade nem sempre é aquela dos livros, e que

muitas vezes a criança não é salva por um milagre, e acaba morrendo, mesmo contra a

vontade do leitor.

2.3.2 Por que as pessoas gostam do terror?

42

42

Não se pode dizer que King seja o maior escritor a usar esse artifício em suas obras,

mas pode-se sim, dizer que ele usa tal característica de maneira majestosa, sua história se

desenrola com todo o intuito de transformar meras letras em um filme sem imagens, apenas

com a imaginação do leitor, e o carrega por um caminho escuro até sua cena final, até o ponto

em que o leitor deseja não ter lido tal coisa, deseja fielmente voltar alguns minutos e não ler

aquele capítulo final, aquela cena e momento final que precede o pessimismo proposto na

resolução da trama.

E é nesse momento que nos perguntamos por que as pessoas leem isso, por que

lemos algo tão macabro, tão pessimista, algo tão relacionado à nova aversão a coisas ruins,

mas que, ao menos dentro dos livros, nos causa uma sensação de prazer, nos faz regurgitar

tudo aquilo que está preso dentro de nós e parece que saímos mais leves após a leitura – ou

mais pesados, dependendo de como se interpretou a obra.

Talvez possa ser chamado de sádico ou macabro, entre diversos outros adjetivos, o

tipo de pessoa que gosta desse tipo de leitura, ou possamos a apenas chamá-lo de realista, ou

como a escola que King segue, naturalistas, pois o leitor que aprecia obras de terror tem em

mente que nada daquilo existe, todos os monstros, fantasmas, vampiros, espectros, enfim,

todas as criaturas que aparecem nesse estilo de obra são completamente fictícios. É possível

sentir medo enquanto se lê, mas depois que se pega o livro e o encosta na cabeceira da cama,

tudo volta ao normal. Você volta, vê se seus filhos estão dormindo, checa as janelas, ou seja lá

o que você faça após a leitura, mas simplesmente aquele mundo que estava no livro ficou lá, e

você volta ao mundo real.

No prefácio do livro Sombras da Noite (2008), enquanto King se apresenta e

apresenta os contos do livro que será lido, ele faz uma breve introdução ao tema medo, o

porquê das pessoas lerem isso e o que ele considera a respeito:

Depois de a pergunta sobre por que você escreve essas coisas ter sido

respondida, surge outra que a acompanha: Por que as pessoas leem essas

coisas? O que faz com que vendam? Essa pergunta leva consigo uma

suposição oculta, e é a suposição de que gostar de histórias sobre o medo,

sobre o terror, não é lá muito saudável. As pessoas que escrevem para mim

muitas vezes começam dizendo, ―Imagino que você vai achar que sou

estranho, mas eu realmente gostei de A Hora do Vampiro‖ ou

―Provavelmente sou mórbido mas adorei cada página de O Iluminado‖.

(KING, 2008, p. 14 e 15)

Não deveria ter sido tão longa essa especificação quanto ao medo das pessoas, mas,

na verdade, ainda faltaria muito a falar sobre isso, na verdade isso daria outra monografia bem

43

43

extensa: ―o medo como forma de prazer na literatura‖, chega até a ser um titulo chamativo,

mas é possível dizer que esse pequeno trecho conseguiu dar uma boa especificada quanto a

quem lê esse tipo de literatura, e por que seus finais, tantas vezes reprovados por seu

pessimismo, são cada vez mais apreciados por não só esse gênero de leitor, mas por leitores

ao redor de todo o globo.

Vamos, portanto, analisar as obras que farão parte deste estudo. Sem mais espera,

iniciemos com a análise de A Maldição do Cigano.

2.3.2.1 A Maldição do Cigano

Uma história publicada na USA Today em novembro de 2000 trazia o

seguinte título: ―A juventude da América: Obesos que Continuam

Engordando‖. Dentre a pletora de sugestões para que os jovens obesos não

se tornassem adultos obesos, ser amaldiçoado por um cigano não constava

na lista. (SPIGNESI, 2003 p. 167)

Assim começa a analise de Spignesi quanto ao livro A Maldição do Cigano, Thinner

no original, de Stephen King. A obra irá tratar de um assunto em alta nos meios de

comunicação, um assunto muito visto pela organização mundial de saúde, e que reivindica

discussões por todo o planeta, a obesidade. Segundo a Organização Mundial das Nações

Unidas, a obesidade é considerada o maior problema de saúde mundial da atualidade. Afirma

inda que ela não escolhe as ―vitimas‖, não há diferença étnica ou classe social, tem base

hereditária e é constituída de um estado de má nutrição devido a um distúrbio na divisão dos

nutrientes.

Ainda que digamos que esse assunto está mais do que discutido, o que todos já

sabem, King nos mostra a obesidade por um molde que, para aqueles que chegaram ao fim do

livro, seria preferível continuar obeso. Ao mesmo tempo, ele condena esse mal mundial com a

ajuda da crítica sociológica que o assunto traz e, é claro, o final da obra representa o que de

mais pessimista pode acontecer com aqueles que se perdem no caminho da procura não

vitalmente incorreta para a cura.

Ainda que alguns de nós veja esse assunto apenas pelo pedestal da magreza, e

acharmos que o escritor que fala tão malevolamente sobre assunto deva ser considerado um

herege por não ter sofrido na pele o dilema, King mais uma vez se mostra diferente, visto que

ele vivenciou isso, e como ele mesmo disse, ele não poderia deixar de falar sobre o assunto.

Depois que eu comecei a perder peso, não pude evitar me sentir ligado a este

assunto. Há uma frase no livro sobre como nossa versão da realidade

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44

depende de como vemos nosso tamanho físico. Comecei a pensar sobre o

que poderia acontecer se alguém começasse a perder peso e descobrisse que

ele não podia parar22

. (SPIGNESI, 2003, p. 169)

Deixando um pouco o tema principal da obra e partindo para ela em si, é interessante

dizer que esse foi um dos livros que King escreveu com seu pseudônimo Richard Bachman,

em sua estréia ele vendeu cerca de 28 mil cópias, um bom número para um escritor sem nome

como era Bachman. Entretanto, após Stephen King revelar ser o autor da obra – seria melhor

dizermos que ele foi descoberto –, ela, automaticamente, vendeu mais de 280 mil cópias,

desencadeando um comentário extremamente infeliz de um membro do clube do livro: ―Esse

romance é o que Stephen King escreveria se ele soubesse escrever23

‖ (BEAHM, 1998, p. 228)

Mesmo com o comentário completamente infeliz ele acaba por elogiar o escritor. O

que podemos dizer dessa obra é que King conseguiu reunir mais uma vez uma discussão

popular a um de seus romances. É claro que a seu modo, mas isso não tira o título de obra

preocupada com seu meio, e aplica um forte golpe naqueles que o leem apenas por distração,

um golpe de realidade, pois o que ele relata tem de sobrenatural apenas a maldição, todo o

resto é pura realidade, realidade essa retratada subjetivamente pelo autor.

2.3.2.1.1 – Resumo da obra

A obra trata da história de Billy Halleck, um advogado substancialmente gordo, que

possui 111 quilos no começo do livro, e que acaba por atropelar uma velha cigana quando sua

esposa, Heide Halleck, está proporcionando a ele um, nunca antes feito, prazer sexual

enquanto ele está dirigindo.

A morte da cigana acaba por indiciar Billy por assassinato, porém, seus amigos, o

juiz Cary Rossinton que está presidindo o tribunal e o Policial que atendeu o atropelamento

foram coniventes a favor de Billy. A cidade não gostava nada dos ciganos e todos se

conheciam, o que fez com que, injustamente, Billy fosse considerado inocente das acusações.

Mal sabia ele que seria melhor ter sido condenado, pois já que a justiça não fez o seu dever, a

velha maldição cigana a fará, e a fará da pior maneira que Billy Halleck gostaria de pagar.

Após a saída do tribunal, o velho Taduz Lemke, pai da cigana morta, encosta no

rosto de Billy e diz uma única palavra ―Emagrecido‖ e essa será a válvula propulsora da obra.

A partir desse momento, Billy começa a emagrecer demasiadamente rápido e, não importando

o quanto coma nada o faz engordar, nem mesmo o acompanhamento médico o ajuda: ―Este é

22

Trecho de uma entrevista com Douglas E. Winter em Stephen King: The Art of Darkness. 23

Tradução livre do autor.

45

45

o problema da medicina moderna: coisas como ‗Maldições de Ciganos: Etiologia e Patologia‘

não são coisas que se ensinam na faculdade‖ (SPIGNESI,2003 PG.168). Nesse momento

Billy gostaria que tal medicina acreditasse e que tivesse uma cura, mas ele sabe que não, e

começa a perseguir a única pessoa que pode salvá-lo, o velho Taduz Lemke.

Em sua longa caçada, onde ele conta com a ajuda de um gangster chamado Richard

Ginelli. Billy acaba por encontrar o velho, e o mesmo, apenas após Ginelli causar uma grande

destruição em sua caravana, resolve tirar a maldição de Billy. Mas, para isso, Billy precisaria

passar essa maldição para outra pessoa. Billy sofrerá com sua escolha final, sofrerá mais do

que gostaria mais uma vez, e inocentes pagarão por seus pecados. Mas isso será analisado

mais a frente.

2.3.2.1.2 Personagens

O verdadeiro talento de King não está somente em evocar lobisomens e

vampiros, mas está na sua capacidade em capturar a essência humana das

pessoas reais; personagens complicadas e honestas que frequentemente se

encontram em situações extraordinárias e terríveis. (SPIGNESI, 2003 p. 346)

O elenco de A Maldição do Cigano é formado por um grupo bem heterogêneo, desde

os típicos adolescentes norte-americanos e a população muito comum de uma cidade pequena,

até o grupo de Taduz Lemke e seus ciganos. Pode-se dizer que com essa miscelânea de

personagens a trama deveria se revelar um pouco confusa, mas King consegue aliar as

características de cada personagem para um bem maior dentro da obra e a transforma em mais

um de seus bestsellers.

Como personagens principais teremos, além de Billy Halleck, sua esposa Heidi

Halleck, o chefe cigano Taduz Lemke e o mafioso amigo de Billy, Richard Ginelli. Já os

personagens secundários são inúmeros, mas válidos de uma breve análise teremos Gina

Lemke, o juiz Cary Rossinton e Frank Spourton.

Advogado, com um estável e bom emprego, obeso, devido ao ritmo de trabalho ou

por pura preguiça, e considerado um bom homem por sua mulher, filha e amigos. Essa talvez

seja a melhor caracterização de Billy Halleck antes do ato que será a válvula de início da

trama. Mas, com o decorrer das páginas, o tranquilo Billy Halleck deixará de ser o amoroso

pai e marido e se transformara no caçador incansável de sua recém perdida obesidade.

Pode-se dizer que Billy é um personagem plano com tendência redondo,

principalmente por sua virada de personalidade ao descobrir que sua única cura aconteceria

apenas se o velho cigano retirasse a maldição. De outro modo, ele emagreceria até a morte;

46

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logo, o que temos é um personagem linearmente comum por uma grande parte da obra e que

muda drasticamente no decorrer dela.

De Billy para sua esposa podemos notar uma diferença considerável de

personalidade, Heidi é uma típica dona de casa suficientemente estável que tem como única

mania, mania essa reprovada pelo marido que também a possuía, o ato de fumar, mas o casal

tem uma relação de aceitação do vicio de cada um, Billy não reclamaria de sua esposa fumar,

contanto que ela não reclamasse de seu peso, assim, uma boa convivência é apreciada por

ambos.

Heidi aparece consideravelmente pouco na obra, mesmo tendo sido uma das

principais culpadas pelo atropelamento da cigana, e pode ser analisada como sendo uma

personagem de características estereótipas. Suas atitudes, personalidade e ações são

condizentes com sua classe social e o ambiente que frequenta. Exemplo disso é analisarmos

como ela trata seu marido quando ele está emagrecendo demais, ou como tenta interná-lo por

estar considerando a possibilidade de Billy ter perdido a sanidade, e ainda quando parece estar

traindo Billy com um de seus amigos. Mesmo assim pode-se considerá-la como uma das

principais da obra, visto que Billy a culpa pelo acidente, e essa culpa culminará no final

trágico da obra.

Deixando a família de lado, e partindo para, talvez, o inimigo de Billy, temos Taduz

Lemke, um velho cigano com mais de 100 anos que lançara a maldição em Billy, forçando-o

a correr contra o tempo e contra sua própria perda de peso. Desta vez, o que King nos

apresenta é um personagem plano, sua linearidade no que diz respeito às ações é presente na

história, exemplo disso é como colocou suas maldições e como controla seu bando, com

braços de ferro e muito conhecimento acerca do mundo.

Finalmente encontramos Richard Ginelli, o gangster que auxiliará Billy em sua

caçada. Ginelli é o típico personagem que quase todos os que cresceram assistindo O

Poderoso Chefão, Soprano, entre muitos filmes de Scorcese, poderia contratar para acabar

com um carcamano24

que o está incomodando, e esse será realmente o papel de Ginelli na

obra. Após uns favores no passado, Billy e Ginelli se tornaram amigo, e agora Billy precisa de

sua laboriosa ajuda, e a terá de maneira muito efetiva.

Passando aos personagens secundários, temos Gina Lemke, a bonita cigana que

acabará por matar Ginelli após ter sido sequestrada pelo mesmo para forçar Taduz a retirar a

maldição; o Juiz Cary Rossinton que servirá como elo de ligação de Billy com a idéia da

24

Segundo o dicionário, Carcamano significa pessoa oriunda da Itália pertence a alguma máfia ou ligada a

algum tipo de crime. No caso do livro, Carcamano representa o cigano e sua maldição.

47

47

maldição por também ter adquirido um tipo de casca de lagarto após o velho Taduz

amaldiçoá-lo; e Frank Spurton, o homem que parece estar tendo um caso com Heidi Halleck,

sendo que o livro deixa essas insinuações bem efetivas durante as ligações de Billy.

2.3.2.1.3 Tema

Como tema central da obra tem-se a busca incansável de Billy Halleck para a cura da

sua ―doença‖. As peripécias que o protagonista irá enfrentar para provar que sua moléstia não

é nada cientificamente existente e sim uma maldição, algo fora dos padrões do conhecimento

humano, que irá matá-lo se aquele que produziu a maldição não a retire em tempo. Toda a

obra terá como ação inicial a morte de uma velha cigana, neta do grande chefe do grupo e a

falsa inocência do protagonista. O livro fará um entrelace entre as atitudes de uma pessoa

psicologicamente abalada e como a sociedade ―coesa‖ o vê daquela maneira. Maldição não é

algo real, isso todos sabem, mas para Billy isso é diferente, a maldição existe sim, e se ele não

encontrar logo alguém que o ajude, suas forças não serão suficientes para enfrentar seu grande

rival.

2.3.2.1.4 Implicações para o desfecho da obra

Após sabermos qual é o final da obra, podemos fazer a seguinte pergunta: como o

autor conseguiu chegar lá e apresentar algo tão decepcionante para aqueles que aguardavam

um final feliz? Quais foram as ações que impulsionaram Billy a chegar em seu pessimista

final? São perguntas que tentaremos responder nesta seção, e com base nelas poder traçar o

impacto das ações de Billy para seu desfecho.

Seguindo a cronologia do livro, pode-se dizer que a primeira cena em que sua

influência será auxiliadora para o final da obra acontece quando Billy, apesar de estar com

menos dois quilos segundo a balança do banheiro, percebe que sua cintura está maior do que o

de costume, pois foi necessário fazer esforço para fechar o zíper da calça. Essa cena pode não

parecer algo muito grande, ou algo que teria influência predominante para seu desfecho, mas,

segundo (Tavares, 2009)

A consequência mais evidente da obesidade é a discriminação, que leva a

desenvolver a depressão, a ansiedade, o isolamento e a fobia social. De

acordo com o psicólogo Maurício Wisniewski, os obesos se sentem mal por

serem observados. Ele os considera transgressores por não compartilharem

da padronização estética da sociedade. ‗Você não vê obesos satisfeitos em

participarem de eventos, de terem uma vida social pública. Ninguém acha o

obeso bonito.

48

48

Após esse dado podemos dizer que Billy tem uma chance de adquirir uma doença

relacionada à obesidade, é claro que esse dado não pode ser generalizado, poís é de

conhecimento geral que esse estudo abrange apenas uma parcela da população obesa,

contudo, seu problema de saúde está no começo do estado mórbido, e esse fato será de grande

importância para a resolução da trama.

Avançando um pouco na narrativa podemos ver, após um breve período de felicidade

por finalmente estar perdendo peso, um Billy que começa a ficar preocupando, pois o

emagrecimento acelerado e sem paradas começa a preocupá-lo a ponto de, forçado por sua

esposa, procurar ajuda médica. Ato esse que apenas agrava a situação, pois o doutor Houston,

médico encarregado por seu caso e amigo de Billy, mesmo parecendo surpreso com a

afirmativa de ele ter perdido 15 quilos em três semanas, diagnostica que aquilo é comum, que

por vezes o corpo dá uma guinada em direção ao emagrecimento, mas logo estaria pesando

seus 111 quilos novamente. Billy se acalma por um tempo, mas logo perceberá que não é bem

assim:

Tudo parece ótimo – repetiu Houston – Podemos fazer mais alguns exames

se você quiser, Billy, mas não vejo motivos para isso, pelo menos não por

enquanto. Aliás, seu sangue está melhor do que nos dois exames anteriores.

O colesterol está baixo e também os triglicerídeos. Perdeu mais algum peso

– a enfermeira anotou 97,7 esta manhã -, mas o que posso dizer? Você ainda

tem 15 quilos a mais do que o peso normal e não quero que se esqueça disso,

mas... – Ele sorriu. – Bem, eu gostaria de saber qual o seu segredo. (KING,

2001, p.40)

Realmente não havia segredo algum. Logo após os exames, e mais uma vez Houston

não constatar nada de anormal, a preocupação de Billy começa a se elevar, e ele chega a

imaginar que seria melhor se fosse uma doença, que ele tivesse algo e que alguma das drogas

do Doutor Houston pudesse curá-lo; que antes fosse um câncer, doença com a qual ele se

torna um pouco obsessivo durante a procura por respostas; mas que houvesse uma resposta.

Mas não havia, ao menos nada dentro dos padrões da realidade, e nesse ponto da obra Billy já

começa a acreditar na maldição, tanto que começa a pesquisar, e durante sua pesquisa vai ao

encontro do Juiz Cary Rossington.

Para a surpresa de Billy, ao chegar na casa de Cary, ele encontra a esposa do Juiz,

bêbada, e psicologicamente abalada. Ela lhe diz que Rossington não está, que foi viajar e

voltaria dali a alguns dias, mas Billy não fica satisfeito e tenta invadir a casa à procura do

Juiz. Abalada, Leda Rossington pergunta a Billy se ele considera ter sido os ciganos a fazer

aquilo, e nesse momento Billy começa a acreditar nessa idéia ainda mais. Desconcertado,

49

49

afirma que sim, que podem ter sido eles. Leda diz que Cary está internado numa clínica e que

não sabe quando volta, uma doença está se alastrando em seu corpo, uma carapaça que vem

cobrindo desde o peito até a cabeça, e ela não aguentava mais isso, e não aguentaria se ele

voltasse para casa, que se afastaria dele o mais longe possível. Tudo isso abala

psicologicamente Billy, mas, ao mesmo, lhe dá um caminho a seguir, uma meta a conquistar,

mesmo que essa meta o leve à perdição.

A influência dessas duas cenas para o final da obra é muito considerável. Nos dois

últimos parágrafos, foi possível ver como a mente de Billy está perturbada. Primeiro, a

resposta negativa da medicina e, em seguida, a idéia de uma maldição advinda de alguém

além de seu conhecimento de mundo. A situação estava começando a ficar fora de controle e,

antes que não houvesse mais tempo, Billy resolve partir em direção à cura, partir em direção

ao seu único possível salvador, o pai da mulher que ele matou, o velho Taduz Lemke. O

trecho abaixo faz parte da carta que Billy deixa a Heidy antes de sair de casa. A carta retrata o

atual estado de Billy, e o quanto ele já se encontra perturbado com a situação a ponto de

deixar sua casa e partir nessa improvável caçada.

Querida Heidi,

Quando ler isso, já terei ido. Não sei exatamente para onde e não sei ao certo

por quanto tempo, mas espero que, ao voltar, tudo isto esteja encerrado. Este

pesadelo que temos vivido. Michael Houston está enganado, Heidi –

enganado em tudo. Leda Rossington realmente me contou que o velho

cigano – o nome dele é Taduz Lemke, por falar nisso – tocou Cary. Ela

também realmente me contou que a pele de Cary estava transformando-se

em placas endurecidas. E Duncan Hopley estava realmente coberto de

espinhas... uma coisa mais terrível do que você possa imaginar. (KING,

2001, p. 105)

Sabendo que além do Juiz Cary Rossington, o Policial Duncan Hopley, que o

auxiliou no depoimento, também sofre com uma maldição, com espinhas gigantescas

crescendo em seu corpo, Billy se torna cada vez mais abalado, não mais sendo o

despreocupado advogado, mas o muito preocupado pai de família. Billy começa a perceber

que aqueles antes confiáveis amigos não podem mais ser tão confiáveis assim, e aqueles que

para ele estariam sempre próximos não são nem de perto os em quem ele pode confiar. Tendo

em mente isso, e a real possibilidade de, literalmente, sumir, Billy utiliza todos os seus

recursos para encontrar os ciganos. Aluga um carro e contrata um grupo de investigação para

ajudá-lo na busca, mas parece que os ciganos simplesmente evaporavam a cada cidade que

passavam; as pistas eram escassas, e a cada vez mais o estado psicológico de Billy se

agravava. Estava sem forças, e quando finalmente consegue encontrar o grupo, o velho Taduz

50

50

o trata sem misericórdia. Ele não tiraria a maldição por nada que Billy fizesse; seu corpo

emagreceria até não ter mais forças para se levantar, e ele não poderia mais voltar ali ou o

velho cigano tornaria a maldição ainda pior. Esse foi um grande impacto para o advogado,

talvez maior do que a pedrada que ele leva na mão por Gina Lemke que, literalmente, abre um

buraco bem no centro de sua mão.

– Nada disso! – Gritou ele para Billy, sacudindo o punho. – Nada disso,

nunca! Vai morrer magro, homem da cidade! Vai morrer assim!

O velho juntou os punhos e Billy sentiu uma súbita, dolorida pontada nos

lados, como se estivesse entre aqueles punhos. Por um momento ficou sem

pode respirar e era como se todas as suas entranhas estivessem sendo

espremidas.

- Vai morrer magro! - repetiu o velho. (KING, 2001, p. 136)

A esperança de Billy por cura se torna praticamente nula. Ele não tem forças nem

recursos suficientes para se ajudar, seu conformismo está chegando ao ponto de aceitar a

morte, aceitar essa terrível morte, e cada vez mais ele culpa sua esposa, se ela não tivesse feito

aquilo logo naquele momento, nada disso estaria acontecendo, ele estaria em casa comendo e

engordando; mas agora está ali, quando a verdadeira culpada pode estar traindo ele com seu

amigo. Nada daquilo era saudável para Billy, tanto física como psicologicamente, seu corpo e

mente estavam entrando em colapso quando ele lembra do único que poderia auxiliá-lo, o

gangster Richard Ginelli.

E Ginelli vai realmente ajudá-lo. Da sua maneira, o gangster será muito importante

para o clímax da obra. Ele será o responsável pelos seguidos ataques ao acampamento, e

propiciará a Billy a possibilidade de encarar seu amaldiçoador. Contudo, vejamos o que os

atos ilícitos de Ginelli causam em Billy. Logo que ele pede ajuda a Ginelli, Billy diz que não

quer machucar ninguém, mostrando um tipo de consciência, e fazendo com que o leitor quase

chegue a pensar em Billy como um herói. Mas suas ações provam que Billy não é nada disso,

e o que Ginelli faz por ele apenas agrava a situação ao invés de contorná-la. Tudo o que Billy

queria era sua gordura de volta, e ele a terá cobrando muito alto dos ciganos, cobrando mais

do que a morte da velha neta de Taduz, cobrando com a destruição dos carros e do

acampamento dos ciganos. Nesse ponto Taduz já não pode fazer muita coisa, Ginelli tem

muitos recursos e se aquilo continuasse alguém acabaria morrendo. Então, o velho toma a

decisão de tirar a maldição de Billy, mas, ao mesmo tempo, proporcionar a ele um trágico

final.

51

51

- Gina: Tudo bem. Meu bisavô manda dizer que retirará a maldição. Eu disse

a ele que é loucura, pior ainda, que está errado, mas foi firme quanto a isso.

Disse que não deve haver mais sofrimento e mais medo para seu povo – ele a

retirará. Contudo, precisa encontrar-se com Halleck. Não poderá retirá-la

sem esse encontro. (KING, 2001 p. 183

Billy vai ao encontro, e, finalmente, encontra seu destino final. A vingança estará em

seu maior estágio, e isso o trará o pior dos pesadelos de um pai.

O que se pode constatar com esses exemplos é que a obra vai preparando o leitor

para o pior, ao invés das atitudes de Billy irem evoluindo para algo benéfico a ele e a sua

família, elas evoluem de forma negativa, e tudo o que ele causa é mais desgraça para quem se

envolve com ele. Até Richard Ginelli acaba morto, e com isso o final não poderia ser

diferente. A obra acaba como deveria ser, o pecador e os inocentes pagando pelos pecados do

homem que deveria protegê-los, passando de protetor a algoz.

2.3.2.1.5 – O trágico encerramento

Como tem sido o caso com a maioria dos livros de Bachman, A Maldição do Cigano

é história pura. Ele se move como uma casa se incendiando e possui um pessimismo latente,

um final depressivo, inevitável e profundamente irresistível dos livros de Bachman. ―Alguém

precisa fazes o trabalho sujo, certo?‖ (SPIGNESI, 2003, p. 169)

Talvez essa seja uma perfeita adequação do intuito dessa monografia, já que estamos

falando sobre o pessimismo, sobre o que de ruim pode ocorrer em uma obra. Spignesi retrata

com essa citação exatamente o que está sendo proposto, o pessimismo latente e o final

depressivo a que ele coloca se dá devido ao acarretamento de ações de Billy, ações muitas

vezes que o encaminham muito mais à perdição do que a solução de seus problemas.

A fase em que King escreveu essas obras influenciou muito para o derradeiro final

do protagonista, uma fase difícil na vida pessoal de King, com frustrações pessoais e

familiares. Eis um fato muito importante para analisarmos o porquê da escolha desse clímax

final, o horror latente que ele carregou no decorrer da obra é derramado de forma violenta em

sua conclusão, e proporciona ao leitor uma sensação muito forte de tristeza e impotência.

Como diz Ricardo Rabelo.

Apesar de nem o própio ter uma ideia muito clara por que o fez, Stephen

King deu consigo a regressar às suas obras pré-Carrie. A maior parte delas

tinha sido escritas, segundo King, ‗num estado de raiva latente, frustração

sexual, humor incerto e desespero‘. Nessa altura, King não tinha sido um

escritor preocupado com finais felizes e, pelo contrário, transferia as suas

frustrações e dificuldades para as histórias e para os seus finais. Pareceu-lhe,

52

52

de todo, terem sido escritos por uma pessoa completamente diferente.

(REBELO, 2001)

Após o chamado do velho Taduz, Billy parece estar preparado tanto para a cura

como para seu trágico final. O próprio Ginelli diz que o que poderia acontecer no encontro

seja, na verdade, uma emboscada e eles acabariam morrendo. Mas nada disso importa, o

desejo final de Billy está para finalmente ser realizado, e não importa o que ele deve fazer,

Billy não fugiria daquele encontro por nada desse mundo.

Durante a conversa entre Taduz e Billy, o velho cigano impõe uma condição para a

retirada da maldição: ela teria que ser passada para outra pessoa, alguém que herdaria seu

trágico final. Mas Billy não tem muitas duvidas a quem irá dar a torta cigana25

: sua esposa

vem, ao menos em sua mente, traindo-o desde que saiu de casa, e ela teria sido a principal

causadora do acidente; então deve pagar, deve pagar com a própria vida.

Já não podemos dizer que Billy esteja completamente são, toda a caçada, a fraqueza

de corpo e de mente abalou o ex-gordo advogado substancialmente ao ponto de conduzi-lo à

perdição final. Sua ação egoísta de não aceitar o destino acarreta algo ainda pior, acarreta a

morte de toda a sua família e, após considerar isso, também sua própria morte.

A maldição retrata um drama norte-americano muito comum, a obesidade, e o horror

final da obra coloca isso com muita ênfase. A trajetória de Billy arumo à salvação é

acompanhada por perdas inevitáveis, e ações pensadas precipitadamente, mentiras, violência

e, acima de tudo, sede de sangue.

Esta é uma novela de terror implacável e crescente horror, é também uma

alegoria ao pesadelo que está além dos limites da complacência próspera

americana, e onde as responsabilidades das ações humanas, em última

instância, é a mentira. Leia-o e você nunca mais fará uma dieta26.

(stephenking.com, 2010)

A cena que pode ser considerada como o clímax do final da obra pode ser

exemplificada no teor frio e sem remorso a que Billy leva a torta amaldiçoada a sua esposa.

Billy não tem consciência alguma nesse momento, seu desejo por vingança está tão aflorado

que nem mesmo sua caçada pelo velho cigano deteve uma carga tão negativa. O único intuito

após se ver livre de maldição, é fazer sua esposa pagar pelas semanas de sofrimento, pela

queda implacável de peso e pelo tortuoso caminho que ele foi obrigado a fazer praticamente

sozinho até sua salvação. Digno de um ator de Hollywood, Billy encena seu feliz retorno com

25

O título original da obra era pra ser Gypse Pie25

mas foi alterado quando a editora reteve seus direitos. 26

Tradução livre do autor

53

53

um presente para sua esposa, traz uma torta de morango, a preferida de sua esposa, e faz

insinuações para que ela a coma logo, mas não está com fome para acompanhá-la. Toda a

frieza de um psicopata se mostra aqui, não há sequer um mísero sinal de remorso por Billy,

ele não se interessa com o tamanho do sofrimento que ela irá sofrer, a partir daquele momento

seria ele e sua filha apenas, a linda Linda Helleck.

Fica subentendido nesse clímax final que a viagem de Billy à salvação não acabaria

bem. Nada mais parece fazer com que Billy se saia feliz no final, e a única solução para

ninguém mais sofrer seria ele mesmo comer a torta. Mas já é tarde, deitado em sua cama ele

ouve o barulho de pratos e talheres na cozinha, Heidi comera a torta e ele estava livre da

maldição. Mas não foi exatamente como ele planejara, e após ver que sua filha também

comera a torta ele diz o seguinte:

E, como dissera Heidi, ele continuava precisando de todas as calorias que

pudesse consumir. - Coma, companheiro – sussurrou Billy Halleck, no

ensolarado silêncio da cozinha. Então, cortou para si mesmo um pedaço da

torta cigana. (KING, 2001 p. 209)

O trágico final se concretiza e o que resta ao leitor é um sentimento muito forte de

pessimismo. Toda a busca, o enfretamento e as adversidades colocadas contra o protagonista,

mesmo tendo sido superadas, levam-no ao pior dos finais, aquele final que choca o leitor, que

o mostra que nem sempre as coisas dão certo, e como o próprio King afirma, tiram as pessoas

de sua zona de conforto e as levam a seu obscuro universo, onde o bem nem sempre ocorre, e

a realidade é retrata da forma mais depressiva possível, quando, em grande parte das vezes, a

morte é a melhor escolha.

2.3.2.2 O Cemitério

P: Há algo que gostaria de tornar a fazer? KING: Se me fosse oferecida uma oportunidade assim, não teria publicado O

Cemitério. Não gosto dele. É um livro terrível — não em termos de composição

literária, mas ele simplesmente vai se espiralando rumo à escuridão. Ele parece estar

dizendo que nada funciona, nada vale isto, e realmente em nada acredito. (MILLER,

1990 p. 107)

Exatamente na forma representativa dessa citação que O Cemitério (2006) irá retratar

seu horror. O sentimento de impotência, de fraqueza, de que realmente nada vale à pena estará

presente com toda sua força nesse livro. A obra parece ter vida própria e a cada página

carrega o leitor em seu tortuoso caminho de perdição e, assim como A Maldição do Cigano, o

54

54

final dessa novela nos trará o pior dos sentimentos de desalento, de ineficiência da mente

humana, mostrará o quão fácil podemos perder completamente a sanidade e cair na mais

simples das tentações, na, talvez, maior utopia da humanidade: a ressurreição dos mortos.

Essa obra é tão aterrorizante que o próprio Stephen King se recusou a publicá-la de

imediato. Após a experiência que teve com seu filho, Owen, e a morte de Smucky, gato de sua

filha, King teve a idéia de transformar meros pensamentos nessa aterrorizante obra. Sua idéia

estava dividida entre reviver o gato ou o menino, e o livro resultou na fusão de ambos e nesse

clássico do mestre do horror. Interessante é o que fala a sobrecapa do livro da edição

encadernada da Doubleday de O Cemitério, pois King só publicou esse livro devido ao

contrato com sua editora, o que resultou no seguinte comentário:

Poderia Stephen King aterrorizar a si mesmo? O autor de Carrie, O

Iluminado, Cão Raivoso, e Christine teria concebido uma história tão

horrível que ele mesmo não estaria disposto a terminá-la? Sim. Esta é a obra.

(SPIGNESI, 2003 p. 53)

Sim, ele não estava disposto, e não é para menos. O Cemitério irá tratar de um

assunto tabu para qualquer pai e mãe, a morte prematura de um filho. Apenas a idéia de ver

sua progênie morta antes de si, parece ser algo contra a natureza, algo extraordinário, que não

deveria ocorrer mesmo para o pior dos pais. Perder o ser humano que foi gerado, criado e

coberto de carinho, seja por uma doença, um acidente, ou qualquer outro motivo, é motivo de

perda total da capacidade racional para a grande maioria dos casais, alguns por um período de

tempo e outros para o resto de suas vidas.

Quando perguntado a uma família a maldosa indagação se daria sua vida para evitar

a morte de seu filho, a resposta é praticamente unânime, eles dariam qualquer coisa, inclusive

sua própria vida, trocariam de lugar com eles se fosse necessário. Mas e se não houvesse

opção, se simplesmente eles fossem tirados e levados pela única certeza da humanidade, a

morte, qual seria a reação comum, qual seriam as ações dos pais e amigos nesse momento, e

se fosse ainda possível reviver sua descendência, mesmo que quando ela voltasse não fosse o

mesmo, fosse apenas uma casca com outra personalidade, com outra alma? Será esse o pano

de fundo de O Cemitério. Louis Creed não aceita a morte de seu filho, e irá revivê-lo a

qualquer custo, mesmo que esse custo seja a vida de inocentes.

2.3.2.2.1 Resumo da obra

55

55

Louis Creed e sua esposa Rachel se mudam para Ludlow no estado do Maine, onde

Louis exercera seu cargo de médico na universidade local. O casal possui dois filhos, Ellie e

Gage, além do gato de sua filha, Church27

.

Logo no começo da obra a família Creed conhece seus únicos vizinhos próximos, o

velho casal Crandall, e em pouco tempo Jud Crandall se torna amigo de Louis e os dois

passam longas tardes e noites juntos bebendo cerveja e conversando.

A trilha atrás de sua casa causa inquietude na pequena Elie, e a menina pergunta ao

senhor Jud aonde leva aquele caminho. Jud diz levar ao ―Cemitério de Bichos‖, e que um dia

a levaria lá. Tanto a família quanto Jud vão ao ―Cemitério de Bichos‖ alguns dias depois e

Ellie sofre um pequeno ataque de pânico com a idéia de morte, idéia essa reprovada

veementemente por sua mãe sem motivo aparente. Depois ficamos sabendo que Rachel sofreu

muito com sua irmã quando era pequena. A menina tinha uma rara doença na espinha que

fazia ela ficar cada vez mais transformada. Seu corpo estava cada vez mais ficando em forma

fetal devido à doença, e no dia de sua morte, era Rachel quem estava com ela.

Louis recebe um telefonema urgente de Matherton, informando que um jovem

sofrera um gravíssimo acidente há pouco tempo. Seus amigos o levam para a enfermaria já

semimorto. Sua cabeça está aberta e uma das enfermeiras deixa a sala devido ao estado

deplorável em que se encontrava o garoto. Seu nome era Victor Pascow, o garoto acaba por

morrer, e Louis encara aquilo com um presente de ―boas‖ vindas.

Ao deitar naquela noite Louis tem um terrível sonho com Victor, sonho esse que ele

descobre ter sido real. No sonho, Victor passa um tipo de mensagem a Louis, pedindo que o

mesmo não ultrapasse o cemitério de bichos, que fique longe daquele maldito lugar.

Durante o dia de Ação de Graças, período que Rachel e as crianças estavam com os

pais de sua esposa em outra cidade, Church morre e Jud leva Louis ao cemitério MicMac

para, sem Louis saber de nada, renascer o gato. Mesmo sem saber o que estava acontecendo,

Louis enterra o gato e os dois conversam no retorno para casa.

Na manha seguinte o gato estava lá. Para a incredulidade de Louis o gato voltara,

mas agora estava diferente, não era mais o adorável gato de sua filha, mas sim um animal

completamente diferente, frio, fedorento e estranho. Até mesmo Ellie começa a reclamar do

gato, e Louis pensa não ter sido uma boa idéia.

Algum tempo depois Gage sofre um terrível acidente e acaba vindo a falecer, morte

essa que causa o caos no casal. Ambos desconsolados sofrem no enterro do filho, enquanto o

27

Os nomes do casal Creed e de seus filhos fazem referencias bíblica., Creed é fé em inglês e Rachel é uma

personagem bíblica, além do gato de Ellie se chamar Church, igreja em inglês.

56

56

pai de Rachel diz que Louis é o culpado pela morte de seu neto. O enterro passa e Rachel com

Ellie são enviados à família de sua esposa para passarem um tempo lá. Nesse meio tempo

Louis começa a ter a absurda idéia de ressuscitar seu filho, assim como fez com Church, e ele

irá fazer isso não se importando com o preço que terá de pagar.

2.3.2.2.2 Personagens

O Cemitério é uma das obras com o maior número de personagens pessimistas em

praticamente todas as obras do mestre, superior, talvez, apenas os épicos Dança da Morte e A

Torre Negra, a obra é tão carregada de personalidades adversas que o leitor se vê no

emaranhado de uma trama onde a menos provável atitude se torna, em questão de pouco

tempo, a melhor escolha, e torna esse romance, segundo o próprio King, a mais pessimista de

todas as suas obras.

Louis Creed é um médico recém-chegado na cidade, tem o que podemos chamar de

uma vida estável, um bom emprego na universidade local, uma esposa e dois filhos. Seu novo

ambiente de trabalho parece retratar exatamente o que ele queria quando se mudou para uma

cidade pequena, paz e tranqüilidade. Sua personalidade é meio fria e podemos classificá-lo

como um personagem plano com tendência a redondo. Suas ações parecem ser de um norte-

americano comum, mas no decorrer da história sua personalidade é moldada e ele se torna o

oposto do que se espera.

Uma pesquisa realizada pela revista VEJA sobre o perfil psicológico dos médicos

mostra que uma boa parcela dos entrevistados afirma estar descontente com seu emprego.

Adicionam ainda que são mal remunerados e que a carga horária de serviço excede às 70

horas semanais. Pode não ser o caso de Louis no momento, mas os dados podem representar

seu desejo em se mudar da grande cidade para morar em Ludlow, a vontade de fugir na rotina

exacerbada de sua profissão e viver tranquilamente. Mas, como a obra retrata, era melhor ter

ficado com o stress normal de sua profissão.

70% dos médicos brasileiros são homens, 65% têm menos de 45 anos, 90%

definem a profissão como desgastante, 56% têm três ou mais empregos, 43%

dão plantões semanais de 12 a 48 horas, 49% estão vinculados a planos de

saúde, que pagam, em média, 25 reais por consulta, 52% ganham menos de

6.000 reais mensais, 8,5% recebem mais de 12.000 reais por mês. (NEIVA, 2004)

Tendo esses dados, e já conhecendo King, podemos ter uma idéia das atitudes de

Louis no decorrer da obra. Sua racionalidade e conhecimento de mundo serão enfrentados, e

tudo o que ele aprendeu na universidade será jogado por água abaixo; ele descobrirá que há

57

57

como trazer alguém da morte, mas o preço por esse conhecimento é sobrenatural, é fora de

sua crença no evolucionismo, e essa contestação será imprescindível para seu terrível final.

Rachel Creed é o arquétipo de personagem presente em grande parte dos romances

da literatura mundial. Seus pais são ricos e esperavam que ela se casasse com um ―bom

partido‖. Entretanto, ela contraria seus pais e se casa com um estudante de medicina que, na

época, não tinha onde cair morto, mas agora pode dar uma vida confortável a Rachel. Mesmo

assim, Louis não é aceito pelos Goldman.

Rachel passou boa parte de sua infância convivendo com sua irmã, psicologicamente

insana, Zelda. A menina possuía meningite raquidiana28

, e Rachel acreditava que Zelda sentia

raiva dela. Os pesadelos com sua irmã eram constantes e o trauma dela nunca foi curado,

apenas amenizado com o tempo.

Assim como Louis, Rachel parece esconder uma aura negativa, talvez por seu

passado, ou pela vida conturbada devido a seus pais. O autor a coloca como alguém tão frio

quando Louis, alguém que será levado ao caminho da perdição, e agirá como elo de segurança

de Louis no decorrer do livro.

Ellie é uma menina comum na idade dos ―Porquês?‖ seu primeiro encontro com a

morte é mal visto por Rachel, e ela agirá como papel principal na trama, pois devido à morte

de seu gato que tudo irá se desenrolar e a história será levada a seu tenebroso clímax. Gage

pode ser visto como um personagem que existe apenas para dar o toque macabro da obra. O

amor que seus pais têm por ele é colossal e devido à fusão desse amor e da irracionalidade

que se consegue o maléfico final dessa novela.

Church, o gato de Ellie, é considerado um dos personagem principais da obra, pois,

além de sua morte ocasionar o nó da história, ele é a figura terna da infância de Ellie. A

menina ama o gato e isso serve para Jud acreditar que deve ressuscitá-lo como agradecimento

por Louis ter salvado sua esposa.

Jud Crandall terá função prioritária para o desfecho da obra. Suas características

típicas de um idoso, já aposentado, com sua esposa que sofre devido à artrite, numa pequena

cidade chega a ser estereótipa, mas se engana quem analisa Jud apenas por essas

características aparentes. O velho homem esconde uma atmosfera própria de frieza, ele

esconde segredos de Louis e os revela apenas depois que as ações começam a fugir de seu

controle. Nesse momento já é tarde demais.

28

Meningite raquidiana é uma inflamação do tecido que envolve o cérebro e a medula espinhal. O inchaço pode

prejudicar ou destruir as células nervosas e causar sangramento no cérebro. (SCHOENSTADT, 2009)

58

58

Pode-se ver Jud como o causador do mal, mesmo que inconscientemente. Nada

daquilo que levou Louis a tomar sua drástica decisão foi planejado por Jud, as coisas que

fugiram do controle. Gage morrera, e agora ele tinha de cuidar do homem por quem tem tanto

carinho.

Mesmo tendo aparecido poucas vezes durante a obra, não podemos deixar Victor

Pascow de fora dessa lista. Após sua morte, e visita pós-vida a Louis, Victor agira como

Johanna Noonam de Saco de Ossos. Suas aparições acontecem sempre em momento de

dúvida dos Creed, aparece tentando evitar que a família caia na perdição e ainda possa se

salvar. Interessante como King usa um personagem sobrenatural na trama e consegue

envolvê-lo tão bem na história. Victor funciona como um agente apaziguador que não pode

tocar naqueles a quem ajuda. Todo o seu papel na trama se vê enrolado no fio invisível da não

crença do sobrenatural, e assim, Pascow se torna, mesmo após morto, o porto da possível, mas

não concretizada, salvação de Louis.

Há vários outros personagens que tem importância na obra, como por exemplo Irvin

Goldman, pai de Rachel, que poderá ser um tipo de obstáculo para a felicidade plena de

Rachel devido a sua aversão a Louis; Steve Masterton que ajudou muito a Louis quando o

mesmo não pode trabalhar por um tempo e Zelda Goldman, irmã de Rachel, que terá função

muito importante por ser o grande trauma de Rachel na infância. Após vermos a função de

cada personagem dentro da obra, vejamos do que se trata O Cemitério.

2.3.2.2.3 Tema

O tema central de O Cemitério é a mudança repentina da psique de uma família

devido a um fatídico acontecimento, a morte do filho menor do casal. Toda a correlação que a

obra faz desde seu começo, com o ataque de pânico de Ellie no ―Cemitério de bichos‖, depois

a morte e ressurreição de Church e o evento que dá combustível à obra, a morte de Gage, com

a alteração emocional e psíquica de Louis e Rachel funcionarão como a teia principal que os

acontecimentos terão como base.

Todas as ações funcionarão como um caminho de perdição para Louis, até mesmo

algo que serviria como alívio de uma futura briga conjugal, a morte do gato, age de maneira a

preparar o leitor para o horror final, para o terrível ato de Louis.

Tem-se na obra todo um entrelace religioso. Os nomes de alguns personagens e do

gato têm base religiosa, além da ideia adversa de religião e ressurreição – aqui um tema

severamente discutido pelos intelectuais, a religião e a vida após a morte –, e a utópica idéia

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59

de ressurreição tão usada na literatura do horror para assustar29

e surpreender o leitor. Mesmo

se tornando um clichê mundial dessa literatura, o tema revela-se extremamente eficaz em

King, e nos faz sentir medo a cada página virada, a cada momento que o leitor percebe que o

único final provável para Louis, advindo da mente psicótica de um mestre como Stephen

King, seria algo mais do que a inevitável morte.

2.3.2.2.4 Implicações para o desfecho da obra (XXXX)

Por que essa, dentre uma coletânea de mais de sessenta romances de horror, é

considerada a obra mais assustadora segundo King, e como o mesmo conseguiu alcançar esse

status tão negativo para a obra, serão apenas algumas perguntas a serem estudadas a seguir.

Veremos como o pacato médico Louis Creed se transformou em um ser completamente

insano e assim conseguiu transformar uma família relativamente feliz em um conglomerado

de monstros, sendo que o mais assustador dentre eles não sejam os mortos-vivos e sim o

criador deles.

Enquanto lê O Cemitério, o leitor pode sentir que a obra ruma para um caminho cada

vez mais sombrio, a cada página pode-se constatar que aquilo não acabará bem, que caso

Louis não seja sensato em seu mais poderoso momento de desespero, a história só terá um

caminho a seguir: a destruição de todos. Logo, conforme a cronologia da obra, vejamos os

momentos principais a que farão referência para o nada convencional final, e analisemos cada

momento para ser possível traçar um cronograma do por que dessa obra alcançar seu clímax

tão obscuro.

O romance não teria o terrível desfecho se, primeiramente, Jud não tivesse

apresentado o ―Cemitério de Bichos‖ para a família Creed. Pode-se dizer que a influência da

visita ao local teve grande importância para o desfecho de Louis, e a atmosfera envolvida

nesse breve passeio já dá pistas importantes do que está por vir, e o leitor observador já

consegue perceber isso. A ideia de um cemitério para animais, em si, já é um pouco

perturbadora, e todos os bons momentos da criança com o animal e seus sentimentos são

colocados em prova. Pode-se dizer que esse tipo de encontro com a morte pode vir a mexer no

subconsciente da criança e assim causar um tipo de trauma. Se não fosse apenas o local e a

atmosfera do lugar, há ainda o ataque de pânico de Ellie, e a desaprovação agressiva de

Rachel quanto ao assunto depois que chegam em casa. Esse primeiro momento da família

Creed pode ser visto como um ensaio do que viria a seguir. Louis promete à filha que Church

não morreria, não agora, e essa ação será muito importante para as atitudes futuras de Louis.

29

ver Frankenstein de Mary Shelley

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60

Seguindo, temos a cena da morte de Victor Pascow, nada incomum para um

profissional preparado para isso. Louis deveria estar acostumado com a ideia da morte, mas

parece que naquele momento o médico se sentiu desarmado, nada que seus anos da faculdade

ensinaram poderiam salvar aquele menino, ou explicar o que aconteceu. O garoto diz:

— O solo do coração de um homem é mais empedernido, Louis —

murmurou o moribundo. — Um homem planta o que pode... E cuida do que

plantou.

Louis, ele pensou, nada ouvindo de forma consciente depois do próprio

nome. Oh, meu Deus, ele me chamou pelo nome. (KING,2006 p. 57)

Essa mensagem do garoto já é uma referência ao que irá acontecer. Esta é a primeira

vez que Victor tenta ajudar Louis, fazendo menção com que o médico não ultrapasse os

limites, que cuide do que tem e não tente obter algo acima do que um humano deve possuir,

que um homem deve conceber apenas aquilo com que tem forças para cuidar, que não tente

obter nada além de suas possibilidades, pois o que vem com aquilo que não se pode suportar é

peso demais para, assim como diz Victor, o solo do coração de um homem.

Após esse incidente, Louis se vê um pouco abalado, sua mente pergunta como Victor

sabia seu nome, e o que ele quis dizer com aquela frase. O médico chega cansado em casa e

resolve deitar. Enquanto dorme, sonha com o garoto. Victor Pascow está encostado na porta

de seu quarto. Ele quer levar Louis a um lugar, o médico levanta, achando ser um sonho, e vai

até o ―Cemitério de Bichos‖ com ele. Lá Victor diz: ―A porta não deve ser aberta‖. Diz ainda

que Louis está próximo de perder tudo o que ama, e que não deve atravessar aquele ponto. O

médico acorda atordoado com o grito de Gage e quando se levanta vê que seu corpo está

cheio de lama. O sonho não tinha sido tão irreal assim.

Essa cena é de grande importância para o futuro desastroso dos Creed. Victor,

mesmo aparecendo como um espectro, algo como o pai de Hamlet, age como um protetor. Ele

quer que Louis seja forte, prenuncia um desastre e diz que o protagonista não deve atravessar

aquele ponto, que além dali o peso do que se planta é maior do que se pode carregar. Mas aqui

Victor está colocando em cheque um dos princípios básicos da humanidade, a curiosidade, e

essa curiosidade causará o terror final da obra.

— A porta não deve ser aberta — disse ele. Tinha os olhos voltados para

baixo porque Louis caíra de joelhos. A princípio, Louis tomou a expressão

de seu rosto por compaixão. Mas não era absolutamente compaixão, apenas

uma espécie medonha de paciência. Ele apontou a pilha de ossos que se

moviam. — Não ultrapasse este limite, doutor, por mais que tenha vontade

de fazê-lo. A barreira não foi feita para ser violada. Não esqueça: há mais

61

61

poder aqui do que o senhor imagina. Isto é um lugar velho e está sempre

inquieto. Não esqueça! ( KING, 2006, p. 65)

A obra segue com a morte de Church. Eis aqui o fato que fundamentará as ações de

Louis após a morte de Gage e concederá ao livro seu desfecho. No dia de Ação de Graças,

Rachel recebe um convite de sua família para passar o feriado na casa de seus pais. Como

Louis não tem uma convivência amigável com a família de sua esposa ele decide, mesmo com

o protesto da mulher, ficar em casa enquanto ela e os filhos vão passar a data festiva com os

pais de Rachel. Antes da viagem, Ellie deixa bem claro para Louis como cuidar de Church.

Louis aceita as ―exigências‖ de Ellie e deseja boa viagem.

Interessante lembrarmos que, antes da cena em questão, Louis salvara a vida da

esposa de Jud quando, durante uma festa na casa dos Crandall, a esposa de Jud sofrera um

ataque cardíaco. Graças ao rápido atendimento de Louis ela foi salva, e Jud se sente em dívida

com o amigo.

Pode-se dizer que nesse momento da trama acontecerá a maior influência de Louis

para seu remate final, quando Jud diz que Church está estirado na grama em frente a sua casa,

e seria interessante que Louis viesse constatar a situação do gato. Ao chegar, Louis percebe

que o animal estava morto, havia sido atropelado por um dos caminhões que passavam na

estrada em frente a sua casa, situação complicada para Louis. Como ele explicaria para Ellie

que seu gato havia morrido? A menina havia tido um ataque de pânico com a idéia da morte

alguns dias atrás e Jud sabia do ocorrido. Além disso, Louis havia prometido que nada

aconteceria ao gato, que ele viveria até ela ficar velhinha, mas agora ela teria de entender. Isso

se Jud não interrompesse o curso normal das coisas e usasse seu conhecimento do cemitério

para reviver o animal.

Jud leva Louis para enterrar Church no ―Cemitério de Bichos‖ e Louis, mesmo

achando um pouco estranho, acata a decisão. O caminho para o local até onde eles foram pela

primeira vez parecia diferente, estava mais tortuoso, mais difícil passar pelos lugares, e ao

chegarem no Cemitério de Bichos Jud surpreende Louis dizendo que eles iriam um pouco

mais acima dessa vez. Victor Pascow vem na mente de Louis, Victor e seu conselho para não

atravessarem aquele local, mas Louis ignora tais pensamentos e segue adiante. O caminho é

extremamente difícil e Louis tem dificuldade para subir a íngreme encosta. Além da

dificuldade, Jud e Louis começam a ouvir um barulho diferente, como um ruído alto no meio

da mata, mas nada pode deter os dois. A cena parecia uma via sacra para Louis, enquanto Jud

caminhava sem problemas.

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62

Ao alcançarem o topo da encosta, Louis se depara com um grande clarão no topo do

lugar, onde há um tipo de símbolo feito com pedras ao redor, e ali Jud pede que Louis enterre

o gato. Mas Louis deveria fazer aquilo sozinho. Jud não fala nada durante a ação de cavar de

Louis. O solo é pedregoso e difícil de abrir buracos. Após uma cansativa luta com a terra,

Louis consegue enterrar o gato e eles retornam para casa.

Achava que, ao menos superficialmente, pensara no sonho com Victor

Pascow, o sonho terrível que acompanhara seu episódio de sonambulismo.

Mas não viu qualquer ligação entre aquela caminhada noturna e Pascow.

Achava que toda a aventura do enterro de Church fora perigosa, não num

sentido melodramático, tipo Wilkie Collins, mas de um modo muito real.

(KING, 2006, p. 101)

Nada parecia completamente correto nas atitudes de Jud do dia anterior. Louis

parecia um pouco aturdido com a situação e vai deitar, pois a caminhada havia sido realmente

cansativa. Ao acordar e descer as escadas até a cozinha Louis toma um grande susto: Church

está lá, fitando os olhos de Louis, parado no meio do cômodo. Milhões de perguntas

permeiam a mente do médico e diversos pensamentos vem a sua mente, como, por exemplo,

de que o gato não estava realmente morto, afinal ele não era veterinário, ou qualquer outra

coisa que pudesse responder o porquê de Church estar ali. O gato renascera, assim como nos

filmes de Romero com os humanos zumbis, Church estava ali. Após um breve período de

adaptação, Louis vai à casa de Jud para receber respostas, e Jud conta sua história e de seu

velho cachorro, que o cemitério pode trazer o animal de volta à vida. Quando a fatídica

pergunta de Louis quanto a alguém ter feito isso a algum humano foi feita, Jud fica

perturbado, derruba um copo e nega veementemente. No fim, aquilo poderia ser bom, afinal

Ellie não sofreria com a idéia de morte e tudo poderia ficar bem.

Esse momento pode ser encarado como o marco inicial da perdição de Louis. É claro

que Jud não imaginava que o garoto iria morrer tão cedo, pois como qualquer pessoa Jud tinha

a idéia de que um filho deve morrer sempre depois de seus pais, e que a morte de um filho,

ainda mais quando criança, é o maior dos castigos que um casal pode receber. Jud, não

intencionalmente, com a atitude de ressuscitar o gato gera o final funesto para o romance, e

nos guia para a mente obcecada de Louis.

Podemos ainda dizer que apenas o encontro de Louis com o sobrenatural já o tenha

influenciado psicologicamente de maneira muito forte. Louis é um médico; logo, um tipo de

cientista. São raros os casos de médicos que acreditam em algo sobrenatural, visto que eles

estudam a natureza das coisas e com isso têm uma concepção de que o que nasce aqui morre

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63

aqui e não há nada alem disso, que não existem anjos, demônios ou ―entidades‖, que tudo se

resume ao real. Com isso, e a atitude que desmente todos os preceitos que estudou tantos anos

para adquirir, a psique de Louis começa a se abalar, e o levará, devido à trágica situação que

virá a seguir, a seu derradeiro final.

Veremos em seguida que Louis não iria ficar muito feliz com a ressurreição do gato,

pois Ellie reclama constantemente do mal cheiro que Church possui agora e parece que o

animal está agindo diferente, não mais o carinhoso gato, mas um animal selvagem. Ellie

chega ao ponto de pedir ao pai que tire Church de sua cama, local onde o gato dormia, e

dúvidas pairam pela mente de Louis. Parece que aquilo não era certo, Louis analisa que

aqueles que voltam não são como antes. Assim como Jud havia falado, eles retornam como se

tivessem outra personalidade, como se fossem outros seres vindos de um lugar que Louis

imaginava não existir.

O momento que caracteriza toda a histeria da mente de Louis acontece quando,

durante um piquenique, Gage começa a correr em direção à auto-estrada. Louis pressente o

perigo e pede que o garoto volte, mas Gage ignora, imaginando estar num tipo de brincadeira,

e continua correndo. Ao longe Louis escuta o barulho de um caminhão se aproximando e

corre em direção ao filho, gritando e mandando que o garoto volte, mas Gage continua, e

parte para seu destino final. Louis corre o máximo que consegue mas apenas toca o casaco do

filho perante a morte eminente. Gage é fatalmente atropelado por um caminhão da Orinco e a

família entra em colapso.

Durante o enterro do filho, como se não bastasse à situação em que se encontravam,

Louis é acusado pelo sogro da morte do filho. Os dois chegam a ter uma briga durante o

enterro onde o pequeno caixão de Gage cai revelando um de seus bracinhos. Rachel está

paralisada, em casa, sem ter o que falar. Jud ajuda em todos os preparativos, e durante todo o

enterro, os amigos de Louis pedem para ele ser forte, pois Rachel precisava dele naquele

momento. Mas como ser forte em um momento como esse é a pergunta que paira no ar, a

mente confusa de Louis começa a ter a terrível idéia de fazer com Gage o que fizera com

Church.

A idéia exercia uma atração fatal. Havia um equilíbrio lógico que era

impossível negar. Church fora morto na estrada; Gage fora morto na estrada.

Lá estava Church (diferente, é claro, até mesmo desagradável sob certos

aspectos), mas lá estava ele. Ellie, Gage, Rachel, todos mantinham um

relacionamento bastante razoável com o gato. Ele matava pássaros, certo, e

virava alguns camundongos pelo avesso, mas matar pequenos animais era

coisa normal num gato. Church de modo algum se transformara num gato

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64

Frankenstein. Sob muitos pontos de vista, era tão bom quanto antes. (KING,

2006, p. 180)

Após o enterro, Louis pede que Rachel passe uns dias com seus pais fora da cidade,

que aquilo seria interessante para acalmar e começar a entender o que havia ocorrido. Rachel

está muito abalada e aceita o pedido do marido, mas Louis diz que irá em seguida, arrumará

uma coisas e irá depois. Tudo isso como plano para desenterrar seu filho e trazê-lo de volta.

A obra caminha para um único final, a perdição da família Creed, sobretudo pelas

atitudes de Louis perante a morte de seu filho e todas as contradições que as ações colocam

perante suas crenças, Louis se vê como uma criança descobrindo as utilidades de um novo

brinquedo. Sua aventura começará agora e acabará apenas com a vinda de um monstro e a

inevitável destruição do que Louis ama.

Assim como o livro estudado anteriormente, O Cemitério traz ao leitor um

sentimento profundo de pessimismo, mais uma vez a idéia do sobrenatural agindo como

artefato para os atos de um homem sem qualquer resquício de sanidade. Tudo se molda para

levar o leitor ao horrendo final, onde tanto os leitores como o próprio Stephen King se

contorcem ao lerem algumas partes desse terrível entrelace. Mais uma vez aquele que devia

ser visto como o protetor se torna o carrasco e faz as situações que já eram ruins se tornarem

insuportáveis.

2.3.2.2.5 O Trágico encerramento.

Neste momento estou pensando sobretudo no meu livro O Cemitério e numa

cena em que um pai exuma o filho morto. Isto acontece alguns dias depois

que o garoto foi vitimado por um acidente de trânsito, e enquanto o pai está

sentado no cemitério deserto, ninando o filho nos braços, o cadáver cheio de

gases explode em desagradáveis flatos e regurgitações. (MILLER,1990, p. 40)

A cena citada acima retrata a total falta de consciência em que se encontra Louis. Um

pouco antes disso, após deixar sua esposa no aeroporto, Louis começa a programar um plano

para retirar o corpo do filho do cemitério e levá-lo ao MicMac para trazê-lo de volta. Compra

os equipamentos necessários para o ato e parte para sua investida final.

Muito além de um simples choque de realidade, Louis está consideravelmente

influenciado por tudo que lhe é mostrado durante a obra. O caminho que foi percorrido pelo

médico levando-o ao patamar em que agora se encontra foi demasiado intrigante para todos

que chegaram a esse ponto da obra. O final será apresentado de forma tão maliciosa que até

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mesmo o mais acostumado leitor de horror, isso inclui os fãs do grotesco horror de Clive

Barker30

, podem vir a sentir um gosto amargo ao ler o entrelace da obra.

Louis parte para sua derradeira missão de desenterrar o filho, compra equipamentos

para o serviço e invade o cemitério como se fosse um adolescente que foi desafiado pelos

amigos a entrar no lugar à meia-noite. Ao encontrar a lápide do filho, Louis se sente um

pouco nauseado, talvez pelo ferimento que sofreu ao pular o muro do cemitério, mas

consegue desenterrar o filho. Ao pegá-lo no colo, e a descrição na citação acima exemplifica

bem isso, a decadência de sua consciência já está completa, e sua missão já gera frutos. Louis

escapa do cemitério, entra em seu carro e parte para a ressurreição de Gage.

Durante a aventura de Louis, Rachel retornava da casa de seus pais com um carro

alugado a toda velocidade. Ela pressentira algo ruim e corria como louca até Ludlow. Queria

ver seu marido, encosta num posto e liga para casa, ninguém atende e ela torna a ligar, mas

agora para Jud. O velho, aturdido, conta toda a história para ela e diz que ficará de alerta para

que Louis não faça nada que possa se arrepender depois, mas não consegue, pois uma força

invisível e onipotente o faz dormir no exato momento que Louis chega em casa com o corpo

do filho e logo depois segue ao cemitério. Jud acorda, mas já era tarde demais, como ele

constataria em pouco tempo.

Jud Crandall acordou com um estremecimento, quase caindo da cadeira. Não

tinha idéia do tempo que dormira – podia ter sido quinze minutos ou três

horas. Consultou o relógio e viu que eram cinco e cinco. Teve a sensação de

que tudo na sala fora sutilmente mudado de lugar e, por ter dormido sentado,

tinha uma carreira de dores nas costas. (KING, 2006, p. 265)

Louis inicia sua caminhada pela íngreme ladeira até o ―Cemitério de Bichos‖

carregando seu filho em um saco. Chega ao local muito cansado, a primeira vez que fora lá

carregava Gage nas costas e agora o menino era um saco de ossos carregado como se fosse

um instrumento. Imagina que mal conseguiria chegar ao MicMac, e além disso teria de cavar

naquele solo extremamente pedregoso. Mas iria até o fim, nada mais importava e seu maior

desejo era o de que tudo acabasse logo. Ele teria sua família de volta, um pouco diferente,

mas todos estariam lá, felizes como no fatídico dia do piquenique.

Assim como acontecera no dia em que levaram Church ao local, Louis ouve um

barulho que lhe estremece por um tempo, o Wendigo de que ele ouvira falar parecia estar

presente, ali ao lado dele, e ele chega a achar que o monstro está andando muito próximo,

30

Clive Barker é conhecido por representar muito vivamente seus textos. Em suas coletâneas de contos de horror

Livros de Sangue, o autor descreve com muita eficiência suas cenas que vão desde o clássico horror

Lovecraftiano até as sádicas cenas de Snuff Movies.

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66

protegendo o local sagrado a que Louis se encaminhava, e numa típica cena do romance The

Call of Cthulhu, o monstro parece passar em cima de Louis. O terror é tão intenso que Louis

para por um momento e analisa se aquilo poderia ser real, mas levando em consideração que

ele estava levando alguém para ser ressuscitado, qualquer coisa poderia ser real.

Louis parou completamente, atento ao ruído... ao inevitável ruído de

aproximação. Sua boca se abriu, cada tendão que lhe sustentava o queixo

simplesmente cedeu. Era um som completamente diferente de tudo que já

ouvira – um som com vida própria e um som enorme. De algum lugar nas

vizinhanças, e cada vez mais perto dele, os arbustos vinham se rompendo.

Ouvia o estalar da vegetação sob a pressão de pés inconcebivelmente

grandes. O solo de geléia começou a estremecer numa forte vibração. Tomou

consciência de que estava gemendo... (KING, 2006, p. 253)

Louis está extremamente cansado, não ligaria se deitasse ali mesmo e dormisse por

um tempo. Divaga se alguém já tinha visto aquele lugar de cima e o que teria pensado, mas

não importa, havia cumprido o que tinha se comprometido a fazer. Desenterrara e enterrara

seu filho novamente. Quantos pais tiveram a infelicidade de fazer uma blasfêmia dessa não

passa nem pela cabeça de Louis.

Retorna sua trajetória para casa, e logo que chega sente-se completamente exausto,

deita, ainda sujo da lama e dos dejetos do filho, imaginando ouvir um barulho no andar de

baixo. Talvez fosse Gage, mas em seu subconsciente ele acreditava que ainda era muito cedo

para ele voltar, que o mais provável seria durante a manhã, assim como Church. Louis

adormece e quando acorda, ao descer para tomar café, vê um carro em frente à casa de Jud.

Aqui tudo já estava quase concretizado, em pouco tempo Louis enfrentaria mais uma batalha,

e dessa vez seria contra seu filho-monstro e o resto de capacidade sã de consciência que lhe

sobrara.

Enquanto Louis dormia, Gage retorna da morte como um ser inominável. Apenas o

corpo de Gage ainda é o mesmo, o que está dentro do menino agora é algo maligno, algo que

Louis, em seu íntimo, acreditava que poderia acontecer, mas queria acreditar que não. Jud

encontra pela última vez o filho de Louis. O menino primeiramente passa em casa – o barulho

realmente advinha de Gage quando o garoto pegara um bisturi da maleta do pai. Jud se assusta

com o garoto, tenta fugir mas parece que uma força indomável está a favor de Gage, o garoto

se aproxima e mata Jud enquanto seus lamentos escoam por sua mente.

— Oh, meu bom Jesus – Jud exclamou erguendo a mão direita para proteger

o rosto. E então houve uma ilusão de ótica; certamente seu cérebro devia ter

sido atingido porque viu o bisturi de ambos os lados da palma da mão ao

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67

mesmo tempo... mas alguma coisa morna começou a pingar de seu rosto e

ele compreendeu. (KING, 2006, p. 267)

Rachel chega em Ludlow e corre em direção à casa de Jud. Ao entrar fica paralisada,

pois Zelda, sua irmã, estava lá. Ela havia voltado como prometera anos atrás, e agora faria

Rachel ter as costas como a dela. Rachel sofreria como ela sofreu e não havia nada para ser

feito, mas em pouco tempo ela percebe que não era Zelda, que se enganara tremendamente,

era Gage, Gage havia voltado, mas não do jeito que ela desejava.

Gritou o nome do filho e estendeu os braços. Gage correu e pôs-se entre eles

– mas continuava com uma das mãos atrás das costas, como se escondesse

um buquê de flores colhido em algum fundo de quintal — Trouxe uma coisa

pra você, mamãe! — ele gritou. — Trouxe uma coisa pra você, mamãe!

Trouxe uma coisa, trouxe uma coisa! (KING, 2006, p. 271)

Louis acorda e vê Church. Sai de casa, atravessa a rua e vai à casa de Jud, achando

estranho um carro que ele nunca havia visto estar estacionado ali. Era o carro alugado de

Rachel. Lá dentro o clímax final da obra é montado, assim como a batalha de criatura e

criador em Frankenstein, Louis lutaria contra seu filho, e acabaria vencendo. O menino-

monstro é derrotado e tudo se encaminha para um final menos pessimista do que poderia ser.

Ao ver que ―Gage‖ havia matado Jud e Rachel, o resquício de consciência que Louis

poderia ter é consumido, não havia mais nada a perder. Seu filho morrera pela segunda vez e

dessa vez por suas próprias mãos, e por consequência de sua ressurreição sua esposa e melhor

amigo estavam mortos. Numa tentativa final de redenção, Louis pega o corpo de sua esposa

recém-morta acreditando que, diferente de Gage, que demorou para ser levado ao MicMac,

Rachel tinha uma possibilidade de voltar ―normal‖. Tira o corpo de sua esposa da casa e

incendeia a residência.

Steve Matherton, que estava preocupado com os Creed, mais com Rachel para ser

mais direto, estava chegando para visitá-la quando vê a fumaça. Consegue alcançar Louis e o

mesmo está com Rachel enrolada num lençol ensanguentado. Toda essa cena final é mostrada

como se o leitor estivesse vendo apenas flashes, e é interessante como King consegue

transformar a atmosfera nesse momento. Já sabemos o que irá ocorrer, e mesmo assim é

assustador, é horrendo e queremos acreditar que ainda há uma solução, mas não há, tudo

termina em pouco tempo, e da pior maneira possível.

Steve tenta acompanhar Louis na subida para o cemitério, enquanto Louis fala coisas

sem sentido para ele, como enterrar a mulher e coisa do gênero, ele não consegue acompanhar

por muito tempo e logo Louis fica fora de seu campo de visão.

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Louis retorna de chapéu e luvas, esconde as feridas nas mãos e os cabelos brancos,

para responder as perguntas dos policiais. Tudo ainda era muito recente para suposições e

Louis é liberado em seguida. Ninguém imaginava o que havia ocorrido com os Creed. Louis

retorna para casa e finalmente é revelado seu nada feliz destino.

Os passos cessaram bem nas suas costas. Silêncio. A mão fria caiu no ombro

de Louis. A voz de Rachel era um chiado que parecia cheio de terra. —

Querido — disse a coisa. (KING, 2006, p. 287)

Para o leitor não habituado com a ficção de King, e até mesmo para os habituados, O

Cemitério é uma obra-prima do pessimismo. Advindo de uma mente perturbada com a idéia

de publicar a obra, O Cemitério mexe com o íntimo do leitor, faz com que ele se sinta

impotente diante do que ocorrerá, parece não haver salvação para Louis em momento algum

da obra, nem mesmo com as aparições de Pascow, ou Church tendo retornado diferente, faz

Louis parar de traçar sua trajetória, a obliteração de sua alma.

Seu final é completamente previsível, mas mesmo assim o leitor é golpeado com

algo pontudo ao lê-lo. Louis não só perde seu filho, como acaba fazendo-o morrer de novo,

perde sua esposa e melhor amigo, então, finalmente, paga com sua vida por mexer em algo

além do conhecimento humano.

Todas as referências religiosas da obra servem para dar ênfase à idéia do ser

onipotente que rege o mundo, e que ao mexer em algo fora do que nos é dado, ele deve sofrer

as punições. Várias vezes durante a obra King faz referências a uma força impulsionando os

acontecimentos. O motorista que atropelou Gage diz ter sentido vontade de acelerar naquele

percurso, Rachel quase sofre um acidente no retorno para casa que poderia ter evitado o pior,

Jud dorme no exato momento em que Louis chega em casa com o corpo do filho, e o galão de

querosene está aberto bem à mostra quando Louis resolve botar fogo na casa. Assim como

uma corrente, as ações que levam ao final da obra parecem ter sido entrelaçadas, como se não

houvesse o que fazer, estavam todos atados a um poder invisível que controlava tudo, e que

acabou vencendo no final.

2.3.3. Características de Stephen King e suas influências

Dentre tudo o que já foi falado no decorrer desta monografia, e tudo o que se

conhece da literatura de horror mundial, Stephen King se destaca em um ponto, a diversidade.

Essa característica está, sem dúvida, entre as mais importantes do autor. O terror que ele causa

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não são advindos apenas do sobrenatural, como falamos anteriormente, mas aparece em

qualquer lugar e momento, indiferente do que podemos alegar. Sua influência é incontestável

até mesmo no cânone mundial da literatura, e seus escritos perdurarão por longos séculos

como sendo considerado um divisor de águas desse gênero literário.

Stephen King é um divisor de águas na literatura de terror, pois reconquistou

o grande público, transportando o gênero das masmorras e noites

tempestuosas para o cotidiano do mundo moderno e a luz do dia. O que

inquieta nos livros de King é que as situações terroríferas podem ocorrer em

qualquer lugar: um coletivo, um shopping center, até mesmo onde você está

lendo agora. (MILLER,1990)

Mas nesse ponto uma pergunta se torna inquietante: O que é considerado um bom

livro de horror? Mais do que boas histórias, monstros, sangue, efeitos sobrenaturais e

suspense contínuo, o livro de horror precisa conter o elemento surpresa. É isso que nos faz

não parar de ler um livro de Stephen King, visto que a qualquer momento podemos ser pegos

de surpresa com uma situação completamente inesperada, e então imaginamos de onde o

autor tirou aquilo e como conseguiu transcrever tão bem um sentimento tão íntimo como o

medo.

King sabe como assustar as pessoas e sabe como faze-lo de modo cativante e

diferente. Embora seja frequentemente criticado por ser um autor ‗de

gênero‘, as visões de King das sutilezas do dia-a-dia, suas interpretações

incrivelmente naturais dos diálogos e seu humor irônico (e por vezes alegre)

transcendem o conteúdo temático. Ele é, acima de tudo, um mestre na arte de

contar história. (SHERMAN, apud TIMPONE, 1997, p. 17-18)

E é isso o que Stephen King faz de melhor. Sua habilidade com as letras

transformou-o no monstro que é hoje. Mais do que características tachadas por muitos, King

conseguiu transformar uma literatura que parecia morta, desde seus imortais influenciadores,

e destinada ao caminho do anonimato, se não fosse por sua vontade de escrever sobre o irreal

e sua perseverança em continuar nesse caminho que, no começo, parecia levar para uma

ladeira profunda e sem volta, mas que no final o transformou no grande sucesso que é hoje.

Shirley Jackson, Mary Shelley, Bram Stoker, R. L. Stevenson, Lovecraft, Bradbury,

Poe e muitos outros foram a influência de King para ele se tornar o grande sucesso que é hoje,

e a obra do autor não poderia deixar de render influências. Entre elas estão Joe Hill

(Fantasmas do século XX), André Vianco (Os Sete) e Clive Barker, esse último sendo

considerado pelo próprio King o futuro da literatura de horror. Autores que já vêm seguindo a

trilha que King deixou. Contudo, como qualquer literatura, o horror muda a cada dia, e o que

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King escreveu no passado não funciona do mesmo jeito hoje em dia; a mesma fórmula não

vai funcionar para sempre e os novos escritores sabem disso, e estão tentando, assim como um

aluno perante seu mestre, modificar para assustar.

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3 CONCLUSÃO

A pesquisa realizada sobre os finais não convencionais de Stephen King superou as

expectativas programadas inicialmente. Ela não apenas fez com que pudéssemos analisar essa

característica do autor profundamente, como também proporcionou um material considerável

para outras pesquisas na área da literatura de horror.

Foi possível questionar o porquê de o autor utilizar essa característica por vezes tão

pessimista, e com ela conseguir impressionar pessoas no mundo todo, sendo hoje considerado

o autor mais famoso da atualidade. Fez também com que pudéssemos ver a arte de King por

outro molde, deixando de lado os preconceitos que fazem com que a literatura de horror não

seja foco de análise, e proporcionando a nós uma visão mais positivista quanto ao estudo

nessa área.

A partir do que foi apresentado, podemos concluir que Stephen King é mais do que

uma ―máquina de fazer dinheiro‖. Seu terror é puro, descende dos maiores nomes desse

gênero literário e, consequentemente, será o autor base para o futuro da ficção de horror

mundial.

Tendo em vista a apoteose dos grandes escritores do gênero, Edgar Alan Poe, H. P.

Lovecraft e outros, essa monografia finaliza como sendo um diminuto do que a literatura de

King pode oferecer como pesquisa científica, suas características intrínsecas e seus vários

modos de contar histórias são grandes elementos de estudo, e, como foi visto nesta

monografia, vários estudiosos já escreveram livros exclusivamente do autor. Alguns não

foram citados dentro do corpo deste trabalho, como Edward J. Zagorski, Rocky Wood, David

Rawsthorne, Norma Blackburn, Justin Brooks e uma outra infinidade de estudiosos que, a

cada dia, tentam provar que King é um dos maiores escritores de toda a história. Entretanto,

aqui no Brasil essa pesquisa é quase nula, e a análise que foi realizada teve como foco

principal exatamente isso, a pesquisa científica no estudo das obras de Stephen King, e do

gênero terror.

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