O ciclo geográfico, Davis

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  • O ciclo geogrfico 1

    William M. Davis

    A classificao gentica das formas de terreno

    Todas as formas variadas dos terrenos so dependentes de ou, como os matemticos diriam, so funes de trs quantidades variveis, que podem ser chamadas de estrutura, processo e tempo. No comeo, quando as foras de deformao e soerguimento determinam a estrutura e a altitude de uma regio, a forma de sua superfcie est em concordncia com seu arranjo interno, e sua altura depende da quantidade de soerguimento que ela sofreu. Se suas rochas ficaram inalteradas sob o ataque dos processos externos, sua superfcie permaneceria inalterada at as foras de deformao e soerguimento agirem novamente; e nesse caso somente a estrutura estaria no controle da forma. Mas nenhuma rocha imutvel; mesmo as mais resistentes cedem sob o ataque da atmosfera, e seus resduos so arrastados e movidos para as partes mais baixas, mesmo que qualquer morro permanea; ento todas as formas, mesmo sendo altas e resistentes, devem se rebaixar, e assim o processo destrutivo passa a ter uma importncia igual quela da estrutura na determinao de uma grande rea de terreno. O processo no pode, no entanto, completar seu trabalho instantaneamente, e a quantidade de alterao da forma inicial ento uma funo do tempo. O tempo, assim, completa o trio de controles geogrficos e , entre os trs, aquele de aplicao mais frequente e de valor mais prtico na descrio geogrfica.

    A estrutura a fundao de todas as classificaes geogrficas nas quai o trio de controles reconhecido. O planalto de Alleghany uma unidade, uma "regio", porque por toda a sua grande extenso ele composto por amplas camadas de rocha horizontais. O Jura suo e os Apalaches da Pensilvnia so unidades, por consistirem em estratos corrugados. Os montes Laurencianos do Canad so essencialmente uma unidade, por consistirem em rochas cristalinas em sua maior

    1 Texto originalmente intitulado The Geographical Cycle, traduzido da verso publicada pela Wiley-Blackwell Publishing, em nome de The Royal Geographical Society (com Institute of British Geographers). Fonte: The Geographical Journal, Vol. 14, No. 5 (Nov., 1899), pp. 481-504. Disponvel em: . Acesso em: 12 set. 2008. Traduo e reviso: Vancil Cardoso Cabral e Fernanda Aparecida Leonardi.

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    parte alteradas. Essas unidades geogrficas no tm, no entanto, tal simplicidade como unidades matemticas; cada uma delas tem certa variedade. Os estratos dos planaltos no so estritamente horizontais, por se inclinarem ou se virarem suavemente, ora de uma forma, ora de outra. As corrugaes do Jura ou dos Apalaches no so todas iguais; elas devem, na verdade, ser mais verdadeiramente descritas como todas diferentes, ainda que elas preservem suas caractersticas essenciais com muita constncia. As rochas desordenadas dos montes Laurencianos tm uma to estrutura excessivamente complicada a ponto de agora desafiar uma descrio, a menos que seja feita item por item; ainda, apesar das variaes livres de um nico padro estrutural, vlido e til investigar de um modo amplo tal regio, e consider-la como uma unidade estrutural. As foras pelas quais as altitudes e estruturas foram determinadas no vm ao mbito da pesquisa geogrfica, mas as estruturas adquiridas pela ao dessas foras servem de base essencial para a classificao gentica das formas geogrficas. Para a proposta deste artigo, ser suficiente reconhecer dois grandes grupos estruturais: em primeiro lugar, o grupo das estruturas horizontais, incluindo plancies, planaltos e seus derivados, aos quais nenhum nome nico foi sugerido; em segundo lugar, o grupo de estruturas desordenadas, incluindo montanhas e seus derivados, igualmente sem um nome nico. O segundo grupo deve ser mais elaboradamente subdividido que o primeiro.

    Os processos destrutivos so de grande variedade a ao qumica do ar e da gua, e a ao mecnica do vento, do calor e do frio, da chuva e da neve, dos rios e das geleiras, das ondas e correntes. Mas a maior parte da superfcie da Terra sofre principalmente o efeito das mudanas climticas e do curso da gua, estes sero tratados como um grupo normal de processos destrutivos; enquanto o vento dos desertos ridos e o gelo dos desertos frios sero considerados como modificaes climticas da regra, e postos parte para uma discusso especfica; e um captulo especial ser necessrio para explicar a ao das ondas e correntes nas linhas da costa no limite dos terrenos. Os vrios processos pelos quais o trabalho destrutivo realizado so, por sua vez, caractersticas geogrficas, e alguns deles so assim reconhecidos, tais como os rios, as quedas d'gua e as geleiras; mas eles so muito comumente considerados por gegrafos separados do trabalho que eles realizam, com essa fase de seu estudo sendo, por alguma razo insatisfatria, dada geologia fsica. No deveria haver tal separao entre agentes e trabalho na geografia fsica, embora seja proveitoso dar considerao separada para o agente ativo e para a massa inerte na qual ele trabalha.

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    O tempo como um elemento da terminologia geogrfica

    A quantidade de alterao causada por processos destrutivos aumenta com a passagem do tempo, mas nem a quantidade, nem a intensidade da alterao so uma simples funo do tempo. A quantidade de alterao limitada, em primeiro lugar, pela altitude de uma regio acima do mar; tambm pois, ao longo do tempo, as foras destrutivas normais no podem desgastar a superfcie do terreno para abaixo desse nvel de base definitivo de sua ao; e as foras glaciais e marinhas no podem desgastar uma massa terrestre indefinidamente abaixo do nvel do mar. A intensidade de alterao sob processos normais, os quais sero considerados sozinhos agora, no exato incio relativamente moderada; ela ento avana muito rapidamente para o mximo, e em seguida lentamente diminui para um mnimo indefinidamente adiado.

    Evidentemente, um perodo maior deve ser necessrio para completar a denudao de uma massa terrestre resistente do que de uma fraca, mas nenhuma medida em termos de anos ou sculos pode agora ser dada ao perodo necessrio para o desgaste efetivo de terras altas para terras baixas descaracterizadas. Todo o tempo histrico pouco mais que uma frao insignificante de uma durao to vasta. O melhor que pode ser feito no momento dar um nome conveniente para essa parte no mensurada da eternidade, e para esse propsito nada parece mais apropriado do que "ciclo geogrfico". Quando for possvel estabelecer uma proporo entre unidades geolgicas e geogrficas, haveremos encontrado uma abordagem para a igualdade entre a durao de um ciclo mdio e aquela do tempo do Cretceo ou Tercirio, como tem sido indicado pelos estudos de vrios geomorflogos.

    Geografia terica

    evidente que um esquema de classificao geogrfica que baseado na estrutura, no processo e no tempo deve ser dedutivo em um alto grau. Isso clara e intencionalmente o caso no presente caso. Como consequncia, o esquema ganha um gosto muito "terico" que no agrada a alguns gegrafos, cujo trabalho implica que a geografia, diferente de todas as outras cincias, deveria ser desenvolvida pelo uso de somente algumas certas faculdades mentais, principalmente observao, descrio e generalizao. Mas nada me parece mais claro que o fato de que a geografia j sofreu por muito tempo pelo desuso da imaginao, da inveno, da deduo e de vrias outras faculdades mentais que contribuem para a obteno de uma explicao bem testada. como caminhar com um p, ou olhando com um olho, para excluir da geografia a metade "terica" do poder cerebral, qual outras cincias requerem, assim como metade "prtica". Com efeito, somente como resultado de um mal-entendido que se pressupe uma antipatia entre teoria e

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    prtica pois, na geografia, bem como em todo trabalho que soa cientfico, as duas avanam mais amigvel e efetivamente juntas. Certamente o desenvolvimento mais completo da geografia no ser alcanado at todas as faculdades mentais que so de alguma forma pertinentes ao seu cultivo serem bem treinadas e exercitadas na investigao geogrfica.

    Tudo isso pode ser afirmado de outra forma. Um dos suportes mais efetivos para a apreciao de um assunto uma explicao correta dos fatos que ele apresenta. A compreenso vem, ento, para auxiliar a memria. Mas uma classificao gentica das formas geogrficas , na realidade, uma explicao delas; por conseguinte, tal classificao deve ser til para o gegrafo em viagem, estudo ou ensino, contanto que seja uma classificao natural e verdadeira. Natural e verdadeira uma classificao gentica deve certamente ser, pois o tempo passado quando at mesmo os gegrafos podem observar as formas do terreno como "prontas". Na verdade, definies e descries geogrficas no so verdadeiras e naturais somente por darem a impresso de que as formas dos terrenos so de origem desconhecida, no suscetveis de explicao racional. Desde o incio da geografia nas escolas primrias, os alunos deveriam ficar admirados com a crena de que as formas geogrficas tm significado, e que o significado ou a origem de tantas formas j est to bem certo que h toda razo para pensar que o significado de todas as outras ser descoberto em questo de tempo. O explorador da Terra deveria estar inteiramente convencido desse princpio e bem preparado para aplic-lo, como o explorador do cu est para carregar princpios fsicos para o alcance mais distante de seu telescpio, seu espectroscpio e sua cmera. A preparao de mapas de rota e a determinao de latitude, longitude e altitude para os pontos mais importantes somente o comeo da explorao, a qual no tem fim at todos os fatos de observao serem levados explicao.

    importante, no entanto, insistir que o gegrafo precisa saber o significado, a explicao, a origem das formas que ele observa, simplesmente por causa do suporte assim recebido quando ele tenta observar e descrever as formas cuidadosamente. claramente necessrio reconhecer esse princpio e constantemente t-lo em mente, se quisermos evitar o erro de confundir os objetos dos estudos geogrfico e geolgico. O ltimo examina as mudanas do passado por elas prprias, uma vez que a geologia se preocupa com a histria da Terra; o anterior examina as mudanas do passado at onde elas servem para iluminar o presente, pois a geografia se preocupa essencialmente com a Terra como ela existe agora. A estrutura um elemento pertinente do estudo geogrfico quando, assim como quase sempre, influencia a forma; ningum hoje tentaria descrever a Weald sem alguma referncia s resistentes camadas de calcrio que determinam os

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    morros em sua borda. O processo igualmente pertinente para o nosso assunto, por ter sido em todos os lugares influente na determinao da forma para um grau maior ou menor, e est em operao hoje em todos os lugares. realmente curioso encontrar manuais geogrficos que aceitam o movimento dos ventos, correntes e rios como parte de sua responsabilidade, e ainda que deixam o intemperismo dos terrenos e o movimento dos resduos dos terrenos inteiramente fora de considerao. O tempo certamente um elemento geogrfico importante, por onde as foras de soerguimento e deformao iniciaram recentemente (no ponto de vista do tempo da Terra) um ciclo de alterao; os processos destrutivos podem ter realizado pouco trabalho, e a forma de relevo jovem; onde mais tempo decorreu, a superfcie ter sido mais meticulosamente esculpida e a forma ento se torna "madura"; e onde passou tanto tempo que a superfcie originalmente soerguida est desgastada para um baixo terreno de pequeno relevo, ficando no mais que um pouco acima do nvel do mar, a forma merece ser chamada de velha. Uma srie inteira de formas deve estar desse modo evoluda na histria de vida de uma regio, e todas as formas de tal srie, mesmo que elas paream diferentes primeira vista, deveriam estar associadas sob o elemento do tempo, expressando meramente os estgios diferentes de uma nica estrutura. A larva, a ninfa e o imago de um inseto; ou a noz do carvalho, o carvalho crescido e o velho tronco cado, no so mais naturalmente associados como representando as diferentes fases na histria de vida de uma nica espcie orgnica, que o so um bloco de montanha jovem, vales e picos de montanhas amadurecidamente esculpidos e o velho peneplano de montanha, como representando os diferentes estgios da histria de vida de um nico grupo geogrfico. Como as formas do terreno, os agentes que trabalham sobre elas mudam o seu comportamento e a sua aparncia com o passar do tempo. Uma forma de terreno jovem tem cursos jovens de atividade torrencial, enquanto uma forma velha teria velhos cursos de corrente deliberada ou mesmo fraca, como ser mais detalhadaamente adescrito abaixo.

    O ciclo geogrfico ideal

    A sequncia nas mudanas no desenvolvimento das formas de terreno, em sua prpria forma, to sistemtica quanto a sequncia de mudanas encontrada no desenvolvimento mais evidente de formas orgnicas. Na verdade, principalmente por essa razo que o estudo da origem das formas de relevo ou geomorfologia, como alguns chamam se torna um auxlio prtico, til ao gegrafo a qualquer hora. Isso se far mais claro pela considerao especfica de um caso ideal, e aqui uma forma grfica de expresso ser usada para auxlio.

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    Figura 1

    A linha de base , na Figura 1, representa a passagem do tempo, enquanto as verticais acima da linha de base medem a altitude acima do mar. No perodo 1, deixemos uma regio de qualquer estrutura e forma ser soerguida, com B representando a altitude mdia de suas partes mais altas e A de suas partes mais baixas; ento AB mede o seu relevo inicial mdio. As rochas da superfcie so atacadas pelo intemperismo. A chuva cai sobre a superfcie intemperizada e leva alguns dos resduos soltos abaixo, das vertentes iniciais para as linhas de calha onde duas vertentes convergentes se encontram; l os cursos d'gua so formados, fluindo em direes consequentes na descida das linhas de calha. O mecanismo dos processos destrutivos ento colocado em movimento e o desenvolvimento destrutivo da regio iniciado. Os rios maiores, cujos canais inicialmente tinham uma altitude A, rapidamente aprofundam seus vales, e no perodo 2 reduzem seus canais para uma altitude moderada, representada por C. As partes mais altas dos interflvios, afetadas somente pelo intemperismo e sem a concentrao da gua em cursos, definham muito mais lentamente, e no perodo 2 so reduzidas em altura somente at D. O relevo da superfcie foi, assim, levado de AB para CD. Os principais rios, ento, aprofundam seus canais muito lentamente pelo resto de sua vida, como mostrado pela curva CEGJ; e o desgaste das terras altas, muito dissecadas pelas ramificaes fluviais, vm a ser mais rpidos que o aprofundamento dos principais vales, como mostrado pela comparao das curvas DFHK e CEGJ. O perodo 3-4 o tempo do consumo mais rpido das superfcies altas e, portanto, se pe em forte contraste com o perodo 1-2, onde havia o aprofundamento mais rpido dos vales principais. No perodo anterior, o relevo estava rapidamente aumentando em valor, assim como vales ngremes foram cortados abaixo das calhas iniciais. Ao longo do perodo 2-3, o valor mximo do relevo alcanado e a variedade da forma grandemente aumentada pelo crescimento remontante dos vales. Durante o perodo 3-4, o relevo est diminuindo mais rpido que em qualquer outro tempo, e a vertente dos lados do vale est se tornando muito mais suave que antes; mas essas mudanas avanam muito mais lentamente que aquelas do primeiro perodo. Do perodo 4 em diante, o relevo

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    restante gradualmente reduzido para medidas cada vez menores e as vertentes se tornam cada vez mais brandas, de forma que, algum tempo depois do ltimo estgio do diagrama, a regio somente um terreno baixo ondulado, qualquer que tenha sido sua altura original. Ento lentamente as ltimas alteraes avanam, de forma que a diminuio do relevo reduzido JK para metade de seu valor possa requerer tanto tempo quanto aquele que j foi decorrido; e das vertentes mais brandas que ento permaneceriam, a mais remota remoo de resduos precisaria, de fato, ser extremamente lenta. A frequncia de inundaes torrenciais e de deslizamentos em montanhas jovens e maduras, em contraste com a tranquilidade dos cursos d'gua lentos e do lento movimento do solo em terras baixas de denudao, suficiente para mostrar que o ritmo da denudao uma questo de interesse tanto estritamente geogrfico quanto geolgico.

    Segue-se desta breve anlise que um ciclo geogrfico deve ser subdividido em partes de durao varivel, sendo que cada uma das quais ser caracterizada pela fora e pela variedade do relevo, e pelo ritmo de alterao, assim como pela quantidade de alterao que foi realizada desde o incio do ciclo. Haver uma breve juventude de relevo em rpido crescimento, uma maturidade de relevo mais forte e maior variedade de forma, um perodo de transio do relevo decrescente, do mais rpido para o mais lento, e uma velhice indefinidamente longa de relevo suave, na qual novas mudanas so excessivamente lentas. No h, claro, pausas entre essas subdivises ou estgios; cada um se liga a seu sucessor, ainda que cada um seja em geral distintivamente caracterizado por aspectos no encontrados em outros perodos.

    O desenvolvimento de cursos consequentes

    A seo anterior d somente as linhas gerais da sequncia sistemtica das mudanas que tomam curso ao longo do ciclo geogrfico. O esboo precisa imediatamente ser deixado, em funo de se preencherem os detalhes mais importantes. Em primeiro lugar, no se deveria pressupor, como foi feito na Fig. 1, que as foras de soerguimento e deformao agem to rapidamente que nenhuma alterao destrutiva possa ocorrer durante sua operao. A relao mais provvel na abertura de um ciclo de alterao coloca o incio do soerguimento em O (Fig. 1) e seu final em 1. A divergncia das curvas OB e OA ento pressupe que certas partes da regio afetada foram mais soerguidas que outras, e que, a partir da superfcie sem relevo ao nvel do mar no perodo O, uma superfcie tendo relevo AB seria produzida no perodo 1. Mas mesmo durante o soerguimento, os cursos d'gua que se juntam nas calhas, assim que so definidos, fazem um pouco de trabalho, e por conseguinte vales jovens j so entalhados nos fundos das calhas quando o

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    perodo 1 alcanado, como mostrado pela curva OA'. As terras altas tambm so desgastadas mais ou menos durante o perodo de transtorno, e por conseguinte nenhuma superfcie inicial absolutamente inalterada deveria ser encontrada, mesmo que por algum tempo anterior ao perodo 1. Em vez de olhar para divises iniciais, separando vertentes iniciais que descendem para as calhas iniciais, seguidos por cursos d'gua iniciais, como foi pressuposto na Fig. 1 no perodo de soerguimento instantneo, ns devemos sempre esperar encontrar algum avano maior ou menor na sequncia de alteraes em desenvolvimento, mesmo nas mais jovens formas de terreno conhecidas. Inicial , portanto, o termo adaptado para casos ideais em vez de casos reais, nos quais o termo "sequencial" e seus derivados sero mais apropriados. Todas as alteraes que seguem diretamente a orientao de formas iniciais ideais devem ser chamadas consequentes; assim, uma forma jovem possuiria divises consequentes, separando vertentes consequentes que descendem para vales consequentes; com as calhas iniciais sendo alteradas para vales consequentes at onde suas formas so modificadas pela ao da drenagem consequente.

    A gradao dos fundos de vale

    Os rios maiores em termos de ciclo logo aprofundam seus principais vales, uma vez que seus canais esto no mais que ligeiramente acima do nvel de base da regio; mas o fundo do vale no pode ser reduzido ao nvel de base absoluto, porque o rio precisa descer at sua foz na linha da costa. A altitude de qualquer ponto em um fundo de vale bem amadurecido deve, portanto, depender da inclinao do rio e da distncia da foz. A distncia da foz deve aqui ser tratada como uma constante, embora uma afirmao mais completa consideraria seu aumento em consequncia do crescimento do delta. A inclinao do rio no pode ser menos, como os engenheiros bem sabem, que um certo mnimo que determinado pelo volume, pela quantidade e pela textura de detritos ou carga. O volume pode ser temporariamente tomado como uma constante, embora se possa mostrar facilmente que ele sofre importantes alteraes durante o progresso de um ciclo normal. A carga pequena no comeo, e rapidamente aumenta em quantidade e aspereza durante a juventude, quando a regio escavada por vales ngremes; ela continua a aumentar em quantidade, mas provavelmente no em aspereza, durante o incio da maturidade, quando os vales ramificantes esto crescendo pela eroso remontante, e aumentam ento a rea das vertentes dos resduos; mas aps a maturidade completa, a carga continuamente diminui em quantidade e em aspereza de textura; e durante a idade avanada, a pequena carga que carregada deve ser de textura muito fina, ou ento desaparecer em soluo.

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    Vamos agora refletir sobre como a vertente mnima de um rio ser determinada.Para livrar o problema de complicaes desnecessrias, vamos supor que os

    jovens rios consequentes tm, primeiramente, vertentes que so ngremes o bastante para torn-los mais do que competentes em carregar a carga que lavada para dentro deles, vinda da superfcie residual em ambos lados, e assim competentes para escavar a si mesmos abaixo do assoalho das calhas iniciais essa sendo a condio tacitamente postulada na Fig. 1, embora evidentemente se difira daqueles casos nos quais a deformao produz bacias onde os lagos devem se formar e onde a deposio (denudao negativa) deve ocorrer, e tambm daqueles casos nos quais um curso de calha principal de vertente moderada , mesmo em sua juventude, sobrecarregada com detritos por cursos transversais ativos que descem longas e ngremes superfcies de resduos; mas todos esses casos mais complicados devem ser colocados de lado no momento.

    Se um jovem rio consequente for seguido de ponta a ponta, deve-se imagin-lo aprofundando seu vale em todos os lugares, exceto exatamente na foz. O aprofundamento do vale ser mais rpido em algum ponto, provavelmente mais prximo da cabeceira do que da foz. Acima desse ponto, o rio apresentar sua vertente aumentada; abaixo, diminuda. Vamos chamar a parte rio acima do ponto de aprofundamento mais rpido de nascentes; e a parte rio abaixo de baixo curso ou tronco. Em consequncia das mudanas assim sistematicamente acarretadas, o baixo curso do rio ter sua vertente e sua velocidade diminuindo, e sua carga aumentando; isto , sua capacidade de realizar trabalho se torna menor, enquanto o trabalho que tem de fazer se torna maior. O excesso inicial da capacidade sobre o trabalho ser ento corrigido a tempo e, quando for provocada a igualdade dessas duas quantidades, o rio estar gradado2, sendo essa uma forma simples de expresso, sugerido por Gilbert, para substituir frases mais complicadas que so requeridas pelo uso do perfil de equilbrio dos engenheiros franceses. Quando a condio de estabilidade alcanada, a alterao na vertente pode ocorrer somente se volume e carga mudarem a sua relao; e alteraes desse tipo so muito lentas.

    Em uma massa terrestre de textura homognea, a condio de estabilidade de um rio seria (em casos como os considerados acima) primeiro alcanada na foz, e avanaria ento retrocedendo rio acima. Quando os cursos principais estiverem estabilizados, o incio da maturidade alcanado; quando as nascentes menores e os cursos transversais tambm estiverem estabilizados, a maturidade est bem avanada; e quando mesmo os riachos de tempo mido estiverem estabilizados, a

    2 Traduo livre do termo original graded, compreendido no texto como estabilizado, estvel.

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    velhice alcanada. Em uma massa terrestre de textura heterognea, os rios sero divididos em sees por cintures de rochas mais fortes e mais fracas que eles cruzam; cada seo de rochas mais fracas ser em um determinado tempo estabilizada, com referncia seo de rochas mais duras na sequncia rio abaixo, e assim o rio vir a consistir em calmos riachos alternantes e rpidas corredeiras e cachoeiras. As menos resistentes das rochas mais duras sero lentamente desgastadas, em relao quelas mais resistentes que esto mais abaixo nos riachos; ento as corredeiras diminuiro em nmero, e somente aquelas nas rochas mais fortes sobrevivero. Mesmo estas devero desaparecer com o tempo, e a condio de estabilidade ser ento estendida da foz cabeceira. A vertente que adotada quando a gradao pressuposta varia inversamente com o volume; por conseguinte, os rios conservam nascentes ngremes muito depois do seu baixo curso ser desgastado em quase todo o nvel; mas na velhice, mesmo as nascentes devero ter declividade suave e velocidade moderada, livres de todas os aspectos torrenciais. O assim chamado rio normal, com nascentes volumosas e baixo e mdio cursos bem estabilizados, portanto um rio maturamente desenvolvido. Um rio jovem pode normalmente ter cachoeiras mesmo no seu baixo curso, e um rio velho deve ser livre de movimentos rpidos mesmo prximo sua cabeceira.

    Se um curso consequente inicial por qualquer razo incompetente em levar embora a carga que trazida dentro dele, ele no pode degradar seu canal, mas deve, pelo contrrio, agrad-lo (para usar um termo excelente sugerido por Salisbury). Tal rio ento deposita a parte mais spera da carga oferecida, assim formando uma ampla vrzea, desenvolvendo seu fundo de vale, e deixando sua vertente mais ngreme at que ganhe velocidade suficiente para realizar o trabalho requerido. Nesse caso, a condio de estabilidade alcanada pelo preenchimento da calha inicial, em vez de interromp-la. Onde as bacias ocorrem, lagos consequentes se desenvolvem ao nvel do escoadouro no ponto mais baixo da borda. medida que o escoadouro interrompido, forma-se um nvel de base local que afunda com relao quele no qual a bacia agradada; e medida que o lago ento destrudo, forma-se um nvel de base local que abaixa com relao quele no qual os cursos tributrios estabilizam seus vales; como no caso das corredeiras e cachoeiras, os nveis de base locais dos escoadouros e lagos so temporrios, e perdem seu controle quando as principais linhas de drenagem so estabilizadas com relao ao nvel de base absoluto no incio ou no final da maturidade.

    O desenvolvimento de redes fluviais

    Vrias classes de cursos transversais devem ser reconhecidas. Algumas delas

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    so definidas por leves depresses iniciais nas vertentes transversais das principais calhas dos rios: estas formam consequentes laterais ou secundrios, ramificando de um consequente principal; eles geralmente correm na direo da depresso dos estratos. Outros so desenvolvidos pela eroso remontante, sob a orientao de fracas subestruturas que foram assentadas nas paredes de vale de cursos consequentes; eles seguem o ataque dos estratos, e so inteiramente independentes da forma da superfcie inicial; eles devem ser chamados subsequentes, esse termo tendo sido usado por Jukes ao descrever o desenvolvimento de tais cursos. Ainda outros crescem aqui e ali, ao que tudo indica por acidente, aparentemente independentes de orientao sistemtica; eles so comuns em estruturas horizontais ou massivas. Enquanto se espera aprender qual pode ser seu controle, a sua independncia de controle aparente pode ser indicada chamando-os de "insequentes". Classes adicionais de cursos so bem conhecidas, mas no podem ser descritas aqui pela falta de espao.

    Relao da capacidade do rio e de carga

    medida que a dissecao de uma massa terrestre prossegue com o desenvolvimento mais completo de seus cursos consequentes, subsequentes e insequentes, a rea dos lados ngremes dos vales aumenta muito da juventude para a maturidade inicial ou completa. O resduo que deixado pelos rios transversais para o curso principal vem principalmente dos lados do vale, e por conseguinte sua quantidade aumenta com o aumento da dissecao forte, alcanando o mximo quando a formao de novas ramificaes cessa, ou quando a diminuio no declive dos lados do vale em desgaste vem para equilibrar seu aumento da rea. interessante notar, nessa conexo, as consequncias que seguem de duas contrastadas relaes cronolgicas para o descarregamento mximo de resduo, e daquela para a gradao dos cursos das ramificaes. Se o primeiro no mais tardio que o segundo, os rios estabilizados lentamente assumiro vertentes mais suaves medida que sua carga diminui; mas medida que a alterao no descarregamento de resduo quase infinitesimal, comparada quantidade descarregada a qualquer tempo, os rios essencialmente preservaro a sua condio de estabilidade, apesar do pequeno excesso de capacidade sobre trabalho. Por outro lado, se o mximo de carga no alcanado at depois da primeira obteno da condio de estabilidade pelos cursos das ramificaes, ento os fundos de vale sero agradados pela deposio de uma parte da carga crescente, e assim uma vertente mais ngreme e uma maior velocidade sero obtidas, at que o restante do aumento possa ser suportado. O fundo do vale em V, previamente esculpido, assim lentamente preenchido com uma plancie de inundao de cascalho, a qual

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    continua a aumentar at o perodo de carga mxima ser alcanado, depois do qual entra na lenta degradao apresentada acima. O incio da maturidade deve, portanto, assistir a um leve assoreamento dos vales principais, em vez de um leve aprofundamento (indicado pela linha pontilhada CE na Fig. 1); mas o final da maturidade e toda a velhice sero normalmente ocupados pela lenta continuao da eroso do vale, que se iniciou to vigorosamente durante a juventude.

    O desenvolvimento dos divisores

    No h processo mais bonito a ser encontrado no avano sistemtico de um ciclo geogrfico do que a definio, a subdiviso e o rearranjo dos divisores (divisores de guas) pelos quais as bacias de drenagem maiores e menores so separadas. As foras do caos e da deformao da crosta agem de um modo muito mais amplo que os processos de escultura do terreno; por conseguinte, na abertura de um ciclo poderia se esperar encontrar um nmero moderado de bacias fluviais grandes, um tanto indefinidamente separadas nos cumes planos de largas ondulaes ou arcos da superfcie do terreno, ou ocasionalmente mais claramente limitadas pelas bordas levantadas de blocos falhados. A ao dos cursos consequentes laterais sozinha esculpiria, durante a juventude e o incio da maturidade, todos os divisores iniciais vagos em divisores consequentes bem definidos, e a ao posterior dos cursos subsequentes e insequentes dividiria muitas vertentes de drenagem consequentes em bacias de drenagem subordinadas, separadas por divisores ou insequentes ou subsequentes. medida que os vales subsequentes so erodidos por seus cursos consumidos ao longo de cintures estruturais frgeis, os divisores subsequentes ou cumes permanecem onde se mantm os cintures estruturais fortes. Por mais imperfeita que a diviso das reas de drenagem e descarga da precipitao possa ter sido no comeo da juventude, ambas so bem desenvolvidas at o tempo da maturidade completa ser alcanada. Na verdade, a descarga de precipitao mais imediata que pode ser esperada para resultar do desenvolvimento de um sistema elaborado de divisores e de vertentes de divisores at os cursos causaria uma crescente porcentagem de escoamento; e possvel que o aumento do volume fluvial ento acarretado da juventude maturidade possa, mais ou menos inteiramente, contrapor-se tendncia de aumento da carga do rio para causar a agradao. Mas, por outro lado, assim que as terras altas comeam a perder altura, a precipitao deve diminuir; pois sabido que a obstruo do movimento do vento causada por montanhas uma causa efetiva da precipitao. Enquanto um grande exagero sustentar que as geleiras dos Alpes quaternrios causaram sua prpria destruio, por reduzir a altura das montanhas sobre as quais sua neve estava acumulada, perfeitamente lgico

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    deduzir uma diminuio da precipitao como um acompanhamento da perda da altura da juventude at a velhice de uma massa terrestre. Assim, muitos fatores devem ser considerados antes que a histria de vida de um rio possa ser inteiramente analisada.

    O crescimento dos cursos subsequentes e reas de drenagem deve ser custa dos cursos consequentes originais e das reas de drenagem consequentes. Todas as alteraes desse tipo so promovidas pela ocorrncia de camadas de rocha inclinadas em vez de horizontais e, dessa forma, so de ocorrncia comum em regies montanhosas, mas raras em plancies estritamente horizontais. As alteraes so tambm favorecidas pela ocorrncia de fortes contrastes nas resistncias dos estratos adjacentes. Em consequncia da migrao dos divisores ento causada, muitos cursos vm a seguir vales que so desgastados ao longo de cintures de estratos frgeis, enquanto os divisores vm a ocupar os cumes que se situam ao longo dos cintures de estratos mais fortes; em outras palavras, a simples drenagem consequente da juventude modificada pelo desenvolvimento de linhas de drenagem subsequentes, para provocar um crescente ajuste de cursos para estruturas, caracterstico do estgio maduro do ciclo geogrfico. No apenas isso: ajustes desse tipo formam uma das mais fortes, ainda que uma das ltimas, provas da eroso dos vales pelos cursos que os ocupam, e da ao contnua no passado dos lentos processos de intemperismo e movimentao de resduos que esto em operao hoje.

    Figura 2

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    No h nada mais significativo do avano no desenvolvimento do ciclo geogrfico que as alteraes ento acarretadas. Os processos aqui envolvidos so complicados demais para serem apresentados em detalhes, mas eles podem ser rapidamente ilustrados ao tomar-se a drenagem como um arco denudado, sugerindo as montanhas do Jura como um exemplo. AB, Fig. 2, um curso consequente longitudinal principal seguindo uma calha cujo assoalho foi um tanto agradado pelos resduos ativamente supridos pelos consequentes laterais, CD, LO, EF etc. Em um estgio inicial da denudao, antes da rgida camada exterior ser desgastada a partir da coroa do arco da montanha, todos os consequentes laterais se originavam na linha do cume da montanha. Mas, orientados por um substrato frgil, os cursos subconsequentes TR e MS se desenvolveram como ramificaes de certos consequentes laterais, EF e LO, e ento a rgida camada exterior foi escavada e parcialmente removida, e muitos pequenos consequentes laterais foram decapitados. Hoje, muitos dos laterais, como JK, tm sua fonte no cume do pico lateral VJQ, e as nascentes, tais como GH, que uma vez pertenceram a eles, so agora desviadas por cursos subsequentes para aumentar o volume de laterais bem-sucedidos, como EF. Com alteraes similares tendo ocorrido na vertente mais distante do arco da montanha, ns agora encontramos o divisor consequente original do cume do arco suplementado pelos divisores subsequentes formados pelos picos laterais. Uma srie de cursos curtos, como JH, pertencendo a uma classe no mencionada acima, desce pela face interna dos picos laterais para um curso subsequente, RT. Esses cursos curtos tm uma direo oposta quela dos consequentes originais, e devem portanto serem chamados obsequentes. Como a denudao progride, a borda do cume lateral ser desgastada mais longe do cume do arco; em outras palavras, o divisor subsequente migrar na direo do vale principal, ento um comprimento maior ser obtido pelas nascentes consequentes desviadas, GH, e um volume maior pelas subsequentes, SM e RT. Durante essas alteraes, a desigualdade que deve naturalmente prevalecer entre consequentes adjacentes bem sucedidos, EF e LO, finalmente permitir ao curso subsequente RT, do consequente maior EF, capturar as nascentes, LM e SM, do consequente menor, LO. Na maturidade avanada, as nascentes de muitos consequentes laterais podem se desviar para aumentar o volume de EF, para que o consequente longitudinal principal acima do ponto F possa ser reduzido a um volume relativamente pequeno.

    O desenvolvimento dos meandros fluviais

    Tem-se pressuposto, at agora, que os rios cortam seus canais verticalmente para baixo, mas isso est longe de ser uma verdade completa. Cada virada no curso de um jovem riacho consequente faz as correntes mais fortes pressionarem na

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    direo do banco externo, e cada curva irregular, ou talvez subangular, ento arredondada para uma curva relativamente suave. O rio, portanto, tende a se separar do seu caminho inicial irregular (quadro do fundo da Fig. 3) na direo de um curso meandrante, no qual oscila para a direita e para a esquerda sobre um cinturo mais amplo do que no comeo. medida que o rio corta para baixo e para fora ao mesmo tempo, as vertentes do vale tornam-se assimtricas (bloco do meio da Fig. 3), sendo mais ngremes na direo do lado em que a corrente estimulada pela fora centrfuga. O lado mais ngreme do vale ento obtm a forma de um meio anfiteatro, no qual um lado de inclinao mais suave entra como um esporo das terras altas opostas. Quando a condio de estabilidade atingida pelo curso, o corte para baixo praticamente cessa, mas o corte para fora continua; uma plancie de inundao ento formada, medida que o canal retirado do lado suavemente inclinado do vale (bloco da frente da Fig. 3). Plancies de inundao desse tipo so facilmente distinguidas nos seus estgios iniciais daquelas j mencionadas (formadas pela agradao de cursos planos de jovens rios incompetentes, ou pela agradao de vales estabilizados de rios com sobrecarga no incio da maturidade); pois estes ocorrem em reas isoladas de forma semicircular, primeiro em um lado, depois no outro lado do curso, e sempre sistematicamente colocados aos ps dos espores de inclinao mais suave. Mas, medida que o tempo passa, o rio colide com o lado a montante, retira do lado a jusante de cada ramal, e assim os ramais so gradualmente consumidos; eles so primeiramente apontados, para se observar melhor seu nome; so em seguida reduzidos a curtas extremidades; depois so desgastados para salincias retas; e, finalmente, so inteiramente consumidos e o rio vagueia livremente sobre sua plancie de inundao aberta, ocasionalmente oscilando entre os lados do vale, ora aqui, ora l. A essa altura, as curvas da juventude so alteradas para meandros sistemticos, de raio apropriado para o volume do rio; e por todo o resto de uma vida tranquila, o rio persiste no hbito do fluxo meandrante. Quanto menos a vertente da plancie de inundao se torna de idade avanada, maior o arco de cada meandro, e por conseguinte mais longo o curso do rio de qualquer ponto at a sua foz. O aumento do comprimento deste deve causar a diminuio da queda, e ento deixar o rio menos competente do que era antes; e o resultado dessa tendncia ser retardar o j lento processo pelo qual uma plancie de inundao de leve inclinao degradada para aproximar a coincidncia em um nvel de superfcie; mas no provvel que rios velhos frequentemente permaneam sem perturbaes o suficiente para a realizao completa dessas condies tericas.

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    A migrao dos divisores deve, de vez em quando, resultar em um aumento rpido no volume de um rio e em uma diminuio correspondentemente rpida de outro. Aps tais alteraes, a acomodao para o volume alterado deve ser feita nos meandros de cada rio afetado. Aquele que for aumentado exigir dimenses maiores; ele normalmente adotar uma vertente mais suave, assim terraceando sua plancie de inundao, e demandar uma liberdade maior de mudana de direo, assim alargando seu vale. Aquele que for diminudo ter que estar satisfeito com dimenses pequenas; ele vaguear sem rumo em meandros relativamente minsculos na sua plancie de inundao e, a partir do aumento do comprimento, assim como da perda do volume, tornar-se- incompetente para transportar a carga trazida pelos cursos transversais e, assim, sua plancie de inundao dever ser agradada. Existem bonitos exemplos conhecidos de ambas as condies peculiares.

    O desenvolvimento dos lados de vale estabilizados

    Quando a migrao dos divisores cessa, na maturidade avanada, e os fundos de vale dos cursos ajustados esto bem estabilizados, mesmo distantes das nascentes, ainda h de se completar uma outra e talvez ainda mais importante sequncia de mudanas sistemticas que qualquer outra at aqui descrita: o desenvolvimento de vertentes de resduo estabilizadas nos lados dos vales. Afirma-se sucintamente que os vales so erodidos por seus rios; ainda h uma vasta quantidade de trabalho realizado na eroso dos vales na qual os rios no participam. verdade que os rios aprofundam os vales na juventude, e alargam os fundos de vale durante a maturidade e a velhice de um ciclo, e que eles carregam para o mar o resduo denudado da terra; esse trabalho de transporte para o mar que peculiarmente a funo dos rios; mas o material a ser transportado suprido principalmente pela ao do tempo atmosfrico nas vertentes consequentes mais ngremes e nos lados dos vales. O transporte do material intemperizado da sua

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    fonte para o curso no fundo do vale o trabalho de vrios processos de ao lenta, tais como a movimentao dos resduos da superfcie pela chuva, a ao da gua subterrnea, alteraes de temperatura, congelamento e aquecimento, desintegrao qumica e hidratao, o crescimento das razes das plantas, as atividades de animais de toca. Todos esses fazem o resduo da rocha intemperizada ser levado e arrastado lentamente morro abaixo, e no movimento que assim persiste h muito de anlogo ao fluxo de um rio. De fato, quando considerado de forma muito ampla e geral, um rio visto como uma mistura em movimento de gua e resduos em propores variveis, mas principalmente de resduos. Embora o rio e o lenol de resduos ao lado do morro no se assemelhem entre si em uma primeira vista, eles so somente os membros extremos de uma srie contnua; e quando essa generalizao apreciada, deve-se estender o rio a toda a sua bacia at seus divisores. Normalmente tratado, o rio como os veios de uma folha; amplamente visto, como a folha inteira. A veracidade dessa comparao pode ser mais inteiramente aceita quando a analogia, na verdade, a homologia, de lenis de resduo e cursos d'gua demonstrada.

    Em primeiro lugar, um lenol de resduo se move mais rpido na superfcie e mais devagar no fundo, como um curso d'gua. Um lenol de resduo estabilizado pode ser definido em termos exatos aplicados a um curso d'gua estabilizado; aquele no qual a capacidade das foras de transporte de realizar trabalho igual ao trabalho que elas tm que fazer. Essa a condio que se obtm naqueles lados de montanha uniformemente inclinados, os quais foram reduzidos para uma vertente que os engenheiros chamam de ngulo de repouso, por causa da condio aparentemente estacionria do resduo arrastado; mas aquela deveria se chamar, do ponto de vista fisiogrfico, ngulo da primeira gradao desenvolvida. Os penhascos e salincias rochosas que frequentemente esto no topo de vertentes estabilizadas ainda no esto estabilizados; o resduo removido deles mais rpido do que suprido pelo intemperismo local e pelo arraste de vertentes ainda maiores, e por conseguinte os penhascos e salincias so deixados quase denudados; eles correspondem s cachoeiras e corredeiras nos cursos d'gua, onde a corrente to rpida que sua seo transversal muito reduzida. Uma depresso em uma vertente inicial ser preenchida at o ngulo de gradao pelo resduo vindo de cima; o resduo se acumular at que alcance o ponto mais baixo na borda da depresso, e ento a sada de resduos equilibrar a entrada; e aqui est o homlogo evidente de um lago.

    Em segundo lugar, deve-se entender, a partir do que j foi dito, que os rios normalmente estabilizam seus vales retrogressivamente, da foz montante, e que pequenos cursos transversais no podem ser estabilizados at que o curso principal

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    seja estabilizado. Tambm assim ocorre com os lenis de resduo; eles normalmente comeam a estabelecer uma condio de estabilidade na sua base, e ento ampliam a vertente do lado do vale cujo resduo drenado por ele. Quando massas rochosas de resistncia variada so expostas no lado do vale, cada uma das mais frgeis estabilizada em relao quela mais forte na sequncia rio abaixo; e as menos resistentes das mais fortes so estabilizadas em relao s mais resistentes (ou em relao base do morro): isso perfeitamente comparvel ao desenvolvimento de trechos estabilizados e extino de quedas d'gua e corredeiras nos rios. As salincias permanecem no estabilizadas no cume dos picos e na frente convexa dos espores dos morros bem depois da condio de estabilidade ser alcanada nos canais dos cursos de tempo mido nas ravinas entre os espores; isso se corresponde bem com a lenta obteno de gradao em cursos transversais pequenos, mais do que em grandes rios. Mas medida que a maturidade avanada passa para a velhice, mesmo as salincias nos cumes dos picos e na frente dos espores desaparecem, sendo todas ocultas em um lenol universal de resduo lentamente arrastado. De qualquer ponto em tal superfcie, uma vertente estabilizada carrega abaixo o resduo para os cursos. Em qualquer ponto, os agentes de remoo s conseguem lidar com o resduo que ali intemperizado mais aquele que se origina mais longe morro acima. Essa magnfica condio alcanada em certas montanhas bem denudadas, agora retradas de seu vigor maduro para perfis arredondados de velhice incipiente. Quando o significado completo de sua estabilizao apreendido, ele constitui um dos mais fortes argumentos possveis para a escultura dos terrenos pelos lentos processos de intemperismo, por muito tempo continuados. Contemplar uma paisagem desse tipo sem qualquer reconhecimento do trabalho dispendido para produzi-la, ou dos extraordinrios ajustes dos cursos para as estruturas, e dos resduos para o tempo atmosfrico, como visitar Roma na crena ignorante de que os romanos de hoje no tiveram ancestrais.

    Como os rios estabilizados lentamente degradam seus cursos aps o perodo de carga mxima passar, os lenis de resduo estabilizados adotam vertentes cada vez mais suaves, quando as salincias superiores so consumidas e o resduo spero no mais plenamente levado para os lados do vale abaixo. Um ajuste variante de um tipo mais delicado aqui descoberto. Quando as vertentes estabilizadas so desenvolvidas pela primeira vez, elas so ngremes e o resduo que as cobre spero e de espessura moderada; aqui os fortes agentes de remoo tm tudo o que podem fazer para descartar o suprimento abundante de resduos speros proveniente das fortes salincias acima, e o suprimento menos abundante de resduos que intemperizado das rochas mais frgeis abaixo da fina cobertura de

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    detritos. Em um estgio mais avanado do ciclo, as vertentes estabilizadas so moderadas, e o resduo que as cobre de textura mais fina e de profundidade maior do que antes; aqui os agentes de remoo enfraquecidos so favorecidos pelo intemperismo mais lento das rochas abaixo da espessa cobertura de resduos, e pelo maior refino (reduo para textura mais fina) dos resduos soltos durante sua longa jornada. Na velhice, quando todas as vertentes so muito suaves, os agentes de remoo de resduos devem ser fracos por toda parte, e sua igualdade com os processos de suprimento de resduos pode ser mantida somente pela reduo deste ltimo para valores muito baixos. O lenol de resduos ento assume uma grande espessura de at mesmo 50 ou 100 ps para que o progresso do intemperismo seja quase nulo; ao mesmo tempo, o resduo da superfcie reduzido a uma textura extremamente fina, para que algumas de suas partculas possam ser movidas mesmo em inclinaes leves. Por conseguinte, a ocorrncia de solos profundos a caracterstica essencial da velhice, assim como a ocorrncia de salincias desnudas a da juventude. As relaes aqui obtidas so to significantes quanto aquelas que levaram Playfair a sua famosa afirmao em relao origem dos vales pelos rios que os drenam.

    Velhice

    A maturidade passou e a velhice se inicia plenamente quando os topos e lados dos morros, assim como os fundos de vale, esto estabilizados. Nenhuma caracterstica nova agora desenvolvida, e aquelas que foram desenvolvidas anteriormente esto enfraquecidas ou mesmo se foram. A busca por estruturas frgeis e o estabelecimento de vales ao longo delas j foram completamente cumpridos; agora os cursos maiores meandram livremente em vales abertos e comeam a se afastar dos ajustes da maturidade. Os cursos ativos do tempo de maior relevo agora perdem suas ramificaes principais, pela precipitao que diminuda pela destruio das terras altas, e pelo escoamento da gua da chuva que retardado pelas vertentes planas e pelos solos profundos. A paisagem lentamente domada de sua fora anterior, e apresenta somente uma sucesso de ondulaes suaves alternadas com vales rasos, uma superfcie por toda parte aberta ocupao. medida que o tempo passa, o relevo se torna cada vez menor; qualquer soerguimento da juventude, qualquer desordem ou dureza das rochas, uma plancie quase descaracterizada (um peneplano) mostrando pouca simpatia com a estrutura, e controlada somente por uma estreita aproximao com o nvel de base, devem caracterizar o penltimo estgio do ciclo ininterrupto; e o ltimo estgio seria uma plancie sem relevo.

    Alguns observadores tm duvidado se mesmo o penltimo estgio em

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    algum momento alcanado, dado que frequentemente os movimentos na crosta terrestre causam alteraes na sua posio em relao ao nvel de base. Mas, por outro lado, existem certas regies de estrutura altamente desordenada, cujo relevo pequeno e cujos solos profundos no podem ser explicados sem se supor que eles, na realidade, passaram por todos os estgios acima descritos e sem dvida muitos mais, se a verdade completa fosse dita antes de alcanar o penltimo, cujas caractersticas eles podem comprovar. Apesar das enormes perturbaes que tais regies sofreram em perodos geolgicos passados, elas depois ficaram paradas por tanto tempo, to pacientemente, a serem desgastadas para peneplanos sobre grandes reas, apenas eventualmente mostrando relevos residuais nos quais as rochas mais resistentes ainda permaneciam acima do nvel geral. Assim encontrada verificao tanto para o penltimo bem como para muitos estgios anteriores do ciclo ideal. De fato, embora o esquema do ciclo seja aqui apresentado somente de forma terica, o progresso das alteraes do desenvolvimento atravs do ciclo foi testado inmeras vezes para muitas estruturas e vrios estgios; e ao reconhecer as numerosas concordncias que so descobertas quando as consequncias da teoria so confrontadas com os fatos de observao, deve-se sentir uma crescente crena na veracidade e no valor da teoria, que leva a resultados to satisfatrios.

    necessrio repetir o que j foi dito para a aplicao prtica dos princpios do ciclo geogrfico. Seu valor para o gegrafo no simplesmente uma explicao dada para as formas de terreno; seu maior valor est em permitir a ele ver o que olha e dizer o que v. Seus padres de comparao, pelos quais os desconhecidos so comparados aos conhecidos, so grandemente aumentados ao longo da curta lista includa na terminologia de seus dias de escola. Caractersticas significantes so conscientemente buscadas; a explorao se torna mais sistemtica e menos casual. Uma regio montanhosa do viajante despreparado se torna (se ela realmente ) um terreno alto maturamente dissecado na linguagem de um viajante preparado; e o leitor de viagens, em casa, ganha muito com a mudana. Uma regio montanhosa no traz um quadro definido aos olhos mentais. Um terreno alto maturamente dissecado sugere uma associao sistemtica de caractersticas bem definidas; todos os cursos em estabilidade, exceto as pequenas nascentes; os rios maiores j meandrando sobre os fundos de vale nas plancies de inundao; os braos superiores ramificando entre espores e morros, cujos flancos mostram um bom comeo de vertentes estabilizadas; as rochas mais resistentes ainda aflorando nas salincias no estabilizadas, cujo arranjo sugere a estrutura da regio. O valor prtico deste tipo de estudo terico parece ser para mim to grande que, entre vrias linhas de trabalho que possam ser encorajadas pelos Conselhos

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    das grandes Sociedades Geogrficas, eu creio no haver nenhuma que traria maior recompensa que o incentivo a alguns mtodos, como aqui delineado, para a investigao sistemtica das formas de terreno.

    Alguns gegrafos insistem que perigoso usar a terminologia terica ou explanatria envolvida na aplicao prtica dos princpios do ciclo geogrfico; erros podem ser cometidos, e prejuzos seriam assim causados. H vrias respostas suficientes para essa objeo. Uma resposta muito prtica aquela sugerida por Penck, segundo o qual uma terminologia tripla deveria ser concebida um grupo de termos sendo puramente emprico, como alto, baixo, penhasco, desfiladeiro, lago, ilha; um outro grupo sendo baseado em relaes estruturais, como cume monoclinal, vale transversal, mesa coberta por lava; e o terceiro sendo reservado para relaes explanatrias, como dissecao madura, ajuste de drenagem, vertentes estabilizadas. Uma outra resposta que a terminologia explanatria no exatamente uma novidade, mas somente uma tentativa de dar uma expanso sistemtica e completa para um comeo bastante tmido j realizado; uma duna de areia no simplesmente um pequeno morro de areia, mas um pequeno morro amontoado pelo vento; um delta no simplesmente uma plancie na foz de um rio, mas uma plancie formada pela ao do rio; um vulco no simplesmente uma montanha de forma um pouco cnica, mas uma montanha formada pela erupo. Trata-se fundamentalmente de uma questo de experincia e temperamento, na qual o gegrafo deixa de aplicar termos desse tipo. Mas h pouco mais de meio sculo, a eroso dos vales pelos rios ou era duvidosa ou no pensada pelo gegrafo prtico; hoje, o ajuste maduro dos rios para estruturas est na mesma posio; e aqui est a terceira, e a meu ver a mais importante, resposta para aqueles conservadores que manteriam uma posio emprica para a geografia, em vez de seguir na direo da geografia explanatria e racional do futuro. No se pode duvidar, em vista do que j se aprendeu hoje, que um tratamento essencialmente explanatrio deva, no prximo sculo, ser adotado em todos os ramos do estudo geogrfico; a hora certa para que um incio enrgico seja feito na direo de um fim to desejvel.

    Interrupes do ciclo ideal

    Uma das primeiras objees que podem ser levantadas contra a terminologia baseada na sequncia de alteraes ao longo do ciclo ininterrupto ideal a de que tal terminologia tem pouca aplicao prtica em uma Terra cuja crosta tem o hbito de levantar e afundar frequentemente durante a passagem do tempo geolgico. Para isso pode ser respondido que, se o esquema de ciclo geogrfico era to rgido para ser incapaz de se acomodar por si s condio real da crosta

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    terrestre, ele certamente teria de ser abandonado como abstrao terica; mas esse no de forma alguma o caso. Tendo traado a sequncia normal de eventos atravs de um ciclo ideal, nossa prxima tarefa considerar os efeitos de quaisquer ou todos os tipos de movimentos da massa terrestre em relao a seu nvel de base. Tais movimentos devem ser imaginados como pequenos ou grandes, simples ou complexos, raros ou frequentes, graduais ou rpidos, prematuros ou tardios. Qualquer que seja sua caracterstica, eles sero chamados interrupes, porque determinam uma quebra mais ou menos completa no processo previamente em operao, ao iniciar uma nova srie de processos em relao ao novo nvel de base. A qualquer hora que as interrupes acontecerem, as condies preexistentes que elas interrompem podem ser compreendidas somente aps terem sido analisadas em concordncia com os princpios do ciclo, e aqui dentro est uma das aplicaes mais prticas do que a princpio parece remotamente terico. Uma massa terrestre, soerguida para uma altitude maior do que a que tinha antes, imediata e intensamente atacada pelos processos denudantes no novo ciclo ento iniciado; mas as formas nas quais o novo ataque feito podem somente ser compreendidas ao se considerar o que tinha sido realizado no ciclo precedente a essa interrupo. Ser possvel aqui considerar somente um ou dois exemplos especficos entre a infinidade de interrupes que se pode imaginar.

    Vamos supor que uma massa terrestre maturamente dissecada seja uniformemente soerguida 500 ps sobre sua posio anterior. Todos os cursos estabilizados so dessa forma reativados para novas atividades, e progridem para escavar seus fundos de vale para desenvolver cursos estabilizados em relao ao novo nvel de base. Os cursos maiores mostram primeiro os efeitos da alterao; os cursos menores seguem o exemplo, to rpido quanto possvel. Quedas d'gua reaparecem por um tempo nos canais dos rios, e depois so novamente desgastadas. Os ajustes dos cursos para estruturas so levados mais adiante no segundo esforo do novo ciclo, em relao ao que era possvel no esforo nico do ciclo anterior. Lados de morros estabilizados so subcortados; o resduo levado e arrastado para baixo, deixando uma longa vertente plana de rocha nua; a vertente rochosa cortada pelo intemperismo em uma face desigual at, por fim, uma vertente estabilizada ser desenvolvida. Penhascos que haviam sido extintos nos lados de morros estabilizados no ciclo anterior so, assim, por um tempo trazidos vida novamente, como as cachoeiras nos rios, para desaparecerem no final da maturidade do novo ciclo.

    A combinao de fatores topogrficos pertencendo a dois ciclos pode ser chamada de topografia composta, e muitos exemplos poderiam ser citados para ilustrar essa interessante associao. Em cada caso, a descrio feita concisa e

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    efetivamente ao se empregar uma terminologia derivada do esquema do ciclo. Por exemplo, a Normandia um peneplano soerguido, dificilmente ainda no estgio maduro de seu novo ciclo; assim afirmado, a explicao concisamente dada ao curso meandrante do vale bastante estreito do Sena, por esse rio ter carregado, em seus estgios iniciais do novo ciclo, o hbito de se mover em fortes meandros, que tinha aprendido nos ltimos estgios ciclo anterior.

    Se o soerguimento de uma regio dissecada for acompanhado de suave inclinao, ento todos os cursos d'gua e de resduos cujas vertentes so aumentadas sero reativados para uma nova atividade; enquanto todos aqueles cujas vertentes so diminudas se tornaro menos ativos. Os divisores migraro para as bacias de cursos menos ativos, e os cursos reativados ganharo comprimento e rea de drenagem. Se o soerguimento se der na forma de um arco, alguns dos cursos mais frgeis cujas direes de curso so para o outro lado do eixo do arco podem ser, por assim dizer, quebrados ao meio; uma direo reversa do fluxo pode ento ser dada a parte do curso quebrado; mas os rios mais fortes podem perseverar ainda atravs do arco que se levanta, apesar de seu soerguimento, cortando seus canais rpido o bastante para manter sua direo de fluxo inalterada; e tais rios so conhecidos como antecedentes.

    As alteraes introduzidas por uma interrupo envolvendo depresso so facilmente deduzidas. Entre suas caractersticas mais interessantes est a invaso dos fundos de vale mais baixos pelo mar, assim afogando os vales para uma certa profundidade, e convertendo-os em baas. Os movimentos que tendem a produzir depresses em forma de calha ao longo do curso de um rio normalmente originam um lago de gua ou de resduos na parte deprimida do vale do rio. Em cordilheiras, as interrupes variadas e frequentes ocorrem durante o longo perodo de deformao; os Alpes apresentam tantas interrupes recentes que um estudante l encontraria pouco uso para o ciclo ideal; mas nas regies montanhosas de deformao antiga, as foras de perturbao parecem ter se tornado quase extintas, e l o ciclo ideal quase realizado. A Frana central d uma boa ilustrao desse princpio. Diz-se que se pode imaginar um nmero infinito de possveis combinaes entre diversos fatores de estrutura, estgio de desenvolvimento na hora da interrupo, no carter da interrupo e no tempo desde a interrupo; mas aqui no h espao para suaanlise mais aprofundada.

    Sadas acidentais do ciclo ideal

    Alm das interrupes que envolvem movimentos de uma massa terrestre em relao ao nvel de base, existem duas outras classes de sada do ciclo ideal ou

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    normal que no necessariamente envolvem quaisquer movimentos: as alteraes do clima e as erupes vulcnicas, ambas as quais ocorrem to arbitrariamente quanto a lugar e tempo que podem ser chamadas de acidentes. Mudanas de clima podem variar desde o normal at o frio ou rido, cada mudana causando sadas significantes do desenvolvimento geogrfico normal. Se uma mudana reversa do clima traz de volta mais condies normais, os efeitos do acidente anormal podem durar por uma pequena parte do perodo do ciclo, antes que elas sejam obliteradas. aqui que as caractersticas da origem glacial se encaixam, to comuns no noroeste da Europa e no nordeste da Amrica. Julgando pela presente anlise dos perodos glaciais e interglaciais durante o quaternrio, ou de perodos midos e ridos na regio de Great Salt Lake, deve-se concluir que alteraes acidentais podem ocorrer repetidamente dentro de um nico ciclo.

    Na breve ilustrao das interrupes e dos acidentes combinados, deve-se dizer que o sul da Nova Inglaterra uma regio montanhosa velha, a qual tinha sido reduzida a um completo peneplano quando, posteriormente, a denudao foi interrompida por um soerguimento inclinado, com queda suave para o sudeste; que no ciclo ento introduzido, o peneplano inclinado foi denudado para um estgio submaduro ou tardiamente maduro (de acordo com a fora ou a fragilidade de suas rochas); e que a regio maturamente dissecada foi ento congelada e levemente deprimida to recentemente que pouca alterao ocorreu desde ento. Um quadro instrutivo da regio pode ser concebido a partir dessa breve descrio.

    Muitas erupes vulcnicas produzem formas to extensas que elas deveriam ser tratadas como novas regies estruturais mas, quando vistas de modo mais geral, um grande nmero de erupes, seno o maior nmero, produz formas de dimenses pequenas comparadas quelas de estruturas s quais elas so sobrepostas: os vulces da Frana central so bons exemplos dessa relao. Assim posto, vulces e fluxos de lava ocorrem to arbitrariamente em tempo e espao que sua classificao sob o ttuloa de acidentes est garantida. Outra razo para essa classificao encontrada quando os efeitos de uma erupo vulcnica nos processos preexistentes de escultura do terreno so examinados. Um vale pode ser bloqueado por um cone crescente e seus fluxos de lava; lagos podem se formar na poro a montante de tal vale, mesmo que ele seja maduro ou velho. Se o bloqueio for baixo, o lago transbordar para um lado da barreira e, assim o rio ser localmente desalojado de seu curso anterior, porm bem ajustado a uma estrutura frgil na qual esse curso possa ter estado. Se o bloqueio for maior que alguns pontos no divisor da nascente, o lago transbordar para trs e a parte superior do sistema fluvial se tornar tributria a um sistema adjacente. O rio deve cortar um desfiladeiro ao longo do divisor, por mais duras que sejam suas rochas; assim os

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    ajustes sistemticos para a estrutura so seriamente prejudicados, e relaes acidentais so introduzidas. A forma do cone vulcnico e o fluxo esparramado de seu curso de lava esto em completo desacordo com as formas que caracterizam a regio do entorno. O cone arbitrariamente forma uma montanha, mesmo se as rochas subjacentes forem fracas; o fluxo de lava agrada vales que deveriam ser degradados. Durante a dissecao do cone, um processo que sistemtico o bastante se considerado sozinho em si, um arranjo radial dos espores e ravinas ser desenvolvido; no futuro distante, os cursos de tais ravinas devem cortar as estruturas vulcnicas e, assim, sobrepor-se mais curiosamente sobre as estruturas latentes. Os fluxos de lava, sendo normalmente mais resistentes que as rochas do distrito que invadem, ganham um relevo local medida que a superfcie contgua rebaixada pela denudao; assim, uma inverso da topografia provocada, e uma montanha-tabuleiro passa a existir onde tinha antigamente havia um vale que guiava o curso original do fluxo de lava. A montanha-tabuleiro deve estar completamente isolada de sua fonte vulcnica, onde o cone a essa altura reduzido a uma salincia ou a um montculo. Mas embora essas vrias consideraes paream, para mim, garantir a classificao das formas vulcnicas como acidentais, em contraste com as formas sistemticas s quais elas esto normalmente associadas, no deveria ser dada grande importncia a esse mtodo de arranjo; dever-se-ia desistir dele to logo uma classificao mais conveniente e confivel seja apresentada.

    As formas assumidas pelos resduos do terreno

    Uma extenso do assunto tratado na seo sobre os lados de vales estabilizados levaria a uma discusso geral das formas assumidas pelos resduos do terreno no caminho para o mar; um dos tpicos mais interessantes e proveitosos que me vieram vista. Os gegrafos esto bem acostumados a dar a devida considerao para as formas assumidas pela drenagem da gua do terreno no caminho para o mar, e uma boa terminologia j est em uso para nome-las: mas muito menor considerao dada s formas assumidas pelos resduos que lentamente se movem da terra para o mar. Elas raramente so apresentadas nas suas relaes verdadeiras; muitas delas geralmente no tm nomes aceitos por exemplo, as longas vertentes de resduos que alcanam desde as montanhas at as bacias do deserto da Prsia; formas to comuns quanto leques aluviais no so mencionadas em nenhum dos livros escolares, seno no mais recente; e caractersticas como plancies onduladas, morainas e drumlins so normalmente empregadas pelo gelogo, como se o gegrafo no tivesse nada a fazer com elas! No pode haver dvida da grande importncia das formas de resduo para o

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    gegrafo, mas no possvel aqui entrar em sua anlise. suficiente dizer que as formas de resduo constituem um grupo geogrfico que, como as formas de gua, fica completamente separado de grupos como montanhas e planaltos. Os ltimos so formas de estrutura, e deveriam ser classificados de acordo com os processos envolvidos e com o estgio que alcanaram. A aplicao desse princpio geral auxilia muito mais na descrio de paisagens reais.

    A falta de espao impede a devida anlise aqui do desenvolvimento das linhas da costa, um assunto no menos interessante, sugestivo e til que o desenvolvimento das formas do interior; mas eu espero retornar em alguma ocasio posterior para uma discusso das caractersticas da costa, quando possivelmente se descubra que muito da terminologia j introduzida novamente aplicvel. Ao fechar este artigo, eu devo voltar, ainda que pela terceira vez, ao lado prtico do ciclo terico, com suas interrupes e acidentes. No se pode ter muito clara em mente a ideia de que a explicao das formas de terreno no foi somada ao estudo da geografia por si mesma, mas devido ajuda que a explicao d observao e descrio de caractersticas geogrficas existentes. A sequncia de formas desenvolvidas atravs do ciclo no uma abstrao que se deixa em casa quando se vai ao exterior; ela literalmente um vade-mecum do tipo de maior utilidade. Durante o ano que estou passando na Europa, o esquema e a terminologia do ciclo tm sido de grande auxlio em meus estudos. A aplicao do esquema e da metodologia encontrada igualmente bem nas plancies costeiras muito imaturas e diminutas que margeiam certos trechos da linha do litoral escocs, em consequncia da leve elevao ps-glacial do terreno, e no amplo e idoso planalto central da Frana, onde os jovens vales de hoje resultam do soerguimento da regio, e do ressurgimento de seus rios depois que eles submaturamente tinham dissecado um peneplano preexistente. Os ajustes de cursos para estruturas,provocados pela interao do moldvel Severn e do decrescente Tmisa provam ser mais arrebatadores que quando eu primeiro os notei, em 1894. O grande delta antigo do Var, entre Nice e Cannes, agora soerguido mais de 200 metros e maturamente dissecado, deve vir a ser o exemplo tpico desta classe de formas. A Riviera italiana, a oeste de Gnova, pode ser concisamente descrita como uma regio de montanhas tnues que foi parcialmente submersa e que agora est se aproximando da maturidade das caractersticas da linha costeira no ciclo ento iniciado: devem-se imaginar, a partir dessa breve afirmao, os espores de montanha com vertentes bem estabilizadas, limitadas por uma linha costeira muito irregular quando deprimidas pela primeira vez, mas agora de frente para uma comparativamente simples linha costeira de promontrios com penhascos e baas preenchidas. A pennsula de Sorrento, em seu lado norte, antigamente se

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    assemelhava Riviera, mas agora est elevada 50 metros, e suas plancies de baa soerguidas possuem frentes com penhascos. O baixo Tiber, cujo fundo de vale maduro agora de alguma forma mais largo que seu cinturo mendrico, consequente sobre um acidente vulcnico, por seguir a calha entre as vertentes do centro vulcnico Bracciano, a noroeste, e o centro Alban, a sudeste; mais a montante, to longe quanto Orvieto, o rio via de regra segue a calha entre os Apeninos e os trs centros vulcnicos de Bolsena, Vico e Bracciano. As montanhas Lepini, um bloco entalhado maturamente de calcrio cretceo moderadamente deformado a sul do grupo vulcnico Alban, tm ao longo de parte de sua base nordeste um penhasco de falha muito jovem, pelo qual as vertentes estabilizadas dos espores e ravinas so abruptamente cortadas; o penhasco de falha facilmente reconhecido do trem na linha entre Roma e Npoles.

    Botnicos e zologos sabem muito bem que um observador treinado pode facilmente reconhecer e descrever muitos pequenos itens que passam sem serem notados pelo observador no treinado. Sucede o mesmo na geografia, e a nica questo : como o treino desejado pode ser assegurado? De muitos mtodos de treino geogrfico, acredito que, at onde as formas de terreno so concebidas, nenhum mtodo pode se igualar quele no qual a explicao tomada como caracterstica essencial junto observao, por no haver outro no qual tantas faculdades mentais so exercitadas.

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    Sobre o autor

    William Morris Davis (1850-1934) foi um geomorflogo dos Estados Unidos. Foi professor em Harvard e ganhou notoriedade por sua teoria sobre os ciclos erosivos, que exerceu grande influncia na Geomorfologia. Participante de diversas associaes cientficas, ajudou a fundar, em 1904, a Associao de Gegrafos Americanos (AAG).

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    BCG: http://agbcampinas.com.br/bcgCopyright 2013 by The Royal Geographical Society with IBG, Wiley-Blackwell.

    Traduo enviada em julho de 2013.

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