Upload
truongdien
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
O CARÁTER DA PAISAGEM DAS ESTRADAS RURAIS DE IMIGRAÇÃO ITALIANA NO SUL DE SANTA CATARINA
DE LUCA, VIRGINIA GOMES. (1); SANTIAGO, ALINA GONÇALVES. (2)
1. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Campus Trindade - CP 470 - CEP 88040-970 - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil [email protected]
2. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Campus Trindade - CP 470 - CEP 88040-970 - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil [email protected]
RESUMO As estradas históricas são estruturadoras da paisagem marcada pela alternância de áreas de ocupações recentes e antigas, rurais e urbanas, vistas através da associação de formas culturais e naturais experimentadas por aqueles que por elas vivem e por nela transitam. As estradas não são compostas apenas por seus elementos físicos, uma vez que a ação das associações reforça seus aspectos culturais, incorporando a memória no resgate da importância e da história das estradas. O caráter da paisagem é definido como um padrão distinto e reconhecível de elementos que ocorre de forma consistente e sistemática, num determinado tipo de paisagem. Combinações específicas entre substrato geológico, formas de relevo, solos, vegetação, uso do solo, estrutura fundiária e sistema de povoamento produzem um determinado caráter de paisagem. Não há dúvida que a paisagem é dinâmica e mutante e que é preciso intervir constantemente de forma equilibrada. Esse trabalho busca os elementos que constituem o caráter da paisagem rural da imigração italiana no sul do estado de Santa Catarina, de modo que as mudanças da paisagem não causem a perda dos elementos que lhe dão identidade. Surge também em um momento em que resulta importante analisar algumas características e implicações acerca da forma como o estudo da paisagem pode ser aplicado na identificação e preservação do patrimônio cultural. O interesse nos percursos das antigas estradas de penetração no interior do território catarinense justifica-se pela importância que estas tiveram como vetores do povoamento e desenvolvimento da região do Vale do dos Rios Tubarão, Urussanga e Araranguá. Parte significativa da história da colonização do território do sul de Santa Catarina foi escrita ao longo e através dos caminhos abertos nos primeiros tempos da colonização pelos imigrantes italianos que foram levados a pé até a colônia sede da imigração italiana, o núcleo rural de Azambuja (1877), e a partir daí aos demais núcleos rurais que promoveram a efetiva ocupação do território do sul de Santa Catarina.
Palavras-chave: caráter da paisagem; estradas históricas; imigração italiana
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
1. Introdução
O estudo e análise da paisagem permite conhecer as condicionantes físicas e as diferentes
relações dos seres humanos ao longo do tempo. Em relação ao patrimônio, a paisagem é uma
herança recebida dos antepassados e, sobretudo um conjunto intangível de percepções
imagens, mitos, símbolos, aspirações que participam da memória e identidade coletiva.
Conforme Martinez de Pisón, devemos insistir que a ideia de dinâmica da paisagem é chave,
pois este é um cenário que transcorre, é um assunto. É ativo como conjunto no tempo e no
espaço e está composto por constituintes não inertes, senão também ativos. É afetado por
dinâmicas: a paisagem é constitutivamente dinâmica. Sua forma, que pode as vezes parecer
fixa, é efeito de uma estrutura geográfica em evolução. (Martinez de Pisón, 2003, p. 2).
Portanto, justamente pelas características dinâmicas e mutantes da paisagem é que surge a
necessidade da intervenção de forma equilibrada.
Estreitas relações entre paisagem e patrimônio, por sua vez, surgem da necessidade de uma
política paisagística que supere os limites de uma concepção restritiva do patrimônio e aborde
a gestão das paisagens dinâmicas, vivas e funcionais. Longe de constituir uma limitação ou
impedimento, a gestão dos valores da paisagem (salvaguarda de sua identidade e
aproveitamento econômico dos recursos paisagísticos ligados à produção) aparece hoje
como uma oportunidade para a agricultura e para o meio rural como uma garantia para o
futuro de muitas paisagens.
Para Fadigas (2007) a componente cultural é o fator que melhor identifica as paisagens como
produto e expressão da presença e da ação humana no território. As paisagens contam a
história da evolução humana e da sua ação sobre o território. São elas que transmitem até nós
a história do aproveitamento dos recursos, das gentes e das tecnologias utilizadas. Da sua
capacidade de inovação e da evolução com que se foram progressivamente transformados,
até ser o que são hoje.
A paisagem é considerada aqui como uma expressão do território, superando uma possível
visão estética ou ornamental que considera simplesmente seu aspecto formal. A percepção
da paisagem se valora por sua capacidade em mostrar a realidade do território, em fazê-lo
entendível e apreciável pelas pessoas que desfrutam desse bem coletivo. As estradas tem
papel crucial porque transportam as pessoas pelo território e aproximam seu entendimento da
paisagem.
Três elementos principais conjugaram-se para definir o modelo de ocupação do território nas
áreas rurais, estabelecendo uma constante válida para as diversas etnias ao longo de todo o
processo migratório. Esses elementos foram: a geografia natural, a demarcação dos lotes e
os caminhos rurais, que interligavam as propriedades agrícolas e permitiam sua comunicação
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
com o mundo exterior. Dois desses fatores - lotes e caminhos - derivam do terceiro: a
natureza. Os lotes foram demarcados quase sempre a partir dos cursos d’água,
estendendo-se até as cumeadas; os caminhos seguiam preferencialmente os rios, cortando
várzeas e subindo elevações, interligando as bacias e os vales da região. (IPHAN, 2007).
As paisagens são suscetíveis de serem transformadas, destruídas, melhoradas,
recompostas, feitas e refeitas porque esse é o traço marcante da ação do homem sobre o seu
próprio meio. Na essência, a paisagem surge enquanto resultado de um processo histórico e
cultural no qual é perceptível a marca das tecnologias que sucessivamente sobre elas
atuaram e surge evidenciada nos padrões das paisagens, nas malhas e texturas que lhe
conferem identidade. Correspondendo a cada situação geográfica, ecológica e cultural um
tipo específico de paisagem demonstra o caráter identitário do local.
Esse trabalho justifica-se, pois, enquanto busca dos elementos que constituem o caráter da
paisagem rural da imigração italiana no sul do estado de Santa Catarina, de modo que as
mudanças da paisagem não causem a perda dos elementos que lhe dão identidade.
4. Paisagem das Estradas Históricas
A valorização de paisagem de estradas históricas tem sido desenvolvida em diversos países
como Inglaterra, Escócia e Estados Unidos. Tais países, em seus diversos institutos de
pesquisa buscam divulgar, proteger trechos de antigas estradas e realizar ações relativas à
memória e à cultura. O interesse pelo tema, concebido como um elemento cotidiano está
relacionado ao fato de que a paisagem também representa aspectos identitários e possui
significados estabelecidos através da relação entre as pessoas e o lugar.
Algumas estradas locais que servem hoje em dia alguma pequena população rural foram no
passado vias principais de complexos sistemas sociais e políticos. As estradas são objetos
lineares que formam parte da paisagem e assim deveriam ser tratada, uma vez que em um
duplo sentido podem ser consideradas como mirantes ampliados por quais discorrem
observadores no veículo, e também pode considerar-se um elemento que participa da cena,
que é visto por observadores externos e como tal participa no apreço do conjunto da
paisagem.
A relação entre estrada e paisagem deve estar baseada não somente na efetividade funcional
da via, mas também no caráter de cada paisagem, naquilo que o faz exclusivo e diferente dos
outros, no que o converte em singular. A maioria das paisagens são comuns, não
excepcionais, mas cada paisagem é única e irrepetível e as estradas devem contribuir para
diferenciar casa paisagem. A amplitude semântica entre o conceito de paisagem permite
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
relacionar adequadamente a estrada com a base natural que lhe serve de suporte, com os
processos humanos que são elaborados em cada território, com seu apreço social através da
integração simbólica e cênica no âmbito por qual discorre e por sua formalização em todos os
elementos que a constituem. (Echániz, 2008, p. 16-17).
As vias de comunicação tem uma clara vocação social. Estão a serviço da sociedade como
elementos estruturais que garantem o crescimento econômico, o desenvolvimento e a
estruturação social e cultural dos territórios. São construídas sobre um meio caracterizado por
valores naturais e socioculturais. Para o seu completo conhecimento é necessário o
reconhecimento de pontos, elementos e locais significativos. (Historic Roads, 2010). As
estradas não são compostas apenas por seus elementos físicos, uma vez que a ação das
associações reforça seus aspectos culturais, incorporando a memória no resgate da
importância e da história das estradas.
Nas regiões de imigração italiana no sul do estado de Santa Catarina, as estradas são o eixo
da colonização e possibilitam identificar sobreposições das diversas camadas do tempo que
marcam a ação humana sobre os territórios. Sob esse enfoque, as estradas da imigração no
estado de Santa Catarina podem ser classificadas como culturais, uma vez que são definidas
por fatores como as tradições e as necessidades humanas, formadas a partir de trilhas de
animais, caminhos de ligação entre vilas e outras formas espontâneas de deslocamento.
5. Caráter da paisagem
No ano 2002, a Coyntryside Agency e a Scottish Natural Heritage publicaram, sob autoria de
Carys Swanwick, o Landscape Character Assessment: Guidance for England and Scotland
Avaliação do caráter da paisagem: guia para Inglaterra e Escócia (tradução nossa), um
manual que visa a sistematização dos procedimentos necessários à avaliação do caráter da
paisagem enquanto ferramenta que pode ser utilizada no planejamento e no desenvolvimento
sustentável da paisagem. O manual apresenta a avaliação do caráter da paisagem como um
processo que auxilia na identificação das características culturais e naturais presentes na
localidade. Segundo Swanwick (2002), paisagem é definida como a relação entre as pessoas,
o lugar e o resultado como diferentes componentes naturais (geologia, solo, clima, fauna e
flora) e culturais (uso do solo histórico e atual, assentamentos e outras intervenções
humanas) interagem juntos e são percebidos. Atualmente, tanto a dimensão objetiva ou
morfológica, em suas formas físicas e materiais, quanto a dimensão subjetiva ou simbólica da
paisagem subsidiam as discussões acerca da configuração e análise das paisagens, cuja
relação entre os componentes é apresentada abaixo:
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
Figura 1: Diagrama da relação entre componentes da paisagem.
Fonte: Swanwick, 2002, p. 02.
A publicação apresenta o conceito de caráter da paisagem que é entendido como conjunto
ou combinação particular, reconhecível e consistente de elementos que faz uma paisagem
diferente da outra e dá a cada uma delas um particular senso de lugar. Não se trata de
quantificar o caráter das paisagens identificadas, mas sim de identificar quais fatores, dentre
as combinações particulares de relevo, solo, vegetação, usos do solo, padrão de
assentamentos e parcelamento do solo contribuem para diferenciar uma paisagem de outra.
(Swanwick, 2002, p. 03 e 08).
O caráter aparece na definição de paisagem da Convenção Europeia da Paisagem (CEP) e
abarca um importante conteúdo patrimonial, uma vez que o caráter de cada paisagem é
resultado da ação de fatores naturais, humanos e de suas inter-relações. Caráter, segundo o
Dicionário Aurélio, é o conjunto de qualidades (boas ou más) que distinguem (uma pessoa,
um povo); traço distintivo. A paisagem é, em sua configuração formal, o elo da sociedade
sobre a natureza e sobre paisagens anteriores, a marca ou sinal que imprime caráter a cada
território, o palimpsesto paisagístico. Nesse sentido, a CEP assume plenamente o sentido
territorial da questão paisagística, quer dizer, a ideia inovadora desde o ponto de vista jurídico
e político, de que cada território se manifesta na excepcionalidade de sua paisagem,
independente da qualidade e de seu apreço. (Olmo, 2010, p. 45).
Combinações específicas entre substrato geológico, formas de relevo, solos, vegetação, uso
do solo, estrutura fundiária e sistema de povoamento produzem um determinado caráter de
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
paisagem. Desde a última década do século passado o caráter da paisagem ganhou uma
relevância crescente como conceito-chave para a avaliação da paisagem.
A avaliação do caráter da paisagem reúne informações relativas ao ambiente físico, natural e
histórico e permite uma abordagem mais integrada para auxiliar no planejamento e na gestão
das paisagens. Desse modo, o planejamento e a gestão podem ser realizados de modo a
salvaguardar a peculiaridade e o caráter local, melhorados e aprimorados por meio do
processo de desenvolvimento. Podem auxiliar processos que buscam identificar quais as
características ambientais e culturais estão presentes em uma localidade; monitorar as
alterações no ambiente e entender a sensibilidade de um local para o desenvolvimento.
(Statham, 2011, p. 14).
Idealmente, o processo de avaliação do caráter da paisagem deve incorporar as conclusões
da caracterização histórica da paisagem que fornece uma visão geral da dimensão histórica
da paisagem. A avaliação histórica da paisagem é utilizada geralmente para ampliar a
descrição e a recomendação das áreas de caráter, explicar sua história e medir as mudanças
do passado para guiar a gestão futura. Conhecido como profundidade do tempo (time depth),
é uma das características mais importantes da paisagem e pode ser definida como a longa
interação entre a atividade humana e o processo natural. O objetivo da profundidade do tempo
é reconhecer os modos com os quais a paisagem tem sido influenciada pela atividade
humana, além de adicionar a dimensão histórica no processo de avaliação do caráter da
paisagem. A profundidade do tempo reflete-se na avaliação histórica da paisagem por meio
da leitura de componentes reconhecíveis da influência humana que pode ser traçada mesmo
onde a paisagem parece natural. (Fairclough e Macinnes, 2002, p. 2).
A caracterização histórica da paisagem inicia com a sistemática identificação e descrição de
muitos dos atributos históricos da paisagem rural contemporânea. Na maioria dos casos, a
avaliação histórica da paisagem consiste em duas grandes fases: a avaliação, que fornece
uma descrição da paisagem histórica e seus tipos de caracteres distintivos e estratégia, onde
as recomendações para a conservação e gestão sustentável de cada tipo e área de paisagem
são descritos. (Clark, Darlington e Fairclough, 2004, p. 27).
A avaliação histórica da paisagem é complementar à avaliação do caráter da paisagem.
Porém, normalmente, deve ser realizada separadamente devido à exigência de diferentes
capacidades, operação em diferentes escalas e geralmente possui uma maior duração.
Idealmente a avaliação histórica da paisagem deve ser realizada em primeiro lugar, de modo
que os resultados possam ser utilizados para informar a avaliação do caráter da paisagem. No
entanto, se necessário, a avaliação histórica da paisagem pode também ser utilizada para
enriquecer a posteriori e aprofundar as avaliações do caráter da paisagem existente.
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
6. Uma Abordagem Histórica das Estradas Históricas e da Paisagem Rural da Imigração Italiana no Sul de Santa Catarina
O processo imigratório instaurado em todo o Brasil a partir do século XIX trouxe como
resultado o crescimento populacional juntamente com o incremento etnográfico e o
desenvolvimento econômico de muitas regiões que tinham ficado, até então, às margens do
processo colonizador. O fluxo migratório iniciado a partir da abertura dos portos que durou
mais de um século determinou definitivamente os traços econômicos e culturais da região sul,
opondo-se drasticamente àqueles existentes ao longo do período colonial. Em Santa
Catarina, essa demarcação está expressa no surgimento de inúmeras cidades que se
tornaram pólos de desenvolvimento industrial e populacional em um curto espaço de tempo,
ao contrário da estagnação das vilas instaladas no litoral ainda no período colonial. Em um
século de imigração, estima-se que o Brasil tenha recebido um número aproximado de cinco
milhões de imigrantes, a grande maioria nos estados do sul, multiplicando várias vezes o seu
contingente populacional.
Na visão da época, o território era pouco ocupado populacionalmente, uma vez que se
desconsiderava totalmente a presença indígena e mesmo a cabocla. Inicialmente, a ocupação
do território foi fruto de povoamento de aproximadamente cinco mil anos, e a segunda
ocupação teve origem nas bandeiras paulistas que incrementaram-se ao longo das diversas
variáveis dos caminhos das tropas. Na visão oficial, consideravam-se apenas os moradores
afro-luso-brasileiros concentrados na estreita faixa litorânea e na isolada vila de Lages,
fazendo com que praticamente todo o vasto interior do estado fosse colocado à disposição
dos empreendimentos coloniais. Segundo Boiteux (1998), as escarpas da Serra Geral e do
Mar constituindo um obstáculo de vulto, dificultavam a penetração do território catarinense.
Esse enorme paredão exerceu, e ainda exerce grande influência sobre a compartimentação
física de Santa Catarina, fazendo surgir duas formas distintas de relevo: o litoral e o planalto.
Isso refletiu, e muito, no processo de povoamento e colonização, dissociando durante
séculos, o litoral do interior, criando um imenso vazio demográfico entre a orla marítima e o
planalto. Coube notadamente ao imigrante servir de traço unificador, corrigindo essa
dissociação e propiciando o surgimento de pequenas propriedades de policulturas que hoje
estão presentes, tanto na encosta quanto no oeste distante, conferindo ao Estado uma
fisionomia própria
Os italianos que ocuparam o Médio Vale do Itajaí-Açu e o Rio Itajaí-Mirim receberam do
contexto germânico forte influência na implantação de sua arquitetura, tanto nas primeiras
etapas de implantação quanto nas posteriores, uma vez que se instalaram em contexto
previamente estruturado, resultando, portanto, em influências nas soluções técnicas e formais
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
em parte das arquiteturas produzidas. Ao sul de Santa Catarina, a corrente migratória de
maior contingente foi a italiana nos vales do Tubarão e Araranguá. Só na vertente norte do rio
Tubarão é que predominou a colonização de alemães provindos de Teresópolis (atual
município de Águas Mornas). Núcleos de letos e poloneses não conseguiram radicar-se na
região. Muitas dessas colônias fixaram-se isoladamente, formando as chamadas ilhas
culturais e guardando muito do patrimônio dos imigrantes pioneiros e de seus descendentes.
(IPHAN, 2007). A disponibilidade de terras férteis na Bacia do Rio Tubarão, a crescente
quantidade de imigrantes de origem italiana nas colônias alemãs e a consequente ameaça da
perda da homogeneidade étnica motivou a criação de novas frentes de colonização.
Figura 2: Italianos em Santa Catarina. Fonte: IPHAN, 2007, p. 89.
A imigração em Santa Catarina, ao contrário de alguns estados brasileiros, foi dirigida em
determinados empreendimentos por companhias particulares de colonização. Isoladas em
regiões de economia quase estagnada, sem ligações com os mercados externos ou internos,
as colônias criaram ambientes próprios, decidindo por si próprias seus destinos. De início
dedicaram-se à agricultura de subsistência por falta de centros consumidores próximos e, aos
poucos, evoluíram para uma economia articulada. Diferentes companhias colonizadoras em
diferentes épocas foram responsáveis pelo assentamento de imigrantes das regiões de
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
Vêneto, Lombardia, Trentino, Friuli e Emiglia Romagna. É nesta região que se encontra a
mais forte manifestação da arquitetura rural italiana setentrional, ainda hoje preservada, nas
construções antigas e parte das construções novas que mantém algumas referências formais
e espaciais tipicamente italianas. A região sul do estado, pela quantidade de imigrantes
italianos recebidos, configura-se como uma verdadeira região de cultura ítalo-brasileira.
Para Baldin (1999), os problemas dos primeiros tempos para a construção e implantação das
colônias foram a falta de estradas, meios de transporte (no caso cavalos e carro de bois),
instrumentos de trabalho, sementes, gado, materiais, mão de obra, construções públicas e
particulares, embora recursos fossem prometidos na propaganda oficial da imigração e
constantes nos termos do Contrato de Imigração assinados. Além dos problemas da
comercialização da produção, os colonos enfrentavam outra questão crucial para o
desenvolvimento: as distâncias entre as casas de moradia e as colônias agrícolas que eram
imensas e entremeadas pela floresta virgem. Para facilitar esses acessos os colonos
buscavam abrir clareiras para que as casas fossem avistadas umas às outras e, também, para
defesa pessoal.
A propriedade rural que se desenvolveu na região colonizada pelos imigrantes em Santa
Catarina é de modo geral bastante simples. Tanto as estradas principais quanto as
secundárias estendiam-se ao longo dos vales e dos rios, buscando as várzeas fertilizadas e
as encostas pouco acentuadas, próprias ao cultivo e às pastagens. Os lotes eram distribuídos
transversalmente aos caminhos, formando faixas estreitas e alongadas que se estendiam até
a cumeada dos morros. Contavam com vinte e cinco a trinta hectares de área média,
favorecendo, assim, certo padrão de densidade das comunidades rurais. As casas eram
construídas normalmente na testada dos lotes, guardando distância variável da via pública e
quase sempre precedidas pelos jardins e eventualmente pela horta. As demais unidades
rurais – ranchos, estábulos, estrebarias, chiqueiros, galinheiros, paióis, construídas, assim
como as casas com características próprias de cada uma das etnias de imigrantes
normalmente se interligavam com a fachada lateral ou com a posterior, por vezes, formando
uma espécie de pátio de serviços nos fundos ou no lado das casas. Essa implantação típica
desenvolvida ao longo dos caminhos e formada de lotes estreitos e alongados com casas e
ranchos na testada do lote foi a base da ocupação de todas as regiões de imigrantes de Santa
Catarina e singulariza a paisagem onde está inserida (IPHAN, 2007).
6.1 Colônia Azambuja: sede da imigração italiana em Santa Catarina
Fundada em 1877, pelo engenheiro maranhense Joaquim Vieira Ferreira, a colônia Azambuja
situava-se nas adjacências da ferrovia Dona Teresa Cristina, às margens do Rio Pedras
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
Grandes. Os relatos dos primeiros tempos foram escritos por seu filho, Fernando Luis Vieira
Ferreira: A comissão de meu pai tinha por incumbência discriminar e medir as terras do
Tubarão e seus afluentes Capivari e Braço do Norte, mas correndo ainda o segundo trimestre
de 1877, foi-lhe determinado pelo Governo a localização de colonos italianos nas terras
devolutas do Tubarão e do Urussanga (Vieira Ferreira, 1939, pág. 32).
Antes dessa época havia uma trilha, uma picada onde passavam tropeiros vindos dos campos
de Lages que desciam a serra e passavam por Pedras Grandes rumo à Tubarão. O alto monte
à esquerda de quem chega pela estrada marginal do rio Pedras Grandes foi o ponto de partida
na construção do povoado. Da sede da colônia abriam-se picadas para os vales em que os
colonos iam sendo localizados nos seus lotes. Enquanto não foram todos neles colocados, o
que aguardavam o seu estabelecimento eram empregados, não só nos trabalhos de
construção da sede, como principalmente no da estrada de rodagem, que devia substituir a
picada inicial, para as colônias da colônia com o vale do Tubarão.
Figura 3: A derrubada inicial da mata e as primeiras casas da Colônia Azambuja, 1877. Fonte: Arquivo Histórico de Urussanga.
Assim, seguindo picadas de mulas, por serras, montes e vales, atravessando rios e córregos
através de trilhas de pedras, em plena floresta virgem, esses imigrantes faziam um grande
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
percurso até chegarem às terras das colônias onde se estabeleceriam em definitivo. (Baldin,
1999, pág. 68 – 69). A partir de Azambuja, novas levas de colonos foram estendendo-se pelo
vale do rio Urussanga, surgindo ali a sede secundária da colônia. A colônia Azambuja
ramificou-se em cinco núcleos: Urussanga, em 1878; Criciúma, em 1880; Cocal do Sul, em
1885 e Nova Veneza, em 1891. (Bortolotto, 1992, p. 16-17).
As colônias de imigrantes não se urbanizaram instantaneamente. Ao contrário, os
empreendimentos coloniais eram predominantemente agrícolas e os centros urbanos
desenvolveram-se de forma lenta e quase sempre improvisada. Nos primeiros anos, a
característica básica das colônias de imigrantes era o contínuo prolongamento de novas
linhas de pioneiros, que se instalavam cada vez mais distantes do núcleo original dos
empreendimentos. Distribuindo-se ao longo de picadas, linhas, estradas e cursos de rio, os
lotes acabaram por ocupar toda a região, cultivando as várzeas, reservando até a meia
encosta para a pastagem e preservando a mata das cumeadas. A demarcação dos lotes foi o
elemento básico da urbanização iniciado muitas vezes aleatoriamente a partir do local onde o
ingresso de imigrantes e mercadorias fosse facilitado por rios navegáveis ou caminhos
pré-estabelecidos.
7. Considerações Finais
O processo colonizador provocou uma revolução no sistema de transportes e comunicações
em Santa Catarina. A necessidade de interligação das colônias com outros pontos do território
catarinense era evidente e constituía-se, inicialmente, em um simples processo exploratório
com a abertura de picadas, alargadas por força do impacto de veículos puxados por animais e
mais tarde a motores. Outro problema das estradas era também as distâncias entre os
principais centros comerciais para escoamento dos produtos agrícolas, uma vez que as
colônias italianas foram localizadas onde não havia rios navegáveis.
O processo de colonização do sul de Santa Catarina consistiu em etapas de ocupação do
território. No caso em estudo, determinou definitivamente os traços econômicos e culturais da
região e nesse processo, as estradas exerceram influência decisiva na integração, no
desenvolvimento e na circulação de riqueza, rompendo o isolamento que envolvia a região sul
do estado. O interesse em estudar os percursos das antigas estradas de penetração no
interior do território catarinense justifica-se pela importância que estas tiveram como vetores
do povoamento e desenvolvimento da região do Vale do dos Rios Tubarão, Urussanga e
Araranguá, pois parte significativa da história da colonização do território do sul de Santa
Catarina foi escrita ao longo e através desses caminhos.
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
Na paisagem rural da imigração italiana prevalece a estrutura linear dos caminhos agrícolas,
que deram origem aos núcleos religiosos, alguns dos quais mais tarde transformaram-se em
conjuntos urbanos. Os núcleos são marcados pela inserção pontual das torres das igrejas e
pelos volumes das casas comerciais, localizadas em pontos estratégicos da rede de
assentamentos agrícolas e que sempre se destacam na paisagem. Entre as casas que
ocupam os caminhos rurais, se estabelece uma infraestrutura básica implantada linearmente
e formada pelas igrejas, casas comerciais, escolas, salões e sociedades recreativas. Em
resumo, a ocupação rural caracteriza-se pela distribuição dos lotes coloniais, com suas casas,
ranchos, áreas de cultivo e parreirais demarcados ao longo das estradas que seguem os
principais cursos d’água.
As paisagens sempre mudaram e continuarão a mudar, tanto sob o efeito dos processos
naturais como da ação humana. O território é um palimpsesto, isto é, um documento em
perpétua transformação, onde encontramos alguns traços, mas não todos, que as diferentes
épocas deixaram e que se misturam aos traços que o presente deixa a sua volta e que o
modifica continuamente, de maneira contrária a uma simples estratificação. Considerando as
paisagens vivas, no sentido de que continua sendo explorada através dos mesmos métodos e
instrumentos de outrora até os dias atuais, é frequente a presença de ameaças diversas e a
necessidade de se permitir um desenvolvimento adaptado à sua sobrevivência. A questão
que se coloca é qual é esse desenvolvimento desejável e no que consiste a sustentabilidade
para cada contexto estudado.
Bibliografia
BALDIN, Nelma. Tão fortes quanto a vontade, história da imigração italiana no Brasil: os vênetos em Santa Catarina. Florianópolis, SC: Insular, Ed. da UFSC, 1999. 279p.
BOITEUX, Lucas Alexandre. Primeira página da colonização italiana em Santa Catarina. 2. ed. / organizada por Nylson Reis Boiteux. Caxias do Sul: EDUCS, 1998. 110p.
BORTOLOTTO, Zulmar Helio. História de Nova Veneza. Nova Veneza: Prefeitura Municipal, 1992. 337p.
CLARK, Jo; DARLINGTON; John; FAIRCLOUGH, Graham. Using Historic Landscape Characterisation. English Heritage & Lancashire County Council, 2004.Disponível em: <http://www.catpaisatge.net/fitxers/docs/metodologies/Using_Historic_Landscape_Characterisation_2004.pdf>. Acesso em: 14 set. 2012.
ECHÁNIZ, Ignacio Español. La carretera en el paisaje: criterios para su planificación, trazado y proyecto. Consejeria de Obras Publicas y Transportes, Sevilla, 2008. Disponível em: <http://www.catpaisatge.net/fitxers/guies/infraestruc/la_carretera_en_el_paisaje_espanol.pdf>. Acesso em: 20 out. 2013.
FADIGAS, Leonel. Fundamentos ambientais do ordenamento do território e da paisagem. Lisboa: Edições Sílabo, 2007.
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
FAIRCLOUGH, Graham; MACINNES, Lesley. Understanding Historic Landscape Character (Topic Paper 5). Scottish Natural Heritage &The Countryside Agency, 2002. 84 p. Disponível em: <http://www.naturalengland.org.uk/Images/lcatopicpaper5_tcm6-8176.pdf>. Acesso em: 14 set. 2012.
HISTORIC ROADS. Dedicated to identification, preservation and management of Historic Roads. 2010. Disponível em <http://www.historicroads.org/index.htm>. Acesso em: 21 mai 2010.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Roteiros Nacionais de Imigração Santa Catarina. Dossiê de Tombamento: Histórico, análise e mapeamento das regiões. Vol. 1. Florianópolis: IPHAN, 2007. 341p.
MARTÍNEZ DE PISÓN, Eduardo. Significado cultural del paisaje. In: Observatori del Paisatge. Les estètiques del paisatge:I Seminari Internacional sobre Paisatge.13, 14 i 15 de novembre de 2003. Disponível em: <http://www.coac.net/ofpaisatge/content/2003/2003_eduardo_martinez.pdf>. Acesso em: 12 out. 2013.
OLMO, Rafael Mata. La dimensión patrimonial del paisaje. In: MADERUELO, Javier (org.). Paisaje y patrimonio. Madri: Abada Editores, 2010. p. 31 – 73.
STATHAM, Kathryn. Cornwall landscape character: best practice guide. Cornwall: Cornwall Council, 2011. Disponível em: <http://www.cornwall.gov.uk/default.aspx?page=28967>. Acesso em: 20 out. 2013.
SWANWICK, Carys. Landscape Character Assessment: Guidance for England and Scotland. Scottish Natural Heritage &The Countryside Agency, 2002. 84 p. Disponível em: <http://www.naturalengland.org.uk/ourwork/landscape/englands/character/assessment/>. Acesso em: 17 jul. 2011.
VIEIRA FERREIRA, Fernando Luis. Azambuja e Urussanga: memória sobre a fundação, pelo engenheiro Joaquim Vieira Ferreira de uma colônia de imigrantes italianos em Santa Catarina. 2ª ed. Orleans: Gráfica de Lelo Ltda, 2001. 102p.