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Página 1 04.08.2013 ISSN: 2236-8221 Edição n. 35, de Agosto Vitória da Conquista, Bahia. [email protected] http://www.marcadefantasia.com/o-corpo-e-discurso.htm O corpo é discurso Nesta edição, O Corpo é Discurso apresenta o grupo de pesquisa LINSP - Linguagem, Sociedade e Produção de Conhecimento. Além disso, o corpo traz um artigo escrito pela Profª. Dr. Ivânia dos Santos Neves e pela Mestranda Vívian de Nazareth Santos Carvalho, da Universidade Federal do Pará, um artigo escrito por Gesiel Prado, da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, e um artigo escrito pela Profª Dr. Leticia Tavares de Faria e pelo Prof. Dr. Alexandre Ferreira da Costa, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e da Universidade Federal de Goiás. Ainda, o Corpo inaugura sua seção de crônicas de terror trazendo uma crônica por Daniel Lemos, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. O Corpo é Discurso traz também Pocket Comix por Rena- to Lima, da Escola de Belas Artes - UFRJ, a cobertura dos últimos encontros acontecidos no Seminário “Foucault e o Cinema” e notícias ligadas ao universo acadêmico e da Análi- se do Discurso, no Brasil. ISSN: 2236-8221 EXPEDIENTE DE O CORPO Editores Nilton Milanez George Lima Organizador Nilton Milanez George Lima Bianca Oliveira Editoração eletrônica (MARCA DE FANTASIA) Henrique Magalhães CONSELHO EDITORIAL Dr. Elmo José dos Santos (UFBA) Dra. Flávia Zanutto (UEM) Dra. Ivânia Neves (UFPA) Dra. Ivone Tavares Lucena (UFPB) Dra. Mônica da Silva Cruz (UFMA) Dr. Nilton Milanez (UESB) Dra. Simone Hashiguti (UFU)) Jornal de popularização científica Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco

O Corpo é Discurso – Nº35

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Page 1: O Corpo é Discurso – Nº35

O Corpo

Página 1

04.08.2013

ISSN: 2236-8221

Edição n. 35, de Agosto Vitória da Conquista, Bahia.

[email protected] http://www.marcadefantasia.com/o-corpo-e-discurso.htm

O corpo é discurso

Nesta edição, O Corpo é Discurso apresenta o grupo de pesquisa LINSP - Linguagem,

Sociedade e Produção de Conhecimento. Além disso, o corpo traz um artigo escrito pela

Profª. Dr. Ivânia dos Santos Neves e pela Mestranda Vívian de Nazareth Santos Carvalho,

da Universidade Federal do Pará, um artigo escrito por Gesiel Prado, da Faculdade de

Ciências e Letras de Araraquara, e um artigo escrito pela Profª Dr. Leticia Tavares de

Faria e pelo Prof. Dr. Alexandre Ferreira da Costa, da Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho e da Universidade Federal de Goiás. Ainda, o Corpo inaugura sua

seção de crônicas de terror trazendo uma crônica por Daniel Lemos, da Universidade

Estadual do Sudoeste da Bahia. O Corpo é Discurso traz também Pocket Comix por Rena-

to Lima, da Escola de Belas Artes - UFRJ, a cobertura dos últimos encontros acontecidos

no Seminário “Foucault e o Cinema” e notícias ligadas ao universo acadêmico e da Análi-

se do Discurso, no Brasil.

ISSN: 2236-8221

EXPEDIENTE DE O CORPO

Editores

Nilton Milanez

George Lima

Organizador

Nilton Milanez

George Lima

Bianca Oliveira

Editoração eletrônica

(MARCA DE FANTASIA)

Henrique Magalhães

CONSELHO EDITORIAL

Dr. Elmo José dos Santos

(UFBA)

Dra. Flávia Zanutto (UEM)

Dra. Ivânia Neves

(UFPA)

Dra. Ivone Tavares Lucena (UFPB)

Dra. Mônica da Silva Cruz (UFMA)

Dr. Nilton Milanez

(UESB)

Dra. Simone Hashiguti

(UFU))

Jornal de popularização científica

Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco

Page 2: O Corpo é Discurso – Nº35

Criado em 2009, o LINSP configu-

ra-se como um grupo de natureza trans-

disciplinar, que estuda a linguagem e seu

funcionamento nos diversos espaços de

produção de conhecimento, esse entendido

como um modo de fazer cotidiano

(CERTEAU), tomando referenciais teóricos

do campo de estudos do texto e do discur-

so, bem como da história e da cultura. Está

vinculado ao Núcleo de Leitura Multimeios

e ao Núcleo de Estudos do Sertão, ambos

do Departamento de Letras e Artes, bem

como ao Programa de Pós-graduação em

Estudos Linguísticos (PPGEL) da UEFS.

O LINSP busca o entendimento da

natureza dialógica da linguagem (BAKHTIN)

na sociedade, em seus modos de produzir

conhecimento, em setores diversos, inclu-

indo aqueles distintos das instituições

formais de produção de conhecimento.

Contribui para o fortalecimento de linha de

pesquisa sobre práticas textuais/

discursivas, interface linguagem, cotidiano

e poder, numa perspectiva interdiscipli-

nar/interinstitucional na

UEFS, promovendo discus-

sões acerca da interface

entre estudos da linguagem,

sociedade, cultura e identi-

d ade /s u je i t o (HA LL/

FOUCAULT), com outros

grupos de pesquisa da UFBA (LINCE E

NELT) e UNEB.

Por fim, ressalta-se que o grupo

vem constituindo um banco de dados de

práticas textuais-discursivas, em sua

natureza multimodal/multissemiótica,

que favoreçam o estudo das relações

linguagem, sociedade e produção de co-

nhecimento. Também já realizou duas

edições do SELINSP (Seminário do LINSP),

seminário no qual tanto divulga as produ-

Página 2 O Corpo

Nome das linhas de pesquisa

Práticas textuais-discursivas na mídia

Práticas textuais-discursivas na escola

Práticas textuais-discursivas no cotidiano

Page 3: O Corpo é Discurso – Nº35

ções de sues integrantes, como dialo-

ga com pesquisadores de outras ins-

tituições/grupos de estudo. O grupo

vem sendo divulgado nas redes soci-

ais, nos seguintes endereços:

Groups Yahoo:

https://br.groups.yahoo.com/neo/

groups/linspuefs/info

Facebook:

h t t p s : / / w w w . f a c e b o o k . c o m /

groups/159820727510023/

O grupo está organizando

sua primeira publicação em livro,

com artigos de vários integrantes,

bem como construindo sua página

oficial na internet.

Página 3 O Corpo

Carla Luzia Carneiro Borges é Doutora em Linguística

(UNICAMP), professora Adjunta da Universidade Estadual de Feira de

Santana, atua como docente e vice-coordenadora no Mestrado em Lin-

guagem e Sociedade da UEFS, lidera o LINSP, no Núcleo de Leitura Mul-

timeios, é coordenadora do Programa de Pós-graduação

(Especialização) em Estudos Linguísticos e Literários. Currículo Lattes: Clique Aqui!

Clovis Frederico Ramaiana Moraes Oliveira é Doutorado

em História (UNB), professor da Universidade do Estado da Bahia

(UNEB) , atua como colaborador do Mestrado em História da Universi-

dade Estadual de Feira de Santana. Currículo Lattes: Clique Aqui!

Pesquisadores Titulação máxima

Carla Luzia Carneiro Borges Doutorado

Clovis Frederico Ramaiana Moraes Olivei-

ra

Doutorado

Graciely Cândido Macêdo Mestrado

Luciana de Araújo Pereira Mestrado

Luziane Amaral de Jesus Mestrado

Úrsula Cunha Anecleto Doutorado

Estudantes Nível de Treinamento

Adriana dos Reis

Agenilda França

Aretuza Pereira dos Santos

Mestranda

Mestranda

Mestranda

Flávia Rodrigues dos Santos Mestranda

Hudson José Soares da Silva Graduação

Mayane Amorim Mestranda

Matheus Santos Oliveira Mestrado

2º SELINSP – Seminário do LINSP

Page 4: O Corpo é Discurso – Nº35

APRESENTAÇÃO

As datas nos levam no tempo e

marcam nosso corpo no espaço. Neste

2014 reafirmamos nossos laços com o

pensamento de Michel Foucault. Pensar

com Foucault e falar a partir de Fou-

cault é ter a oportunidade de compre-

ender que as teorias se movimentam e

os estudiosos circulam. O Colóquio “30

anos com Foucault: Corpo e Heteropi-

as” toma um dos temas do pensador

como problemática. Como se constitu-

em nossos corpos hoje? De que manei-

ra nossos corpos dizem quem somos?

Em que espaços tais corpos se circuns-

crevem? Mais do que a pluralidade em

“corpos” e “espaços” consideramos a

relação corpo-espaço como possibili-

dades inumeráveis de modos de se ver,

de ser e de viver. Essas políticas de

vida e de espaço vão se materializar

por meio da discussão entre Grupos de

Pesquisa em Análise do Discurso no

Brasil que colocam Michel Foucault no

centro de suas discussões. Este Coló-

quio faz parte de uma rede de eventos

no Brasil que se iniciou na UNESP de

Araraquara, passando pela Federal de

Uberlândia, Federal de São Carlos, Fe-

deral do Pará e, agora, na UESB de Vi-

tória da Conquista, na Bahia. Nosso

foco é discutir, em específico, as heter-

ogeneidades do corpo e do espaço co-

mo também, de maneira mais ampla,

acolher trabalhos em andamento nos

domínios do universo dos estudos do

discurso da maneira como o com-

preendemos no Brasil. Este Colóquio é

uma ação dos Projetos de Extensão e

de Pesquisa realizados pelo Laboratório

de Estudos do Discurso e do Corpo, o

Labedisco/CNPq, desenvolvidos na Uni-

versidade Estadual do Sudoeste da Ba-

hia.

TODAS AS INSCRIÇÕES SÃO GRATUI-

TAS

As inscrições se iniciam no dia

14 de setembro e se encerram no dia

04 de novembro de 2014, um mês antes

do evento, visando a publicação dos

trabalhos nos Anais antes do início do

Colóquio “30 anos com Foucault: Corpo

e Heterotopias”.

As formas de participação se

dividem em modalidades de apresenta-

ção de trabalhos e ouvintes.

Modalidade I

Nesta modalidade, recebere-

mos para debate apresentação de

dissertações e teses em andamento. A

habilidade de síntese do participante é

essencial para o bom andamento desta

modalidade. O participante terá cinco

minutos (duas laudas com espaço 1,5)

para apresentar em linhas gerais o

tema de sua pesquisa. Não necessari-

amente a apresentação deve ser lida.

O trabalho já terá sido avaliado pela

leitura do resumo expandido (enviado

para inscrição) por uma bancada de

quatro professores dentre os convida-

dos do Colóquio, em auditório a ser

designado. O debate acontecerá em

grupo após a apresentação de cada

cinco trabalhos. Nosso objetivo é que o

maior número possível de trabalhos

possa ser ouvido por uma grande por-

ção de participantes.

Modalidade II

Nesta modalidade acolhere-

mos trabalhos de Iniciação Científica,

resultados de TCC, trabalhos de Espe-

cialização e apresentação de Projetos

de Extensão/Projetos de Pesquisa em

formato de painel, com ampla divulga-

ção desses trabalhos no Colóquio. A

inscrição deve ser feita mediante re-

sumo expandido.

Página 4 O Corpo

Page 5: O Corpo é Discurso – Nº35

Modalidade III

Desta modalidade participam todos os ouvintes no Colóquio sem apresentação de trabalho.

De 04 de setembro a 04 de novembro (uma vez que o caderno de resumo estará disponível online até, pelo menos,

um dia antes da data do evento)

PROFESSORES PARTICIPANTES

Página 5 O Corpo

Page 6: O Corpo é Discurso – Nº35

Introdução

Em nossa pesquisa de Mestra-

do, desenvolvida no Programa de Pós-

Graduação Comunicação, Cultura e Amazô-

nia, na Universidade Federal do Pará, anali-

samos a circulação de discursos sobre as

sociedades indígenas nas teledramaturgi-

as brasileiras. Tomamos o estudo dessas

ficções televisivas em uma perspectiva

histórica com base foucaultina, o que sig-

nifica que atribuímos o aparecimento de

discursos sobre as sociedades indígenas

nestas produções às condições de possibi-

lidades históricas.

Entendemos a teledramaturgia

brasileira como produções híbridas que

estabelecem um intercâmbio entre vários

campos, como o cinema, o teatro, o rádio,

e demais categorias televisivas (MALCHER,

2009) e que tem na telenovela o seu prin-

cipal expoente.

A telenovela é o produto de

maior rentabilidade e popularidade da tele-

visão brasileira (MALCHER, 2009) e um dos

mais importantes espaços de problemati-

zação do Brasil (LOPES, 2009). De acordo

com Lopes (2009) a telenovela consegue,

como nenhum outro produto televisivo,

discutir tanto as intimidades privadas co-

mo os problemas públicos. Mais do que nos

telejornais “é nas telenovelas que o país se

relata e se deixa ver” (MARTIN-BARBERO,

2001, p.161).

As telenovelas fazem parte da

matriz cultural brasileira e, como produtos

inseridos na história do país, essas produ-

ções não podem falar de qualquer coisa

em qualquer lugar, portanto “o que nos

interessa é saber o que torna possível uma

escolha e não outra, é determinar por que

foi possível empregar um conjunto de

relações no lugar de outro” (MILANEZ,

2006, p.26).

Diante do grande número de

telenovelas que foram exibidas desde 1963

– ano em que as telenovelas começaram a

ser diárias – até os dias atuais, foram

poucas as produções que trouxeram per-

sonagens indígenas em papéis de desta-

ques. Em nossa pesquisa, identificamos

três momentos da história do Brasil que

legitimaram a irrupção de discursos so-

bre as sociedades indígenas nas teleno-

velas brasileiras: o final da década de

1970, a virada para o século XXI e o mo-

mento atual.

1. Os anos 70 e a telenovela Aritana

Nos anos de 1970, a Ditadura

Militar, a construção de rodovias, a Guer-

rilha do Araguaia e a homologação do

Parque do Xingu - a primeira terra indíge-

na homologada pelo governo federal -

faziam parte do contexto histórico brasi-

leiro e repercutiam nos diferentes veícu-

los de comunicação. Esse momento histó-

rico, em que discursos sobre as políticas

voltadas para as sociedades indígenas

Página 6 O Corpo

Abertura Telenovela “Aritana”

Page 7: O Corpo é Discurso – Nº35

ganhavam destaque, permitiu que uma

telenovela que teve como protagonista

um personagem indígena fosse exibida. A

telenovela “Aritana”, de autoria de Ivani

Ribeiro, exibida em 1978, pela TV Tupi,

levou para a televisão brasileira, através

do personagem indígena Aritana (Carlos

Alberto Riccelli), a discussão sobre a

importância da homologação de terras

em favor dos povos indígenas.

1.1. Os 500 anos da chegada dos euro-

peus ao Brasil

Já no ano 2000, personagens

indígenas novamente ganharam papéis de

destaque em várias produções televisi-

vas: a telenovela “Uga Uga” (2000) teve

como protagonista o personagem indíge-

na Tatuapu (Cláudio Henrich) e as minis-

séries “A invenção do Brasil” (2000) e “A

Muralha” (2000), ao abordarem a época

da chegada dos europeus ao Brasil, trou-

xeram vários personagens indígenas em

papéis de destaque.

Entendemos que o apareci-

mento de diferentes discursos sobre as

sociedades indígenas, com suas regulari-

dades e dispersões, naquele momento

histórico, foi possível, em grande medida,

porque no ano 2000, o país comemorava

os 500 anos da “chegada” dos europeus

ao Brasil. Esta data marcante para o país

repercutia em diferentes materialidades

midiáticas, entre elas, na teledramaturgia

brasileira. E era impossível falar da época

dos descobrimentos sem falar das socie-

dades indígenas que já habitavam o país.

Falar dos 500 anos de Brasil é contar a

história do contato entre indígenas e euro-

peus.

1.2. A Usina Hidrelétrica de Belo Monte e

a indígena vilã de “Araguaia”

Atualmente, o Brasil vive um

novo momento histórico: as discussões

sobre a construção da Usina Hidrelétrica

de Belo Monte geram inúmeras críticas e

manifestações tanto da população quanto

de organizações voltadas para a defesa

dos direitos humanos de sociedades indí-

genas. As críticas estampam os jornais

impressos, os noticiários televisivos e,

principalmente, repercutem nas redes

sociais. É neste contexto histórico que

surge, em 2010, a telenovela “Araguaia”,

que trouxe como vilã da trama a persona-

gem indígena Estela (Cléo Pires).

Entendemos que estas teleno-

velas e minisséries que trouxeram perso-

nagens indígenas em suas tramas foram

exibidas devido às condições de possibili-

dades históricas propiciadas por esses

três momentos vividos no Brasil. Como

explica Foucault (2008), ao fazermos um

estudo arqueológico, não devemos ater-

nos somente na descrição de um aconte-

cimento discursivo, mas, sim, nos pergun-

tar: por que apareceu um determinado

enunciado e não outro em seu lugar?

(Foucault, 2008). “Por que estes

[discursos] e não outros? Seria necessá-

rio encontrar a lei de todas essas enunci-

ações diversas e o lugar de onde

vêm” (FOUCAULT, 2008, p. 56).

2. Personagens indígenas – Regulari-

dades e dispersões

A irrupção de discursos sobre

os povos indígenas na teledramaturgia

brasileira traduz acontecimentos que se

projetaram na história brasileira, na con-

temporaneidade e sua descontinuidade.

Os discursos que aparecem nestas produ-

Página 7 O Corpo

Cena da telenovela “Aritana”

Page 8: O Corpo é Discurso – Nº35

ções filiam-se a rede de memórias, que

retomam acontecimentos do passado,

atualizam-se e se projetam no futuro.

Embora essas telenovelas e

minisséries que trazem personagens

indígenas em suas tramas apresentem

formatos diferentes, tenham sido escri-

tas por autores diferentes e exibidas em

épocas distintas, há regularidades e dis-

persões na construção das identidades

desses personagens indígenas. Essas

regularidades e dispersões se filiam a

uma rede de memória e pertencem a uma

formação discursiva sobre como são as

identidades dos sujeitos indígenas brasi-

leiros. De acordo com Foucault:

Todo enunciado é portador de

uma certa regularidade e não

pode dela ser dissociado. Não

se deve, portanto, opor a regu-

laridade de um enunciado a

irregularidade de outro [...] mas

sim a outras regularidades que

caracterizam outros enuncia-

dos (FOUCAULT, 2008, p. 165).

Uma das regularidades entre os

personagens indígenas que são exibidos

nas telenovelas brasileiras é a “fala errada

da língua portuguesa”. O personagem Ari-

tana, da telenovela “Aritana”, exibida em

1978, apresenta uma maneira de falar que

é construída de maneira boba e cômica.

Aritana não sabe se comunicar direito com

os outros personagens não indígenas e

fala de maneira errada a língua portugue-

sa.

Esta mesma regularidade está

presente nos personagens indígenas Tatu-

apu de “Uga Uga”, exibida no ano 2000, e

Serena de “Alma Gêmea”, exibida em 2005.

As tramas destas duas telenovelas tam-

bém exibem os personagens indígenas

falando a língua portuguesa de maneira

errada e cômica.

Essas cenas das telenovelas

Aritana (1978), Uga Uga (2000) e Alma

Gêmea (2005) estão em intericonicidade

(COURTINE, 2013) com outras imagens de

personagens indígenas presentes em

diferentes materialidades discursivas,

como nos desenhos animados, nos filmes

ou nos programas humorísticos. Sobre a

intericonicidade, Courtine explica que

“toda imagem se inscreve em uma cultura

visual, e esta cultura supõe a existência

junto ao indivíduo de uma memória visual,

de uma memória das imagens onde toda

imagem tem um eco. Existe um „sempre já‟

da imagem” (COURTINE, 2013, p. 43).

Imagens historicamente cons-

truídas, já que a dificuldade em se comu-

nicar com pessoas não indígenas e a “fala

errada” do português são características

bastante instituídas como um aspecto

significativo da identidade do sujeito indí-

gena (NEVES, 2013).

2.1. O embranquecimento do indígena

Outra regularidade que encon-

tramos entre os personagens indígenas

“Aritana” (1978), “Tatuapu” (2000) e

“Serena” (2005) é o fato de que os atores

Página 8 O Corpo

Personagem Serena da telenovela “Alma Gêmea”

Personagem Estela da telenovela “Araguaia”

Telenovela “UGA UGA”

Page 9: O Corpo é Discurso – Nº35

escolhidos para representar os papéis

desses personagens são brancos, e no

caso de Serena e Tatuapu, os dois atores

têm olhos claros. O fato desses três per-

sonagens não apresentarem um estereó-

tipo físico que o imaginário social está

acostumado a idealizar como sendo um

indígena não é algo tão fora do comum na

realidade. Assim como todo o povo brasi-

leiro, os indígenas não são fisicamente

iguais entre si. Existem indígenas brancos

ou de olhos claros.

Porém, a recorrência em se

escalar atores brancos para interpretar

personagens indígenas revela a prefe-

rência da teledramaturgia brasileira em

exibir em suas tramas artistas brancos,

com traços euro-americanos, padrão há

muito tempo instituído como sendo o

ideal de beleza.

Escalar atores brancos para

representar personagens indígenas é

fato recorrente nas produções audiovisu-

ais brasileiras desde o início do século

XX. De acordo com Silva (2007), a primeira

representação de um indígena no cinema

foi feita por um ator branco, chamado

Miguel Russomano, no filme “O Guarani”,

exibido em 1911. Para ser o protagonista

“Peri”, o ator se pintava para parecer um

indígena.

Essas cenas historicamente

construídas revelam que representar per-

sonagens indígenas, quando protagonistas,

sempre foi uma prerrogativa de atores de

pele clara, o que nos mostra que até hoje

as matrizes colônias continuam hegemôni-

cas.

REFERÊNCIAS:

COURTINE, Jean-Jacques. Decifrar o cor-

po: pensar com Foucault. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2013.

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Sa-

ber. 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense

Universitária, 2008.

LOPES, Maria Immacolata Vassallo. Teleno-

vela como recurso comunicativo. In: Revis-

ta Matrizes, v. 3, n. 1, p. 21-47, dez./ago.

2009. Disponível em: <http://

www.producao.usp.br/bitstream/handle/

BDPI/32406/art_LOPES_Telenovela_2009.pdf?

sequence=2>. Acesso em 12 jul. 2014.

MALCHER, Maria Ataide. Teledramaturgia:

agente estratégico na construção da TV aberta brasileira. São Paulo: INTERCOM,

2009.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. REY, Germán. Os

exercícios do ver: hegemonia audiovisu-

al e ficção televisiva. São Paulo: Editora

Senac, 2001.

MILANEZ, Nilton. As aventuras do corpo:

dos modos de subjetivação às memórias

de si em revista impressa. Tese de douto-rado em Análise do Discurso. Araraquara,

SP: UNESP, 2006.

NEVES, Ivânia dos Santos. A Amazônia

através das telas: povos indígenas e

convergências Culturais. [ago.2013].

Registro audiovisual. Disponível em:

http://adamazonia2013.blogspot.com.br/

p/blog-page_660.html. Acessado em:

12/07/2014.

SILVA, Juliano Gonçalves. Entre o bom e

o mau selvagem: ficção e alteridade no

cinema brasileiro. In: Espaço Ameríndio,

Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 195-210, jul./dez.

2007.

Página 9 O Corpo

Ivânia dos Santos Neves é Doutora em Linguística pela

Universidade Estadual de Campinas, (UNICAMP). Docente do Pro-

grama de Pós- Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia, da

Universidade Federal do Pará (UFPA). Orientadora deste traba-

lho. Email: [email protected]. Currículo Lattes: Clique Aqui!

Personagem Tatuapu da telenovela “Uga Uga”

Vívian de Nazareth Santos Carvalho é Mestranda do

Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia

da Universidade Federal do Pará (UFPA). Email: viviansantoscar-

[email protected]. Currículo Lattes: Clique Aqui!

Page 10: O Corpo é Discurso – Nº35

Página 10 O Corpo

Informes importantes acerca do evento: As inscrições para participação no SIED, em todas as modalidades, são fei-tas exclusivamente pelo site do GED (http://www.gedunesp.com/);

Somente os associados do GED podem apresentar trabalhos nos SIEDs; Os interessados em se associar para apresentar trabalho no evento deverão concluir o processo de associação (incluindo o pagamento da primeira anuida-de a partir de 2015), por meio do site do GED, em data determinada pela Se-cretaria, a cada evento, tendo em vista a data de realização do Simpósio, pois o sistema só admite o envio de resumos de associados;

Encerrado esse prazo, novas associações só voltarão a ser efetuadas após o término de realização do evento; Para se associar vá ao ícone "REGISTRE-SE" na página incial do deste site, preencha as informações e torne-se, com isso, um associado do GED, com sua área de acesso específico as atividades do GED e dos seus eventos.

Page 11: O Corpo é Discurso – Nº35

Página 11 O Corpo

Renato Lima é graduado em Pintura pela Escola de Belas Artes - UFRJ. Para saber mais sobre o autor e

suas produções, acesse também o site Pockets - Histórias de Bolso ou a página de Facebook Pocketscomics.

24 a 28 de Novembro de 2014

Mais informações no Link: http://semanadeletras.com/

Page 12: O Corpo é Discurso – Nº35

O discurso para Foucault (2005)

não é o resultado da associação da reali-

dade e língua, sentido e experiência, não se

reduz ao conjunto de signos que remetem

a este ou àquele conteúdo, ou mesmo à

esta ou àquela representação. Porém, os

discursos são sempre práticas que

“formam os objetos de que fa-

lam” (FOUCUAULT, 2005, p.56). Essas prá-

ticas não são instâncias ocultas, tratam-se

de multiplicidades históricas, instituciona-

lizadas ou não, nem sempre visível em um

primeiro contato.

Com Foucault somos convidados

a entrar em universo onde não só os senti-

dos não estão estabilizados, mas tudo está

em constante deslocamento e construção.

E o fazer analítico não é uma tarefa de

desvendamento por meio das práticas,

mas estabelecer como o discurso circuns-

creve práticas e técnicas pelas quais os

sujeitos são levados a se reconhecerem

como portadores de uma subjetividade.

O sujeito foucaultiano é definido

como uma construção, esboçada por dis-

cursos e técnicas que foram sendo produ-

zidas no decorrer da história. E para com-

preender como se dá o processo de subje-

tivação explora discursos de contextos

históricos diversos e de diferentes materi-

alidades. Para tanto, introduz o método

genealógico para diagnosticar e compre-

ender o significado das práticas sociais a

partir do seu próprio interior. A proposta

genealógica se opõe ao método tradicional

de análise histórica, pois seu objetivo é

assinalar as singularidades dos aconteci-

mentos. Portanto, não se recorre ao pas-

sado para encontrar uma origem, mas

para deciframos quem somos hoje, quais

práticas nos tornam sujeitos. O genealo-

gista não procura a verdade mais profun-

da a ser revelada, mas as questões consi-

deradas complexas são evidenciadas

pelas práticas mais simples. Segundo

Foucault (2008), fazer genealogia é

deter-se nas meticulosidades e nos

acasos dos começos; prestar uma

atenção escrupulosa em sua derrisó-

ria maldade; esperar para vê-los sur-

gir, máscaras finalmente retiradas,

com o rosto do outro; não ter o pudor

de ir busca-los lá onde eles estão,

„escavando as profundezas‟; dar-lhes

tempo para retornarem do labirinto

onde nenhuma verdade jamais os

manteve sob proteção. O genealogista

tem a necessidade da história para

conjurar a ilusão da origem, um pouco

como o bom filósofo tem necessidade

do médico para conjurar a sombra da

alma. É preciso reconhecer os aconte-

cimentos da história, seus abalos, suas

surpresas, as vacilantes vitórias, as

derrotas mal digeridas que dão conta

dos começos, dos atavismos e das

hereditariedades (FOUCAULT, 2008,

p.264).

A prática genealógica fere todas

as filosofias da representação, com suas

buscas da primeira palavra dita, questio-

na os princípios de fidelidade entre o que

Página 12 O Corpo

“A proposta ge-nealógica se

opõe ao método tradicional de

análise histórica, pois seu objetivo

é assinalar as singularidades dos aconteci-

mentos”

Page 13: O Corpo é Discurso – Nº35

foi dito e sua representação, as explica-

ções contextuais e os espíritos de época.

Trata-se de flutuar entre a palavra e a

coisa, nem do lado significação nem do

lado da representação, mas no limiar

entre o que é dito sobre a significação e

a representação, é nesse intervalo, que

olhando do alto, é possível entrever as

práticas de subjetivação.

Assim, a genealogia do sujeito

foucaultiana convida a imergir nos dis-

cursos cristalizados, buscando descrever

as práticas discursi-

vas e não discursivas;

o que se pretende é

fazer submergir as

multiplicidades e com-

plexidades dos fatos e

das coisas ditas, que

embora sejam exausti-

vamente repetidas,

são por isso mesmo

raras, pois não são

nem óbvias e nem

naturais.

O s u je i t o

foucaultiano é desen-

volvido por meio da

descrição das estraté-

gias e dos discursos

presentes no processo

de construção de ver-

dade para e sobre o

sujeito, de modo a promover o

“deciframento de si” (VEYNE, 1982). Inte-

ressava a Michel Foucault compreender os

momentos de rupturas e descontinuidades

em tais formas de subjetivação, analisando

técnicas muitos especificas de produção

de verdade do sujeito.

Para Foucault (1990), as técnicas

de si concedem ao individuou a possibilida-

de de aplicar um certo número de opera-

ções sobre seu corpo, sua conduta, e modo

de ser, com intuito de atender a um certo

estado de felicidade, de pureza, de sabe-

doria. Olhar para as técnicas de si é ver

no e pelo discurso a emergência constitu-

tiva do sujeito; é entrever em meios acon-

tecimentos históricos a irrupção das prá-

ticas de subjetivação.

Entender a civilidade como algo

a ser aprendido e posto em prática pelo

sujeito vai ao encontro do pensamento

foucaultiano das tecnologias de si como

um conjunto de técnicas que têm por fina-

lidade a transformação de si. Para Char-

tier (2004) a literatura sobre civilidade

visa transformar em esquemas incorpo-

rados as disciplinas e censuras enume-

rando e unificando numa mesma catego-

ria, assim a civilidade deve, entretanto,

anular-se como “discurso proferido ou

ouvido para transformar-se num código

de funcionamento em estado práti-

co” (CHARTIER, 2004, p. 48). A impressão

das regras de comportamentos em livros

conduz a ação individual de transforma-

ção de si. A existência material das re-

gras permite ao sujeito um contato íntimo

consigo.

É sob a justificativa do bom con-

vívio em sociedade que vão sendo aplica-

das as técnicas de boas maneiras. A gros-

so modo, civilizado é aquele capaz de con-

viver em sociedade, que possui conheci-

mento das regras de convivência. Assim,

Página 13 O Corpo

Page 14: O Corpo é Discurso – Nº35

segundo Elementos da Civilidade (1801),

“não he a verdadeira civilidade outra

cousa, senão a pratica das regras da

decencia , ou a sciencia de bem regrar os

discursos, e ações na vida ci-

vil” (ELEMENTOS, 1801).

É, talvez, no corpo que se ins-

creve a maior parte das práticas de civi-

lidade. Longo são os ensinamentos para

domesticar os instintos, docilizar os ges-

tos. É preciso aprender a comer à mesa,

a utilizar dos utensílios domésticos como

garfos, facas, colheres, mas também é

preciso controlar as “naturalidades do

corpo”. Assim, o corpo civilizado vai sen-

do modelado pela negação de qualquer

aspectos que possa remeter à selvage-

ria. O corpo é o palco das demonstrações

de civilidade:

1.DEVEMOS ter sempre o nosso corpo

direito, ou seja em pé, assentado, ou

de joelhos , e nunca inclinaremos a

cabeça nem para huma, nem para

outra parte, e não a moveremos indis-

cretamente, e sendo necessário faze-

llo, o faremos com gravidade, e decen-

cia: tambem a não levantaremos com

esforço: porque nos terão por altivos,

orgulhosos, e pedantes: não a mette-

remos tambem entre os hombros, por

não parecermos preguiçosos, e nem a

deixaremos cahir para huma, e outra

parte, por ser este o costume dos

hypocritas, e nunca a voltaremos sem

necessidade por não mostrarmos

leviandade no nosso ju ízo.

(ELEMENTOS, 1801)

8. Não faremos grande estrondo,

quando nos assoarmos, para o que

nos devemos servir sempre do lenço,

como tam-

bem para

t o c a r m o s

dentro do

nariz, quan-

do for ne-

cessario, e

depois que

nos assoar-

mos nunca

o lharemos

para o que

lançarmos

no lenço: e

q u a n d o

estivermos

á meza, ou

em huma

sala aceada,

d e v e m o s

escarrar no

lenço. Tam-

bem deve-

mos usar da

m e s m a

c iv i l i d ade ,

q u a n d o

quisermos escarrar, ou espirrar, e naõ

será preciso reprimir-nos para deixar

de o fazer, nem também nos esforçare-

mos para o fazer com mais estrondo,

que o costume; porque isto indica falta

de respeito; porém o que neste caso

devemos fazer, he espirrar brandamen-

te, e depois fazer huma reverencia, e

agradecer a todas as pessoas, que nos

saudarem. (ELEMENTOS, 1801)

Todo acabamento estético para

ser civilizado deve começar pelo sujeito e

nele mesmo. Controlar, vigiar não é apenas

fruto da ação de um poder localizado, co-

mo as práticas pedagógicas, mas é uma

ação ininterrupta de si sobre si. Saber o

que deve ser feito para ser reconhecido

como um civilizado inscreve o discurso das

boas maneiras num rede discursivas de

práticas que atuam nos processos de sub-

jetivação. Assim, o sujeito de uma subjeti-

vidade civilizado é antes de tudo aquele

que aprendeu a utilizar as técnicas de

controle das condutas

A civilidade é distintiva e tem

como objetivo disciplinar o sujeito para

que ele manifeste nos gestos, posturas e

nas atitudes, o primado da vida social. Ela

é, portanto, um código a medida que per-

mite visualizar o sujeito civilizado através

de suas condutas e modos. O corpo é

linguagem, e assim é capaz de significar,

porque está inscrito uma subjetividade.

Assim, corpo e sujeito são duas partes

intrínsecas no processo de subjetivação.

Civilizado não é apenas ser distinto, mas é

possuir um corpo domesticado pelas tec-

nologias civilizatórias.

Página 14 O Corpo

Page 15: O Corpo é Discurso – Nº35

Portanto, por meio das normas

de condutas e de comportamento pode-

mos compreender as diferentes manei-

ras de ser civilizado ao longo da história.

Não existe conduta que não tenha passa-

do pelo crivo do processo civilizatório.

Não há no corpo lugar que não tenha sido

civilizada. Segundo Mauss (1974), coisas

completamente “naturais são históricas",

assim aos atos físicos naturais “são so-

brepostos conjuntos de atos montados e

mantidos pelos sujeitos, não simplesmen-

te por ele, mas por toda sua educação,

por toda a sociedade da qual faz parte,

conforme o lugar que ocupa" (MAUSS,

2011, p.408).

Para Revel (1991), o século XVI,

com a irrupção de uma literatura pres-

critiva de comportamento, é o período de

um intenso esforço de codificação e con-

trole dos comportamentos. A partir deste

século, os gestos são submetidos às nor-

mas de civilidade. Irrompe uma

“linguagem dos corpos” destinadas aos

outros”, que devem poder captá-la. O

indivíduo projeta-se para fora de si mes-

mo, expondo-se ao elogio e à sanção do

grupo. É preciso agora gerenciar a alma

e o corpo como procedimento de controle

social, que acaba por encerrar o indiví-

duo numa rede de vigilância cada vez

mais compacta.

Se o corpo diz tudo sobre o homem

profundo, deve ser possível formar ou

reformar suas disposições íntimas

regulamentando corretamente as mani-

festações do corpo. É a razão de ser de

uma literatura que prescreve os com-

portamentos lícitos e, mais ainda, pros-

creve os que são considerados irregula-

res ou maus. Considera-se a intimidade

apenas para manipulá-la e adequá-la a

um modelo que é o do meio termo, o da

recusa a todos os excessos. (REVEL,

1991, p.169)

Cartografando as marcas im-

pressas no corpo pelo processo civilizató-

rio é possível compreender de que manei-

ra os discursos afetam os processo de

subjetivação. Assim, na emergência de um

acontecimento histórico visualizar porque

estas técnicas e não outras permitiram a

irrupção de uma subjetividade civilidade.

REFERÊNCIAS:

CHARTIER, Roger, A aventura do livro: do

leitor ao navegador. São Paulo: Ed. da

UNESP, 1998.

ELEMENTOS da Civilidade e da Decência

para instrução da mocidade de ambos os

sexos. Lisboa. 1801.

FOUCAULT, M. Arqueologia do Saber. Rio

de Janeiro: forense, 2005.

______. Ditos e escritos: Arqueologia

das ciências e História dos Sistemas e

de Pensamento. Vol:2. Rio de Janeiro:

forense universitária, 2008.

______. Tecnologias del yo. In: MOREY, M.

Tecnologías del yo, e otros textos afi-

nes. Barcelona: Paidós/ICE-UAB, 1990.

MAUSS, M. Sociologia e Antropologia.

São Paulo: Cosacnaify, 2011.

REVEL, Jacques. Os Usos da Civilidade. In:

ARIÈS, Philippe e DUBY, George (org). His-

tória da vida privada. Da Renascença

ao século das luzes. São Paulo: Compa-

nhia das letras, 1991. Vol. 4

VEYNE, P. Como se escreve a história:

Foucault revoluciona a história. Brasí-

lia: Ed: UnB, 1982.

Página 15 O Corpo

Gesiel Prado é Doutorando em Linguística e Língua Portugue-

sa, pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara UNESP-

FCL/CAR. Mestre em Linguística pela Universidade Federal da

Paraíba/UFPB.Licenciado em Letras, habilitação em língua portu-

guesa pela Universidade Regional do Cariri - URCA/CE. Membro-

pesquisador do Grupo de Estudos de Análise do Discurso de Araraqura - Geada.

Currículo Lattes: Clique Aqui!

“...os gestos são submetidos às nor-mas de civilidade.

Irrompe uma “linguagem dos

corpos” destinadas aos outros”, que

deve poder captá-

la. ”

Page 16: O Corpo é Discurso – Nº35

Página 16 O Corpo

QUANDO: Dia 19 de setembro de 2014. ONDE: Na UFSCar – São Carlos.

Para participação como ouvinte, é necessário realizar inscrição enviando nome, instituição e endereço para o e -mail wi [email protected] ou efetuar a inscrição no próprio dia do evento. Os participantes recebe-

rão certificado ao final do Colóquio.

Acesse também o Blog

www.30anos-foucault.blogspot.com.br/

Page 17: O Corpo é Discurso – Nº35

Página 17 O Corpo

À s seis da manhã, Ana

acordou ainda sonâm-

bula para verificar em seu celu-

lar o que fazia tirá-la do sono

agradável para o seu corpo. –

Nossa!-, exprime Ana sem en-

tender o motivo pelo qual ela

recebera aquela imagem sem

significado para o seu corpo en-

quanto receptor de prazer de ou-

tros corpos em sua constituição

fisiológica. Ana volta a repousar

seu corpo como quem pede para

pedra tornar-se. O despertador

enunciava que as ações do dia

estavam por vir. A imagem que

Ana recebera em seu WhatsApp

a fez pensar no motivo “real”

que aquela imagem significava.

Por não se sentir atraída pela tal

“boceta”, Ana calou-se e pôs-se a

agir como se aquela imagem não

a compusesse.

À noite Ana recebeu em

sua casa o seu namorado que fora

ali para um jantar íntimo, ao de-

correr do papo e de todas as de-

monstrações desejáveis pelo cor-

po de ambos, Ana pôs-se a

„reclamar baixinho‟ pela contínua

mensagem em que a tal „boceta‟

aparecia como sendo em todo es-

paço da tela de seu celular uma

imagem em que o discurso não

lhe era mais morto, funesto, era,

agora: possível transferência viva

do horror que o seu corpo en-

quanto identidade pública podia

tornar-se caso ela fizesse troca

com o desconhecido endereço

que havia lhe enviado tal mensa-

gem. Secreto era ao namorado o

seu corpo, que como único sujeito

dominador do corpo da namora-

da, da estimulação, da troca de

sensações, conhecia ali a troca

única, mas, pela lasciva em que

esse espaço, essa imagem pode-

ria despertar em seu namorado,

Ana não entendia e não queria

falar para o Carlos o que aconte-

cia. Carlos percebera a inquieta-

ção de Ana ao mexer no aparelho

celular e pôs-se a criar estraté-

gias para saber o que havia de

tão perturbador-sim, o Carlos

não se interessava pelas Ações

que Ana exercia naquele apare-

lho, como Ana também não se

incomodava que o Carlos usasse

o seu celular, mas havia algo de

estranho: A imagem da boceta de

algum corpo desconhecido podia

significar algo novo para ambos-

mas o quê?- era a pergunta contí-

nua de Ana para a tal imagem.

Ana compartilha as imagens com

Page 18: O Corpo é Discurso – Nº35

outros whatsapianose obtém

identidade das “donas” daquelas

imagens. – Por que estão tirando

essas fotos e compartilhando?-

Não havia resposta, havia o de-

sejo de alguém a ser trocado, a

ser também um laço desejável,

uma nova possibilidade para tais

trocas de informações do corpo

como “objeto” desejável.

Ana passa a conhecer

uma das pessoas que fazia a tro-

ca de imagens do corpo e passa

também a tirar fotos de seu cor-

po e a transferir para um único

endereço. Ana passa a entender

o espaço em que o seu corpo

estava imerso, sabia o que pre-

tendiam falar para ela e, como

atraída pelas imagens que passa-

vam a constituir espaços desco-

nhecidos e um discurso de quase

liberdade para o processo dese-

jável aparentemente “quente”,

Ana aceita e passa a usar uma

“identidade” sexual em seu

WhatsApp: o corpo em imagens

sensuais como apresentação, pe-

lo qual fora sendo aos poucos

conhecida e reconhecida. As

imagens que Ana capta de seu

corpo começam a circular por

diversos espaços e como quem

não sabendo de uma maldade

existente na ideia de quem a

atraiu para a constituição desse

novo corpo, Ana se torna aos que

a reconhece, uma prostituta. Ana

não se vê como tal e não “veste”

tal camisa, não entende as trocas

de imagens de seu corpo como

sendo vendíveis, comercializá-

veis, impostas a um lugar chama-

do de prostituição, mas sim a um

lugar chamado compartilhamento

de imagens; fossem elas

“divinas” ou “profanas”. A circu-

lação das imagens a fez perder o

emprego, o namorado e a moral

imposta como conduta exemplar

para as representações; ideologia

qual que Ana passava a não en-

tender pelo fato de não está mais

condicionada a esse lugar

“divino” ainda que não entendes-

se o lugar abstrato chamado

“profano”. Não havia indícios

patológicos que a constituísse co-

mo sendo doente, mas, essa era a

nova identidade constituída de

Ana: a prostituta de Ribeirão das

Sangrias, cidade de menos de vin-

te mil habitantes, culturalmente

conhecida como sendo “a cidade

dos fiéis” a um santo chamado

de Santo dos Santos. A imagem

de Ana nessa cidade passa a ser

coerciva, monstruosa, identificá-

vel com as demais moças e com

alguns rapazes que pertenciam

ao lugar sacerdotal, e não ao lu-

gar onde as imagens de um corpo

naturalmente sensual e desejável

se constituem por horas a expec-

tativa de um corpo biológicosatâ-

nico, ”mundano”. Quando a

“poeira baixa”, Ana já não tem

mais o seu nome circulando por

entre espaços divinos, mas há

outros sujeitos nessa esteira nor-

mativa, e Ana passa a ser exem-

plo errôneo do que se deve ou

não compartilhar no WhatsApp.

Ana não entende mais o que sig-

nifica corpo e passa a comparti-

lhar imagens de árvores mortas

ou moitas vazias.

Página 18 O Corpo

Daniel Soares Sousa Lemos é Graduando em Filosofia

pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. É tam-

bém integrante do LABEDISCO - Laboratório de Estudos do Dis-

curso e do Corpo. Currículo Lattes: Clique Aqui!

Page 19: O Corpo é Discurso – Nº35

Página 19 O Corpo

DISCURSOS E PODERES NA CONTEMPORANEIDADE

Local:

Instituto de Letras – UFBA - Salvador

Período do Evento:

24 a 26 de novembro de 2014

Período de inscrição (Novas Datas): 15 de Junho a 15 de Agosto de 2014 (Com Trabalho)

15 de Junho a 15 de Outubro (Ouvinte)

Público Alvo: Estudantes de Graduação, de Pós-Graduação, Pesquisadores, Docentes,

Profissionais e Público em geral.

Contato: [email protected]

Mais informações podem ser acessíveis na página da web:

www.sedisufba2014.ufba.br/

Page 20: O Corpo é Discurso – Nº35

O tempo há de poder acolher o espírito por assim dizer. E o espí-rito há de ser, por sua vez, afim com o tempo e com sua essência. (Heidegger)

Pensar certas condi-

ções de aparecimento de um sistema de

ideias nos joga de encontro à nossa pres-

suposição pós-moderna, sem, contudo, nos

permitir estilhaçar o que de fato nos cons-

titui como a verdadeira matriz de subjeti-

vação do nosso tempo. Diante do desafio

de estabelecer tal formação discursiva,

para entender o reaparecimento de velhos

discursos e suas rupturas e descontinui-

dades, buscamos na análise do discurso

francesa e em recortes foucaultianos o

respaldo para analisar o problema que

constitui essa análise. Trata-se do per-

curso recente e da emergência do Espiri-

tismo, desde o final do século XIX, com sua

intensa filiação ao racionalismo e seu mo-

do de fazer ciência, ao viés das luzes ilumi-

nistas, e o apelo ao cuidado de si, e sua

permanência atual.

É possível observar o

que parece ser uma espécie de padroniza-

ção, do ponto de vista filosófico, que pode-

ria ser aplicada genericamente a qualquer

forma de liberdade, certa concepção de

ética, como plataforma ou modelo univer-

sal. Se partirmos de Foucault, que desclas-

sifica a figura de exigência racional sobre

o objeto do conhecimento, retirando esse

apoio que serve como uma espécie de ga-

rantia sobre a origem do que é dito e posi-

tiva apenas o que é dito, o enunciado, esta-

remos diante do discurso e seu estatuto de

raridade enunciativa. Num regime de rari-

dade, poucas coisas, na verdade, podem

ser ditas, o campo enunciativo não pode

ser transparente, e o trabalho do pesqui-

sador deve descrever o que foi efetiva-

mente dito, em suas condições de materi-

alidade.

Foucault não só rejeita tudo o

que não seja aquilo que torne possível o

enunciado, como também tudo que dava

segurança ao historiador: nem sujeito,

nem objeto, nem contexto, nem estrutura;

só o enunciado em sua materialidade

interna. Nesse panorama, ainda, de certo

modo, moderno, o autor busca num espa-

ço entre o clássico e o moderno, num tipo

de espaço de contradições não percebida

pelos historiadores tradicionais continu-

ístas, pequenas mudanças, deslocamen-

tos quase imperceptíveis que propiciam

um novo saber, que reorganiza o olhar.

A segunda metade do século

XVIII vê surgir o Iluminismo ou esclareci-

mento que traz o sujeito moderno: é a

época do sujeito, do indivíduo, daquele que

nasce com direitos naturais para se ade-

quar a uma vida social. A partir do desdo-

Página 20 O Corpo

“Foucault não só rejeita tudo o que não seja

aquilo que torne possível o enun-ciado, como tam-

bém tudo que dava segurança

ao historiador”

Page 21: O Corpo é Discurso – Nº35

bramento do subjetivo epistemológico

característico dos séculos XVII e XVIII, o

indivíduo está no mundo, num mundo em

que o conhecimento é visto como forma

de libertação, numa sociedade organiza-

da racionalmente, que alcançaria assim o

fim da opressão.

Kant reforça essa necessidade

de o homem fazer o uso de seu próprio

entendimento, Aufklärung. O século do

esclarecimento, a época do sujeito cons-

ciente de seu pensamento e responsável

por sua ação, numa definição “clássica”.

O sujeito moderno pode ser visto como

resultado de influências do cristianismo e

de religiões ocidentais, passando de for-

ma reativa por um “processo de abaula-

mento da alma e cultivo da interioridade”,

ou ainda como “campo interior”, pronto

para assumir o processo de maturidade,

mas também “como campo no qual há

desinibição necessária para que o ho-

mem faça o que tem de fa-

zer” (GHIRALDELLI , 2010), algo que pode

ser lido, de certo modo em forma reduci-

onista, na imagem recorrente que a es-

cola até hoje tenta criar no jovem: a ca-

pacidade de pensar de modo crítico e

autônomo.

O SUJEITO PROVISORIAMENTE PÓS-

MODERNO

Ao desejar fazer a ontologia do

presente, Foucault escapa da definição de

um sujeito montado a partir de uma deci-

são própria. O sujeito para ele será defini-

do por meio de práticas: nós não somos

em essência, somos em vez disso, um con-

junto de práticas, e práticas historicamen-

te situadas, que mudam social e mesmo

geograficamente, pela própria volatilidade

que as caracterizam, de modo que para

ele, são estas práticas que definem “o que

somos nós nesse nosso tem-

po” (FOUCAULT, 2004, p.301), uma vez que

num outro momento outras práticas po-

dem definir o ser biológico de outra manei-

ra – o homem do humanismo desaparece

para dar lugar a um outro tipo, não mais

moderno, uma vez que não há mais alguém

para sair da menoridade, há alguém que é

constituído por suas práticas sociais.

Temos não mais um indivíduo,

mas talvez um agente. Além dessa passa-

gem desse sujeito moderno para um ou-

tro, Foucault faz emergir a noção de epis-

teme, algo muito próximo ao conceito de

paradigmas de Kuhn, como rede que de-

termina a estrutura de pensamento de

uma época, de modo que tal rede limita o

pensamento científico, filosófico e cultural

dessa época. Assim cada sociedade pos-

sui seu regime de verdade: o tipo de dis-

curso que aceita e que faz funcionar como

verdade. Considere-se de acordo com

Kuhn (2003) paradigma o grupo de práti-

cas reconhecidas durante algum tempo

por uma comunidade científica, que dá

base estável para determinado estado da

ciência normal.

O PARADOXO DA RELAÇÃO ENTRE

ACONTECIMENTO E FORMAÇÃO DISCUR-

SIVA

Em A ordem do discurso, Fou-

cault afirma que a história não se desvia

dos acontecimentos. Sua consideração

sobre os “elementos” e a definição histó-

rica da “série” da qual “esse elemento faz

parte, define o modo de análise da qual

essa série depende, procura conhecer a

regularidade dos fenômenos e os limites

de probabilidade de sua emergência, bus-

Página 21 O Corpo

“Kant reforça es-sa necessidade de o homem fa-zer o uso de seu próprio entendi-

mento, Auf-

klärung. ”

Page 22: O Corpo é Discurso – Nº35

cando as variações que determinam as

condições das quais as séries de aconte-

cimentos dependem” (p.55). E nisso, o

filósofo francês estabelece o paradoxo

entre estrutura e acontecimento:

“[...] certamente a história há muito tempo não procura mais

compreender os acontecimentos por um jogo de causas e efeitos na

unidade uniforme de um grande devir, vagamente homogêneo ou

rigidamente hierarquizado; mas

não é para reencontrar estruturas anteriores, estranhas, hostis ao

acontecimento. É para estabelecer as séries diversas, entrecruzadas,

divergentes muitas vezes, mas não autônomas, que permitem circuns-

crever o „lugar‟ do acontecimento, as margens de sua contingência,

as condições de sua aparição”. (FOUCAULT, 2006, p.56)

Sua aparente solução surge

com a noção de formação discursiva,

movimento em que o autor esclarece não

poder confiar na unidade do objeto para

individualizar um conjunto de enunciados,

o objeto por si só não consegue constitu-

ir a unidade do discurso, inclusive porque

um conjunto de enunciados podem se

referir a vários objetos, o próprio objeto

muda se deslocado no tempo, pois não

obedece mais aos mesmos critérios; as

funções do discurso e as práticas nas

quais ele está investido foram profunda-

mente modificados.

Para o autor, em texto de 1968,

um certo estilo, o tipo de enunciação

utilizada pode ser um segundo critério

para constituir conjuntos discursivos. Co-

mo terceira possibilidade poder-se-ia pen-

sar numa série de conceitos permanentes

e coerentes entre si, que têm relações

descritíveis entre si, constituindo uma

rede teórica (p.103), além de ser possível

ainda constituir unidades de discurso “a

partir de uma identidade de opinião, mas

que ao qual seja possível atribuir uma exis-

tência independente, um sistema de pontos

de escolha livres a partir de um campo de

objetos dados, a partir de uma gama enun-

ciativa determinada, a partir de uma série

de conceitos definidos em seu conteúdo e

seu uso” (p.105). Ou seja, uma formação

discursiva se constrói a partir de um gru-

po de enunciados no qual se pode observar

e descrever “um tipo de referencial, um

tipo de defasagem enunciativa, uma rede

teórica e um campo de possibilidades es-

tratégicas (p.106).

O DISCURSO ESPÍRITA

A partir de trabalhos de Swen-

denborg sobre suas visões e participação

em eventos muito populares conhecidos

como “mesas girantes” na França do sécu-

lo XIX, as profecias de Cagliostro, fenôme-

nos mediúnicos produzidos na Alemanha

em 1840, para relacionar apenas alguns

casos, começam a aparecer publicações

que tratam da comunicação dos ditos mor-

tos com os chamados vivos, tanto na Eu-

ropa quanto nos Estados Unidos. Pode-se

dizer que há relatos milenares dessa inte-

ração entre dois mundos, mas o que nos

interessa de modo particular é a instau-

ração de um discurso Espírita, com fortes

características de ciência, uma vez que

proclamou-se ciência, filosofia e religião.

Se a série de enunciados que

começam a formar-se como o corpo de

uma ciência com o aparecimento de O

Livro dos Espíritos, a existência de tais

enunciados, porém remonta aos mais

recuados séculos, pois já eram conheci-

das dos gregos as ideias de reencarna-

ção, dos intermediários (daimons) entre

os homens e os deuses. De fato, tais preo-

cupações as mais recuadas civilizações já

demonstravam tê-las sistematizado em

Página 22 O Corpo

“um conjunto de enunciados po-dem se referir a vários objetos, o próprio objeto

muda se desloca-do no tempo,

pois não obede-ce mais aos mes-

mos critérios”

Page 23: O Corpo é Discurso – Nº35

livros iniciáticos. O que nos parece ser

uma fratura nesse tipo de discurso é a

troca das condições especiais do iniciado

para o saber que tais livros e doutrinas

encerram pelo cuidado de si, pela neces-

sidade de por si mesmo, sair o homem da

menoridade, herança das luzes e reco-

mendação que ressurgem em vários mo-

mentos do discurso espírita: a necessida-

de de instrução e de saber.

Já na primeira página de O livro

dos Espíritos, no entanto, encontra-se o

enunciado de um discurso que se preten-

de fundador:

Contendo os princípios da dou-

trina Espírita, sobre a imortali-

dade da alma, a natureza dos

Espíritos e suas relações com

os homens, as leis morais, a

vida presente, a vida futura e o

futuro da Humanidade segundo

o ensinamento dado pelos Espí-

ritos superiores com a ajuda de diversos médiuns. Compilado e

ordenado por Allan Kardec.

Destacamos também a inscri-

ção da primeira página de O Evangelho

segundo o Espiritismo, contendo a expli-

cação dos ensinamentos morais do Cris-

to, sua concordância com o Espiritismo e

sua aplicação às diversas situações da

vida: Fé inabalável é somente aquela que

pode encarar a razão face a face, em

todas as épocas da Humanidade.

O projeto de problematização

que se apresenta no que se disse, então,

perquire as bases dessas ideias que re-

presentam interessante descontinuidade

do pensamento religioso, antes e sempre

relegado às sombras da crença, desqualifi-

cada pela ciência e retorna com práticas

que tentam provar cientificamente que se

trata de um novo paradigma, uma nova

episteme para a qual valerá mais o que for

da ordem da ciência do que o que for da

ordem do subjetivismo obscuro da crença.

Será o sujeito e suas práticas

refletindo o deslocamento discursivo que

propõe um homem moderno, que investiga

e toma a si a tarefa do cuidado de si? Será

o mesmo sujeito do conhecimento de si

que se apropria do fantasma fenomenoló-

gico da fé na emergência da razão instru-

mental. Tais respostas não foram apresen-

tadas, mas certamente constituem o cerne

do espiritismo kardecista.

REFERÊNCIAS:

FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos II. A

Arqueologia das ciências e história dos

pensamentos. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2000.

FOUCAULT A Ordem do Discurso. São Pau-

lo: Loyola 1996.

FOUCAULT Ditos e escritos V. Ética Sexua-

lidade e política. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2004.

FOUCAULT As palavras e as coisas. São

Paulo: Martins Fontes, 2007.

GHIRALDELLI JR, Paulo. A história essenci-

al da Filosofia. São Paulo: Universo dos livros, 2010. (Clique aqui para acessar a

referência)

HEIDEGGER, Martin. Crítica de Hegel. (In) O

ser e o tempo. Fim de século, 2003.

KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o

Espiritismo. São Paulo: Petit, 1997.

_______. O Livro dos Espíritos. Araras:

IDE, 2009.

KUHN, Thomas S. A estrutura das revolu-

ções científicas. São Paulo: Perspectiva,

2003

PIRES, J. Herculano. O espírito e o tempo

Introdução antropológica ao Espiritismo.

São Paulo: Edicel, 1977.

REVEL, Judith. Foucault conceitos essenci-

ais. São Carlos, Claraluz, 2007.

WANTUIL, Zêus. As mesas Girantes e o

Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1978.

Página 23 O Corpo

Leticia Tavares de Faria é Doutoranda em Estudos Lin-

guísticos pela Universidade Federal de Goiás, mestre em Linguís-

tica e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Jú-

lio de Mesquita Filho (2003). É também especialista em Linguísti-

ca de Texto e ensina também pela Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho. Currículo Lattes: Clique Aqui!

Alexandre Ferreira da Costa possui graduação em Le-

tras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1994),

mestrado em Lingüística pela Universidade de Brasília (1999) e

doutorado em Lingüística Aplicada pela Universidade Estadual de

Campinas (2007). É professor da Universidade Federal de Goiás

desde 1998 e atua na formação de professores. Currículo Lattes: Clique Aqui!

Page 24: O Corpo é Discurso – Nº35

Página 24 O Corpo

Fundamentado sobre teoria do

discurso e também do cinema, o Seminário

“Foucault e o Cinema” realizara o total de

dez encontros, apresentando análises,

problematizações e discussões a partir de

apresentações de algumas produções ci-

nematográficas e conceitos essências da

arqueologia foucaultiana.

Nas edições 33 e 34 de “O Corpo

é discurso”, fora apresentadas informa-

ções gerais a respeito dos setes primeiros

encontros realizados pelo Prof. Nilton

Milanez (Labedisco/VNPq/UESB), pelo

doutorando Ciro Renan de Oliveira Prates

(PPGMLS/CAPES) e pela mestranda Rena-

ta Celina Brasil Maciel (PPGMLS/UESB),

pela doutoranda Cecília Barros-Cairo

(PPGMLS/CAPES), por Uesley Pereira

(ICV/História/UESB) , pelo mestrando

Tyrone Chaves Filho (PPGLIN/CAPES) e

por Bruno Pacheco de Souza

(ICV/LABEDISCO/UESB).

Nesta edição, trazemos informa-

ções das apresentações realizadas por

Mirtes Ingred Tavares Marinho

(Filosofia/UESB), Aliúd José de Almeida

(UESB/CNPq/Labedisco) e Josemar

Santos Tonico (Labedisco/UESB).

O oitavo encontro, aconteci-

do no dia 31 de julho de 2014 às

14:00h, foi ministrado por Mirtes In-

gred Tavares Marinho, no qual foi

apresentado o tema “Sexualidade e

discurso religioso” a partir do filme

Alucarda (1977), de Juan López Moctezu-

ma.

O nono encontro, ocorrido no dia

07 de agosto de 2014 às 14:00h, fora minis-

trado por Aliúd José de Almeida, no qual foi

discutido o tema “Jogos de Verdade” a

partir do filme El Espinazo Del Diablo

(2001), de Guillermo Del Toro.

No décimo encontro, acontecido

no dia 08 de agosto de 2014 às 14:00h, foi

ministrado por Josemar Santos Tonico,

no qual fora discutido o tema “Disciplina e

Corpo Gordo” a partir do filme Doce vin-

gança 2 (2013), direção Steve R. Monroe.

Mais informações sobre o semi-

nário e de seus encontros ocorridos es-

tão disponíveis no blog do evento, aces-

sando

www.foucaulteocinema.blogspot.com.br/.

Mirtes Ingred Tavares Marinho (Filosofia/UESB)

Aliúd José de Almeida (UESB/CNPq/Labedisco)

Josemar Santos Tonico (Labedisco/UESB)

Page 25: O Corpo é Discurso – Nº35

Leitura do livro “Língua(gens) em Discurso: a Formação dos Objetos”, organizado por Ismara Tasso e Érica Silva

Leitura do livro “Estudos do Discurso: Perspectivas Teóricas”, organizado por Luciano Amaral Oliveira

Dica de O Corpo

Dica de O Corpo

Estudos do discurso (perspectivas teóricas) é voltado

para os estudantes de Letras, graduandos e pós-

graduandos, em busca de embasamento teórico para se

aprofundarem em pesquisas sobre o discurso. Este livro

apresenta fontes importantes nas quais estudiosos do

discurso têm bebido, dá a conhecer um pouco dessas

fontes para compreendermos melhor o pensamento de

teóricos que se debruçaram sobre fenômenos do dis-

curso. Você quer saber como Foucault, Ducrot, Althus-

ser e Bourdieu contribuíram para os estudos do discur-

so? Aqui há informações e reflexões importantes sobre

as contribuições desses e de outros oito teóricos. O ob-

jetivo é inquietar você, provocar você com questões

fundamentais para a produção de sentidos.

Com o objetivo de subsidiar teórica e metodologicamente

pesquisadores e estudiosos do campo epistemológico do dis-

curso, esta coletânea reúne, com singular empenho dos au-

tores, inéditas e substanciais discussões e reflexões acerca

da formação dos objetos. Sob tal conjuntura, cada capítulo

prima, por sua natureza teórica e analítica, demonstrar a

emergência e formação de enunciados para além da articu-

lação das palavras, compreendendo que os objetos não se

formam nas realidades materiais anteriores aos discursos,

mas são por eles produzidos no conjunto de práticas que

arquitetam seu aparecimento, sua manutenção e sua coexis-

tência. O tratamento desse funcionamento discursivo, cujas

vertentes teóricas tem seus expoentes em Foucault,

Pêcheux, Courtine, Bakhtin, Orlandi, Charaudeau e Maingue-

neau, possibilitou a organização da obra em duas partes.

Page 26: O Corpo é Discurso – Nº35

O Corpo é Discurso

é o primeiro jornal

eletrônico de

popularização

científica da Bahia.

Colaboradores

Popularização da Ciência

A pesquisa científica gera conhecimentos, tecnologias e inovações que benefi-

ciam toda a sociedade. No entanto, muitas pessoas não conseguem compreender a

linguagem utilizada pelos pesquisadores. Neste contexto, a grande mídia e as novas

tecnologias de comunicação cumprem o papel de facilitadores do acesso ao conhe-

cimento científico. Para contribuir com esse processo, em sintonia com o espírito

que anima o Comitê de Assessoramento de Divulgação Científica do CNPq, criamos

esta seção no portal do CNPq. Seja bem-vindo ao nosso espaço de popularização da

ciência e aproveite para conhecer as pesquisas dos cientistas brasileiros e os bene-

fícios provenientes do desenvolvimento científico-tecnológico.