O aperfeiçoamento do regime de metas de inflação no Brasil

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  • 8/14/2019 O aperfeioamento do regime de metas de inflao no Brasil

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    Econ. aplic., So paulo, v. 10, n. 3, p. 443-475, JulHo-SETEMBRo 2006

    O aperfeiOamentO dO regime de metas de inflaO nO Brasil *

    Fabio Giambiagi Alexandre Mathias

    Eduardo Velho

    r esumO

    O artigo prope a vigncia da autonomia formal do Banco Central (BC) a partir de 2011, j com umde inflao estvel, no contexto em que: a) as autoridades monetrias ampliem o horizonte de refersua atuao para 24 meses; b) a Lei de Autonomia do BC explicite os objetivos de estimular o aumentoe do emprego e de diminuir a volatilidade do produto; c) o BC disponha de reservas expressivas pareventuais ataques especulativos; d) o Conselho Monetrio Nacional (CMN) incorpore um nmero maMinistros; e e) o Comit de Poltica Monetria (COPOM) inclua membros externos. Esses elementocariam o Brasil no conjunto de pases com as melhores prticas em termos das metas de inflao, cobanda de tolerncia de 2% a 4%, como no Chile.Palavras-chave: poltica monetria, metas de inflao, estabilizao.

    a BstractThe paper proposes a formal autonomy of Central Bank (CB) in 2011, with a stable inflation targecontext where: a) the monetary authorities wide their horizon of reference to 24 months ahead; b) the Autonomy of CB make explicit the aims of stimulating the increase of GDP and employment and rethe volatility of production; c) the CB has huge reserves in order to inhibit eventual speculative attackNational Monetary Council (CMN) incorporates a higher number of Ministers; and e) the Monetary Committee (COPOM) includes external members. These elements would place Brazil within the grocountries with the best practices in inflation targeting, with a band from 2% to 4%, like in Chile.Key words: monetary policy, inflation target, stabilization.JEL classification: E50, E52, E58.

    * No processo de elaborao deste trabalho, os autores se beneficiaram das diversas conversas com Samuel Pessa, queestava escrevendo, como parte das suas atividades de assessoria legislativa para o Senado Federal, um texto com idsemelhantes s que so aqui defendidas. Cabe tambm um agradecimento a Mrcio Garcia, a Renato Villela e a dois parannimos da revista E m a d, pelos comentrios feitos a partir da leitura da verso original do texto. Naturalmeporm, a responsabilidade pelo seu contedo f inal exclusivamente dos autores.

    Do BNDES, cedido ao IPEA. E-mail: [email protected]. Endereo para contato: IPEA Av. Presidente Antnio C 15 andar Centro Rio de Janeiro RJ CEP 20020-010.

    Do Unibanco Asset Management. E-mail: [email protected]. Da Mandarim Gesto de Ativos. E-mail: [email protected] em fevereiro de 2006. Aceito em maio de 2006.

    d eBate

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    1 intrOduO

    Tradicionalmente, o debate acerca da inflao foi dominado por duas posies polares: a ortodoxa, segundo a qual a inflao era um fenmeno monetrio e o combate mesma requeria a adoo de uma meta de expanso monetria suficientemente baixa; e a que genericamente se poderidenominar de heterodoxa, com suas diversas nuanas, indo desde formulaes baseadas na curvde Phillips, que estabeleceriam um dilema entre os objetivos de estabilidade e crescimento, at diferentes verses do estruturalismo, que fazia meno existncia de gargalos e a desequilbrioestruturais que, na prtica, tendiam a levar as autoridades a uma espcie de negligncia benignaem relao ao fenmeno da inflao.

    J nas ltimas dcadas, com a multiplicidade de estudos sobre os casos nacionais, os avanotericos verificados e o desdobramento dos fatos, marcados pela proliferao de inovaes financras que tornaram praticamente impossvel a adoo de metas rgidas crveis para os agregados mnetrios, o cardpio de polticas antiinflacionrias disposio dos governos pode ser resumidotrs alternativas. A primeira a famlia de regimes, em maior ou menor grau, de cmbio fixo, eque a taxa de cmbio opera como ncora das expectativas e a base da estratgia de desinflacomo foi o caso da Argentina no perodo 1991/2001 ou do Brasil nos anos que se seguiram ao PlaReal. A segunda alternativa o sistema de metas de inflao, talvez o regime mais popular nomeios acadmicos a partir dos anos 1990 e que foi adotado pelo Brasil em 1999. Finalmente, tem-o caso hbrido, tipicamente associado ao FED, em que no se adota uma meta rgida e explcita dinflao, embora claramente o Banco Central persiga, na prtica, um objetivo de inflao baixa.

    O fracasso da ncora cambial no Brasil em 1999, e anos mais tarde, mais ruidosamente, n Argentina (para citar apenas os casos mais prximos) tornam pouco realista imaginar que umapoltica antiinflacionria no Pas possa ser erguida formalmente tendo novamente esse pilar. Pooutro lado, considerando que mesmo os defensores da estratgia do FED reconheciam que boaparte do segredo do xito desse regime hbrido era a combinao de ortodoxia e maestria de Grenspan, e em momentos em que o prprio Banco Central dos EUA, sob a conduo de Bernankepode comear a contemplar a possibilidade de adotar uma meta explcita de inflao, razoveconcluir que o Brasil deveria manter a trilha iniciada em 1999 e confirmada pelo governo Lula em2003, conservando o regime de metas de inflao.

    Isso no significa, porm, que sob o rtulo geral de regime de metas no possam ser adotadas algumas mudanas de nuanas em relao ao esquema vigente nos ltimos anos. O presentetrabalho visa justamente fornecer subsdios para eventuais aperfeioamentos do regime.

    O texto est dividido em cinco sees. Depois desta introduo, o trabalho analisa as melhoreprticas em termos dos regimes de metas de inflao, descrevendo a sua evoluo e as suas princpais caractersticas. A terceira seo elabora uma espcie de roteiro de pontos especficos que dizrespeito ao regime de metas e em relao a cujos detalhes h uma multiplicidade de alternativas. quarta seo, que sintetiza o que se pretende que seja a razo de ser do trabalho, faz uma propostaconcreta de modelo institucional que poderia ser contemplado nos prximos anos, em um esquemde autonomia operacional do Banco Central, em que este assumisse formalmente diante do Con-gresso Nacional o compromisso com metas de inflao definidas pelo Poder poltico. Finalmenteinclui-se a habitual seo de concluses.

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    2 O arcaBOuO instituciOnal dO regime de metas de inflaO nO mundO :casOs seleciOnadOs

    A discusso sobre a melhor abordagem para a poltica monetria ope dois campos. Dlado, os regimes de regras, nos quais o Banco Central possui um padro de reao preestabe, de outro, regimes discricionrios, nos quais no h prescrio prvia quanto forma de poltica monetria. Os defensores das regras sustentam que as defasagens e incertezas da pmonetria tornam improdutivas polticas ativas (Friedman, 1968) e que a inconsistncia dingera um vis inflacionrio (Kydland e Prescott, 1977; Barro e Gordon, 1983). J os partidcampo alternativo argumentam, na sua oposio a uma poltica baseada em regras, que umltica discricionria seria superior, pois sempre poderia seguir o caminho proposto por umaporm sem ter que estar amarrada ao engessamento que esta produz.

    O regime de metas para a inflao, nesse debate, pode ser considerado um hbrido, poissenta uma ncora nominal, ao mesmo tempo que deixa espao para a existncia de discriciodade em caso de choques. No se trata de um regime discricionrio pleno, porque implica aobjetivos e prazos definidos, mas tambm no um regime de regras estritas, uma vez que,de certos parmetros, ele admite flexibilidade para considerar o custo em termos de prodcorreo dos desvios. Por esta razo, Svensson (2000) e Bernanke (2003) o descrevem comodelo de discricionariedade condicionada.

    Paralelamente ao avano do debate terico sobre essas questes, em diversos pases do foi se consolidando nas ltimas duas a trs dcadas uma forte convico sobre a importnque a atuao das autoridades monetrias seja fortalecida por um ambiente institucional adeqDesde o comeo dos anos 1980, ao longo dos ltimos vinte e cinco anos, vem se consolida

    consenso sobre os objetivos e a organizao das instituies responsveis pela poltica monestabilidade de preos emergiu como o objetivo primordial, o regime de metas de inf lao das demais ncoras e a autonomia operacional, com um alto grau de transparncia e controBanco Central, tornou-se uma tendncia global.

    No entanto, quando estes princpios gerais so traduzidos em arcabouos concretos, sudiferenas importantes, do desenho do arranjo institucional operacionalizao do regimeseo descreve as experincias de alguns pases que consolidaram com sucesso uma arqusatisfatria de poltica monetria.

    A evoluo da arquitetura da poltica monetria nos regimes de metas de inflao estmamente ligada evoluo do sistema poltico e institucional. A comparao entre as estrutpoltica monetria revela que os detalhes dependem de diferenas estruturais tipo e montandbitos, composio do sistema financeiro, grau de abertura da economia, dependncia de mm - d t es, disciplina fiscal etc. e do grau de rigidez nominal dos preos na economia.

    A opo pelo regime de metas de inflao como guia da poltica monetria dominantda que os EUA o faam de modo implcito. No que tange operacionalizao do regime, temmosaico de opes, cujo trao comum a busca por um mecanismo capaz de conciliar estabde preos, credibilidade e flexibilidade para a poltica monetria. Por fim, a experincia intenal majoritariamente favorvel autonomia operacional.

    Nesta seo abordaremos algumas experincias internacionais que se inserem entre as mres prticas em matria de regime de metas. No incio da dcada de 1990, um pequeno grueconomias abertas (Nova Zelndia, Canad, Inglaterra, Sucia e Austrlia), ao se defrontar desafio de estabilizar o nvel geral de preos em um contexto domstico de preos nominaise ante um mercado internacional com liberdade de capitais e taxas de cmbio flutuantes, opt

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    adotar o regime de metas de inflao. Embora o Canad seja um caso interessante e muito bemsucedido de desinflao, optamos por concentrar a anlise nos demais pases, diante da repetiono caso canadense, de caractersticas institucionais encontradas nas outras experincias. Os pasescolhidos para anlise tm ento o denominador comum de terem pertencido safra da adoinicial de regimes de metas de inflao no mundo, mas apresentam nuanas especficas entre sque interessante comentar.

    Nas subsees 2.1 a 2.4 trataremos dos casos de pases desenvolvidos, destacando os exemplde Nova Zelndia (importante por ter sido pioneiro), Inglaterra (o caso que o Brasil tenta imitarmais de perto), Sucia (um paradigma de combinao de credibilidade com flexibilidade) e Austrlia (talvez o caso por excelncia de adaptao gradual do regime). Finalmente, na subseo 2.sintetizam-se muito rapidamente as experincias de economias emergentes que adotaram com xitregimes de metas de inflao em trs diferentes regies do mundo: Israel, Chile e frica do Sul.

    2.1 A experincia da Nova Zelndia A Nova Zelndia considerada um padro de excelncia em termos de arquitetura de poltica

    monetria. O regime de poltica monetria claro, transparente e desfruta de alta credibilidade, enquanto o arranjo institucional propicia uma superviso democrtica atuante. O pas foi o primeiroa adotar o regime de metas de inflao como ncora para a poltica monetria, e sua implantafoi antecedida de uma reforma econmica abrangente que adotou o cmbio flutuante, desreguloue abriu a economia.

    No incio dos anos 1980, a inflao anual se mantinha acima de 15%, acumulando uma taxade 522% entre 1974 e 1988. As expectativas inflacionrias eram bastante elevadas e mostravam

    alto grau de inrcia. A reforma no arranjo institucional do RBNZ (Reserve Bank of New Zealand, o banco centrada Nova Zelndia) ocorreu aps um longo, e bem-sucedido, perodo de desinflao. Desde 1985o Banco Central sem autonomia legal, mas com independncia de fato dada pelos Trabalhistas operou uma poltica monetria desinflacionria, que trouxe a inflao de 16%, em 1985, para 7%em 1989.

    O novo marco legal surgiu em 15 de dezembro de 1989, quando o Reserve Bank of New Zealand Act foi aprovado pelo Parlamento para tornar-se efetivo em 1 de fevereiro de 1990. O mandalegal estabelece que Reser e B k f new Ze d ter res s b d de de f rm r e t r t m etr m t t de r m er est b d de d e ger d.

    A nova Lei do Banco Central estabeleceu como sua misso a implementao de uma polticmonetria com vistas a atingir e manter a estabilidade de preos, mas remeteu a formalizao dodetalhes operacionais para um acordo pblico entre Tesouro e Banco Central: o Acordo para aPoltica de Metas (Policy Targets Agreement PTA) no qual acertada uma definio precisa dameta de inflao, compatvel com a obteno da estabilidade de preos.

    O PTA , portanto, o veculo por meio do qual o objetivo genrico da estabilidade de preoganha um contorno preciso com metas numricas, prazos, clusulas de escape e mecanismos insttucionais internos de reviso. O regime de governo da Nova Zelndia parlamentarista, portantoos atos do Executivo, em tese, so apoiados pela maioria parlamentar. Assim, quando o Ministr

    das Finanas assina um PTA, o faz em nome da maioria parlamentar que o apia.

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    A Lei instrui o Ministro das Finanas, antes de apontar ou reconduzir qualquer pessocargo de Presidente do RBNZ, a celebrar um acordo pblico, por escrito, especificando asmet s r r tr s serem erseg d s d r te gest dest ess m pres de te d.

    No entanto, embora oriente no sentido de explicitar objetivos e responsabilidades, a legevita criar uma estrutura rgida, ao prever que M str d s F s e pres de te d dem, e e t me te: ( ) re er ter r q q er met f x d (...), ; (b) s est be e d s tr s d e ebr de m rd es r t e b.

    Alm disso, a lei prev um mecanismo pelo qual a autonomia operacional do RBNZ poa ser suspensa. O Banco poder ser orientado a formular e implementar uma poltica monvoltada para objetivos econmicos diferentes dos especificados por um perodo de at dozerenovveis sucessivamente.

    A supremacia democrtica assegurada pela manuteno da prerrogativa de decidir os vos da poltica nas mos do governo eleito. Entretanto, qualquer desvio do mandato origina

    ocorrer de maneira transparente, de modo que possa estar sujeito a avaliao pblica. A Lei eque o Presidente do RBNZ est sujeito remoo do cargo caso o Ministro das Finanas nosatisfeito com o desempenho do Banco no cumprimento de suas funes estatutrias ou caseja possvel chegar a um acordo sobre os objetivos de poltica.

    A Lei de 1989 no estabelece o regime de metas. A nica orientao perene o respprincpio da estabilidade de preos. Na prtica, o que se observa, por meio dos sucessivos um processo contnuo, no qual as alteraes so movimentos visando ao aperfeioamento dme de metas de inflao. O primeiro PTA foi assinado em 2 de maro de 1990. Apesar das revises, o ncleo do regime se manteve relativamente inalterado.

    As alteraes mais relevantes foram:em dezembro de 1990, a necessidade de renegociar o PTA caso um choque de preos ahabilidade do RBNZ alcanar a meta foi substituda por uma orientao para que o BCentral estime o efeito primrio do choque sobre os preos e proponha uma trajetria paa inflao retorne regio da meta;em dezembro de 1990, o prazo para atingir uma inflao entre 0% e 2% foi estendido meses para o final de 1993;em dezembro de 1996, o teto da banda de inflao foi ampliado de 2% para 3%;em dezembro de 1999, foi acrescentada uma clusula para explicitar o requisito de que odeveria evitar instabilidade desnecessria no produto, taxas de juros e taxas de cmbio aduzir a poltica monetria rumo estabilidade de preos;em setembro de 2002, o piso da banda de inflao foi elevado de 0% para 1%.

    A configurao institucional do regime de metas de inflao da Nova Zelndia concilincora para as expectativas de inflao no longo prazo dada pelo mandato legal para a edade de preos com uma dose de flexibilidade para gerenciar a reao da poltica monetdiferentes circunstncias da economia. A lgica por trs deste arranjo que uma ncora nocrvel pode manter as expectativas de inflao estveis, mesmo na presena de choques ququem temporariamente a inflao da trajetria idealizada. Neste caso, quanto maior for a crlidade da ncora, maior ser o grau de flexibilidade com que o banco central poder atuar a administrar o retorno da inflao s suas metas.

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    A Lei do Banco Central funcionou como um elemento que balizou as expectativas de longoprazo, possibilitando que os ajustes nos PTAs fossem percebidos como movimentos tticos que nalteravam a prioridade dada estabilidade de preos no longo prazo.

    2.2 A experincia da Inglaterra

    A Inglaterra foi o terceiro pas a adotar o regime de metas de inflao, logo aps a NovZelndia e o Canad. A opo pela nova ncora se deu em um ambiente de grande incerteza, naesteira de um ataque especulativo que levou flutuao da libra em 1992.

    Em outubro de 1990, a Inglaterra aderiu ao Mecanismo Monetrio Europeu, que estabeleciabandas de flutuao em relao s demais moedas europias. No incio, esta opo propiciou umreduo da inflao e das taxas de juros.

    No entanto, em setembro de 1992, um ataque especulativo contra a libra levou a Inglaterra a

    abandonar o Sistema Monetrio Europeu de taxas de cmbio. A perda de credibilidade foi instantnea, a libra esterlina depreciou cerca de 15% e as expectativas de inflao subiram rapidamenpara perto de 5%, o que gerou um temor generalizado a respeito da inflao. A introduo do regme de metas de inflao visou ento prover a economia com uma ncora nominal crvel e capaz dfazer frente ameaa de inflao, que se agravara diante da sbita depreciao da moeda.

    A fim de balizar a atuao da poltica monetria e ajudar a coordenar as expectativas de inflao, o Bank of England (BOE) optou por adotar o regime de metas de inflao como ncoranominal da economia e fixou o objetivo de que a inflao deveria estar prxima ao piso da bandde 1,0% a 4,0%, ao final do perodo legislativo que se encerraria em 1997. O sucesso da estratmanteve o coeficiente de repasse do cmbio para inflao bastante baixo e ajudou a manter a inflo perto de 3%. Em 1995, a banda foi substituda por uma meta pontual de 2,5%, e desde ento inflao tem se mantido em torno da meta.

    As regras do modelo ingls deixam a cargo do Tesouro o papel de definir o objetivo operacional a meta da poltica monetria. Em 1997, aps a vitria na eleio parlamentar, o PartidTrabalhista ratificou o regime de metas e anunciou planos de conceder autonomia operacional aoBOE.

    Em 1998, um novo Ato do Banco da Inglaterra concedeu a independncia instrumental aoBOE, mas manteve a fixao dos objetivos da poltica monetria nas mos do governo, que defina nova meta como uma inflao ao consumidor de 2,5%. Diante da mensagem implcita de queno haveria tolerncia com a inflao, a concesso da autonomia operacional gerou euforia nomercados financeiros. A bolsa de valores subiu, a libra esterlina apreciou e as taxas de juros futurcaram cerca de 50 pontos-base ao longo de toda a estrutura a termo.

    A reforma do estatuto do Banco Central veio no bojo de uma ampla reforma, que redefiniu opapel do Banco da Inglaterra, ampliou a transparncia e aperfeioou seus mecanismos de controlpblico. Sob esta nova ordem, o Tesouro deve ratificar anualmente, ao enviar a proposta oramentria, a meta de inflao. Esta uma deciso poltica, qual o Banco est subordinado e pela quaser cobrado. Dessa forma, o arranjo institucional ingls conserva grande flexibilidade na defino da meta anual de inflao. A razo para isso que, dependendo do tipo de choque, razoveadaptar o objetivo da poltica monetria conjuntura. Assim, o arranjo ingls permite que o Tesou

    ro altere a meta quando achar conveniente, desde que seja respeitado o princpio da estabilidade dpreos como objetivo prioritrio, conforme est disposto no Ato.

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    O sistema ingls confere a prerrogativa de estabelecer o objetivo da poltica monetgoverno eleito. Fixada a meta, a tarefa de atingi-la delegada ao Banco da Inglaterra, mais pmente ao Comit de Poltica Monetria do Banco, composto por cinco executivos do Bancoquatro especialistas externos apontados pelo Poder Executivo.

    O Ato do Banco da Inglaterra de 1998, em vigor desde 1 de junho de 1998, dedica o CII Poltica Monetria. Ele especifica que, em relao poltica monetria, os objetivos doda Inglaterra so: (a) manter a estabilidade de preos e, (b) sujeito a isso, dar suporte poltinmica do governo de Sua Majestade, inclusive aos objetivos de crescimento e emprego.

    Embora o Ato fixe o objetivo geral de longo prazo (estabilidade de preos), ele remeteracionalizao destes objetivos ao Tesouro, na forma de uma notificao, a ser encaminhBanco Central. Esta comunicao deve ocorrer ao menos uma vez por ano e o Tesouro dedar publicidade, alm de remeter uma cpia ao Parlamento. A formulao do arranjo instinal resulta em um arcabouo bastante flexvel. A misso genrica de longo prazo, a estabde preos, o objetivo estatutrio do Banco. Entretanto, cabe ao Tesouro fixar a meta nuespecfica, bem como todos os demais aspectos operacionais do regime. Em tese, o SecreTesouro pode alterar o valor da meta, o ndice relevante e at mesmo o prprio regime de minflao, se assim o desejar.

    O objetivo central da poltica econmica atingir um nvel alto e estvel de crescimentprego, mas considera-se que a estabilidade de preos uma precondio necessria para aeste objetivo.

    Embora o compromisso implcito seja de continuidade, a meta de 2,5% poderia ser aldesde que seja respeitado o princpio da estabilidade de preos. Esta estrutura legal visa crisalvaguarda para as incertezas inerentes vida econmica.

    O objetivo declarado manter a taxa acumulada em doze meses todo o tempo em linhaa meta, com o intuito de operar o mecanismo da poltica monetria em torno de um comproconsistente de inflao baixa, no longo prazo. Assim, a meta definida sem um horizonte ral, i.e., a mdia mvel de doze meses deve estar em 2,5% todo o tempo. Entretanto, a aborecomendada de ajuste paulatino e gradual em face dos choques exgenos.

    Na mensagem de 17 de abril de 2002, o Chancellor of Exchequer explicitou que o regimcisa levar em considerao que q q er e m de, em m determ d m me t e e t s exter s d f d des tem rr s, freqe teme te m d tr e o reg me de e e r em s der q e t x de f rre te r, em emet s em f d s h q es e t rb s. a te t t de m ter f r st s, der s r m desej e t d de s bre r d t.

    O arranjo atual estabelece uma margem de 1,0%, alm da qual os desvios da inflao dser sucedidos por uma carta aberta contendo explicaes sobre o desvio, as providncias too prazo para o qual o BOE espera a convergncia da inflao para a meta. No entanto, explique a referncia de 1,0%, para cima e para baixo, no constitui uma banda de tolerncia, mum limite alm do qual o Banco Central deve providenciar explicaes.

    A inteno do arcabouo deixar que os desvios sejam tratados de acordo com a natuintensidade e o grau de permanncia que o ocasionou e com um foco sobre o comportamenexpectativas de inflao. A rota de convergncia, em caso de desvio, dever ser to gradua

    o comportamento das expectativas permitirem.Em 2004, o ponto central da banda foi alterado para 2,0%, expresso em termos do Hnized Index of Consumer Prices (HICP).

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    De um modo geral, a experincia inglesa deixa claro que o arranjo institucional segue umaorientao flexvel, no qual as bandas so referncias, mas no deflagram reaes automticaDentro deste arcabouo, fica evidente que, dado um desvio, o Banco Central teria plenas condide articular uma poltica discricionria visando convergncia gradual da inflao para sua metdentro de um horizonte de tempo apropriado, que no sobrecarregue o produto com uma volatili-dade desnecessria.

    Outra preocupao evidente do BOE com a qualidade da pesquisa, pois dela depende boaparte da avaliao do cenrio sobre o qual os responsveis pela poltica monetria iro decidir. Poisso, as reas de anlise so bem aparelhadas, em recursos humanos e tcnicos. A contnua interao entre os membros do comit de poltica monetria e o departamento de pesquisa assegura quas decises da instituio no sejam resultado apenas de duas breves reunies a intervalos entre 3060 dias, mas sim de um processo de reflexo contnua a respeito dos desdobramentos da economia

    2.3 A experincia da SuciaO Sveriges Riksbank, Banco Central da Sucia, o mais antigo do mundo. Em 1991, a Suci

    atrelou, unilateralmente, sua moeda ao ecu (moeda terica que antecedeu o euro) como forma deestabilizar a inflao. Porm, logo aps a adeso da Sucia ao mecanismo de convergncia europeo sistema entrou em crise porque a poltica monetria alem deu prioridade aos objetivos domsticos em detrimento da dinmica do bloco monetrio que, quela altura, apresentava um quadropr-recessivo.

    Em setembro de 1992, durante um ataque especulativo, o Riksbank elevou a taxa deer ght para 500% a.a. na tentativa de defender a moeda. Um novo ataque, em novembro, levou flutua

    o da coroa. Nesse contexto, a Sucia introduziu o regime de metas para a inflao em janeiro d1993, apenas dois meses depois que uma srie de ataques especulativos levou flutuao da moeda coroa sueca. A sada do regime de cmbio fixo gerou um ambiente de grande incerteza e crioa urgente necessidade de reconstruir uma ncora nominal. Diante deste quadro, o Banco Centraloptou por seguir os passos de pases como Nova Zelndia e Inglaterra e adotou o regime de meta A introduo do regime foi uma deciso independente e unilateral do Banco Central. O objetivinicial era atingir uma inflao ao consumidor de 2,0%, com uma margem de tolerncia para maiou para menos de 1,0%, at o final de 1995, e manter a inflao em torno deste intervalo da emdiante.

    A despeito da forte depreciao da moeda, cerca de 31,5% ao final de 1993, a inflao nsaiu de controle, graas a uma poltica monetria apertada. A taxa nominal de juros foi elevada a Sucia enfrentou sua mais severa recesso desde os anos 1930. A contrao da economia e udesemprego perto de 9% ajudaram a controlar a inflao, mas o sistema bancrio enfrentou umsevera crise.

    Em novembro de 1997, o governo apresentou ao Parlamento Sueco (Riksdag) uma propos-ta contendo um conjunto de alteraes na legislao referente ao Banco Central. As emendas aInstrumento de Governo (dispositivo constitucional sueco) e ao Ato do Riksbank de 1988 foramaprovadas em maro e confirmadas em 25 de novembro de 1998, passando a valer a partir do incde 1999. Com isso, a arquitetura da poltica monetria sueca sofreu uma ampla reforma, medianta qual o regime de metas ganhou um st t slegal mais apropriado. Pela nova Lei, o Banco Centralrecebeu a misso estatutria de perseguir a estabilidade de preos e autonomia operacional parconduzir a poltica monetria, tarefa que foi delegada ao Comit Executivo.

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    A nova Lei definiu que bjet d er d R ksb k de e ser m te de de re s. Na prtica, a meta de inflao admite uma margem de tolerncia simtrica. A ppal finalidade da banda de tolerncia sinalizar que desvios da meta provavelmente iro ace, ao mesmo tempo, enfatizar a inteno do Banco Central de minimiz-los.

    O Riksbank realiza reunies para definir a poltica monetria de oito a dez vezes porCada ciclo de reviso de projees culmina no cenrio principal que descrito detalhadameRelatrio Trimestral de Inflao. No que se refere s projees, os membros do comit de monetria superpem um julgamento subjetivo acerca das incertezas afetando o cenrio. A das incertezas baseada em dois tipos de avaliao. Inicialmente, h um julgamento a respnvel de incerteza da projeo em relao ao padro histrico do fator em questo. A seguiruma avaliao a respeito da probabilidade de desvio para cima ou para baixo da varivel emdo, i.e., avalia-se o grau de simetria do fator de risco. A distribuio resultante , ento, ponjuntamente com uma distribuio de projees de inflao com pesos refletindo a importncada fator.

    Quando o regime foi aperfeioado, em 1999, especial ateno foi dedicada a explicitar de reao da poltica monetria diante de determinados tipos de choques. A nova orientaevitar excessiva instabilidade do produto e emprego ocasionados pela tentativa de obter ajusto rpidos quando da ocorrncia de desvios. O foco no longo prazo permite poltica monminimizar os efeitos negativos de curto prazo, condicionado ao comportamento das expecde inflao.

    O Banco Central da Sucia desenvolveu uma abordagem para consolidar a noo de poltica monetria formulada com um foco no longo prazo e que nem todos os choques requma reao das taxas de juros. Ela se destina a conferir maior flexibilidade ao regime em

    choques cuja reverso esteja fora do escopo da poltica monetria e levou introduo de umviso que permite explicar antecipadamente tais desvios. Embora no use o termo, trata-semente de uma clusula de escape, que desobriga o cumprimento da meta para desvios decode choques exgenos cujos efeitos sejam considerados transitrios. Assim, se a inflao dde preos ao consumidor (IPC) desviar da meta, no horizonte de tempo relevante, em virtufatores cujos efeitos permanentes no sejam vistos como relevantes, a poltica monetria nreagir ao desvio. Entre os efeitos transitrios possveis encontram-se aqueles decorrentes de de oferta diversos, que produzam uma mudana nos preos relativos sem interferir na tendntaxa de inf lao.1 preciso, no entanto, enfatizar que o julgamento a respeito da transitoriedadefeito inflacionrio bastante complexo e delicado. Trata-se de uma questo para a qual nouma resposta simples. A avaliao do grau de transitoriedade do choque sobre a inflao dcrucialmente do impacto deste sobre as expectativas de inflao de longo prazo.

    Adicionalmente, o Banco Central adota uma abordagem especfica para lidar com desvmeta, com o intuito de regular o prazo de convergncia de volta para a meta, caso haja um marcante por uma razo qualquer. Nestas ocasies, uma deciso fundamental diz respeito cidade que se deseja imprimir para que a inflao volte a convergir para a meta proposta.

    A Sucia corrobora a experincia internacional quanto defasagem de efeito da polticnetria: as estimativas apontam um prazo de um a dois anos. Este horizonte implica que a pmonetria deve trabalhar com o foco voltado para um horizonte entre cinco e oito trimestreste. No entanto, uma funo de reao que funcionasse mecanicamente, visando sempre a u

    torno automtico no intervalo entre um e dois anos, poderia, em certas ocasies, causar flut

    1 Por exemplo, movimentos nos preos internacionais do petrleo ou outro bem importado, cujo efeito esperado seja umaa de nvel no ndice geral de preos, no deveriam originar resposta da poltica monetria.

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    largas e indevidas na atividade econmica. No seria razovel tentar trazer a inflao de volta para banda original se, subitamente, ela estivesse muito acima do teto da margem de tolerncia. Estobjetivo obrigaria a uma reduo drstica da utilizao da capacidade, com uma deteriorao equvalente no mercado de trabalho. Por isso, o Riksbank pondera a situao do mercado de trabalhe da economia real em suas avaliaes. Desta forma, reconhece que h um dilema de curto prazoentre a estabilidade de preos e a estabilidade da economia que precisa ser considerado no procesde definio das taxas de juros.

    O grau de discricionariedade nestas circunstncias acaba sendo determinado pelo acervo decredibilidade da poltica monetria, em conjunto com as demais polticas macroeconmicas. Umalto grau de confiana no compromisso de longo prazo com a estabilidade de preos, apoiado poum conjunto de polticas coerentes, ajuda a aumentar o espao de flexibilidade para a formulade poltica monetria no curto prazo. Esta postura visa evitar amplas flutuaes na economia reano nvel de produto e emprego, decorrentes da ao de uma poltica monetria com vistas a produzir um ajuste muito acelerado na taxa de inflao.

    2.4 A experincia da Austrlia

    A introduo do regime de metas de inflao na Austrlia foi um processo gradual, para oqual difcil precisar de uma forma muito ntida um marco inicial. Em 1983, quando o cmbioflutuou, a poltica monetria era conduzida sob um regime de metas monetrias. No final da d-cada de 1980, a acelerao da economia e a percepo de que a inflao australiana estava caindmais lentamente que dos demais pases desenvolvidos levaram o Reserve Bank of Austrlia (RBa apertar consideravelmente a postura da poltica monetria. A inflao mdia anual da dcada d

    1980 foi de 8,3%, mas a taxa anual apresentou uma queda continua a partir de 1986.O resultado do aperto do final dos anos 1980 foi uma severa recesso em 1990 e 1991, dianda qual a inflao caiu para cerca de 4% em meados de 1991. Ao final de 1992, apareceram primeiras referncias a uma meta de inflao. At ento, tratava-se de uma deciso no mbito exclusivo do Banco Central que, diante da ausncia de uma ncora nominal, caminhou no sentido detrabalhar com uma meta explcita de inflao. Isto era uma forma de complementar a abordagemecltica com uma ncora para as expectativas inflacionrias de longo prazo. Assim, no incio d1993 a Austrlia havia constitudo um regime de metas. Um elemento final foi acrescentado ao aranjo institucional do regime em 1996, quando da indicao de Ian Macfarlane para a Presidncido RBA. O Tesouro e o Presidente designado do Banco Central divulgaram uma Declarao de

    Poltica Monetria pela qual o Ato do RBA de 1959 foi reinterpretado de forma a ampliar a autonomia operacional na conduo da poltica monetria. O sucesso do novo regime, sob um arranjinstitucional que concede a autonomia operacional ao Banco Central, pode ser apreciado pela inflao mdia anual da dcada de 1990, de 2,3%, a mais baixa em cinco dcadas.

    O Ato de 1959 estabelece que o RBA o responsvel pela formulao e implementao da pltica monetria. Os limites da responsabilidade do Banco Central esto definidos no Ato do RBda seguinte forma: d res s b d de d c se h d RBa, m te de se s der q e s t s m etr e b r d B sej m d re d s r m r a str e q e s deres d B ... sej m exer d s de t f rm q e, RBa, tr b m d me h r f rm r : ( ) est b d de d m ed str ; (b

    e em reg a str ; e ( ) r s er d de e m e bem-est r d s.Foi este mandato, com objetivos mltiplos, que, reinterpretado em 1996, representou o pano

    de fundo do regime de metas de inflao. O principal objetivo da poltica monetria na Austrli

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    o controle da inf lao. Na Declarao sobre a conduo da poltica monetria emitida emo presidente do Banco Central e o Tesouro firmaram um acordo pblico segundo o qual ada poltica monetria passaria a ser uma inflao no intervalo de 2,0% a 3,0%, na mdia deconmico.

    A meta de inflao foi escolhida por ser considerada suficientemente baixa, a ponto distorcer as decises econmicas da comunidade. Desta forma, o regime de metas tornou-pea central na articulao da poltica monetria na Austrlia. O regime tem por objetivo a economia com uma ncora nominal segura e capaz de disciplinar as expectativas de inflasetor privado. O horizonte temporal da meta na Austrlia bastante fluido. Ela foi definidauma mdia ao longo do ciclo, em vez de uma meta com fronteiras (numricas e temporais) rEsta formulao visou garantir espao para as inevitveis incertezas envolvidas no processojetar a inflao e estimar as defasagens de efeito da poltica monetria sobre a economia.

    O RBA, ao explicar a lgica do regime, afirma que trr d es e f de ses, reg me de met s str eb d m m reg me de b d s de tr d s q s f te h de est r f d t d tem . os m tes er s e etr f d s q e d s r m re es sb t s e dr mt s serem t d

    erd de, e s d m m ex ress d md ser d g de Esta formu-lao visa reser r s f e te f ex b d de r q e t m etr s f t res j t r s de rt r z .

    No caso de surgimento de diferenas entre o Banco e o governo, este poder ditar os rumpoltica. Contudo, os procedimentos implicam um custo poltico elevado, o que, na prtica, lida a independncia do Banco. De qualquer forma, a existncia deste mecanismo de salvagpelo qual o poder poltico pode assumir o controle sobre a poltica monetria, serve para as

    que a ao do Banco Central permanea sujeita checagem e aos controles inerentes de umadade democrtica. Com relao s responsabilidades do banco, o Conselho do RBA deve, deem tempos, informar o governo a respeito da conduo da poltica monetria. Consistentecom sua responsabilidade com relao poltica econmica como um todo, o governo se redireito de comentar sobre a evoluo da poltica monetria.

    O horizonte de tempo em aberto garante ampla flexibilidade na administrao de choEsta formulao visou garantir espao para as inevitveis incertezas envolvidas no procprojetar a inflao e estimar as defasagens de efeito da poltica monetria sobre a economiaocupao com a flexibilidade uma caracterstica marcante do arranjo australiano. As autosempre enfatizam que a inflao no precisa estar confinada o tempo todo dentro dos lim

    banda. A meta de inflao concebida como uma expresso da mdia a ser alcanada ao loalguns anos, a fim de preservar suficiente flexibilidade para que a poltica monetria possem considerao fatores conjunturais de curto prazo.

    2.5 As experincias de Israel, Chile e frica do Sul

    Nesta subseo abordam-se trs experincias que dizem respeito ao Brasil, de pases, emou menor grau, emergentes, que adotaram regimes de metas de inflao. Israel interessa por caso bem-sucedido de reduo da taxa de variao dos preos de mais de 10% ao ano para ptros internacionais em poucos anos. O Chile um exemplo a ser sempre lembrado pelo fatoa economia com melhor desempenho na regio do mundo na qual o Brasil est inserido (AmLatina). Por ltimo, frica do Sul tem certas caractersticas sociais ligadas desigualdade

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    tornam uma referncia interessante para os termos do debate sobre poltica econmica no Brasil sua relao com os temas da democracia e da representatividade social dos governos.

    ) isr e

    Resultados favorveis do regime de metas de inflao tambm foram alcanados em Israecom sua adoo a partir de 1991, quando a inflao beirava um porcentual de 20% ao ano. Deve-ressaltar que essa economia, em meados da dcada de 1980, apresentava dficits elevados nas conpblicas e na Balana Comercial. Em 1985, aps a guerra no Lbano, o dficit fiscal israelense ede 14% do PIB e a dvida externa total alcanava 80% do PIB. Excluindo o ano de 1994, quandocorreu uma ultrapassagem da inflao em relao meta prevista de 6%, o sistema de metas dinflao em Israel revelou-se um sucesso. Entre 1992 e 1998, a inflao mdia anual se situou e10% e as metas foram cumpridas ou apresentaram uma divergncia inferior a 1%. No trinio 1992001, a inflao mdia recuou para uma taxa abaixo de 1,5% ao ano. Nos ltimos anos, a inflatem sido extremamente baixa, e para 2006 espera-se uma variao dos preos entre 2,0% e 3,0%intervalo estipulado para a banda da inflao se situa entre 1,0% e 3,0%, uma trajetria bem difrente do incio da adoo do regime de metas, quando a inflao anual se situava em dois dgitoIsrael um caso de modificao de banda de tolerncia diante de desvio em ano anterior. Em dezembro de 1994, a inflao israelense atingiu 14,5%, ou seja, 6,5 pontos porcentuais acima da mepontual preestabelecida. No ano seguinte, a meta do ano anterior viraria o piso da meta de 1995(8%-11%). Apesar de alguns desvios em relao meta, o regime de Israel se caracterizou, portanpor convergir para uma inflao baixa de longo prazo.

    b) ch eNas economias emergentes, o Chile um caso tpico e bem-sucedido de adoo de regime d

    metas para inflao. Alm do Chile, Peru, Israel e Mxico tambm apresentavam taxas de inflaanuais superiores a 15% quando adotaram seus regimes de metas para inflao. A primeira metestabelecida pelo Chile, em 1991, era um intervalo de 15,0% a 20,0% para a inflao acumulaem 12 meses. Esta meta foi diminuda gradualmente e os intervalos foram estreitados de 5 pontoporcentuais de diferena entre os limites superior e inferior da banda para 2 pontos porcentuaisEntre 1995 e 2000, a meta tornou-se pontual, sem abandonar a tendncia de queda. Em 2001, apuma inflao 1 ponto porcentual acima da meta pontual de 3,5%, o Chile voltou a utilizar metascom intervalo, novamente com 2 pontos porcentuais de diferena entre os limites superior e inferida banda (2% a 4%). Todo o processo de convergncia para uma inflao estvel foi realizado emaproximadamente 10 anos, desde 1991.

    ) fr d S Ao optar pelo regime de metas de inflao, o Banco Central sul-africano fez questo de es

    clarecer que embora a meta fosse o objetivo da poltica monetria, isto no significava que o Banteria simplesmente que seguir regras extremamente rgidas, sem qualquer grau de liberdade. OBanco Central sul-africano, desde o incio, destacou o perigo que poderia advir da excessiva nfanas metas, sem uma anlise adequada da conjuntura. Com o intuito de evitar distores causadaspela aplicao muito rigorosa de regras preestabelecidas, foram institudas clusulas que permitriam acomodar choques de oferta sem maiores custos em termos de produto e emprego. Emborseja impossvel prever todos os choques que podem vir a afetar a economia, mencionam-se algumcircunstncias sob as quais o Banco poderia adotar uma postura mais flexvel e permitir o descumprimento das metas, como variaes acentuadas nos termos de troca, bruscas interrupes nos fluxos de capitais externos e desastres naturais. Na ocorrncia de qualquer um desses acontecimento

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    a populao deve ser informada das provveis conseqncias sobre os instrumentos e os oda poltica monetria. Portanto, diante de alguma anormalidade de maior gravidade, o Bancoptar por no respeitar totalmente as metas para no sacrificar demasiadamente a economiaque justifique ao pblico a necessidade de tais medidas. A frica do Sul tem uma meta de ide 3,0% a 6,0%, e nos ltimos 3 anos teve uma inflao mdia anual da ordem de 4%.

    3 OrOteirO dOs temas em deBate

    Esta seo procura listar os assuntos que so controversos, em que, mesmo no marco dacia de um regime de metas, h nuanas importantes em relao s quais existem pontos de vferenciados. Tais pontos so: i) a definio do tipo de objetivo a ser perseguido pelo Banco com o dilema entre estabilidade de preos e pleno emprego; ii) a taxa de inflao-alvo, todesinflao tenha sido concluda; iii) a velocidade da desinflao; iv) o horizonte de refermeta; v) a amplitude da banda; vi) a escolha entre ter um ponto focal ou uma banda; vii) a edo ndice de preos considerado, entre as alternativas do ndice cheio e de um re (ncleo); eviii) a adoo eventual de clusulas de escape.

    3.1 O tipo de objetivo perseguido pelo Banco Central

    O modelo por excelncia de um Banco Central dedicado estritamente ao combate inflembora na poca no houvesse um regime com metas explcitas foi tradicionalmente, na po do antigo Bundesbank alemo, condicionado a uma regra explcita segundo a qual a preocu

    da autoridade monetria deveria ser nica e exclusivamente a estabilidade de preos. No mups-Guerra, at os anos 1990, o modelo de metas monetrias alemo era um dos casos polpoltica antiinflacionria. No outro extremo estavam os regimes, em maior ou menor grau, de cmbio fixa, em que o controle do valor nominal da taxa de cmbio era o instrumento podo qual se perseguia, na prtica, a convergncia com a inflao internacional.

    Entre esses dois extremos situava-se um esquema institucional hbrido, em que a ausnum compromisso com o mesmo grau de rigidez que o alemo, com as metas monetrias, dBanco Central certa flexibilidade para reagir a choques, embora no houvesse dvidas acdisposio das autoridades em ter uma inflao, a longo prazo, em torno de 2,0% a 2,5% sem explicitao. Esse regime hbrido por excelncia o do FED, particularidade esta que

    o paroxismo nos anos Greenspan, nos quais, nas palavras de Martin Schurz, economista do Nacional da ustria, em debate com um dos autores deste artigo, h alguns anos o se re y s w yf ce tr B k t seem sm rt, be se t d es t def e t rgets th t d be w.2

    Enquanto nos regimes de taxa de cmbio fixa o Banco Central passivo, nos outros poltica monetria cumpre um papel relevante e, neste sentido, institucionalmente os modeBundesbank e do FED norte-americano representam casos opostos: enquanto o primeiro, frisamos, se caracteriza pela dominncia do objetivo da estabilidade de preos, no caso do Fdeve ser balanceado com o objetivo do pleno emprego, nos termos da seo 2 do Federal Act, que reza que the B rd f G er rs f the Feder Reser e System d the Federc mm ttee sh m t g r gr wth f the m et ry d red t ggreg t

    the e mys g r te t t re se r d t , s s t r m te effe

    2 Em um conhecido artigo, Mishkin (1999) apelidou o regime de j st d t r h, fazendo um paralelo com o lema da Nike( j st d t), significando, de certa forma, uma espcie de regime de metas de inflao no explicitadas.

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    m m em yme t, st b e r es, d m der te g-term terest r tes. Em outras palavras, plenoemprego e estabilidade de preos entram no estatuto com o mesmo st t s. Nesse modelo, ameta, na definio do prprio Greenspan (2005), ter o mx m res me t e m s ste t m erseg d est b d de de re s m m d e essr r .3

    Essa parece ser uma alternativa interessante a ser contemplada no desenho institucional a seradotado por um eventual Banco Central autnomo no Brasil. A explicitao da importncia da estabilidade de preos daria lastro para a Instituio nisso se apoiar para adotar a poltica monetripertinente de acordo com esse objetivo, mas, ao mesmo tempo, a preservao de algum grau dambigidade associado duplicidade de objetivos permitiria ter algum grau de discricionariedadpara acomodar certos choques sem prejudicar desnecessariamente o nvel de atividade.

    3.2 A taxa de inflao no final da transio

    No incio da adoo de um sistema de metas de inflao, um elemento crucial a definiode qual ser o alvo de variao dos preos a ser perseguido a longo prazo, assim que o processo desinflao tiver sido completado. Isto porque a estratgia a ser implementada depender de se mdio e longo prazo pretende-se chegar a uma inflao anual de 2,0% ou de 5,0%, para citar duaalternativas possveis.

    Para avaliar essa questo, til observar a Tabela 1,4 que apresenta a banda de tolerncia dainflao em um conjunto selecionado de 15 pases emergentes e 8 industrializados constantes duma tabulao especfica destinada a avaliar o sistema de metas. Esta tabulao foi preparada pelFMI para um captulo especfico sobre o tema, publicado no World Economic Outooolk de setembro de 2005 (FMI, 2005) e ampliada em funo da publicao de outro texto posterior da mesm

    Instituio. (FMI, 2006). Observa-se que, na mdia, o piso da banda dos emergentes de 2,7%o teto de 4,7%, tendo como ponto intermdio 3,7%, enquanto que nos pases industrializados esseparmetros so de 1,5% (piso) a 2,6% (teto), com ponto mdio de 2,1%.5

    Da observao da Tabela 1 depreendem-se algumas concluses importantes. Primeiro, h umatendncia generalizada a se ter metas de inflao efetivamente muito baixas, inferiores a 5,0%6 Segundo, a inflao dos pases emergentes superior das economias industrializadas. Terceiroos pases emergentes que adotaram metas de inflao tm uma meta central, na mdia, prximade 3,5%, com destaque para o fato de que tanto o pas emergente melhor sucedido dos ltimos 5anos (Coria) como os dois pases latino-americanos com melhor classificao das agncias de ris(Chile e Mxico) tm um ponto intermdio para a meta de inflao de 3,0%.

    3 Citado em Martin Wolf, O legado de Greenspan, F T mes, reproduzido no jornalv r, 19/10/2005.4 Complementarmente, til citar que a mdia da inflao de um conjunto de 16 pases emergentes apresentados em FMI (2005

    no perodo de 2004/2005 foi de 3,5% a.a. A lista inclui a frica do Sul, Bulgria, Chile, China, Colmbia, Coria do Sul, Crocia, ndia, Israel, Malsia, Mxico, Peru, Polnia, Repblica Tcheca, Tailndia e Turquia.

    5 No caso dos emergentes, a mdia puxada para cima pela presena de dois novos entrantes que implementaram o sistemde metas de inf lao em 2005, ou seja, 6 anos depois do Brasil e comeando com uma inflao relativamente alta, de quase 10%Romnia e Indonsia, que adotaram o regime com uma meta inicial de 7,5% e 5,5%, respectivamente.

    6 Na Tabela 1, entre as 15 economias emergentes consideradas, em apenas 2 casos o intervalo de tolerncia entre piso e teto mais de 200 pontos bsicos; s em 2 pases o teto de tolerncia de mais de 6,0% e apenas 1/3 das economias (ou seja, 5) tm uponto central do sistema de metas de inf lao superior a 4,0%.

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    Tabela 1 Metas de inflao em pases selecionados (%)Pases emergentes Intervalo Ponto intermdio intervalo (Piso-Tetofrica do Sul 3,0/6,0 4,5 3,0

    Chile 2,0/4,0 3,0 2,0Colmbia 4,5/5,5 5,0 1,0Coria do Sul 2,5/3,5 3,0 1,0Eslovquia 2,5/4,5 3,5 2,0Filipinas 5,0/6,0 5,5 1,0Hungria 2,5/4,5 3,5 2,0Indonsia 4,5/6,5 5,5 2,0Israel 1,0/3,0 2,0 2,0Mxico 2,0/4,0 3,0 2,0Peru 1,5/3,5 2,5 2,0Polnia 1,5/3,5 2,5 2,0Repblica Tcheca 2,0/4,0 3,0 2,0Romnia 6,5/8,5 7,5 2,0Tailndia 0,0/3,5 1,8 3,5Mdia emergentes 2,7/4,7 3,7 2,0

    Pases industrializados Intervalo Ponto intermdio intervalo (Piso-TeAustrlia 2,0/3,0 2,5 1,0Canad 1,0/3,0 2,0 2,0Inglaterra 2,0/2,0(*) 2,0 0,0Islndia 2,5/2,5(*) 2,5 0,0Noruega 2,5/2,5(*) 2,5 0,0Nova Zelndia 1,0/3,0 2,0 2,0

    Sucia 1,0/3,0 2,0 2,0Sua 0,0/2,0(**) 1,0 2,0Mdia industrializados 1,5/2,6 2,1 1,1

    (*) No h intervalo, mas apenas uma meta pontual.(**) O piso foi adotado somente para efeitos de composio da presente tabela. Formalmente, h apenas um teto de 2,Fonte: Para as economias emergentes, FMI (2006, tabela 1). Para os pases industrializados, FMI (2005, tabela 4.1).

    3.3 A velocidade da desinflao

    Os pases que atingiram taxas de inflao estveis, ou seja, que tendo adotado o regimetas tm atualmente uma banda horizontal que no muda anualmente , chegaram, mvezes, a essa situao, especialmente no caso de pases emergentes, depois de diversos anolongo processo de desinflao, isto , de reduo da taxa de inflao. Nesse processo, inpodem existir alguns recuos, conforme ensina a experincia desses pases. Tomando como rcia o ano 2000 primeiro ano completo da experincia do Brasil e que coincide aproximadno tempo com uma maior consolidao do f t t rget no mundo , entre o ano de adoodo sistema de metas (inclusive) e o citado ano 2000 a inflao havia aumentado em relaoanterior:

    em 3 dos 4 anos na Inglaterra onde o sistema foi ratificado pelos trabalhistas em 1997em 5 dos 11 anos desde o lanamento do f t t rget, em 1990, na Nova Zelndia; eem 4 e 6 anos dos 8 anos transcorridos desde a adoo do regime em 1993, na Sucia e ntrlia, respectivamente.

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    Tratou-se, portanto, de um processo irregular, com algumas alteraes de rota impostas pelascircunstncias. Mesmo em alguns dos casos mais bem-sucedidos no universo das economias industrializadas, a estabilidade de preos foi alcanada aps anos de transio. Na Amrica Latina, Chile adotou formalmente o sistema de metas de inflao em 1999, mas o pas j tinha uma histria prvia de vrios anos de reduo da taxa de variao dos preos, nos quais, nas palavras de ueconomista do Banco Central chileno, Klaus Schmidt-Hebbel, a um dos autores, d t -se mreg me de met s de f sem ter esse me.

    O Brasil procura, de certa forma, se igualar ao Chile, inequivocamente o pas mais bem-su-cedido, na regio, em matria de controle da inflao. Essa economia, porm, como dito anteriormente, chegou situao atual aps duas dcadas de intenso esforo. No h por que se ter umameta de convergncia com a inflao internacional muito rpida, considerando que se trata de umprocesso gradual e que o relevante que haja condies de que, ao longo da prxima dcada, o Brsil se iguale s melhores prticas da poltica antiinflacionria no universo das Naes, no sendto importante que isto ocorra, por exemplo, daqui a 2 ou 3 anos ou s no comeo da prxima dcada. O fundamental que o regime se consolide gradualmente e que a meta de inflao convirjasuavemente rumo inflao internacional.

    3.4 O horizonte de referncia da meta

    No sistema de metas de inflao implantado na economia brasileira em 1999, a polticamonetria persegue uma meta inflacionria para a variao do IPCA acumulado em doze meseencerrado em dezembro de cada ano, ou seja, com um horizonte de cumprimento de doze mesesdefinido sempre em junho do ano (t-2).

    Um elemento importante do regime de metas definir qual o horizonte de referncia a serconsiderado nas decises de poltica monetria tomadas periodicamente pelo Banco Central. Nestsentido, o raciocnio deve ser desdobrado em duas etapas. Na fase de convergncia rumo a uma taxde inflao estvel (banda horizontal), a questo saber qual a meta relevante para as decisede poltica a cada momento. J na fase em que a transio tiver sido completada, o relevante dicutir como lidar com eventuais desvios.

    Em ambos os casos, partindo do suposto de que enfrentar choques no ano em que estes ocor-rem pode gerar uma volatilidade desnecessria do produto, sendo uma alternativa recomendveque a meta de inflao considerada para as decises de poltica monetria seja sempre do an(t+1). Na fase de transio, isto implicaria que, diante da ocorrncia de um choque, se aceitariacomo natural um desvio entre a inflao de t e a meta originalmente estabelecida, desde que istno comprometesse o objetivo de convergir para a meta traada para o ano (t+1). Imagine-se, poexemplo, que em um ano t, em que a meta de inflao seja de 4,5%, haja algum fator que leve inflao a ser maior, de 5,0%, j sendo conhecida a meta para (t+1) de, por exemplo, 4,0%. No esquema proposto, no ano t, isto poderia ser aceito pelo Banco Central, porm suas aes teriam qupreservar as condies para que a viabilidade de atingir a meta de 4,0% um ano depois no fosscomprometida.

    Na fase em que a transio rumo a uma inflao estvel tiver sido completada, desvios seriamaceitos como naturais, entendendo-se que, a cada ano, as autoridades tomariam as medidas necessrias para um suave retorno da inflao rumo s metas ao longo dos dois anos seguintes.

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    3.5 A amplitude da banda

    A definio dos intervalos de tolerncia da banda de inflao extremamente relevano regime de metas, para acomodar choques no previstos ou com intensidades fora das extivas. A ocorrncia de choques pode exigir uma calibragem diferenciada da poltica monetcombate inflao, principalmente se a autoridade monetria tambm priorizar a minimizavolatilidade do produto no curto prazo. Quando ocorrem choques de demanda, as taxas de ine de crescimento econmico tendem a variar no mesmo sentido, no havendo dificuldade nlha da ao do Banco Central. Se h um excesso de demanda, a elevao da taxa de juros dprazo tende a valorizar o cmbio real e aumentar a taxa de juros de longo prazo, o que produdesacelerao da demanda agregada. Se, por outro lado, h um choque de demanda para barecuo da taxa de juros de curto prazo tende a desvalorizar o cmbio real e a estimular a deagregada. A questo calibrar de forma criteriosa o movimento dos juros, para no reduzirmentar demasiadamente a demanda global e a volatilidade do produto interno bruto.

    No caso dos choques de oferta, as taxas de inflao e de crescimento do PIB movemdireo oposta. Assim, necessrio que o Banco Central estabelea a velocidade do ajuste creduzir a inflao em funo da desacelerao do crescimento e vice-versa. O dilema que ssenta reduzir a taxa de inflao rapidamente, sacrificando mais a taxa de crescimento do Pacomodar o choque, reduzindo a taxa de inflao, para a meta, de forma mais lenta, minimia volatilidade do produto. Portanto, h um dilema entre estabilizao do crescimento e da inO governo deve anunciar o porcentual do choque de oferta que deve ser combatido naquelodo, com a ressalva estratgica de que no anular plenamente os efeitos do choque na inde curto prazo, mas eliminar os impactos secundrios na tendncia da inflao. Svensson afirma que o ajuste gradual da inflao meta de inflao de longo prazo mais apropriad

    aliar a minimizao das flutuaes do produto manuteno da inflao baixa e estvel.Na Tabela 1, constata-se que a maioria dos pases tem optado por conciliar os objetivbaixa inflao e minimizao da volatilidade do produto mediante a adoo de uma banda drncia para a meta de inflao, mas que esta tem sido relativamente estreita. Em particular,

    no caso dos pases industrializados, a diferena mdia entre piso e teto de apenas 110 bsicos (1,1%);nos pases emergentes, essa diferena de 200 pontos (2,0%);a diferena mxima de 2,0% nos pases industrializados; enas economias emergentes, a diferena mxima de 3,5%, porm em uma situao mui

    ticular em que o teto da banda exatamente de 3,5%.Constata-se tambm que, de um modo geral, Naes em que a meta de inflao ain

    relativamente elevada comportam uma tolerncia maior da amplitude de tolerncia da bconsiderada.

    3.6 O tipo de objetivo (ponto vs. banda)

    A possibilidade de a economia ser atingida por choques e a prpria dificuldade de miraum ponto estrito pem em questo o fato de at que ponto conveniente definir de antemobjetivo preciso, relativamente alternativa de propor alvos baseados simplesmente em um lo, sem a preocupao de apontar para uma meta pontual especfica. Que tipo de meta (banponto) ser adotada , portanto, uma das questes em aberto.

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    Os exemplos nacionais dos pases listados na Tabela 1 apontam que o caso largamente domi-nante considerar que o relevante a banda de inflao, sendo que apenas em 3 casos nacionai todos eles de pases industrializados adota-se como meta um ponto especfico, sem a existncde uma banda de tolerncia. A tabela original do estudo do FMI do qual foi extrada a Tabela indica ainda que dos 15 casos nacionais considerados economia emergentes exceto o Brasil e9 deles adota-se uma meta precisa, em torno da qual h uma margem simtrica de tolerncia, paracima ou para baixo, enquanto que outros 6 pases contemplam uma banda, sem a explicitao deum centro.7 J entre os 8 pases industrializados considerados, apenas um deles adota uma bandadefinida em torno de um ponto central, enquanto 4 adotam um intervalo, sem definio de que ameta precisa o ponto intermdio, e trs adotam apenas um ponto, sem qualquer banda.8

    3.7 O ndice de preos considerado (ndice cheio vs. ncleo)

    Alguns pases, dentre os que adotam regimes de metas de inflao, utilizam como parmetrode referncia a variao dos preos de um ndice que expurga alguns componentes (ncleo). Odebate acerca da convenincia de se adotar um ncleo, porm, deve necessariamente levar em contrs elementos.

    Em primeiro lugar, nesses pases os itens excludos representam apenas uma frao modestado ndice total, enquanto que no Brasil s os preos administrados representam em torno de 30%do IPCA e, na composio dos preos dos produtos comercializveis, h um peso no desprezvde itens altamente volteis, como os produtos t r. A adoo de ncleo por excluso levariafacilmente a excluir, no Brasil, aproximadamente 40% do ndice, o que tenderia a faltar relevncao ndice expurgado e a dificultar o apoio a uma proposta baseada em um sistema que deixa de

    fora 40% dos preos que afetam o dia-a-dia do cidado comum.Em segundo lugar, a escolha do ndice de preos a ser acompanhado deve estar associada amplitude da banda. Em outras palavras, pode fazer sentido levar em conta um ndice de ncleose a banda de referncia for muito estreita, mas se, como no Brasil, h uma amplitude grande entro piso e o teto de tolerncia, no faz muito sentido adotar, alm de uma banda larga, um ndice depreos que no seja o ndice cheio.

    Finalmente, a questo da escolha do ndice tambm depende do horizonte de referncia. Defato, se o que se procura acertar a taxa a cada ano, mais fcil ter uma meta associada a umndice que flutue menos do que a um ndice mais voltil. Entretanto, se o objetivo da polticamonetria for o de perseguir um objetivo um ou dois anos frente, e dado o princpio de que oncleo tende a flutuar em torno do ndice cheio, no h razes r r para suspeitar, com tantaantecedncia, que dois anos depois da deciso de um comit de poltica monetria acerca da taxde juros os ndices cheio e de ncleo seguiro trajetrias muito diferentes entre si. Portanto, estende a ser uma questo incua se o horizonte de referncia for ampliado do ano em curso para umou dois anos frente.

    3.8 Clusulas de escape

    A princpio, a incluso de clusulas de escape no regime de metas permitiria acomodar choques de oferta, minimizando os custos em termos de produto e emprego. Essas clusulas justifica7 Na Tabela 1, para efeitos de apresentao, no se fez distino entre ambos os casos.8 Como exemplos do que foi dito, para fixar bem as diferenas para o leitor, tomem-se 3 casos: o Chile adota uma banda de 2,0

    a 4,0%, sem explicitao de que o alvo exatamente 3,0%; a Sucia adota um alvo de 2,0%, com tolerncia de 1,0% para cimapara baixo; e a Noruega adota um alvo de 2,5%, sem definio de uma banda.

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    riam mirar um ponto da banda que no o centro da meta, desde que esse ponto esteja cno intervalo da banda. Em diversos Bancos Centrais, como na Nova Zelndia, Sua, fSul e Repblica Tcheca, a poltica monetria calibrada de forma a evitar excessiva instabdo produto e da taxa de cmbio. (Ferreira e Petrassi, 2002).

    Podem ser citados alguns exemplos de clusulas de escape que justificariam os desvmeta anual, tais como: variaes significativas dos preos internacionais, da taxa de cmmstica, da produo agrcola ou dos preos regulados, dentre outros. Por outro lado, deveem mente que a introduo de um nmero excessivo de clusulas de escape pode ser interpcomo alguma medida de relaxamento da poltica monetria, principalmente quando a trajetinflao est ascendente.

    De qualquer forma, h uma espcie de dilema entre a vigncia das clusulas de escapamplitude da banda de tolerncia aceita para a inflao, uma vez que bandas relativamente avisam justamente acomodar a possibilidade de choques. Neste sentido, uma banda maior as que vigoram em outros pases prescindiria da existncia formal de clusulas de escape.

    Em relao ao que foi dito no item anterior, a adoo de clusulas de escape no devecontemplada antecipadamente em relao ao centro da banda e sim apenas no caso de a inexceder o teto de tolerncia do regime. Ou seja, se a cada ano o Banco Central opera tendoreferncia a meta para dois anos frente, no h por que conceber, com dois anos de anteceque algum evento impedir o cumprimento da meta. Entretanto, eventos particularmente advque em determinadas circunstncias levem ao descumprimento at mesmo dos limites extpodem ser justificados por clusulas de escape invocadas no ano em que isso ocorrer, peloem relao ao descumprimento do teto mais restrito no caso de ser adotado um regime dbandas, conforme ser apresentado na seo 4.

    4 a agenda instituciOnal

    Esta seo apresenta uma proposta concreta de agenda institucional, para ser considno debate sobre o regime de poltica monetria a ser adotado na segunda metade da dcadaEla contempla diferentes elementos: i) a autonomia operacional do Banco Central; ii) a defdo objetivo a ser perseguido pelo Banco Central; iii) a meta de inflao de longo prazo; ivponsabilidade institucional pela definio da meta de inflao; v) a mudana do COPOMadoo do conceito de Diretores externos, como ocorre em outros pases; vii) a concesso

    um representante do Ministrio da Fazenda; viii) a maior diversificao terica na composiCOPOM; e ix) o fortalecimento institucional do Banco Central.

    4.1 A autonomia operacional do Banco Central

    A autonomia do Banco Central uma das reformas mais importantes que precisam ser vadas com vistas modernizao institucional do Pas. H quatro fortes razes para isto:

    o ambiente internacional. Aqueles que so talvez os trs principais Bancos Centrais do m o FED dos EUA, o Banco Central Europeu e o Banco Central da Inglaterra adotaprincpio da autonomia da autoridade monetria, o que d um forte respaldo adoo

    9 Esta seo tem um paralelo com o texto de Pessa (2005). Agradecemos a ele a gentileza do encaminhamento prviverso preliminar do parecer tcnico que estava elaborando no mbito do Senado Federal, sobre o tema da autonomia dCentral.

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    proposta, alm de mostrar que ela perfeitamente consistente com a prevalncia de um am-biente democrtico, no sendo vlido o argumento de que a medida implica dar poderes acimdos do povo a uma casta de tcnicos. Na prpria Amrica Latina, alguns dos principais paseda regio, com exceo do Brasil Argentina, Mxico, Chile, Colmbia e Peru, entre outros tm Bancos Centrais autnomos;a literatura sobre o tema. A literatura acerca da autonomia do Banco Central tende a favorecea tese de que ela positiva para um melhor controle da inflao (Cukierman, 1992; Alesina Summers, 1993; Werlang e Maziero, 2004);o primado de decises tcnicas em detrimento de injunes polticas que podem provocar umbaixa de juros que leve a um aumento posterior dos preos, pelo relaxamento da poltica monetria; eo isolamento da conduo da poltica monetria do ciclo poltico, minimizando a possibilida-de de surgimento de picos de incerteza que podem se revelar nocivos para a economia, como

    aconteceu, por exemplo, em 2002, em face do desconhecimento de quais critrios iriam norteaa conduo da poltica monetria aps a mudana de governo.

    A tese de que a autonomia do Banco Central seria atualmente desnecessria tem se funda-mentado no ponto (c) acima, pois, com base nessa interpretao, o BC j seria de fato independente, afirmao esta, com efeito, verdadeira quanto forma com que a poltica monetria vem sendconduzida nos ltimos anos, tanto na gesto do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso comona gesto atual. O problema que essa autonomia de fato, exatamente por no ser de j re, nogarante a vigncia do ponto (d), ou seja, ao se aproximar da realizao de um pleito eleitoral paraescolha do Presidente da Repblica, existe a possibilidade de que a poltica monetria corra o riscde perder eficcia com o passar do tempo, por no se saber se ela ter continuidade aps a realizao das eleies.

    A autonomia do Banco Central, porm, deveria ser concedida sob a forma de um contratoentre a Instituio e a sociedade, por meio do qual ela cumpriria um mandato definido pela sociedade. Nas palavras de Alan Blinder, the b ks b s g s re h se by e e ted t

    e e ted te h r ts. (Blinder, 1998, p. 67). Em outros termos, a idia que a sociedade, por meiodo seu poder poltico, defina as metas principais a serem perseguidas pelo Banco Central, e este,luz desse ditame, tome as suas decises com base em critrios estritamente tcnicos.

    A autonomia do BC deveria se manifestar na existncia de mandatos fixos, intercalados independentes dos do Presidente da Repblica, tanto para os Diretores como para o Presidente d

    instituio. Como forma de permitir a existncia de uma vlvula de escape que permita resolvesituaes de impasse profundo entre o Banco Central e o poder poltico, pode-se prever a possiblidade de demisso em caso extremo, condicionada, porm, aprovao do Parlamento. Ou seja, Presidente da Repblica poderia propor ao Congresso a demisso de um Presidente ou Diretor dBC, mas ela s seria efetivada se o Congresso aceitasse o pedido. Esta clusula, porm, deve ser tendida como uma brecha para resolver situaes de extrema tenso, que se espera nunca venhama ocorrer, e que visa ampliar a possibilidade de aprovao da autonomia por parte do Congressoe tambm para que no se utilize o argumento de que haveria um grupo de tcnicos que poderiadecidir os destinos do pas acima do poder poltico. Diante das perturbaes que um episdio dessnatureza poderia causar no mercado, claro, porm, que a clusula teria um papel basicamente

    dissuasrio, que se espera, mais uma vez, nunca se tenha que utilizar. Ao mesmo tempo, entendemos que para que se inicie a vigncia da autonomia de direito doBanco Central desejvel que:

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    a poltica antiinflacionria esteja operando em regime, ou seja, sem a necessidadeproceder a desinflaes adicionais, com vistas a estabelecer um contrato duradouro sociedade e a autoridade monetria, com metas de inflao j estveis; eo Pas tenha taxas de juros reais menores que as dos ltimos anos, sem o que ser difcil que a classe poltica abdique da possibilidade de o Executivo preservar o direito de demPresidente do Banco Central, caso julgue necessrio.

    Por isso, o que se prope neste texto que o prximo governo complete a transio resse regime estvel e aprove a autonomia da Instituio, mas com vigncia somente a pa2011, no governo seguinte, e com uma experincia inicial de um mandato-tampo de doisS a partir de ento, em 2013, seriam estabelecidos mandatos intercalados entre os PresideRepblica e do Banco Central.

    Inicialmente, o primeiro mandato independente do Presidente do Banco Central iria dneiro de 2011 a janeiro de 2013, de tal forma que at dezembro de 2010 (e a intervalos regu4 anos depois do primeiro mandato de 2 anos) o Congresso Nacional examinar a indicapelo Poder Executivo. Isto implicaria ter mandatos intercalados com o de Presidente da Rea partir de 2013, ambos por 4 anos, sendo o restante dos Diretores escolhidos por meio de tema de vencimento, tambm escalonado, dos respectivos mandatos. Tanto no caso do Presda Instituio como dos Diretores haveria a possibilidade de reconduo, limitada a umarepetio.

    4.2 A funo de preferncia da sociedade, imposta ao Banco Central

    Um ponto essencial que deve ser estabelecido no mandato a ser atribudo ao Banco C que peso relativo deve ser dado estabilidade de preos comparativamente a outras prioeventuais que a sociedade possa almejar a alcanar e que eventualmente podem entrar em centre si. Tipicamente, conforme antes mencionado, aqui a escolha entre o modelo do FEDque se prev um certo equilbrio entre os objetivos de alcanar a estabilidade de preos e osximizar o emprego, e o do antigo Bundesbank, transferido depois para o Banco Central Euem que o nico objetivo da autoridade monetria o combate inflao.

    Este ponto importante, porque muitas vezes critica-se o Banco Central no s no Bmas tambm em diversos pases por, supostamente, ser excessivamente rgido no cominflao, quando a rigor o que ele persegue um mandato definido por terceiros. Neste se

    a definio de quais objetivos deve perseguir estabelecer o peso relativo que o BC deversuas definies de combate inflao. Por exemplo, se a economia encontra-se em recesso nico objetivo atribudo ao BC o combate inflao, ento ele no ter razes para seflexvel na sua poltica. J se entre os seus objetivos encontra-se o de combater situaes de do desemprego, ele pode aceitar um aumento dos preos maior do que o inicialmente contemse isto for visto como benfico para perseguir outros objetivos julgados relevantes.

    Nossa sugesto que o mandato a ser conferido ao Banco Central seja relativamente adefinindo que a Instituio deve perseguir a estabilidade de preos, entendida como a obde um patamar de inflao baixa e estvel, bem como criar as condies favorveis ao creseconmico, reduo do desemprego e minimizao da volatilidade do produto. Isto dInstituio uma certa flexibilidade para acomodar algumas tenses, eventualmente pratiuma poltica monetria diferente da que vigoraria caso o seu nico objetivo fosse a estabilipreos. Em ltima instncia, o que se deseja no ter uma variabilidade significativa da tax

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    flao, nem do crescimento do produto e do desemprego. O peso relativo conferido a cada objetiviria variar dependendo da composio da Diretoria da Instituio, como ocorre em vrios BancoCentrais do mundo, o que responderia tambm s caractersticas dos governos.10 No longo prazo,o que se deseja consolidar uma situao em que, de um modo geral, a economia opere com umtaxa de inflao prxima da internacional, e isto crie um ambiente de estabilidade que estimulos investimentos e o crescimento, entendendo-se no haver incompatibilidade de longo prazo entros objetivos de inflao baixa e crescimento a taxas satisfatrias.

    4.3 A meta de inflao de longo prazo

    Na segunda metade da dcada de 1970, a taxa mdia de inflao mdia simples entre os pases das quatro economias, de certa forma, na poca, mais atrasadas do bloco de 15 pases do qudepois veio a se constituir a Unio Europia Itlia, Portugal, Espanha e Grcia era de 18,3%(IPC). Vinte anos depois, no conjunto do qinqnio 1996/2000, a mesma mdia era de 3,1%Hoje, em meados da primeira dcada do sculo XXI, os quatro pases integram a zona do euroonde vigora o critrio do Banco Central Europeu de perseguir uma meta de inf lao de no mxim2%. Esse processo de convergncia com a inflao internacional, porm, demorou quase 30 anosno foi isento de alguns recuos.11

    Paralelamente, a noo do que sejam preos estveis, entendidos como inflao baixa, fmudando com o tempo nos prprios pases mais avanados. Nos EUA, por exemplo, no comeo dera Greenspan, na mdia de 1986/1990 a inflao anual ao consumidor foi de 4,0% taxa que hojseria considerada elevada , enquanto que na mdia anual de 1996/2000 j havia cado para 2,5%

    Adicionalmente, difcil isolar completamente um pas do contexto regional no qual se en-

    contra. evidente que a taxa de inflao normal da Grcia que muitos julgavam tradicionalmente ser o pas mais latino-americano da Europa Ocidental, em matria econmica hojeafetada pelo fato de pertencer Unio Europia. Analogamente, o Chile tem uma meta de inflaentre 2% e 4% a.a., que talvez pudesse ser mais ambiciosa isto , menor se o pas estivesse eoutra regio do mundo. Por outro lado, tambm as regies mudam com o tempo: o Sudeste asiticera uma rea miservel no imediato Ps-Guerra e hoje sinnimo de crescimento, estabilidade dinamismo econmico.

    Por essas razes, no conveniente cristalizar de forma excessivamente rgida a meta de inflo de um pas em um arcabouo legal. No entanto, como importante contar com uma sinaliza-o que opere como parmetro de referncia para a atuao das autoridades, um meio-termo salomnico seria estabelecer um objetivo de longo prazo, deixando s autoridades certa liberdade padefinir o dia-a-dia da implementao das polticas, conforme ser exposto no restante do trabalho

    Para julgar o que poderia ser uma meta adequada para o longo prazo, til observar nova-mente a Tabela 1, agora conjuntamente com a Tabela 2:

    a Tabela 1 mostra que o ponto intermedirio entre o piso e o teto da banda de tolerncia paraa inflao dos 15 pases emergentes com sistema de metas considerados na tabela tambm dordem de 3,5%;12

    10 Na terminologia convencional, comum se falar de um b rd onde convivem pombos (relativamente flexveis) e falces(ortodoxos).

    11 Entre 1976/1980 e 1981/85, a taxa de inf lao mdia por perodo chegou inclusive a aumentar, tanto na Grcia como em Portugal.12 Observe-se, porm, que excluindo os casos da Colmbia (que h 10 anos tinha uma inf lao que flertava com o nvel de 20%

    Filipinas (que se distingue dos casos de sucesso do Sudeste asitico) e Indonsia e Romnia, que adotaram o sistema de metah apenas um ano, o ponto intermdio do intervalo da banda dos 11 pases emergentes restantes da Tabela 1 de 2,9%.

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    a Tabela 2 apresenta as taxas mdias de inflao para perodos de 5 anos no Chile e no Mdois pases cujas gestes macroeconmicas tm merecido, no ambiente internacional, delogios nos ltimos 10 anos. Observa-se que a taxa mdia de inflao no Chile nos ltianos foi inferior a 3% a.a., embora h alguns anos fosse maior do que esse nvel, enquanno Mxico, ainda sob a influncia defasada dos efeitos da alta inflao observada logoda desvalorizao de 1994/1995, a inflao mdia em 5 anos s caiu abaixo de dois dg2002, e nos ltimos 5 anos situou-se ainda nas proximidades de 5%.

    Tabela 2 Chile e Mxico: inflao: taxas mdias Perodos de 5 anos IPC (%a.a.)

    Pas 1995/98 1996/00 1997/01 1998/02 1999/03 2000/04 2001/05

    Chile 5,5 4,8 4,0 3,4 2,7 2,7 2,5Mxico 24,5 16,5 11,9 9,9 7,0 5,6 4,4

    Fonte: CEPAL.

    As concluses gerais que podem ser tiradas da observao conjunta desses dados soguintes:

    a inflao brasileira, prevista para 2006, em termos arredondados, em aproximadamenainda elevada para padres internacionais e preciso que diminua;o padro de excelncia mundial uma taxa de inf lao em torno de 2%, considerando quzona do euro possui uma taxa de inflao que, conforme o balizamento do Banco Centraropeu, no deveria ultrapassar 2,0%; b) os pases com as melhores prticas do sistema decomo Nova Zelndia e Inglaterra, tm um alvo de 2,0%; e c) em que pese a recente elda taxa de inflao cheia, o ncleo do IPC nos EUA continua aumentando aproximadam2,0% a.a.;de um modo geral, mesmo os pases emergentes melhor sucedidos tm uma taxa de inligeiramente superior dos pases industrializados; eo padro a ser imitado no Brasil a longo prazo, por exemplo na prxima dcada, deveride uma inflao da ordem de 3,0% a.a. como tm atualmente o Chile e a Coria do Supor acaso as duas estrelas no universo dos pases emergentes.

    4.4 A definio da meta de inflao por parte do poder poltico

    O modo institucional que nos parece mais adequado para formalizar os objetivos da poantiinflacionria seria estabelecer, na Lei que definisse a independncia do Banco Central, qteria que ser condicionado aos limites de um sistema de metas de inflao, associado, por sa uma hierarquia decisria caracterizada pelos seguintes elementos:

    adoo de autonomia operacional para o Banco Central;subordinao do Banco Central aos ditames de uma Lei que defina a estabilidade de pcomo um dos seus objetivos, nos moldes antes explicitados; eadoo de uma institucionalidade apoiada nas boas prticas de diversos pases que impl

    tam regimes de metas de inflao, em que tais metas sejam estabelecidas em funo ddeterminao delegada pelo poder poltico.

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    Parece-nos que a vantagem mais importante desse arcabouo explicitar, de forma inequvoca, que o objetivo de atingir uma inflao sistematicamente baixa seria da sociedade como um tod objetivo expresso por meio de sua representao poltica no Congresso Nacional e no do Presidente do Banco Central ou do Presidente da Repblica. Crticas conduo da poltica monetrisob a alegao de um suposto conservadorismo excessivo das suas aes ou a existncia de umobsesso com o combate inflao cairiam provavelmente em desuso, por inadequao realidde dos fatos. O Banco Central teria, ento, um mandato claro a ser perseguido ao longo do tempo

    Ao mesmo tempo, a poltica monetria est sujeita a injunes de curto prazo, de modo que necessrio estabelecer um certo equilbrio entre o carter da regra das disposies da Lei e uespao mnimo para a vigncia de certo grau de discricionariedade, sem o qual a Lei pode se tornuma letra morta.

    Nesse sentido, prope-se que a Lei que conceda a autonomia operacional ao Banco Central:defina o objetivo da estabilidade de preos, entendida como uma inflao baixa em termos per

    manentes, como um dos parmetros fundamentais para a orientao da autoridade monetria;determine que, a partir de ento, o Banco Central balize as metas de inflao de longo prazoem funo de parmetros aprovados previamente pela Comisso de Assuntos Econmicos(CAE) do Senado, ante a proposta do Poder Executivo;permita CAE delegar ao Conselho Monetrio Nacional a definio de parmetros operacio-nais mais estreitos para a atuao no dia-a-dia das autoridades monetrias.

    Concretamente, prope-se um r k g por meio do qual: i) a Lei determine que o BancoCentral deve perseguir a estabilidade de preos; ii) a CAE determine um sistema de piso e tetpermanentes(salvo deliberao em contrrio da prpria CAE, ante a proposta do Poder Executivo)para o intervalo de tolerncia da inflao (banda larga); e iii) o Conselho Monetrio Naciona(CMN) determine um piso e teto com intervalo menor (banda estreita) condicionado aos par-metros impostos pela CAE.

    Mais especificamente, prope-se uma transio suave rumo a um regime similar ao do Chilecom piso de 2% e teto de 4%, entendendo que mesmo neste caso paradigmtico houve algumaoscilaes da inflao ao longo do tempo (Tabela 3). Esta transio seria marcada pelos seguinteeventos:

    2006 o CMN, ainda no governo atual, conserva para 2008 a mesma meta de inflao jdefinida para 2007, de 4,5%, deixando assim para o futuro governo a definio da velocidadde convergncia rumo inflao internacional, mas inicia o processo de reduo gradativa dintervalo de tolerncia da inflao, hoje largamente superior ao de outros pases que adotam f t t rget;2007 o novo governo acata as decises para 2007 e 2008 tomadas em junho de 2005 e de 20mas anuncia trs mudanas operacionais: i) ampliao do CMN, com excluso do Presidentedo Banco Central, para evitar situaes de conflito de interesses entre as decises deste e obedincia por parte do Banco Central a uma deciso de um colegiado do qual at agora parte integrante. O novo CMN seria composto pelos Ministros da Fazenda, de Planejamento,da Casa Civil, da Indstria e Comrcio e do Trabalho, com o pressuposto de que esse conjun-to representaria a vontade do governo como um todo e no apenas da equipe econmica; ii)substituio do m d s er d do COPOM, para que a partir de janeiro de 2007 as decisesreferentes s taxas de juros a cada ano levem em conta o sistema de meta de inflao para o anseguinte e no mais para o ano corrente, procurando minimizar as flutuaes do produto; e iii)novas redues do intervalo de tolerncia da banda;

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    2007/2010 adoo de decises referentes s metas de inflao para 2009 a 2011, gradudeclinantes, com diminuio, em paralelo, do intervalo de tolerncia;2009 encaminhamento ao Congresso Nacional da proposta de autonomia do Banco Cepara ser votada at 2010 e comear a vigorar em 2011;13

    2011 incio da vigncia da autonomia operacional do Banco Central, j sob a vignciagislao aprovada na gesto de governo 2007/2010.

    Tabela 3 Chile: inflao-IPC (%)

    Ano Taxa de in ao

    1999 2,32000 4,52001 2,62002 2,82003 1,12004 2,42005 3,6

    Fonte: CEPAL.

    Os nmeros apresentados na Tabela 4 obedecem a esse cronograma e so meramente tevos, luz do contexto existente no primeiro semestre de 2006, podendo sofrer algumas altdependendo do rumo dos acontecimentos nos prximos anos. O elemento do qual o novo go

    no deveria abrir mo, pela sua importncia para a definio clara da permanncia da estabiseria o encaminhamento, ainda na gesto 2007/2010, para aprovao CAE, do sistema deteto entre 1% e 5% para o sistema de meta de inflao (banda larga) a partir de 2011. A estreita seria condicionada por ela e iria se aproximando gradativamente da situao do Chiuma banda com piso de 2% e teto de 4% at meados da prxima dcada. Portanto, a banda rte diminuiria de 400 pontos bsicos para 200 pontos bsicos.

    Assim, o ponto intermedirio da banda definida pelo CMN cairia de 4,5% em 2008, parem 2009; 3,5% em 2010; e 3,0% em 2011. Uma taxa de inflao de 3% parece ainda excessambiciosa para o Brasil na atualidade, mas no mais o seria 17 anos depois do lanamento doReal. Isto daria ao Pas mais alguns anos para estar em condies de sustentar, de forma dur

    um regime de metas com uma inflao efetivamente baixa, uma vez que se aproveitaria o pgoverno para:diminuir a inf lao at o ponto em que a banda de tolerncia poderia ser horizontal, no mais necessrio promover novos passos no caminho da desinflao da economia;aprovar as reformas que o Pas ainda necessita para poder dar por encerrada a crise fiscltimos 20 anos;reduzir substancialmente a relao Dvida pblica/PIB;modificar a composio da dvida pblica, eliminando os ttulos indexados SELIC movendo a substituio integral dos mesmos por ttulos pr-fixados e indexados a ndi

    preos, o que aumentaria muito o poder da poltica monetria;13 A racionalidade da proposta a ser encaminhada ao Congresso em 2009 e no em 2007 que em 2007 haver neces

    aprovar outras reformas mais urgentes e ser politicamente recomendvel evitar congestionar a pauta legislativa quanou trs Propostas de Emenda Constitucionais cruciais para o futuro do Pas estiverem sendo votadas pelo Congresso.

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    diminuir gradativamente as taxas de juros reais, o que possivelmente promoveria algum ajustamento parcial da taxa de cmbio real; eacumular reservas internacionais, de forma a se poder dispor de um colcho de liquidez externque permita economia estar em condies de enfrentar situaes adversas sem sofrer grandeflutuaes da taxa de cmbio real.14

    Em tais circunstncias, o Pas estaria pronto, na prxima dcada, mais de 10 anos depois deiniciado o regime, para operar as metas de inflao em condies ideais, com uma banda estveuma vez completada a transio desinflacionria iniciada em 1994 e interrompida temporariamentpelos acontecimentos associados s megadesvalorizaes de 1999 e 2002.

    O sistema proposto implicaria, pelas atribuies conferidas CAE, um predomnio claro dopoder poltico como condicionante das decises tcnicas, evitando que as aes do Banco Centrsejam julgadas como sendo tomadas acima do poder do Presidente da Repblica.

    Tabela 4 Proposta de metas de inflao (%)Ano 2007 2008 2009 2010 2011/...Regime atu