O corpo da mulher madura na mídia impressa feminina1 2
ARAUJO, Denise Castilhos de (Doutora em Comunicação Social) Universidade
Feevale/RS 3 KUHN JUNIOR, Norberto. (Doutor em Comunicação Social) Unisinos/RS.4
BRIXNER, Maíra. (Grduanda de Relações Públicas, bolsista de iniciação científica FAPERGS) Universidade Feevale/RS5
Resumo: Este artigo propõe a reflexão a respeito da presença da mulher Madura (45 a 65 anos) na revista feminina Claudia. Justifica-se essa escolha pelo fato de que as revistas acompanham o universo das mulheres desde o Século XVII, considerando a produção mundial desses periódicos, e, desde o Século XIX, levando-se em conta o mercado brasileiro de publicações. Este texto parte da seguinte problemática: qual é a imagem da mulher de 45 a 65 anos veiculada nas páginas de uma revista feminina? A partir desse problema, objetiva-se verificar como essas mulheres, aqui tratadas por Maduras são apresentadas na Revista Claudia, constituindo-se, assim, como uma possível representação midiática dessa categoria de indivíduos. Palavras-chave: Mídia impressa; Mulheres maduras; Revista Claudia; Representação.
Revista feminina
O mercado de revistas brasileiro deve ser considerado importante, pois,
atualmente, circulam cerca de quatro mil títulos de periodicidades semanal, quinzenal e
mensal, de acordo com o site da Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER).
A estratégia principal desse mercado é a segmentação, uma vez que apresenta
revistas direcionadas para públicos muito específicos, seja por gênero, idade, assuntos
de interesse ou comportamento, ou até todos esses fatores reunidos. Dentre os diversos
segmentos, o dedicado ao público feminino é um dos mais tradicionais e com maior
variedade de títulos.
A revista é um meio de comunicação com algumas vantagens sobre os outros: é
portátil, fácil de usar e oferece grande quantidade de informação por um custo pequeno
1 Trabalho apresentado no GT História da Mídia Impressa, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015. 2 Pesquisa com apoio do CNPq. 3 Doutora em Comunicação Social, professora e pesquisadora da Universidade Feevale. Email: [email protected]. 4 Doutor em Comunicação Social, professor e pesquisador da Universidade Feevale. Email: [email protected]
5 Acadêmica de Relações Públicas, bolsistas de IC da Fapergs. Email: [email protected]
(ALI, 2009). Sabe-se, também, que a revista, diferentemente de um jornal, tem uma
vida útil maior para seus leitores, pois possibilita a leitura ao longo do mês inteiro.
Além disso “a revista é a mídia mais feminina que existe”( MIRA, 2001, p. 43).
Buitoni (1990) afirma que desde que a imprensa surgiu no Ocidente, no fim do
século XVII, já havia veículos dedicados à mulher. A autora também afirma que a
imprensa feminina é um “termômetro de época”. “Cada novidade é imediatamente
incorporada, desenvolvida e disseminada. A movimentação social mais significativa
também vai sendo registrada” (BUITONI, 1990, p. 24).
No Brasil, o mercado e a produção de revistas femininas existe desde meados do
século XIX, quando passaram a ser publicadas aqui “O espelho diamantino (RJ, 1827),
O espelho das brasileiras (Recife, 1831), O relator das novelas (Recife, 1838), O
Correio de Modas (RJ, 1839) ou o Jornal das Senhoras (RE, 1852)” (LUCA, 2012, p.
447).
Durante muito tempo, a leitura foi um dos principais lazeres femininos,
incluindo-se aí as revistas que podiam ser consultadas “entre o preparo das refeições e
praticamente em qualquer lugar com luz suficiente” (MIGUEL; RIAL, 2012, p. 151). De
modo geral, a leitura de revistas era um lazer aceitável, pois era possível de ser fruído
dentro de casa, espaço por muito tempo associado ao feminino, e que deveria ser
cuidado e administrado pela dona de casa (BONADIO, 2007).
Assim, a revista feminina recebeu um papel de companheira para as mulheres,
pois tempos atrás, ela dava conselhos de comportamento (alguns em tom de obrigação)
e tirava dúvidas que não poderiam ser obtidas com pessoas próximas, por vergonha ou
medo de repreensão. Ainda hoje, ela é mais do que um entretenimento para a mulher,
uma vez que também é fonte de informações acerca dos mais variados assuntos,
mantendo, por vezes, o papel de conselheira. “Ninguém precisa de uma revista, mas
todos precisam de amigos. A revista é como uma pessoa, um companheiro que está lá
para levar-lhe informação e ajuda” (ALI, 2009, p. 19).
A partir da percepção da revista como uma amiga da mulher surgiram na Europa
da década de 1930, os primeiros títulos com nomes femininos, dentre as quais Marie
Claire (França, 1937). No Brasil, essa tendência chegou em 1961, quando houve o
lançamento de Claudia pela Editora Abril.
As publicações direcionadas às mulheres, na maior parte das vezes, trazem
conteúdos entendidos como “naturalmente” constitutivos do “universo feminino (lar,
beleza, questões do coração, família)”. A partir da década de 1970, como consequência
das transformações culturais e sociais que emergiram naquele período histórico, como a
liberação feminina e uma maior participação da mulher no mercado de trabalho, viu-se a
presença de “questões ligadas à atividade profissional e, sobretudo ao sexo” (LUCA,
2012, p. 449) ganhando mais espaço nas revistas desse segmento.
Mesmo mulheres consideradas modelo de beleza, costumam desaparecer das
páginas das revistas quando passam dos 40 anos, como aconteceu com a atriz Isabela
Rosselini que em 1996, ao completar 44 anos perdeu o contrato com a marca de
cosméticos Lancôme e foi substituída por três rostos mais jovens, a atriz francesa
Juliette Binoche, a brasileira Cristina Reali e a espanhola Inès Sastre, respectivamente
com 32, 31 e 23.
As exceções são algumas propagandas de cosméticos, que na contramão da ação
da marca francesa, passaram a apresentar mulheres maduras ou da terceira idade em
algumas campanhas, como a brasileira Natura, que em 2007 lançou uma campanha
estrelada por mulheres acima dos 40 para a linha de anti-rugas Chronos.
No entender de Anne Higonnet Ser modelo feminino para estas imagens é o ser mais glorificado entre os bens de consumo. Simultaneamente objecto de adulação das mulheres e exploração comercial, os modelos reforçam e ao mesmo tempo servem aos padrões de beleza.” (HIGONNET, 1991, p. 418-419) .
Assim, as modelos que aparecem nas páginas de Claudia (e de tantas outras
revistas do gênero) seguem e reforçam a ideia de que para ser belo, é preciso ser jovem,
ou ter uma aparência jovial.
Assim, vê-se na revista a predominância de uma visualidade jovem,
especialmente através das imagens de moda. Essa predominância da mulher jovem ou
com ares juvenis nas revistas femininas, não é novidade. Desde o início do século XX,
atrizes, modelos e mesmo ilustrações que representam as jovens mulheres são maioria
nessas publicações há, entretanto, uma diferença a ser notada: até a década de 1950, de
modo geral a mulher apresentada nas seções de moda era aquela considerada madura
para a época, ou seja, a mulher casada e com mais de 20 anos. Na revista O Cruzeiro,
por exemplo, as mulheres representadas por Alceu Penna na seção “Garotas”, como o
nome já indica, tinham ares joviais e apareciam em poses descontraídas, ao passo que
aquelas que desenhava para a coluna de moda da mesma publicação tinham semblante
mais sério e costumeiramente apareciam em poses mais comportadas, tal como era
apropriado às mulheres maduras. Havia a mulher madura que ditava a moda, e a
mocinha, que de modo geral, a imitava.6
A partir da segunda metade da década de 1950, e, sobretudo dos anos 1960 os
jovens tornaram-se, em grande parte do mundo ocidental, um importante grupo
consumidor (rapidamente reconhecido por agências publicitárias e por agentes da
indústria cultural – como o cinema e a música) e assim ganham cada vez mais espaço
nos meios de comunicação e na moda (HOBSBAWM, 1995; PASSERINI, 1996;
ZIMMERMANN, 2013).
Esse fenômeno pode ser justificado em decorrência da ampliação do período da
juventude e da propagação desta como valor positivo, sobretudo no que diz respeito às
aparências (SANT’ANNA,2005). No entender de Debert: a juventude perde conexão com um grupo etário específico e passa a significar um valor que deve ser conquistado e mantido em qualquer idade através da adoção de formas de consumo de bens e serviços apropriados (DEBERT, 2010, p. 51).
Assim, ainda que o grupo de leitoras de Claudia seja composto de mulheres
jovens e maduras, é a imagem das primeiras que predomina nas páginas da revista, o
que nos sugere que independente da faixa etária, a leitora pode usar roupas e acessórios
que lhe permitirão desfrutar de alguma jovialidade. Entretanto, ainda que a juventude
seja desejada e possa ser “consumida”, as realidades cotidianas dessas mulheres, mesmo
que com corpos e visual juvenil são possivelmente bastante diversas daquela
representada nas imagens, ou seja, a mulher considerada madura (45-64 anos de idade),
deve apresentar determinadas características físicas, principalmente. Características
essas que remetem a uma determinada faixa etária que pode ser considerada mais
jovem, construindo um determinado padrão corporal dessa mulher.
6 Segundo Gilles Lipovestky (1989), tal dinâmica será invertida a partir de meados da década de 1960,
quando as mães passam a se vestir de modo a ficarem parecidas com suas filhas. Sobre o tema ver também (RAINHO, 2012)
O corpo (maduro): significações e representações na mídia
impressa
O corpo, conforme Castilho (2004, p.43), “[...] é um dos canais de
materialização do pensamento”. Pode-se afirmar que o corpo constitui-se como
linguagem socioculturalmente construída, pois enuncia e presentifica valores. São
inúmeras as manifestações teóricas a respeito da noção de corpo que “[...] evidenciam
a responsabilidade de permear diferentes pontos de vista a fim de demonstrar a
circulação de posicionamentos e de críticas sobre a imagem do corpo no contexto
contemporâneo” (GARCIA, 2005, p.2). Aqui, toma-se a noção de corpo como meio de
significação, ou seja, ele é um corpo cultural, passível de modificação.
A transformação do corpo em algo que pode ser conhecido e mensurável é,
também, sua transformação em algo que pode ser dominado. A dessacralização do
corpo aponta para sua ambiguidade no interior da cultura ocidental: é importante
enquanto fonte de experiência, mas, é, também, o corpo que se desvaloriza na medida
em que se pode mexer nele e alterá-lo (SILVA, 2001, p.12).
Como essa visão surge a perspectiva da “importância do corpo como fonte de
experiência humana no mundo” (SILVA, 2001, p.12), abre-se a possibilidade do
homem interferir nele, de reconstruí-lo e ressignificá-lo. O corpo é o suporte da
identidade do indivíduo, sua personificação no mundo é a estrutura básica que
estabelece as primeiras relações do ser com outras esferas.
Além disso, para Soares (2004), os corpos são educados por todas as realidades
que os circundam, ou seja, por aquilo que rodeia os indivíduos, assim como pelas
relações que se estabelecem nos espaços. A mesma autora diz que os corpos revelam as
imposições que os limites sociais infligem, pois que ele pode ser considerado um retrato
da sociedade (SOARES, 2004).
Há, na maior parte das sociedades contemporâneas, certa ditadura a respeito
dos padrões de beleza, indicando as características que os corpos devem evidenciar,
contudo não se trata de algo recente, pois as normas estéticas corporais vigoram há
muito tempo.
Na sociedade contemporânea, o culto ao corpo está cada vez mais presente no
cotidiano das sociedades, reiterando padrões estéticos cada vez mais distantes daqueles
vistos na maioria da população. E essa situação pode revelar grande insatisfação em
relação aos corpos.
Constata-se, também, que muitas revistas, principalmente as femininas, reforçam
determinados padrões, divulgando mensagens e imagens de um ideal corpóreo, que se
caracteriza pelo tipo atlético, com musculatura bem definida, livre de adiposidades.
Além disso, a identidade do corpo feminino corresponde ao equilíbrio entre a tríade
beleza-saúde-juventude, e as mulheres são influenciadas a identificar a beleza de seus
corpos com juventude, a juventude com saúde. À mulher, então, é sugerida a ideia de
que ela tem liberdade para fazer o que quiser de seu corpo, mas, na verdade, o que se vê,
atualmente, é a necessidade de seguir determinadas regras em relação ao aspecto físico.
E as diferenças físicas, na maior parte das vezes, não são bem vistas na sociedade.
Atualmente, surge outra preocupação em relação à exposição dos corpos nas
publicações destinadas a mulheres, qual seja, a existência de um grupo de leitoras que
pode ser nomeado como maduro, mas que na maior parte das vezes, não se vê
representado nessas revistas.
Tal preocupação baseia-se no fato de que a população nacional está
envelhecendo, e, diante desse envelhecimento, imagens de indivíduos velhos começam
a suscitar reflexões acerca dessas presenças nos mais variados espaços sociais. Tais
reflexões, as quais não são inéditas, pois há vários estudos já foram realizados sobre a
temática, tem por objetivo identificar, caracterizar e refletir a respeito de uma classe de
indivíduos crescente no país, buscando compreender seus desejos, suas experiências,
seus valores, enfim, aspectos que identifiquem essas pessoas, cuja presença era, até
pouco tempo, imperceptível nos espaços sociais.
A velhice é uma temática que foi desvelada por Beauvoir (1970) como um
assunto a ser debatido socialmente, pois os velhos eram condenados ao “silêncio”. E, de
acordo com Debert (2012, p.14), a velhice já foi considerada, até a metade do Séc. XIX,
uma fase da vida “caracterizada pela decadência física e ausência de papeis sociais”. E,
nesse momento da vida, o indivíduo passaria por perdas tornando-se mais dependente
de outras pessoas.
Atualmente, a velhice tende a ser vista como uma fase da vida constituída por
“momentos propícios para novas conquistas, guiadas pela busca do prazer e da
satisfação pessoal” (DEBERT, 2012, p.14). A autora continua afirmando que, na
velhice, o indivíduo teria a oportunidade de realizar sonhos, novas conquistas, projetos
que já tinha abandonado, assim como estabelecer relações com indivíduos mais jovens e
também com os mais velhos.
É possível ver que houve um crescente em oportunidades para a socialização dos
velhos, como escolas de línguas, de informática, atividades físicas, cursos universitários
com entrada facilitada, grupos de convivência, enfim, espaços sociais foram
organizados e oferecidos a esse público que se mostra cada vez mais numeroso nas
sociedades.
Goldenberg (2013) aponta para uma “bela velhice”, ou seja, para indivíduos que,
já tendo passado dos 60 ou 70 anos mostram-se vigorosos e “sem idade”, pois nos seus
corpos, aparentemente, a idade não se manifestou de maneira cruel. São indivíduos que
mantêm as atividades que exerciam antes de serem considerados velhos, mantendo-se
presentes na sociedade de maneira ativa.
A autora, em outra obra, estabelece uma íntima relação entre a velhice e o corpo,
e aponta ser este um aspecto do indivíduo que recebe muita atenção no Brasil, por seus
habitantes. Segundo Goldenberg (2008), “Há uma construção cultural do corpo, com
uma valorização de certos atributos e comportamentos em detrimento de outros, fazendo
com que haja um corpo típico para cada sociedade” (GOLDENBERG, 2008, P. 17).
Atenta a essa alteração da percepção a respeito da velhice, bem como o aumento
da longevidade, Goldani (1999) afirma que, no Brasil, estaria se consolidando um “novo
mapa da vida adulta”. A autora enfatiza a existência da feminilização da velhice, em
virtude do número muito maior de mulheres velhas em relação aos homens.
As autoras citadas desenvolvem seus estudos sobre a velhice, considerando os
indivíduos com 60 anos ou mais, como integrantes da categoria velhos. Para esta
pesquisa, no entanto, optou-se por uma faixa etária anterior, sendo ela aqui nomeada de
“maturidade”, o que Goldani (1999) sugere como a “Idade da Sabedoria”, melhor
dizendo, mulheres que se encontram entre os 45 e os 65 anos.
Desta faixa etária, pouco se tem discutido, talvez pelo fato de serem indivíduos
que já não são mais jovens, mas ainda não são considerados velhos. E, de acordo com
os dicionários, maturidade é aquele período da vida compreendido entre a juventude e a
velhice, ou seja, um longo espaço e tempo, no qual os indivíduos podem realizar uma
infinidade de coisas, pois se trata, de, ao menos de um período de 20, 30 anos, mas
ainda considerado um conceito um tanto subjetivo.
Com a intenção de verificar como a mulher madura é apresentada em uma
revista feminina, optou-se pela análise de imagens encontradas na revista Claudia, no
período de seis meses (janeiro a junho de 2014).
Pode-se observar que nesse período, XXX mulheres consideradas maduras
estiveram na capa da revista. E, no interior da revista pode-se observar presença mais
intensa dessas mulheres, material que servirá para a presente reflexão.
Ao observar as imagens das mulheres da faixa etária selecionada, pode-se
verificar que são mulheres com aparência jovial, apesar da idade que têm. A figura 1,
por exemplo, apresenta a atriz Regina Casé, de 57 anos.
Figura 1 – Regina Casé
Revista Claudia Janeiro 2014 | n° 1 – ano 53
Pág. 20
Nessa figura, pode-se identificar a presença de uma mulher que, aparentemente,
tem acesso à condição da beleza, pois é bela, mesmo na condição do envelhecimento. A
atriz está bem maquiada, seus cabelos estão bem arrumados, simulando movimento, o
que pode significar certo despojamento, mas com cuidado. Além disso, a atriz veste
uma blusa estampada, com um longo decote, que deixa à mostra um belo colo. Ela sorri,
e seu sorriso pode significar contentamento com a situação, com sua vida, consigo
mesma, enfim, ela está feliz, mesmo não sendo mais jovem.
A figura 2 apresenta outra mulher, também na faixa etária dos 50 anos, e esse
indivíduo, da mesma forma que a atriz da figura 1, está bem vestida, de maneira
despojada e jovial, está em uma pose descontraída, esboçando um largo sorriso. Seu
aspecto físico não revela, imediatamente, sua idade, somente a reportagem é quem
informa esse dado. A beleza está presente nessa mulher, mesmo que a imagem seja um
pouco distante, impossibilitando que se veja a existência de marcas do tempo, e, talvez,
esse seja o segredo dessa beleza, o disfarçar ou evitar mostrar, fisicamente, a velhice.
Figura 2 – Mulher de 51 anos
Revista Claudia Junho 2014 | n° 6 – ano 53
Pág. 150
As fotografias oferecem a sensação de estar-se frente a mulheres que, mesmo
que não correspondam mais aos padrões de uma beleza juvenil (baseados no equilíbrio
entre a tríade beleza-saúde-juventude) são oferecidas a nossa percepção como tendo
rostos muito mais belos do que sua idade/tempo permitiria representar. O fato de serem
apresentadas em fotografias com intenso tratamento técnico, mesmo que objetivamente
exponha de maneira mais evidente a intervenção sobre imperfeições dessas mulheres,
reforça a capacidade técnica da revista em criar belas imagens; o leitor é lançado diante
de um jogo entre a beleza das mulheres e a beleza criada tecnicamente, ou seja, o que é
belo o é porque nós o fazemos belo – importante mágica midiática de valoração do seu
produto.
A figura 3 apresenta uma mulher de 57 anos, mas que evidentemente não
representa essa idade, pois sua aparência é jovial, e, evidentemente observa-se a
preocupação com a aparência, vista nos cabelos bem arrumados, na maquiagem bem
feita, bem como nas suas vestimentas.
Figura 3 – Mulher de 57 anos
Revista Claudia, março 2014 | n° 3 – ano 53
Pág. 127 É possível afirmar que essas imagens cumprem importante função para orientar
interpretações sobre o ideal socialmente esperado – qual seja, são mulheres perto ou
com mais de 50, sobre as quais era de se esperar rugas, mas temos beleza, era de esperar
apenas mães-donas-de-casa, mas temos mães- profissionais autônomas de sucesso!!!!
Tem-se, então, que os elementos indiciais das imagens vinculam-se a sua força
icônica, agindo como amplificadores da qualidade beleza e conduzem um processo
interpretativo que vincula tais imagens a símbolos sociais destacados pela revista, como
sucesso profissional, por exemplo. Tem, então, que a idade sobre a qual não se deve
falar (por convenção social), fala-se justamente para sustentar e reforçar as conquistas
sociais dessas mulheres: as mulheres fotografadas, ao terem sua idade revelada
assumem, também, função de índices de sucesso, de beleza, pois sabemos seu nome e
idade, conferindo, assim, realidade e cotidianidade àquelas mulheres da fotografia. A
idade é o elemento objetivo para efetivamente fortalecer a confiança no alcance da
verdade sob o sucesso conquistado por essas mulheres; é elemento cuja força de
convencimento está em revelar a experiência e as histórias vividas.
Figura 4 Mulheres de 52 anos e 47 anos
Fonte: Revista Claudia, Abril 2014 | n° 4 – ano 53
Pág. 157-158
Outro componente indicial importante que merece atenção é o modo como se
vestem essas mulheres: replicam um modelo de beleza, ou seja, as mulheres, como as da
figura 4. Ambas as mulheres vestem roupas coloridas, com bom corte, ou seja, servem
bem aos corpos femininos, evitando, de certa forma a evidência de corpos fora de
forma, valorizando partes do corpo que estão em “forma” braços, colo, pescoço, os
cabelos estão bem arrumados e maquiagem bem feita. Observa-se, também o sorriso
evidente dessas mulheres, indicando satisfação com suas vidas, ou seja, representam
mulheres de bem com essa fase de suas vidas.
Esse estudo confirma as análises já realizadas por Dulcilia Buitoni (1981), de
que as mulheres brasileiras que aparecem nas revistas estão descaracterizadas, sendo
apresentadas como modelos similares às publicações norte-americanas ou europeias. É apenas a mulher moderna, feliz em cumprir seus papéis predeterminados com a ajuda dos bens que a civilização proporciona. A mulher é pasteurizada, universalizada, em nome do consumo [...] a mulher branca, sorridente é rótulo e marca do produto chamado imprensa feminina. Verdadeira mulher de papel, que conversa fracos pontos de contato com a realidade. Num país de mestiços, a negra raramente surge em revistas femininas, a não ser como manequim exótico. Do mesmo modo, com toda a colônia japonesa que possuímos, a oriental também não tem vez (BUITONI, 1981: 142).
As mulheres representadas nas revistas, apesar de se classificarem apenas no
padrão da mídia, deixando de lado todas as inúmeras etnias presentes na cultura do povo
brasileiro, cumprem um papel de autoconhecimento na vida das leitoras. É através dos
conteúdos e das personalidades mostradas na revista que ela se reconhece e desenvolve
uma identidade (LIPOVETSKY, 2000).
A figura 5 pode evidenciar tal identidade, pois são mulheres na faixa dos 60
anos, que, apesar de terem suas imagens em preto e branco, pouco mostram o que se
esperaria de uma mulher nessa faixa etária, ou seja, seus rostos têm poucas marcas do
tempo. Além disso, ressalta a ideia da presença da felicidade na vida dessas mulheres,
pois ambas estampam grandes sorrisos.
Figura 5 – Mulheres de 60 e 62 anos
Fonte: Revista Claudia, maio 2014 | n° 5 – ano 53
Pág. 148
Ao/a leitor/a, é apresentado/a pela revista um padrão de mulher, tanto as imagens
quanto os textos verbais, apontam para uma estética mágica, artificial, mas que
sinalizam, como um belo mapa, para as condições, reais, possíveis de existirem na vida
real. Tais recursos conduzem ao questionamento sobre padrão estético atual fundado na
tríade beleza-saúde-juventude e sugere a interpretação de que a verdade sobre a beleza e
sobre a realização profissional é objetiva e é justamente a revista quem esta habilidade a
fazer reconhecer, assim qual o caminho para alcançar tais condições... Ela, a revista,
tem a fórmula verdadeiramente eficiente para nos fazer pessoas belas e de sucesso em
nosso cotidiano, mesmo que não estejamos nas capas! Nossos ideais são
compartilhados e os vemos muito bem representados por essa revista; ela efetivamente é
que sabe de nós, conhece nossos anseios e que nos traduz e nos representa em suas belas
capas.
Ao analisar as páginas das edições do primeiro semestre de 2013, pode-se
identificar que os componentes visuais e textuais contribuem para que a leitora conclua
sobre a importância da independência e autonomia para as conquistas das mulheres,
especialmente com relação aos temas da Carreira (Sucesso profissional e desafios
profissionais); da Beleza (A eterna juventude e a beleza); da Família (Maternidade,
filhos); da Realização afetiva (namoro e casamento) e da Postura e comportamento
social marcado pelo que podemos denominar de mito da leveza (organização, força,
energia, carisma, divertidas e talentosas).
Considerações finais Contemporaneamente, a mídia desempenha papel preponderante nos processos
de construção de discursos através dos quais compomos nossas identidades (identidades
mediadas).
Do ponto de vista do discurso da revista, a sua força depende do acionamento de
um sentimento de confiança e, para isso, a importância de índices de qualidade que
acionam esse sentimento tais como as imagens fotográficas, as legendas e frases
pinçadas das reportagens de capa e que traduzem diferentes ideários sociais. Esse
sentimento de confiança que as leitoras vão depositar na revista funciona, tanto pelo
argumento em torno dos conteúdo/temas em si, mas principalmente pelos sentimentos
associados a esses conteúdos: sentimento do que é belo, do que é bom e desejável à
condição do ser mulher. Temos que, desde o discurso midiático esses valores são
igualmente transferidos ao “produto-revista”.
Entende-se que nesse processo de representação, portanto de assimilação da
cotidianidade aos processos midiáticos, as revistas se colocam como fontes
interpretativas; dito de outro modo, a partir dessas representações é que ocorrerão as
interpretações que as leitoras farão sobre as suas próprias realidades. Importante
portanto, é perceber que nessa relação entre leitor e revista funda-se um sentimento de
autonomia de pensamento, sem que se perceba que essa interpretação não foi produzida
exclusivamente pelo/a leitor/a (por sua autonomia de pensamento), mas foi produzida
pela relação desse/a leitor/a com o “outro-midiático”, no caso, o discurso da Revista.
Pode-se observar que a revista buscou trazer em suas edições, mulheres
sofisticadas de diferentes “personalidades” (porém sem preocupação de compor
diversidade étnica); tal diversidade de beleza feminina, no entanto, corresponde a um
padrão homogêneo ao que ser refere aos estilos de vida: autonomia, independência e
sofisticação no consumo. Dessa forma, Claudia busca criar uma ligação mais estreita
com a leitora.
A revista Claudia e suas imagens das mulheres maduras, respondem a
convenções sociais cuja condição de realização está condicionada a sua midiatização,
portanto, afinadas aos seus interesses comerciais (destinado ao público consumidor
feminino). Não é, portanto, objeto/função da revista compor a identidade feminina ou
representar “a” mulher brasileira como um todo, mas de reunir elementos capazes de
simbolizar, através dessas mulheres inventadas (personas), um conjunto de valores
(estéticos, morais) que no ato do reconhecimento pelas mulheres leitoras (pessoas
comuns), fazem únicos os seus e os valores da própria revista. Nessa “colagem” (ou
amálgama de valores) tem-se reforçados, num só tempo, tanto o seu desejo pelo valores
enunciados, quanto o desejo pela revista que os enuncia e torna possível o
compartilhamento de valores e gostos como se fossem os meus valores e os meus
gostos. Essa condição criada na relação leitora-revista é que funda uma representação
das minhas vontades de realização (e não apenas a revista cria essa representação desde
sua lógica exclusiva). Nessa condição, simultaneamente se capitalizam simbolicamente
uma dada identidade feminina e a revista-produto midiático.
Conclui-se, então, que a revista Claudia retrata a mulher madura em suas
páginas acionado por motivos comerciais, mas o faz de forma a dotar de
significado/valores que encontram correspondência entre o público feminino
consumidor; nesses termos empresta sentido a valores que necessariamente serão
identificados e reconhecidos por qualquer leitora e que por isso comprará a revista.
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