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O BRINCAR NO AMBIENTE DE CRECHE PÚBLICA E A INTENCIONALIDADE PEDAGÓGICA Manuela Cristina Souza Mendes 1 Pollyanna Barreto Linhares Bastos de Nazaré 2 Santana Moura 3 RESUMO O principal objetivo desta pesquisa foi verificar se haveria articulação ou desarticulação entre o conhecimento teórico e a prática, em relação ao brincar, das educadoras que atuam com crianças com faixa etária entre um e dois anos em Grupo Infantil 1, de creche pública municipal. O tema conta com a contribuição teórica de autores da Psicologia como Piaget e Vygostsky, entre outros, e tem destaque no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Foram utilizados como procedimentos para coleta de dados: observações in loco e questionários, aplicados com 12 educadoras. Os resultados obtidos indicam a existência de uma disparidade entre os conhecimentos demonstrados pelas educadoras e a aplicação destes na realidade de espaços educativos. PALAVRAS-CHAVE: Brincar, Educação Infantil, Planejamento. 1 INTRODUÇÃO O interesse em pesquisar o brincar surgiu, principalmente, por conta da vivência de duas das autoras na função de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil (ADI), em Creches públicas da região metropolitana do Recife, lugar em que, constantemente, verificam-se diversas situações onde o brincar se faz presente, com ou sem o propósito de estimular o desenvolvimento das crianças beneficiárias deste serviço. 1 Graduanda do curso de Licenciatura em Pedagogia – Centro de Educação/UFPE. Email: [email protected] 2 Graduanda do curso de Licenciatura em Pedagogia – Centro de Educação/UFPE. Email: [email protected] 3 Mestra em Psicologia Cognitiva; Especialista em Administração Escolar e Planejamento Educacional; Especialista em Psicologia do Esporte; Psicóloga e Docente no Ensino Superior. Email: [email protected]

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O BRINCAR NO AMBIENTE DE CRECHE PÚBLICA E A INTENCI ONALIDADE

PEDAGÓGICA

Manuela Cristina Souza Mendes1

Pollyanna Barreto Linhares Bastos de Nazaré2

Santana Moura3

RESUMO

O principal objetivo desta pesquisa foi verificar se haveria articulação ou desarticulação entre o conhecimento teórico e a prática, em relação ao brincar, das educadoras que atuam com crianças com faixa etária entre um e dois anos em Grupo Infantil 1, de creche pública municipal. O tema conta com a contribuição teórica de autores da Psicologia como Piaget e Vygostsky, entre outros, e tem destaque no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Foram utilizados como procedimentos para coleta de dados: observações in loco e questionários, aplicados com 12 educadoras. Os resultados obtidos indicam a existência de uma disparidade entre os conhecimentos demonstrados pelas educadoras e a aplicação destes na realidade de espaços educativos.

PALAVRAS-CHAVE: Brincar, Educação Infantil, Planejamento.

1 INTRODUÇÃO

O interesse em pesquisar o brincar surgiu, principalmente, por conta da

vivência de duas das autoras na função de Auxiliar de Desenvolvimento Infantil

(ADI), em Creches públicas da região metropolitana do Recife, lugar em que,

constantemente, verificam-se diversas situações onde o brincar se faz presente,

com ou sem o propósito de estimular o desenvolvimento das crianças beneficiárias

deste serviço.

1 Graduanda do curso de Licenciatura em Pedagogia – Centro de Educação/UFPE. Email: [email protected] 2 Graduanda do curso de Licenciatura em Pedagogia – Centro de Educação/UFPE. Email: [email protected] 3 Mestra em Psicologia Cognitiva; Especialista em Administração Escolar e Planejamento Educacional; Especialista em Psicologia do Esporte; Psicóloga e Docente no Ensino Superior. Email: [email protected]

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Vislumbra-se a relevância deste estudo pela possibilidade de chamar a

atenção de educadores e demais interessados sobre as implicações sócio-

educacionais do brincar, no ambiente coletivo de creche pública, no qual crianças

ficam separadas dos familiares sob os cuidados de pessoas estranhas, cuja

convivência passa a ter grande importância para o seu desenvolvimento como ser

humano. A exigüidade do tempo destinado à elaboração de um Trabalho de

Conclusão de Curso não permitiu uma inserção mais profunda na questão teórica do

brincar, no entanto, alguns autores foram chamados ao diálogo para se

compreender melhor as implicações práticas deste fenômeno tão presente na vida

das crianças, especialmente as mais jovens, num ambiente dito educacional.

Como objeto de estudo elegemos o brincar no “Grupo Infantil 1” que é

atendido em creche, sendo composto por crianças na faixa etária entre um e dois

anos de idade, em média, onde a prática de brincadeiras se faz presente em sua

rotina. Este grupo foi escolhido, porque a partir do olhar cotidiano em sala de aula,

percebermos que quanto menor a criança, mais distanciados pareciam estar alguns

profissionais da educação do reconhecimento sobre a importância desta atividade

para a constituição do ser humano e construção da cidadania. Provavelmente, por

conta disso, percebia-se alguma desvalorização ou pouco investimento pessoal de

educadores desta faixa etária, na elaboração de propostas didáticas que incluíssem

o brincar com intencionalidade pedagógica.

No dia a dia escolar os profissionais podem se reportar a diversas

informações para realizar esta atividade. Estas podem ser adquiridas de diferentes

maneiras: através de conhecimentos prévios, da formação profissional ou ainda

através da construção realizada pelo seu aprendizado diário neste ambiente.

A investigação permitiu responder a uma das questões que motivou o estudo.

Queríamos confirmar cientificamente se existiria ou não orientação com

intencionalidade pedagógica quando as educadoras, no ambiente de Grupo Infantil 1

em creche pública, observavam ou brincavam com as crianças. Além da busca de

respostas para esta indagação procurou-se, também, verificar se haveria articulação

ou desarticulação entre o conhecimento teórico (anunciado verbalmente mediante

respostas às perguntas do questionário aplicado) e a prática dessas educadoras em

relação ao brincar.

Averiguou-se, por outro lado, se as participantes reconheciam o valor

pedagógico dessa atividade e se elas a introduziam no planejamento pedagógico. O

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questionário e as observações realizadas permitiram verificar de que maneira ele se

fazia presente no ambiente estudado. Foram levantadas hipóteses a serem

confirmadas ou refutadas.

A primeira delas presumia que o brincar desenvolvido com as crianças de um

a dois anos de idade, de duas creches municipais da região metropolitana do Recife

acontecia de forma aleatória, sem planejamento e sem intencionalidade pedagógica.

A segunda supunha que, o brincar desenvolvido por educadoras com essas

crianças, na maioria das vezes, era utilizado para preencher o tempo vago e não

com o intuito de favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem dos aprendizes.

O Referencial Curricular para a Educação Infantil (RCNEI) de 1998 é um

documento norteador para os profissionais e unidades educacionais desta área e

destaca a relevância do brincar como atividade que contribui para a evolução da

autonomia e da identidade da criança. Pode ser considerado como importante

instrumento pedagógico para o desenvolvimento infantil, na medida em que tem o

intuito de desenvolver algo na criança, indo além de um simples passatempo quando

não utilizado apenas como preenchimento do tempo livre das mesmas e sem levar

em consideração o que nelas está sendo desenvolvido. Oliveira et. al, (2005, p.53)

ressalta que “as brincadeiras infantis nem sempre são bem entendidas por certas

pessoas, incluindo alguns educadores que costumam dizer: ‘as crianças estão só

brincando’, como se ali nada acontecesse” (grifo da autora). Desta forma, verifica-se

que, embora o brincar seja um recurso de grande valor para a educação infantil,

nem sempre é reconhecido como desta forma. Esperava-se que esta pesquisa

pudesse somar-se a outras já existentes, vindo a colaborar com os conhecimentos

sobre o brincar no espaço escolar, destacando seu caráter mais prático e mais

próximo da realidade, dentro da sala de aula, no âmbito de creche pública.

2 EDUCAÇÃO NO AMBIENTE DE CRECHE

O termo creche vem da palavra francesa crèche que significa “manjedoura”,

tendo o sentido de acolhimento. Ela revela o olhar assistencialista com o qual

apareceu há cerca de 200 anos, na França. Na época, era instituição que cuidava de

crianças baseando-se na idéia de infância existente naquele período. Alguns fatores

contribuíram para o seu surgimento, entre eles, se destacam o processo de

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fabricação em massa introduzida pela Revolução Industrial na segunda metade do

século XVIII, que encerrou a transição entre o feudalismo e o capitalismo e a

conseqüente saída da mulher do seio familiar para o mercado de trabalho. O ato de

uma criança ser deixada na creche era visto como um abandono das mesmas por

suas mães.

No Brasil, com a chegada da Industrialização, as creches tornaram-se

necessárias pelo fato das mulheres não terem onde deixar seus filhos durante o dia,

para poderem trabalhar nas indústrias. Na década de 50, com a expansão das

indústrias, estas instituições passaram a ser defendidas também por médicos, pelo

fato de estarem preocupados com as freqüentes doenças que acometiam as

crianças pobres que viviam em péssimas condições de higiene. De acordo com

Oliveira (2007), embora fosse um problema criado pelas transformações econômicas

e sociais, o governo não via a creche como sua obrigação, mas como um favor

prestado à população mais pobre, tendo em vista que, nesta época, não existia uma

legislação que o obrigasse a prestar assistência à população através das creches.

Na segunda metade do século XX, percebe-se uma grande preocupação da

sociedade com o aumento da marginalidade entre as crianças e adolescentes das

classes pobres, por isso, a educação passou a ter um caráter compensatório que

visava suprir as necessidades culturais e intelectuais destas população.

Em 1988, com a Constituição Federal, a educação infantil foi reconhecida

como direito da criança e dever do Estado pelo artigo 208, inciso IV. Nos anos

subseqüentes, houve inúmeras negociações entre diversos setores da sociedade e

do governo, até que em 1996 foi aprovada a Lei nº 9394/96 de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB), onde a educação infantil, na qual as creches estão inseridas, é

considerada como o início da educação básica, o que dá à mesma um caráter

também educativo.

Mais adiante, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

(RCNEI) apresenta o brincar como uma base para a constituição do ato de educar

neste nível educacional e neste sentido

Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidado, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, ao conhecimento mais amplo da realidade social e cultural. (BRASIL: RCNEI, 1998, p23, vol.1)

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Portanto, depreende-se deste referencial que através da brincadeira a criança

pode explorar e reproduzir as situações sociais com as quais convive diariamente,

possibilitando, assim, assumir diferentes papéis em diferentes situações além de

interagir com seus pares. Por intermédio da brincadeira, ela pode demonstrar como

percebe o mundo em que vive e elaborar suas próprias regras de convivência como

reconhecido por Wajskop (1997), quando diz que a brincadeira é uma atividade na

qual as crianças pensam e experimentam o seu cotidiano. Ao contextualizar as

brincadeiras, o educador pode utilizar as vivências do dia a dia das mesmas em

favor do crescimento pessoal e da aprendizagem.

O brincar na educação infantil é relevante, pois ele “fornece à criança a

possibilidade de construir uma identidade autônoma, cooperativa e criativa”

(ABRAMOWICZ; WAJSKOP, 1999, p. 56). Além do mais, a brincadeira permite que

a criança expresse espontaneamente seus desejos, sentimentos e dificuldades.

Vários teóricos conceituam o brincar em seus estudos, inclusive, porque esta

atividade tem a faculdade de trazer o jogo em seu bojo, dentre eles Piaget e

Vygotsky.

Para Piaget (1981, apud AROEIRA; SOARES; MENDES, 1996, p.69) “o jogo

representa a predominância da assimilação sobre a acomodação. É uma

transposição simbólica que sujeita as coisas à atividade da criança sem limitações”.

Assim, através do brincar a criança pode incorporar situações e objetos ao seu eu,

permitindo o surgimento de comportamentos espontâneos e facilitando a

compreensão da realidade em que vive.

Note-se, também que Piaget (1974) se refere à assimilação como sendo a

relação que une elementos da organização interna com os elementos do meio,

explicando que o funcionamento do organismo não destrói, mas conserva o ciclo de

organização e coordena os dados do meio de modo a incorporá-lo a este ciclo.

Dessa forma, em se tratando da importância do brincar na vida do infante,

Lima (1986, p.33) enfatiza que “não existe nada que a criança precise saber que não

possa ser ensinado brincando (...). Se alguma coisa não é passível de se

transformar em um jogo (problema, desafio), certamente não será útil para a criança

neste momento.” Assim, através do brincar a criança pode incorporar situações e

objetos ao seu eu, permitindo o surgimento de comportamentos espontâneos e

facilitando a compreensão da realidade em que vive.

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Por sua vez, Vygotsky ([ ? ] apud AROEIRA; SOARES; MENDES, 1996, p.68)

enfatiza que no brincar a criança expõe a realidade e as regras comportamentais

que advém do contexto cultural.

A cultura e suas diferenciações inspiram a perspectiva vygotskiana que

preconiza a origem das funções complexas do pensamento a partir das trocas

sociais, sendo que nesta interação os signos, especialmente a linguagem, bem

como a utilização dos instrumentos, teria relevante papel. Provavelmente nenhum

outro contexto é tão rico para estas trocas do que a brincadeira, espontânea ou não,

pois

No ato de brincar ocorrem trocas, as crianças convivem com suas diferenças, se dá o desenvolvimento da imaginação e da linguagem, da compreensão e apropriação de conhecimentos e sentimentos, do exercício da iniciativa e da decisão. (ABRAMOWICZ ; WAJSKOP, 1999, p.59)

Assim sendo, quando se utiliza o brincar como instrumento pedagógico,

mediado pela intervenção do profissional, procura-se manter o caráter lúdico e

prazeroso para os envolvidos e abre-se a possibilidade de todos estes ganhos, seja

para o desenvolvimento ou para a aprendizagem.

Neste âmbito, vale ressaltar a importância da brincadeira livre que pode

ajudar o educador a diagnosticar diversas características das crianças através de

observações realizadas. Tais características podem ser valores, necessidades,

idéias, cognição, comportamento, conflitos e eventuais problemas que a criança

possa vir a apresentar.

É por meio das brincadeiras que os professores podem observar e construir uma visão dos processos de desenvolvimento das crianças em conjunto e de cada uma em particular, registrando suas capacidades de uso de linguagens, assim como de suas capacidades sociais e dos recursos afetivos e emocionais que dispõem. (BRASIL: RCNEI, 1998, p.28, vol.1)

Desta forma, o acompanhamento realizado por quem educa também pode ser

importante para que se possa intervir de forma contextualizada nas brincadeiras das

crianças. Para tanto, torna-se válido que o professor planeje suas intervenções com

base nas observações obtidas e posteriormente faça o acompanhamento para

avaliá-las. Quando a intervenção baseia-se neste procedimento, o educador pode

disponibilizar os materiais adequados e também proporcionar aos seus alunos

situações que desenvolvam muitas de suas competências.

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Ressalte-se que num planejamento não é obrigatório que a atividade proposta

seja seguida à risca, é possível haver modificações; por outro lado, não quer dizer

que ele deva ser usado para controlar ou podar as ações das crianças. Vivenciar

experiências prazerosas pode vir a ser mais importante e mais eficiente do que

executar o planejamento elaborado numa perspectiva antecipatória.

Esta ferramenta pedagógica pode ser elaborada e utilizada coletivamente, de

modo que todos os educadores responsáveis pelos aprendizes tenham consciência

do que vai ser realizado e que possam dar suas contribuições, já que também os

observam em seu cotidiano.

Pais e educadores estão sempre em busca do melhor para suas crianças, e

procuram desenvolver nelas a responsabilidade, o equilíbrio, a inteligência, suas

relações sociais, enfim, prepará-las para o mundo. Contudo, muitas vezes,

esquecem-se que no brincar todas essas habilidades podem ser desenvolvidas.

Oliveira (2007) destaca a brincadeira como um importante recurso para a educação

infantil:

A brincadeira é o recurso privilegiado de desenvolvimento da criança pequena por acionar e desenvolver processos psicológicos – particularmente a memória e a capacidade de expressar elementos com diferentes linguagens, de representar o mundo por imagens, de tomar o ponto de vista de um interlocutor e ajustar seus próprios argumentos por meio do confronto de papéis que nele se estabelece, de ter prazer e de partilhar situações plenas de emoção e afetividade. (OLIVEIRA, 2007, p.231)

Para educadores que atuam na educação infantil e anseiam desenvolver um

trabalho de qualidade com seus alunos, o brincar constitui um elemento importante

no ensino-aprendizagem, levando-o a fazer parte do plano de aula e de outros

projetos a serem desenvolvidos.

3 MÉTODO

Os participantes da pesquisa foram: 12 educadoras atuantes em turmas de

Grupo Infantil 1 de duas creches municipais de uma cidade da região metropolitana

do Recife. Entre elas: uma professora da rede, uma estagiária regente, cinco

auxiliares de desenvolvimento infantil (ADI’s) e cinco estagiárias.

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Os instrumentos usados para coleta de dados foram observações in loco (Ver

apêndice A) e aplicação de questionários com perguntas abertas e fechadas,

incluindo as de múltipla escolha (Ver apêndice B) com o intuito de conhecer as

participantes da pesquisa e seus posicionamentos em relação ao brincar. Eles foram

entregues para as educadoras com um limite de dois dias para a devolução dos

mesmos. Após este prazo, os questionários foram recolhidos e analisados; as

respostas abertas foram categorizadas, as informações tabuladas com a utilização

de gráficos e quadros, e, por fim, os dados foram interpretados.

De outra parte, as observações foram realizadas durante cinco dias, em duas

salas do Grupo Infantil 1 com crianças entre um e dois anos de idade, nas mesmas

creches municipais de uma cidade da região metropolitana do Recife, nas quais foi

aplicado o questionário. Utilizou-se um período de oito horas diárias perfazendo, ao

todo, quarenta horas em cada unidade. Os horários selecionados foram de 7hs às

12hs e de 14hs às 17hs. O período das 12hs às 14hs não foi observado, pois as

crianças estavam dormindo.

As creches observadas foram denominadas de creche “A” e creche “B”. A

primeira (A) possui cerca de 80 crianças com idades entre zero e três anos, sendo

utilizadas nesta pesquisa apenas as atividades que envolveram as 20 crianças do

Grupo Infantil 1. Ela é composta por cinco salas, um pátio onde as crianças fazem

as refeições, um parque com areia e brinquedos de ferro e plástico, cozinha,

banheiro das crianças, sala de coordenação, uma sala pequena utilizada pelas

professoras para se reunirem, banheiro para funcionários e lavanderia.

A segunda creche (B) recebe diariamente cerca de 120 crianças com idade

que vai de zero a cinco anos, levando-se em consideração para esta pesquisa

apenas as atividades onde as 20 crianças do Grupo Infantil 1 encontraram-se

envolvidas. Ela é composta por cinco salas, um pátio onde as crianças fazem as

refeições e uma área a céu aberto destinada ao parque, que é composta por vários

brinquedos de ferro e de plástico. Há também cozinha, banheiros das crianças, sala

de vídeo que todas as turmas podem usar; sala de coordenação, banheiro para

funcionários e uma área na frente da creche que deveria ser um campinho e futebol,

mas está coberto pela vegetação. Esta pesquisa configura-se como estudo de caso,

pois

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(...) refere-se a uma situação, entidade ou conjunto de entidades que têm um mesmo comportamento ou são do mesmo perfil. Ele tem uma profundidade bem maior que os estudos de campo e uma reduzida amplitude em função do baixo número de elementos de pesquisas. Não se podem generalizar as conclusões do estudo de caso, pois são particulares. As conclusões de um estudo de caso geram hipóteses para pesquisas de fenômenos que envolvam um maior contingente de pesquisa. Os estudos de campo envolvem um número razoável de elementos pesquisa, ou seja, têm uma amplitude maior que os estudos de casos, aceitam hipóteses, mas têm menos profundidade que os estudos de casos, e resultam em generalizações com certas restrições. (FORTE, 2006, p.9)

Portanto, o estudo consistiu em uma investigação específica focada em duas

instituições que atendem petizes de um a dois anos de idade. Procurou-se descobrir

o que havia de característico nos casos averiguados, tentando relacionar ações e

comportamentos com o problema estudado, verificando-se a existência ou não de

intencionalidade pedagógica quando os educadores, no ambiente de Grupo Infantil 1

em creche pública, brincavam com as crianças. A abordagem para análise dos

dados é de natureza qualitativa e quantitativa, pois quantifica, descreve e interpreta

os fenômenos que ocorrem e que são coletados em seu ambiente natural.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 Características dos participantes

Através da análise dos questionários aplicados e das observações realizadas

verificamos que todos os participantes são do sexo feminino, com faixa etária

variando de 17 anos a 43 anos de idade. Na rotina da sala vimos que a idade não

exerce influência sobre o trabalho desenvolvido, uma vez que todas as educadoras

exercem suas atribuições tal qual o exigido pelas instituições onde trabalham.

Quanto à formação, cinco participantes tem curso superior em Pedagogia,

seis estão cursando o magistério e uma tem apenas o ensino médio. Entre as

respondentes existe uma professora da rede e uma estagiária regente, que exercem

as mesmas funções docentes. Registra-se, ainda, a presença de cinco Auxiliares de

Desenvolvimento Infantil (ADI’s) e cinco estagiárias que, embora executem as

mesmas atribuições, se diferenciam pelo vínculo empregatício: efetivo e temporário.

Enquanto as ADI’s são funcionárias públicas municipais estatutárias e trabalham oito

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horas por dia, as estagiárias tem contrato temporário de um ano, podendo ser

renovado por mais outro ano e trabalham quatro horas por dia.

Das 12 participantes do questionário, três trabalham há menos de um ano

com a educação infantil; cinco trabalham de um a três anos; três trabalham de três a

cinco anos; e apenas uma trabalha de cinco a dez anos neste nível de ensino.

4.2 Conhecimentos e postura das educadoras em relaç ão ao brincar

No que se refere à importância do brincar para as crianças do Grupo Infantil

1, as participantes elencaram várias vantagens da utilização do brincar, como vemos

no Quadro 1:

Pergunta 6: Qual a importância do brincar para as c rianças do grupo 1? Respostas que remetem a: Nº % Desenvolvimento 4 36,36 Aprendizagem 4 36,36 Diversão 2 18,18 Ensino 1 9,09 TOTAL: 11 99,99

Quadro 1 - Categorização das respostas sobre a im portância do brincar *A porcentagem não soma 100% por haver dízimas periódicas arredondadas.

Os dados indicam que, para as educadoras, o brincar tem um significativo

valor, em especial para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças, como

explicitado por uma das participantes: “Dou muita importância ao brincar, pois todo o

aprendizado se utiliza dele. Através do brincar entramos no ‘mundo’ das crianças e

todo o aprendizado se transforma numa grande e prazerosa brincadeira.” (P). Este

discurso alinha-se com autores como Piaget (1974), Oliveira (2005) e o próprio

documento orientador da Educação (RCNEI), construído por vários estudiosos do

processo educativos. Ratifica-se que:

No ato de brincar ocorrem trocas, as crianças convivem com suas diferenças, se dá o desenvolvimento da imaginação e da linguagem, da compreensão e apropriação de conhecimentos e sentimentos, do exercício da iniciativa e da decisão. (ABRAMOWICZ ; WAJSKOP, 1999, p.59)

Em contrapartida, para algumas educadoras o brincar é um momento que

proporciona diversão para as crianças e que ocupa o seu tempo, como observado

na fala da EADI3: “É muito importante porque estão se divertindo ao invés de fazer

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coisa errada.” A partir da fala desta educadora, percebe-se que o brincar também é

utilizado para preenchimento do tempo vago.

Embora todas as pesquisadas tenham exposto o reconhecimento da

importância do brincar em diversas áreas da educação infantil, nas observações

realizadas notamos que apenas a professora da rede usa o brincar de forma

pedagógica e intencional, através dos planejamentos realizados previamente e na

aplicação das atividades com as crianças.

Isto pôde ser percebido no desenvolvimento de algumas atividades

observadas quando, por exemplo, ela convidou as crianças para formar um

trenzinho e andar em cima da linha amarela (trabalhando com elas o equilíbrio e a

coordenação motora), pediu que as crianças ficassem dentro e fora de um círculo

amarelo pintado no chão da sala (trabalhando o “dentro” e o “fora”), sentou as

crianças em círculo e, apontando, pediu que dissessem o nome do “coleguinha” que

estava ao lado dela, repetindo a mesma pergunta em relação à criança que estava

do lado dessa outra e assim sucessivamente com todas as crianças (trabalhando o

nome das crianças).

Pediu que uma criança deitasse em cima de duas cartolinas unidas com fita

adesiva e fez o contorno do seu corpo solicitando, em seguida, que as crianças

apontassem algumas partes do corpo como cabeça, olhos, boca, nariz, orelha,

bochecha, braço, mão, perna, pé, barriga e peito e, no dia seguinte, deu papel e

lápis de cera para que as crianças pintassem o desenho de um boneco, lembrando

as partes do corpo que foram trabalhadas no dia anterior (trabalhando as partes do

corpo humano). Estas atividades demonstram a organização prévia e a intenção de

desenvolver algo através da elaboração das mesmas, aproveitando o caráter lúdico

da intervenção pedagógica permeada pela brincadeira.

As demais educadoras praticam o brincar apenas em espaços de tempo em

que as crianças estão ociosas, fazendo isso de forma aleatória e muitas vezes

repetindo as mesmas atividades em dias e horários diferentes. Existem atividades

que são, basicamente, rotineiras. Por exemplo: num dia as crianças assistem a um

desenho e depois vão para o parque; no outro elas vão para o parque e, quando

chegam à sala, as educadoras lhes dão os brinquedos disponíveis com os quais

elas brincam até a hora de sair; no dia seguinte elas brincam com os brinquedos na

sala, depois vão para o parque e novamente recebem os brinquedos ao retornarem

para a sala.

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Quando questionadas a respeito do que é possível observar nas crianças

durante o brincar, as educadoras apontaram vários aspectos, indicados no Quadro

2:

Quadro 2 - Aspectos observáveis durante o brincar *A porcentagem não soma 100% por haver dízimas periódicas arredondadas.

Dentre o que foi listado no Quadro 2, verificou-se que o aspecto

comportamento foi bastante enfatizado, correspondendo a 1/3 das respostas. Além

deste, outros que igualmente se referem à questão da formação da criança,

enquanto ser em constante transformação, como habilidades e personalidade, ainda

foram citados. Talvez isso demonstre a preocupação existente com a formação do

ser humano dentro do espaço educativo. Além disso, foram lembrados fatores que

indicam que as crianças, através do brincar, refletem o que vivem em seu dia a dia,

no lar, na creche e nas suas relações com os adultos e outras crianças. Além disso,

a brincadeira é um meio para estimular o desenvolvimento cognitivo, pois

Quando a criança começa a coordenar seus esquemas, organizando suas ações no espaço e tempo, está surgindo o que Piaget chama de ‘lógica das ações’, que quer dizer, as noções de causalidade, constância de objeto, velocidade, conservação, relatividade e outras, donde deriva a construção do real. (PALANGANA, 2001, p.21).

Esse discurso das educadoras evidencia que estão em consenso com o que

diz Brasil (1998) no RCNEI, que por intermédio das brincadeiras, os profissionais

podem observar aspectos do desenvolvimento, linguagem, capacidades emocionais

e sociais das crianças. Isto reforça a presunção de que as mesmas provavelmente

conheciam os aspectos teóricos sobre a importância do brincar.

No entanto, por outro lado, a partir do que foi observado percebemos que,

muitas vezes, durante o brincar das crianças, as educadoras concentravam suas

Pergunta 7 : O que é possível observar nas crianças durante o brincar? Respostas que remetem a: Nº % Comportamento 6 33,33 Aprendizagem 3 16,67 Educação Doméstica 3 16,67 Personalidade 2 11,11 Vivências 2 11,11 Habilidades 1 5,56 Saberes 1 5,56 TOTAL: 18 100,01

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atenções em atividades secundárias como conversas entre elas sobre temas

pessoais, pintura de unhas e leituras particulares, apenas intervindo em momentos

de briga entre as crianças ou situações em que as crianças poderiam se machucar.

Nas ocasiões em que as crianças brincavam e que poderiam estar sendo

observadas, existia uma desvalorização deste período de tempo, no qual as

educadoras não colocavam em prática o olhar apropriado para este momento. O que

ratifica o argumento de Oliveira et. al, (2005) de que algumas pessoas pensam que

quando as crianças brincam não há nada de importante acontecendo naquele

momento. Na verdade, o brincar com os pares ou com adultos pode mediar a

apropriação do conhecimento, numa relação dialética, mesmo porque

(...) enquanto sujeito do conhecimento o homem não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado, através de recortes do real, operado pelos sistemas simbólicos de que dispõe, portanto, enfatiza a construção do conhecimento como uma interação mediada por várias relações, ou seja, o conhecimento não está sendo visto como uma ação do sujeito sobre a realidade, assim como no construtivismo e sim, pela mediação feita por outros sujeitos. (ZACARIAS, 2004, p.2).

De forma esporádica, algumas educadoras davam atenção às brincadeiras

desenvolvidas pelas crianças e comentavam entre si o que era observado. Porém,

não existiam muitos momentos para que estes comentários pudessem ser

socializados. O único momento formalmente reservado para isto é o Conselho de

Ciclo, que acontece a cada três meses e conta com a participação de todas as

educadoras. Nele, as profissionais envolvidas têm a oportunidade de debater sobre

avanços, retrocessos e comportamentos das crianças.

Em relação ao planejamento das atividades, a grande maioria das

participantes respondeu que geralmente não realiza o planejamento, como

representado no gráfico 1:

84%

8%8%

Geralmente não planeja

Sempre planeja

Não planeja, prefere que surjamde forma espontânea

Gráfico 1 - Sobre o planejamento das atividades

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Analisando as respostas dos questionários, nos deparamos com uma

realidade na qual apenas a professora da rede realiza o seu planejamento de

atividades. Destaque-se que essa professora pertence a creche “A”, onde há

cobrança por parte da gestão em relação as atividades desenvolvidas com as

crianças. Nesta instituição, as atividades diárias são previamente elaboradas pela

coordenação pedagógica, para serem desenvolvidas com as crianças no período da

tarde pelas ADI’s e estagiárias, mas existe relutância das mesmas em cumprir o que

foi preparado, preferindo dar brinquedos as crianças nesse horário. Na creche “B”, o

ato de planejar não é realizado e as atividades são feitas de forma aleatória e sem

finalidade específica.

Ao se programar algo, são traçados objetivos e metas a serem alcançados

através do desenvolvimento do que foi proposto. A participação de todos os

educadores nesta construção pode contribuir para que as atividades sejam

desenvolvidas de forma contextualizada, uma vez que todos vivenciam o dia a dia

das crianças.

Este momento pode se transformar em oportunidade de socialização do que é

observado em sala, permitindo que essas informações sejam levadas em

consideração na elaboração do planejamento, mas não se verificou este tipo de

iniciativa, neste contexto.

O Quadro 3 apresenta as dificuldades encontradas pelas educadoras na

mediação do brincar.

Pergunta 9: Você encontra dificuldades na mediação do brincar? Se sim, quais?

Respostas: Nº % Dispersão das crianças 8 34,78 Falta de pessoal 6 26,09 Falta de material 5 21,74 Falta de tempo 2 8,70 Não existe planejamento 1 4,35 Dificuldades no planejamento 1 4,35 TOTAL: 23 100,01

Quadro 3 - Dificuldades na mediação do brincar *A porcentagem não soma 100% por haver dízimas periódicas arredondadas.

Observamos que, embora haja nas salas três educadoras em cada turno, na

creche “A”, esse número encontra-se defasado com freqüência, pois o banheiro das

crianças é fora da sala, tendo que uma das educadoras se ausentarem,

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constantemente, do local para levar as crianças ao banheiro. Nestes momentos, as

crianças ficam mais dispersas e a atividade se torna tumultuada. Por esse motivo,

todas aquelas que alegaram falta de pessoal pertencem a creche “A”. Na instituição

“B” esse problema não foi observado, pois o banheiro encontra-se dentro da sala.

Nas duas instituições os brinquedos se encontram em más condições de uso,

sendo, na maioria das vezes, recebidos de doações. Quanto ao material de uso

pedagógico foi observado que, em ambas, existe em boa quantidade e diversidade,

mas é pouco utilizado pelas profissionais apesar de todas terem acesso aos

mesmos.

Outro aspecto bastante citado foi a dispersão das crianças. Durante as

observações percebemos que as crianças concentram-se na atividade, ainda que

por período mínimo. Na rotina da sala existe um espaço de tempo destinado às

atividades pedagógicas, variando entre uma hora a uma hora e trinta minutos, tanto

no período da manhã quanto no período da tarde, onde geralmente é desenvolvida

apenas uma atividade, não levando em consideração o pouco tempo de

concentração das crianças e esperando-se que elas permaneçam atentas ao que foi

proposto durante todo o tempo. Talvez temporalidade em sala de aula possa estar

sendo mal administrada.

Embora tenha sido pouco citada, a dificuldade ou falta do planejamento

aparece também como empecilho à mediação do brincar. Ressalta-se que nesta

questão, ao responderam o questionário sobre outras dificuldades, nenhuma das

educadoras reconheceu ter dificuldades pessoais.

Além dos obstáculos citados pelas educadoras, existe ainda outro fator que

pode inibir a utilização do brincar no dia a dia na sala de aula: a própria formação

dessas educadoras. Como podemos verificar no Gráfico 2, no processo formativo da

maioria das participantes, de acordo com seus depoimentos, não houve ênfase

sobre a relevância do brincar.

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59%33%

8% Não existiu

Existiu em parte

Existiu

Gráfico 2 - Relevância do brincar na formação

Possivelmente, se os cursos de formação na área de educação,

especialmente na área de educação infantil, introduzissem em seus currículos

disciplinas que enfatizassem o brincar, os profissionais poderiam:

(...) compreender o objetivo do brincar, percebendo como ele se manifesta nas diversas faixas etárias, a partir das contribuições teóricas e do ponto de vista conceitual, histórico-cultural e educativo, como recurso de construção da identidade de cada ser humano, de autoconhecimento e como elemento potencializador do trabalho educativo. (MALUF, 2007, p.12)

Portanto, pensar em uma prática educativa permeada pelo uso do brincar

implica em uma formação onde o lúdico seja um tema ressaltado em vários

momentos do curso, associando o que se aprende ao que se aplica.

Como pode um profissional ser mediador de algo sem ter conhecimento

sobre? O processo de formação de um especialista pode ser decisivo para o

desenvolvimento de um bom trabalho em seu campo de atuação. Esse processo

pode ser pautado na práxis, demonstrando uma estreita relação entre teoria e

prática.

A defasagem que parece existir na formação das educadoras com relação ao

brincar, talvez pudesse ser amenizada através de capacitações específicas

ofertadas pelo município. Esta oportunidade existiu para apenas 50% das

participantes, sendo estas a professora da rede e as ADI`s, enquanto que as

estagiárias, que compõem os outros 50%, não tiveram essa oportunidade durante o

tempo em que estão na função.

Quando questionadas a respeito de temas importantes a serem abordados

sobre o brincar, as sugestões das partícipes parecem ter ligação direta com as

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dificuldades encontradas pelas educadoras na mediação do brincar, o que é

retratado no Quadro 4:

Sugestão de conteúdos para curso sobre o brincar: Nº % Brincadeiras direcionadas para o grupo 1 4 28,57 Brincar e desenvolvimento 2 14,29 Relevância do brincar para a Educação Infantil 2 14,29 Sem sugestão 2 14,29 Brincadeira e ensino 1 7,14 Brincadeiras específicas para cada idade 1 7,14 Planejar e executar atividades contendo o brincar 1 7,14 Por que as crianças gostam de brincar? 1 7,14 TOTAL: 14 100

Quadro 4 - Sugestões dos participantes de conteúdos para cu rsos sobre o brincar

O alto percentual de sugestões que englobam brincadeiras direcionadas para

o Grupo Infantil 1 pode indicar uma necessidade das educadoras em planejar e

executar atividades que possam ser adequadas para a faixa etária das crianças com

as quais elas convivem diariamente.

A análise do Quadro 4 torna perceptível que a maioria das respostas, de certa

forma, está diretamente ligada à relação entre o brincar, a criança e a educação, o

que pode indicar algum interesse por parte das educadoras em se aprofundarem no

tema para utilizá-lo da forma mais adequada no exercício da sua função.

Diante da discussão dos dados coletados, verifica-se que os objetivos

específicos foram contemplados, pois, através dos questionários aplicados foi

possível realizar um levantamento acerca dos conhecimentos das educadoras no

ambiente de Grupo Infantil 1; a respeito do valor pedagógico do brincar, também foi

constatado que este não faz parte do planejamento pedagógico das participantes da

pesquisa.

A partir da comparação das respostas dos questionários com as observações

realizadas em sala de aula, verificou-se a existência de desarticulação entre a teoria

(discurso apresentado pelas educadoras) e a prática em relação ao brincar nas

instituições pesquisadas. Em suas repostas depreende-se que conhecem e

reconhecem a importância do brincar, do ponto de vista teórico, mas não

manifestam atitudes ou verbalizações que indiquem competência para utilizá-lo com

intencionalidade pedagógica.

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Os dados colhidos durante o estudo confirmaram as hipóteses inicialmente

levantadas neste trabalho. A visualização do Gráfico 1, onde 84% das educadoras

afirmam que, geralmente, não planejam as atividades que são desenvolvidas, deixa

claro que, nas turmas de Grupo Infantil 1 das creches municipais pesquisadas, o

brincar é desenvolvido de forma aleatória, sem planejamento pedagógico. Nas

observações realizadas, como já foi exposto, pôde-se perceber que as brincadeiras

desenvolvidas por essas educadoras, na maioria das vezes, são utilizadas para

preencher o tempo vago e não com o intuito de favorecer o desenvolvimento e a

aprendizagem da criança.

Desta forma as oportunidades que podem potencializar os aspectos

cognitivos e afetivos propiciados pelo brincar, seja como atividade simbólica

representativa ou como forma de internalizar a realidade, ficam desperdiçadas.

Perdem-se, também, com isso, as chances de se trabalhar os aspectos afetivos que

a relação entre pares e entre adultos e crianças pode proporcionar, relegando a

possibilidade de se trabalhar a formação moral que as atividades compartilhadas,

cooperadas podem fomentar, tanto entre crianças quanto entre adultos. Caso estes

profissionais debatessem o assunto entre si, num processo dialético, por certo

avançariam nas idéias e fazeres.

5 CONCLUSÃO

Quando surgiu o interesse na investigação sobre o brincar, pensamos em

algo prático e real, que pudesse ser confrontado com as teorias existentes na área.

Embora, em nossa formação (autoras) tenha havido ênfase sobre o brincar das

crianças, no dia a dia do nosso trabalho, não nos parecia que procedimento

semelhante houvesse acontecido no processo formativo de parte dos profissionais

que atuam na educação infantil, no contexto estudado, de modo que esta atividade

não recebia a atenção devida quando de seu planejamento ou operacionalização.

Assim, buscou-se saber se existia orientação com intencionalidade

pedagógica quando as educadoras, no ambiente de Grupo Infantil 1 em creche

pública, observavam ou brincavam com as crianças. A partir dos dados obtidos,

constatamos que as educadoras demonstram conhecer o valor pedagógico do

brincar na teoria, mas isto não é colocado em prática.

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Essa situação ocorre por diversos fatores, alguns citados pelas próprias

participantes da pesquisa, dentre eles: a formação do educador; o desconhecimento

de atividades específicas para brincar com crianças desta faixa etária (identificados

pela sugestão de cursos sobre brincadeiras no questionário); o planejamento (ou a

falta dele); as más condições dos brinquedos e ainda a falta de interesse por parte

de algumas profissionais, nos momentos em que as crianças estão brincando.

Ao término dessa pesquisa verifica-se a contemplação dos objetivos, pois, por

meio das observações e dos questionários aplicados, conseguiu-se levantar os

conhecimentos das participantes a respeito do valor pedagógico do brincar e

constatar que ele não faz parte do planejamento de aula das mesmas. Há fortes

indícios de desarticulação entre o conhecimento teórico anunciado pelas

pesquisadas e sua aplicação na prática pedagógica.

Além disso, percebeu-se que há indicadores suficientes para demonstrar a

existência de lacunas na formação dos profissionais da educação infantil, no que diz

respeito ao brincar, o que pode estar se refletindo nos aspectos práticos do fazer

pedagógico, no espaço educacional, uma vez que nas respostas registradas nos

questionários, as educadoras demonstraram que reconhecem o valor pedagógico do

brincar como instrumento de aprendizagem e estimulador do desenvolvimento das

crianças, porém não lhe dedicam espaço de relevância, nem no planejamento nem

no cotidiano. Isto parece ocorrer tanto por dificuldades externas às educadoras

quanto por dificuldades internas, como desmotivação, desinteresse e falta de

compromisso das mesmas em buscar extrair o melhor no trabalho desenvolvido com

as crianças.

Portanto, a pesquisa demonstrou que a maioria das participantes, geralmente,

não inclui o brincar com intencionalidade pedagógica em sua prática docente,

mesmo porque nem o próprio planejamento está presente no seu cotidiano

profissional e, por diversas vezes, atividades relacionadas ao brincar são repetidas

em dias e horários diferentes. Isto talvez contribua para que os momentos lúdicos

aconteçam de forma despercebida por parte de quem, em tese, deveria aproveitar a

riqueza simbólica e desenvolvimental do brincar, porque provavelmente ainda não

tenha reconhecido o seu devido mérito.

No contexto das creches estudadas, pessoas que trabalham na área parecem

considerar a brincadeira livre como o período de tempo em que as crianças brincam

de forma espontânea, não sendo necessária sua intervenção, por não envolver,

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formalmente, nenhuma aprendizagem de conteúdos. Dessa forma, enquanto os

educandos brincam, as educadoras mantêm-se distraídas em outras atividades que

não possuem caráter pedagógico, denotando, assim, falta de compromisso com as

crianças e com elas próprias.

Acreditamos que a introdução do brincar na rotina de atividades de uma

creche possa possibilitar às crianças um desenvolvimento pleno e prazeroso,

enquanto seres humanos, além de contribuir para a melhoria na qualidade da

educação pública oferecida nestes espaços, principalmente, por auxiliar no processo

de ensino e aprendizagem.

Espera-se que este trabalho de conclusão de curso possa acrescentar

subsídios à discussão sobre o brincar, uma vez que se baseia não apenas na teoria,

mas também na prática cotidiana do mesmo, contribuindo para que outros

educadores ampliem o olhar sobre esta atividade humana e que a percebam como

um importante meio de desenvolvimento cognitivo, social e afetivo.

A questão da formação dos educadores poderia ser aprofundada através de

uma outra pesquisa que abordasse o currículo dos cursos de formação de

profissionais da educação e da relação existente entre o que é ensinado a esses

profissionais e o que eles vivenciam em seu dia a dia no espaço educacional.

Seria proveitoso buscar meios para despertar a conscientização das

educadoras sobre a questão atitudinal e a importância do compromisso pessoal com

o ofício que desempenham, além de se pensar na ampliação de ocasiões para

discussão e socialização do brincar entre profissionais de educação, dentro das

próprias instituições educacionais, como forma de preencher, mesmo parcialmente,

estas lacunas.

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