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Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de desenvolvimento: correntes
teóricas e repercussões na escola”:
No trabalho de Vygotsky e de seus seguidores, especialmente no de seus compatriotas Luria e Leontiev, encontra-se uma visão do desenvolvimento baseada na concepção de um organismo ativo, cujo pensamento é construído paulatinamente num ambiente que é histórico e, em essência, social. Nessa teoria dando destaque às possibilidades que o indivíduo dispõe a partir do ambiente e que dizem respeito ao acesso que o ser humano tem a instrumentos físicos (como a enxada, a faca, a mesa, etc.) e simbólicos (como a cultura, valores, crenças, costumes, tradições, conhecimentos) desenvolvidos em gerações precedentes.
Vygotsky (1984) considera o desenvolvimento humano como resultado de um
processo sócio-histórico, em que a aquisição de conhecimentos acontece pela
interação do sujeito com o meio. Propõe uma visão em que a formação das
funções psíquicas superiores (linguagem, memória) seria resultado da
internalização mediada pela cultura e considera serem decisivas para o
desenvolvimento a interação social e a linguagem.
A cada estágio de desenvolvimento as respostas se transformam, gerando novos
padrões de pensamento e de comportamento. Vygotsky enfatiza a importância dos
processos de aprendizado, que têm estreita e íntima relação com o
desenvolvimento, sendo essencial para o processo de maturação das funções
psicológicas. É o aprendizado, aliado ao processo de maturação do organismo,
que possibilita o desenvolvimento dos processos psicológicos internos, que, na
ausência do contato da pessoa com seu ambiente, não ocorreriam. Dentro dessa
perspectiva, o conceito de desenvolvimento abarca tanto as estruturas orgânicas
determinadas pela maturação, quanto as experiências sociais como formadoras
de funções mentais mais complexas.
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Assim sendo, o desenvolvimento infantil é resultado da interação com o meio
ambiente e a brincadeira assume um papel básico, uma atividade consciente com
propósitos claros e precisos. Ele afirma ser a brincadeira crucial para o
desenvolvimento cognitivo, pois o processo de criar situações imaginárias leva ao
desenvolvimento do pensamento abstrato e das relações entre significados de
objetos e ações. Vygotsky salienta ainda a importância da atividade da criança na
construção do seu conhecimento, tanto na família como na comunidade.
Vygotsky, apud Antunes (1999, p.39) considera o brinquedo um indiscutível meio
de aprendizagem, sobretudo as brincadeiras do tipo faz-de-conta, como o brincar
de casinha, ônibus, escolinha ou cavalgar em um cabo de vassoura. Ao brincar de
faz-de-conta a brincadeira é facilmente apreendida. Por exemplo, quando a
criança cavalga um cabo de vassoura, ela se relaciona com o significado em
questão (a idéia do cavalo) e não com o objeto que tem em mãos. O brinquedo,
assim, provê uma situação de transição entre a ação da criança com objetos
concretos e sua ação sobre seus significados, provocando nela comportamentos
mais avançados que os habituais para sua faixa etária.
John-Steiner e Souberman (2003, p.173), organizadores da obra sobre Vygotsky,
A Formação Social da Mente, apontam:
No brinquedo, a criança projeta-se nas atividades adultas de sua cultura e ensaia seus futuros papéis e valores. Assim, o brinquedo antecipa o desenvolvimento; com ele a criança começa a adquirir a motivação, as habilidades e as atitudes necessárias à sua participação social, a qual só pode ser completamente atingida com a assistência de seus companheiros da mesma idade e mais velhos.
E referem ainda:
Durante os anos da pré-escola e da escola as habilidades conceituais da criança são expandidas através do brinquedo e do uso da imaginação. Nos seus jogos variados a criança adquire e inventa regras ou, ao brincar, a criança está
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sempre acima da própria idade, acima de seu comportamento diário, maior do que é na realidade. Na medida em que a criança imita os mais velhos em suas atividades padronizadas culturalmente, ela gera oportunidades para o desenvolvimento intelectual (JOHN-STEINER e SOUBERMAN, 2003, p. 173).
De acordo com M. K. Oliveira (1995), para Vygotsky a relação entre sujeito e
resposta é intermediada por um elemento que ele chama de mediador da ação
(instrumentos e símbolos). A mediação é um processo essencial para possibilitar
as atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio
indivíduo. Para ele, a relação do homem com o mundo não é uma relação direta,
mas mediada por ferramentas auxiliares.
Assim, as interações sociais das crianças com adultos ou com companheiros
mais experientes impulsionam o desenvolvimento de seu pensamento e
comportamento. Verifica-se que, na brincadeira, a presença do adulto e de outras
crianças funciona como mediadora na socialização, facilitando as trocas de
conhecimentos, a aprendizagem, a linguagem e o desenvolvimento.
Kishimoto (1994, p.42) comenta, na perspectiva vigotskyana, a valorização do
fator social e mostra que, no jogo de papéis, a criança cria uma situação
imaginária, incorporando elementos do contexto cultural, adquiridos por meio da
interação e comunicação. A noção central é que se desenvolve uma zona de
“desenvolvimento proximal”, em que se diferenciam o nível atual que a criança
alcança com a solução de problemas, independentemente, e o nível de
desenvolvimento potencial, atingido com a colaboração do adulto e colegas mais
capazes. “E o jogo é o elemento que irá impulsionar o desenvolvimento dentro da
zona de desenvolvimento proximal”. Esse conceito é utilizado pelo autor para
explicar o que uma criança é capaz de fazer com a orientação de pessoas mais
experientes ou colaboração de companheiros mais capazes.
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Nessa perspectiva, torna-se evidente a importância da participação e mediação do
adulto na brincadeira como forma de impulsionar as funções que ainda não
amadureceram.
Oliveira (1995, p.66) observa que, na perspectiva de Vygotsky, o comportamento é
determinado, nas crianças pequenas, pelas características das situações
concretas em que elas se encontram e o ato lúdico propriamente dito começa aos
três anos. Vygotsky e seus seguidores consideram que, somente ao adquirir a
linguagem, a criança será capaz de utilizar a representação simbólica e terá
condição de libertar seu funcionamento psicológico dos elementos concretamente
presentes no momento atual.
2.2.2. O brincar, o brinquedo e o jogo na perspectiva piagetiana
Piaget (1978) analisa de forma minuciosa o processo do desenvolvimento infantil,
procurando explicar a função do jogo1 no desenvolvimento intelectual da criança e
sua evolução nos diferentes estágios. Expõe seu estudo e conclusões sobre o
jogo infantil como resultado da observação das atividades de seus próprios filhos,
analisando e esclarecendo as relações entre o jogo e o funcionamento intelectual
e interpretando as brincadeiras dentro do pensamento infantil. Para ele, o brincar é
uma maneira para a criança adquirir conhecimentos sobre novos e mais
complexos objetos e acontecimentos – uma maneira de ampliar a formação de
conceitos e integrar o pensamento à ação.
Para o autor, durante diferentes períodos da vida, as crianças desenvolvem
sucessivamente a capacidade de generalização, diferenciação e coordenação e
os reflexos se convertem em ações dirigidas pela vontade. Os movimentos das
crianças são cada vez mais complexos e elas aprendem por repetições a
influenciar o meio ao redor, a engatinhar e a andar. Sua teoria sobre o brincar está
1 Nos estudos de Piaget os conceitos de brincar e brincadeira são definidos como jogo; porém o significado que ele atribui a jogo é similar ao usado por Friedman na definição de brincadeira, ou seja, comportamento espontâneo que resulta em uma atividade não estruturada.
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muito relacionada com a descrição do desenvolvimento da inteligência,
ressaltando que a brincadeira e a imitação têm importância decisiva no
aparecimento do pensamento, sendo elas as ferramentas que a criança utiliza
para o conhecimento do mundo.
De acordo com Piaget, até os dois anos, fase em que aparece a linguagem, a
brincadeira tem como característica principal a repetição, o exercício; adquire a
seguir o caráter simbólico, e aos poucos vai se aproximando do real, o símbolo
representando e imitando a realidade, até os sete anos; mais tarde há o
predomínio do jogo de regras, numa fase de maior socialização.
Piaget (1975) considera o jogo como um instrumento favorecedor do processo de
interação, comunicação e trocas de pontos de vista; enfatiza o valor do jogo como
fonte de experiência e construção de conhecimento, pois, explorando e agindo
sobre os objetos, as crianças assimilam o real, estruturam o espaço e o tempo e
desenvolvem a noção de causalidade, a representação e as relações lógicas. O
jogo para o autor estimula a inteligência e ajuda a criança a resolver conflitos
emocionais e problemas da vida prática.
2.2.3. Conceitos, definições e terminologia
No Brasil, os termos jogo, brinquedo e brincadeira ainda são empregados de
forma indistinta, demonstrando um nível baixo de conceituação neste campo
(KISKIMOTO,2002, p.17).
Neste trabalho adotaremos a definição proposta por Friedmann (1992, p.28):
Brincadeira refere-se basicamente ao ato de brincar, ao comportamento espontâneo que resulta de uma atividade não estruturada. Jogo seria uma brincadeira que envolve regras. Brinquedo é o objeto de brincar e Atividade Lúdica abrange de forma mais ampla os conceitos anteriores.
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Oportuno salientar que os brinquedos especiais que desenvolvi foram criados
especialmente para as brincadeiras das crianças cegas e com baixa visão,
visando atender suas necessidades específicas. Entretanto, eles são divertidos
para as brincadeiras entre todas as crianças.
Vygotsky concebe o brinquedo como elemento mediador e promotor do processo
de desenvolvimento e aprendizagem, pois “fornece estrutura básica para
mudanças das necessidades e da consciência da criança” (VYGOTSKY apud
JOHN-STEINER e SOUBERMAN, 2003, p. 110). O brincar e o brinquedo ocupam
um espaço de destaque no desenvolvimento infantil, pois é através deles que a
criança tem acesso à cultura e aos conhecimentos socialmente construídos.
O termo brinquedo é entendido por Vygotsky (2001) como atividade, como ação e
interação. Para tal é preciso desvelar os motivos que levam a criança a esse tipo
de ação, ou seja, suas necessidades, incentivos, modificações e tendências. O
brinquedo situa-se entre o pensamento e o mundo real.
O autor define a brincadeira como “desejo satisfeito”, originado dos “desejos
insatisfeitos” da criança que se tornam afetos generalizados. Assim explica: “num
mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser
realizados, situando-se nesse mundo o brinquedo“ (VYGOTSKY, 2003, p.106).
Vygotsky focalizou e caracterizou como jogos de papéis ou brincadeiras de “faz-
de-conta”: brincar de casinha, de bonecas, viajar de ônibus; e para ele o principal
não é o objeto em si, mas o significado estabelecido pelas brincadeiras, as idéias,
a relação objeto-significado.
O brinquedo torna-se dessa forma uma transição entre o objeto, a ação e o
significado atribuído pela criança, além de ser, também, uma atividade regida por
regras; mesmo no universo do faz-de-conta há regras que devem ser seguidas.
São as regras das brincadeiras que levam as crianças a se comportar de forma
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mais avançada, aprendendo a ceder, a conviver com outras crianças, a adquirir
habilidades e competências.
Para Piaget (1978), o jogo é definido como uma atividade particularmente
poderosa para estimular a vida social e a atividade constitutiva da criança. Ele
apresenta três caracterizações do jogo: jogo de exercício, jogo simbólico e de
regras, os quais seguem o desenvolvimento das estruturas cognitivas.
No jogo de exercício, funcional ou sensório-motor, segundo Piaget, a criança
exercita-se com a repetição de ações na busca do prazer, assimila o real e ensaia
comportamentos de imitação. Os jogos de exercícios são categorizados em dois
grupos: o puramente sensório-motor e os que envolvem o próprio pensamento,
sem que se constituam em simbólicos. Os jogos de exercícios se subdividem em:
exercícios simples em que a criança repete a ação por diversas vezes; as
combinações sem finalidades prévias que são lúdicas do começo ao fim; as
combinações com finalidades lúdicas. Essas ações diminuem gradativamente com
o surgimento da linguagem, dando lugar a um novo tipo de jogo, o simbólico.
Piaget (1978) define o jogo simbólico como a capacidade infantil de representar
alguma coisa, objetos e acontecimentos (significado) por meio de um significante,
através da evocação do elemento ausente e construção ou emprego de
significantes diferenciados.
No jogo simbólico aparecem quatro condutas simultâneas à linguagem oral que
são: imitação diferida (na ausência do modelo), o jogo propriamente dito (faz-de-
conta), o desenho e a imagem mental. O ápice do jogo simbólico acontece aos
três anos, quando a criança constrói cenas com detalhes. A função do jogo
simbólico é assimilar o real ao eu. Entre os quatro e seis anos surgem as
compensações simbólicas, que constituem uma nova forma de ficção simbólica;
surgem as narrações fantasiosas com idéias organizadas numa seqüência lógica
até o declínio do jogo simbólico.
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No período pré-escolar, do pensamento pré-operatório, as crianças tomam ciência
das regras simples do jogo, através da definição dos papéis, das classificações e
organização do jogo. A partir dos sete anos, a criança inicia a internalização das
regras, concebem-nas como fixas, permanentes e reguladoras das condutas.
2.3. Papel e função do brinquedo e do brincar
Na visão psicanalítica de Winnicott (1975, p. 63), o brincar é caracterizado como
uma atividade fundamental para a saúde física, mental e desenvolvimento das
crianças. É uma maneira de aperfeiçoar as relações sociais, a comunicação da
criança consigo mesma e com o mundo à sua volta.
Erickson (1986) considera a segurança e a confiança fundamentais para a criança,
em seu espaço vital, sendo importante que os pais satisfaçam suas necessidades
biológicas e emocionais, tais como: alimento, cuidados, descanso e jogo, enfim
bem-estar total. Esses são fatores essenciais para que ela possa estabelecer
relações sociais sadias.
As teorias cognitivistas de Piaget e Vygotsky e as psicanalíticas de Winniccot e
Erickson colocaram como função do brincar: a alegria, o prazer, o desprazer, as
emoções e a motivação, entre outras. Para Piaget e Vygotsky, o brinquedo e o
brincar, além dessas funções, têm relevante papel no desenvolvimento, na
construção do conhecimento e socialização da criança.
Brunner 1978, apud Kishimoto (1994, p. 45), demonstra que a brincadeira do bebê
em parceria com a mãe auxilia na aquisição da linguagem, na compreensão de
regras e colabora para o seu desenvolvimento cognitivo.
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O brincar é importante para o desenvolvimento afetivo da criança, para a formação
da auto-imagem, dos sentimentos e atitudes positivas sobre si mesmas e os
outros, para sentir-se forte e enriquecer a personalidade. Os adultos costumam
atribuir ao brincar significações e sentidos prévios, conforme essa ou aquela teoria
psicanalítica, entretanto cada criança apresenta sua própria especificidade frente
ao lúdico e ao brincar, trazendo consigo uma história que deriva de como ela é
percebida nos diferentes ambientes.
O brincar desenvolve as capacidades físicas, perceptivas, emocionais, intelectuais
e sociais, sem que a criança perceba estar em uma situação de aprendizado.
O espaço social e o cultural são essencialmente espaços de aprendizagem e esta
ocorre em momentos alegres e de brincadeiras, na comunicação e interação não
só entre crianças, mas entre estas e os adultos. As crianças aprendem a brincar
umas com as outras, observando-se mutuamente, movimentando-se juntas,
imitando, participando de brincadeiras, tornando-se solidárias.
As interações sociais ocupam um espaço de destaque no desenvolvimento infantil,
pois é a partir delas que “a criança tem acesso à cultura, aos valores e
conhecimentos universais. A criança tem a oportunidade, através dessa interação
com outras crianças e adultos, de cooperar, de competir, de praticar e adquirir
padrões sociais que irá usar, mais tarde, nos seus encontros com o mundo”
(FRIEDMANN, 1992, p.73).
A aprendizagem, de acordo com Friedmann (1996, p.55), depende em grande
parte da motivação: as necessidades e os interesses da criança são mais
importantes que qualquer outra razão para que ela se ligue a uma atividade. Ser
esperta, independente, curiosa, ter iniciativa e confiança na sua capacidade de
construir uma idéia própria sobre as coisas, assim como exprimir seu pensamento
com convicção, são características que fazem parte da personalidade integral da
criança.
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O espaço lúdico é mágico: encanta, motiva e desperta na criança a curiosidade e
o desejo de aprender. O brincar favorece a movimentação, a exploração do
mundo e a construção do conhecimento, o aprendizado sobre os objetos e seus
nomes, como funcionam, para que servem, de que forma utilizá-los, como
desmontá-los e montá-los, como tirar e pôr, como elaborar e recriar a realidade.
Ela adquire conhecimento sobre o tempo e o espaço e de que forma neles situar-
se, relacionar-se, comunicar-se, expressar suas idéias, equilibrar e desequilibrar
seus pensamentos e ações mentais, essenciais para a capacidade de resolução
de problemas e aprendizagem.
Com tentativas, erros e acertos, a criança aprende a criar; suas mãos e todo seu
corpo apreendem o ambiente, reconhecem-no, dominam o espaço. Interagindo
com pessoas e objetos, aprende a se expressar, a se comunicar, desenvolve a
linguagem, o processo do pensamento e da simbolização.
Makarenko (1981) discute a grande importância do brincar para a ação educativa,
afirmando que ele prepara o futuro cidadão para o trabalho. Para que o brincar se
torne educativo, defende o autor, os pais e professores devem dar oportunidade
para a criança brincar com iniciativa, em atividade criadora e construtiva que
desenvolve a autoconfiança e capacidade de resolução de problemas. Ele fala
sobre o equívoco de muitos pais que dão a seus filhos excesso de brinquedos
mecânicos e engenhosos, que acabam sufocando a vida das crianças.
Brunner (1976) apud Kishimoto (1976, p. 45), em pesquisas com pré-escolares,
concluiu que a brincadeira infantil contribui para a solução de problemas. A criança
enfrenta desafios, é estimulada a resolver problemas que exigem o uso da força, o
trabalho da musculatura e o desenvolvimento de habilidades. Torna-se ativa e
participante, conhece o próprio corpo, relaciona-o com o ambiente, com as
pessoas e objetos que nele se encontram. A movimentação e exploração no
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espaço são benéficas para todas as crianças, fundamentais para sua
aprendizagem e desenvolvimento.
Brougère (2004, p. 216) acredita que “o brinquedo é mais do que uma
necessidade, ele é reconhecido por muitos como essencial, com uma justificativa
de dois pólos, o divertimento (prazer, entretenimento, afeto, fuga) e o educativo
(aprendizagem, desenvolvimento da imaginação, utilidade)”. O autor considera ser
o primeiro pólo o principal.
As crianças e suas famílias são afetadas direta e indiretamente pelas atitudes,
formas de comunicação, manifestações simbólicas e práticas do meio em que
vivem. É, portanto, importante que a família possa lidar de forma adequada com
as questões de desenvolvimento e educação da criança.
A brincadeira em família e a interação pais-filho são cada vez mais reconhecidas
como fundamentais para o desenvolvimento da criança. O brincar possibilita a
formação de vínculos afetivos, para trocas sociais e culturais, para aprendizagem
significativa e participação na sociedade. Brincando com os pais, a criança
aprende a se relacionar, comunicar e expressar idéias, emoções, afetos e
pensamentos, aprende a fazer, de forma divertida, as atividades que formam o
cotidiano da família. É assim que a criança conhece o próprio corpo, o espaço,
estabelece as relações espaço-tempo, aprende a criar, a interagir com outras
pessoas e objetos, desenvolve a linguagem, o processo de pensamento e a
simbolização. As crianças se preparam assim para as relações no convívio social.
As crianças pertencentes às classes sociais menos favorecidas, muitas vivendo
em situação de risco, deveriam ter oportunidade e lugar para brincar e
desenvolver-se, compensando assim as situações acentuadas de desvantagem
em que vivem, alcançando pelo brincar um caminho de humanização,
aprendizagem e inclusão social.
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Muitas organizações procuram entreter e alegrar as crianças que estão internadas
em hospitais, às vezes por longos períodos, passando por situações dolorosas,
isoladas dos familiares. Esses grupos levam divertimento, visando transformar a
internação hospitalar em momentos agradáveis, contribuindo ainda para o bem-
estar dos familiares e da equipe hospitalar. Podemos citar o Graac, Grupo de
Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer, que construiu um hospital
pediátrico com brinquedoteca e vários programas para crianças e mães; os
Doutores da Alegria, palhaços que freqüentam vários hospitais de S. Paulo e de
outras cidades e o Viva e Deixe Viver, contadores de histórias que estão em
muitos hospitais.
É necessário que nesses ambientes de brincadeiras as crianças encontrem
pessoas sensíveis, que compreendam o mundo infantil, que entendam seus
anseios, fantasias e interesses, que respeitem sua individualidade, seus
sentimentos e atos. Pessoas que queiram interagir com elas de forma alegre e
agradável, ajudando-as a ser felizes.
2.4. Tipos de brinquedo e brincar
Makarenko (1981) apresenta três estágios do brincar infantil. O primeiro é o
brinquedo ou brincar em casa, que dura até os cinco ou seis anos. É uma
brincadeira solitária, pois a criança prefere brincar sozinha e raramente admite a
participação de companheiros. É a etapa do brincar sensorial e do
desenvolvimento de atitudes pessoais. Nesta primeira fase a influência familiar
assume grande importância, pois a criança age quase que exclusivamente no
âmbito familiar, está à margem de influências externas, e não tem outros
orientadores senão os pais.
O segundo estágio, que vai dos sete aos onze ou doze anos, é o do brincar
social, no qual as crianças atuam num ambiente mais amplo, na escola, longe dos
pais. A escola proporciona um círculo maior de companheiros, interesses, regras,
51
disciplina e controle social para que a criança aprenda a agir como membro de
uma sociedade.
No terceiro estágio, a criança atua como membro de uma coletividade, não mais
limitada somente ao jogo, mas em uma coletividade de estudo, esporte e trabalho.
2.5. O brinquedo - Tipos
O brinquedo adquire diferentes sentidos e significados de acordo com a
experiência cultural de uma determinada comunidade. Brougère (2004) define o
brinquedo de duas maneiras: em relação às brincadeiras e em relação à
representação social. Segundo ele, o brinquedo é empregado como suporte da
brincadeira: pode ser um objeto manufaturado, fabricado, uma sucata ou um
objeto adaptado. O brinquedo como representação social pode ser um objeto
industrial ou artesanal, reconhecido como tal pelos traços intrínsecos, aspecto e
função. Nesse sentido, o brinquedo é dotado de um forte valor cultural, um
conjunto de significações produzidas pelo homem.
Também Kishimoto (2003) argumenta que o brinquedo permite várias formas de
brincar, desde a manipulação até brincadeiras de representação. O objetivo do
brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais para que ela possa
manipular. O brinquedo evoca, representa e reproduz a realidade. O brinquedo
não reproduz apenas os objetos, mas uma totalidade social.
Makarenko (1981) divide os brinquedos em algumas categorias: brinquedos
prontos, mecânicos e simples tais como: automóveis, barcos, cavalinhos,
bonecas, palhaços etc; brinquedos de montar, que exigem da criança a realização
de uma tarefa: jogos de construção, cubinhos, quebra-cabeças, modelos para
armar; brinquedo material: argila, areia, cartão, madeira, papel, plantas etc.
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Cada um desses tipos apresenta vantagens e desvantagens. O brinquedo pronto,
na opinião do autor, é útil porque relaciona a criança com idéias e coisas
compostas, coloca-a diante de problemas de técnica e provoca a imaginação. Já
o brinquedo de montar coloca para a criança uma situação problema e requer
certa disciplina mental e lógica e entendimento das relações entre as partes. O
inconveniente é que é repetitivo e se torna monótono. O terceiro tipo de brinquedo
engloba materiais diversos, mais baratos e úteis. Brincar com eles assemelha-se
às atividades naturais humanas, pois o homem cria valores e cultura com esses
materiais. Diferente da fantasia que se limita a reproduzir modelos, esse tipo de
brinquedo estimula a imaginação, a criatividade. Para o autor o melhor brinquedo
é a combinação dos três, evitando sempre a oferta excessiva deles à criança.
53
3. Especificidades da aprendizagem e desenvolvimento
da criança com deficiência visual
A deficiência visual caracteriza-se por uma alteração significativa das funções
visuais tais como: acuidade visual, campo visual, sensibilidade aos contrastes e
visão de cores. É considerada cegueira a perda visual com valores de acuidade
visual corrigida menores que 20/400 no melhor olho, e baixa visão a acuidade
visual corrigida, menor que 20/70 e maior ou igual a 20/400 no melhor olho. Esses
dados são referentes a 10º. Revisão da Classificação Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde, da Organização Mundial da Saúde (CID-10,
1/1/1993).Educacionalmente são consideradas cegas as pessoas que necessitam
usar o Braille para sua educação.
Estudos do desenvolvimento evolutivo de pessoas com deficiência visual, em
diferentes linhas teóricas, (PIAGET, 1975; FRAIBERG, 1981; FERREL, 1985;
BRUNO, 1993; LEONHARDT, 1992; BUUTJEANS, 2002; BRODIN E RIVERA,
1999a) apontam a necessidade de intervenção precoce tendo em vista o
desenvolvimento integral da criança. Piaget (1974) considera a integração dos
sentidos como meio de organização do sistema sensório-motor que formará suas
estruturas cognitivas e aponta que, para que esse desenvolvimento aconteça é
necessária a facilitação. Para que os objetos do ambiente tenham significado para
a criança é necessário que haja alguém disposto a despertar nela o desejo de
explorar e interagir com o mundo a sua volta, organizando as informações,
dirigindo-a neste contato e ampliando suas ações e ajudando-a a aproveitar cada
vez mais na construção de seu conhecimento do ambiente. Bruno (1993)
compartilha essas idéias e destaca a grande importância da interação e
comunicação, do ambiente rico em estímulos e, principalmente, a participação da
família como elementos promotores do processo de desenvolvimento e
aprendizagem das crianças com deficiência visual. Leonhardt (1992) recomenda a
organização dos Programas de Intervenção Precoce desenvolvidos e estruturados
junto com os pais, tendo como foco das interações o brincar e o brinquedo. Brodin
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e Rivera (1999a p. 10) consideram ser a brincadeira “a atividade principal para a
criança relacionar-se socialmente e aprender, constituindo-se em um elemento
imprescindível para seu correto desenvolvimento físico, emocional e social”.
Conforme Rosel (1980), a criança cega de nascença pode apresentar, durante o
seu desenvolvimento, um pequeno atraso na aquisição de algumas condutas
elementares, tais como: aprendizagem da marcha, habilidades básicas de
autonomia pessoal, aquisição de hábitos sociais e algumas noções cognitivas, “o
que deve ser tomado como natural no desenvolvimento da criança cega e não
pode ser diagnosticado como patológico” (ROSEL, 1980 apud GUINOT,1989 p.
30).
Pesquisa sobre o desenvolvimento de crianças cegas, na perspectiva piagetiana
realizada por Rivero (1981), indica que elas têm a grande desvantagem de não
poderem fazer as mesmas coordenações no espaço que as crianças videntes são
capazes de fazer, durante o primeiro e segundo ano de vida; o desenvolvimento
da integração sensório-motora e das ações fica a esse nível seriamente
prejudicado nas crianças cegas.
A maior parte dos estudos a respeito do desenvolvimento cognitivo de pessoas
cegas congênitas foi realizada na perspectiva piagetiana. Estudos de Hatwell
(1986), Ochaíta (1984) e Guinot (1989) consideram que as crianças com
deficiência visual podem apresentar atraso de dois a três anos na aquisição da
função simbólica; e de até quatro anos nas provas de manipulação de elementos
figurativos e espaciais. Tal atraso poderá ser compensado a partir do momento em
que a linguagem assume a função de representação e organização do
conhecimento.
Peraita, Elosua e Linares (1992) assinalam que “a linguagem para as crianças
cegas se converte em um meio muito importante para aquisição dos
55
conhecimentos do ambiente físico e social, compensando assim as informações
visuais”.
Entretanto estudos de Vygotsky (1983) indicam que, na ausência do sentido da
visão, não há uma substituição da função fisiológica, mas uma complexa
reestruturação de toda a atividade fisiológica e mental, pois as qualidades e
relações físicas, espaciais e temporais da matéria em movimento-densidade,
peso, forma, tamanho, separação e simultaneidade, são espelhadas pelos
sistemas analisadores conservados, como: o tato, a audição, o olfato e outros.
Alerta Vygotsky (1983) para o fato de que a perda grave das funções visuais
dificulta o processo de percepção, em particular a formação de uma imagem
íntegra. E é possível compensar pela inteligência a insuficiência de informações
sensoriais. Entretanto, enfatiza o perigo da chamada
[...] compensação fictícia que se expressa no verbalismo dos conhecimentos e na formação de pseudoconcepções, ou seja, a particularização formal dos atributos que tem, com freqüência, caráter fortuito e não refletem as conexões e relações substanciais (VYGOTSKY, 1983, p. 227a).
Seguindo esta linha de pensamento vygostkiniano, Katz (1930) indica que não
existe uma divisão entre os sentidos, nem uma rivalidade entre eles, mas sim uma
complementação, explicando o motivo de que na ausência de um sistema
sensorial, os outros ativem mecanismos de compensação, que necessitam de
mediação para serem efetivos. Por exemplo, para Galen (apud Gil Ciria, p. 27) a
pele responde aos estímulos táteis somente se for colocada em contato direto
com o objeto do estimulo, ele questiona a noção de que o contato com o objeto é
sempre direto. Esta afirmação de Galen rebate a idéia de que os sentidos se
desenvolvem espontaneamente na ausência da visão.
Em concordância com esses autores sempre tive a maior preocupação, ao
desenvolver os brinquedos especiais de oferecer objetos lúdicos e interessantes
56
que permitam à criança ampliar suas experiências sensoriais e adquirir conceitos
das relações físicas, espaciais e temporais. Ajudá-la a conhecer a si mesma e ao
mundo, a ter maior domínio do ambiente, a imitar, representar e interagir
socialmente.
Para Vygotsky (1983, p. 227b), a compensação fictícia se deve ao número
reduzido de experiências e ao fato das pessoas cegas se familiarizarem
superficialmente com um número relativamente pequeno de objetos e por trás das
palavras aprendidas por elas nem sempre figurar um conteúdo concreto. Outro
problema apresentado por Vygotsky é o fato de que a pessoa cega recebe “tudo
mastigado, pronto, lhe contam tudo. As palavras não são precisas para os cegos,
posto que sua experiência se forma de modo distinto. Recebendo todo
conhecimento de forma acabada, é o mesmo que perder o costume de concebê-
lo.”
Para superar essas questões o autor recomenda que, no processo de educação
da pessoa cega, o pedagogo deve dirigir o processo de assimilação dos
conhecimentos sensitivos concretos e ajudar a formar concepções necessárias,
sem divorciar o sensitivo do racional.
Hatwell (1986) afirma que a modalidade sensorial é um fator de primeira ordem e
que a linguagem ocupa um lugar muito mais relevante para a criança cega do que
o previsto na teoria piagetiana, e que a própria lógica dos períodos do
desenvolvimento pode não ser adequada para descrever o desenvolvimento
desses alunos.
3.1. A importância do brincar e da brincadeira para a educação de
crianças com deficiência visual
Brincar é importante para qualquer criança, mas, para a criança com deficiência, a
brincadeira é ainda mais importante, em todas as idades, desde bebês até a
57
adolescência. Os brinquedos especiais e os adaptados tornam seu aprendizado
significativo e alegre, facilitam a aquisição de conceitos e habilidades, integram os
sentidos, promovem a interação, comunicação e socialização.
Como bem lembram Bruno e Heymayer (2001, p. 10):
[...] as crianças com algum tipo de deficiência, seja ela qual for, independente de suas condições físicas, sensoriais, cognitivas ou emocionais são crianças que têm necessidade e possibilidade de conviver, interagir, trocar, aprender, brincar e ser felizes; algumas vezes de forma diferente.
O brincar alegra e motiva as crianças, juntando-as e dando-lhes a oportunidade de
ficar felizes, trocar experiências, ajudarem-se mutuamente; isto vale tanto para as
que enxergam, como para as que não enxergam ou enxergam muito pouco, as
que escutam muito bem e aquelas que não escutam, as que correm muito
depressa e as que não podem correr.
Brincando, a criança aprende a lidar com as diferenças: somos diferentes,
gostamos de coisas diferentes, fazemos as coisas de modo diferente,
necessitamos de um tempo diferente para realizá-las, aprendemos de maneiras
diferentes.
Para Vygotsky (1984) o desenvolvimento infantil é um processo dialético
complexo, que implica revolução, evolução, crises, mudanças desiguais de
diferentes funções, incrementos e transformações qualitativas de capacidades.
Segundo Góes (2002), diante da condição da deficiência é preciso criar formas
culturais singulares, que permitam mobilizar as forças compensatórias e explorar
caminhos alternativos de desenvolvimento, que implicam o uso de recursos
especiais. A autora discute, ainda, esses conceitos na visão vygotskiniana e
enfatiza que essas leis são iguais para todas as crianças. Mas lembra que “há
peculiaridades na organização sociopsicológica da criança com deficiência e que
58
seu desenvolvimento requer caminhos alternativos e recursos especiais”
(VYGOTSKY, 1983 apud GÓES, 2002, p. 99).
Minha experiência como educadora de crianças deficientes visuais mostra que o
brinquedo impulsiona o desenvolvimento, pois ele é um importante meio de
interação e comunicação. Ajuda a desenvolver os sentidos, facilita a
aprendizagem, a aquisição da linguagem e o desenvolvimento psicomotor, a
movimentação e exploração do ambiente. Com ele a criança poderá tornar-se
ativa e participante, consciente do próprio corpo, relacionando-o com o meio, com
as pessoas e objetos que se encontram no ambiente.
De acordo com Glockler (2003), o desenvolvimento dos sentidos consiste no mais
importante aspecto para o desenvolvimento infantil. Ele observa que as crianças,
quando estão, por exemplo, em contato com a natureza, explorando e brincando
com água, desenhando na areia, apresentam uma expressão alegre, ficam ativas
e radiantes. Vê-se realmente como a criança se manifesta por meio de seus
órgãos dos sentidos, unindo-se ao mundo. Por meio do estímulo, para Glockler, a
criança desenvolve seus órgãos sensoriais e se une ao mundo circundante pela
observação, escutando, tocando e brincando.
Este aspecto é também valorizado pela pedagoga dinamarquesa Lilli Nielsen
(apud BRODIN, 1999a), que criou uma série de sugestões, ajudas técnicas e uma
metodologia para estimular sensorialmente as crianças com deficiência visual
associada à deficiência mental. Seu método parte da consideração da criança em
sua totalidade, em que os aspectos físicos, emocionais, motores, perceptivos e
sociais se fundem. Pela brincadeira e a companhia de pais e professores que
oferecem segurança e afeto, formam-se condições para que a aprendizagem
aconteça.
Entre as publicações referentes ao brincar, destacam-se a da Royal Nacional
Institute for the Blind, em Londres, denominado Play it my way – learning through
play with your visually impaired child (2000) que se originou da experiência de
59
pais, professores e outras pessoas envolvidas no trabalho com crianças
deficientes visuais. Nela são sugeridas inúmeras formas de brincadeiras e
brinquedos e muitas idéias para favorecer o desenvolvimento da criança com
deficiência visual e múltipla deficiência. As atividades sugeridas são fáceis de
desenvolver no dia-a-dia, na própria casa, com materiais comuns, para ajudar a
criança a descobrir mais e mais o mundo ao seu redor.
Existem ainda vários manuais publicados por instituições americanas e
escandinavas, com sugestões interessantes de brincadeiras para crianças
deficientes visuais. Entre eles há: Play with me e Play with me more,
desenvolvidos pela fisioterapeuta Ann-Mari Hartman (1996) de Tomteboda
Resource Centre, na Suécia; Move with me, escrito por Hug, Hayashi e Mansfield
de Blind Children Centre, na Califórnia, EUA; Get a wiggle on escrito por Raynor e
Drouillard de Michigan State University, EUA.
No Brasil, Laramara é pioneira em publicações referentes a este tema, com títulos
como: Papai e Mamãe, ajudem-me por favor (1991), Toque o bebê (1996), Papai e
Mamãe, vamos brincar (1997), Aprendendo junto com papai e mamãe (1998), Ler
e escrever em Braille (1999) e Brincar Para Todos (2005), escritos por esta
pesquisadora.
Cabe salientar que as crianças se desenvolvem interagindo com o ambiente ao
redor, mas a qualidade da interação vai depender da capacidade que ela tem de
captar os estímulos do ambiente e reagir a eles. Se a criança cega não tiver
contato com as pessoas e objetos do ambiente, não for incentivada a aprender
pela imitação, poderá chegar aos 5 ou 6 anos sem adquirir esquemas básicos de
ação, podendo apresentar atraso acentuado no desenvolvimento, que poderá se
instalar e se tornar permanente. Não terá mobilidade independente e não
alcançará processos de abstração, com sério prejuízo para sua vida futura. Ela
não pode ver sua imagem, seus movimentos e os de outras pessoas e tem
dificuldade em desenvolver atividades motoras. Por não poder imitar visualmente
60
apresenta problemas na postura, no caminhar, conversar, nas expressões faciais
e gestuais e deverá ser ensinada a realizar cada uma destas ações, inclusive
como se brinca e como os brinquedos funcionam.
Cunha (2004, p. 124) aponta que “os brinquedos têm para a criança cega a função
primordial de tirá-la do isolamento e dar-lhe oportunidade de ampliar seu
conhecimento sobre o mundo que ela não pode captar visualmente.”
A brincadeira ocorre pela interação entre crianças e resulta de um aprendizado.
Aprende-se a brincar. As crianças aprendem a brincar umas com as outras,
observando-se mutuamente, movimentando-se juntas, imitando, participando de
brincadeiras. A criança que não pode ver as outras brincando, que não sabe
brincar junto e não entende as brincadeiras, tende a permanecer isolada em seu
canto, podendo ficar marginalizada e sofrer atraso em seu desenvolvimento.
Cabe à família, aos educadores e a todas as pessoas que convivem com ela
mudar este quadro, orientando-a em brincadeiras, proporcionando oportunidades
para que ela aprenda a brincar e interagir realmente com outras crianças.
Em virtude dessas constatações é importante ressaltar o fato de que nestes
quinze anos, o trabalho de habilitação e reabilitação na Laramara sofreu uma
modificação bastante expressiva, tendo sido abandonado o atendimento
individual, com características clínicas e passou a ser enfatizado o atendimento
sóciocultural e educacional, priorizando a socialização e participação ativa das
crianças e jovens no ambiente familiar, escolar e comunitário. As atividades são
realizadas em grupos de até seis participantes, sendo a idade e os interesses os
principais critérios para o agrupamento, havendo desta forma uma grande
heterogeneidade em relação às necessidades e características de cada membro.
Os encontros do grupo duram de duas a três horas, uma vez por semana.
Observa-se que assim as crianças progridem e aprendem mais, ajudam-se
mutuamente, havendo oportunidade para todas participarem. Gostaria de lembrar
61
que nossa Instituição prioriza a interação por meio de brincadeiras e que elas
estão presentes em todos os espaços e atividades com crianças, havendo ainda
vários espaços destinados exclusivamente às brincadeiras.
De acordo com Vygotsky (2003), a experiência social se dá pelo processo de
imitação. Quando a criança imita a forma pela qual o adulto usa instrumentos e
manipula objetos, ela está dominando o verdadeiro princípio envolvido numa
atividade particular.
O bebê cego deve receber atenção especial para que não sofra atraso em seu
desenvolvimento. Precisa de apoio, de brinquedos interessantes, feitos de
materiais que possam ser percebidos pelos outros sentidos, de estímulo para
imitar por outros meios que não o visual. Assim, todas as atividades que
dependam da visão, devem ser comunicadas e realizadas em conjunto com a
criança cega, pois ela não pode imitar usando a visão: sentar, engatinhar, andar,
comer, vestir, brincar. É assim que ela poderá aprender posturas, conceitos,
habilidades, adquirir linguagem e comunicação e construir de forma significativa
seu conhecimento do ambiente. Deve, pois, conviver com pessoas dispostas não
apenas a transmitir-lhe sensações ou impressões visuais que muitas vezes não
significam muito para ela, mas que a ajudem a ampliar suas experiências e a
construir suas próprias imagens pelo conhecimento e exploração do ambiente com
o próprio corpo; a interpretar as pistas ambientais utilizando o sistema tátil-
cinestésico e aproveitar as descrições verbais de tudo o que se passa em volta.
É fundamental que a criança cega tenha acesso a brinquedos atraentes e
interessantes, simples e criativos, feitos de materiais variados, com texturas,
aromas e sons, que possam ser percebidos pelos outros sentidos que não o
visual. No momento adequado, deverá conhecer as características de cada um,
seu nome, uso e função. Os brinquedos sonoros favorecem o desenvolvimento da
coordenação ouvido-mão (em substituição à coordenação olho-mão), fundamental
62
para a localização de sons e ajudam na integração ao ambiente e na
movimentação e orientação espacial.
É muito importante que tenha um ambiente de grande interação e comunicação,
que participe da vida da família, da escola e da sociedade. A convivência,
brincadeiras, otimismo, alegria e companheirismo vão favorecer um aprendizado
de modo espontâneo, o conhecimento do ambiente, a autonomia e independência
nas ações, melhorar a auto-estima e a criatividade.
A criança cega necessita de amor, carinho e compreensão de todos que com ela
convivem para lhe dar segurança e formar uma auto-imagem positiva, o que será
essencial para um bom desenvolvimento afetivo e emocional. Deve ser ativa, sair
de casa, passear, fazer visitas, ir à escola, sentir o ambiente com todo o corpo:
pisar descalça nos espaços internos e externos, estar ao ar livre para sentir o frio,
o calor, o vento, a chuva, brincar na areia, ter contato com vegetais e flores.
Enfrentar desafios e resolver problemas para que se desenvolva integralmente.
A participação, as atividades e brincadeiras infantis possibilitarão que ela
desenvolva a coordenação motora, adquira noções de forma, grandeza e peso,
reconheça textura, temperatura, consistência e superfícies vibratórias dos
materiais e objetos, reconheça tatilmente os objetos e aprenda seu nome, uso e
função, estabelecendo relações das partes com o todo. Fique curiosa para
procurar os objetos e desenvolver o sentido de busca e direção, desenvolva a
estruturação e organização espaço-temporal. Adquira noção de causalidade e
seqüência lógica, seriação e classificação, a noção de quantidade e pensamento
lógico-matemático. Adquira capacidade de representação simbólica, aprenda a
representar os objetos tridimensionalmente em massinha ou argila, represente
graficamente em relevo os objetos e formas geométricas, linhas, curvas e retas,
enriqueça o vocabulário, descubra muitos objetos e materiais, ampliando seu
conhecimento do mundo, brinque com os pontinhos e aprenda letras e palavras
em Braille.
63
Cabe pontuar que os estudos realizados para subsidiar a criação de brinquedos
especiais e jogos pedagógicos adaptados para o atendimento a essas
necessidades específicas de aprendizagem das crianças com baixa visão e
cegueira permitiram reflexões sobre a prática pedagógica e exerceram grande
influência na busca de uma reorientação teórica e no redimensionamento
institucional que apresentaremos a seguir.
64
4. LARAMARA – Associação Brasileira de Assistência ao
Deficiente Visual
4.1. Enfoque interdisciplinar na atenção à pessoa com deficiência
visual
Este capítulo aborda a proposta interdisciplinar de atendimento socioeducativo e
cultural oferecido às pessoas com deficiência visual e famílias que freqüentam
Laramara. Apresenta um fluxograma que expressa a filosofia institucional, os tipos
de atendimentos, a organização do trabalho e reestruturação dos programas.
Discute a importância da participação da Família no processo de aprendizagem e
desenvolvimento de seus filhos. Apresenta o papel do brincar na cultura da
Instituição e como proposta lúdica para o atendimento educacional especializado.
A Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual – Laramara foi
fundada em 1991. Entretanto a idéia e a vontade de criá-la surgiu muito antes,
naqueles momentos difíceis em que nós, como pais de uma menina cega,
escutamos de vários profissionais a frase: "Não há nada a fazer". Ao caminhar na
contramão do que ouvimos, eu e meu esposo fomos descobrindo que havia, sim,
muito por fazer: educá-la e ajudá-la a ser a pessoa que é hoje, integrada e feliz.
Educando nossa filha, pudemos ver que a criança com deficiência visual tem
possibilidade de se desenvolver como qualquer criança, desde que tenha
oportunidade e acesso a materiais, métodos adequados e interação com os
objetos e as pessoas do ambiente.
A experiência com nossa filha motivou-nos a compartilhar tudo o que aprendemos
e a transmitir às famílias nossa fé, otimismo e crença no potencial de
desenvolvimento da criança deficiente visual, apoiá-las na responsabilidade de
educar seus filhos e ajudá-las a vencer os momentos difíceis; enfim dar
oportunidade de educação a muitas crianças. A idéia da fundação da Laramara
estava em processo.
65
Nosso ideal era criar um espaço onde a pessoa com deficiência visual pudesse
encontrar apoio para se desenvolver em todos os sentidos, com recursos e
serviços de alta qualidade, onde pudesse aprender com prazer, com brincadeiras
e brinquedos, ser feliz.
O primeiro local onde funcionou Laramara foi uma casa pertencente à minha
família, localizada na Vila Pompéia – São Paulo. Sem fins de lucro, vínculos
políticos ou religiosos, sua proposta era acompanhar crianças com baixa visão ou
cegueira, com idade de 0 a 6 anos, ajudando-as durante esse importante período,
para que se desenvolvessem e se integrassem bem à família, escola e
comunidade.
A Instituição começou com um pequeno grupo de quatro profissionais, atendendo
aproximadamente vinte crianças. Percebemos logo que o limite de 6 anos de
idade não poderia ser mantido, pois algumas crianças necessitavam de mais
tempo e apoio para seu desenvolvimento. E também porque muitas delas
precisavam retornar mais tarde para completar sua educação em Orientação e
Mobilidade e Atividades de Vida Diária. Por esta razão ampliamos o limite de
idade para dezesseis anos.
Desde essa época sentimos a necessidade de atender crianças com deficiências
associadas, pois éramos procurados por muitas delas, que dificilmente
conseguiam ser atendidas em outras instituições. Hoje elas representam 50% dos
usuários de Laramara.
A crescente demanda por parte das famílias e crianças era constante e para
atendê-las o trabalho institucional foi se ampliando e exigindo mais espaço. Em
1996 mudamos para o prédio que ocupamos hoje no bairro da Barra Funda, que
possui uma área de mais de 9.000 m2. Neste espaço pudemos receber um
número maior de usuários. Mudamos nossa atuação: buscamos formas mais
eficientes e criativas de trabalho em equipe, revimos métodos e técnicas de
66
avaliação e habilitação, desenvolvemos novos programas e abrimos
possibilidades variadas para permitir a entrada de mais crianças e jovens.
Criamos espaços de recreação, vivências no campo e na praia, piscina,
brinquedoteca, espaços de convivência, desenvolvemos cursos e seminários.
Podemos considerar Laramara hoje como Centro de Desenvolvimento Humano e
Apoio à Inclusão Social, realizando ações dentro e fora da instituição, com este
objetivo. A população atendida é constituída de 69% de crianças menores de 12
anos e por essa razão o trabalho junto à família e uma proposta metodológica rica
em elementos lúdicos como a brincadeira e os brinquedos especiais e adaptados
se constituem em pilares fundamentais de seu trabalho.
Embora sua proposta inicial se baseasse no modelo Clínico Terapêutico, ela
evoluiu ao longo dos anos, acompanhando as características da população e as
demandas sociais. Atualmente redimensionou seus serviços e programas sob a
perspectiva sociocultural ecológica, pois acreditamos que a aprendizagem e a
evolução cultural da criança com deficiência visual dependem das oportunidades
oferecidas pelo ambiente, do acesso aos materiais e recursos especiais, dos
métodos adequados e, principalmente, das experiências de interação com as
pessoas e os objetos existentes no meio em que vivem.
Em 1996 iniciamos programas de Preparação de Jovens para o trabalho e de
Expressão Artística.
O núcleo inicial de quatro profissionais evoluiu e atualmente representa uma
concentração de 250 pessoas, vinte das quais pessoas com deficiência; 50
pessoas trabalham no Centro Técnico, atuando diretamente com as crianças e
jovens. A este grupo acrescentam-se 150 voluntários que desenvolvem trabalhos
sistemáticos na Instituição; colaboradores nos ajudam de várias maneiras:
divulgando-nos na mídia, doando máquinas Braille e bengalas aos usuários e
desenvolvendo ações variadas. Todos trabalham pelo objetivo comum que é o
67
desenvolvimento de ações que beneficiem, informem e melhorem a qualidade de
vida e a auto-estima da pessoa com deficiência visual e sua família. São
entusiastas desta causa e têm o compromisso de inovar e criar projetos
interessantes e diferentes para ampliar as possibilidades de inclusão social das
crianças e jovens e suas famílias.
Atualmente são realizados cerca de 2.000 atendimentos mensais para 600
usuários e estão cadastradas aproximadamente 8.000 famílias, vindas de todo o
Brasil e até do exterior (Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Equador, Peru,
Chile, Portugal).
O Centro Técnico, considerado o coração da Laramara, é composto de uma
equipe multiprofissional de 50 pessoas, executando um trabalho de
complementação educacional, junto a todas as crianças, jovens e famílias
integradas aos programas e serviços da Instituição, seguindo uma abordagem
sociocultural numa perspectiva ecológica.
As famílias que procuram Laramara são recebidas e acolhidas pelo Serviço Social
que lhes apresenta a Instituição e seus programas e realiza sua avaliação
socioeconômica.
A maioria é constituída por famílias sem recursos e de nível cultural baixo.
Segue-se a avaliação oftalmológica que utiliza exames, testes específicos e outros
recursos para avaliar a visão e, quando necessário, realizar a adaptação e
orientação para o uso de auxílios ópticos. Sabe-se que 93% das crianças da
Laramara possuem algum grau de visão, ainda que muito reduzido.
A avaliação das funções visuais e do desenvolvimento integral é feita em seguida
por pedagogos especializados, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e
profissionais de outras áreas. As crianças de outras cidades retornam aos locais
68
de origem com o diagnóstico oftalmológico, relatório sobre as funções visuais e do
desenvolvimento e orientações para a escola e a família. As crianças que residem
na cidade de São Paulo poderão ser integradas, com participação sistemática nos
programas da Instituição, ou encaminhadas a outros serviços da comunidade. Na
figura 1, é apresentado o fluxograma de serviços que vigorou até o ano de 2004.
Fluxograma (gráfico 1)
FLUXOGRAMA DO ATENDIMENTO
Serviço Social Oftalmologia Avaliação Funcional da
Visão e do
Desenvolvimento
Integração aos
Programas
Atividades Complementares
Inclusão
Oftalmologia
Serviço Social
Intervenção Precoce
Pedagogia
Psicologia
Orientação e
Mobilidade
Atividades de
Vida Diária
Curso de
Preparação para
o Trabalho
Oficinas de Artes
Atividades
Complementares
Espaço de Integração e
Convivência da Família
Pejô
Centro de Recursos
Tecnológicos
Brinquedoteca
Atividades Aquáticas
Encaminhamento para Recursos da
Comunidade
Orientação Familiar/ Escolar
e Profissional
Adaptação de
auxílios ópticos
AMA – Atividades
Motoras Adaptadas
(gráfico 1)
No ano de 2001, começamos a questionar nossa atuação relativa à inclusão
escolar das crianças e jovens que freqüentam Laramara. Encomendamos uma
pesquisa externa com o objetivo de avaliar o impacto institucional sobre a inclusão
escolar dos usuários e que se denominou “A inclusão escolar de estudantes
deficientes visuais – Avaliação das atividades da Associação Brasileira de
Assistência ao Deficiente Visual - Laramara”. Ela foi coordenada pela Dra. Elcie
Salzano Masini e realizada em parceria com a Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo e do Laboratório Interunidades de Estudos das
69
Deficiências (LIDE - USP), com apoio do CNPQ. A investigação buscava oferecer
uma contribuição concreta referente à inclusão, por meio da análise científica de
dados coletados sobre a realidade educacional das escolas onde estudavam os
usuários de Laramara.
Os resultados da pesquisa, divulgados no início de 2004, tornaram claro que,
embora os usuários e suas famílias estivessem satisfeitos com o trabalho
realizado em Laramara, a inclusão não se concretiza pelo esforço isolado dessa
Instituição, por mais completo que seja o atendimento e apoio ao aluno com
deficiência visual.
Mostraram ainda que as dificuldades ocorridas no processo da inclusão referem-
se ao despreparo dos profissionais da escola regular e à falta de material
específico para o atendimento de suas necessidades educacionais; que a
efetivação da inclusão requer clareza sobre a contribuição que cada um pode dar
em situações concretas de convívio e é indispensável considerar: a importância de
ser bem acolhido pelos colegas e ajudado por eles; a qualidade do trabalho da
professora da sala de recursos; a diferença que os alunos sentem em sua relação
com as professoras do ensino fundamental e do ensino médio; e que todos os
alunos contem com apoio na escola e não somente aqueles que desfrutam do
trabalho da Associação Laramara.
Nos anos de 2002 e 2003, Laramara realizou, apoiada por uma consultoria
externa, um plano de redimensionamento dos programas e serviços oferecidos,
dentro de uma perspectiva de inclusão social das pessoas com deficiência visual,
objetivando a melhoria da qualidade e funcionamento do atendimento.
Em 2004, iniciou-se a mudança do modelo de trabalho, seguindo uma abordagem
sociocultural, numa perspectiva ecológica, na qual o foco está direcionado à
pessoa com deficiência visual, sua família, escola e comunidade, com interações e
relações nos ambientes naturais. Assim, o perfil da Instituição passou a ser o
70
apoio e suporte à inclusão social por meio de ações educacionais complementares
e suplementares, quando necessárias, para crianças, jovens e adultos com
deficiência visual e deficiências associadas. Ações que consistem em oferecer
avaliação e desenvolver atividades específicas consideradas essenciais ao
processo de desenvolvimento, aprendizagem e inclusão; em divulgar, disseminar
e articular conhecimentos e experiências sobre educação, na perspectiva
inclusiva, para a comunidade, especialmente para as escolas, famílias e pessoas
com deficiência visual.
Realizamos então o “Encontro para uma Ação Inclusiva Compartilhada, Famílias-
Laramara-Escolas”, com mais de 200 participantes. Formaram-se em seguida
grupos de discussão sobre inclusão, com participação de famílias, profissionais do
ensino regular e profissionais de Laramara. E paralelamente organizamos um
Seminário sobre Inclusão.
Iniciamos em 2004 uma reorganização do trabalho, que passou a se desenvolver
da seguinte forma:
Avaliação clínica ou oftalmológica e socioeducacional, das funções visuais e do
desenvolvimento integral, para identificar as necessidades específicas. Esta
avaliação é individual, processual e contínua, com a participação da família.
Atendimento às necessidades específicas, através de programas de ações
educacionais, complementares e suplementares, em grupos de até 6 crianças,
com participação da família. São grupos heterogêneos em relação às
necessidades específicas, crianças agrupadas por idade (diversidade). O
atendimento é feito em encontros de duas a três horas, uma vez por semana.
Deles participam profissionais de diferentes áreas, como por exemplo:
psicólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, numa ação
interdisciplinar.
71
No gráfico 2 mostramos de forma resumida todo trabalho realizado pela
Instituição:
Gráfico 2
4.1.1. Programas de atendimento
A integração da criança ou jovem à Instituição é realizada após a avaliação social,
oftalmológica, das funções visuais, desenvolvimento e aprendizagem. É formulado
então o Plano de Atendimento Individual (PAI), estudo realizado pelos
profissionais e a família, a respeito dos pontos fortes, dificuldades e necessidades
da criança, de suas interações e relações no ambiente social, escolar e familiar.
Após a elaboração do PAI, o usuário é incluído em um dos seguintes programas,
de acordo com a faixa etária:
1. Programa de complementação educacional Infantil: 0-6 anos;
72
2. Programa de complementação educacional do Ensino Fundamental: 7 a 16
anos;
3. Programa de complementação educacional de jovens e adultos: 17-21 anos;
4. Oficinas de Expressão Artística.
Cada programa desenvolve atividades que procuram atender às necessidades e
dificuldades dos usuários, enfatizando suas fortalezas.
Núcleos de atividades:
- Experiências para a organização sensóriomotora e perceptiva;
- Interação e comunicação;
- Atividades funcionais – experiências que contribuem para a autonomia e
independência e o desempenho funcional: Orientação e Mobilidade,
Atividades de Vida Diária, Atividades Motoras;
- Atividades lúdicas e Expressão Artística;
- Aprendizagens sobre necessidades específicas decorrentes da deficiência
visual: atividades psicopedagógicas, Braille, sorobã e tecnologia assistiva;
- Módulo CAMT – Cidadania, Autonomia e Mundo do Trabalho – educação
com o objetivo de desenvolver competências para a inclusão profissional e
pessoal;
- Atividades de orientação vocacional e encaminhamento profissional;
- Grupo psicossocial: atendimento mensal à família, ao adolescente e ao
adulto, mediado por um assistente social e um psicólogo Atividade
obrigatória para os pais dos usuários integrados aos atendimentos
regulares.
4.1.2. Modelo do Atendimento
73
Os atendimentos são realizados em grupos de até seis participantes, sendo o
principal critério de agrupamento a idade. Há grande heterogeneidade em relação
às necessidades e características de cada membro, o que exige dos profissionais
e das famílias o respeito à diversidade e dá oportunidade de construir formas
inovadoras de resolução dos problemas e dificuldades, características da inclusão,
sistematizando-as para compartilhá-las com a escola e a comunidade. Os
encontros do grupo duram de duas a três horas, uma vez por semana, sendo que
o módulo CAMT (Cidadania, Autonomia e Mundo do Trabalho) se desenvolve
diariamente, com a duração de um semestre.
4.1.3. Grupo de apoio à inclusão
Visando agilizar o processo de inclusão das crianças que freqüentam Laramara,
criamos o Grupo de Apoio e Suporte à Inclusão, formado por uma equipe
multidisciplinar, que, trabalhando em ação conjunta com a família, a escola e a
comunidade, atua no espaço escolar e comunitário, levantando as necessidades
educacionais, as fortalezas e dificuldades das crianças e jovens. Vai à escola para
realizar avaliação das necessidades educacionais especiais; serve de ponte entre
a escola e os programas de avaliação e orientação, oferecidos pela Instituição;
participa da elaboração do plano de desenvolvimento educacional, ajudando a
escola e a família na formulação do plano de inclusão da pessoa com deficiência
visual. Dá apoio para identificação de adaptações curriculares, facilita a interação
social da criança. Contribui ainda para a formação continuada da escola e da
implantação da Rede de Apoio Comunitário à inclusão.
Desde sua implantação o Grupo de Apoio e Suporte à Inclusão beneficiou 30
escolas e 3 universidades, públicas e privadas, 600 professores e 1.200 alunos de
escolas regulares, sendo 200 usuários de Laramara.
74
Além das oficinas para adaptação de materiais destinadas aos professores da
escola regular, Laramara realizou o I Curso Nacional de Orientação e Mobilidade
na Educação Infantil e o curso Reflexões sobre os Processos de Desenvolvimento
e Aprendizagem na Perspectiva da Educação Inclusiva.
Distribuímos para todo o Brasil 5.000 kits com material informativo sobre
Orientação e Mobilidade e 5.000 exemplares do livro Brincar para Todos em
parceria com a SEESP-MEC. Para as escolas onde estudam usuários de
Laramara, foram distribuídos 200 kits, compostos de manuais, vídeos e livros
sobre as necessidades educacionais específicas decorrentes da deficiência visual.
Por meio de campanhas junto a empresários e pessoas físicas, conseguimos a
doação de 1790 máquinas Braille e 932 bengalas.
Possuímos um centro de produção de tecnologia assistiva denominado Laratec
onde são encontrados todos os equipamentos necessários à melhoria da
qualidade de vida da pessoa com deficiência visual e o Centro de Recursos põe à
disposição das pessoas que deles necessitarem todos os avanços existentes na
Laratec.
4.2. A Família – uma parceria de importância fundamental
Conforme já mencionado, desde sua fundação, Laramara valoriza o papel da
família na educação da criança e considera-a parte integrante de seu trabalho.
Como uma instituição familiar, foi criada para compartilhar experiências a respeito
da educação da criança cega e para facilitar a tarefa dos pais na educação de
seus filhos com deficiência visual. Hoje, observamos com satisfação um número
relativamente grande de instituições que priorizam o papel da família na educação
e inclusão das crianças com deficiência visual.
Embora a família tenha sido sempre um elemento importante em nossa Instituição,
evoluímos muito em nossa relação com ela e nos dias de hoje criamos estratégias
75
e instrumentos muito eficientes para garantir sua participação efetiva em nosso
trabalho. Isso fortalece o diálogo, o que significa acolher seus sentimentos,
desejos, necessidades e expectativas. Assim, procuramos conhecer seus pontos
de vista, suas preferências, prioridades, fortalezas, a cultura familiar e o ambiente
social de cada uma.
Nosso trabalho, em parceria com as famílias, abre espaço para que elas possam
pôr em prática suas capacidades e competências na resolução de problemas e
superação dos desafios que surgem no dia-a-dia, o que lhes proporciona
esperança e confiança.
Temos consciência de que os pais, por conhecerem os interesses e necessidades
de seus filhos, são cooperadores indispensáveis para tomar decisões, resolver
problemas relativos à construção do conhecimento e desenvolvimento da
autonomia da criança, participando da elaboração do PAI (Plano de Atendimento
Individual) e do projeto pedagógico de inclusão escolar.
Além do mais, trabalhar numa perspectiva sociocultural e ecológica exige a
presença ativa da família na vida institucional. A solidariedade, a cooperação, o
compromisso com a melhoria da qualidade de vida e a educação das crianças
devem ser as prioridades de todos, família, instituição especializada e
comunidade.
Embora todos os espaços de Laramara sejam acolhedores para as famílias,
sempre tivemos a preocupação de criar um local especialmente reservado para
elas. Entretanto, passaram-se seis anos desde a fundação de Laramara até
podermos concretizar esta idéia.
Em 1997, inauguramos o Espaço de Integração e Convivência da Família Vó
Clotilde, onde acontecem hoje várias atividades e que se converteu em um
ambiente criativo e interativo, totalmente assimilado pelos pais, que nele
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organizam festas, desenvolvem projetos e cursos, aprendem, ensinam e se
divertem.
Após oito anos de funcionamento, podemos observar nas famílias grande
influência do Espaço de Convivência. Muitos pais, quando entraram na Laramara,
além das dificuldades econômicas, não participavam da vida cultural e social, não
tinham esperança no futuro de seus filhos e ignoravam o que fazer para mudar tal
situação.
Hoje verificamos que evoluíram bastante, em especial as mães, participam muito
das atividades, são dinâmicas, informadas e grandes lutadoras pelos direitos de
seus filhos. Algumas começaram a estudar ou retomaram seus estudos, outras
aprenderam trabalhos artesanais e os vendem para ajudar no sustento da família,
outras, que eram analfabetas, se alfabetizaram e aprenderam o sistema Braille.
O Espaço de Convivência, que teve como eixo inicial a elaboração de brinquedos,
é hoje um local agradável, dinâmico, onde a família se conscientiza de seu
potencial.
Para que os familiares das crianças tenham acesso fácil às informações a respeito
de situações do dia-a-dia, desenvolvemos vários manuais. Eles são ilustrados e
escritos em linguagem muito simples, sugerindo atividades para as diferentes
fases de desenvolvimento: bebê, pré-escolar e escolar. Essas atividades são
muito variadas, têm forte embasamento teórico e foram testadas com inúmeras
crianças, podendo ser realizadas em casa, num clima lúdico, com envolvimento de
toda a família. São eles: Papai e mamãe – Ajudem-me por favor; Aprendendo
junto com papai e mamãe; Ler e escrever em Braille, uma história que começa lá
atrás; Papai e Mamãe, vamos brincar; Toque o bebê; Ganma Laramara,
Brincando em Família, com brincadeiras adaptadas a crianças com deficiência
neuromotora associada à deficiência visual; Manual ilustrado para uso do Braille;
Baixa Visão: Conhecendo mais para ajudar melhor; Caminhando juntos - Manual
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das habilidades básicas de orientação e mobilidade; Brincar Juntinhos e Brincar
Para Todos.
Laramara é hoje um verdadeiro espaço de integração sociocultural, que cumpre
seu papel de esclarecer e orientar a família sobre seus direitos, deveres, recursos
e encaminhamentos. Conhecer os problemas e necessidades de seu filho é
importante para que a família possa usufruir das facilidades existentes e de melhor
qualidade de vida. Deve estar bem preparada e consciente para ser um agente de
modificação do meio, informando e esclarecendo as pessoas da comunidade.
4.2.1. Atividades para e com as famílias
Oficinas de saberes e competências: atividades realizadas no Espaço de
Convivência da Família, em que são criados e produzidos materiais e brinquedos
e nas quais as famílias aprendem sua utilização como facilitadores do
desenvolvimento e aprendizagem das crianças e adolescentes. As oficinas
representam ainda uma oportunidade ideal de convívio, conhecimento mútuo e
dialogo sobre os anseios, experiências, desejos e dúvidas das famílias, que
tentam resolver os problemas cotidianos da criança. Tal esforço resulta em
aumento da auto-estima familiar. São estas as principais oficinas:
- Oficina de brinquedos;
- Oficina de adaptação de materiais pedagógicos;
- Oficina de Braille e Sorobã;
- Oficina de elaboração de moveis e adaptações em papelão;
- Oficina de pães.
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4.2.2. Vivências lúdicas para pais
Por meio de jogos e brincadeiras, de forma prazerosa, as famílias são desafiadas
a tomar decisões, solucionar problemas, liderar e trabalhar em equipe.
Em 1997, foi criado o Conselho Mundial de Pais e Amigos do Deficiente Visual –
Compadres: Rede de Informações e Orientações à Família, que tem o intuito de
mantê-los unidos e informados sobre serviços, publicações e pesquisas.
Atualmente é coordenada por algumas mães em colaboração com o serviço
social.
4.3. O brincar na cultura institucional: uma proposta lúdica para o
atendimento educacional especializado
Laramara sempre acreditou no valor do brincar e do brinquedo para a interação
com a criança e como facilitador de seu desenvolvimento. Defende o direito da
criança com deficiência visual a um aprendizado prazeroso, como qualquer
criança. Esta crença determina a fundamentação da cultura institucional, a ponto
de podermos afirmar que o brincar e o brinquedo se constituem na filosofia
norteadora de Laramara.
Esta filosofia se expressa não apenas nas atividades sistemáticas com as
crianças, mas também nos esforços por criar e manter espaços e atividades
lúdicas diferenciadas.
O brinquedo e o brincar estão presentes em todos as atividades propostas,
integrando entre si as áreas de trabalho e reunindo todas as pessoas da
Instituição: crianças, jovens, famílias, profissionais, voluntários, professores do
ensino regular e pessoas de todo o Brasil e até do exterior.