O cinema contra a homofobia: “Fresa y Chocolate” e as representações da perseguição contra os homossexuais em Cuba durante o governo de Fidel Castro

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Artigo de trabalho da disciplina História da Améria III, pela Universidade Federal de Uberlândia no ano de 2015.

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O cinema contra a homofobia: Fresa y Chocolate e as representaes da perseguio contra os homossexuais em Cuba durante o governo de Fidel Castro.[footnoteRef:1] [1: Artigo de trabalho apresentado na Semana de Histria 2015 promovido pelo Instituto de Histria da Universidade Federal de Uberlndia Campus Santa Mnica.]

Olvio Bento Costa Neto[footnoteRef:2] [2: Aluno do 5 perodo no curso de Graduao em Histria pela Universidade Federal De Uberlndia.]

Palavras-Chave: homofobia, Amrica Latina, cinema, revoluo cubana.RESUMONos dias atuais, a luta pela igualdade vem sendo cada vez mais problematizada. Questes como, por exemplo, gnero e raa conquistaram grande espao nos debates sociais em todo o mundo e, cada vez mais, vem trazendo novas discusses de grande relevncia para a sociedade em que vivemos. O histrico de perseguio s minorias pode ser observado em todos os tipos de governo, sejam eles ditatoriais ou no. Tais situaes permanecem na histria da humanidade, novos captulos so acrescentados a todo momento e, mesmo assim, ainda h muito do que se falar. Um dos debates que ganhou grande espao nos ltimos anos os direitos da causa LGBT, neste momento em que vrios pases esto se conscientizando para com a igualdade sexual, ainda podemos ver aqueles que tentam combater tal movimento. Vemos todos os dias casos de violncias contra homossexuais, barbaridades justificadas por pensamentos preconceituosos disseminados com o tempo, discursos de dio findados em razes, em sua maioria, religiosas que se contrapem diretamente com os direitos da humanidade. Em um mundo onde os governos totalitrios ainda ganham espao, apoiados por aqueles que se sentem ameaados com o diferente, necessrio analisar como tal opresso acontece em todos os lugares.Tendo em vista a pouca importncia que muitos do s minorias, o presente artigo pretende, por meio da anlise cinematogrfica, entender, nas dcadas que se seguiram vitria da Revoluo contra o governo de Fugncio Batista, como se deu a perseguio e opresso aos homossexuais na Cuba liderada por Fidel Castro. O estudo tem como fonte o filme de 1994, dirigido por Tomz Gutirrez Alea e Juan Carlos Tabo, Morango & Chocolate, obra de grande importncia para o cinema cubano em mbito mundial, que trata, de maneira muito bem construda, da opresso certas minorias dentro da revoluo.

1. INTRODUO AO GOVERNO CASTRISTACom a falha das reformas populistas, a populao de Cuba se mostrava bastante insatisfeita com o governo ditatorial de Fulgncio Batista. A interveno dos Estados Unidos na conquista da independncia livrou Cuba das influncias espanholas, porm tornou-a dependente do capitalismo estadunidense. Durante o perodo pr-revolucionrio, o governo cubano foi sempre composto de programas favorveis economia estrangeira, a produo de acar e a hotelaria eram as principais fontes econmicas que os Estados Unidos utilizavam para manter-se na ilha e, junto a isso, o apoio sempre a presidentes que os fossem favorveis.O governo capitalista no garantiu grandes melhorias para a populao em geral, a pobreza na ilha ainda era uma grande parcela. nesse contexto que surge a figura, que nas dcadas seguintes, governaria o pas latino-americano, de Fidel Castro. O lder revolucionrio iniciou-se nos assuntos polticos nos anos 1940, quando comeou a estudar direito na Universidade de Havana. Desde ento, Fidel participou, de diversas formas, no combate dos opressores ao redor de toda a Amrica Latina. Trabalhando como advogado, ele conseguiu organizar os primeiros passos do movimento revolucionrio, numa oposio clandestina ao ento presidente. em uma das aes desse grupo radical que ele e o irmo, Raul Castro, acabam presos.Antes que sua pena fosse cumprida, Fidel consegue anistia e mandado ao exlio no Mxico, de onde mantm vivo seus ideais e continua organizando sua revoluo. No ano seguinte, retorna ilegalmente Cuba, comandando uma pequena legio de combatentes, a qual inclua Ernesto Che Guevara. A primeira luta direta contra o Estado cubano, embora planejada, no conseguiu suportar disputa armada, a alta baixa de guerrilheiros obrigou-os a retroceder, onde ento, passam a conquistar o apoio da populao da ilha que, como dito anteriormente, j estava insatisfeita com a falta de polticas sociais.A fora da guerrilha se montou, basicamente, a partir do grande apoio civil conquistado e s assim consegui retornar capital cubana, tomando o poder. Com a derrota, Fulgncio Batista acaba por fugir do pas, deixando-o livre para que a Revoluo governasse. assim que, no incio do ano de 1959, Fidel Castro assume a liderana, onde se manteve at o ano de 2008 quando, devido a problemas de sade, passou-a ao irmo.Com a Revoluo no poder, Cuba se fecha para o mundo capitalista e uma srie de reformas sociais e nacionalistas comeam a se formar. Livrando-se definitivamente do controle estadunidense. A quebra desse vnculo, juntamente com as aes sociais, fizera com que o pas conquistasse o apoio da Unio Sovitica, declarando-se ento contraria a todas as aes envolvendo o capitalismo.Sua proximidade com a baa da Florida fez com que os Estados Unidos continuassem sua tentativa de controle da ilha. Sua tentativa de golpe, entretanto, foi frustrada e, dentro do contexto da Guerra Fria, fez com que Cuba definitivamente adentrasse o socialismo Sovitico, participando assim de vrias lutas pela independncia de outros pases, no s latino-americanos, mas tambm em outros continentes. Durante esse perodo, o pas prosperou e manteve-se forte. Combatendo o capitalismo e, principalmente, os vizinhos norte-americanos.No fim dos anos 1980, entretanto, com o declnio do socialismo e a queda da Unio Sovitica, Cuba ficou sozinha, comandando um governo que agora era fraco mundialmente. Esse isolamento fez com que Cuba empobrecesse, gerando conflitos internos, que lutavam contra a opresso que Fidel Castro fazia a todo e qualquer movimento que parecesse contrrio aos ideais de sua Revoluo.

2. LUNES DE REVOLUCON, A OPRESSO CULTURAL E A EXPOSIO DA PERSEGUIO HOMOSSEXUAL

Durante os primeiros anos que se seguiram vitria da Revoluo, o governo cubano procurava maneiras de conquistar toda a populao para que o movimento no entrasse em colapso. Para isso era necessrio que se formasse uma identidade cultural, para que os intelectuais adentrassem as discusses e favorecessem o desenvolvimento, nesse aspecto que surge, incorporado ao jornal Revolucon, o encarte intitulado Lunes[footnoteRef:3] de Revolucon. [3: O nome remete o dia em que era publicado. Em espanhol, idioma oficial de Cuba, Lunes quer dizer segunda-feira.]

Em um primeiro momento, a importncia da publicao foi apresentar populao debates nacionais e internacionais, abordando temticas culturais, tais como obras ficcionais, ensaios, anlises histricas, e at registros de eventos contemporneos, sejam eles de Cuba ou do resto do mundo.[footnoteRef:4] [4: MISKULIM, Slvia Cezar. Poltica cultural no incio A poltica cultural no incio da Revoluo Cubana: o da Revoluo Cubana: o caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural Lunes de Revolucin Lunes de Revolucin. P.77.]

Sempre se mantendo conectado com os movimentos sociais promovidos no pas, a publicao teve contribuio de vrios artistas e intelectuais, cubanos ou estrangeiros, porm haviam uma colaborao maior de certos nomes, tais como Guillermo Cabrera Infante, Virgilio Piera, Humberto Arenal, entre outros. Esse time do editorial foi de extrema importncia para o desenvolvimento das publicaes, e sobre esses editores que, em sua dissertao de mestrado, Slvia Miskulim[footnoteRef:5] escreve: Os editores do suplemento acreditavam que era necessrio elaborar a cultura cubana a partir do triunfo da Revoluo, no considerando o que, at aquele momento, constitua a cultura em Cuba e debater qual seria a identidade da verdadeira cultura cubana.[footnoteRef:6]. [5: Dissertao defendida nos anos 2000, no Departamento de Histrida da Universidade de So Paulo. Ttulo: Cultura e poltica em Cuba: os debates em Lunes de Revolucin. De onde foi extrado o texto usado ao citar a autora.] [6: MISKULIM, Slvia Cezar. Poltica cultural no incio A poltica cultural no incio da Revoluo Cubana: o da Revoluo Cubana: o caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural Lunes de Revolucin Lunes de Revolucin. P.78.]

nesse aspecto que a revista assume seu posicionamento de esquerda, publicando crticas ao comportamento da Unio Sovitica, quando se tratava principalmente de seu posicionamento cultural. Os textos publicados garantiam que o suplemento apoiava a Revoluo, todavia, expunham sua opinio de que a mesma no era comunista. Apoiavam a ideia de que era possvel serem intelectuais sem se manterem no caminho do comunismo sovitico.Apenas defender a Revoluo, no entanto, no era suficiente para que Lunes se mantivesse fora das crticas. Suas publicaes culturais comearam ento a causar certa tenso entre os intelectuais envolvidos, e tambm com o movimento revolucionrio em si, uma vez que era inadmissvel criticar, sob qualquer aspecto, a mesma. E podemos ver, assim, o incio de uma forte perseguio cultural, em todos os meios de comunicao.O espao aberto na publicao para o surrealismo, a literatura do absurdo, a arte moderna e abstrata e os beatniks era visto como uma provocao pelos setores intelectuais ligados ao PSP, que acreditavam que estas manifestaes culturais no estavam de acordo com as exigncias do momento revolucionrio. Lunes foi acusado por estes setores de estrangeirado, j que destinava um grande espao para a divulgao da obra de intelectuais de outros pases. Para os editores do suplemento, sua proposta no era incompatvel com a perspectiva de desenvolver a cultura cubana, que deveria responder s questes colocadas pela realidade nacional, sem se fechar s obras de arte e literrias que estavam sendo elaboradas no mundo.[footnoteRef:7] [7: MISKULIM, Slvia Cezar. Poltica cultural no incio A poltica cultural no incio da Revoluo Cubana: o da Revoluo Cubana: o caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural Lunes de Revolucin Lunes de Revolucin. P.82.]

A razo do incio dessas crticas revista que os comunistas acreditavam que a arte deveria ser utilizada apenas como meio de propagao e defesa da revoluo, uma poderosa arma ideolgica.[footnoteRef:8] [8: MISKULIM, Slvia Cezar. Poltica cultural no incio A poltica cultural no incio da Revoluo Cubana: o da Revoluo Cubana: o caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural Lunes de Revolucin Lunes de Revolucin. P.82.]

Entre os temas que a revista abordava, estava a crtica cinematogrfica, e foi assim que o enfrentamento entre os intelectuais de Lunes e os intelectuais comunistas trounou-se pblico. O incio da censura se deu com a proibio do documentrio P.M., um curta metragem que tinha como objetivo mostrar a vida noturna de Havana, nas regies do porto. Dirigido por Sab Cabrera Infante e Orlando Jimnez-Leal, a obra foi financiada pelo prprio suplemento.A proibio foi feita pelo Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematogrficas (Icaic), um dos rgos culturais que surgiram com o triunfo da Revoluo. Tal censura desencadeou uma srie de debates, que contaram com a participao de Fidel Castro. Lunes e Revolucon foram ento atacados, acusados de serem contrrios Revoluo, sendo pressionados a assumir o mesmo ponto de vista que se mostravam contrrios.Citando setores intelectuais e artsticos que no seriam genuinamente revolucionrios, Fidel Castro referiu-se implicitamente aos colaboradores de Lunes, que eram acusados de no estar em conformidade com os parmetros do intelectual revolucionrio, pois expressavam temores em relao garantia da liberdade de criao e expresso em Cuba. Os revolucionrios deveriam se preocupar em primeiro lugar, com a garantia de que a Revoluo continuasse vitoriosa. Seu discurso foi proclamado apenas dois meses depois da tentativa de invaso norte-americana e dos combates efetuados na praia Girn. Ao usar este argumento para dizer que o medo dos escritores e artistas era infundado, Fidel pressionava sobretudo os colaboradores de Lunes.[footnoteRef:9] [9: MISKULIM, Slvia Cezar. Poltica cultural no incio A poltica cultural no incio da Revoluo Cubana: o da Revoluo Cubana: o caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural Lunes de Revolucin Lunes de Revolucin. P.86.]

A censura do documentrio ficou marcada como o incio da perseguio cultural, que aconteceria nas dcadas seguintes. O medo de que a Revoluo no continuasse vitoriosa, fez com que o governo da ilha passasse a controlar o comportamento de sua populao. nesse contexto comportamental que inicio a discusso sobre a perseguio homossexual.Por mostrar imagens de trabalhadores em momentos de diverso, P.M., na viso dos revolucionrios, manchava a ideia que queriam passar sobre a vida em Cuba. Homens bbados, prostitutas e homossexuais eram vistos com receio, denegriam a imagem que deveria ser exposta. O medo do diferente est implcito nos discursos e aes para controlar a conduta de tais pessoas. O controle artstico agora era mais rigoroso, deveria adequar-se realidade do pas, atitude descrita pelo prprio presidente, enquanto discursava:A Revoluo tem que compreender essa realidade e, portanto, deve atuar de maneira que todo esse setor de artistas e de intelectuais que no genuinamente revolucionrio encontre dentro da Revoluo um campo no qual trabalhar e criar, e que seu esprito criador, ainda quando no sejam escritores ou artistas revolucionrios, tenha oportunidade e liberdade para expressar-se, dentro da Revoluo. Isto significa que dentro da Revoluo, tudo; contra a Revoluo nada.[footnoteRef:10] [10: MISKULIM, Slvia Cezar. Poltica cultural no incio A poltica cultural no incio da Revoluo Cubana: o da Revoluo Cubana: o caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural Lunes de Revolucin Lunes de Revolucin. P.86.]

A perseguio s minorias se torna clara com o fechamento de Lunes, em novembro de 1961. Mas em que se justificava a contrariedade ao diferente? Com o fim do suplemento esperavam evitar a reunio desses intelectuais. Entretanto, a represso a essas minorias se inicia pouco menos de um ms antes, num assalto policial, onde foram presos prostituas e homossexuais, fossem eles declarados ou no. Essa ao ficou conhecida como La noche de los trs P.[footnoteRef:11] [11: Prostitutas, pederastas e proxonetas.]

A censura ao documentrio P.M., o fechamento de Lunes de Revolucin e a represso aos homossexuais podem ser vistos como um momento de ruptura ideolgica do processo revolucionrio. Este momento 14 Segundo Pablo Armando Fernndez, o fechamento de Lunes foi determinado pelo Congresso, que alegou escassez de papel. As publicaes da Uneac congregariam todos os escritores. Entretanto, a data da ltima edio de Lunes foi decidida pelos editores do suplemento, para coincidir com o aniversrio de 80 anos de Pablo Picasso. Ver: Pablo Armando Fernndez, apud, William Luis, Autopsia de Lunes de Revolucin. Entrevista a Pablo Armando Fernndez, Plural, n. 126, 1982, p. 57. 15 Os Comits de Defensa de la Revolucin (CDR) foram criados nacionalmente, em setembro de 1960, em todos os quarteires das cidades, nos quais uma famlia tinha a funo de vigiar aes de sabotagem, descobrir contra-revolucionrios e auxiliar em atividades como a alfabetizao. Sua atuao foi estendida ao exercer controle sobretudo de jovens que no trabalhavam, ou eram homossexuais, ou agiam de forma considerada contra-revolucionria, delatando-os ao governo. outubro - 89 A poltica cultural no incio da Revoluo Cubana seria um marco no cerceamento da liberdade de expresso e criao artstica e intelectual em Cuba, pois se definia que a produo cultural deveria seguir as diretrizes estabelecidas pelo governo revolucionrio. Para os intelectuais e artistas, significou o direcionamento da arte, para os homossexuais significou um cerceamento da liberdade sexual e, para setores da juventude rebelde, das liberdades civis.[footnoteRef:12] [12: MISKULIM, Slvia Cezar. Poltica cultural no incio A poltica cultural no incio da Revoluo Cubana: o da Revoluo Cubana: o caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural caso do suplemento cultural Lunes de Revolucin Lunes de Revolucin. P.88,89.]

3. MORANGO E CHOCOLATE[footnoteRef:13], A LUTA CONTRA O PRECONCEITO E A CENSURA CULTURAL [13: Ttulo original: Fresa y Chocolate.]

O controle da sexualidade da populao cubana chegou a extremos, casos de torturas e mortes so referenciais na luta contra o preconceito. A partir dos primeiros indcios culturais que expuseram as atividades homossexuais na capital cubana, o governo tomou medidas para que isso se encerrasse. Aps a priso, j mencionada, de prostitutas e homossexuais, as medidas tomadas foram drsticas. Foram mandados para comps de trabalho, uma ideia trazida diretamente dos acontecimentos que marcaram a Segunda Guerra Mundial, onde gastavam seu tempo em atividades que prometiam traz-los de volta Revoluo, ensinando-os o trabalho e comportamento de um verdadeiro homem. Vrios artistas e intelectuais foram vtimas dessa homofobia governamental, j que estavam indo contra o imposto anteriormente e no se adequaram aos ideais revolucionrios.Durante todo esse perodo o assunto era um tabu, que a censura garantia estar fora de circulao, e enquanto lutavam pela expanso da Revoluo, atrocidades eram cometidas contra as minorias perseguidas.A crise do socialismo, acarretando o fim da Unio Sovitica e, assim, o isolamento de Cuba, pode ter sido uma arma de extrema importncia na luta pela igualdade. Aproveitando a fragilidade em que o socialismo cubano se encontrava, tanto externamente quanto internamente, comeam a surgir obras de denncia. A falta de interesse pela contemporaneidade[footnoteRef:14], juntamente com a censura, fez com que o cinema cubano se distanciasse das crticas e produzisse apenas figuras de interesse poltico. Como Joel del Ro nos mostra, a mudana de caracterstica dos filmes se deu lentamente, e em razo da nova onda de jovens que comeavam a se mostrar nos meios de comunicao: [14: DEL RO, Joel. Algumas Memrias do Cinema Cubano Mais Polmico. 2010. P.150.]

Essa chegada dos jovens, com seu frescor e suas exigncias naturais, e sua manifesta propenso renovao e ao questionamento, manifestou-se em uma longa relao de filmes, humorsticos ou dramticos, [...].Todos esses filmes expressam diferentes nveis de conflito derivados da dinmica ao dos jovens contra os ancestrais prejuzos e dogmas retardatrios.[footnoteRef:15] [15: DEL RO, Joel. Algumas Memrias do Cinema Cubano Mias Polmico. 2010. P.154.]

Sobre isso, temos tambm a opinio de James Green, estudioso de movimentos sociais na Amrica Latina: Tais mudanas no aconteceram de forma fcil, ou rpida. Mesmo em cenrios sociais revolucionrios, como em Cuba e Nicargua, a auto-afirmao e organizao entre os gays, lsbicas e outros transgressores sexuais, foram compulsoriamente suprimidos antes de alcanar qualquer grau de aceitao. A profunda homofobia e heterossexismo da sociedade cubana, ento mobilizada pela revoluo, permitiu posturas e prticas que, s muito lentamente, foram eliminadas, medida que as minorias sexuais reivindicavam visibilidade. Representaes artsticas da cultura gay, incluindo o bastante aclamado filme cubano Fresa y Chocolate, e a presso internacional para impedir as prticas opressivas, esto entre as foras que abriram espaos culturais e polticos nos ltimos anos.[footnoteRef:16] [16: GREEN, James N. A Luta pela Igualdade: Desejos, homossexualidade e a esquerda na Amrica Latina. 2003. P.18.]

O filme, dirigido por Toms Gutierrez Alea e Juan Carlos Tabio, lanado em 1994, tem como personagens principais David (Vladimir Cruz) e Diego (Jorge Perugorria), sendo, respectivamente, um estudante universitrio e revolucionrio e o outro um artista homossexual. O filme se passa na Havana de 1979, perodo prximo da crise em que se acometeriam, porm, ainda marcado por grande represso.O encontro dos dois jovens se d em uma sorveteria, onde Diego se interessa fisicamente por David. O choque por parte do estudante, em ser motivo de interesse para um gay, no suficiente para esconder o interesse que o conhecimento literrio e intelectual de Diego o causaram. O interesse de David, entretanto, no pode ser guardado apenas para si. O preconceito que possua para com os homossexuais fez com que procurasse um de seus companheiros revolucionrios, Miguel (Francisco Gattorno), para discutir o que deveria ser feito em relao ao que ele acabara de descobrir.Por ser um artista, e se interessar pela cultura em todas as suas formas, Diego est ajudando seu amigo, tambm gay, a montar uma exposio de suas obras. O grande problema que a censura cultural no permitiria que isso acontecesse, uma vez que trazia influncia de culturas estrangeiras e tinha como autor um homossexual. com o pretexto de descobrir mais informaes sobre suas atividades, para poder incriminar Diego, que David se aproxima dele. Diferente do que imaginava, a personagem de Vladimir Cruz acaba percebendo que o outro diferente de todos os conceitos que ele trazia consigo. Inicia-se ento uma forte amizade.Uma vez que havia desistido de investigar Diego, David se entrega a uma amizade, que se mostra verdadeira e sempre disponvel para ajuda mtua. Indisposto com a atitude do companheiro, Miguel decide que precisa agir, mesmo sem sua ajuda, para combater o perigo que Diego poderia ocasionar para a Revoluo. Dentro disso, por ser um artista homossexual, no resta outra alternativa personagem seno o exlio, sendo obrigado, para seu prprio bem, a deixar o pas, que tanto sonhava em mudar.O filme, baseado no conto El lobo, el bosque y el hombre, escrito por Senel Paz, mostra de maneira suave, por um personagem bem construdo, o quanto era difcil a vida das minorias. A restrio cultural, somada sexualidade da personagem, tornam ainda mais complicado que a mesma consiga se manter sem necessidades dentro do governo repressor.Durante um de seus dilogos com David, Diego afirma que a favor da Revoluo, s que mesma no o aceita como membro. Ele critica tambm a censura de obras literrias clssicas, livros que eram proibidos, por no apresentarem neles as mesmas ideologias socialistas e revolucionrias que a liderana poltica de Cuba presava. Em seu apartamento, Diego guarda no s livros, mas tambm discos e bebidas que eram expressamente proibidos, por contriburem para a entrada do capitalismo na ilha, principalmente o usque que, naquele momento, era uma marca registrada dos Estados Unidos.Com esse posicionamento, fica claro que a opinio da personagem se parece com a do suplemento Lunes, Diego simpatiza com a ideia geral do que a Revoluo prope, porm discorda de suas caractersticas socialistas repressoras. O que motivou os intelectuais no incio do governo revolucionrio, a criticarem a forma como tal abordava polticas culturais, agora motiva um cidado homossexual a se refugiar em outro pas. A figura de Miguel representa tudo o que a Revoluo prezava na juventude do pas, a preocupao com o bem maior, a luta para que o diferente se mantivesse fora e no conseguisse ameaar tudo o que havia sido conquistado at ali.A histria encontra seu fim em uma das ltimas conversas que David e Diego teriam, j que o ltimo estava com tudo pronto para deixar o pas. No dilogo, Diego apresenta seu remorso por ter entrado na vida do outro da maneira que entrou, por meio de uma aposta com um amigo, em que conseguiria levar David para a cama e se relacionar com ele. Em seu pequeno discurso, deixa a todo momento transparecer que se sente culpado por ter colocado o jovem dentre o meio homossexual e, mesmo que este nunca tenha se relacionado com outro homem e nem pretendesse, ter prejudicado o futuro que ele poderia conseguir se continuasse a seguir o caminho considerado correto para se ser bem-sucedido dentro daquele contexto. ento surpreendido com a reao de David que, em uma emocionante cena final, mostra que todo o preconceito inicial que possua para com os homossexuais foi vencido, derrotado em um simples gesto: abraar o amigo. Terminando dessa maneira, o filme mostra que mesmo dentro de uma sociedade repressora possvel entender o outro, e que os desafios na luta contra essa censura podem ser vencidos.Toms Gutierrez Alea, um dos diretores do filme, o principal nome do cinema cubano. Falecido em 1996, pouco depois do lanamento de Morango e Chocolate, Alea no participou diretamente da direo do filme. Suas obras, porm, esto marcadas pela crtica sociedade cubana, assim como aos meios escolhidos pelo partido nico para governar. Tendo produzido obras de grande importncia, como A ltima Ceia (1976) e Memrias do Subdesenvolvimento (1968), Toms Alea ainda um dos fundadores do Icaic.Juan Carlos Tabo, outro grande nome do cinema cubano, responsvel pelo filme Guantanamera(1995), importante criao quando se trata de demonstrar como o capitalismo se espreitava ao redor do territrio de Fidel Castro, aos poucos atingindo a populao. Comeou sua carreira trabalhando no Icaic e, hoje, j foi premiado diversas vezes por suas obras.Morango e Chocolate abriu as portas do cinema mundial para Cuba, recebeu prmios nos festivais de Berlim e Gramado, foi tambm o primeiro filme da ilha a receber uma indicao de Melhor Filme Estrangeiro, na premiao do Oscar em 1995. Produzido em um momento de crise no governo cubano, at hoje visto como uma das principais obras crticas as polticas opressoras em seu pas.

4. CONSIDERAES FINAIS

Finalizando este artigo, necessrio salientar que, em todo decorrer da histria, as minorias sempre foram perseguidas, torturadas e mortas. Desde os brbaros no Imprio Romano, at os judeus no Terceiro Heich, vemos que aqueles que se mostram, de alguma maneira, contrrios ao regime em que se encontram, so caados. Mas o que motiva tal ato?Nos dias atuais, presenciamos constantemente discursos contra a comunidade LGBT, defendendo de diversas formas que tal comportamento no digno e no merece espao dentro da nossa sociedade. As desculpas utilizadas para abominar as prticas homossexuais baseiam-se sempre na palavra bblica, justificando por ela que dois homens, ou duas mulheres, no podem estar juntos, no natural. O que, para essas pessoas, natural ento? Certamente que no o preconceito que tanto semeiam. Sempre esteve presente no mundo, da mesma forma que justificavam a escravido, dizendo que negros e ndios no eram merecedores e deveriam trabalhar para redimir seus pecados, principalmente por no aceitarem a religio crist. Atualmente vemos que esse discurso apenas encontrou novas vtimas, encontrou na comunidade LGBT uma vasta quantidade de pessoas que, segundo eles precisam se manter afastadas do restante dos povos, ao menos que se convertam conduta certa de uma pessoa do bem.Diante das atrocidades comandadas no passado, o governo cubano vem se mostrando mais aberto para as diferentes escolhas que sua sociedade faz em relao a sexualidade. Ser gay ou lsbica no mais um crime, uma doena que precisa de tratamento. Nos ltimos anos vemos esse mesmo governo, que um dia torturou e matou homossexuais, se retratar publicamente, aceitando a culpa das atrocidades cometidas e procurando construir um pas mais homogneo, onde se pode viver sem medo de ser diferente.Infelizmente, essa retratao ainda no suficiente. Mesmo que agora estejam mais abertos para tais assuntos, uma grande quantidade de pessoas contra a homossexualidade vem ganhando espao nos debates, em sua maioria religiosa, tentando combater a igualdade de direitos.A resposta para esses atos incerta, mas pensando historicamente, o estranho, o diferente, sempre provocou medo nas camadas dominantes da sociedade, e dessa vez no parece ser diferente. A luta contra esses discursos de dio ainda est longe de acabar, mas, vale lembrar que independente de raa, sexo ou religio, continuamos todos humanos, e merecemos, todos ns, o mesmo respeito, os mesmos direitos e a mesma liberdade.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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