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59 Educação Rev. PEC, Curitiba, v.3, n.1, p.59-66, jul. 2002-jul. 2003 O Comportamento Caórdico dos Jogos de RPG e a Aprendizagem André Daniel Hayashi 1 Resumo O objetivo deste artigo é mostrar como a aprendizagem natural e a aprendizagem contextualizada, defendidas respectivamente por Schank e Hull, podem ser alcançadas nas escolas com o auxílio dos jogos de RPG (Role Playing Game). A teoria do caos, utilizando os conceitos de não linearidade, comportamento caórdico (de HOCK) e realimentação positiva, auxilia na explicação de como regras simples e fixas de um jogo podem gerar eventos imprevisíveis. Esses acontecimentos inesperados, ao ocorrerem dentro de um contexto que interessa aos alunos, permitem um aprendizado natural e consistente, envolvendo conteúdos do currículo tradicional e também outros temas que sejam importantes na opinião dos estudantes. Palavras-chave: aprendizagem; comportamento caórdico; jogos de RPG. 1 Engenheiro industrial elétrico pelo CEFET-PR e mestre em Engenharia de Produção com ênfase em Mídia e Conhecimento pela UFSC. Professor de Cálculo Diferencial e Integral na FAE Business School e de Matemática no Colégio Bom Jesus Centro. E-mail: [email protected]

o Comportamento Caordico Dos Jogos de Rpg e a Prendizagem

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Educação

Rev. PEC, Curitiba, v.3, n.1, p.59-66, jul. 2002-jul. 2003

O Comportamento Caórdico dos Jogos de RPGe a Aprendizagem

André Daniel Hayashi1

Resumo

O objetivo deste artigo é mostrar como a aprendizagem natural e a aprendizagem contextualizada,

defendidas respectivamente por Schank e Hull, podem ser alcançadas nas escolas com o auxílio dos

jogos de RPG (Role Playing Game). A teoria do caos, utilizando os conceitos de não linearidade,

comportamento caórdico (de HOCK) e realimentação positiva, auxilia na explicação de como regras

simples e fixas de um jogo podem gerar eventos imprevisíveis. Esses acontecimentos inesperados, ao

ocorrerem dentro de um contexto que interessa aos alunos, permitem um aprendizado natural e

consistente, envolvendo conteúdos do currículo tradicional e também outros temas que sejam

importantes na opinião dos estudantes.

Palavras-chave: aprendizagem; comportamento caórdico; jogos de RPG.

1 Engenheiro industrial elétrico pelo CEFET-PR e mestre em Engenharia de Produção com ênfase em Mídia e Conhecimentopela UFSC. Professor de Cálculo Diferencial e Integral na FAE Business School e de Matemática no Colégio Bom JesusCentro. E-mail: [email protected]

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Introdução

No ensino tradicional, muitas vezes os conteúdos são “transmitidos” aos alunos da forma que

interessa ao professor. Geralmente, os assuntos são apresentados de uma maneira abstrata e fora de

contexto, e a obrigação prevalece em relação à motivação pelo estudo.

Atualmente, encontram-se literaturas que discordam desta linha, propondo a quebra de velhos

paradigmas educacionais.

O pesquisador americano Roger C. Schank defende a busca pela aprendizagem natural dentro

das escolas, na qual o aluno, inserido num ambiente agradável de pesquisa, diversão e colaboração,

constrói conhecimentos com maior consistência, e, o que é mais importante, adquire vontade própria

de não parar mais de estudar, ou seja, aprende a aprender. Esse é o sonho de muitos professores.

Schank (1995) divide o aprendizado natural em fases, sugerindo um roteiro a ser seguido por

professores e alunos. Uma das fases da aprendizagem natural é o aprendizado por exploração, que,

segundo esse autor, significa permitir aos estudantes que persigam seus próprios interesses.

A abordagem contextual dos conteúdos disciplinares, partindo do cotidiano e da experiência

anterior dos alunos, é a tônica do trabalho de Dan Hull, presidente do CORD (Center for Occupational

Research and Development). Em Hull (1995), salienta-se também a importância de o estudante saber

aplicar seus conhecimentos no mercado de trabalho, criando-se assim outra motivação para o estudo.

O objetivo deste artigo é mostrar como jogos de RPG (Role Playing Game) podem auxiliar na

implementação dessas propostas de ensino e aprendizagem. O RPG, por ser lúdico, não linear, caórdico,

permite que os participantes tomem importantes decisões e aprendam com os próprios erros, de maneira

descontraída. A descontração, o imprevisível e a interação permanente entre os colegas são fatores que

atraem o jogo para um rumo de aparente desordem. O mestre de RPG intervém quando a ordem torna-se

necessária, e os melhores jogos são aqueles em que mestre e jogadores caminham na fronteira entre ordem

e desordem. O afeto exigente exercido pelos professores, muito defendido por Demo (2002), abre espaço

para um dos corolários da teoria do caos: um grupo pode ser maior do que a soma de seus componentes.

O Aprendizado Natural e o Contextual

O foco central da teoria de Schank (1975) é a estrutura do conhecimento, especialmente no

contexto da compreensão da linguagem. O autor esboçou a teoria contextual da dependência, que lida

com a representação do significado nas sentenças. A partir deste trabalho, Schank e Abelson (1977)

introduziram o conceito de roteiros, planos e temas para manusear a compreensão do nível da história.

Em trabalho posterior, Schank e Cleary (1995) conceituam a aprendizagem natural e descrevem como

implementá-la utilizando-se programas inteligentes de computador. Este artigo baseia-se neste último

trabalho para desenvolver as idéias referentes à aprendizagem natural e descreve também como os

jogos de RPG podem ser muito úteis para implementar os roteiros de Schank.

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Segundo Schank (1995), grande parte de nossos conhecimentos é adquirida de maneira natural.

Enquanto crianças, aprendemos naturalmente para que serve um sabonete e onde exatamente ele se

encontra, como abrir uma porta, como pedir comida, e assim por diante. Até mesmo na idade adulta,

aprendemos, sem perceber, como fazer um belo discurso, onde fica o melhor restaurante, como dirigir

um carro, como nossos filhos dominam muito melhor o computador do que nós, entre outras situações.

Essa aprendizagem natural ocorre fora da escola. Schank (1995) defende a utilização dessa

aprendizagem dentro das escolas:

Rather than fighting against these natural learning mechanisms, schooling should make use of them. The very

nature of school must be changed so that it reflects rather than opposes natural learning. The way mainstream

schools are structured now goes against much of what we have learned about learning.[...] Natural learning is not

compatible with lockstep classrooms nor with rigid curricula, nor is learning measurable by multiple-choice tests.2

Utilizando como exemplo as aulas tradicionais de matemática, vários de seus tópicos, como

progressões e funções, são passados aos alunos como ferramentas que eles usarão em algum momento

futuro de suas vidas. Mas é provável que eles nunca sejam utilizados, pois muitos alunos não sabem

nem para que servem tais conceitos matemáticos. Então, que motivação os estudantes terão em aprender

algo tão abstrato e aparentemente sem utilidade em suas vidas?

Hull (1995) acredita que as disciplinas devem partir de uma problemática, do contexto e das

experiências anteriores dos alunos:

According to contextual learning theory, learning occurs only when students (learners) process new information

or knowledge in such a way that it makes sense to them in their frame of reference (their own inner world of

memory, experience, and response). This approach to learning and teaching assumes that the mind naturally

seeks meaning in context – that is, in the environment where the person is located – and that it does so through

searching for relationships that make sense and appear useful.3

Retomando o exemplo anterior, a matemática poderia, então, ser ensinada a partir de um

contexto, de uma situação problema do cotidiano. O professor lançaria um desafio para os alunos:

gerenciar uma pequena empresa fictícia, envolvendo cálculos de salários, impostos, receitas e lucros.

Se isso for realmente do interesse dos alunos, eles pesquisarão em livros, entrevistarão especialistas na

área e, sem perceberem, utilizarão progressões geométricas para analisar investimentos financeiros,

2 ”Melhor do que lutar contra os mecanismos de aprendizagem natural, as escolas deveriam fazer uso deles. Anatureza da escola deve ser mudada para que ela reflita e não se oponha ao aprendizado natural. Da maneira comoestá estruturada, a maioria das escolas vai contra grande parte do que aprendemos sobre a aprendizagem. [...] Aaprendizagem natural não é compatível com alunos presos sempre à mesma sala de aula nem com currículos rígidos,muito menos a aprendizagem pode ser medida por testes de múltipla escolha.”

3 ”De acordo com a teoria do ensino contextual, o aprendizado ocorre apenas quando alunos (professores) processamnovas informações ou conhecimentos de uma maneira tal que façam sentido a eles em sua base de referência (seumundo interior de memórias, experiências e respostas). Essa maneira de ensinar e aprender supõe que a mentenaturalmente procura por significados em contexto – isto é, no ambiente em que a pessoa se encontra – e ele ocorreatravés da procura por relações que fazem sentido e que parecem úteis.”

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trabalharão com funções para analisar os gráficos de desempenho da empresa ao longo dos meses,

além de vários outros conceitos matemáticos. Esses alunos estarão aprendendo naturalmente dentro

de um contexto: a empresa. Esse é um entre vários contextos que podem ser utilizados como ponto de

partida e motivação para os estudantes.

Schank divide a aprendizagem natural em três fases em cascata (figura 1):

Ao adotarem um objetivo ou um desafio proposto por eles mesmos ou pelo professor, como, por

exemplo, montar uma empresa, os alunos aprendem fazendo e passam pela saudável experiência de

escolherem áreas da empresa de seu interesse, constatarem falhas em seus conhecimentos e cometerem

erros. Nesse momento, eles necessitam de novas informações para prosseguirem, dando maior

importância para conhecimentos que outrora eram de menor relevância. O papel do mestre é abrir os

olhos dos alunos para outras maneiras de pensar em relação à situação. Refletindo-se sobre o problema,

formulam-se perguntas que podem ser respondidas por especialistas no assunto, pois o professor não

é o dono do conhecimento. Esse é o instante em que ensinar baseando-se em casos ou histórias pode

suplementar o conhecimento necessário. Já que fatos isolados em enciclopédias são difíceis de serem

integrados pelos alunos em sua memória, o conhecimento útil é mais bem apresentado em forma de

histórias. O ideal seria que cada aluno tivesse a seu dispor um especialista para contar histórias na

sua área de interesse. Esse ideal pode ser atingido com o auxílio de programas inteligentes de

computador que fazem o papel de especialistas, em que cada aluno pode navegar e buscar suas

respostas em particular. Esta última fase, a criação de arquiteturas computacionais como suporte para

o aprendizado por exploração, é a parte mais complexa do trabalho de Schank.

Aprender fazendo

Aprendizado de fatos aparentemente irrelevantes emdecorrência da busca de um objetivo

FONTE: SCHANK (1995, p.38)

FIGURA 1 - ROTEIRO EM CASCATA DO APRENDIZADO NATURAL

Adotar um objetivo

Gerar uma questão

Formular uma resposta

Aprender por exploração

Ensinar baseado em casos

Aprender refletindo

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Como uma opção mais rústica ao uso de programas sofisticados de computador, os jogos de RPG

podem se encaixar no roteiro em cascata do aprendizado natural de Schank e nas idéias de Hull, já que

os participantes, num ambiente de diversão e pesquisa, constroem uma história, cometem erros, pedem

orientação ao mestre, refletem e interagem para solucionarem um problema do cotidiano, geralmente

proposto pelo mestre no início do jogo. Durante a pesquisa e exploração visando ao objetivo de seu

interesse, cada aluno estará adquirindo conhecimentos cuja existência e utilidade nunca imaginava.

O Jogo de RPG

Role Playing Game significa “Jogo de Representação”. Surgiu nos Estados Unidos em 1974,

chegando ao Brasil em 1985 por meio da série Aventuras Fantásticas, da Editora Marques Saraiva.

De uma sessão de RPG participam o mestre, que pode ser o professor ou um aluno experiente, e

os jogadores. A função do mestre é apresentar ao grupo de jogadores uma história, um desafio, uma

aventura, que contenha enigmas, charadas, situações que exigirão decisões por parte dos jogadores.

Estes, por sua vez, controlam personagens que viverão a aventura, discutindo entre si as decisões que

tomarão e as soluções que darão aos enigmas que surgirem à medida que a história se desenvolve.

Dependendo das decisões, a história muda, ou seja, os alunos fazem a história, e o jogo se comporta

como um sistema dinâmico (KARAS; SERRA, 1997).

O RPG é jogado verbalmente. O grupo se senta em círculo e se transporta, na imaginação, para

o universo em que se passa a aventura. Todas as ações ocorrem aí. Não há necessidade de material

extra, mas algumas vezes poderão ser úteis mapas, dados (de jogo, para criar eventos aleatórios),

tabelas, folhas com a descrição e o valor das habilidades e da energia dos personagens.

O mestre é o “diretor” da cena. Ele introduz os personagens na história e acompanha seus

movimentos e decisões. Uma maneira simples de se implementar a aleatoriedade do jogo é a seguinte:

a decisão de um participante se concretizará, se a soma dos valores de 3 dados jogados pelo mestre for

menor que o valor da habilidade do participante. Por exemplo, se um jogador tem habilidade 12 em

corrida, sua decisão de atravessar um rio saltando de uma margem a outra só se concretizará se a soma

dos valores de três dados for menor que 12. O mestre também divulga as informações de que os

participantes possam necessitar para prosseguir no jogo, como eventos externos (a chegada de uma

tempestade, etc.) e novos valores de energia, à medida que os personagens vão gastando e repondo.

Pode-se usar o critério de que, quando a energia chegar a zero, o participante sai do jogo. Tudo depende

da criatividade do mestre.

Pode-se perceber que o RPG auxilia na implementação da aprendizagem natural, uma vez que

facilita ao professor demonstrar a importância, na vida real, de um determinado conteúdo didático

usando uma história. E sabemos o quanto o interesse é a mola mestra da atenção e, conseqüentemente,

do aprendizado. Quer ensinar História do Brasil? Que tal propor o seguinte desafio em RPG: instaurar

uma cultura européia num país de indígenas. Ou ensinar Geometria? O mestre desafia: construir uma

casa. A criatividade é do mestre e, ser for boa, seu trabalho nunca será suplantado por um computador.

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A Teoria do Caos

A nova ciência do caos surge com a tentativa comum de vários cientistas de estudarem e

entenderem o verdadeiro comportamento dos sistemas complexos que encontramos na natureza

(GLEICK, 1990). Sabe-se que a teoria mecanicista de Newton e Descartes não consegue responder

precisamente a perguntas como: Vai chover daqui a trinta dias? Amanhã o valor das ações de uma determinada

empresa vai subir ou descer?

Essas perguntas podem parecer simples, mas, na verdade, os sistemas com que lidamos na

natureza são complexos e dinâmicos, longe do equilíbrio, não havendo possibilidade de exatidão nas

previsões de acontecimentos futuros em tais sistemas. A teoria do caos propõe o fim das certezas,

dando mais valor ao relacionamento entre as várias partes de um sistema. E, como essa interação

promove uma realimentação positiva, gera um resultado que é muito maior que a soma das partes. Isso

é o que chamamos de não linearidade, e não corrobora com a linearidade proposta por Newton e

Descartes. O cérebro humano, por exemplo, é o sistema mais complexo que existe, e não se pode

estudá-lo repartindo-o em pedaços e somando-se suas contribuições. O aprendizado de uma pessoa

não é linear, não obedece a uma ordem específica, é desordenado e caótico. O caos faz parte da nossa

natureza de ser, pois não somos computadores e nos influenciamos muito facilmente com a opinião

dos outros. Nossa interação com outras pessoas forma outro sistema complexo, que é nossa sociedade.

E nossas ações podem, portanto, mudar o rumo da sociedade, assim como os participantes do jogo de

RPG mudam o rumo da história.

Como será que aprendemos? Quais serão nossas ações amanhã? Tudo depende de nossas

experiências anteriores e das interações com outras pessoas (DEMO, 2002). Cada sistema, cada

funcionário de uma empresa, cada aluno, é algo único. Isso é natural, e a imprevisibilidade dos

sistemas caóticos não deve ser encarada como uma derrota. Devemos utilizar suas características a

nosso favor.

Caminhar entre a ordem e o caos, isto é, ter um comportamento caórdico (HOCK, 1999), é essencial

para que a criatividade não seja sufocada pelo controle mecanicista. Hock, fundador e CEO emérito da

VISA International, descreve muito bem em seu trabalho como evitou o controle excessivo em sua

empresa de cartões de crédito e permitiu que seus funcionários se auto-organizassem, explorando

suas potencialidades individuais. Essas idiossincrasias realimentavam-se positivamente produzindo

uma emergência, um resultado muito maior que a soma das contribuições individuais:

Anos de administração iconoclástica – vendo que pessoas comuns fazem sempre coisas extraordinárias

quando seu espírito é desafiado e sua engenhosidade liberada – tinham me dado confiança na infinita capacidade

das pessoas. Não é preciso conhecer nem provar de antemão o que é possível fazer. Não é preciso ter um plano

preciso para chegar lá. Num mundo complexo em rápida mutação, um claro senso de direção, um propósito

instigante e crenças poderosas sobre a conduta necessária para atingi-lo, pareciam-me infinitamente mais

sensíveis e robustos do que planos mecânicos, objetivos detalhados e resultados predeterminados.

Assim é o jogo de RPG. A criatividade e o potencial individual buscam o sucesso do grupo em

torno de um propósito, um objetivo. Não há vencedores nem perdedores. Pequenas variações nos

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acontecimentos iniciais podem gerar grandes variações de resultado e aprendizado, daí vem a não

linearidade. O aluno tem inclinação a gostar de jogar RPG, pois o cérebro, como todo sistema caótico

da natureza, é não linear, gosta de novidades e acontecimentos inesperados. Um participante pode

manter uma linha de decisões no jogo, ou mudar de idéia sozinho ou influenciado pelos outros. Por

“efeito borboleta” (GLEICK, 1990), é possível que uma pequena variação nas decisões de cada

componente do jogo acarrete bifurcações inesperadas no caminho do jogo, abrindo-se possibilidades

únicas de aprendizado e a emergência de um grupo com características que não tinha antes. Um grupo

que aprendeu e que, sob a regência afetiva e exigente do mestre, tornou-se maior que a soma aritmética

de seus componentes.

Os melhores jogos de RPG ocorrem no limiar entre ordem e caos. Neste ponto o mestre tem papel

fundamental e deve estar muito bem preparado para aplicar as normas e ao mesmo tempo colocar

emoção no jogo. Os jogadores não podem ser controlados pelo mestre, apenas mediados. Ele deve ser

hábil o suficiente na mediação para que os jogadores formem, na maior parte do tempo do jogo, um

grupo auto-organizado. Na menor parte do tempo, quando o jogo sai da fronteira caórdica, deve

intervir com firmeza, já que bagunça excessiva não é bom em qualquer instância educacional.

O mestre é o pólo de atração da ordem nos casos em que o jogo é predominado pelo caos e é o

pólo de atração da desordem quando a monotonia da história precisar de uma “pitada” de criatividade,

uma vez que um pouco de desordem possibilita mais emoção e criação, fundamentais na motivação do

estudante e de todo o seu grupo.

Conclusão

Os defensores dos currículos tradicionais das escolas acreditam que o aluno aprende

linearmente, ou seja, no fim dos estudos ele saberá a soma aritmética dos vários conhecimentos

“transmitidos” durante o ano letivo, como se pudéssemos medir tais conhecimentos. Mas na realidade

o resultado não corresponde ao previsto.

Schank e Hull propõem novas idéias para a educação, segundo as quais o ambiente natural, a

motivação, o contexto, o lúdico, o cotidiano, tudo o que for necessário e criativo deve ser considerado

enquanto ensinamos.

Hock descreve o comportamento caórdico, que é o comportamento de qualquer organismo,

organização ou sistema autogovernado que combine harmoniosamente características de ordem e caos.

Os jogos de RPG podem ser utilizados para implementar as idéias de Schank, Hull e Hock.

Dependendo da criatividade do mestre, o jogo pode instigar ao máximo a curiosidade e a perseverança

dos participantes na busca de um propósito comum. O RPG não tem necessariamente um fim, e quem

disse que o aprendizado tem fim? Se o aluno se tornar auto-organizado, saberá andar sozinho na

fronteira entre ordem e caos, motivado a aprender, e aprendendo a se motivar, num ciclo de feedback

positivo, contínuo e ininterrupto.

Nós, seres humanos, temos uma grande vantagem perante os computadores: a criatividade.

Somos complexos, ambíguos, em eterno devir. A era da informação chegou, entretanto é impossível

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acumularmos em nossas memórias tudo de novo que aparece. Deixemos esse papel para os

computadores. Nós, professores, devemos nos preocupar com algo maior: a criação. Assim, poderemos

também ensinar nossos alunos a criarem a si mesmos.

Referências

DEMO, Pedro. Complexidade e aprendizagem: dinâmica não linear do pensamento. São Paulo:Atlas, 2002.GARDNER, H. Inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2000.GLEICK, James. Caos, a criação de uma nova ciência. Rio de Janeiro: Campus, 1990.HOCK, Dee. Nascimento da era caórdica. São Paulo: Cultrix, 1999.HULL, Dan. Opening minds, opening doors. Waco, Texas: CORD Communications, 1995.KARAS, E. W; SERRA, C. P. Fractais gerados por sistemas dinâmicos complexos. Curitiba: EditoraUniversitária Champagnat, 1997.ORMEROD, Paul; SCHANK, Roger C. O efeito borboleta. São Paulo: Campus, 2000.PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas. Tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: UNESP, 1996.SCHANK, Roger C. Conceptual information processing. New York: Elsevier, 1975.SCHANK, Roger C; ABELSON, R. Scripts, plans, goals, and understanding. Hillsdale, New Jersey:Earlbaum Assoc., 1977.SCHANK, Roger C.; CLEARLY C. Engines for education. Hillsdale, New Jersey: LEA, 1995.