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PRISCILLA CIDADE FURLAN
SIMONE RODRIGUES GONÇALVES
O CUIDADO PRODUZIDO NO ENCONTRO ENTRE A EQUIPE DE
ENFERMAGEM E O USUÁRIO
Londrina 2011
PRISCILLA CIDADE FURLAN
SIMONE RODRIGUES GONÇALVES
O CUIDADO PRODUZIDO NO ENCONTRO ENTRE A EQUIPE DE
ENFERMAGEM E O USUÁRIO
Londrina 2011
Monografia apresentada ao Curso de Pós graduação em Saúde coletiva e Saúde da Família do Centro Universitário Filadélfia (UniFil), como requisito parcial para obtenção do título de especialista. Orientadora: Profª Ms Maria Lucia da Silva Lopes
Orientadora
Dedicamos este trabalho aos
nossos pais, por todo amor e
dedicação, por terem sido
peças fundamentais para que
nós tenhamos nos tornado as
pessoas que hoje somos.
Aos nossos maridos e filhos
pelo carinho e apoio
dispensados em todos os
momentos que precisamos.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus pelo seu amor e cuidado para conosco.
Pela nossa família que nos deu força, coragem, carinho e compreensão
nos momentos em que a dedicação aos estudos foi exclusiva.
À nossa orientadora, Profª Maria Lucia da Silva Lopes pelo ensinamento e
dedicação dispensados no auxílio à concretização desta monografia;
Às mestres Vânia de Oliveira Melo e Maria Lucia da Silva Lopes pela
coordenação do curso;
Aos colegas de curso pelas alegrias, tristezas e “perrengues” que
passamos juntos, unidos incentivando e apoiando uns aos outros;
A todos professores do Curso de Especialização em Saúde Coletiva e
Saúde da Família, pela paciência e ensinamentos disponibilizados nas aulas, cada
um de forma especial contribuiu para conclusão deste trabalho e consequentemente
para a nossa formação profissional.
Por fim a todos que contribuíram direta ou indiretamente para que esse
trabalho fosse realizado, nosso eterno agradecimento.
Furlan,P.C.; Gonçalves,S.R. O CUIDADO PRODUZIDO NO ENCONTRO ENTRE A EQUIPE DE ENFERMAGEM E O USUÁRIO. [Monografia] Especialização em Saúde Coletiva e Saúde da Família. Centro Universitário Filadélfia, 2011.
RESUMO
Tendo em vista as dimensões que envolvem o cuidado na enfermagem e, em conseqüência, o cuidado humano, este trabalho teve por objetivo realizar uma revisão bibliográfica sobre o significado do cuidado e sua relação com a enfermagem. Com o referido estudo houve a possibilidade de compreender que a produção do cuidado é o objeto de trabalho da enfermagem. Para tal, foi necessário um entendimento acerca do processo de trabalho em saúde e suas tecnologias, bem como o aprofundamento da dinâmica dos “encontros” que ocorrem no dia-a-dia nos serviços de saúde entre profissionais e usuários. Estas reflexões oferecem recurso teórico que permitem o reconhecimento de que atuar na área de enfermagem, desempenhando no cotidiano ações voltadas ao cuidado do usuário, não é tarefa fácil. Na realidade é um grande desafio que nos remete a um novo olhar para a assistência de enfermagem. Palavras-chave: cuidado em enfermagem; produção do cuidado; assistência de enfermagem.
Furlan, P.C.; Gonçalves, S.R. PRODUCED IN CARE TEAM MEETING BETWEEN USER AND NURSING. [Monograph] Specialization in Public Health and Family Health. University Center of Philadelphia, 2011.
ABSTRACT In view of the dimensions involved in nursing care and, consequently, human care, this study aimed to conduct a literature review on the meaning of care and its relationship to nursing. With this study was to understand the possibility that the production of care is the object of nursing work. To this end, it was necessary to an understanding of the work process in health and its technologies, as well as deepening the dynamics of "meetings" that occur in day-to-day health services between professionals and users. These reflections offer theoretical resource that allow the recognition that nursing work in the field, playing in the daily care activities focused on the user, not an easy task. In reality it is a challenge that leads us to a new look for nursing care. Keywords: nursing care; production of care; assistance nursing.
SUMÁRIO
.............................................................................................................................................. 7
.............................................................................................................................................. 8
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 7
2. METODOLOGIA .............................................................................................................. 10
3. REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................... 11
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 18
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 20
........................................................................................................................................... 21
7
1. INTRODUÇÃO
Ao falar de “cuidado” e “enfermagem” é importante mencionar Florence
Nightingale, a fundadora da Enfermagem moderna. Uma mulher notável e
encorajadora que, historicamente, tinha uma missão, servir. Com o objetivo de
proporcionar o bem estar ao próximo, além de se preocupar com as questões
biológicas, atentava-se também para a ambiência e outros aspectos, desenvolvendo
um olhar para a integralidade do cuidado com o paciente.
Florence considerava a Enfermagem uma arte que necessitava de
planejamento, organização e saber científico. Para ela os enfermeiros precisavam
estar capacitados a servir à todas as áreas do saber da medicina, e não servir aos
profissionais dessas áreas (COSTA et al; 2009, p662).
Na história da humanidade sempre houve preocupação em vencer a
enfermidade, buscar formas de aliviar à dor e restaurar a saúde (CAPOZOLLO;et
al,2005,p53).
Com o advento do cristianismo, a cultura da civilização judaica cristã
preconiza a importância do cuidado, antes mesmo de Florence. Este “interesse ao
próximo” era norteado pelo conceito de altruísmo que se torna ainda mais praticado
após a era do cristianismo, Nigtingale recebe influências diretas destes
ensinamentos e contribui em sua atuação e na organização do processo de trabalho
em saúde (PADILHA; MANCIA, 2005, p.2).
Os ensinamentos cristãos tinham por base novas formas de cuidar do
paciente, procurando estimular seus seguidores à valorização do ser humano. O
cuidado principalmente aos enfermos foi uma das formas de caridade adotadas pela
igreja, doação, humildade e compreensão à dor do próximo. Embora esta não fosse
a única forma de caridade prestada, ocorre uma ascensão deste trabalho praticado
anteriormente apenas por escravos, e passa então a ser valorizado como um “dom
sagrado”, sendo praticado por homens e mulheres cristãos (PADILHA; MANCIA,
2005, p.2).
Logo surgem instituições e organizações religiosas preocupadas em
assistir aos carentes, como o trabalho das “Irmãs de Caridade”. Foi uma das
8
primeiras associações a realizar cuidados no domicílio e reorganizar hospitais,
implantando a higiene no ambiente, individualizando os leitos dos doentes e
dirigindo todo cuidado desenvolvido na instituição.
“O cuidado significa desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção e se concretiza no contexto da vida em sociedade. Cuidar implica colocar-se no lugar do outro, geralmente em situações diversas, quer na dimensão pessoal, quer na social. É um modo de estar com o outro, no que se refere a questões especiais da vida dos cidadãos e de suas relações sociais, dentre estas o nascimento, a promoção e a recuperação da saúde e a própria morte. Compreender o valor do cuidado de enfermagem requer uma concepção ética que contemple a vida como um bem valioso em si, começando pela valorização da própria vida para respeitar a do outro em sua complexidade, suas escolhas, inclusive a escolha da enfermagem como uma profissão”. (SOUZA et al,2005,p.267)
Na evolução do saber da enfermagem a relação de cuidar se apresenta
fortemente ligada à doença e não ao doente. Percebe-se com a era Nightingaleana
uma iniciativa de mudança deste paradigma. E desde então as teorias de
enfermagem foram surgindo e fortalecendo a profissão para o olhar ao indivíduo e
não somente a doença (SANTO;PORTO,2006,p540).
Para tanto, desenvolver uma prática em saúde que favoreça o cliente
como protagonista do processo, onde o mesmo faça parte juntamente da equipe de
enfermagem na construção do seu plano de cuidado, é necessário proporcionar
bons encontros entre profissionais e usuários. Encontros estes, onde haja a
ampliação da “escuta, do olhar”, onde os profissionais lançam mão de ferramentas e
tecnologias (duras, leve-duras e leves) de trabalho em saúde que o auxiliam na
assistência a ser prestada. Considerando tecnologias duras como sendo aparelhos e
equipamentos, as tecnologias leve-duras as que se referem ao conhecimento
técnico, e a tecnologia leve como as relações do trabalhador e o usuário, onde
ocorre a produção do cuidado, a construção de vínculos e responsabilizações
(MERHY ,1997).
A prática do profissional, o cuidado, as tecnologias que são usadas
nestes encontros facilitam ou não o sucesso da assistência ao paciente. Mesmo que
o trabalhador possua em cada encontro com o usuário a autonomia de suas ações
em “seu espaço de atendimento”.
9
Logo, quando se diz que o objeto da enfermagem é o cuidado, é preciso
pensar “como” a enfermagem tem desenvolvido este cuidado? Qual o papel dos
rituais e normas no cotidiano do mundo do trabalho? Quais as interfaces com o
outro? Quem é o protagonista do plano terapêutico?
Diante de tais questionamentos, este estudo discorre sobre o trabalho em
saúde, visto que o objeto do mesmo é a produção do cuidado tão intimamente ligada
ao profissional de enfermagem.
Sendo assim, estudar sobre o cuidado a partir do olhar da enfermagem se
faz necessário visto que o ato de “cuidar” está fortemente relacionado ao profissional
enfermeiro, profissional de nível superior da área da saúde, responsável pela
promoção, prevenção e recuperação da saúde dos indivíduos, dentro de sua
comunidade.
Portanto este trabalho tem por objetivo compreender o significado do
cuidado e sua relação com a enfermagem por meio de uma revisão de literatura.
10
2. METODOLOGIA
Este estudo caracterizou-se como uma pesquisa bibliográfica, que
segundo Biazin e Scalco (2008, p.76) “é desenvolvida a partir de material já
elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” e se caracteriza
como uma análise aprofundada sobre o tema.
O estudo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica sobre
cuidado produzido no encontro entre a equipe de enfermagem e o usuário. Para
tanto foram utilizados busca em base de dados como Literatura Latino-Americana e
do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados de Enfermagem
(BDENF), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), periódicos e livros.
As informações foram investigadas somente em publicações nacionais
por um período de 10 anos (2000 a 2010). Utilizando como palavras chaves: cuidado
em enfermagem, produção do cuidado e assistência de enfermagem. Após a
pesquisa, as informações encontradas foram sistematizadas e apresentadas de
forma descritiva.
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3. REVISÃO DE LITERATURA
Segundo Santo e Porto (2006) a profissão da enfermagem passou por
vários estágios em relação ao cuidado, sendo que as concepções de saúde e
doença acompanharam diversas correntes e modelos. A enfermagem ou a prática
de cuidar acontecia de maneira diferente nestes momentos.
No período Pré-Cristão, as doenças eram tidas como um castigo de Deus
e os sacerdotes ou feiticeiras acumulavam funções de médicos e enfermeiros. No
cristianismo os pobres e enfermos foram objeto de cuidados especiais por parte da
Igreja.
O cuidado dos enfermos foi uma das muitas formas de caridade adotadas pela Igreja e que se conjuga a história da enfermagem, principalmente após o advento do cristianismo. Os ensinamentos de amor e fraternidade transformaram não somente a sociedade, mas também o desenvolvimento da enfermagem, marcando, ideologicamente, a prática de cuidar do outro e modelando comportamentos que atendessem a esses ensinamentos. A enfermagem profissional sofreria influência direta destes ensinamentos, traduzida pelo conceito de altruísmo introduzido pelos primeiros cristãos. (PADILHA; MANCIA, 2005, p.2)
Observou-se que a igreja começou a trabalhar o cuidado do próximo de
maneira mais ordenada, com a criação em 1633, na França, da Companhia das
Irmãs de Caridade.
O trabalho da Companhia era o de alimentar os pobres, cuidar dos enfermos nos hospitais, ir aos domicílios daqueles que necessitassem e realizar o trabalho paroquial. Foi uma das primeiras associações a realizar cuidados no domicílio. Também reorganizaram hospitais, implantando a higiene no ambiente, individualizando os leitos dos doentes e dirigindo todo cuidado desenvolvido no hospital. (PADILHA;MANCIA, 2005, p.2)
Os autores complementam que o trabalho desenvolvido pelas irmãs de
caridade (rituais de cuidado) foi organizado em torno de cartas e regulamentos e, é
considerado base teórico-científico para a origem das técnicas de enfermagem,
posteriormente preconizadas por Florence Nightingale. Atualmente considerada a
fundadora da Enfermagem moderna em todo mundo. Destacando-se por participar
voluntariamente da Guerra da Criméia em 1854, onde organizou um hospital de
4000 soldados internos, baixando a mortalidade local de 40% para 2%. Sendo
reconhecida pelo governo inglês com a premiação pelo trabalho desenvolvido.
12
Posteriormente fundou a primeira escola de enfermagem no Hospital St. Thomas –
Londres, em 24/06/1860 (PADILHA;MANCIA, 2005, p.4).
Atribui-se o êxito obtido por Florence e sua equipe na Guerra da Criméia
citada acima pelo seu alto poder de observação, que após análise da realidade
posta, implantou medidas simples como: lavar as mãos e organizar o ambiente de
internação para preservar a dignidade dos pacientes.
Para Padilha e Mancia (2005) estes movimentos de construção da
enfermagem não podem ser atribuídos apenas à Florence. Contudo, foi ela quem
exerceu maior influência sobre a reforma da enfermagem no mundo e o seu trabalho
é considerado por todos os autores que tratam da história da enfermagem como o
mais completo. Relatam ainda que Florence deu voz ao silêncio daqueles que
realizavam o cuidado, sem saber provavelmente da importância daqueles rituais
praticados e que indicavam a construção da prática da enfermagem já organizada.
De acordo com Santo e Porto (2006) a enfermagem tem mais de um
século de existência, mas as teorias de enfermagem desenvolveram-se apenas a
partir da década de 50 do século XX. Atualmente, pode-se assim dizer que o ato de
cuidar é muito antigo, tão antigo quanto qualquer outra atitude. Pois o ato de cuidar
existe desde que existe a vida.
Assim, embora desde meados do século XIX Florence Nightingale já ressaltasse uma distinção entre o conhecimento da Enfermagem e o da Medicina, somente a partir da segunda metade do século XX é que os profissionais de enfermagem iniciaram estudos para o desenvolvimento, articulação e comprovação das teorias de enfermagem (SANTO; PORTO, 2006, p.540)
Para Graças e Santos (2009) o cuidado ao doente, revela, originalmente,
o sentido da própria existência da enfermagem. É pelo cuidado que a enfermagem
se projeta e se mantém como profissão. É pelo cuidar que a profissão expressa e
manifesta o seu corpo de conhecimentos, de habilidades e de atitudes.
Segundo Silva et al. (2009) refletir sobre o cuidado nos remete a
especular o que é o cuidado, quem cuida e por que cuidamos, e nessa perspectiva
de compreensão, o cuidado tem diversos significados que, por vezes são
complexos, e sem uma concepção definida. Está inserido na humanidade desde o
13
início da história do ser humano, acompanha a evolução dos tempos, convive com
as mais variadas formas de sociedade e está no interior das discussões nos
diferentes contextos coletivos.
O profissional de enfermagem que tem o cuidado às pessoas como objeto
de trabalho, e que se vincula com a clientela a ser atendida deve expressar carinho
na relação com o usuário. O cuidado em geral surge somente quando a existência
de alguém tem importância, iniciando-se então a preocupação e dedicação a esta
pessoa. Portanto, cuidar de alguém é ter sentimentos de apreço pela pessoa,
querendo o seu bem de forma ampla e geral. A expressão de afeto na relação do
profissional com o usuário pode e deve estar presente.
MERHY (2004) afirma a importância da produção do cuidado na relação
do profissional com a do paciente.
Muitas pessoas acreditam que o objeto da igreja é a salvação da alma, mas de fato o objeto é a produção de práticas, como a crença, através das quais se atingirá a salvação como finalidade, como objetivo último. Assim, no interior da igreja há uma quantidade enorme de processos produtivos articulados para a fabricação da crença religiosa e com eles a fé na salvação. Do mesmo modo, no campo da saúde o objeto não é a cura, ou a promoção e proteção da saúde, mas a produção do cuidado, através do qual poderá ser atingida a cura e a saúde, que são de fato os objetivos que se quer atingir. (MERHY, 2004. p.111)
Dentro do processo de trabalho em que se vivenciam estas relações, é
necessário entender que, para a execução do cuidado são utilizadas tecnologias que
permeiam este “mundo”.
De acordo com Merhy (1997) há três categorias para tecnologias de
trabalho em saúde, chamando de “tecnologias duras” as que estão inscritas nas
máquinas e instrumentos; as “leve-duras” as que se referem ao conhecimento
técnico, por ter uma parte dura que é a técnica, e uma leve que é o modo próprio
como o trabalhador o aplica, podendo assumir formas diferentes dependendo
sempre de como cada um trabalha e cuida do usuário; e “tecnologias leves” que
dizem respeito às relações que são fundamentais para a produção do cuidado e se
referem a um jeito e atitude próprio do profissional que é guiado por uma certa
14
intencionalidade vinculada ao campo cuidador, ao seu modo de ser, à sua
subjetividade.
Fica evidente que os sentimentos envolvidos nas relações profissional-
usuário são fundamentais para sucesso ou não do cuidado. Pois não se pode
esquecer que nesta relação com o usuário consideram-se as subjetividades tanto de
um quanto de outro. Um busca por cuidado e o outro por sua vez, está voltado a
entender a queixa e dar o melhor “caminho” para a mesma.
Captar as necessidades singulares de saúde requer do profissional abertura para inclinar-se para o usuário, para a escuta, para o estabelecimento de vínculo, de laços de confiança. Implica acolher o outro, oferecer espaço para a fala e para o diálogo. (CAPOZOLLO et al.,2005, p.56)
Ainda Capozollo et. al (2005) mencionam que a racionalidade presente
nos profissionais de saúde faz com que a relação dos mesmos seja com a “doença”
e não com a pessoa. Podendo dizer que o indivíduo “doente” é considerado apenas
um portador da “doença”, que deve ser excluído para que não atrapalhe a
objetividade da “ciência”. Os profissionais tendem, assim, a restringir seu objeto de
intervenção ao corpo doente, distanciando-se da pessoa e de seu sofrimento.
Aplicando à enfermagem, enxergar o outro como Tu é estar numa relação de reciprocidade com ele quando o profissional se coloca em sua totalidade, sem subterfúgios, de modo a ver o outro face a face pelo encontro, num instante único, presente. Desse modo, o outro deixa de ser uma soma de qualidades ou tendências ou nosso meio de sobrevivência e passamos a compreendê-lo e a confirmá-lo como o outro em sua totalidade. Daí é só lhe dar forma, descobrir, conduzir, surgindo então o verdadeiro cuidado. (CORBANI et al.,2009, p.3)
O trabalho em saúde em geral, e da equipe de enfermagem em específico
só é possível mediante o “encontro” e a relação entre profissional e o usuário. Esse
“encontro” é permeado pelos mais variados sentimentos, experiências de vida,
conhecimentos técnicos e práticos.
Daí a importância dos “bons encontros” entre os profissionais de saúde,
no caso enfermagem e os usuários. Onde estes profissionais se colocam na posição
do outro respeitando sua história de vida, crenças, condições social, cultural,
15
saberes, concepções, valores, sentimentos e desejos e promovendo pactuações,
negociações que tem por objetivo a geração do cuidado e auto-cuidado.
No encontro com o usuário, são mobilizados sentimentos, emoções e identificações que dificultam ou facilitam a aplicação dos conhecimentos do profissional da percepção das necessidades de atenção, na “aceitação” de “queixas” para investigação e intervenção. Profissionais e usuários são mutuamente afetados neste encontro. (CAPOZOLLO et al.,2005, p.59)
Cecílio (2011) categoriza este encontro profissional com usuário dentro do
que ele denomina “dimensão profissional do cuidado” que é o encontro “privado” que
ocorre em espaços protegidos, de modo geral, fora de qualquer olhar externo de
controle.
Este encontro “privado”, relacional, característico do trabalho em saúde é
chamado por Merhy (1997, 2002) de “trabalho vivo em ato”, onde opera um jogo de
expectativas e produções, com falas, escutas e interpretações. É esperado que
neste encontro haja momentos de cumplicidades e responsabilização em torno do
problema a ser enfrentado.
Como foi descrito o trabalho vivo em ato, é interessante conhecer também
o “trabalho morto” que Merhy (1997, 2002) exemplifica como máquinas e
instrumentos. Possuem esse nome porque sobre as máquinas e instrumentos
existentes já se aplicou determinado trabalho anterior, ou seja, eles já trazem uma
carga de trabalho pregresso, que lhes deu forma e função. Portanto, como já foi dito
anteriormente que o trabalho da equipe de enfermagem se dá através das
relações/interações com o usuário, pactuações com envolvimento de ambos nos
experimentos de soluções, ou seja, “trabalho vivo em ato”. Também há necessidade
da presença de instrumentos, protocolos que orientam a assistência, ou seja,
“trabalho morto”. Porém, o perfil da assistência prestada aos usuários será
determinada pela hegemonia de um ou de outro durante o encontro.
O “encontro” bem sucedido pode, além de tudo que já foi dito
anteriormente, proporcionar o “empoderamento” do usuário, ou seja, a autonomia do
mesmo em enfrentar seus problemas de saúde a partir de sua realidade concreta de
vida, ser protagonista do processo e não mais mero coadjuvante.
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O modelo biologicista, que releva a doença em detrimento da promoção do ser humano em sua totalidade, mais o uso inadequado da tecnologia fizeram com que profissionais da saúde e usuários do sistema de saúde se afastassem. O profissional assumiu o papel de onipotente, e o usuário do sistema, de subjugado. O profissional diz: "eu sei" - conhecimento científico [como se isso fosse tudo] - e o usuário: "nada ou pouco sei". Isso é típico da atitude Eu-Isso, quando o Eu encerra em si toda a iniciativa da ação, sem se voltar para o outro. (CORBANI et al.,2009, p.3)
O resultado do encontro entre um profissional com a postura (onipotente)
que vê o usuário como subjugado de acordo com Corbani et al. (2009, p.3) é a
“dependência intimidada e cega do usuário aos profissionais, levando à perda de
sua autonomia no ato de se autocuidar”.
Se pararmos para fazer essas reflexões, talvez possamos compreender que aquilo que diz respeito às nossas atitudes enquanto cuidadores precisa estar sendo diariamente pensada e avaliada na rotina da prática de enfermagem. Pois, o cuidado enquanto ato, está presente todos os dias quando realizamos procedimentos, quando cumprimos tarefas, quando realizamos diagnósticos, quando manipulamos um equipamento ou quando administramos um medicamento...”. (OLIVEIRA; CARRARO, 2011, p.2)
A forma como o trabalho em saúde está organizada e quais das três
tecnologias têm prevalência sobre o processo de trabalho, está diretamente
relacionado com a forma que o usuário será assistido pelos profissionais que ali
atuam. Outro conceito que tem influência sobre o cuidado prestado pelos
profissionais é o de “micropolítica”, que segundo Capozollo et.al.(2005, p.75) é o
“protagonismo dos trabalhadores e usuários da saúde, nos seus espaços de
trabalho e relações, guiados por diversos interesses, os quais organizam suas
práticas e ações na saúde”.
A micropolítica está relacionada com o termo “disputa”, sendo que no
encontro entre usuário e profissional, será travada uma “batalha” de interesses onde
cada um almeja alcançar seus objetivos.
Assim, o espaço da micropolítica não é uno, é múltiplo de quantas identidades se inscreverem nesse lugar, como sujeitos que pretendem realizar seus projetos, sejam eles identificados com o campo individual ou coletivo; privado ou público; cuidador ou não cuidador; enfim, é aí que se define de fato o perfil da assistência, porque é nesse lugar que se dá o trabalho em saúde. (CAPOZOLLO et al.,2005, p.75)
Portanto, é um grande desafio para os profissionais de enfermagem
conseguir despir de seus preconceitos, interesses particulares, de sua posição de
17
“poderoso” e permitir ao usuário que ele realmente participe de seu processo de
saúde-doença. Que estes profissionais ampliem o olhar e vejam seu trabalho além
do trabalho sumário e burocrático, que entendam a magnitude que vai muito além da
execução de um simples procedimento.
Parece-me que um grande desafio dos que se preocupam com os processos de gerenciamento do cuidado em saúde, no interior dos estabelecimentos, é procurar a combinação ótima entre eficiência das ações e a produção de resultados usuários centrados, isto é, procurar a produção do melhor cuidado em saúde, aqui considerado como o que resulta em cura, promoção e proteção da saúde individual e coletiva. Só que para isso, há de se conseguir uma combinação ótima entre a capacidade de se produzir procedimentos com a de produzir o cuidado. (MERHY, 2004, p.122)
18
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo objetivou compreender o cuidado humano através do
profissional de enfermagem, visto que o mesmo o tem como objeto de trabalho.
Nota-se que cuidado existe desde que existem os seres humanos, tal
assunto é muito complexo, visto que é influenciado por múltiplos fatores.
Mergulhar neste universo nos fez realizar inúmeras reflexões, pois há
uma grande riqueza de informações acerca do assunto.
Percebemos diferentes formas de olhar o cuidado: uma é o cuidado
afetuoso, aquele prestado geralmente por pessoas que possuem qualquer laço
afetivo, neste o ato de cuidar se dá quase que de forma inconsciente e sem
necessidade de conhecimentos técnicos específicos. O outro, que é enfoque deste
trabalho, é o cuidado prestado por pessoas com formação técnica específica, que
atendem aos mais diversos usuários com suas diferentes queixas, e estes que na
maioria das vezes não possuem “laços afetivos” com as pessoas a serem cuidadas,
simplesmente cuidam.
Considerando que o ato de cuidar implica no estabelecimento de
interação entre indivíduos, e para que esse cuidado prestado por profissionais no
caso da enfermagem obtenha sucesso, devemos partir do princípio que o mesmo
deve ser fruto de um encontro também exitoso.
Nos encontros entre profissionais e usuários há presença de vários
sentimentos, emoções, interesses e afetações envolvidas. Seria importante que os
profissionais tivessem um olhar ampliado para o usuário, deixando a postura
onipotente, de “sabido” que desconsidera a “bagagem” do outro. Como se o outro
fosse apenas o “que não sabe nada ou sabe muito pouco” ou então, “a queixa que
se apresenta”. Enfim respeitar a subjetividade do outro. Permitir ao usuário que
participe de seu processo de “ser cuidado”, respeitando-o em sua história de vida,
crenças, condições culturais, sociais, saberes, concepções, valores, sentimentos e
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desejos. Promovendo pactuações que o façam ter clareza que ele é peça essencial
no processo do cuidado.
Compreende-se também que o processo de trabalho no qual o
profissional está inserido e as tecnologias (duras, leve-duras e leves) empregadas
tem grande influência no tipo de cuidado ofertado, dependendo da predominância de
uma ou de outra.
Espera-se que o profissional da enfermagem esteja preparado para atuar
em todas as áreas da saúde: assistencial, administrativa e educacional, colaborando
com as práticas de educação em saúde das famílias e comunidade que atua.
Porém, observa-se na prática que este profissional constantemente se questiona
qual área e em qual momento deve extrapolar na sua prática cotidiana.
Portanto com este estudo observa-se que o envolvimento do profissional
com o trabalho, a sua disponibilidade para escutar, para estabelecer vínculos com
os usuários, o seu compromisso em oferecer uma atenção integral, em utilizar todo
seu conhecimento para prestar assistência e o seu compromisso em se
responsabilizar pelo usuário são pré-requisitos para a produção do cuidado de forma
eficiente, ou seja, para a prestação do cuidado adequado ao indivíduo.
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REFERÊNCIAS
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