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O corpo da mulher madura na mídia impressa feminina 1 2 ARAUJO, Denise Castilhos de (Doutora em Comunicação Social) Universidade Feevale/RS 3 KUHN JUNIOR, Norberto. (Doutor em Comunicação Social) Unisinos/RS. 4 BRIXNER, Maíra. (Grduanda de Relações Públicas, bolsista de iniciação científica FAPERGS) Universidade Feevale/RS 5 Resumo: Este artigo propõe a reflexão a respeito da presença da mulher Madura (45 a 65 anos) na revista feminina Claudia. Justifica-se essa escolha pelo fato de que as revistas acompanham o universo das mulheres desde o Século XVII, considerando a produção mundial desses periódicos, e, desde o Século XIX, levando-se em conta o mercado brasileiro de publicações. Este texto parte da seguinte problemática: qual é a imagem da mulher de 45 a 65 anos veiculada nas páginas de uma revista feminina? A partir desse problema, objetiva-se verificar como essas mulheres, aqui tratadas por Maduras são apresentadas na Revista Claudia, constituindo-se, assim, como uma possível representação midiática dessa categoria de indivíduos. Palavras-chave: Mídia impressa; Mulheres maduras; Revista Claudia; Representação. Revista feminina O mercado de revistas brasileiro deve ser considerado importante, pois, atualmente, circulam cerca de quatro mil títulos de periodicidades semanal, quinzenal e mensal, de acordo com o site da Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER). A estratégia principal desse mercado é a segmentação, uma vez que apresenta revistas direcionadas para públicos muito específicos, seja por gênero, idade, assuntos de interesse ou comportamento, ou até todos esses fatores reunidos. Dentre os diversos segmentos, o dedicado ao público feminino é um dos mais tradicionais e com maior variedade de títulos. A revista é um meio de comunicação com algumas vantagens sobre os outros: é portátil, fácil de usar e oferece grande quantidade de informação por um custo pequeno 1 Trabalho apresentado no GT História da Mídia Impressa, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015. 2 Pesquisa com apoio do CNPq. 3 Doutora em Comunicação Social, professora e pesquisadora da Universidade Feevale. Email: [email protected]. 4 Doutor em Comunicação Social, professor e pesquisador da Universidade Feevale. Email: [email protected] 5 Acadêmica de Relações Públicas, bolsistas de IC da Fapergs. Email: [email protected]

O corpo da mulher madura na mídia impressa feminina

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 O corpo da mulher madura na mídia impressa feminina1 2

ARAUJO, Denise Castilhos de (Doutora em Comunicação Social) Universidade

Feevale/RS 3  KUHN JUNIOR, Norberto. (Doutor em Comunicação Social) Unisinos/RS.4

BRIXNER, Maíra. (Grduanda de Relações Públicas, bolsista de iniciação científica FAPERGS) Universidade Feevale/RS5

Resumo:  Este artigo propõe a reflexão a respeito da presença da mulher Madura (45 a 65 anos) na revista feminina Claudia. Justifica-se essa escolha pelo fato de que as revistas acompanham o universo das mulheres desde o Século XVII, considerando a produção mundial desses periódicos, e, desde o Século XIX, levando-se em conta o mercado brasileiro de publicações. Este texto parte da seguinte problemática: qual é a imagem da mulher de 45 a 65 anos veiculada nas páginas de uma revista feminina? A partir desse problema, objetiva-se verificar como essas mulheres, aqui tratadas por Maduras são apresentadas na Revista Claudia, constituindo-se, assim, como uma possível representação midiática dessa categoria de indivíduos. Palavras-chave: Mídia impressa; Mulheres maduras; Revista Claudia; Representação.

Revista feminina

O mercado de revistas brasileiro deve ser considerado importante, pois,

atualmente, circulam cerca de quatro mil títulos de periodicidades semanal, quinzenal e

mensal, de acordo com o site da Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER).

A estratégia principal desse mercado é  a segmentação, uma vez que apresenta

revistas direcionadas para públicos muito específicos, seja por gênero, idade, assuntos

de interesse ou comportamento, ou até  todos esses fatores reunidos. Dentre os diversos

segmentos, o dedicado ao público feminino é  um dos mais tradicionais e com maior

variedade de títulos.

A revista é  um meio de comunicação com algumas vantagens sobre os outros: é  

portátil, fácil de usar e oferece grande quantidade de informação por um custo pequeno

1 Trabalho apresentado no GT História da Mídia Impressa, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015. 2 Pesquisa com apoio do CNPq. 3 Doutora em Comunicação Social, professora e pesquisadora da Universidade Feevale. Email: [email protected].  4 Doutor em Comunicação Social, professor e pesquisador da Universidade Feevale. Email: [email protected]

5 Acadêmica de Relações Públicas, bolsistas de IC da Fapergs. Email: [email protected]

(ALI, 2009). Sabe-se, também, que a revista, diferentemente de um jornal, tem uma

vida útil maior para seus leitores, pois possibilita a leitura ao longo do mês inteiro.

Além disso “a revista é  a mídia mais feminina que existe”( MIRA, 2001, p. 43).

Buitoni (1990) afirma que desde que a imprensa surgiu no Ocidente, no fim do

século XVII, já   havia veículos dedicados à   mulher. A autora também afirma que a

imprensa feminina é   um “termômetro de época”. “Cada novidade é   imediatamente

incorporada, desenvolvida e disseminada. A movimentação social mais significativa

também vai sendo registrada”  (BUITONI, 1990, p. 24).

No Brasil, o mercado e a produção de revistas femininas existe desde meados do

século XIX, quando passaram a ser publicadas aqui “O espelho diamantino (RJ, 1827),

O espelho das brasileiras (Recife, 1831), O relator das novelas (Recife, 1838), O

Correio de Modas (RJ, 1839) ou o Jornal das Senhoras (RE, 1852)” (LUCA, 2012, p.

447).

Durante muito tempo, a leitura foi um dos principais lazeres femininos,

incluindo-se aí  as revistas que podiam ser consultadas “entre o preparo das refeições e

praticamente em qualquer lugar com luz suficiente” (MIGUEL; RIAL, 2012, p. 151). De

modo geral, a leitura de revistas era um lazer aceitável, pois era possível de ser fruído

dentro de casa, espaço por muito tempo associado ao feminino, e que deveria ser

cuidado e administrado pela dona de casa (BONADIO, 2007).

Assim, a revista feminina recebeu um papel de companheira para as mulheres,

pois tempos atrás, ela dava conselhos de comportamento (alguns em tom de obrigação)

e tirava dúvidas que não poderiam ser obtidas com pessoas próximas, por vergonha ou

medo de repreensão. Ainda hoje, ela é  mais do que um entretenimento para a mulher,

uma vez que também é fonte de informações acerca dos mais variados assuntos,

mantendo, por vezes, o papel de conselheira. “Ninguém precisa de uma revista, mas

todos precisam de amigos. A revista é  como uma pessoa, um companheiro que está   lá  

para levar-lhe informação e ajuda” (ALI, 2009, p. 19).

A partir da percepção da revista como uma amiga da mulher surgiram na Europa

da década de 1930, os primeiros títulos com nomes femininos, dentre as quais Marie

Claire (França, 1937). No Brasil, essa tendência chegou em 1961, quando houve o

lançamento de Claudia pela Editora Abril.

As publicações direcionadas às mulheres, na maior parte das vezes, trazem

conteúdos entendidos como “naturalmente”   constitutivos do “universo feminino (lar,

beleza, questões do coração, família)”. A partir da década de 1970, como consequência

das transformações culturais e sociais que emergiram naquele período histórico, como a

liberação feminina e uma maior participação da mulher no mercado de trabalho, viu-se a

presença de “questões ligadas à   atividade profissional e, sobretudo ao sexo”   (LUCA,

2012, p. 449) ganhando mais espaço nas revistas desse segmento.

Mesmo mulheres consideradas modelo de beleza, costumam desaparecer das

páginas das revistas quando passam dos 40 anos, como aconteceu com a atriz Isabela

Rosselini que em 1996, ao completar 44 anos perdeu o contrato com a marca de

cosméticos Lancôme e foi substituída por três rostos mais jovens, a atriz francesa

Juliette Binoche, a brasileira Cristina Reali e a espanhola Inès Sastre, respectivamente

com 32, 31 e 23.

As exceções são algumas propagandas de cosméticos, que na contramão da ação

da marca francesa, passaram a apresentar mulheres maduras ou da terceira idade em

algumas campanhas, como a brasileira Natura, que em 2007 lançou uma campanha

estrelada por mulheres acima dos 40 para a linha de anti-rugas Chronos.

No entender de Anne Higonnet Ser modelo feminino para estas imagens é  o ser mais glorificado entre os bens de consumo. Simultaneamente objecto de adulação das mulheres e exploração comercial, os modelos reforçam e ao mesmo tempo servem aos padrões de beleza.” (HIGONNET, 1991, p. 418-419) .

Assim, as modelos que aparecem nas páginas de Claudia (e de tantas outras

revistas do gênero) seguem e reforçam a ideia de que para ser belo, é  preciso ser jovem,

ou ter uma aparência jovial.

Assim, vê-se na revista a predominância de uma visualidade jovem,

especialmente através das imagens de moda. Essa predominância da mulher jovem ou

com ares juvenis nas revistas femininas, não é  novidade. Desde o início do século XX,

atrizes, modelos e mesmo ilustrações que representam as jovens mulheres são maioria

nessas publicações há, entretanto, uma diferença a ser notada: até  a década de 1950, de

modo geral a mulher apresentada nas seções de moda era aquela considerada madura

para a época, ou seja, a mulher casada e com mais de 20 anos. Na revista O Cruzeiro,

por exemplo, as mulheres representadas por Alceu Penna na seção “Garotas”, como o

nome já   indica, tinham ares joviais e apareciam em poses descontraídas, ao passo que

aquelas que desenhava para a coluna de moda da mesma publicação tinham semblante

mais sério e costumeiramente apareciam em poses mais comportadas, tal como era

apropriado às mulheres maduras. Havia a mulher madura que ditava a moda, e a

mocinha, que de modo geral, a imitava.6

A partir da segunda metade da década de 1950, e, sobretudo dos anos 1960 os

jovens tornaram-se, em grande parte do mundo ocidental, um importante grupo

consumidor (rapidamente reconhecido por agências publicitárias e por agentes da

indústria cultural –  como o cinema e a música) e assim ganham cada vez mais espaço

nos meios de comunicação e na moda (HOBSBAWM, 1995; PASSERINI, 1996;

ZIMMERMANN, 2013).

Esse fenômeno pode ser justificado em decorrência da ampliação do período da

juventude e da propagação desta como valor positivo, sobretudo no que diz respeito às

aparências (SANT’ANNA,2005). No entender de Debert: a juventude perde conexão com um grupo etário específico e passa a significar um valor que deve ser conquistado e mantido em qualquer idade através da adoção de formas de consumo de bens e serviços apropriados (DEBERT, 2010, p. 51).

Assim, ainda que o grupo de leitoras de Claudia seja composto de mulheres

jovens e maduras, é  a imagem das primeiras que predomina nas páginas da revista, o

que nos sugere que independente da faixa etária, a leitora pode usar roupas e acessórios

que lhe permitirão desfrutar de alguma jovialidade. Entretanto, ainda que a juventude

seja desejada e possa ser “consumida”, as realidades cotidianas dessas mulheres, mesmo

que com corpos e visual juvenil são possivelmente bastante diversas daquela

representada nas imagens, ou seja, a mulher considerada madura (45-64 anos de idade),

deve apresentar determinadas características físicas, principalmente. Características

essas que remetem a uma determinada faixa etária que pode ser considerada mais

jovem, construindo um determinado padrão corporal dessa mulher.

6 Segundo Gilles Lipovestky (1989), tal dinâmica será invertida a partir de meados da década de 1960,

quando as mães passam a se vestir de modo a ficarem parecidas com suas filhas. Sobre o tema ver também (RAINHO, 2012)

O corpo (maduro): significações e representações na mídia

impressa

O corpo, conforme Castilho (2004, p.43),   “[...] é   um dos canais de

materialização do pensamento”. Pode-se afirmar que o corpo constitui-se como

linguagem socioculturalmente construída, pois enuncia e presentifica valores. São

inúmeras as manifestações teóricas a respeito da noção de corpo que “[...] evidenciam

a responsabilidade de permear diferentes pontos de vista a fim de demonstrar a

circulação de posicionamentos e de críticas sobre a imagem do corpo no contexto

contemporâneo”  (GARCIA, 2005, p.2). Aqui, toma-se a noção de corpo como meio de

significação, ou seja, ele é  um corpo cultural, passível de modificação.

A transformação do corpo em algo que pode ser conhecido e mensurável é,

também, sua transformação em algo que pode ser dominado. A dessacralização do

corpo aponta para sua ambiguidade no interior da cultura ocidental: é importante

enquanto fonte de experiência, mas, é, também, o corpo que se desvaloriza na medida

em que se pode mexer nele e alterá-lo (SILVA, 2001, p.12).

Como essa visão surge a perspectiva da “importância do corpo como fonte de

experiência humana no mundo” (SILVA, 2001, p.12), abre-se a possibilidade do

homem interferir nele, de reconstruí-lo e ressignificá-lo. O corpo é o suporte da

identidade do indivíduo, sua personificação no mundo é a estrutura básica que

estabelece as primeiras relações do ser com outras esferas.

Além disso, para Soares (2004), os corpos são educados por todas as realidades

que os circundam, ou seja, por aquilo que rodeia os indivíduos, assim como pelas

relações que se estabelecem nos espaços. A mesma autora diz que os corpos revelam as

imposições que os limites sociais infligem, pois que ele pode ser considerado um retrato

da sociedade (SOARES, 2004).

Há, na maior parte das sociedades contemporâneas, certa ditadura a respeito

dos padrões de beleza, indicando as características que os corpos devem evidenciar,

contudo não se trata de algo recente, pois as normas estéticas corporais vigoram há  

muito tempo.

Na sociedade contemporânea, o culto ao corpo está   cada vez mais presente no

cotidiano das sociedades, reiterando padrões estéticos cada vez mais distantes daqueles

vistos na maioria da população. E essa situação pode revelar grande insatisfação em

relação aos corpos.

Constata-se, também, que muitas revistas, principalmente as femininas, reforçam

determinados padrões, divulgando mensagens e imagens de um ideal corpóreo, que se

caracteriza pelo tipo atlético, com musculatura bem definida, livre de adiposidades.

Além disso, a identidade do corpo feminino corresponde ao equilíbrio entre a tríade

beleza-saúde-juventude, e as mulheres são influenciadas a identificar a beleza de seus

corpos com juventude, a juventude com saúde.  À  mulher, então, é  sugerida a ideia de

que ela tem liberdade para fazer o que quiser de seu corpo, mas, na verdade, o que se vê,

atualmente, é  a necessidade de seguir determinadas regras em relação ao aspecto físico.

E as diferenças físicas, na maior parte das vezes, não são bem vistas na sociedade.

Atualmente, surge outra preocupação em relação à   exposição dos corpos nas

publicações destinadas a mulheres, qual seja, a existência de um grupo de leitoras que

pode ser nomeado como maduro, mas que na maior parte das vezes, não se vê  

representado nessas revistas.

Tal preocupação baseia-se no fato de que a população nacional está  

envelhecendo, e, diante desse envelhecimento, imagens de indivíduos velhos começam

a suscitar reflexões acerca dessas presenças nos mais variados espaços sociais. Tais

reflexões, as quais não são inéditas, pois há vários estudos já  foram realizados sobre a

temática, tem por objetivo identificar, caracterizar e refletir a respeito de uma classe de

indivíduos crescente no país, buscando compreender seus desejos, suas experiências,

seus valores, enfim, aspectos que identifiquem essas pessoas, cuja presença era, até  

pouco tempo, imperceptível nos espaços sociais.

A velhice é   uma temática que foi desvelada por Beauvoir (1970) como um

assunto a ser debatido socialmente, pois os velhos eram condenados ao “silêncio”. E, de

acordo com Debert (2012, p.14), a velhice já  foi considerada, até  a metade do Séc. XIX,

uma fase da vida “caracterizada pela decadência física e ausência de papeis sociais”. E,

nesse momento da vida, o indivíduo passaria por perdas tornando-se mais dependente

de outras pessoas.

Atualmente, a velhice tende a ser vista como uma fase da vida constituída por  

“momentos propícios para novas conquistas, guiadas pela busca do prazer e da

satisfação pessoal”   (DEBERT, 2012, p.14). A autora continua afirmando que, na

velhice, o indivíduo teria a oportunidade de realizar sonhos, novas conquistas, projetos

que já  tinha abandonado, assim como estabelecer relações com indivíduos mais jovens e

também com os mais velhos.

É  possível ver que houve um crescente em oportunidades para a socialização dos

velhos, como escolas de línguas, de informática, atividades físicas, cursos universitários

com entrada facilitada, grupos de convivência, enfim, espaços sociais foram

organizados e oferecidos a esse público que se mostra cada vez mais numeroso nas

sociedades.

Goldenberg (2013) aponta para uma “bela velhice”, ou seja, para indivíduos que,

já  tendo passado dos 60 ou 70 anos mostram-se vigorosos e “sem idade”, pois nos seus

corpos, aparentemente, a idade não se manifestou de maneira cruel. São indivíduos que

mantêm as atividades que exerciam antes de serem considerados velhos, mantendo-se

presentes na sociedade de maneira ativa.

A autora, em outra obra, estabelece uma íntima relação entre a velhice e o corpo,

e aponta ser este um aspecto do indivíduo que recebe muita atenção no Brasil, por seus

habitantes. Segundo Goldenberg (2008), “Há   uma construção cultural do corpo, com

uma valorização de certos atributos e comportamentos em detrimento de outros, fazendo

com que haja um corpo típico para cada sociedade”  (GOLDENBERG, 2008, P. 17).

Atenta a essa alteração da percepção a respeito da velhice, bem como o aumento

da longevidade, Goldani (1999) afirma que, no Brasil, estaria se consolidando um “novo

mapa da vida adulta”. A autora enfatiza a existência da feminilização da velhice, em

virtude do número muito maior de mulheres velhas em relação aos homens.

As autoras citadas desenvolvem seus estudos sobre a velhice, considerando os

indivíduos com 60 anos ou mais, como integrantes da categoria velhos. Para esta

pesquisa, no entanto, optou-se por uma faixa etária anterior, sendo ela aqui nomeada de

“maturidade”, o que Goldani (1999) sugere como a “Idade da Sabedoria”, melhor

dizendo, mulheres que se encontram entre os 45 e os 65 anos.

Desta faixa etária, pouco se tem discutido, talvez pelo fato de serem indivíduos

que já  não são mais jovens, mas ainda não são considerados velhos. E, de acordo com

os dicionários, maturidade é  aquele período da vida compreendido entre a juventude e a

velhice, ou seja, um longo espaço e tempo, no qual os indivíduos podem realizar uma

infinidade de coisas, pois se trata, de, ao menos de um período de 20, 30 anos, mas

ainda considerado um conceito um tanto subjetivo.

Com a intenção de verificar como a mulher madura é   apresentada em uma

revista feminina, optou-se pela análise de imagens encontradas na revista Claudia, no

período de seis meses (janeiro a junho de 2014).

Pode-se observar que nesse período, XXX mulheres consideradas maduras

estiveram na capa da revista. E, no interior da revista pode-se observar presença mais

intensa dessas mulheres, material que servirá  para a presente reflexão.

Ao observar as imagens das mulheres da faixa etária selecionada, pode-se

verificar que são mulheres com aparência jovial, apesar da idade que têm. A figura 1,

por exemplo, apresenta a atriz Regina Casé, de 57 anos.

Figura 1 –  Regina Casé  

Revista Claudia Janeiro 2014 | n°  1 –  ano 53

Pág. 20

Nessa figura, pode-se identificar a presença de uma mulher que, aparentemente,

tem acesso à  condição da beleza, pois é  bela, mesmo na condição do envelhecimento. A

atriz está  bem maquiada, seus cabelos estão bem arrumados, simulando movimento, o

que pode significar certo despojamento, mas com cuidado. Além disso, a atriz veste

uma blusa estampada, com um longo decote, que deixa à  mostra um belo colo. Ela sorri,

e seu sorriso pode significar contentamento com a situação, com sua vida, consigo

mesma, enfim, ela está  feliz, mesmo não sendo mais jovem.

A figura 2 apresenta outra mulher, também na faixa etária dos 50 anos, e esse

indivíduo, da mesma forma que a atriz da figura 1, está   bem vestida, de maneira

despojada e jovial, está   em uma pose descontraída, esboçando um largo sorriso. Seu

aspecto físico não revela, imediatamente, sua idade, somente a reportagem é   quem

informa esse dado. A beleza está  presente nessa mulher, mesmo que a imagem seja um

pouco distante, impossibilitando que se veja a existência de marcas do tempo, e, talvez,

esse seja o segredo dessa beleza, o disfarçar ou evitar mostrar, fisicamente, a velhice.

Figura 2 –  Mulher de 51 anos

Revista Claudia Junho 2014 | n° 6 – ano 53

Pág. 150

As fotografias oferecem a sensação de estar-se frente a mulheres que, mesmo

que não correspondam mais aos padrões de uma beleza juvenil (baseados no equilíbrio

entre a tríade beleza-saúde-juventude) são oferecidas a nossa percepção como tendo

rostos muito mais belos do que sua idade/tempo permitiria representar. O fato de serem

apresentadas em fotografias com intenso tratamento técnico, mesmo que objetivamente

exponha de maneira mais evidente a intervenção sobre imperfeições dessas mulheres,

reforça a capacidade técnica da revista em criar belas imagens; o leitor é  lançado diante

de um jogo entre a beleza das mulheres e a beleza criada tecnicamente, ou seja, o que é  

belo o é  porque nós o fazemos belo –  importante mágica midiática de valoração do seu

produto.

A figura 3 apresenta uma mulher de 57 anos, mas que evidentemente não

representa essa idade, pois sua aparência é   jovial, e, evidentemente observa-se a

preocupação com a aparência, vista nos cabelos bem arrumados, na maquiagem bem

feita, bem como nas suas vestimentas.

Figura 3 –  Mulher de 57 anos

Revista Claudia, março 2014 | n°  3 –  ano 53

Pág. 127 É  possível afirmar que essas imagens cumprem importante função para orientar

interpretações sobre o ideal socialmente esperado –   qual seja, são mulheres perto ou

com mais de 50, sobre as quais era de se esperar rugas, mas temos beleza, era de esperar

apenas mães-donas-de-casa, mas temos mães- profissionais autônomas de sucesso!!!!

Tem-se, então, que os elementos indiciais das imagens vinculam-se a sua força

icônica, agindo como amplificadores da qualidade beleza e conduzem um processo

interpretativo que vincula tais imagens a símbolos sociais destacados pela revista, como

sucesso profissional, por exemplo. Tem, então, que a idade sobre a qual não se deve

falar (por convenção social), fala-se justamente para sustentar e reforçar as conquistas

sociais dessas mulheres: as mulheres fotografadas, ao terem sua idade revelada

assumem, também, função de índices de sucesso, de beleza, pois sabemos seu nome e

idade, conferindo, assim, realidade e cotidianidade àquelas mulheres da fotografia. A

idade é   o elemento objetivo para efetivamente fortalecer a confiança no alcance da

verdade sob o sucesso conquistado por essas mulheres; é   elemento cuja força de

convencimento está  em revelar a experiência e as histórias vividas.

Figura 4 Mulheres de 52 anos e 47 anos

Fonte: Revista Claudia, Abril 2014 | n°  4 –  ano 53

Pág. 157-158

Outro componente indicial importante que merece atenção é  o modo como se

vestem essas mulheres: replicam um modelo de beleza, ou seja, as mulheres, como as da

figura 4. Ambas as mulheres vestem roupas coloridas, com bom corte, ou seja, servem

bem aos corpos femininos, evitando, de certa forma a evidência de corpos fora de

forma, valorizando partes do corpo que estão em “forma”   braços, colo, pescoço, os

cabelos estão bem arrumados e maquiagem bem feita. Observa-se, também o sorriso

evidente dessas mulheres, indicando satisfação com suas vidas, ou seja, representam

mulheres de bem com essa fase de suas vidas.

Esse estudo confirma as análises já   realizadas por Dulcilia Buitoni (1981), de

que as mulheres brasileiras que aparecem nas revistas estão descaracterizadas, sendo

apresentadas como modelos similares às publicações norte-americanas ou europeias. É  apenas a mulher moderna, feliz em cumprir seus papéis predeterminados com a ajuda dos bens que a civilização proporciona. A mulher é  pasteurizada, universalizada, em nome do consumo [...] a mulher branca, sorridente é  rótulo e marca do produto chamado imprensa feminina. Verdadeira mulher de papel, que conversa fracos pontos de contato com a realidade. Num país de mestiços, a negra raramente surge em revistas femininas, a não ser como manequim exótico. Do mesmo modo, com toda a colônia japonesa que possuímos, a oriental também não tem vez (BUITONI, 1981: 142).

As mulheres representadas nas revistas, apesar de se classificarem apenas no

padrão da mídia, deixando de lado todas as inúmeras etnias presentes na cultura do povo

brasileiro, cumprem um papel de autoconhecimento na vida das leitoras. É  através dos

conteúdos e das personalidades mostradas na revista que ela se reconhece e desenvolve

uma identidade (LIPOVETSKY, 2000).

A figura 5 pode evidenciar tal identidade, pois são mulheres na faixa dos 60

anos, que, apesar de terem suas imagens em preto e branco, pouco mostram o que se

esperaria de uma mulher nessa faixa etária, ou seja, seus rostos têm poucas marcas do

tempo. Além disso, ressalta a ideia da presença da felicidade na vida dessas mulheres,

pois ambas estampam grandes sorrisos.

Figura 5 –  Mulheres de 60 e 62 anos

 Fonte: Revista Claudia, maio 2014 | n°  5 –  ano 53

Pág. 148

Ao/a leitor/a, é  apresentado/a pela revista um padrão de mulher, tanto as imagens

quanto os textos verbais, apontam para uma estética mágica, artificial, mas que

sinalizam, como um belo mapa, para as condições, reais, possíveis de existirem na vida

real. Tais recursos conduzem ao questionamento sobre padrão estético atual fundado na

tríade beleza-saúde-juventude e sugere a interpretação de que a verdade sobre a beleza e

sobre a realização profissional é  objetiva e é  justamente a revista quem esta habilidade a

fazer reconhecer, assim qual o caminho para alcançar tais condições... Ela, a revista,

tem a fórmula verdadeiramente eficiente para nos fazer pessoas belas e de sucesso em

nosso cotidiano, mesmo que não estejamos nas capas! Nossos ideais são

compartilhados e os vemos muito bem representados por essa revista; ela efetivamente é  

que sabe de nós, conhece nossos anseios e que nos traduz e nos representa em suas belas

capas.

Ao analisar as páginas das edições do primeiro semestre de 2013, pode-se

identificar que os componentes visuais e textuais contribuem para que a leitora conclua

sobre a importância da independência e autonomia para as conquistas das mulheres,

especialmente com relação aos temas da Carreira (Sucesso profissional e desafios

profissionais); da Beleza (A eterna juventude e a beleza); da Família (Maternidade,

filhos); da Realização afetiva (namoro e casamento) e da Postura e comportamento

social marcado pelo que podemos denominar de mito da leveza (organização, força,

energia, carisma, divertidas e talentosas).

Considerações finais  Contemporaneamente, a mídia desempenha papel preponderante nos processos

de construção de discursos através dos quais compomos nossas identidades (identidades

mediadas).

Do ponto de vista do discurso da revista, a sua força depende do acionamento de

um sentimento de confiança e, para isso, a importância de índices de qualidade que

acionam esse sentimento tais como as imagens fotográficas, as legendas e frases

pinçadas das reportagens de capa e que traduzem diferentes ideários sociais. Esse

sentimento de confiança que as leitoras vão depositar na revista funciona, tanto pelo

argumento em torno dos conteúdo/temas em si, mas principalmente pelos sentimentos

associados a esses conteúdos: sentimento do que é  belo, do que é  bom e desejável à  

condição do ser mulher. Temos que, desde o discurso midiático esses valores são

igualmente transferidos ao “produto-revista”.

Entende-se que nesse processo de representação, portanto de assimilação da

cotidianidade aos processos midiáticos, as revistas se colocam como fontes

interpretativas; dito de outro modo, a partir dessas representações é  que ocorrerão as

interpretações que as leitoras farão sobre as suas próprias realidades. Importante

portanto, é  perceber que nessa relação entre leitor e revista funda-se um sentimento de

autonomia de pensamento, sem que se perceba que essa interpretação não foi produzida

exclusivamente pelo/a leitor/a (por sua autonomia de pensamento), mas foi produzida

pela relação desse/a leitor/a com o “outro-midiático”, no caso, o discurso da Revista.

Pode-se observar que a revista buscou trazer em suas edições, mulheres

sofisticadas de diferentes “personalidades”   (porém sem preocupação de compor

diversidade étnica); tal diversidade de beleza feminina, no entanto, corresponde a um

padrão homogêneo ao que ser refere aos estilos de vida: autonomia, independência e

sofisticação no consumo. Dessa forma, Claudia busca criar uma ligação mais estreita

com a leitora.

A revista Claudia e suas imagens das mulheres maduras, respondem a

convenções sociais cuja condição de realização está  condicionada a sua midiatização,

portanto, afinadas aos seus interesses comerciais (destinado ao público consumidor

feminino). Não é, portanto, objeto/função da revista compor a identidade feminina ou

representar “a”  mulher brasileira como um todo, mas de reunir elementos capazes de

simbolizar, através dessas mulheres inventadas (personas), um conjunto de valores

(estéticos, morais) que no ato do reconhecimento pelas mulheres leitoras (pessoas

comuns), fazem únicos os seus e os valores da própria revista. Nessa “colagem”   (ou

amálgama de valores) tem-se reforçados, num só  tempo, tanto o seu desejo pelo valores

enunciados, quanto o desejo pela revista que os enuncia e torna possível o

compartilhamento de valores e gostos como se fossem os meus valores e os meus

gostos. Essa condição criada na relação leitora-revista é  que funda uma representação

das minhas vontades de realização (e não apenas a revista cria essa representação desde

sua lógica exclusiva). Nessa condição, simultaneamente se capitalizam simbolicamente

uma dada identidade feminina e a revista-produto midiático.

Conclui-se, então, que a revista Claudia retrata a mulher madura em suas

páginas acionado por motivos comerciais, mas o faz de forma a dotar de

significado/valores que encontram correspondência entre o público feminino

consumidor; nesses termos empresta sentido a valores que necessariamente serão

identificados e reconhecidos por qualquer leitora e que por isso comprará  a revista.

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