104
RUDVAL SOUZA DA SILVA O cuidar/cuidado para uma boa morte: significados para uma equipe de enfermagem intensivista Salvador 2010 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ENFERMAGEM

O cuidar/cuidado para uma boa morte: significados para uma equipe de ... 2010/DISSE_PGENF... · em cuidar da família e tê-la como participante do processo de morte do seu ente querido,

  • Upload
    dokhue

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

RUDVAL SOUZA DA SILVA

O cuidar/cuidado para uma boa morte: significados para uma equipe de enfermagem intensivista

Salvador 2010

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE ENFERMAGEM

RUDVAL SOUZA DA SILVA

O cuidar/cuidado para uma boa morte: significados para uma equipe de enfermagem intensivista

Salvador

2010

Dissertação apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Área de Concentração Gênero, Cuidado e Administração em Saúde. Linha de Pesquisa: O Cuidar em Enfermagem no Processo de Desenvolvimento Humano. Orientador: Prof. Dr. Álvaro Pereira

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca da Escola de Enfermagem, SIBI - UFBA

A586 Silva, Rudval Souza da O cuidar/cuidado para uma boa morte: significado para uma equipe de

enfermagem intensivista/ Rudval Souza da Silva. – Salvador, 2010. 104 f. Orientador: Prof. Dr. Álvaro Pereira Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Escola de

Enfermagem, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, 2010. 1. Morte. 2. Cuidados de Enfermagem. 3. Assistência Terminal. 4.

Unidade de Terapia Intensiva. I. Silva, Rudval Souza. II. Pereira, Álvaro. III. Universidade Federal da Bahia. Escola de Enfermagem. III. Título.

CDU: 616-053.2-083 L

RUDVAL SOUZA DA SILVA

O cuidar/cuidado para uma boa morte: significados para uma equipe de enfermagem intensivista

Dissertação apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de

Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da

Bahia, Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Área de Concentração

Gênero, Cuidado e Administração em Saúde. Linha de Pesquisa: O Cuidar em

Enfermagem no Processo de Desenvolvimento Humano.

Aprovada em 12 de novembro de 2010.

Banca Examinadora

__________________________________________________ Prof. Dr. Álvaro Pereira Doutor em Enfermagem e Professor da UFBA

__________________________________________________ Profª. Drª. Maria Júlia Paes da Silva Doutora em Enfermagem e Professora da USP __________________________________________________ Profª. Drª. Dora Sadigursky Doutora em Enfermagem e Professora da UFBA __________________________________________________ Profª. Drª. Climene Laura de Camargo Doutora em Enfermagem e Professora da UFBA

Dedico este trabalho ao Pai Criador - Deus

pelo dom da vida e toda a força a mim concedida

para alcançar esse momento na minha vida.

À minha mãe, Edinalva e meu pai Eulálio,

na dimensão onde ele se encontre,

estes que me deram a vida e me incentivaram a lutar por ela.

À minha irmã Rivânia e minha linda sobrinha

Maria Clara a quem eu tanto amo.

À minha vó Enerina,

a quem penso ter tido uma boa morte,

a saudade permanece, contudo sentimos

a tranquilidade de saber que ela partiu em paz.

AGRADECIMENTOS

A Deus, que na sua infinita sabedoria, consegue entender, acolher e ajudar cada um

de nós no dom da vida e da morte.

À minha família, que com seu amor incondicional soube sempre me incentivar e

apoiar em cada passo da minha vida.

Ao Prof. Dr. Álvaro Pereira, meu orientador, que confiou no meu trabalho e muito

tem me ajudado a caminhar nos trilhos da pesquisa, o meu muito obrigado.

À Prof. Dra. Dora Sadigursky, em nome de quem agradeço a todos os membros do

Grupo de Pesquisa e Estudos sobre o Cuidar em Enfermagem – GECEN. Espaço no

qual tenho crescido como pesquisador.

À Prof. Dra. Maria Julia Paes da Silva, que através das suas obras – livros, sempre

tem me inspirado a repensar a minha maneira de cuidar do outro como pessoa – ser

humano.

Às Professoras Dra. Climene Laura de Camargo e Dra. Fernanda Carneiro Mussi,

por suas valiosas contribuições à minha dissertação.

Aos amigos da Maternidade Climério de Oliveira e Hospital Geral Roberto Santos,

pelo apoio, compreensão e torcida.

A todos os amigos do Conselho Regional de Enfermagem da Bahia, pela torcida e

incentivo na realização desse sonho.

À Enfª Stela Dantas, diretora de Ensino e Pesquisa do Hospital Aristides Maltez, em

nome de quem agradeço a toda equipe de Enfermagem da UTI do HAM.

Aos colegas da Pós-graduação da EEUFBA, em especial as colegas Espírito Santo,

Gisele e Valdicele, pela amizade, apoio e bons momentos de estudos juntos.

A todo corpo docente da Pós-graduação da EEUFBA pela oportunidade de reflexão

acerca dos diversos temas discutidos nas aulas do mestrado.

A todos os funcionários da Pós-graduação.

Enfim, a todos que, direta ou indiretamente contribuíram para a realização desse

sonho, que num momento tão rápido da minha vida fui despertado a realizar e

graças a Deus, se tornou realidade.

“Houve um tempo em que nosso poder perante a morte era muito pequeno, e de fato

ela se apresentava elegantemente. E, por isso, os homens e as mulheres

dedicavam-se a ouvir a sua voz e podiam tornar-se sábios na arte de viver. Hoje,

nosso poder aumentou, a morte foi definida como a inimiga a ser derrotada, fomos

possuídos pela fantasia onipotente de nos livrarmos de seu toque.

... Dizem as escrituras sagradas: ‘Para tudo há o seu tempo. Há tempo para

nascer e tempo para morrer’. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A

“reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue

quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica,

simétrica à obstetrícia: a ‘morienterapia’, o cuidado com os que estão morrendo. A

missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir.

Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de

UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a ‘Pietà’ de

Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços.

Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.

Com isso, nós nos tornamos surdos às lições que ela pode nos ensinar. E nos

encontramos diante do perigo de que, quanto mais poderosos formos perante ela

(inutilmente, porque só podemos adiar...), mais tolos nos tornaremos na arte de

viver. A morte não é algo que nos espera no fim. É companheira silenciosa que fala

com voz branda, sem querer nos aterrorizar, dizendo sempre a verdade e nos

convidando à sabedoria de viver. Quem não pensa e não reflete sobre a morte,

acaba por esquecer da vida. Morre antes, sem perceber."

O médico - Rubem Alves

(ALVES, 2008)

SILVA, Rudval Souza da. O cuidar/cuidado para uma boa morte: significados para uma equipe de enfermagem intensivista. 2010, 104 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.

RESUMO Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, com abordagem qualitativa. Tendo como objetivo compreender o significado simbólico do cuidar/cuidado para uma boa morte na perspectiva da equipe de enfermagem de uma UTI. O estudo foi realizado em uma UTI de um hospital especializado em oncologia da cidade de Salvador-Ba, no período de abril a julho de 2010, com dez profissionais de enfermagem que concordaram em participar do estudo. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados entrevistas semi-estruturadas, que depois de transcritas foram analisadas tomando por base o referencial metodológico de Análise de Conteúdo proposto por Bardin e o referencial teórico do Interacionismo Simbólico, onde se buscou compreender os significados do cuidar/cuidado para uma boa morte. Os resultados possibilitaram evidenciar quatro categorias: uma boa morte: ausência de dor e sofrimento; o conforto como alívio da dor/sofrimento e como medida de manutenção da integridade corporal; a proximidade da família e sua participação no processo de morte e morrer; preparo profissional da equipe no cuidar/cuidado para uma boa morte. Pode-se depreender que o cuidado prestado ao Paciente Fora de Possibilidade de Cura na Unidade de Terapia Intensiva está direcionado ao cuidado com o corpo, havendo ausência do cuidado com vista à integralidade do ser. Desse modo, a definição adotada, no estudo, para uma boa morte, não foi evidenciada nas falas dos entrevistados na sua plenitude. Todavia, a equipe tem uma preocupação em cuidar da família e tê-la como participante do processo de morte do seu ente querido, além de perceber a necessidade de integração da equipe, bem como o preparo desta, para melhor cuidar do paciente em processo de morte e morrer na UTI. O que se pode recomendar é que há uma necessidade de ampliar os horizontes desse cuidado, buscando um cuidar/cuidado direcionado às dimensões biopsicossocioespirituais do paciente e sua família. Descritores: Morte, Cuidados de Enfermagem, Assistência Terminal, Unidade de Terapia Intensiva.

SILVA, Rudval Souza da. The care/caring for a good death: the meaning for an intensive care nursing staff. 2010, 104 f. Dissertation (Master’s Degree in Nursing) – Nursing School, The Federal University of Bahia, Salvador (Bahia, Brazil), 2010.

ABSTRACT

This is an exploratory and descriptive study with a qualitative approach. Aiming to understand the symbolic meaning of care / caring for a good death from the perspective of the nursing staff of an ICU. The study was conducted in an ICU from a hospital specialized in oncology in Salvador, Bahia, Brazil from April to July 2010, with ten nurses who agreed to participate. It was used as a tool for data collection semi-structured interviews, which were analyzed after transcribed building on the methodological analysis of the content as proposed by Bardin and the light of theoretical framework of Symbolic Interactionism sought to understand the meanings of care/caring for a good death. The results were categorized into four categories: a good death: no pain and suffering; the comfort and relief of pain/suffering and as a means of maintaining bodily integrity; the proximity of family and its involvement in the process of death and dying; preparation of the professional staff in care/caring for a good death. It can be inferred from the interviewees' that the care provided to ICU patients with no chance of cure is very directed to the care of the body, with a lack of care with the aim of completeness of being, hence the definition adopted in the study for a good death, was not evident in all the interviewees' statements. However, the staff is concerned with take care of families and to have their as a participant in the death of their loved one, and realize the need for an integration of team and its preparation thereof, to deliver better care to patients undergoing Death in the ICU. It can be recommended that there is a need to broaden the horizons of this care, seeking a care/caring directed to dimension physical, psychological, social and spiritual of the patient and their family. Descriptors: Death, Nursing Care, Terminal Care, Intensive Care Units.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - O cuidar/cuidado com vistas à integralidade do ser .................................26

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12

2 OBJETIVO ............................................................................................................. 18

3 O CUIDAR/CUIDADO E O CUIDADO PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM....... 19

4 UMA BOA MORTE ................................................................................................ 25

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ................................................................. 34

6 METODOLOGIA .................................................................................................... 39

6.1 TIPO DE ESTUDO .............................................................................................. 39

6.2 LOCAL DO ESTUDO .......................................................................................... 40

6.2.1 O contexto da unidade de terapia intensiva ..................................................... 41

6.3 SUJEITOS DO ESTUDO ..................................................................................... 41

6.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA DOS DADOS ................................................. 42

6.4.1 A coleta de dados ............................................................................................. 42

6.4.2 Aspectos éticos ................................................................................................ 43

6.5 ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................................... 43

6.5.1 Referencial metodológico – Análise de Conteúdo ............................................ 43

6.5.2 Referencial teórico – Interacionismo Simbólico ................................................ 45

6.6 DA CONSTITUIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE ..................................... 49

7 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................... 50

7.1 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS ................................................................ 50

7.2 AS CATEGORIAS ............................................................................................... 51

7.2.1 Uma boa morte: ausência de dor e sofrimento ................................................. 51

7.2.2 O conforto como alívio da dor/sofrimento e como medida de manutenção da

integridade corporal ................................................................................................... 56

7.2.3 A proximidade da família e sua participação no processo de morte e morrer .. 59

7.2.4 Preparo profissional da equipe no cuidar/cuidado para uma boa morte .......... 64

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 71

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 74

APÊNDICES ............................................................................................................. 79

APÊNDICE A ............................................................................................................ 80

APÊNDICE B ............................................................................................................ 81

APÊNDICE C ............................................................................................................ 84

ANEXO ................................................................................................................... 104

12

1 INTRODUÇÃO

“Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível e, de repente,

você estará fazendo o impossível”.

São Francisco de Assis

A questão da morte tem estimulado estudantes e pesquisadores a se

debruçar sobre suas várias facetas, o que tem trazido um grande desenvolvimento

na área da Tanatologia no Brasil. Contudo, o tema ainda continua a ser um tabu,

causando inclusive, estranheza quando se pretende estudar a seu respeito. David

Sudnow (1967, apud MENEZES, 2004) faz referência ao estigma que recai sobre os

indivíduos que buscam investigar essa temática.

Desse modo, precisa-se vencer tal estigma e compreender que a morte é

parte da própria vida e, se permitir olhar para ela com uma tranquilidade pelo menos

relativa.

O ser humano durante sua vivência e no processo de interação social pôde

construir diferentes simbolismos sobre a morte. Sabe-se que o processo da morte e

do morrer sofre variação segundo o momento histórico e o contexto sócio-cultural,

pois é um processo construído a partir de uma interação social, entre os grupos e

culturas, assim como, às demais dimensões do universo. No campo das ciências

sociais, os estudos acerca da morte ganharam maior dimensão a partir dos anos

1960, quando os pesquisadores passaram a perceber mudanças nas práticas e

representações relacionadas à morte e ao morrer (MENEZES, 2004).

O simbolismo da morte sofre, com isso, variações históricas sociais e

culturais. E, tomando por base o contexto histórico no qual o ser humano se

encontra, pode-se perceber que a ideia de uma boa morte tem se modificado com o

passar dos tempos.

Na cultura ocidental, num período anterior ao surgimento da ciência moderna

e da medicina, os simbolismos da boa morte estavam fortemente relacionados ao

13

componente religioso, considerando-se que morrer bem era morrer em paz com

Deus, próximo da família e das pessoas, no convívio social. Nesse contexto, os

cuidados médicos eram considerados secundários, levando-se em conta que a dor

física, muitas vezes, era valorizada, e tolerá-la era um sacrifício louvável

(WALTERS, 2004).

Na segunda metade do século XVIII, com o fortalecimento das ciências

médicas, pôde-se observar uma transformação na maneira de como a morte era

vista pelas sociedades pré-modernas. Esse fato deve-se, principalmente, às

possibilidades de serem evitadas as causas mais comuns de morte. Logo, nas

sociedades modernas, a morte torna-se algo a ser prevenido e, sua ocorrência,

eventualmente, passou a ser considerada um fracasso. Neste período, o ideal de

boa morte estava relacionado a três fases que foram definidas por Walters como:

A morte que não acontece ainda, é projetada em um futuro inimaginável; a morte que não se vê acontecer, é progressivamente removida das casas e da comunidade para as instituições de saúde; a morte que acontece sem que ninguém perceba, espera-se morrer de forma súbita e imperceptível, tranquilamente em um sono (WALTERS, 2004, p. 405).

Percebe-se, com isso, que a exclusão da morte e daquele que está morrendo

são tidas como características fundamentais da modernidade. Nesse sentido, falar

espontaneamente com o paciente que está morrendo, que é uma necessidade

preeminente deste, torna-se difícil. A morte passa, cada vez menos, a ser enfrentada

como um problema humano e social. Isso fomenta o sentimento de que a morte é

contagiosa e ameaçadora, motivo pelo qual os vivos afastam-se, involuntariamente,

daqueles que estão morrendo, causando o que se pode caracterizar como uma

morte social (ELIAS, 2001).

A expressão “morte social” adotada por Sudnow, é definida como precedente

à morte biológica, e expressa o momento em que a equipe de saúde passa a

perceber e tratar o paciente – ainda vivo – como se já estivesse morto,

transformando-o em um objeto manipulável, estigmatizando-o (MENEZES, 2004).

Certamente, as atitudes da modernidade ainda existam na realidade

contemporânea, até mesmo por que é difícil perceber, no início do século XXI, que

alguma coisa tenha sido radicalmente mudada. Contudo, diante das manipulações e

modificações do comportamento humano, o simbolismo de uma boa morte, derivado

de um processo de interação social, onde os homens estabelecem relações

14

comportamentais, uns com os outros, surge com um novo significado na pós-

modernidade – o controle do processo da morte e morrer (WALTERS, 2004).

Na transição para a pós-modernidade desponta a ideia do controle do morrer,

devido à influência dos cuidados paliativos no campo das ciências da saúde. O

simbolismo da morte toma uma nova conotação, a morte mais uma vez, torna-se um

assunto que pode ser abertamente falado. Entretanto, a modernidade não pode ser

ignorada, somente transcendida. A diferença chave no simbolismo da boa morte

entre a era pré-moderna e a pós-moderna tem relação com o elemento controle, que

aparece na área da saúde, identificando o modo pelo qual a pessoa vivencia o

processo de morte; espera-se que, nessa condição, a pessoa tenha uma

participação ativa na tomada de decisões no final de sua vida (WALTERS, 2004).

É, nesse contexto, que surge a filosofia dos cuidados paliativos, a qual,

segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), consiste numa abordagem que

busca melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares, em face aos

problemas associados às doenças, com risco de vida, através da prevenção e alívio

do sofrimento, por meio da identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e

outros problemas físicos, psicossociais e espirituais (WHO, 2010).

Esses cuidados nasceram, primordialmente, para atender aos pacientes

oncológicos em estágio avançado da doença, contudo, hoje se estende a todos os

pacientes que tenham alguma patologia que cause dor intensa, bem como outros

sintomas físicos, emocionais e/ou espirituais, tornando a vida extremamente

intolerável. São cuidados direcionados ao paciente onde não mais exista a

possibilidade da cura, mas há a possibilidade do cuidar/cuidado objetivando,

portanto, propiciar qualidade ao processo da morte e do morrer (SILVA;

SADIGURSKY, 2008).

Assim, o Paciente Fora de Possibilidade de Cura (PFPC) 1 é aquele

considerado como uma pessoa que possui determinada patologia, a qual lhes traz

como consequência a dor nas suas várias dimensões, não havendo para tal, a

possibilidade da cura. Desse modo, essa pessoa, necessita de um cuidar

direcionado ao controle da dor e ao processo de terminalidade.

1 Devido ao impacto negativo causado pela referência “terminal”, e concordando com Fonseca (2004),

de que existem algumas expressões contraditórias ou inadequadas sendo utilizadas para os pacientes “terminais”, optei, por usar a terminologia mais recente na literatura: “fora de possibilidades de cura”. Ao longo do estudo será utilizada a sigla PFPC como referência a esta terminologia.

15

É com a determinação de que é possível prestar cuidados a estes pacientes,

mesmo sem possibilidades de cura, proporcionando-lhes qualidade ao seu processo

de morte e do morrer que tem-se guiado este estudo.

Não é recente meu interesse pelos estudos sobre o tema da morte. Minha

opção por trabalhar com paciente em processo de morte aconteceu, ainda, durante

a graduação. Sentia-me instigado a investigar como se dava o cuidado ao paciente

que se encontra em processo de morte na Unidade de Terapia Intensiva – UTI, por

me inquietar com as condições de sofrimento destas pessoas, no ambiente da

terapia intensiva, onde atuava. Este é um ambiente no qual o paciente encontra-se

longe de seus familiares, num espaço totalmente adverso ao seu, e sendo cuidado

por estranhos. O estudo de Silva, Campos e Pereira (2011) concluiu que há grande

dificuldade dos enfermeiros em lidar com o paciente no processo de morte. A prática

diária da assistência é pautada, quase que exclusivamente, nos cuidados técnicos e,

há uma preocupação incipiente em relação aos cuidados emocionais e espirituais,

apesar de toda uma discussão em torno do cuidado integral e individualizado.

Quando iniciei as aulas no curso de mestrado, vivenciei a experiência da

morte de perto, com a perda de um ente querido, a minha avó, quando,

clinicamente, se suspeitou de um câncer de intestino que a levou ao óbito, em

menos de três meses, sem um diagnóstico conclusivo. Particularmente fomos contra

seu internamento, o que se tornou consenso da maioria dos seus filhos, que

respeitaram o seu desejo de não ir para o hospital. Já que moro em outra cidade,

procurei orientar os familiares a dar todos os cuidados em domicílio. Por alguns dias

fui cuidar dela, quando já se anunciava o seu final de vida, e, na maior parte desse

período, ela recebeu os meus cuidados e o de suas duas filhas até seu último

momento. No dia em que ela faleceu, quando cheguei, a encontrei respirando. Ainda

consegui num último diálogo, falar com ela, momento em que saiu lágrimas de seus

olhos. Pude ainda cuidar dela por alguns minutos, troquei sua fralda e algum tempo

depois ela fez sua viagem. O que se pode apreender diante dessa experiência é que

apesar da perda, da falta que ela faz, o sentimento expresso pela família foi o de

que proporcionamos a ela um cuidado de qualidade, que identifico como de boa

morte. Uma atenção digna, em seus últimos dias, com sua participação ativa

respeitando todas as suas vontades, inclusive a de não ir para o hospital.

E refletindo sobre a minha prática do cuidado profissional de enfermagem, há

aproximadamente quatorze anos, atuando na assistência geral, e por três anos, na

16

terapia intensiva, cuidando de pacientes enfermos e gravemente enfermos, percebo

que o fenômeno da morte está sempre presente e vem intrigando-me, fascinando-

me e, ao mesmo tempo, amedrontando-me, permitindo-me vislumbrar possibilidades

para a melhoria dos cuidados ao paciente no final da vida, e da sua família. Porém,

alguns questionamentos sobre a morte, nesse contexto, permanecem sem resposta;

questões tais como: Quais simbolismos de uma boa morte são identificados pelos

profissionais de enfermagem que atuam nas unidades de terapia intensiva? É

possível cuidar do Paciente Fora de Possibilidade de Cura no ambiente da terapia

intensiva proporcionando-lhe uma boa morte?

Esses questionamentos fizeram-me investir nessa pesquisa que tem como

objeto de estudo o significado do cuidar/cuidado para uma boa morte na perspectiva

da equipe de enfermagem de uma UTI.

A referência à boa morte destacada nesta dissertação, foi norteada pelos

estudos de Smith (2000) e Garros (2003) que a definem como um processo de

morte e morrer em que haja um controle dos sintomas do paciente; uma preparação

adequada para a morte, respeitando os princípios religiosos do paciente;

estreitamento dos laços fraternos; oportunidade para revisar sua própria vida e

relembrar momentos importantes; oportunidade para resolver negócios ainda não

terminados; evitando os processos distanásicos.

Apesar do caráter subliminar religioso e da banalização médica e social dessa

expressão, optou-se por esta noção que aqui terá caráter teórico essencial para

explicar os fundamentos do processo do cuidar/cuidado na perspectiva humana da

morte contemporânea.

Partiu-se do pressuposto de que, apesar das possibilidades de implementar

um cuidado a um PFPC respeitando os preceitos da boa morte, esta não tem sido

uma realidade efetiva na prática dos profissionais de saúde, em particular da

Enfermagem, que atua na terapia intensiva e que continua atribuindo à morte um

simbolismo negativo, relacionado ao fracasso nas suas intervenções.

Essa convicção me motivou a aprofundar meus conhecimentos sobre o

referido tema e, minha expectativa é que este estudo possa contribuir para o debate

sobre o cuidar/cuidado e o cuidado profissional de enfermagem para uma boa morte

ao PFPC na UTI, a partir da interação simbólica envolvendo interpretações e

definições, identificadas nas falas dos entrevistados, o que poderá se constituir

numa experiência inovadora que influenciará na proposição de mudanças na prática

17

cotidiana da equipe de enfermagem, integrando os simbolismos do cuidado

individualizado e complexo, respeitando as particularidades de cada paciente, para

que este possa ter expectativas de uma boa morte.

18

2 OBJETIVO

“Não há riqueza maior que a saúde do corpo, nem contentamento maior que a alegria do coração.

É melhor a morte do que uma vida amarga e o descanso eterno, mais que uma doença prolongada”.

Eclesiástico 30, 16-17

Compreender o significado simbólico do cuidar/cuidado para uma boa

morte na perspectiva da equipe de enfermagem de uma UTI.

19

3 O CUIDAR/CUIDADO E O CUIDADO PROFISSIONAL DE

ENFERMAGEM

“Cuidar situa-se na encruzilhada do que permite viver e do que está a morrer...

Cuidar: - é permitir nascer ... e renascer para vida, viver a morte.

- é reencontrar a dimensão simbólica dos cuidados o sentido do sagrado:

o que dá sentido à vida na sua inserção social. - é permitir passar ... ultapassar ... trespassar ...”.

Collièr, 2003, p. 195

A filologia da palavra cuidado deriva-se do latim cura, em sua forma mais

antiga. Já a palavra cura escreve-se como coera, que constitui um sinônimo erudito

de cuidado. Outra origem para a palavra cuidado deriva-se de cogitare-cogitatus,

que também tem o mesmo sentido de cura. Desse modo, pode-se relacionar a

natureza da palavra cuidado com o sentido de cogitar, pensar, dar atenção, mostrar

interesse, preocupação, solicitude, desvelo. O cuidado surge quando a existência de

alguém tem importância para aquele que presta o cuidado. O termo cuidar se

apresenta com um simbolismo linguístico complexo e polissêmico. Portanto, cuidar é

um valor fundamental e um ideal moral comum a todos os seres humanos – o ser

humano é cuidado, sem cuidado deixaríamos de ser humanos (BOFF, 2009).

Destarte podemos perceber que o cuidar envolve atos humanos no processo

de assistir ao indivíduo, a família ou à comunidade, de tal forma, que exige,

igualmente, o relacionamento interpessoal com base em valores humanísticos e em

conhecimento científico. O cuidar do outro é um processo mais complexo do que a

cura e não é prerrogativa de uma única profissão, entretanto, apesar de a

enfermagem não ser a única profissão que cuida, inegavelmente ela é a que tem

mais oportunidade de cuidar, e assim, incorpora esta função como objeto essencial

20

da sua prática, haja vista serem os profissionais de enfermagem, aqueles que

passam as 24 horas do dia junto ao paciente.

Pacheco (2004) destaca que os profissionais de enfermagem compreendem

os elementos da equipe de saúde que mantém uma relação mais íntima com o

doente, não apenas por permanecer no ambiente de cuidado à saúde durante um

período de tempo mais longo, mas também, por serem os profissionais que prestam

maior parte dos cuidados diretos ao paciente. O que a autora considera como uma

posição privilegiada, na medida em que a equipe de enfermagem tem a

possibilidade de conhecer melhor o paciente com vista à integralidade do ser.

Diante da tamanha relevância que o cuidado tem para a Enfermagem, pode-

se afirmar ser este o seu objeto de trabalho, fazendo-se necessário discorrer sobre a

distinção entre os termos cuidar, cuidado e cuidado profissional de enfermagem.

Leininger (1991) faz essa distinção ao tratar da Teoria do Cuidado

Transcultural como um dos conceitos centrais, no qual o cuidar é um verbo que se

refere às ações, processos e decisões diretas ou indiretas de assistir, ajudar, facilitar

o outro – pessoa, família e coletividade, com necessidades evidentes ou que podem

ser antecipadas, levando à melhoria ou aperfeiçoamento da condição humana ou

modo de vida. O cuidar está relacionado aos atos facilitadores de melhoria da

condição humana.

Já o cuidado é tratado, pela referida autora, como um substantivo que

descreve às atividades empregadas na assistência, ajuda ou facilitação da pessoa,

família e coletividade, com necessidades evidentes ou antecipadas, a fim de

melhorar a condição ou modo de vida humana ou para se defrontar com a morte.

Por fim, Leininger (1991) define o cuidado profissional de enfermagem como

aquele desenvolvido por profissionais com conhecimento científicos, na área da

saúde, dotados de competências interpessoais, compreendidas como

comportamentos cognitivos e culturalmente apreendidos, técnicas e processos que

visam auxiliar a pessoa, família e coletividade a recuperar, melhorar ou manter sua

saúde nos processos do viver e do morrer.

É nessa perspectiva que se distingue o cuidar, o cuidado e o cuidado

profissional de enfermagem, pelo seu caráter pessoal, ético e profissional desde

quando imprime maior determinação no julgamento crítico, na utilização de

conhecimentos e competências para intervir com qualidade, de forma segura,

21

autônoma, humanizada; para que a eficácia e eficiência dos cuidados de

enfermagem possam ser alcançadas na interação/relação com o paciente.

Convém ressaltar que o cuidado profissional de Enfermagem, além do

conhecimento e habilidades, tende na direção do paradigma humanístico e

necessita de uma abordagem relacionada aos aspectos éticos essenciais à sua

compreensão. O processo do cuidar do ser humano passa pela certeza da

autonomia e compromisso com a pessoa, família e coletividade, independente do

seu estado de saúde, da sua condição socioeconômica, crença, religião ou raça.

Nesse sentido, entende-se que o cuidado profissional de enfermagem busca a

maximização da autonomia do ser, no sentido de viabilizar aquilo que ele acredita

não ser capaz de idealizar ou fazer sozinho, fomentando a sua determinação para o

auto cuidado.

Nessa direção o cuidar/cuidado e o cuidado profissional, na sua essência,

demandam ações e competências de cunho teórico, técnico, relacional, cotejados

pelas dimensões pessoais, éticas e profissionais dos sujeitos, que interagem no

processo de cuidar. Portanto, se faz necessário que haja mudanças de paradigma

na formação e atuação dos profissionais de enfermagem, considerando que se tem

observado, certo distanciamento do enfermeiro, no contexto do cuidar/cuidado ao

PFPC, como se ao saber do diagnóstico não houvesse nada mais a ser feito, e

estivesse dando um ponto final na sua participação como cuidador.

No entanto, é justamente neste momento que o PFPC mais necessita de

atenção e de cuidados. Desse modo, precisamos compreender e assumir, na prática

diária do cuidado profissional de enfermagem, que o cuidado vai além da cura, e

apostar na possibilidade de ampliar o olhar desse cuidado, qualificando a

participação dos profissionais de enfermagem, no trabalho multidisciplinar e

intersetorial, valorizando a subjetividade e a integralidade do ser humano, que

recebe os cuidados dos profissionais de enfermagem (COLLIÈRE, 2003).

E, quando falamos em PFPC, no processo da morte e do morrer, precisamos

compreender e internalizar, que a morte é parte do ciclo vital e, mesmo não havendo

a possibilidade da cura, o cuidado sempre existirá, ele extrapola o fim da vida, apóia

a família e prepara o corpo para os rituais fúnebres de despedida. Assim sendo, a

prioridade humanística deve ser sempre do cuidado sobre a cura, Collière (2003, p.

180) em sua obra Cuidar... a primeira arte da vida, afirma que: “podemos viver sem

tratamento, mas não sem cuidados”. Assim sendo, a morte não deve ser vista como

22

uma inimiga do homem, e sim como algo a ser enfrentado com a consciência de que

ela faz parte da vida.

Collière (1999) aborda a variedade da natureza do cuidar, que na

dependência da sua finalidade pode ser identificada em dois tipos de cuidados:

aqueles que têm por fim manter a vida quotidiana – cuidados de manutenção, e

aqueles cuidados direcionados para a doença – cuidados de reparação.

Os cuidados de manutenção, quotidianos e habituais, estão ligados às

funções de manter, dar continuidade a vida pela manutenção das suas energias

essenciais. Vêm contribuir para permitir suportar melhor, os momentos de grande

sofrimento, condição que têm um lugar preponderante no processo de cuidar do

PFPC.

Já os cuidados de reparação ou para tratamento de doenças tem por

finalidade “limitar a doença, lutar contra ela e limitar as suas causas” (COLLIÈRE,

1999, p. 237-8). Desse modo, quando há uma prevalência da cura sobre o cuidar,

segundo a autora, há uma aniquilação de todas as forças vitais da pessoa. “Tudo o

que resta de capacidade de vida pede e exige ser constantemente mobilizado – e

isto até o limiar da morte [...] Assim, em vez de conhecer a morte do que lhe restava

de vida, pôde viver a sua morte.” (ibidem, p. 239).

Assim sendo, pensa-se que os profissionais de enfermagem necessitam

romper com o modelo hegemônico, no sentido de avançar, para além do modelo da

prática clínica vigente – modelo biomédico.

O paradigma biomédico, resultado da emergência do modelo mecanicista,

ainda hoje predominante no nosso meio, tem suas raízes históricas vinculadas ao

contexto do Renascimento e, de toda a revolução artístico-cultural que ocorreu

naquela época, cuja consecução demandou o surgimento dos avanços tecnológicos.

Paralelamente a esses avanços e às sofisticações na prática clínica de assistência à

saúde, tem sido detectada sua impossibilidade de oferecer respostas conclusivas ou

satisfatórias para muitos problemas relacionados à intersubjetividade do ser. De fato,

o paradigma biomédico estimula a adesão a um comportamento extremamente

cartesiano, da separação entre corpo e mente. A força do reducionismo cartesiano

evidenciada pela intensificação da divisão do indivíduo, em partes, contribui

sobremaneira para dificultar a valorização do todo (CAPRA, 2006).

Portanto, pode se perceber na trajetória dos tempos hodiernos, que as ações

de saúde têm sido sempre marcadas pelo "paradigma da cura", tendendo em

23

direção aos cuidados críticos, por uma medicina de alta tecnologia (PESSINI, 2001,

p. 217). A existência sempre mais numerosa de Unidades de Terapia Intensiva nos

hospitais, somada à constante falta de leitos nestas unidades, pode exemplificar

essa realidade.

É mister que a tecnologia é uma condição necessária na medicina moderna,

contudo, à medida que a prestação do serviço de saúde torna-se mais dependente

da tecnologia, são deixadas de lado as práticas humanistas mais simples, tais como

a manifestação de apreço, preocupação e presença solidária com os doentes. O

cuidar neste mundo dos avanços tecnológicos na saúde, na atualidade, vem como

uma necessidade de resgatar a humanização da assistência, quando o

conhecimento e as habilidades técnicas não alcançam o êxito (PESSINI, 2001).

E, para responder a esse resgate do cuidar humano, como uma característica

única e essencial da prática da enfermagem, é necessário adotar como pressuposto

básico do cuidado profissional de enfermagem o princípio da integralidade do ser

humano – também identificado como paradigma holístico. Emerge deste, a noção de

viver em equilíbrio, numa perspectiva de integração cultural, ética e ecológica

(WALDOW, 1995).

Waldow (1995) define o paradigma holístico como um equilíbrio do ser

humano, sociedade e natureza. Metaforicamente, representado como uma relação

FIGURA 01 – O cuidar/cuidado com vistas à integralidade do ser.

24

simbiótica, na qual, a ecologia interior está representada pelo equilíbrio entre corpo,

coração e espírito; a ecologia social, a arte de viver em paz com os outros – em

sociedade, e a ecologia planetária, a arte de viver com a natureza, idealizado na

ilustração (figura 01) com a finalidade de comportar os simbolismos do

cuidar/cuidado com vistas à integralidade do ser.

Desse modo, busca-se romper com a fragmentação corpo/mente, própria do

paradigma biomédico, que valoriza essencialmente a esfera física, a estenderem-se

às mais altas manifestações do espírito humano, que transcende além do corpo

físico.

Somente pautando-se numa visão do ser humano para além do físico, poderá

se perceber que o cuidado é imprescindível em todas as situações de enfermidades,

incapacidades e durante o processo de morte e do morrer, considerando que a

finalidade do cuidar na enfermagem é, prioritariamente, aliviar o sofrimento humano,

manter a dignidade e propiciar meios para manejar com as crises e com as

experiências do viver e do morrer (WALDOW, 1999).

Depreende-se desses conceitos que cuidar não é somente lutar contra a

morte, é preciso aceitá-la para que o processo de morrer se dê da melhor forma e,

assim, possa permitir que a pessoa alcance a paz no momento que talvez seja

considerado o mais sagrado, o momento da partida, dos esclarecimentos dos fatos,

de reconhecimento dos erros - momento de reflexão.

Assim, o cuidar/cuidado para uma boa morte deve ser um cuidado baseado

nos princípios éticos da veracidade, visando propiciar a autonomia, a

proporcionalidade terapêutica e o duplo-efeito (relação custo/benefício da medida

terapêutica), na prevenção dos problemas potenciais e no não-abandono. Orientado

para o alívio do sofrimento, focalizando-se na pessoa doente e não na doença da

pessoa, resgatando e revalorizando as relações interpessoais no processo de

morrer, utilizando como princípios essenciais a compaixão, a empatia, a humildade e

a honestidade (ARAÚJO e SILVA, 2006).

25

4 UMA BOA MORTE

“O sofrimento somente é intolerável quando ninguém cuida”.

Dame Cicely Saunders

O historiador francês Philippe Ariès realizou um estudo sobre a história do

homem perante a morte, observando a sua relação com ela, que provoca e recebe

tantas interpretações e significados simbólicos a depender do contexto histórico,

social e cultural no qual o ser humano se encontra. O seu estudo se refere à história

ocidental e foi realizado nos anos de 1960, por um período de mais de uma década,

na França, o que originou duas obras: O homem diante da morte (ARIÈS, 2000) e

História da morte no Ocidente (ARIÈS, 2003).

Segundo Ariès (2003), na Alta Idade Média, o homem percebia a morte como

o simbolismo de um ritual comunitário e a enfrentava com dignidade e resignação.

Era um fenômeno do cotidiano, visto com simplicidade. Nesse período, a partir da

interação do homem com a sociedade daquela época, o autor denomina a morte

como “domada”, referindo-se a ideia básica de que para o homem daquela época, a

morte fazia parte da sua vida, este sabia quando ela estava próxima e vivia em

função deste conhecimento coletivo – público.

Os avisos da morte eram dados por signos naturais, havia uma premonição

sobrenatural, e era sabido quando o seu fim estava próximo. “Era de costume

estender-se de modo que a cabeça estivesse voltada para o oriente, em direção a

Jerusalém” (ARIÈS, 2003, p. 31).

Durante a segunda fase da Idade Média, séculos XI – XII, de acordo com seu

estudo, ocorreram modificações sutis que deram um sentido dramático e pessoal à

familiaridade do homem com a morte. Ou seja, um ato simbólico de aceitação da

ordem da natureza – “aceitação ao mesmo tempo ingênua na vida cotidina e sábia

nas especulações astrológicas”, o que Ariès denomina “a morte de si mesmo”

(ibidem, p. 46).

26

A partir do século XVIII, o simbolismo da “morte domada” (ibidem, p. 25),

como a certeza de que todos nós morremos e “a morte de si mesmo” (ibidem, p. 46),

como a consciência da sua existência, passa por transformações diante do

dinamismo da sociedade e a interação do comportamento humano, tendo a morte

um novo sentido, o homem passa a exaltá-la e dramatizá-la. Contudo, não mais se

preocupando com a própria morte, mas sim com “a morte do outro” (ibidem, p. 64),

que toma um simbolismo da morte romântica. Surgem com isso o novo culto aos

túmulos e cemitérios. Do século XVI ao XVIII, imagens da literatura e arte, fazem

alusão da morte associada ao amor, tendo como objetos sociais daquela época, os

símbolos dos deuses da mitologia grega - Tanatos e Eros.

Da Alta Idade Média até meados do século XIX, as atitudes do homem diante

da morte mudaram. “A morte, tão presente no passado, de tão familiar, vai se

apagar e desaparecer. Torna-se vergonhosa e objeto de interdição” (ARIÈS, 2003,

p. 84).

Ariès ainda se refere a uma inversão nas características da morte, o que

adjetiva como “morte invertida” (ibidem, p. 227). Ninguém quer falar sobre o que está

acontecendo com o doente, nem ele próprio, que geme, sofre, mas nada diz. Os

familiares sofrem juntos, mas fingem que está tudo bem, agindo como uma pseudo

proteção ao doente, ou porque não dizer a eles mesmos. A morte do outro se torna

dramática e insuportável, e se inicia um processo de afastamento social dela,

momento em que o paciente passa a ser estigmatizado.

A era moderna inicia-se com o ocultamento do processo da morte para aquele

que está morrendo. A família não tem mais a abertura para dizer ao seu ente, que a

morte está chegando, como era vista em tempos passados. Justificando tal atitude,

o desejo de poupar o enfermo e iniciando com isso, o processo de escamoteamento

da morte.

A exclusão da morte e de quem está morrendo são estigmas fundamentais

criados na modernidade. A morte teria detonado o sexo como tabu, incorporando-o

ao discurso, ao passo que a morte lenta e anunciada, em consequência de doença

crônica degenerativa, torna-se objeto de tabu, um estigma (PESSINI, 1990; ARIÈS,

2003; MENEZES, 2004).

Com o desenvolvimento da indústria e da tecnologia médica, observa-se uma

grande mudança na representação da morte domada, onde está se torna selvagem.

No momento da morte não se dá a devida importância aos simbolismos, a esta

27

situação não se percebe mais os avisos. Neste período surgem as bases do que

viria a ser a civilização moderna, onde o sentimento mais pessoal e mais

interiorizado da morte, da própria morte, traduz o apego às coisas da vida. As

origens do individualismo estariam situadas nesse período (ARIÈS, 2003).

Não seria, então, o grande acontecimento a substituição da família pelo médico, a tomada do poder pelo médico, e não por qualquer tipo de médico, mas pelo médico do hospital? O antigo médico da família, o de Balzac, era, junto com o padre a família, o assistente do moribundo. Seu sucessor, o clínico geral, afastou-se do moribundo: a morte deslocou-se do quarto do doente – no qual o clínico geral não é mais chamado – para o hospital, onde se amontoaram, a partir de então, todos os doentes graves em perigo de morte. E, no hospital o médico é ao mesmo tempo um homem de ciência e um homem de poder, poder esse que exerce sozinho. (ARIÈS, 2003, p. 288-9)

No modelo da morte moderna, o doente que está morrendo é silenciado, não

participa das decisões referentes à sua vida, doença e morte. Não há escuta para a

expressão dos seus sentimentos (MENEZES, 2004).

No século XX, a morte passou a ser vista como um tabu deixando de ser um

momento no espaço/tempo da vida, passando a um processo – num ambiente em

que a tecnologia passa a ser essencializada, a morte esperada no leito é hoje algo

que acontece no hospital, o paciente, frequentemente já está inconsciente, por

indução médica, numa unidade de terapia intensiva, não tendo mais o direito de

decidir por sua morte, proíbe-se até o seu último direito, o de saber quando o seu fim

se aproxima.

Antes domada, agora na condição de invertida, a morte assume um novo

referencial. Segundo as definições do historiador francês Ariès e é ele quem,

novamente, nos relata sobre esse início da medicalização da morte:

O quarto do moribundo passou da casa para o hospital. Devido às causas técnicas médicas, esta transferência foi aceita pelas famílias, estendida e facilitada pela sua cumplicidade. O hospital é a partir de então o único lugar onde a morte pode escapar seguramente à publicidade – ou àquilo que resta – a partir de então considerada como uma inconveniência mórbida. É por isso que se torna o lugar da morte solitária. (ARIÈS, 2000, p. 322)

Diante da situação que se chegou com a “medicalização da morte”, o homem

aprendeu a procurar a cada dia driblar a morte, prolongando o tempo de vida,

falseando um vitalismo e criando com isso um processo distanásico. O adiamento da

morte passa a fazer parte do inconsciente coletivo, no qual não se aceita mais que

28

não se aplique todos os equipamentos para manter a pessoa nessa condição, sem o

suporte dos recursos mais avançados (ibidem, p. 313).

Nesse sentido, se faz necessário repensar medidas que possam ajudar o

paciente e sua família a enfrentar essa condição e mesmo diante de toda tecnologia

disponível aceitar a morte como parte do ciclo vital.

Sabe-se que a morte é inevitável a todos, é parte da vida, e tratá-la como se

fosse um acidente biológico evitável é um equívoco. Contudo, é outro erro acreditar

que nada mais pode ser feito pelo PFPC; pois, enquanto há vida, existe a

necessidade do cuidado de enfermagem. Precisa-se compreender que a morte é

parte da vida e, mesmo não havendo a possibilidade da cura, o cuidado não deixa

de existir - a prioridade na condição humana deve prevalecer o cuidado sobre a cura

(COLLIÈRE, 1999).

Assim, é dever do enfermeiro e de sua equipe prestar uma assistência ao

paciente durante todo o seu tratamento, especialmente quando não é mais possível

a cura. Nessa situação o doente precisa ser submetido a cuidados paliativos

(PESSINI, 2001; ARAÚJO; SILVA, 2006).

E, para tal, surgem os movimentos pelos direitos do PFPC. Na década de

1960, Elizabeth Kübler-Ross e Cicely Saunders estabeleceram as bases filosóficas e

éticas da dignidade no cuidado ao PFPC.

Lançando mão do método empírico mais antigo do homem, o da comunicação

pessoa-pessoa, Kübler-Ross ao escutar os pacientes, aprendeu com eles a

conhecer a psicologia e espiritualidade do processo do morrer. Com isso, ela propôs

um modelo, que foi originalmente descrito em cinco estágios, pelos quais a pessoa

passa ao lidar com a experiência da morte nas suas várias dimensões. Segundo seu

modelo o pacientes passa por cinco estágios conhecidos como os cinco estágios da

morte: negação/isolamento, raiva, negociação, depressão e aceitação. Entretanto, a

autora ressalta que estes estágios nem sempre ocorrem nesta ordem, como também

não são experienciados por todos os pacientes, mas afirma que uma pessoa sempre

apresentará pelo menos dois deles (KÜBLER-ROSS, 2000).

A partir dos seus estudos Kübler-Ross fundou a Tanatologia - palavra de

origem grega: Tanathos - o deus da morte e logia – ciência, estudo, o que segundo

Houaiss e Villar (2001) representa o estudo da morte e do morrer, uma ciência que

segundo Kübler-Ross, todos deveríamos exercitar, pois diz respeito a nós - seres

humanos (KÜBLER-ROSS, 2000).

29

Já Dame Cicely Saunders, como ficou conhecida, foi uma mulher que teve

sua formação como enfermeira, assistente social e médica, e ao desenvolver as

habilidades de escutar os pacientes, aprendeu a avaliar o sofrimento físico.

Saunders fundou o sistema de Hospice moderno e iniciou, na Inglaterra, um

movimento mundial para fornecer o cuidado compassivo para a morte, o que se

identifica como Cuidados Paliativos. Ela ao fundar o St. Christopher Hospice, em

Londres, estabeleceu os novos métodos de controle da dor e uma multifacetada

abordagem holística para o cuidar/cuidado (BOULAY, 2007a).

Cicely Saunders, em seus estudos, percebeu que a dor não é apenas uma

condição física, mas que há várias maneiras de sentir dor. Com isso ela definiu a dor

em quatro dimensões que atendem a integralidade do ser, a saber: dor física, dor

emocional, dor social e dor espiritual, o que ela passou a chamar de “dor total”

(BOULAY, 2007b).

A dor física é a mais óbvia por ser percebida a partir do conhecimento que se

tem da patologia e dos sinais e sintomas que o paciente apresenta; a dor emocional

surge no enfrentamento da inevitabilidade da morte, com a perda da esperança,

sendo muito evidente nas mudanças do humor e na expressão dos sentimentos; a

dor social é visível a partir do isolamento, com a dificuldade que o paciente tem em

se expressar diante do processo do morrer, criando com isso uma atitude de solidão;

e a dor espiritual surge da perda do sentido da vida e, da esperança na sua

recuperação. O paciente sente-se não atendido nas suas preces ao ser superior.

Todos necessitam de um horizonte de sentido, necessitam de uma razão para viver

(CLARK, 1999; BOULAY, 2007a; BOULAY, 2007b).

Com os trabalhos de Kübler-Ross e Cicely Saunders dão-se início aos

primeiros passos para a disseminação da filosofia dos cuidados paliativos. A

Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1990, definiu os cuidados paliativos

como o cuidado ativo e total ao paciente, cuja doença não responde mais ao

tratamento curativo, sendo prioritário o controle da dor e de outros sintomas e

problemas de ordem psicológica, social e espiritual, tendo como objetivo

proporcionar a melhor qualidade de vida para pacientes e família (PESSINI, 2001).

Esta definição foi reestruturada, considerando que o uso do termo “curativo”

como empregado não ficou claro, uma vez que muitas condições crônicas não

podem ser curadas, mas ao contrário podem ser compatíveis com uma expectativa

de vida por várias décadas. Com isso, em 2002, a OMS redefiniu o conceito de

30

Cuidados Paliativos, dando ênfase a prevenção do sofrimento. O novo conceito

destaca que:

Cuidados Paliativos é uma abordagem que aprimora a qualidade de vida, dos pacientes e famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, por meios de identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual (WHO, 2010).

A OMS ainda define os princípios filosóficos dos cuidados paliativos, que são:

proporcionar o alívio da dor e outros sintomas angustiantes; afirmar a vida e encara

a morte como um processo natural; não apressar ou adiar a morte; integrar os

aspectos psicológicos e espirituais do cuidado ao paciente; oferecer um sistema de

apoio para ajudar os pacientes a viverem tão ativamente quanto possível até a

morte; usar uma abordagem de equipe para atender às necessidades dos pacientes

e suas famílias, incluindo aconselhamento de luto, se indicado; melhorar a qualidade

de vida, o que se espera que possa influenciar positivamente o curso da doença; ser

aplicado no início do curso da doença, em conjunto com outras terapias que visam

prolongar a vida, como a quimioterapia ou radioterapia; incluir as investigações

necessárias para melhor compreender e gerir angustiantes complicações clínicas,

(WHO, 2010).

Portanto, pode se inferir que nesse momento da morte, o que nunca deve ser

dito é: infelizmente não há nada mais que possamos fazer por seu ente querido.

Pelo contrário, existe muita coisa a se fazer! A pergunta mais apropriada que o

profissional deve fazer nessa hora é: o que mais eu posso fazer para ajudar vocês

(paciente/família) durante esse momento difícil?

Nesse contexto, o profissional de enfermagem desempenha papel relevante

no cuidar/cuidado ao paciente e sua família. Um dos princípios fundamentais do

Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (CEPE) regulamenta que “o

profissional de enfermagem respeita a vida, a dignidade e os direitos humanos, em

todas as suas dimensões” e, ainda, determina em seu Artigo 19 como

responsabilidade e dever do profissional, “respeitar o pudor, a privacidade e a

intimidade do ser humano, em todo seu ciclo vital, inclusive nas situações de morte e

pós-morte”. Desta forma, o CEPE nos traz algumas diretrizes voltadas para ações

práticas da Enfermagem que podem contribuir na assistência ao PFPC em cuidados

paliativos numa UTI (BRASIL, 2007, p. 3).

31

Desse modo, a Enfermagem pode atuar direcionando os cuidados

profissionais de enfermagem, que tem por base os princípios filosóficos dos

cuidados paliativos, para uma boa morte. Mas, o que seria uma boa morte, uma

morte com qualidade, digna ou aceitável para um ser humano? A literatura médica

recente tem abordado esse tema com relativa frequência, em razão do

reconhecimento de que os cuidados médicos no final da vida envolvem o uso

excessivo e inapropriado da tecnologia, e que a medicina paliativa está encontrando

lugar de destaque dentro da literatura pertinente ao intensivismo (SMITH, 2000).

Com o pensamento direcionado pelos princípios filosóficos dos cuidados

paliativos, e baseando-se nos conceitos de Smith (2000) e Garros (2003), adota-se

nesse estudo como definição para Boa Morte, um processo de morte e morrer em

que haja o controle dos sintomas do paciente; uma preparação adequada para a

morte, respeitando os princípios religiosos do paciente; estreitamento dos laços

fraternos; oportunidade para revisar sua própria vida e relembrar momentos

importantes; oportunidade para resolver negócios ainda não terminados; evitar os

processos distanásicos.

Um cuidar/cuidado pautado nessa perspectiva pode proporcionar uma boa

morte, uma terminalidade sem sofrimento, dizer não a distanásia2, prestando o

cuidado à pessoa e ao seu corpo, oferecendo condições fisiológicas que permitam

que a vida estabeleça seu limite.

Assim, pode-se proporcionar ao PFPC uma associação entre os conceitos de

uma boa morte - “a arte de bem morrer” – ortotanásia, que por sua vez, significa

“morrer no tempo certo”, garantindo a dignidade no viver e no morrer. Uma espécie

de morte sem prolongamento desnecessário da vida, com alívio das dores,

permitindo à pessoa que já entrou na fase final da vida, e aos que o cercam

enfrentar a morte com certa tranquilidade (PESSINI, 2001, p. 227).

A ortotanásia permite ao doente que já entrou na fase final e aos que o cercam enfrentarem a morte com certa tranquilidade, porque, nesta perspectiva, a morte não é uma doença a curar, mas sim algo que faz parte da vida. Uma vez aceito esse fato que a cultura ocidental moderna tende a esconder e negar, abre-se a possibilidade de trabalhar com as pessoas a distinção entre curar e cuidar, entre manter a vida quando este é o

2 O termo distanásia segundo Pessini (2009) significa ação, intervenção ou procedimento médico que

não tem por objetivo trazer benefícios a pessoa em fase terminal, e que posterga inútil e sofridamente o processo do morrer, procurando distanciar a morte. Os europeus chamam de obstinação terapêutica e os norte-americanos, de medicina ou tratamento fútil e inútil.

32

procedimento correto e permitir que a pessoa morra que sua hora chegou. (PESSINI, 2001, p. 228)

Nesse sentido, o cuidado de enfermagem ao PFPC faz parte de um processo

que envolve desde a tomada de decisão, manutenção, até a interrupção do

tratamento, nos quais estão contemplados os “cuidados de ordem espiritual, social,

emocional e físico, num contexto assistencial interdisciplinar” (DANIEL; ARAÚJO;

PAULA, 2006, p. 78).

Menezes (2004) revela que é na cultura do individualismo, aquela que

valoriza a vida única e singularmente vivida, que emerge o conceito de “boa morte”,

como àquele escolhido e produzido por quem está morrendo. O ideário da boa morte

é auxiliar e pacificar os medos e ansiedades dos que estão morrendo e daqueles

que cuidam destes. Nessa dimensão, a boa morte passa a ser amplamente

divulgada e debatida, desde o início do movimento pelos cuidados paliativos.

Enquanto na morte moderna, o médico é o protagonista na tomada de decisões, no

ideário da boa morte, a autoridade e o poder de decisão são próprios do paciente.

Nessa orientação, os profissionais de saúde, dentre os quais os de

Enfermagem estão incluídos, são aqueles que têm a incumbência específica de

zelar por uma assistência de qualidade no cuidar/cuidado ao PFPC, de modo a lhes

proporcionar uma boa morte, oferecendo-lhe momento de atenção, aceitando falar

sobre sua doença, sua real situação, exercendo um papel confortador, fortalecedor,

e de esperança. Significa falar sem eufemismo, tendo consciência de que o paciente

sabe de sua situação. Assim, faz-se necessário ir direto ao ponto, com linguagem

clara e simples, enfim, falar sobre questões que o paciente quer e tem o desejo de

conversar (KÜBLER-ROSS, 2000).

Vendo o paciente crítico por essa perspectiva questiona-se: será possível

existir uma boa morte no ambiente de uma UTI? É difícil para o profissional

intensivista aceitar isso, mas em última análise, facilitar uma boa morte deveria ser

considerado motivo de satisfação, a expressão de prazer pelo dever cumprido. Algo

semelhante aos sentimentos, expressos pelos profissionais no ato de salvar uma

vida, citando como exemplo, uma reanimação cardiorrespiratória exitosa. Precisa-se

tomar consciência de que a morte é uma antiga companheira do cotidiano, e se faz

necessário aprender a conviver com ela (GARROS, 2003). E, nas situações de

morte e morrer, proporcionar ao paciente, cuidados cercados de compaixão,

humanismo, dignidade e livre de sofrimento psicossocioespiritual.

33

Nesse sentido, reafirma-se que os significados simbólicos, negativos,

relacionados à morte, que foram construídos ao longo da história da humanidade,

podem ser modificados a partir do momento que se toma consciência de que a

morte é parte do ciclo vital, e que é preciso ver esse ser que está morrendo, com o

“coração misericordioso”, pleno de esperança, que seus anseios sejam atendidos,

apoiando-o, ouvindo suas queixas, sofrimentos, valorizando e fortalecendo esse

momento com energias positivas que auxiliem a sua condição psicológica, social e

espiritual num momento em que o cuidado corporal deixa de ter sentido primordial.

Na prática, os dois estarão participando de um ritual de passagem, o paciente

em caminho a “outra dimensão” e o profissional de enfermagem a caminho do

crescimento pessoal, ético e espiritual, compreendendo a sensibilidade como

fundamento ou razão do cuidado humano essencial.

34

5 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA

"O sucesso da UTI não pode ser medido apenas pelas estatísticas de sobrevivência, como se cada morte fosse uma falha da equipe de saúde.

É para ser medido pela qualidade de vida preservada ou recuperada, pela morte digna daqueles que estão morrendo e a qualidade das relações humanas

envolvidas em cada atendimento”.

Dunstan G. R. Hard

O aparecimento das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) é fruto da

necessidade de proporcionar apoio, de modo intensivo, ao indivíduo em condições

críticas, o que inicialmente era caracterizado, apenas, por uma aproximação da

unidade do paciente aos recursos de cuidados. Portanto, segundo Lino e Silva

(2001) a UTI nasceu de uma necessidade logística:

Florence Nightingale, durante a Guerra da Criméia, selecionava os pacientes mais graves, colocando-os numa situação que favorecesse o cuidado imediato e a observação constante. Assim, ao longo do tempo, várias tentativas de organização do cuidado médico e de enfermagem a doentes com alto grau de complexidade foram desenvolvendo-se, como a colocação do paciente próximo ao posto de enfermagem, a elaboração de quartos especializados de acordo com as patologias, até serem criadas as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) como são hoje conhecidas (LINO; SILVA, 2001, P. 25).

Reportando-se brevemente à história da UTI, verifica-se que ela se confunde

com a evolução dos avanços tecnológicos alcançados pela medicina moderna.

Desde a civilização antiga já se falava em observação contínua, embora a

intervenção efetiva dos cuidados tenha se dado a partir do momento em que se

imprimiram os cuidados profissionais de enfermagem, por Florence Nightingale, nos

idos de 1800, durante a Guerra da Criméia.

A Unidade de Terapia Intensiva - UTI surgiu em 1946, nos Estados Unidos, a

partir da epidemia de poliomielite e do início do uso dos ventiladores artificiais,

buscando-se a manutenção da vida dos doentes. Várias tentativas foram feitas para

a organização das UTIs, mas somente com o desenvolvimento de certos

equipamentos e terapêuticas tornou-se possível a concretização e execução das

35

unidades de tratamento intensivo. Entre 1947 a 1952, após a epidemia de

poliomielite, foram criadas na Dinamarca, Suíça e França as primeiras unidades de

assistência intensiva (LINO; SILVA, 2001; MENEZES, 2006).

Segundo Menezes (2006) a UTI foi criada e mantém-se com o objetivo de

concentrar três componentes críticos: os doentes mais graves, o equipamento

técnico mais caro e sofisticado e a equipe com conhecimento e experiência para

cuidar desses pacientes e lidar com essa aparelhagem específica. O que é

corroborado por Carvalho e Arantes (2008), quando define a UTI como o setor do

hospital ao qual são encaminhados os pacientes com doença grave ou

complicações crônicas que demandam um cuidado especializado devido ao risco de

gravidade ou mortalidade, além da necessidade de monitorização contínua dos

sinais vitais e necessidades biológicas.

No Brasil, esse tipo de serviço surgiu na década de 1960, em hospitais de

grande porte no Sul e Sudeste do país. Encontram-se relatos na literatura, de que as

primeiras UTIs no Brasil foram fundadas no Hospital do Servidor do Estado do Rio

de Janeiro em 1960 e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo em 1961. Entretanto, de modo geral, as UTIs

desenvolveram-se, no país, a partir da década de 1970. Esse era o período do

milagre econômico, no qual a política caracterizava-se, essencialmente, pela busca

da modernização, pelo desenvolvimento de tecnologias de ponta e do

desenvolvimento de métodos de diagnóstico e terapêutica (SIMÃO et al., 1976).

Para permitir uma maior vigilância do corpo doente, foi necessário também

mudar a disposição do doente e da equipe. A planta de uma UTI assume uma

disposição na qual a equipe, do centro do semicírculo, deveria ser capaz de ter a

melhor visão dos pacientes, uma espécie de miniatura do Panóptico de Bentham

(FOUCAULT, 1997). Uma estrutura espacial que permite uma visibilidade máxima do

ponto central, possibilitando controle e vigilância permanentes, funções exercidas

principalmente pela equipe de enfermagem.

Em um estudo etnográfico realizado em uma UTI, Menezes (2006) identificou

que o paciente para ser aceito na UTI, é avaliado a partir de critérios estabelecidos

pela equipe médica, e o primeiro critério é sua viabilidade, e é selecionado a partir

da seguinte questão: qual caso poderá beneficiar-se com a internação nesse setor,

valendo ressaltar que os valores e critérios subjetivos, não são levados em

consideração. A expectativa de vida é um dos principais parâmetros considerados,

36

além do estigma da doença, quanto mais jovem o doente, maior o interesse dos

intensivistas. O doente considerado viável, é aquele que responde bem ao

tratamento, passa a ser nomeado de responsivo. Trata-se do paciente que mais

gratifica a equipe, certamente por reiterar seu saber técnico e reificar sua

competência.

Outro fato relevante, observado pela mesma autora é que, para a equipe, o

ideal é o paciente anônimo, aquele que não possui inserção social de destaque, nem

conhecimentos na instituição, que o coloquem em situação especial. O paciente

anônimo geralmente não questiona as decisões profissionais, não possui laços

sociais – institucionais ou não – com poder de interferência junto à equipe.

Há outra classificação do internado, observada pela autora. É aquela que se

origina da lógica institucional, que trata do enfermo cooperativo; aquele que se

conduz de acordo com o idealizado pela equipe intensivista, submetendo-se sem

queixas às manipulações e procedimentos invasivos em seu corpo. Quando o

doente não se comporta conforme o esperado, pela equipe, é qualificado como “o

paciente difícil”, é o rebelde, o oposto do cooperativo: não aceita tubos e fios em seu

corpo, tenta retirá-los, não se sujeita às manipulações ou à utilização da

aparelhagem (MENEZES, 2006, p. 73).

Desse modo, pode se perceber que o esperado na UTI, pela equipe, é

apenas tratar o paciente na expectativa da cura, relegando a existência da morte

como parte da vida, e não valorizando o cuidado, como uma possibilidade

terapêutica par além da cura. Não se dando conta de que quando o momento da

morte é chegado, não se deve lutar contra ela, mas ajudar, facilitar para que o

paciente possa vivenciar esses últimos momentos de maneira digna, para ele e sua

família, estabelecendo o cuidado para além da cura.

Nesse sentido, evidencia-se que apesar da morte ser uma presença contínua

no ambiente da terapia intensiva, ela ainda é tida pela equipe, antes de tudo, como

um fracasso profissional. Exatamente por isso se torna conveniente que a morte

perca sua importância, considerando essa luta da equipe para não aceitar a

presença da morte no seu ambiente, lutando conta. O paciente em condição de

terminalidade acaba por ser segregado pela equipe, a qual por muitas vezes, fala e

age próximo ao seu leito como se ele já não estivesse mais vivo, referindo-se ao

doente no tempo verbal passado (BOEMER, 1998; MENEZES, 2006).

37

Assim, pode se perceber que o desenvolvimento de ações distanásicas nas

quais é visível o sofrimento físico, mental e espiritual tanto do paciente como de

seus familiares, integram o cotidiano das unidades de terapia intensiva. Reforçam,

com isso, o ocultamento social da morte, considerado por Norbert Elias como parte

do impulso civilizador, iniciado na Europa há cerca de quinhentos anos. Para esse

autor, somente as rotinas institucionalizadas dos hospitais configuram, socialmente,

o final da vida, criando formas de extrema pobreza emocional e contribuindo para

que o moribundo seja relegado à solidão. A morte é encarada pela equipe como

uma inimiga a ser vencida (ELIAS, 2001).

Mas, no ambiente da terapia intensiva é possível proporcionar uma boa

morte? Instituir a filosofia dos cuidados paliativos?

Segundo autores como Araujo e Silva (2006); Carvalho e Arantes (2008);

Costa Filho et al. (2008) é possível o desenvolvimento dessa condição a partir da

aplicação da filosofia dos cuidados paliativos no âmbito da terapia intensiva. Não no

sentido de excluir a terapêutica destinada à cura, mas na busca de uma

complementaridade do cuidado, na qual seja possível realizar o cuidado com vista à

cura quando isso for possível, e os cuidados paliativos como uma possibilidade de

humanização do processo de morrer, proporcionando, com isso, um cuidado

individualizado e dinâmico, em prol de uma melhor qualidade de vida, seja para um

retorno ao convívio social, seja para que a morte aconteça com dignidade.

Os cuidados paliativos é uma abordagem que melhora a qualidade de vida

dos indivíduos e familiares na presença de situações terminais. Pode ser oferecido

em âmbito institucional ou domiciliar e tem como diretrizes orientadoras o controle do

sofrimento físico, emocional, espiritual e social do PFPC desde seu diagnóstico até o

momento da morte, e aos familiares, no curso da doença e em condições de

enlutamento (SILVA; HORTALE, 2006).

“Quando a doença é grave, exige tratamento intensivo. Do mesmo modo,

quando o sofrimento é intenso, os Cuidados Paliativos proporcionam o tratamento

intensivo” (CARVALHO; ARANTES, 2008, p188).

E, para que isso seja possível, os mesmo autores defendem que haja um

preparo da equipe, especialmente na mudança de paradigma, de um paradigma de

manutenção ininterrupta da vida para o paradigma da filosofia dos cuidados

paliativos, no qual a equipe compreenda a morte como parte do ciclo vital e sinta-se

preparada para saber quando o seu limite como profissional se estabelece e, poder

38

agir com dignidade no cuidado ao PFPC. Para isso se faz necessário, implementar

estratégias visando identificar os problemas e anseios dos pacientes, no processo

de internação e baixa expectativa de sobrevida na UTI.

Com isso é possível proporcionar um cuidado até os últimos momentos de

vida do paciente, evitando sofrimentos desnecessários, considerando que a dor e o

sofrimento são situações piores do que a própria morte.

Em nenhum momento um tratamento pode substituir os cuidados. [...] Podemos viver sem tratamento, mas não sem cuidados, a fortiori quando há tratamento. Além disso, a abundância dos tratamentos mascara a maioria das vezes uma carência de cuidados. A utilização inconsiderada de indutores do sono é um exemplo entre outros (COLLIÈRE, 2003, p. 180).

Nos Estados Unidos, instituições que discutem os cuidados paliativos têm

desenvolvido diretrizes, através de um Projeto Nacional de Consenso para a

qualidade dos Cuidados Paliativos na prática clínica, nas quais descrevem, os

preceitos fundamentais e estruturais dos programas de cuidados paliativos na

prática clínica. Desse modo, os organismos que compõem o Projeto Nacional de

Consenso, definem os objetivos dos cuidados paliativos como: medidas para

prevenir e aliviar o sofrimento; apoiar a melhor qualidade de vida possível ao

paciente e seus familiares, independentemente do estágio da doença ou a

necessidade de outras terapias. Assim sendo, corrobora a definição da OMS de que

os cuidados paliativos são uma filosofia de cuidado e um sistema altamente

organizado e estruturado para prestar cuidados ao PFPC em busca de melhoria da

qualidade de vida para o paciente e família (NCP, 2009).

Os cuidados paliativos são operacionalizados através de uma gestão eficaz

da dor e outros sintomas angustiantes, incorporando, ao mesmo tempo, a atenção

psicossocial e espiritual em consideração às necessidades do paciente/família, suas

preferências, valores, crenças e cultura. A avaliação e tratamento devem ser

abrangentes e centrados no paciente, com um foco sobre o papel central da unidade

familiar, no processo decisório.

39

6 METODOLOGIA

“É preciso qualidade de vida na fase final para se ter qualidade de morte, ou uma boa morte.

Assim, o cuidado humano especializado, que suporta e conforta,

ajuda a proporcionar a vivência de uma morte digna e tranquila”.

ARAÚJO e SILVA, (2006)

6.1 TIPO DE ESTUDO

Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, com abordagem qualitativa,

tendo como referencial metodológico, para análise das entrevistas, a Análise de

Conteúdo proposta por Bardin (2004) e, como referencial teórico o Interacionismo

Simbólico (BLUMEN, 1980), que objetivou compreender o significado simbólico do

cuidar/cuidado para uma boa morte, na perspectiva da equipe de enfermagem que

cuida dos pacientes que se encontram em processo de morte e morrer no ambiente

da UTI.

A abordagem qualitativa trabalha com o universo de significados e atitudes

que corresponde a um espaço mais profundo de relações e dos processos

(MINAYO, 1994). Ainda sobre o método qualitativo a autora enfatiza que:

Os autores que seguem tal corrente não se preocupam em quantificar, mas, sim, compreender e explicar a dinâmica das relações sociais que, por sua vez, são depositárias de crenças, valores, atitudes e hábitos. Trabalham com a vivência, com a experiência, com a continuidade e também com a compreensão das estruturas e instituições como resultado da ação humana objetiva. Ou seja, desse ponto de vista, a linguagem, as práticas e as coisas são inseparáveis (MINAYO, 1994, p. 24).

Entende-se que a busca por compreender o significado do cuidar/cuidado

para uma boa morte, entre profissionais de enfermagem na UTI, permitiu que

práticas pouco refletidas no cotidiano das UTIs fossem questionadas, a fim de

40

buscar um novo entendimento de que esse cuidado, precisa levar em consideração

o paciente como um ser que vivencia uma etapa única de sua vida, e que deve ter o

direito de participar das decisões sobre si, sobre seu corpo, seu cuidado e

tratamento. O que justifica o uso da pesquisa qualitativa, a qual:

[...] se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994, p. 21).

Na pesquisa qualitativa, o material utilizado nas análises é a palavra, que

expressa a fala cotidiana, nos discursos intelectuais, burocráticos, políticos e nas

relações afetivas ou técnicas. Neste método, procura-se interpretar o conteúdo das

falas, ultrapassando a mensagem e conhecendo os significados latentes (MINAYO,

2000).

Nesse sentido, foi possível perceber que esta é a abordagem que se adéqua

perfeitamente ao estudo porque fornece ao pesquisador dados relacionados à

experiência das pessoas, suas crenças, valores, práticas, processos, culturas e

problemas considerados de difícil compreensão e diversificados, os quais não

seriam contemplados com estudo quantitativo.

6.2 LOCAL DO ESTUDO

O estudo foi realizado no Hospital Aristides Maltez, localizado na cidade de

Salvador – Bahia. Trata-se de uma instituição hospitalar, mantida pela Liga Bahiana

Contra o Câncer (LBCC), fundada em 13 de dezembro de 1936, filiada a Union

Internationale Contre la Câncer – UICC, a Associação Brasileira de Instituições

Filantrópica de Combate ao Câncer – ABIFCC e a Associação Brasileira de

Cuidados Paliativos - ABCP (LBCC, 2009a).

O Hospital Aristides Maltez foi inaugurado em 02 de fevereiro de 1952,

começou a funcionar com 15 leitos e hoje possui 218 leitos, dentre estes, 10 são de

terapia intensiva. Oferece atendimento ambulatorial, diagnóstico e terapêutico à

pacientes de quase todos os municípios do Estado da Bahia, além de pacientes

vindo de Estados vizinhos como Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Pará,

Maranhão, Espírito Santo e Minas Gerais. Realiza um atendimento diário em seus

ambulatórios, de aproximadamente 3.000 pacientes, sendo na sua totalidade,

41

pacientes conveniados ao Sistema Único de Saúde – SUS; uma média de 1.700.000

procedimentos/ano. Em 2009 ocorreram 115 óbitos na UTI (LBCC, 2009b). No

primeiro semestre de 2010 a média geral de óbitos na UTI foi de 07 por mês3.

6.2.1 O contexto da unidade de terapia intensiva

A UTI do Hospital onde o estudo foi realizado é organizada em quartos

individualizados, num total de dez. O ambiente é bem arejado, possui iluminação

natural, janelas de vidro possibilitando ao paciente ter orientação em relação ao

tempo. As paredes são em tom creme e, os quartos individualizados estão dispostos

em um semicírculo, o que permite a visibilidade por todos da equipe, a partir do

posto de enfermagem. Os quartos possuem portas sanfonada, as quais são

fechadas em momentos de privacidade, como no momento do banho. Há aparelho

de TV em todos os quartos.

Possui um posto de enfermagem, copa, banheiro para a equipe, conforto

médico e de enfermagem, e uma ante sala onde a secretária atende aos familiares

antes de terem acesso aos quartos dos pacientes.

O perfil dos pacientes é de oncologia em pós-operatório cirúrgico, contudo há

muitos pacientes vindos das enfermarias, quando há agravamento do quadro clínico.

6.3 SUJEITOS DO ESTUDO

A equipe de enfermagem da UTI é composta4 por 13 enfermeiras e 15

técnicos de enfermagem. Destes, foram entrevistados 10 profissionais, sendo quatro

enfermeiras e seis técnicos de enfermagem, que compuseram os sujeitos desse

estudo.

Para efeito desse estudo, considerou-se como critérios para a escolha dos

sujeitos, todos os enfermeiros e técnicos de enfermagem, independente de gênero e

idade, que tivessem no mínimo, dois anos de exercício da função nesta UTI.

Independentemente de ser especialista ou não, na área. O interesse pelos

profissionais que trabalham nessa UTI se deu pelo fato de ser este um hospital

especializado em oncologia e pela estreita convivência com o PFPC e por ser um

3 Dado fornecido pela diretoria de enfermagem da instituição.

4 Dados fornecidos pela diretoria de enfermagem da instituição.

42

hospital filiado a ABCP, o que se espera encontrar em desenvolvimento, os

princípios filosóficos dos cuidados paliativos.

O ponto de corte das entrevistas com os sujeitos foi determinado por

saturação, ou seja, as entrevistas foram realizadas até o momento em que se

observou uma repetição em seus conteúdos. Conforme enfatiza Lobiondo-Wood e

Haber (2001), a saturação ocorre quando as informações que estão sendo

compartilhadas com os pesquisadores se tornam repetitivas.

6.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA DOS DADOS

Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da instituição (ANEXO 1),

o pesquisador foi apresentado à gerente de enfermagem do hospital, e através

desta, a enfermeira coordenadora da UTI. Tendo sido realizado, a cada ida ao

hospital, um contato prévio com a coordenadora de enfermagem da UTI, momento

em que eram agendadas as entrevistas.

A coordenadora de enfermagem da UTI apresentou a unidade, explicou sobre

a rotina de trabalho, o fluxo de pacientes e o quantitativo da equipe de enfermagem.

Observou-se certa dificuldade/resistência dos enfermeiros em aceitar

participar da pesquisa. Em relação aos técnicos de enfermagem, não foi possível um

maior número de entrevistados, devido ao critério de inclusão de no mínimo dois

anos de atuação em terapia intensiva.

6.4.1 A coleta de dados

Os dados foram coletados entre os meses de abril e julho de 2010, por meio

de entrevistas semi estruturadas (APÊNDICE A), gravadas em gravador digital,

após esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa e a obtenção do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE B) devidamente assinado

pelo entrevistado.

Minayo, referindo-se à entrevista semi-estruturada, considera que:

Suas qualidades consistem em enumerar de forma mais abrangente possível às questões onde o pesquisador quer abordar no campo, a partir de suas hipóteses ou pressupostos, advindos, obviamente, da definição do objeto de investigação (MINAYO, 2000, p. 121).

43

Sendo assim, em busca de realizar as entrevistas, deu-se um contato prévio

com a coordenadora de enfermagem da UTI, momento em que eram agendadas as

visitas. Ao chegar ao hospital, o primeiro contato era com a coordenadora, a qual

conversava com os membros da equipe, explicando sobre a pesquisa e, quando

estes, aceitavam participar, vinham até o pesquisador, que em uma sala reservada,

esclarecia os objetivos da pesquisa, os pré-requisitos de participação e os princípios

estabelecidos pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e, somente

após o aceite da sua participação, era assinado o TCLE e iniciava-se a gravação

das entrevistas.

O Consentimento Livre e Esclarecido é definido pela Resolução 196/96 do Conselho

Nacional de Saúde - Ministério da Saúde como:

A anuência do sujeito que será pesquisado, ou de seu representante legal, livre de qualquer dependência, pressão, intimidação e após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos; benefícios; potenciais riscos, bem como o que essa possa realizar. (BRASIL, 1996)

6.4.2 Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi apreciado e aprovado sem restrição pelo Comitê de

Ética e Pesquisa do hospital, locus do estudo, recebendo o parecer CEP/HAM n°

264/2010 (ANEXO 1).

Aos entrevistados, foi dada a garantia de que os dados serão utilizados

apenas para fins científicos, preservando a privacidade e a confidencialidade. A

identificação dos mesmos foi realizada por meio de legenda, como por exemplo:

Entrevistado 1 (E-1) e assim sucessivamente, garantindo com isso o anonimato.

Nessa perspectiva, diante dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres

humanos, garantiu-se os princípios da autonomia, beneficência, não maleficência,

justiça e equidade, atendendo às exigências éticas e científicas fundamentais

estabelecidas na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa

envolvendo seres humanos.

6.5 ANÁLISE DOS DADOS

6.5.1 Referencial metodológico – Análise de Conteúdo

44

Os dados foram analisados segundo a metodologia de Análise de Conteúdo

proposta por Bardin. Esta foi escolhida por ser uma técnica que consiste num

conjunto de procedimentos de ordenação e organização, de dados, provenientes

das respostas dos entrevistados. Segundo Henry e Moscovici (apud BARDIN, 2004,

p. 28) “Tudo o que é dito ou escrito é suscetível de ser submetido a uma análise de

conteúdo”.

Para a mesma autora (ibidem, p. 33) a Análise de Conteúdo “é um conjunto

de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e

objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. Seu método é composto de

três fases: a) pré-análise, b) exploração do material e c) tratamento dos resultados,

inferência e interpretação.

A pré-análise é a fase que objetiva ordenar os dados e tem início através da

leitura flutuante de todo material, visando conhecer o texto. De início, é uma leitura

que pode deixar-se invadir por impressões do pesquisador, contudo pouco a pouco

ela deve tornar-se mais precisa em função dos objetivos da pesquisa. Segue-se

então, a escolha dos documentos a serem analisados – o corpus, utilizando-se como

critérios a exaustibilidade, a representatividade, a homogeneidade e pertinência.

Feita esta escolha, segue-se com os recortes iniciais do texto em unidades

comparáveis de categorização para análise temática e de codificação para o registro

dos dados. A fase de pré-análise encerra-se com a preparação do material a ser

explorado (BARDIN, 2004).

A fase de exploração do material consiste na realização das codificações,

onde os dados brutos são sistemáticamente transformados e agregados em

unidades que permitem a descrição das características do conteúdo (BARDIN,

2004).

Na terceira e última fase, os dados codificados e categorizados devem ser

tratados de maneira a serem significativos e válidos, para que as inferências possam

ser alcançadas e o conjunto interpretado, utilizando-se os resultados da análise com

fins teóricos (BARDIN, 2004).

No desenvolvimento do estudo, a pré-análise foi iniciada a partir da

transcrição de cada entrevista. À medida que ia sendo realizada a transcrição, o que

45

veio a compor o corpus da pesquisa, era realizada a leitura flutuante de todo

material.

Desse material foram realizadas várias leituras. Em seguida passou-se a fase

de exploração do material, onde num quadro sinóptico, após várias leituras foram

retiradas as ideias contidas nas falas, sistematizadas, e em seguida, observado a

sua repetição dentre as entrevistas, dando origem às unidades.

Por último, tomando por base o referencial teórico do Interacionismo

Simbólico, através dos seus conceitos básicos, foi feita a sistematização das

repetições de ideias, nas falas dos entrevistados, buscando os seus significados e,

atendendo ao objetivo do estudo, deu-se origem as categorias de análise.

6.5.2 Referencial teórico – Interacionismo Simbólico

A Enfermagem como disciplina da área da saúde se expressa com uma

abordagem puramente tecnicista e acrítica, no qual o cuidado é mais direcionado as

dimensões biológicas do homem, deixando grandes lacunas diante das dimensões

emocionais, sociais e culturais. O modelo biomédico tem a concepção da dicotomia

mente e corpo, limitando-se a compreender os mecanismos biológicos,

negligenciando uma abordagem holística na saúde (SANTOS, 2008).

Entretanto, pode-se perceber que atualmente a enfermagem tem buscado,

nas demais ciências, fundamentos que propiciem um cuidar humanizado,

contextualizando com o mundo, a vida das pessoas. Pode-se perceber, a

Enfermagem buscando na Sociologia, Psicologia, Educação, Antropologia, dentre

outras ciências, fundamentação para o processo de cuidado, ancorando o cuidar

numa perspectiva de integralidade. Daí poder situar o Interacionismo Simbólico

como teoria que tem aproximação com a Enfermagem, dada a sua perspectiva de

compreensão, dos aspectos subjetivos das pessoas, uma vez que a Enfermagem

está em contínuo relacionamento humano, necessitando de maior entendimento

sobre o processo interativo para o seu exercício pleno, enquanto arte e ciência

(LOPES; JORGE, 2005).

O Interacionismo Simbólico mostra respeito pela natureza da vida e das

condutas do grupo humano, estando na vida grupal a condição essencial para a

consciência, mundo de objetos e construção de atitudes. O princípio é que o

46

comportamento humano é autodirigido e observável, no sentido simbólico e

interacional, permitindo ao ser humano, planejar e dirigir suas ações em relação aos

outros e conferir significado aos objetos que ele utiliza para realizar seus planos

(SANTOS, 2008).

Segundo Laperrière (2008), o Interacionismo Simbólico é uma metodologia

empírica que usa procedimentos tais como: estudos de caso, entrevistas,

observação participante, história de vida, conversações, análise de documentos,

cartas e diários, entre outros, traduzindo-se pelo reconhecimento do papel central da

intencionalidade e dos valores, tanto do lado dos sujeitos pesquisados quanto do

lado do pesquisador.

Etimologicamente o termo Interacionismo vem da palavra interagir, que

significa “agir mutuamente”, e simbólico vem do grego symbolikós, e do latim

symbolicu, significando “aquilo que tem caráter de símbolo”. O Interacionismo

Simbólico é, pois, uma das formas de se interpretar as percepções das pessoas, o

significado e o sentido que eles dão às coisas e como estes relatos se relacionam

com as experiências vivenciadas (SANTOS, 2008, p. 3).

A Escola do Interacionismo Simbólico origina-se dos trabalhos de renomados

acadêmicos norte-americanos como Charles Horton Cooley (1864 – 1929), W. I.

Thomas (1863 – 1947), George Herbert Mead (1863 – 1931), sendo este último o

que mais contribuiu para a conceitualização da perspectiva interacionista, tendo

como princípio a compreensão da conduta humana sob um olhar social. Mead foi um

professor de filosofia da Universidade de Chicago, no período de 1893 a 1931, sua

visão foi influenciada pela escola pragmática americana, pela teoria da evolução de

Darwin, e pelo behaviorismo social. A denominação da teoria como Interacionismo

Simbólico ocorreu somente em 1937 por Herbert Blumer, sociólogo, ex-aluno e

discípulo de Mead, fato que fez emergir o aspecto interpretativo dos fenômenos.

Outros herdeiros de Mead foram Kuhn, da Escola de Iowa, e Goffman (HAGUETTE,

2005).

De acordo com Blumer, o Interacionismo Simbólico tem seus fundamentos em

três premissas:

O ser humano que age em relação às coisas com base nos sentidos que estas têm para ele; o sentido das coisas é derivado, ou se origina da interação social que o indivíduo estabelece com os outros; estes sentidos são manipulados e modificados através de um

47

processo interpretativo, usado pela pessoa ao lidar com as coisas e situações que ela encontra (BLUMER, 1980, p.120).

O símbolo é a palavra-chave do Interacionismo Simbólico e, na sua ausência,

a interação entre os seres humanos fica impossibilitada. Os símbolos são

considerados como objetos sociais, usados pelo ator, para representação e

comunicação (DUPAS; OLIVEIRA; COSTA, 1997; LOPES; JORGE, 2005;

CARVALHO et al., 2007). Os símbolos usados devem possuir um significado

compartilhado pelos indivíduos na sociedade. Na teoria meadiana, um gesto com

significado compartilhado é um símbolo significante, sendo assim, ele considera que

a sociedade nasce dos símbolos significantes do grupo (LITTLEJOHN, 1988).

No contexto da tanatologia podemos identificar algumas simbologias como a

cor negra, que representa um espetáculo à parte dentro dos símbolos ligados à

morte. Tradicionalmente, em muitas culturas européias, ela representa a retidão

moral e o luto. Nas culturas asiáticas, é o branco que representa este papel e no

Apocalipse cristão, branco é a cor da montaria de um dos Quatro Cavaleiros. O

preto, no entanto, acabou ficando definitivamente associado ao luto, muito por conta

da rigidez vitoriana com relação às viúvas. O crânio também se liga à morte,

sozinho, serve para lembrar o quanto é vã a vida humana; com ossos cruzados,

simboliza o perigo. Em oposição aos símbolos negativos da morte, o cristianismo

oferece seus símbolos de redenção e esperança: crucifixos, anjos, pombas, imagens

de santos e velas (CARVALHO, 2008).

Outra simbologia da morte é representada por um esqueleto portando sua

grande foice, para ceifar as almas dos desavisados, especialmente dos que não

estejam com as suas confissões em dia, entretanto vale ressaltar o que afrima

Menezes (2004):

A figuração tradicional da morte, o esqueleto com uma foice nas mãos, foi substituído a partir da Segunda Guerra pela de um indivíduo internado em UTI, local exemplar do modelo de morte moderna (MENEZES, 2004, p. 33).

O uso de determinada palavra nos diálogos e outros símbolos, como gestos,

comportamentos, ações têm significados sociais, que são construídos nas

interações e que apenas passam a ser símbolo quando adquirem sentido para quem

os utiliza. Desse modo, os símbolos se apresentam nas interpretações dos sujeitos,

nos significados, e no sentido que estes atribuem ao cuidar/cuidado, dispensados ao

48

PFPC na UTI, desvelando suas vivências e interações, no cotidiano da prática do

cuidar em Enfermagem. Especialmente, na terapia intensiva, é preciso conhecer o

ser cujas ações, falas, atitudes e comportamentos têm peculiaridades, e refletem

sua fase de desenvolvimento, história e vivência do cuidar/cuidado ao PFPC.

Além das premissas básicas do Interacionismo Simbólico, e do conceito de

símbolo, outros são imprescindíveis para o entendimento da Teoria: sociedade, self

e mente (LITTLEJOHN, 1988; DUPAS; OLIVEIRA; COSTA, 1997; HAGUETTE,

2005; LOPES; JORGE, 2005; CARVALHO et. al., 2007; SANTOS, 2008).

A sociedade consiste na interação social constituída pelo agrupamento de

comportamentos cooperativos, por parte dos membros dessa sociedade, que se

desenvolvem a partir de um ato social, o qual é representado por uma relação

triádica que consiste “num gesto inicial de um indivíduo, uma resposta a esse gesto

por outro indivíduo e uma resultante do ato” (LITTLEJOHN, 1988, p. 69).

O self significa que a pessoa pode ser objeto de sua própria ação, ou seja,

objeto de si própria. Para Mead, o self apresenta duas fases: O eu e o mim, onde o

eu refere-se ao indivíduo como sujeito, evidenciando as características, as

tendências espontâneas não socializadas e o mim reconhece o indivíduo como

objeto social, que se origina na interação (DUPAS; OLIVEIRA; COSTA, 1997;

HAGUETTE, 2005; LOPES; JORGE, 2005; CARVALHO et al., 2007; SANTOS,

2008).

O eu representa a força impulsora da ação, ao passo que o mim fornece a

direção e orientação para o eu. Todo ato inicia no eu e passa a ser controlado pelo

mim (LITTLEJOHN, 1988).

A mente, que constitui a terceira parte da teoria de Mead, é tida como um

processo que se manifesta sempre que o indivíduo interage consigo próprio, usando

símbolos significantes. A ação humana diz respeito a um processo constante e ativo

de tomada de decisão, pelos indivíduos, diante da interação com o self e com os

outros. A linguagem nesse estudo foi usada como um símbolo para descrever e

detalhar o que se observa, pensa ou imagina para referir-se ou apresentar a

realidade social (DUPAS; OLIVEIRA; COSTA, 1997; HAGUETTE, 2005; LOPES;

JORGE, 2005; CARVALHO et al., 2007; SANTOS, 2008).

A mente pode ser definida como o processo de interação da pessoa com o

seu próprio eu, portanto, podemos depreender que o self e a mente são partes

importantes de todo e qualquer ato (LITTLEJOHN, 1988).

49

O Interacionismo Simbólico, nesse estudo, serviu de base teórica para

orientar a compreensão, a partir das falas dos entrevistados, do significado do

cuidar/cuidado para uma boa morte. O cruzamento dos conceitos do Interacionismo

Simbólico e das categorias emanadas, das falas dos entrevistados, aconteceu após

exaustivas leituras das entrevistas e o aprofundamento do referencial teórico.

Assim, o Interacionismo Simbólico configurou-se como perspectiva teórica

deste trabalho, cujas ideias centrais basearam-se no processo de interação, no qual

os indivíduos são ativos e aprendem a dar significado às coisas, valorizando o

sentido atribuído às suas experiências. Desse modo, os significados das coisas

resultam ou emergem da interação social que esses seres humanos, estabeleceram

uns com os outros.

6.6 DA CONSTITUIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE

Das falas dos profissionais da equipe de enfermagem entrevistados

(APÊNDICE C), emergiram quatro categorias que evidenciam a preocupação dessa

equipe, no cuidar/cuidado do paciente em processo de morte, para lhes proporcionar

uma boa morte, através de medidas de conforto implementadas por pessoas

preparada para lidar com a morte, contando com a participação da família no

desenvolvimento dos cuidados para uma boa morte ao PFPC no ambiente da

terapia intensiva.

Um cuidar/cuidado buscando evitar que o paciente sinta dor, sofrimento e

sempre conte com a presença da família junto a ele, como medidas que simbolize

um cuidar/cuidado para uma boa morte. No capítulo a seguir passo a descrever a

análise, discussão e resultados dessas quatro categorias identificadas como:

I. Uma boa morte como ausência de dor e sofrimento;

II. O conforto como alívio da dor/sofrimento e como medida de manutenção

da integridade corporal;

III. A proximidade da família e sua participação no processo de morte e

morrer;

IV. Preparo profissional da equipe no cuidar/cuidado para uma boa morte.

50

7 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS

RESULTADOS

“É impossível conhecer o homem sem lhe estudar a morte, porque, talvez mais do que na vida, é na morte que o homem se revela.

É nas suas atitudes e crenças perante a morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental”.

Edgar Morin

Neste capítulo encontra-se a análise dos dados coletados por meio de

entrevistas com dez profissionais de enfermagem (enfermeiros e técnicos de

enfermagem), os quais foram discutidos à luz do Interacionismo Simbólico buscando

compreender o significado simbólico do cuidar/cuidado para uma boa morte na

perspectiva destes profissionais que atuam na UTI onde o estudo foi realizado.

A seguir encontra-se a caracterização dos entrevistados.

7.1 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS

Do contingente de profissionais selecionados e entrevistados - dez (10), sete

(7) eram do sexo feminino e três (3) do sexo masculino. Dentre os sujeitos, a idade

variou entre 25 e 39 anos.

Com relação à crença religiosa dos sujeitos, sete declarou-se como católicos,

sendo cinco praticantes e dois não praticantes. Dos demais participantes um

denominou-se espírita praticante e dois atribuíram sua crença em Deus como sua

religião.

Os entrevistados, em sua maioria, tinham uma especialização, sendo quatro

com especialização em terapia intensiva5; um em oncologia e um em enfermagem

do trabalho. O tempo de formação variou entre 3 e 10 anos, e o tempo de atuação

5 Em relação à Especialização em Terapia Intensiva, além de alguns enfermeiros terem especialização lato sensu,

alguns técnicos de enfermagem têm especialização de nível médio.

51

em terapia intensiva esteve entre 2 e 7 anos, o que atendeu perfeitamente aos

critérios de inclusão propostos na metodologia.

7.2 AS CATEGORIAS

A análise e discussão dos dados permitiram compreender que o

cuidar/cuidado para uma boa morte na perspectiva da equipe de enfermagem que

atua na UTI de um hospital especializado em oncologia, no qual o estudo foi

realizado, significa proporcionar medidas de cuidados que possibilitem minimizar a

dor física e psicossocial do paciente, empreendendo cuidados que alivie o

sofrimento deste.

Contudo, esse cuidado não se limita apenas ao cuidar/cuidado do paciente

que está morrendo, mas também a sua família, caracterizada pela preocupação que

a equipe de enfermagem tem em dar significado relevante à presença da família

junto ao paciente, além de mencionar a necessidade dela compreender o processo

de morte e morrer do seu ente querido. Desse modo, das respostas, emergiram os

significados, dos quais foi possível evidenciar quatro categorias.

7.2.1 Uma boa morte como ausência de dor e sofrimento

A busca por um cuidado digno, no fim da vida do PFPC, e o que significa esse

cuidado, tem sido descrito e discutido na literatura através de uma variedade de

terminologias. Há autores (SMITH, 2000; TERNESTEDT et. al., 2002; GARROS,

2003; MENEZES, 2004) que denominam esse cuidado como “boa morte”. Outros

denominam “qualidade de vida” (PACHECO, 2004); “ortotanásia” (PESSINI, 2001);

“qualidade de morte” (DANIEL; ARAÚJO; PAULA, 2006). Contudo, independente do

termo usado, as definições incluem como princípios do cuidado digno ao PFPC no

fim da vida, o controle dos sintomas fisiológicos, em especial a dor, e as relações

psicossocioespirituais do paciente e sua família. Havendo, também, uma ênfase na

importância relacionada à autonomia do paciente.

Assim sendo, o essencial não é simplesmente apoiar o paciente para que

este morra em paz, mas proporcionar meios para que ele, juntamente com sua

família, seja capaz de viver da melhor forma possível todo o tempo que lhe resta, até

que a morte ocorra.

52

Portanto, na perspectiva dos entrevistados, como pode ser observado nas

falas a seguir, uma boa morte significa essencialmente estabelecer medidas de

cuidados que possam minimizar a dor e o sofrimento do paciente, o que coaduna

com o conceito de boa morte, adotado no estudo, apesar de não contemplá-lo na

sua totalidade, considerando que aspectos relacionados, por exemplo, à autonomia

do paciente, na tomada de decisão, não foi apreendido nas falas dos entrevistados.

Uma morte sem dor, pra mim uma morte sem dor. [...] Tranquila, que seja em paz [...] que ele não vá com nenhuma queixa. E – 2

Sem sofrimento, sem sofrimento. E - 3

Dar uma boa morte, tranquila, é evitar que o paciente fique ali sofrendo dor, agonizando, tem paciente que a gente vê que tá agonizando né, com falta de ar né, e ai se puder fornecer oxigênio pra ele, oferecer uma medicação que possa aliviar um pouco a dor né. Não deixar ele tá sentindo dor sem necessidade, ou tá sentindo falta de oxigênio, desde quando a gente, [...] possa oferecer uma melhora pra ele, tem que oferecer. E – 9

Morte digna eu acho que é no momento que a gente sabe que não tem mais condições, [...] os pacientes em cuidados terapêuticos e lúcidos. Eu acho que é você manter o paciente sem dor. E acho que em oncologia, eu acho que dor é essencial né. Eu acho que o paciente morrer sem dor, sem desconforto respiratório né. Com seu ente querido do lado. Eu acho que isso é importante. [...] Uma boa morte eu acho que é o paciente morrer sem dor, sem desconforto respiratório né. Com seu ente querido do lado. Eu acho que isso é importante. [...] a prioridade é exatamente o trabalho da enfermagem em relação ao conforto. E – 10

Pode-se perceber que o alívio da dor, do sofrimento e do desconforto, são

cuidados primordiais, que traduzem o simbolismo de uma boa morte, na visão

daqueles que participaram do estudo. Para eles, ter condições de minimizar a dor,

seja ela física ou psicossocioespiritual, significa estar proporcionando ao PFPC uma

melhora do seu sofrimento.

Carvalho e Arantes (2008) referem que a doença e o sofrimento andam

sempre juntos. A doença é que causa ao corpo a dor física e esta pode levar ao

sofrimento e implicar no desencadeamento de outras dimensões da dor,

aumentando ainda mais o sofrimento. Nesse momento, o cuidado, em especial os

cuidados paliativos, tem uma importância preponderante, como dizem os mesmo

autores: “quando a doença é grave existe tratamento intensivo. Do mesmo modo,

quando o sofrimento é intenso, os Cuidados Paliativos proporcionam o tratamento

intensivo” (p. 183).

53

Entretanto, nas falas dos entrevistados, o significado do controle da dor ficou

muito limitado à dimensão da dor física, não sendo possível evidenciar falas que

estejam relacionadas às demais dimensões da dor, conforme estabelecido por

Cicely Saunders – a dor total (CLARK, 1999; BOULAY, 2007b)

Uma entrevistada trouxe um ponto relevante no cuidado para uma boa morte,

qual seja: romper com as regras do serviço para atender a individualidade de cada

paciente, evidenciando uma atitude pro ativa para o alívio do sofrimento, tanto da

família quanto do paciente, quando a entrevistada agiu proporcionando a visita dos

familiares, mesmo em horário fora dos padrões de rotina da instituição. Uma atitude

que pode não significar nada para quem a realiza, mas para a família, ou porque não

dizer para o paciente, ficará marcado para sempre, como é enfatizado pela própria

entrevistada.

Essa é uma atitude, que apesar de mencionada por apenas um entrevistado,

amplia a preocupação do controle da dor, não apenas física, mas também

emocional.

Uma boa morte eu acho que é [... uma paciente] que tinha pra mais de doze irmãos [... e] estavam desesperados, [...] eu falei não, sobe quantas pessoas quiser, você quiser, [...] pra mim pode não fazer diferença, mas pra ela vai ficar pro resto da vida dela marcado, que naquele dia teve uma enfermeira no plantão, as pessoas que vieram do interior, há não sei quantos quilômetros de Salvador, que vieram só ver a pessoa, fica marcado, que liberou, que foi humana de certa forma, eu acho que tem que ser assim, a gente tem muito isso aqui. Eu sentei, conversei com a plantonista, o que [é] que há, ela disse não, vamos liberar, a gente se mobiliza, de uma certa forma pra que suba, pra que seja liberado isso, então a pessoa que tá acompanhando ali, tá proporcionando a família esse momento né, proporcionando o conforto, proporcionando que o paciente não sinta dor, ter uma boa passagem, que todos nós vamos ter. E – 1

Beckstrand, Callister e Kirchhoff (2006) asseveram que estar presente (ou

ausente) no momento da morte de um ente querido representa uma

memória significativa para os sobreviventes. Em estudos realizados nos Estados

Unidos e Austrália, quase todos os membros da família que participaram das

pesquisas e vivenciaram o processo de morte de um ente querido, queriam estar

junto ao paciente no momento da morte. Daqueles que não estiveram presentes, no

momento da morte, relataram que não tinham planejado estar à beira do leito, e

assim, descreveram sentimentos de culpa relacionados à sua ausência não

planejada.

54

Essa preocupação de cuidar tanto do paciente quanto da sua família está

presente na definição de cuidados paliativos proposta pela OMS, bem como no

conceito definido por Smith (2000) e Garros (2003) para uma boa morte, na qual

deve haver um controle dos sintomas (dor e sofrimento) e estabelecer meios pelos

quais seja possível o estreitamento dos laços fraternos.

Uma entrevistada evidenciou em sua fala que o significado de uma boa morte

está relacionado com a aceitação da morte por parte do paciente.

Uma boa morte é o paciente que já chegou até o final de sua etapa e ele [...] já tá conformado, sabendo que tava com sua doença já, a família já está preparada, fazendo a nossa parte e dar aquela assistência ao paciente que tá indo a óbito, dar todo conforto e atenção. E – 4

Isso significa uma minimização do sofrimento, tanto do paciente quanto da

família, considerando que a partir do momento em que se aceita a morte como parte

do ciclo da vida, o paciente e sua família passam a se preparar para a despedida,

sendo possível, inclusive, serem estabelecidas as condições de uma preparação

para o luto, e com isso, possibilitar minimizar o sofrimento emocional e social.

Foi possível, também, encontrar nas falas dos entrevistados o significado de

uma boa morte, aquela que aconteceu mesmo sendo empreendidas todas as

medidas terapêuticas possíveis, expressão de uma negação da morte e

supervalorização do aparato tecnológico para vencer a morte, o que vai de encontro

aos princípios filosóficos dos cuidados paliativos e ao conceito adotado no estudo,

para uma boa morte.

Acho que é aquela morte que teve todos os cuidados, aquela morte que teve os cuidados necessários [...] lutar, lutar, lutar, até pra ver se sobrevive. E – 4

Morte com dignidade, na UTI, achando todos os cuidados [...] investindo, fazendo de tudo. E – 5

Apesar de mencionarem a palavra cuidados, os entrevistados E – 5 e E – 4

dão margens ao entendimento de que se referem aos cuidados de alta

complexidade, relacionados ao aparato tecnológico peculiar ao ambiente da terapia

intensiva.

Essas falas simbolizam uma negação da morte e uma reafirmação de que,

com o uso da tecnologia, o homem consegue prolongar a vida. O que tem sido

influenciado pela formação dos profissionais de saúde, principalmente daqueles que

55

atuam nas UTI, com uma educação direcionada para uma cultura do

hipertecnicismo, na qual o paciente tem que receber todo tipo de tratamento

agressivo e, só então, depois que esse aparato não consegue reverter o processo

de morte, se aceita que ele morra, que a equipe “perdeu a batalha”, foi derrotada,

vencida. E essa postura, só vem dificultar a aceitação da morte, como parte da vida,

pela equipe de saúde.

Carvalho e Arantes (2008) destacam que se faz necessário operacionalizar os

cuidados paliativos no ambiente da UTI com uma participação da equipe

multidisciplinar na prescrição de cada PFPC; atuação da enfermagem com

prescrição de cuidados individualizados; atuação sistemática de fisioterapeutas,

nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos, assistentes sociais e espirituais junto ao

médico na condução de cada caso; criar uma estrutura física que permita

privacidade e um fluxo de visitação mesmo dentro da UTI; estabelecer um vínculo de

confiança entre paciente, família e equipe; trabalhar o luto antecipatório e criar

programa de cuidados do cuidador.

Assim, a partir do momento em que essas medidas sejam estabelecidas,

espera-se que a equipe atue, além da sua competência intensivista, com a

competência de uma equipe paliativista. Compreendendo que não sendo possível a

cura, é possível aliviar a dor e o sofrimento, nas suas várias dimensões.

Vale ressaltar que não foi identificada, nas falas dos entrevistados, a

preocupação com a dimensão espiritual, na qual pudesse ser evidenciado o respeito

pela crença religiosa de cada paciente, e o desenvolvimento de ações de cuidados

permitindo, por exemplo, a visita de um líder religioso.

Nesse aspecto, outro estudo (BECKSTRAND; CALLISTER; KIRCHHOFF,

2006) realizado com enfermeiros nos Estados Unidos, corrobora essa ausência de

preocupação com a dimensão espiritual no cuidar/cuidado ao ser humano, em

especial no processo de morte e morrer. A pesquisa evidenciou várias medidas de

cuidados para proporcionar uma boa morte: realizar alterações no ambiente para

promover uma morrer com dignidade; controle da dor e desconforto; conhecer e

atender os desejos dos pacientes; promover o abandono do tratamento ou não

iniciar tratamento agressivo e a comunicação efetiva da equipe de saúde. Todavia,

também não foi identificado o cuidado relacionado à dimensão espiritual.

56

7.2.2 O conforto como alívio da dor/sofrimento e como medida de manutenção da

integridade corporal

O conforto está presente em todas as falas dos entrevistados, o que

possibilitou identificá-lo como um importante simbolismo de cuidar/cuidado para uma

boa morte. Uma perspectiva daqueles que, no seu cotidiano vivenciam o cuidado ao

PFPC, no ambiente da terapia intensiva, e, nessa relação de subjetividade, deixa

claro que para cuidar do outro, no momento da morte, o que mais se faz necessário,

é proporcionar medidas de alivio do sofrimento, o que está explícito, nas falas, como

medidas de conforto.

Mussi (2005, p. 81) assevera que “o conforto/desconforto devem ser tratados

como estados subjetivos” e, para tal, o foco da discussão deve ser direcionado à

interação da equipe de enfermagem com o paciente ao qual presta os cuidados,

nesse contexto, o PFPC. Essa interação implica no resgate do humano e ir, além da

concepção de indivíduo, mas, perceber a pessoa – ser humano, com extensão à sua

completude – indivíduo, família e comunidade.

Para Neves-Arruda e Marcelino (1997) confortar é um objetivo implícito e

explícito da Enfermagem, e faz parte do processo de cuidar como componente

essencial do cuidado profissional de enfermagem e, complementar à assistência

médica. Desse modo, o conforto “vem sendo considerado um conceito importante,

fundamental e relacionado à prática de enfermagem” (MUSSI, 1996, p. 254).

Nas falas dos entrevistados foi possível identificar o significado simbólico

relacionado ao conforto: pautado no alívio da dor e, nas medidas de manutenção da

integridade corporal, uma preocupação em manter o corpo limpo, sem odores e

secreções, talvez para não chocar a família ou mesmo para não chocá-los.

O conforto significando alívio da dor pode ser percebido nas falas a seguir:

Minimizar a dor do paciente, facilitar que ele tenha uma morte digna. Ao máximo possível, tentar minimizar [...] para que ela venha, venha de uma forma menos dolorosa possível. E – 2

O cuidado [...] com a sedação adequada, de acordo com a solicitação do médico assistente lógico, mas sempre tranquilo. [...] aparentemente não tá sentindo desconforto respiratório, dá menos angústia [...]. Procurar fazer naquele momento, que o paciente não sofra, sofra o mínimo possível. E – 3

O alívio da dor, do sofrimento [pausa] da dor, do sofrimento do seu dia a dia. [...] Deixá-lo sem dor, com a sedação adequada. [...] Administrar a medicação pra aliviar a dor. E – 7

57

Das falas é possível inferir o significado de um cuidado direcionado a evitar o

desconforto do paciente – a dor e, consequentemente, minimizar seu sofrimento.

Mais uma vez, o direcionamento do cuidado se restringe a dor física, descuidando

das demais dimensões da dor total como é definida por Cicely Saunders (CLARK,

1999; BOULAY, 2007b).

Vale chamar a atenção, aqui, que apesar de não ter sido mencionado, nas

falas, nenhuma medida estabelecida para mensurar o nível da dor nos PFPC,

Neves-Arruda e Marcelino (1997) chamam a atenção de que a dor é um sintoma

subjetivo e deve ser mensurada, e para que isso aconteça, a equipe deve lançar

mão de escalas visuais para medir sua intensidade, uma medida de cuidado

considerada como ponto de partida para o controle desse sintoma.

Embora, não tenha sido mencionado pelos entrevistados, em suas falas, vale

ressaltar que o cuidado de mensuração da dor, é relevante e faz-se necessário a

sua implementação, devendo os profissionais tomar a iniciativa e passar a se

preocupar com o controle e alivio da dor do paciente.

Como o conforto não se limita ao alívio da dor física, já que a natureza do

conforto é multidimensional, deve ser compreendido na perspectiva de uma visão

holística do ser, pois, o conforto, conforme Mussi (1996), deve ter um sentido mais

amplo, significando calma, alívio e transcendência. E, nas falas dos entrevistados a

seguir, é possível depreender o simbolismo do conforto com o significado do cuidado

sensível, para minimizar a dor e o sofrimento do PFPC.

Tentando tranquilizar esse paciente sempre que possível, tentando dar apoio, dar ânimo a esse paciente mesmo sabendo que não tem mais jeito, brincando, tentando descontrair esse paciente, várias formas, brincando, usando televisão, tentando fazer ao máximo, o máximo para tirar ele dessa situação. E – 2

Dar todo conforto, carinho, atenção até o final do tempo, da morte. [...] Uma boa morte é [...] dar aquela assistência ao paciente que tá indo a óbito, dar todo conforto e atenção. E – 4

São medidas de conforto que significam cuidados para tranquilizar o paciente,

animá-lo e ser sensível ao seu sofrimento e aliviar sua dor, uma preocupação que

está presente na fala de uma minoria, dentre os entrevistados, haja vista que para

um número maior, destes, percebe-se uma preocupação direcionada ao conforto

físico.

58

Nas falas a seguir, a preocupação está em cuidar, principalmente, das partes

visíveis do corpo, uma situação na qual Oliveira, Garcia e Sá (2003) evidenciaram

em um estudo com profissionais de enfermagem, que em relação à higiene corporal

do paciente, a equipe tende a seguir uma perspectiva de moralidade, decência e boa

aparência relacionada ao corpo, enfatizando uma preocupação centrada no que é

palpável e concreto, negligenciando de certa forma à subjetividade do ser.

Eu enquanto enfermeira procuro [...] proporcionar um banho, o aquecimento né, porque a UTI é um lugar frio [...] manter sempre o paciente limpo, com a pele íntegra né, porque a gente pensa assim, com aquela escara imensa, porque tudo isso é é é pra família, é bom a família vê o paciente bem cuidado [...] Uma boa morte eu acho que é [...] estar proporcionando o conforto, proporcionando que o paciente não sinta dor, ter uma boa passagem, que todos nós vamos ter. E -1

[Evitar o] mau cheiro, tirando essa secreção de vários lugares do paciente. E – 2

O cuidado de higiene, de higienizar o paciente. E – 3

O paciente morrer limpo, morrer e ter o corpo após a morte, limpo [pausa] manter o corpo pós-morte, limpo. E – 4

Dar um bom cuidado, manter ele sempre limpo, saudável. E – 7

Não deixar o paciente morrer com escaras, cheio de ferimento, mudar sempre o paciente de posição. E – 8

O cuidado de enfermagem deve ser o cuidado o melhor possível para que o paciente morra em conforto. [...] Os cuidados de banho, os cuidados de conforto [...] Um paciente terminal, não tem indicação de instalar um colchão caixa de ovo né, mas se a gente não instala um colchão caixa de ovo, a gente abre outras, várias lesões em outros lugares, que são lesões que vão ficar. É pior para o paciente, a gente não pode dizer, por que ele já é um paciente que às vezes já ta com sedação contínua, já não sente dor, já ta em uso de dimorf né, mas o aspecto visual de quem ta olhando o paciente, o paciente cheio de lesões, o paciente todo lesionado, cheio de curativo, não é bom né. Então, a gente deve fazer as medidas, medidas higiênicas, manter o controle higiênico, a gente tem que manter né, [...] Eu acho que a gente tem que respeitar, que respeitar o momento de partida, de preferência com conforto hemodinâmico, sem dor né, e com conforto, eu acho que com aspectos estéticos é importante. E – 10

Diante dessas falas, pode se depreender que o significado do cuidado que é

dado, refere-se ao concreto, ao palpável, visível àquele que cuida, despertando uma

maior atenção, o que leva ao esquecimento das questões de ordem subjetiva, como

as demandas psicossociais e, com maior intensidade, as demandas espirituais. Uma

59

tendência ligada ao modelo hegemônico – modelo biomédico, no qual deixa claro

essa dicotomia mente – corpo.

Não se pode deixar de mencionar, que quando se fala em cuidados paliativos,

a tônica relacionada aos cuidados de higiene, passa a ter uma dimensão cada vez

maior em consequência da perda de autonomia do paciente, o que também pode

justificar essa preocupação da equipe. Mas, não pode ser esquecido, que o paciente

é mente e corpo, e o cuidado deve ser desenvolvido com vistas a integralidade do

ser e respeitando a sua autonomia e individualidade.

O que muda nesta modalidade de atendimento é que os padrões higiênicos preconizados em saúde pública devem ser adaptados ao conjunto de valores socioculturais do paciente. Com a adequação dos conceitos de higiene – do científico e contemporâneo com o individual e cultural, surge o conforto do paciente (PEREIRA; SERA; CAROMANO, 2008, p. 196).

Destarte, o que a equipe de enfermagem deve buscar são os meios para

proporcionar esse conforto de acordo com a realidade individual de cada paciente,

mesmo não sendo possível obter essa informação a partir dele, nas situações em

que esteja sob sedação, que seja interrogada à família, sobre os seus hábitos e

costumes. Um paciente nunca é igual ao outro, ainda que as manifestações da

doença sejam as mesmas. Enxergar a singularidade de cada um é o que nos guia

para o cuidar/cuidado com vistas ao conforto do paciente.

Outro ponto que chamou atenção, é que o desconforto do paciente vem

contribuir para a angústia daquele que cuida, como pode ser observado na fala a

seguir:

Deixá-lo sem dor [...] dá menos angústia. E – 4

Segundo Neves-Arruda e Marcelino (1997) confortar o outro traz conforto

para aquele que cuida. O profissional de enfermagem que possui conhecimento,

habilidade e vontade de proporcionar bem estar à pessoa de quem cuida, com

certeza, contribui para o alcance de um alto nível de conforto, sentindo-se ao mesmo

tempo confortado e realizado.

7.2.3 A proximidade da família e sua participação no processo de morte e morrer

Pode-se perceber na fala dos entrevistados, uma preocupação marcante com

a família do PFPC internado na UTI. Desse modo, pode-se inferir que há um

60

significado simbólico presente para a equipe de enfermagem, em relação à família,

como protagonista desse cuidar ao paciente em processo de morte, no ambiente da

terapia intensiva. O quanto é importante contar com a presença e o apoio desse

familiar para que possa se proporcionar cuidados para uma boa morte ao PFPC.

Oliveira e Angelo (2000) compreendem a família, segundo a perspectiva do

Interacionismo Simbólico, como “um grupo de indivíduos (atores), chegando às

situações com outros significantes ou grupos de referências, com símbolos,

perspectivas, self, mente e habilidade para assumir papéis” (p. 203).

A família tem um significado de co partícipe no processo de cuidar do PFPC,

e é importante que haja essa interação com a equipe de enfermagem.

Na visão dos entrevistados, o cuidado com a família mostrou ter um

significado relevante, no qual a família representa um elemento importante no

processo do cuidar/cuidado para uma boa morte. Ela é tida como um fator que

contribui para o cuidar/cuidado do paciente no momento da morte na UTI. Como

pode ser depreendido das falas que se seguem, assegurar a proximidade da família

junto ao paciente significa amenizar o seu sofrimento, a sua dor na dimensão

psicossocial, sendo considerado como um simbolismo do cuidar/cuidado para uma

boa morte.

O meu modo de cuidar, tentar ser o máximo, minimizar as dores do paciente, facilitar que ele tenha uma morte digna o máximo possível tentar minimizar, como fazer isso? A família, a família o tempo todo ao lado do paciente. E – 2

A família está sempre presente [...] [a enfermagem] dando aquela atenção também a família, se dedicando, mostrando tudo que a gente pode fazer pelo paciente até a morte. E – 4

Tem que ter toda atenção, todo carinho né, dar apoio psicológico, apoio moral, se a família não tiver junto [do paciente], avisar ao paciente, né, avisar, pra pedir que a família venha, em fim, tem que dar atenção de modo geral. E – 9

Com seu ente querido ao lado, eu acho que isso é importante. E – 10

Essa presença do familiar visa proporcionar conforto ao paciente, à família e

também, à equipe na medida em que o acompanhamento da família, faz com que

esta tenha conhecimento de que a equipe está prestando todos os cuidados que o

seu ente querido necessita.

61

Pacheco (2004, p. 135) refere que “os familiares e os amigos têm um papel

fundamental na vida de qualquer pessoa, fato que assume uma relevância especial

no processo terminal de uma morte anunciada”.

Além de assegurar a proximidade do familiar, junto ao paciente, a maior parte

do tempo que isso for possível, faz-se necessário assegurar que esse familiar

compreenda a condição de vulnerabilidade em que seu ente querido se encontrar.

Este é outro significado do cuidar/cuidado para uma boa morte, que foi evidenciado

nas falas dos entrevistados, como pode ser visto a seguir:

É importante a família tá incluída nesse processo, porque é pra família ter o entendimento do que tá acontecendo, na verdade quem morre vai embora, quem fica é que fica com a dor, é fazer com que a família esteja nesse momento, fazer com que a família compreenda que às vezes a perda é inevitável. [...] A família facilita a gente nesse processo. E – 1

A preocupação com a família, [é] dela está entendendo o que está acontecendo, que ela tenha consciência do quadro do paciente e que tudo foi feito. E – 3

Os fatores que facilitam, eu acho que quando, primeiro, primeiro, quando o familiar né, ela tem entendimento da doença né, isso é um fator que facilita, ajuda a gente a dar um atendimento mesmo que a morte seja prolongada né, o momento da morte seja prolongado, ajuda a dar um, a dar um conforto melhor né, sem assim, sem questionamentos, como se pode dizer: que são desnecessários a própria gravidade da situação. [...] A gente recebe o acompanhante, orienta [...] se o paciente está estável, se está lúcido, se o paciente está sedado. Por que quando está sedado, então muitos se assustam, quando vê o paciente intubado. E – 10

Nesse simbolismo, depreende-se que é importante a família compreender o

processo de morte/morrer do seu ente querido, contudo, não ficou claro diante das

falas, como a equipe atua para que a família tenha esse entendimento. O que a

equipe proporciona como medida de cuidado para com a família, na expectativa de

que ela entenda o processo de morte/morrer do paciente.

Em uma pesquisa realizada numa Unidade de Terapia Intensiva, com

enfermeiros, Silva, Campos e Pereira (2009) também identificaram nas falas dos

entrevistados o papel fundamental da família no cuidado ao paciente em processo

de morte, observando que deve haver uma abrangência da família como extensão

do paciente em processo de morte. Os familiares devem ser considerados parceiros

da equipe, bem como devem receber apoio dos profissionais, para melhor

compreender e minimizar o sofrimento do paciente e o seu, diante do processo de

morte e morrer.

62

Essa interação entre profissionais de enfermagem e a família tem muito a

contribuir para o cuidar/cuidado para uma boa morte, e revela uma atitude de

cuidado e compromisso da equipe de enfermagem para com os seus pacientes.

Sabe-se que os profissionais de enfermagem, como elementos da equipe

multidisciplinar, são os que passam mais tempo com o paciente, tendo condições

favoráveis de conhecê-lo bem e saber quais são as suas necessidades. E, por outro

lado, são também aqueles que normalmente, são mais solicitados pela família

(PACHECO, 2004).

No entanto, pode haver situações em que não haja essa atenção direcionada

à família, como traz Esslinger (2006), quando afirma que a morte na atual sociedade

ocupa um lugar de fracasso, de negação, e com isso, tende a haver uma

desatenção à família diante da perda. E esse isolamento da família, por parte da

equipe de saúde, pode prejudicar a elaboração do processo de luto. Contudo, nas

falas dos entrevistados, pode-se perceber o contrário, não um isolamento da família,

mas uma atitude de cuidados e preocupação com esta, apontando uma prática de

cuidado ao PFPC direcionada para uma boa morte.

Por isso que a gente tem um acompanhamento com a psicologia no momento da visita com os familiares. [...] Os pacientes que evoluem com piora do quadro, os que tão grave no andar e que vêm [pra UTI], esses pacientes que a gente tem um acompanhamento maior com a família. E – 3

A perspectiva que a gente tem em mente é de um cuidado integral, abrangendo também a família porque a família tem que ter uma atenção maior, nesse momento, além de cuidados técnicos, a gente tem que ter uma atuação muito grande, quanto à família do paciente. [...] O paciente com câncer é necessário mais atenção do que dos demais. Tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Atenção a família. E – 6

Alívio do sofrimento e da dor da família do paciente. E - 7

Dar uma assistência da melhor maneira que eu possa né, dar um apoio moral, apoio psicológico, ajudar também a família, que as vezes vem visitar o paciente e está tão abalada, [...] dar apoio a [essa] família né, é o que a gente pode fazer no momento. E - 9

Araújo e Silva (2006) consideram que é necessário manter os familiares

informados sobre o que acontece com seu ente querido, e conhecer o que a família

espera do processo de morte. E para que isso aconteça, deve ser estabelecida uma

comunicação clara, honesta e frequente entre a equipe e a família do paciente.

63

Vale ressaltar, também, a fala de uma entrevistada que chama a atenção

sobre o significado singular da família, no cuidado para uma boa morte, contudo, há

situações em que a existência de problemas, de divergências familiares pode

dificultar o processo de morte e morrer com dignidade.

A família, por que em relação ao óbito, família é essencial né, se a família não entende, se tem toda uma problemática em relação a família, se veio de uma causa externa, que é de processo e fica toda aquela questão, fica difícil. E – 10

Essa mesma entrevistada sinaliza um ponto importante, a rotina hospitalar,

que estabelece horários para visitas dos familiares, limitando o contato da equipe

com a família.

O paciente em UTI a gente tem pouco, é como eu digo assim, a gente tem pouco contato com a família, muito pouco, são as duas, uma hora de manhã, duas horas a tarde né. E – 10

Desse modo, no ambiente hospitalar, mais especificamente nas unidades de

terapia intensiva, faz-se necessário romper com essas normas e protocolos,

possibilitando maior interação do paciente, família e equipe, de tal modo que venha

melhorar o cuidar deste paciente, que precisa muito mais de seus entes queridos ao

seu lado nesse momento.

Num estudo realizado por Beckstrand, Callister e Kirchhoff (2006), uma das

propostas para proporcionar uma boa morte no ambiente da UTI é realizar

alterações nesse ambiente, dando oportunidade para a família acompanhar o

paciente, com disponibilidade, inclusive, de uma cama para o repouso, além de

alimentação e banheiro para o familiar. Outras propostas foram relacionadas como o

uso de música reconfortante e um local tranquilo para meditação e oração.

Silva, Araújo e Firmino (2008) revelam que é um desafio romper com essas

normas e protocolos, mas que o profissional deve ser maleável nas suas atitudes, e

entender que é necessário considerar as necessidades do paciente, em detrimento

de normas e protocolos de serviço.

Essa atitude de mudança será marcante para o paciente no seu processo de

morte e, para a família, no desenvolvimento do luto. Uma postura que pode

proporcionar conforto e serenidade à todos. Tudo que ocorre nos últimos momentos

de vida de uma pessoa querida será sempre lembrado por seus familiares. A

presença e participação da família no cuidado proporcionarão uma certeza de que

64

tudo foi feito da melhor forma possível. O luto acontecerá, e com ele a certeza de

que o ente morreu sendo cuidado (ARAÚJO e SILVA, 2006).

Essa atitude proativa foi mencionada por uma das entrevistadas.

Uma jovem com cirurgia onde teve lesão de carótida e não evoluiu bem, [...] tinha pra mais de doze irmãos e tal, e ai eles estavam desesperados, [...] Eu sentei, conversei com a plantonista, [...] vamos liberar, a gente se mobiliza, de uma certa forma pra que suba, pra que seja liberado isso, então a pessoa que tá acompanhando ali, tá proporcionando a família esse momento né, proporcionando o conforto. E – 1

Assim sendo, pode-se perceber que para proporcionar o cuidar/cuidado para

uma boa morte ao paciente que se encontra numa UTI, faz-se necessário haver a

participação da família como elemento chave desse cuidado e a equipe deve

propiciar este momento, mesmo que tenha que quebrar protocolos. Uma família que

possa acompanhar o seu ente querido, dando apoio psicossocial e co participar com

a equipe de enfermagem e os demais membros da equipe multidisciplinar, em todo o

processo da morte/morrer e, com isso, proporcionar conforto emocional e social aos

parentes e apoiar o trabalho da equipe.

Além disso, os profissionais de enfermagem devem prestar apoio e

solidariedade a essa família, ajudando-a a preparar-se para a perda do seu ente

querido, o que Kovács (2003) chama de luto antecipatório. Uma medida que trará

benefício para todos. A família terá um melhor controle sobre a perda do seu

paciente e a equipe de enfermagem se sentirá tranquila e confortável por ter

exercido o seu papel com grandeza e primazia.

7.2.4 Preparo profissional da equipe no cuidar/cuidado para uma boa morte

A percepção de que é necessária uma atuação no cuidar/cuidado,

direcionada pelo trabalho em equipe, se mostrou presente nos relatos dos

entrevistados, significando uma medida necessária e pode vir a colaborar e reforçar

o desenvolvimento do cuidar/cuidado para uma boa morte. Uma equipe que atua

para e com o paciente, num contexto do cuidado com vistas à integralidade, tem a

possibilidade de prestar um cuidado de qualidade e, com isso, ajudar ao PFPC

vivenciar a sua morte com dignidade, apesar de que, não ficou evidenciada nas falas

dos entrevistados, essa preocupação em contar com a participação do paciente no

desenvolvimento do cuidado e na tomada de decisão.

65

A equipe de enfermagem, nesse estudo, evidenciou em suas falas, que é

necessário uma maior expressão de interação entre toda equipe multiprofissional.

No Interacionismo Simbólico esses agentes compõem a interação, determinando o

modo de agir no processo de cuidar. É da interação entre o paciente e equipe que

são determinadas a singularidade dos símbolos sobre o cuidar/cuidado para uma

boa morte.

Na relação de ajuda estabelecida entre o profissional de enfermagem e o

PFPC, o primeiro deve ser capaz de penetrar no mundo do paciente, adotar o seu

ponto de vista, perceber o que ele sente, compreender o impacto que a morte e a

sua aproximação tem para ele, mantendo contudo, sempre a diferença entre o “eu” e

o “outro” (PACHECO, 2004, p. 132).

Pensando desta forma, considera-se a equipe de enfermagem como um

objeto social do cuidar/cuidado para uma boa morte, devido ao papel interativo do

enfermeiro e/ou técnico de enfermagem no agir cuidando do paciente em processo

de morte e morrer. Um cuidado em prol de uma morte digna – uma boa morte, de

modo que a equipe de enfermagem exerça um papel singular no âmbito desse

cuidado, considerando a sua condição peculiar de estar junto ao paciente nas 24

horas do dia.

Numa das falas ficou muito presente essa singularidade da equipe de

enfermagem no cuidar/cuidado para uma boa morte.

Essa boa morte eu acho que muitas vezes quem proporciona é a enfermagem, [...]. Eu acho que a enfermagem tem um papel singular, é no que diz respeito com o paciente, um cuidado com o corpo, higiene, um cuidado com uma posição confortável. [...] Proporcionar um conforto, isso só quem faz é a enfermagem, que é quem tá ali do lado, que conhece a singularidade do paciente, a enfermagem pode proporcionar, é quem mais proporciona uma boa morte na UTI, a enfermagem em si. E – 01

A equipe de enfermagem é quem geralmente está próxima nos momentos

difíceis, é a quem o paciente e a família busca quando necessitam de

esclarecimentos, ou de cuidados imediatos. Segundo Kovács (2003) a Enfermagem

tem como destaque, a atenção de seus profissionais em cuidar do paciente, um

cuidar que envolve o olhar, a escuta, a percepção e a disponibilidade para dar

atendimento às necessidades dos pacientes sob seus cuidados.

É nessa perspectiva, da proximidade entre a equipe de enfermagem e o

paciente e sua família, que os profissionais – enfermeiros e técnicos de enfermagem

66

são tidos como símbolo de um elo entre o paciente/família e os demais membros da

equipe de saúde.

Deste modo, Pacheco (2004, p. 122) chama a atenção para o fato de que

uma das funções que tem sido atribuída ao enfermeiro é a de “advogado do doente”.

Uma expressão que segundo a autora é amplamente difundida nos Estados Unidos,

“patient’s advocate” e expressa a relação privilegiada entre o enfermeiro e o

paciente, no contexto da UTI, na prestação dos cuidados profissionais de

enfermagem. O enfermeiro está preparado para advogar as demandas apreendidas

tanto na objetividade como na subjetividade da relação de cuidados.

A prestação destes cuidados, para ser considerada de forma efetiva, requer

do profissional de enfermagem não só o conhecimento da enfermidade em si, mas a

habilidade em lidar com a subjetividade dos sentimentos dos outros e com as

próprias emoções frente ao PFPC. É preciso atentar para o não dito, perceber o

imperceptível, compreender o que se oculta atrás das palavras, entender o processo

da morte e do morrer para que se torne capaz de auxiliar o paciente na sua finitude,

pois o conhecimento insuficiente destes aspectos, poderá levar ao distanciamento

do paciente como uma forma de proteção, por não saber enfrentar tal situação, e

uma falha na prestação do cuidado singular/integral tão almejado pela Enfermagem.

Ser profissional, é você ser pontual, saber lidar com a profissão, ser dedicado, ter responsabilidade, fazer todas as medicações de horário no horário certo, ser responsável, ter ética profissional, humildade com sua, na sua profissão, ser humilde. E – 4

O melhor possível, é ai que eu acho que é necessário bons profissionais, de profissionais sem cansaço, certo. Profissionais que estejam preparados né, preparados para trabalhar com gravidade, em saber diagnosticar o que é a gravidade né, e na evolução do óbito, caso haja evolução do óbito né, que seja feito, tendo previsto o melhor possível da equipe né. E - 10

Porém, para que essa equipe cuide de maneira a contribuir para uma boa

morte, é necessário o seu preparo, até por que o profissional tem que lidar com o

sofrimento, com a angústia e com os temores que podem surgir em diversas

situações que envolvem esse cuidar, se deparando com o enfrentamento dos

conflitos de sentimentos.

A gente tem o respeito pelo final da vida, por alguns pacientes que a gente percebe que não quer morrer, que lutam, e tem aquele paciente que não tem um bom prognóstico, que não tem o que se fazer, o que investir, a gente sente sempre mais por aquele que foi investido, que a gente passou mais tempo. E –3

67

Na morte, é o paciente, é, é, é muito constrangimento pra gente que é profissional da área da saúde, tá lidando com isso, todo dia ter óbito, todo dia tem uma morte, é, a gente se dedica bastante ao paciente e o paciente vai e morre. A gente tenta fazer ao máximo, o melhor para o paciente, e o paciente vai a óbito. E – 4

E a dificuldade que entra né, quer dizer, a gente fica pensando no que ele tá sentindo, tem que cuidar dele com amor, com amor, é isso, a dificuldade é isso, que a gente fica triste né, a luta nesse processo da morte, e você tem que cuidar dele. E – 5

O que dificulta: é viver com a própria morte. E – 8

Percebe-se que é necessário a equipe possuir um preparo emocional para

melhor lidar na prestação do cuidado ao PFPC. O convívio com a dor, perda e morte

traz ao profissional de enfermagem, a vivência de seus próprios processos internos,

de sua fragilidade, vulnerabilidade, medos e incertezas, que nem sempre encontram

espaço de compartilhamento (KOVÁCS, 2003), como pode ser observado na fala

dos entrevistados.

O sentimento que perpassa é o da decepção pela perda e pelo fracasso por

ter investido tanto na recuperação do paciente e não ter obtido êxito. Assim, assume

lugar de destaque o desejo de que se efetive a salvação, que é próprio de quem

trabalha com situações limítrofes entre a vida e a morte. O compromisso ético com a

vida fala mais alto e o profissional quer manter o paciente vivo a qualquer preço.

Quando estamos diante da inexorabilidade da morte, resta a sensação de

fracasso mesmo diante de uma situação onde se tem pouca esperança de vida para

as pessoas, nessa condição. A sensação de impotência compõe o conjunto de

sentimentos relativos à natureza do trabalho, no qual parte dos profissionais se

decepciona e se desiludem com o valor e o limite de sua competência e até se

frustram com o seu papel, no exercício cotidiano de cuidar de pessoas no estágio da

morte.

Boemer (1998), em seu estudo sobre o cotidiano da equipe de enfermagem

no cuidado ao paciente gravemente enfermo observou que os profissionais realizam

as atividades de maneira rotineira, para não estabelecerem vínculos mais intensos

com o paciente e minimizar o contato com a proximidade da morte e,

consequentemente, com o sofrimento.

Pitta (1991) em sua pesquisa sobre o processo de adoecimento e a natureza

do sofrimento dos profissionais que atum na área hospitalar, postula na sua tese que

68

a insalubridade ou o caráter árduo do ofício da equipe de saúde, que atua no

ambiente hospitalar, se dá em razão da permanente exposição à fatores que

produzem doença ou sofrimento, decorrem da própria natureza desse trabalho. Seus

determinantes estão ancorados no objeto de trabalho da equipe – a dor, o

sofrimento e a morte do outro, além da forma de organização desse trabalho

essencialmente diuturno.

E, para buscar uma solução para essa problemática, é necessária uma

atuação interdisciplinar, como indicado na filosofia dos cuidados paliativos, que

preconiza a oferta de uma abordagem multiprofissional, com foco nas necessidades

dos pacientes e seus familiares, incluindo acompanhamento no processo de morte e

do morrer e, no luto, acrescido do apoio para com a equipe, no desenvolvimento de

momentos de discussões entre os membros da equipe, sobre o processo de

morte/morrer dos pacientes internados na UTI.

Uma atuação pautada numa abordagem multiprofissional só tem a contribuir,

tanto para a qualidade do cuidado para uma boa morte, quanto para ajudar a equipe

a enfrentar as suas dificuldades de ordem psicológica, no enfrentamento e convício

com a morte. A equipe multiprofissional possibilita múltiplos olhares para melhor

proporcionar o cuidar/cuidado para uma boa morte. Inclusive é possível observar, a

necessidade da multidisciplinaridade na composição do cuidado, sobretudo no que

tange os PFPC. Isso aparece na fala dos entrevistados do seguinte modo:

A assistência de enfermagem mesmo, a assistência de enfermagem, prestar os cuidados, um paciente grave, por exemplo, o médico, enfermeira, técnico prestaram os cuidados. Lutou, lutou até que sobreviveu, não conseguiu, eu acho que é uma boa morte. E – 8

E quando a gente tem o direcionamento do próprio médico. Quando o médico assistente, ele considera que chegou a hora de terminar né, quando o médico plantonista também conversa com o médico assistente e definem que é o momento da morte, e eu acho assim, essa decisão é importante para a equipe. E – 10

Contudo, não podemos deixar de registrar as dificuldades observadas, como

por exemplo, o número reduzido de profissionais, a sobrecarga de trabalho, as

rotinas. Isso vem contribuindo para a prestação de um cuidado profissional de

enfermagem deficiente, influenciando em toda dinâmica do processo do cuidar para

uma boa morte.

69

A quantidade de técnicos que tem, a rotina, muita sobrecarga, número de funcionário, que não é suficiente, isso dificulta e causa um déficit bem grande do cuidado. A gente acaba não prestando o cuidado que a gente queria, deseja, por isso, pelo déficit de pessoal, quantidade de procedimento, que é muita coisa que tem durante o dia. E - 06

Aliado às dificuldades já mencionadas, é importante haver um compromisso

da equipe, numa atuação no cuidado ao paciente em processo de morte e sua

família, de forma ética, com profissionalismo.

A equipe fecha o diagnóstico de que não tem mais tratamento, então, que a gente não tenha, não fique prolongando drogas, que não fique prolongando procedimentos invasivos, entendeu? Eu acho que o paciente possa vir a evoluir do jeito que ele iria evoluir, que ele evolua o mais rapidamente possível, pra ele não ter sofrimento. E – 10

É possível observar, nessas falas, que apesar de toda insatisfação com a

qualidade dos cuidados resultante da sobrecarga de trabalho e da relação desigual

entre o quantitativo e o qualitativo de pessoa e pacientes críticos nos serviços, a

enfermagem, coloca em primeiro plano o compromisso ético profissional como

destaque no processo de cuidar/cuidado a esses pacientes. Isso nos faz depreender

que com esse paciente, em especial, o profissionalismo e o compromisso com a

integralidade dos cuidados parecem ser mais enfática até do que em outras

unidades do hospital.

Merece destacar outro aspecto que foi identificado como fator que facilita o

cuidar/cuidado para uma boa morte, no estudo realizado por Beckstrand, Callister e

Kirchhoff (2006) no que se refere ao abandono ou não início de tratamento

agressivo. A entrevistada E-10 descreveu que quando o paciente é definido como de

suporte básico, medidas são tomadas para não iniciar tratamento agressivo, ela não

menciona os cuidados paliativos, mas enfatiza que a equipe não deve insistir na

medicalização da morte por meio de tratamentos fúteis.

Vale ressaltar que foram identificados, nas falas dos entrevistados, alguns

fatores tidos como barreiras ou obstáculos para proporcionar um cuidar/cuidado para

uma boa morte. Do mesmo modo que, na busca dos simbolismos, aparecem

aqueles diretamente relacionados com a construção de um cuidado de qualidade no

processo de cuidar, que também se apresentaram como fatores que se constituíram

em interferências à qualidade dos cuidados.

Pessoas que infelizmente não tem compreensão, não têm amor à profissão e nem entende que aquela ali, às vezes é uma fase em que todas as

70

pessoas passam. O que dificulta a assistência. Tem muito essa questão da equipe e que muitas vezes a gente não pode proporcionar o conforto ao paciente nesse processo de morte. E 1

Uma equipe especializada em feridas, com os curativos corretos para cada tipo de lesão. E 2

É exatamente quando a clínica fica muito difícil né, a clínica fica aquela discussão, ninguém sabe, não há um consenso entre médico assistente e médico plantonista em relação ao que fazer, se coloca como teto terapêutico, se não coloca. E - 10

Chamou a atenção, que alguns entrevistados identificaram como obstáculo

para proporcionar uma boa morte na UTI, o fator experiência, em cuidados para com

o paciente em processo de terminalidade, na definição de condutas por parte da

equipe. Seja pela falta de preparo para lidar com o paciente em processo de morte,

seja pelo quantitativo insuficiente de profissionais para implementar o cuidado ou

uma comunicação ineficaz entre a equipe, principalmente a médica, na tomada de

decisão e definição de condutas a serem implementadas.

No estudo realizado por Beckstrand, Callister e Kirchhoff (2006) o fator que

teve destaque entre os entrevistados foi a falta de tempo para desenvolver o cuidado

de qualidade com o paciente

A fala da entrevistada E-10 apresenta uma situação que merece destaque,

considerando que a falta de definição de condutas, pela equipe médica, pode criar

expectativas irrealistas para os familiares dos pacientes e não ser possível os

demais membros da equipe de saúde, ajudar a família na aceitação do processo de

morte do seu ente querido.

Costa Filho et al. (2008) revelam que nem as necessidades dos familiares, e

sequer a dos pacientes internados nas UTI estão sendo atendidas, e o cerne da

questão está na falta de comunicação entre médicos e familiares, considerando o

despreparo da equipe médica para promover cuidados que atendam de fato aos

PFPC, dentro das UTI.

Nesse sentido, os significados relacionados com a capacidade de decisão e a

experiência da equipe estiveram, também, presentes nos discursos dos

entrevistados e, consubstanciados pela literatura, sugerem que esses dados são

indicativos da qualidade no processo de cuidar do PFPC na UTI, e podem

proporcionar um cuidar/cuidado para uma boa morte a esses pacientes.

71

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Só podemos realmente viver e apreciar a vida se nos conscientizarmos de que somos finitos. Aprendi tudo isso com meus pacientes moribundos que

no seu sofrimento e morte concluíram que temos apenas o agora, portanto, goze-o plenamente e descubra o que o entusiasma, porque absolutamente

ninguém pode fazê-lo por você”.

Elizabeth Kübler-Ross

Dentro dos limites desse estudo e, com a pretensão de compreender o

significado simbólico do cuidar/cuidado para uma boa morte, na perspectiva da

equipe de enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem) de uma Unidade de

Terapia Intensiva de um hospital especializado em oncologia da cidade de Salvador,

pôde-se, a partir das entrevistas realizadas com os profissionais de enfermagem que

atuam nessa UTI, apreender os significados desse cuidado, os quais foram descritos

em quatro categorias de análise acerca do significado do cuidar/cuidado para uma

boa morte na perspectiva desta equipe.

Foram estabelecidas como categorias: 1. Uma boa morte como ausência de

dor e sofrimento; 2. O conforto como alívio da dor/sofrimento e como medida de

manutenção da integridade corporal; 3. A proximidade da família e sua participação

no processo de morte e morrer e 4. O preparo profissional da equipe no

cuidar/cuidado para uma boa morte.

Desse modo, buscou-se compreender o significado do cuidar/cuidado para

uma boa morte, à luz do Interacionismo Simbólico, a partir da interação social da

equipe de enfermagem com o paciente, família e demais membros da equipe

multidisciplinar que atua na UTI locus do estudo.

O cuidar/cuidado para uma boa morte na perspectiva dos entrevistados,

significa empreender um cuidado participativo, direcionado por um trabalho

multidisciplinar, no qual toda equipe deva estar preparada para lidar com o paciente

em processo de morte/morrer. Contudo, tomando por base o conceito de boa morte

adotado neste estudo, ficou claro diante das falas dos entrevistados, que apenas o

controle de sintomas relacionados à dor física e o alívio do sofrimento, é

72

empreendido pela equipe de enfermagem como cuidar/cuidado para uma boa morte.

Não apresentando, portanto, o significado de uma boa morte na sua plenitude.

As demais dimensões, psicossocioespirituais, não foram evidenciadas nas

falas. Pensa-se que há necessidade da equipe de enfermagem redirecionar o

cuidado a ser prestado ao PFPC, ampliando-o, e buscando tratá-lo como um ser

humano numa visão holística.

Apesar disso, o cuidado com a família, como preconizado pela filosofia dos

cuidados paliativos, emergiu das falas, onde o cuidado deve ser extensivo à co-

participação da família, tida como elemento símbolo do cuidar/cuidado para uma boa

morte, significando um ponto de apoio/elo entre o paciente e equipe, assim como a

equipe de enfermagem, o é entre paciente/família e os demais membros da equipe

multidisciplinar.

Existe uma ligação efetiva entre paciente/família e a equipe de enfermagem,

portanto, deve a mesma, atuar de maneira harmoniosa na prestação dos cuidados

ao paciente em processo de morte e morrer, e considerar que somente através do

cuidado com vista à integralidade será possível instituir o cuidar/cuidado para uma

boa morte em sua plenitude.

Sobre o cuidar/cuidado para uma boa morte, a partir das falas, depreendeu-se

um simbolismo de ações que devem proporcionar alívio da dor e do sofrimento,

tanto do paciente quanto da família, no entanto, é necessário a implementação do

cuidado que alivie a dor nas suas várias dimensões: física, psicológica, social e

espiritual, valendo ressaltar que esta última, em momento algum, foi evidenciada nas

falas, um ponto preocupante no que tange à prática do cuidado profissional de

enfermagem, onde a equipe necessita repensar e buscar meios pelos quais ampliem

a sua sensibilidade para ajudar o paciente também, na sua dor relacionada à

dimensão espiritual.

Enfim, aliviar essa dor total é o objetivo da equipe de enfermagem, que atua

ininterruptamente no cuidado ao paciente fora de possibilidades de cura, no âmbito

da UTI, prestando cuidados com atenção, zelo, carinho, diversão, apoio espiritual,

medidas de higiene, realização de procedimentos técnicos, administração de

medicamentos, controles dos sinais vitais, o que finalizará na prestação do

cuidar/cuidado para uma boa morte.

Desse modo, apreende-se que o significado do cuidado para uma boa morte

está ancorado no tripé paciente/equipe/família, na busca pelo alívio da dor e

73

sofrimento, daquele ao qual a hora da morte se aproxima, cuidando e confortando

para que sua partida aconteça da maneira mais digna e humana possível, e que se

possa dizer que a enfermagem, de fato, cuidou do paciente e família e alcançou o

seu objetivo: proporcionar uma boa morte ao PFPC na UTI.

Entendendo que existe uma necessidade de ampliar os horizontes desse

cuidado, recomenda-se proporcionar, promover um cuidar/cuidado profissional de

enfermagem, ao paciente em processo de morte e morrer, direcionado as

dimensões biopsicossocioespirituais do paciente e sua família.

74

REFERÊNCIAS

“Eu me importo pelo fato de você ser você, me importo até o último momento da sua vida e faremos tudo o que está ao nosso alcance, não somente para ajudar a

você morrer em paz, mas também para você viver até o dia da morte”.

Dame Cicely Saunders

ALVES, R. O médico. 7. ed. Campinas, SP: Papirus, 2008. ARAÚJO, M. M. T.; SILVA, M. J. P. da. Cuidados Paliativos na UTI: possibilidade de humanização do processo de morrer. Revista da Sociedade Brasileira de Cancerologia, v. 11, São Paulo, p. 40-4. 2006. ARIÈS, P. O homem perante a morte. 2. ed. Portugal: Publicações Europa-Americana, 2000. v. 1 e 2. ______. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro. 2003. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Portugal: Edições 70, LDA. 2004. BECKSTRAND, R. L.; CALLISTER, L. C.; KIRCHHOFF, K. T. Providing a “good death”: critical care nurses’ suggestions for improving end-of-life. American Journal of Critical care, v. 15, n.1, Columbia, p. 38-45. 2006. BLUMER, H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Teoria da comunicação: Textos básicos. São Paulo: Mosaico, 1980, p.119-137. BOEMER, M. R. A morte e o morrer. Ribeirão Preto: Holos. 1998. BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 16. ed. Rio de Janeiro: Vozes. 2009. BOULAY, S. du. Changing the face of death: the story of Cicely Saunders. 2. ed. Great Britain: RMEP, 2007a. _____. Cicely Saunders: the foundes of the Moderns Hospice Movement. Great Britain: SPCK, 2007b. BRASIL, Conselho Federal de Enfermagem. Resolução COFEN 311/2007. Disponível em: http://site.portalcofen.gov.br/printpdf/4394. Acesso em: 23/08/2010.

75

______ Ministério da Saúde – Conselho Nacional de Saúde, Resolução 196/96. Diário Oficial da União de 10 de Outubro de 1996. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm. Acesso em: 23/08/2010. CAPRA, F. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. 33. ed. São Paulo: Cultrix; 2006. CARVALHO, L. M. et al. O interacionismo simbólico como fundamentação para pesquisas de enfermagem pediátrica. Rev. Enferm. UERJ, v.15, n.1, Rio de Janeiro, p.119-124. 2007. CARVALHO, N. Caricaturas da morte Aids e alguns medos de hoje. Revista Eletrônica Temática. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba. v.4, n.1, 2008. CARVALHO, R. T.; ARANTES, A. C. de L. Q. UTI. In: Cuidados Paliativos. São Paulo: Cremesp, 2008. p. 178-91. CLARK, D. “Total pain”, disciplinary power and the body in the work of Cicely Saunders, 1958 -1967. Social Science & Medicine. v. 49. 1999. p. 727-36. COLLIÈRE, M. F. Promover a vida: Da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfermagem. Lisboa: Sindicato dos Enfermeiros portugueses, 1999. _____. Cuidar... a primeira arte da vida. 2. ed. Loures, Portugal: Lusociência, 2003. COSTA FILHO, R. C. et al. Como implementar Cuidados Paliativos de qualidade na Unidade de Terapia Intensiva. Rev Bras de Terapia Intensiva. v. 20. n.1, São Paulo, p. 88-92. 2008. DANIEL, R. C.; ARAUJO, C. M.; PAULA, M. de F. C. Cuidados Paliativos. In: KNOBEL, E. (Org.) Terapia Intensiva: Enfermagem. São Paulo: Atheneu, cap. 8, 2006, p. 77-84. DUPAS, G.; OLIVEIRA, I. de; COSTA, T. N. A. A importância do Interacionismo Simbólico na prática de enfermagem. Rev. Esc. Enfermagem da USP, v. 31. n.2, São Paulo, p. 219-26. 1997. ELIAS, N. A solidão dos moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2001. ESSLINGER, I. O paciente, a equipe de saúde e o cuidador: de quem é a vida, afinal? Um estudo acerca do morrer com dignidade. In: PESSINI, L.; BERTACHINI, L. (Org.) Humanização e Cuidados Paliativos. 3. ed. São Pauli: Loyola, cap. 10, 2006, p. 149-163. FONSECA, J. P. Luto antecipatório. Campinas: Livro Pleno. 2004. FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes. 1997. GARROS, D. A "good" death in pediatric ICU: is it possible?. J Pediatr (Rio J), v.79 Suppl 2, Nov, p.243-54. 2003.

76

HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis-RJ: Vozes. 2005. HOUAISS, A. e VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C LTDA. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. KOVÁCS, M. J. Educação para a morte: desafios na formação de profissionais de saúde e educação. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2003. KUBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosas e aos seus próprios pacientes. São Paulo: Martins Fontes. 2000. LAPERRIÈRE, A. Os critérios de cientificidade dos métodos qualitativos. In: POUPART, J. et. al.A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Rio de Janeiro, cap.12, 2008, p.p. 410-435. LBCC. Liga Bahiana Contra o Câncer. Perfil 2009. Informativo do Hospital Aristides Maltez. Salvador: HAM, 2009a. LBCC. Liga Bahiana Contra o Câncer. Relatório Anual 2009. Informativo do Hospital Aristides Maltez. Salvador: HAM, 2009b. LEININGER, M. M. Caring an essential human need. Thorofore, New Jersey: Charles B., Slack Publishing. , 1991. LINO, M. M.; SILVA, S. C. da. Enfermagem na Unidade de Terapia Intensiva: a História como Explicação de uma Prática. Nursing (São Paulo), v.4, n.41, p.25-9. 2001. LITTLEJOHN, S. W. Interacionismo Simbólico. In: Fundamentos teóricos da comunicação humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988. Cap. 3, p.p. 65-86. LOBIONDO-WOOD, G.; HABER, J. Métodos de coleta de dados. In: Pesquisa em Enfermagem: métodos, avaliação critica e utilização. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. Cap. 12, p.p. 174-185. LOPES, C. H. A. F.; JORGE, M.S.B. Interacionismo simbólico e a possibilidade para o cuidar interativo em enfermagem. Rev. Esc. Enfermagem da USP, v.39, n.1, São Paulo, p.103-8. 2005. MENEZES, R. A. Em busca da boa morte: antropologia dos cuidados paliativos. Rio de Janeiro: Garamond: FIOCRUZ. 2004. ______. Difíceis decisões: etnografia de um Centro de Tratamento Intensivo. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 2006.

77

MINAYO, M. C.de S., (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes. 1994. ______. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec. 2000 MUSSI, F. C. Conforto: Revisão de literatura. Rev. Esc. Enfermagem da USP, v.30, n.2, São Paulo, p.254-66. 1996. ______. Conforto e lógica hospitalar: análise a partir da evolução histórica do conceito conforto na enfermagem. Acta paul. enferm. vol.18, n.1, São Paulo, p. 72-81. 2005. NCP. Clinical Practice Guidelines for Quality Palliative Care. 2. ed. Pittsburgh: National Consensus Project for Quality Palliative Care, 2009. NEVES-ARRUDA, E. N.; MARCELINO, S. R.. Cuidando e confortando. In: NASCIMENTO-SCHULZE, C. M. (Org.). Dimensões da dor no câncer: reflexão sobre o cuidado interdisciplinar e um novo paradigma de saúde. São Paulo: Robe, 1997, p.157-189. OLIVEIRA, I. DE; ANGELO, M. Vivenciando com o filho uma passagem difícil e reveladora – a experiência da mãe acompanhante. Rev. Esc. Enfermagem da USP, v.34, n.2, São Paulo, p.202-8. 2000. OLIVEIRA, E. A.; GARCIA, T. R.; SÁ, L. D. de. Aspectos valorizados por profissionais de enfermagem na higiene corporal pessoal e na higiene corporal do paciente. Rev Bras Enferm, v.56, n.4, Brasília, p.p. 479-83. 2003. PACHECO, S. Cuidar a pessoa em fase terminal: Perspectiva ética. 2. ed. Loures, Portugal: Lusociência, 2004. PEREIRA, I.; SERA, C. T. N.; CAROMANO, F. A. Higiene e conforto. In: Cuidados Paliativos. São Paulo: Cremesp, 2008. p. 195-219. PESSINI, L. Como lidar com o paciente em fase terminal. São Paulo: Santuário, 1990. ______. Distanásia: Até quando prolongar a vida? São Paulo: Loyola, 2001. ______. Distanásia: Algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira. In: SANTOS, F. S. (Org.) Cuidados Paliativos: discutindo a vida, a morte e o morrer. São Paulo: Atheneu, 2009, p.p. 319-47. PITTA, A. Hospital: dor e morte como ofício. São Paulo: Hucitec, 1991. SANTOS, S. R. Interacionismo simbólico: uma abordagem teórica de análise na saúde. Enfermagem Brasil, v.7, n.4, Rio de Janeiro, p.p. 232-37. 2008.

78

SILVA, M. J. P. da; ARAÚJO, M. T.; FIRMINO, F. Enfermagem. In: Cuidados Paliativos. São Paulo: Cremesp, 2008. p. 61-3. SILVA, R. S.; CAMPOS, A. E. R.; PEREIRA, A. Death with dignity ― nurse’s feelings who are caring for patients who are dying in intensive care unit. Rev Enferm UFPE. v. 3, n.3, Recife, p.131-6. 2009. ______. Cuidando do paciente no processo de morte na Unidade de Terapia Intensiva. Rev. Esc. Enfermagem da USP, v.45, n.1, São Paulo, (no prelo). 2011. SILVA, R. C. F. da; HORTALE, V. A. Cuidados paliativos oncológicos: elementos para o debate de diretrizes nesta área. Cad. Saúde Pública, v. 22, n.10, Rio de Janeiro, p. 2055-66, 2006. SILVA, E. P.; SADIGURSKY, D. Concepções sobre cuidados paliativos: revisão bibliográfica. Acta Paul Enferm, v. 21, n. 3, p.504-8. 2008. SIMÃO, A. T. et al. Centro de tratamento intensivo. In: Terapia intensiva. Rio de Janeiro: Atheneu, cap. 1, 1976. p.3 - 25 SMITH, R. A good death: An important aim for health services and for us all. BMJ, v.320, n.7228, p.129-30. 2000. TERNESTEDT, B. M. et al. A good death: development of a nursing model of care. Journal of hospice and palliative nursing. v. 4, n.3, p. 153-160. 2002. WALDOW, V. R. Cuidar/cuidado: o domínio unificador da enfermagem. In: WALDOW, V. R.; LOPES, M. J. M.; MEYER, D. E. Maneiras de cuidar, maneiras de ensinar: a enfermagem entre a escola e a prática profissional. Porto Alegre: Artes Médicas. 1995. _____. Cuidado Humano: o resgate necessário. Porto Alegre: Ed. Sagra Luzzatto. 1999 WALTERS, G. Is there such a thing as a good death? Palliative Medicine, v.18, n.5, p.404-8. 2004. WHO, World Health Organization. Definition of Palliative Care [on line]: Disponível em: http://www.who.int/cancer/palliative/definition/en p. 2010.

79

APÊNDICES

“O homem começa a morrer quando perde o entusiasmo”.

Balzac

80

APÊNDICE A

INSTRUMENTO DE PESQUISA

ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

I. Caracterização

1) Sexo: ( ) M ( ) F 2) Idade: _________ anos 3) Religião: _________________________________ Pratica: ( ) S ( ) N 4) Tempo de formação: _______________________ 5) Especilização: ______________________ 6) Tempo de atuação na assistência em UTI: ________ anos

II. Questões norteadoras

A) Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo.

B) Quais os fatores facilitadores e dificultadores que interferem no cuidar de

paciente no momento da morte na UTI.

C) Fale-me da sua experiência em trabalhar na UTI. Como presta os cuidados ao

paciente no momento da morte.

D) O que significa para você uma boa morte?

E) Para você é possível/viável uma boa morte na UTI?

81

APÊNDICE B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Estudo: O cuidar/cuidado para uma boa morte: significado para a equipe de

enfermagem de uma UTI.

INFORMAÇÕES AO ENTREVISTADO

INTRODUÇÃO:

Este documento fornece uma descrição do estudo do qual você está sendo

convidado a participar. Também resume as informações atualmente disponíveis em

relação às condutas a serem avaliadas.

OBJETIVO DO ESTUDO:

Analisar o significado do cuidar/cuidado para uma boa morte na perspectiva da

equipe de enfermagem da UTI.

PROCEDIMENTOS DO ESTUDO:

Caso concorde em participar do estudo, você responderá algumas perguntas e seu

depoimento será gravado em gravador digital e depois transcrito na íntegra, com sua

identidade preservada.

PROVÁVEIS RISCOS:

Não há riscos algum caso concorde em participar do estudo. Qualquer dúvida pode

ser esclarecida com o pesquisador Rudval Souza da Silva pelo telefone (71) 8601-

7966 e/ou o Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Aristides Maltez – Av. Dom

João VI, n° 331, Brotas, Salvador – Ba. Fone (71) 3357 6997.

82

PROVÁVEIS BENEFÍCIOS:

O estudo será futuramente publicado em revistas da área de saúde/enfermagem e

poderá contribuir para a melhoria da assistência aos pacientes fora de possibilidade

de cura, na UTI.

CONFIDENCIALIDADE:

Todos os dados obtidos durante o estudo, relacionados a você, serão tratados como

confidenciais. Nenhuma informação envolvendo seu nome será fornecida a qualquer

pessoa. Você não será identificado pessoalmente em nenhum momento da

pesquisa. Os dados serão computadorizados e, anonimamente, utilizados em um

relatório final da pesquisa.

PROTEÇÃO DO ENTREVISTADO:

Comitê de Ética.

Este protocolo foi submetido à avaliação do Comitê de Ética cuja finalidade é

verificar se as condições exigidas para sua proteção e o respeito aos seus direitos

vêm sendo cumpridos. O Comitê aprovou o projeto antes de iniciar esta coleta. Em

caso de dúvida entrar em contato com a Coordenação do Comitê de Ética e

Pesquisa do Hospital Aristides Maltez – Liga Bahiana Contra o Câncer pelo telefone

(71) 3357 6997.

SEUS DIREITOS:

Você tem toda a liberdade para decidir se quer ou não participar desta pesquisa.

Poderá recusar e, se aceitar, poderá abandonar o estudo a qualquer momento sem

ter que fornecer qualquer razão que justifique sua decisão. Se você tiver qualquer

pergunta sobre este estudo, por favor, exponha-as.

83

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Titulo: O cuidar/cuidado para uma boa morte: significado para a equipe de

enfermagem de uma UTI.

Pesquisador: Enf. Rudval Souza da Silva

Tel: 71 8601 7966 E-mail: [email protected]

Orientador: Prof. Dr. Álvaro Pereira

Tel: 71 9974 0090 E-mail: [email protected]

Objetivo: Analisar o significado do cuidar/cuidado para uma boa morte na

perspectiva da equipe de enfermagem na UTI.

Considerando que fui devidamente esclarecido (a), sobre o tema e objetivo da

pesquisa, pelo pesquisador, e por se tratar da coleta de dados mediante entrevista

semi-estruturada gravada para fins acadêmicos e elaboração da dissertação de

mestrado do pesquisador, pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da

Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, eu ....................................

........................................................................................................................................

confirmo minha aceitação em participar da pesquisa, prestando as informações

solicitadas.

Declaro estar ciente de que estas serão utilizadas, somente, para fins

científicos, sendo que não terei meu nome divulgado na pesquisa, nem quaisquer

outros dados que possam me identificar, como também tenho plena liberdade em

retirar meu consentimento para participar da referida pesquisa, a qualquer momento,

sem prejuízo financeiro, hierárquico ou de qualquer natureza.

Por estar de pleno acordo com o teor do presente termo, assino-o juntamente

com o pesquisador.

Salvador, _____de______________2010.

__________________________ _____________________________ Rudval Souza da Silva Participante Pesquisador

84

APÊNDICE C

ENTREVISTAS

Entrevistado – 01 – Enfermeira

Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo. A assistência nós temos uma visão é

[pausa] de uma forma digna né, a humanização, além disso, temos, é importante a

família tá incluída nesse processo, porque é pra família ter o entendimento do que tá

acontecendo, na verdade quem morre vai embora, quem fica é que fica com a dor, é

fazer com que a família esteja nesse momento, fazer com que a família compreenda

que as vezes a perda é inevitável. Atuando em terapia intensiva, lidando com muitos

pacientes que estão em processo de mortes, você em algum momento parou para

estudar, pra ler alguma coisas sobre a morte? A prática mesmo, eu acho que o que

me dá bagagem para prestar uma assistência ao paciente, a experiência é muito

enriquecedora aqui dentro. A prática né, eu fiz uma especialização em UTI e

também tem [?] um a prática com certeza é fundamental para gente lidar com isso.

Você falou da questão da humanização da assistência? Com certeza. Quais os

fatores facilitadores e dificultadores que interferem no cuidar do paciente no

momento da morte na UTI. Dar todo apoio, acho que a família facilita a gente

nesse processo. Os recursos humanos que é toda equipe, uma equipe que traz

também pra gente proporcionar uma morte digna para o paciente, é sedação né [?]

pessoas humanas, se existe, muito ainda na área da saúde, em si pessoas que

infelizmente não tem compreensão, não tem amor a profissão e nem entende que

aquela ali as vezes é uma fase em que todas as pessoas passam, o que dificulta a

assistência. Tem muito essa questão da equipe e que muitas vezes a gente não

pode proporcionar o conforto ao paciente nesse processo de morte. Você citou a

família, tem alguma coisa a mais que você vê como necessário nesse cuidado,

nessa humanização desse cuidado além da família? Nós, né [pausa] não tem como

sermos imparciais o tempo todo, e com a questão do paciente [?]. Na equipe, vocês

discutem esses momentos depois de um óbito de um paciente, trabalham esse

sofrimento da equipe mesmo? Discutimos, discutimos, é assim, na visita se aquele

paciente não tem um determinado prognóstico, então as vezes deve ficar muito

85

enfático para a equipe proporcionar conforto, não abrir espaço para, espaço nenhum

para sofrimento. Fale-me da sua experiência em trabalhar na UTI. Como você

presta os cuidados ao paciente no momento da morte? Bem, o momento da

morte se arrasta né, por alguma vezes, você acha que ele tá ali com trinta de

batimentos cardíacos e ele fica dias naquele processo, então isso pra equipe eu

acho péssimo, eu acho assim, eu enquanto enfermeira procuro, eu procuro

proporcionar um banho, o aquecimento né, porque a UTI é um lugar frio, então se o

paciente de repente tá, interagindo na ventilação de alguma forma, comunicar ao

médico habitualmente, usava a escala de HESS, que não é, as vezes não é o caso

em paciente que tá em suporte , se o paciente as vezes por alguma, alguma causa

tá interagindo na ventilação, manter sempre o paciente limpo, com a pele íntegra né,

porque agente pensa assim, com aquela escara imensa, porque tudo isso é é é pra

família, é bom a família vê o paciente bem cuidado né, agente não quer que

ninguém porque [?] por que aquilo ali vai acontecer comigo, vai acontecer com você,

posso não morrer na UTI, mas eu vou morrer então, acho que minha família

fisicamente quer me ver bem cuidado, então eu prezo muito o cuidado com o

paciente. No suporte básico mantêm-se a nutrição, as drogas vasoativas, a

reanimação? Mantêm as drogas vasoativas, não tira mas também não aumenta as

doses. A gente mantém a dose que o paciente tá ali. Dieta? Dieta geralmente

mantêm. Reanimação? Só se o paciente, o paciente [?] reanimação não, suporte

básico não, se o paciente para não reanima mais. E tem alguma conversa com a

família deixando ela a par da situação? Toda tarde as dezesseis horas tem o boletim

médico, e o médico sempre esclarece isso, não tem porque esconder né. O que

significa para você uma boa morte? [pausa] Uma boa morte eu acho que é pra

quem tá indo embora tá cercado de morte encefálica, uma jovem com cirurgia onde

teve lesão de carótida e não evoluiu bem, a irmã dela era técnica de enfermagem,

era não, é técnica de enfermagem, é isso, acho que tinha pra mais de doze irmãos e

tal, e ai eles estavam desesperados [?], mas assim, foi até eu que tava de

enfermeira no plantão, eu falei não, sobe quantas pessoas quiser [?], você quiser [?],

era uma pessoa esclarecida, ela é técnica de enfermagem, super centrada na

situação, ai mandei, ela tava sabendo, mas pra mim pode não fazer diferença, mas

pra ela vai ficar pro resto da vida dela marcado, que naquele dia teve uma

enfermeira no plantão, as pessoas que vieram do interior, há não sei quantos

quilômetros de Salvador, que vieram só [?] a pessoa que perdeu uma pessoa, fica

86

marcado, que liberou, que foi humana de certa forma, eu acho que tem que ser

assim, a gente tem muito isso aqui. Eu sentei, conversei com a plantonista, o que

que há, ela disse não, vamos liberar, a gente se mobiliza, de uma certa forma pra

que suba, pra que seja liberado isso, então a pessoa que tá acompanhando ali, tá

proporcionando a família esse momento né, proporcionando o conforto,

proporcionando que o paciente não sinta dor, ter uma boa passagem, que todos nós

vamos ter. Para você é possível/viável uma boa morte na UTI? É sim, essa boa

morte eu acho que muitas vezes quem proporciona é a enfermagem, juntamente

lógico com o médico que prescreve a sedação, que prescreve. Eu acho que a

enfermagem tem um papel singular, é no que diz respeito com o paciente, um

cuidado com o corpo, higiene, um cuidado com uma posição confortável, uma vez

na pós graduação, uma vez que eles tavam falando da morte, às vezes só o que o

paciente precisa naquele momento é o travesseiro. E é realmente, as vezes você

sabe que não vai, mas só em você proporcionar um conforto, isso só quem faz é a

enfermagem, que é quem tá ali do lado, que conhece a singularidade do paciente, a

enfermagem pode proporcionar, é quem mais proporciona uma boa morte na UTI, a

enfermagem em si. Maravilhoso sua pesquisa, acho que tem muito a acrescentar.

87

Entrevistado – 02 – Técnico de Enfermagem

Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo. Eu, o meu modo de cuidar, tentar ser o

máximo, minimizar as dores do paciente, facilitar que ele tenha uma morte digna o

máximo possível tentar minimizar, como fazer isso? A família a família o tempo todo

ao lado do paciente, ele vai o que, ele vai definhando todo o corpo, um paciente

anasarcado, com muito exsudato, mau cheiro, tirar o, essa secreção de vários

lugares do paciente, entende, o máximo minimizar a morte dele, minimizar para que

ela venha, venha de uma forma menos dolorosa possível. Quais os fatores

facilitadores e dificultadores que interferem no cuidar do paciente no momento

da morte na UTI. O que dificulta? O próprio quadro do paciente, o próprio quadro ou

o próprio funcionamento, certas horas de algumas coisas, de que não temos aqui,

nós somos de um hospital filantrópico né, então é um hospital que deixa a desejar

diante de outros grandes hospitais, tem coisas que agente não tem aqui para o

cuidado específico daquele paciente, mas nós fazemos aqui o máximo possível para

melhor. O que, por exemplo, você diz assim, que não tem e que possa facilitar para

você? Rapaz tem muitas coisas, muitas coisas, se eu for falar um por um, vai levar

muito tempo, são muitas coisas mesmo. Como por exemplo? Aqui é um hospital

filantrópico, como eu to te falando, aqui mesmo não tem um colchão caixa de ovo, é

um processo para poder aliviar as escaras de um paciente; uma equipe

especializada em feridas, com os curativos corretos para cada tipo de lesão, vai até

implantar, com fé em Deus vai implantar pra melhorar pelo menos a morte do

paciente, o paciente que não morre, volta, sai daqui pra unidade, como to te falando,

tem vários outros, se eu for te falar aqui vai acabar seu tempo ai negão. Fale-me da

sua experiência em trabalhar na UTI. Como você presta os cuidados ao

paciente no momento da morte? Aquele que já ta indo ou ele, ou aquele que já ta

morrendo, mas ainda tá lúcido, sabendo de tudo. Lúcido agente tenta minimizar de

que forma, tentando tranquilizar esse paciente sempre que possível, tentando dar

apoio, dar ânimo a esse paciente, mesmo sabendo que não tem mais jeito,

brincando, tentando descontrair esse paciente, várias formas, brincando, usando a

televisão, tentando fazer ao máximo, o máximo para tirar ele dessa situação. Nós

sabemos que é um clima horrível pra muita gente, tem gente que já entra no hospital

já pensando que vai morrer e muitas vezes não morre e vai pra casa, entende? E

88

tem outras não, que até pensando que vai sair hoje e fica aqui até o final da morte, a

forma é essa, brincando, distraindo com o paciente, tentar ao máximo tirar ele desse

ambiente hospitalar. O que significa para você uma boa morte? Uma morte sem

dor, pra mim uma morte sem dor. Para você é possível/viável uma boa morte na

UTI? Com certeza, eu [?], uma boa morte é o paciente que vai morrer sem dor,

como acabei de falar, sedação, um grau de sedação e nem sente que morreu,

desencarnar, desencarnar sem dor. E no caso, mesmo sem ter consciência do que

tá acontecendo, sedar ele, ele perder toda consciência do que ta acontecendo? Não,

sedar mesmo, tem paciente que entra em sedação profunda e não volta mais, é o

caso, ao meu ver, o caso da sedação profunda que ele vai e não volta mais, sem

sentir dor, sem sentir angústia, desencarnou. Algo mais a acrescentar? Cuidar de

uma pessoa sem nem saber , como se fosse você que estivesse no local, no lugar

da pessoa, você queria ser ou quer cuidado por uma pessoa, um profissional de

saúde, fazer ao máximo, o máximo mesmo possível para poder melhorar o quadro

do indivíduo. Tratar ele como se fosse eu, dar o melhor que eu pudesse ter se eu

tivesse nesse quadro, o melhor que eu podia passar para o paciente.

89

Entrevistado – 03 – Enfermeira

Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo. É, o cuidar é o mesmo, né. Todos os

cuidados que, todas as medicações, os curativos, tudo que é autorizado pelo

plantonista a gente continua fazendo, diante dos sinais e sintomas né, que a gente

tem mais ou menos [?], a gente tem o respeito pelo final da vida, por alguns paciente

que a gente percebe que não quer morrer, que lutam, e tem aquele paciente que

não tem um bom prognóstico, que não tem o que se fazer, o que investir, a gente

sente sempre mais por aqueles que for investido, que a gente passou mais tempo.

Os cuidados são os mesmo. Você considera que o mesmo cuidado que é dado ao

paciente que tem um prognóstico favorável, que espera-se melhora do quadro,

inclusive a cura, deve ser o mesmo cuidado dispensado aquele paciente que não vai

ter a cura? Considero que deve ser os mesmos cuidados, pelo menos eu penso

assim. Quais os fatores facilitadores e dificultadores que interferem no cuidar

do paciente no momento da morte na UTI. Fale-me da sua experiência em

trabalhar na UTI. Como você presta os cuidados ao paciente no momento da

morte? Penso sempre que aquele momento é o momento que o paciente tá indo, tá

desencarnando, enfim, momento que eu devo está tranquila, tá pensando coisas

boas, falando para que o paciente tenha os últimos momentos [?]. O cuidado de

higiene, de higienizar o paciente, de deixá-lo sem dor, com a sedação adequada, de

acordo com a solicitação do médico assistente lógico, mas sempre tranquilo. E em

relação à questão dos aspectos psicoespirituais , o que você faz no seu cuidado?

Não interfere muito né, eu cuido do paciente, a gente fica muito mecanicamente

indefeso né, aqueles cuidados não só com esse paciente, mas com todos os

cuidados, o cuidado é o mesmo, o que agente procura fazer é naquele momento que

o paciente não sofra, sofra o mínimo possível. O que significa para você uma boa

morte? Sem sofrimento, sem sofrimento. Para você é possível/viável uma boa

morte na UTI? Sim, os enfermeiros o tempo todo ao lado, é intubado, tá sedado,

teoricamente, aparentemente não tá sentindo desconforto respiratório, dá menos

angústia. E em relação à família? A família, como a família não fica 24 h presente, é

menos angustiante do que uma unidade aberta. Qualquer intercorrência que tiver

com o paciente a gente pede logo a família para se retirar. A notícia, o médico junto

com a psicóloga faz tudo direitinho, pelo menos aqui é assim. A enfermagem nãos

90

se envolve na comunicação? Na comunicação não, é o médico junto com a

psicologia. Se o paciente já tem um prognóstico, não é um bom prognóstico, não

está mais sendo investido, tá em teto, temos um acompanhamento com a psicologia,

o tempo todo com a família. A gente até aumenta o tempo da visita, a gente

conversa, a gente bota música ambiente naquele momento, a gente tem uma

humanização. O que você chama de teto? Teto é o teto máximo, o que o paciente já

está em uso, não investe mais, não há mais o que fazer. E quando você fala em

humanização, o que deve ser feito? A preocupação com a família, dela está

entendendo o que esta acontecendo, que ela tenha consciência do quadro do

paciente e que tudo foi feito. Conscientização e preparo que é o mais difícil. Por isso

que a gente tem um acompanhamento com a psicologia no momento da visita com

os familiares. A psicologia acompanha? É. Na hora da visita, tem aquele paciente

que está em POI, que é uma UTI de pós operatório – 80%, paciente hipertenso e tal,

vêm e passam os primeiros momentos, 24 h e são liberados para a enfermaria se

tiver tranquilo. Os pacientes que evoluem com piora do quadro, os que tão grave no

andar e que vem, esses paciente que a gente tem um acompanhamento maior com

a família. E a enfermagem no momento dessa visita, dessa humanização? A gente

recebe o acompanhante, orienta se é para usar luvas ou não usar luvas, se o

paciente está estável, se está lúcido, se o paciente tá sedado. Por que quanto tá

sedado, então muitos se assustam, quando vê o paciente intubado [?]. A gente

orienta porque tá daquele jeito, isso a gente faz, agora o diagnóstico a gente pede

ao médico que converse com a família no boletim diário. Alguma coisa a

acrescentar, a falar? Eu não!

91

Entrevistado – 04 – Técnico de Enfermagem

Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo. Para uma boa assistência ao paciente, é

dar todo conforto, carinho, atenção até o final do tempo, da morte. Saber cuidar com

dedicação, profissionalismo, é participar de todas as etapas até o final da morte do

paciente, se dedicando, é gostar de sua profissão, saber lidar com o paciente, gostar

de sua profissão e controle profissional em saber lidar com a morte. E como você faz

esse cuidado, como aplica isso em sua prática? Dando uma boa assistência, se

dedicando, mostrando ser um bom profissional, é dando todo carinho em atenção ao

paciente que tá com uma doença. O que é essa assistência que você fala? Envolve

o ser profissional, é [pausa]. Explique o que você quer dizer com: ser profissional.

[pausa] sim. [pausa] é pergunte de novo ai. O que você quer dizer com ser

profissional? Ser profissional, é você ser pontual, saber lidar com a profissão, ser

dedicado, ter responsabilidade, fazer todas as medicações de horário no horário

certo, ser responsável, ter ética profissional, humildade com sua, na sua profissão,

ser humilde. Quais os fatores facilitadores e dificultadores que interferem no

cuidar do paciente no momento da morte na UTI. Fale-me da sua experiência

em trabalhar na UTI. Como você presta os cuidados ao paciente no momento

da morte? Na morte, é o paciente, é, é, é muito constrangimento pra gente que é

profissional da área da saúde, tá lidando com isso, todo dia ter óbito, todo dia tem

uma morte, é, a gente se dedica bastante ao paciente e o paciente vai e morre. A

gente tenta fazer ao máximo, o melhor para o paciente, e o paciente vai a óbito, a

gente dar todo conforto, atenção, carinho, o que pode fazer a gente faz, e até o final

da morte. O que significa para você uma boa morte? Uma boa morte é o paciente

que já chegou até o final de sua etapa e ele é, é, é, [pausa... ai vai, vai consertar né].

Uma boa morte né, [pera aí]. Uma boa morte é um [pausa] paciente que já tá

conformado, sabendo que tava com sua doença já, a família já está preparada,

fazendo a nossa parte e dar aquela assistência ao paciente que tá indo a óbito, dar

todo conforto e atenção. Para você é possível/viável uma boa morte na UTI?

Acho que todo hospital tem que tem um hospital, uma UTI, para poder dar uma boa

morte a um paciente que precisa. No caso de uma doença como o câncer, o

paciente tem que ter uma UTI para poder dar aquela, uma maior assistência, por

que é muito difícil você ver um paciente indo a óbito sem você ter os equipamentos

92

adequados para você dar aquele conforto até a morte. Uma boa morte seria ter

esses equipamentos adequados? É, adequados, é, ventilação, respiradores. E a

questão da família, como você ver isso? [pausa] a questão da família, como? A

participação da família nesse processo? Sim, [pausa] a família tá sempre presente

né, a parte da enfermagem e a gente tenta, a gente faz o melhor pra poder mostrar

como trabalhamos, entendeu? Dando aquela atenção também a família, se

dedicando, mostrando tudo que a gente pode fazer pelo paciente até a morte. Mais

alguma coisa a falar? Não.

93

Entrevistado – 05 – Técnico de Enfermagem

Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo. Quais os fatores facilitadores e

dificultadores que interferem no cuidar do paciente no momento da morte na

UTI. Os fatores que facilitam é que ele não tá sentindo, ele tá sedado, tá em coma,

ai facilita. E a dificuldade que entra né, quer dizer, a gente fica pensando no que ele

tá sentindo, tem que cuidar dele com amor, com amor, é isso, a dificuldade é isso,

que a gente fica triste né, a luta nesse processo da morte, e você tem que cuidar

dele né, como se ele tivesse vivo [pausa]. Fale-me da sua experiência em

trabalhar na UTI. Como você presta os cuidados ao paciente no momento da

morte? Eu cuido como se ele estivesse vivo. É, quer dizer, tudo que a gente for

fazer com ele, a gente tem que pedir licença, se for dar um banho como se ele

estivesse vivo né. Nesse caso, você não considera que ele esteja vivo ainda?

Considero, tem que considerar [pausa]. Ali ele não tá morto ainda. O que significa

para você uma boa morte? Morte com dignidade, na UTI, achando todos os

cuidados né. Morrer na UTI pra você é morrer com dignidade? É sim, por que a

gente tá tudo investindo de tudo ai né, investindo, fazendo de tudo, investindo né. Se

ele está na UTI é porque ele precisa, ai a gente investindo de tudo. Mas se aquele

que a gente já sabe que não tem nada a ser feito mais por esse paciente, já tá na

fase terminal, você acha importante investir com tudo que se tem? Sim. Por que a

esperança é a última que morre. Para você é possível/viável uma boa morte na

UTI? Sim. [pausa] Por que, por que o cuidado dentro da UTI é bem melhor, é bem

melhor, são pessoas mais experientes, pessoas mais experientes, e melhor, mais

pessoas pra poucos pacientes, eu acho melhor. E entre estar na UTI e estar em

casa com sua família, o que você considera como melhor? Nesse momento da

morte? Depende do estado dele. No estado terminal. [pausa] Então seria melhor

com a família. Por quê? Por que se não tem mais o que ser feito para investir nele, é

melhor com a família. Mas mesmo assim, eu ainda considero melhor, acho que na

UTI, mesmo por que eu fico um pouco triste também ele tá ali. Tem algo mais a

falar? Não.

94

Entrevistado – 06 – Enfermeira

Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo. A perspectiva que a gente tem em mente é

de um cuidado integral, abrangendo também a família porque a família tem que ter

uma atenção maior, nesse momento, além de cuidados técnicos, a gente tem que

ter uma atuação muito grande, quanto a família do paciente. Embora ele esteja em

um estágio final, a gente tem que ter toda atenção possível, porque ele é humano. É

assim, como eu já te falei, depende muito das características individuais de como vai

tratar isso [?]. Mas, a partir do momento que você entra na prática, cuidando de um

paciente com câncer você tem um [...]. Colocar mais sentimentos, você tem uma

atenção maior e começa a ser mais sensível, muito da doença que você tá. Você

tem a ideia do cuidado, mas as vezes você acaba intensificando um pouco mais,

dependendo da carência do paciente. Quais os fatores facilitadores e

dificultadores que interferem no cuidar do paciente no momento da morte na

UTI. A quantidade de técnicos que tem, a rotina, muita sobrecarga, número de

funcionário, que não é suficiente, isso dificulta e causa um déficit bem grande do

cuidado. A gente acaba não prestando o cuidado que a gente queria, deseja, por

isso, pelo déficit de pessoal, quantidade de procedimento, que é muita coisa que tem

durante o dia. E o que você ver que facilita? Equipe, a [...] contar com apoio dos

colegas ajuda bastante, apoio médico, psicologia, e relação com toda equipe, isso

ajuda muito, facilita muito. Algo mais que você ver que facilita ou dificulta? O

treinamento de quem entra, de quem entra, de funcionários novos que entram, tem

que ter um bom treinamento quando entra, pra não simplesmente, não, não chegar,

e não ser tecnicista, só nas rotinas. Aqui as pessoas aqui, os familiares

principalmente, e tanto os funcionários tem que ver, que é necessário um pouco

mais de atenção. O paciente com câncer é necessário mais atenção do que dos

demais. Tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Essa atenção é

em relação a família ou ao paciente? Atenção a famílai e [pausa]. As necessidades

são diferentes, mas pacientes com câncer tem umas que assim, nem sempre são

supridas, como os pacientes comuns. Eles tem uma maior, que é preciso muito a

ajuda da psicologia, que entra em campo [barulho]. Fale-me da sua experiência em

trabalhar na UTI. Como você presta os cuidados ao paciente no momento da

morte? Eu gosto do meu trabalho, durante um tempo na UTI a gente vai pegando

95

um preparo pra isso e vai acostumando com o tempo, você vai mudando as tuas

atitudes e vai aprendendo como lidar com isso. Os pacientes que estão morrendo e

já estão próximos da morte. Assim, você que já vem com suas características

pessoais, o que tu aprende os teus conceitos. O que significa para você uma boa

morte? O que significa uma boa morte? Na principal queixa deles, que seja tranquila

[pausa]. Que, que seja em paz, embora seja um momento que não tenha como [?],

que seja em paz, que eles não vão com nenhuma queixa. Por que se você sair com

queixa de dor, falando isso até o fim, isso é muito triste, o relato deles, é o que a

gente mais presa. Para você é possível/viável uma boa morte na UTI? Acredito

que sim. Acredito que sim. A gente prioriza que vá ficar em casa com os familiares,

que fique com a companhia deles, mas quando isso não e possível, tem que

propiciar isso aqui, quando em casa isso não é possível. Nossa prioridade é que vá

ficar com os familiares, que possam tá próximos né, que tenha a morte próximo aos

seus, que pelo menos é a alegria de todos né, mas quando isso não é possível, é

possível a gente fazer isso aqui. Mas alguma coisa que queira acrescentar? Não.

96

Entrevistado – 07 – Técnico de Enfermagem

Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo. O alívio da dor, do sofrimento, [pausa] da

dor do sofrimento, do seu dia a dia, do cuidado. Quais os fatores facilitadores e

dificultadores que interferem no cuidar do paciente no momento da morte na

UTI. Que facilitam [pausa]. São tantos fatores [pausa]. O médico nos orienta, ter os

controles no horário, que não são iguais dos outros, arrumá-lo né, o cuidar. O que

dificulta? Tem uns que você ver que tá [?].Fale-me da sua experiência em

trabalhar na UTI. Como você presta os cuidados ao paciente no momento da

morte? Eu faço de tudo para dar uma boa assistência né, na hemodinâmica dele,

nessa situação, o que eu posso fazer junto com a equipe de enfermagem. Dar um

bom cuidado, manter ele sempre limpo, saudável, administrar a medicação pra

aliviar a dor, se tiver mais alguma coisa comunicar ao médico. O que significa para

você uma boa morte? Uma boa morte acho que não tem. A morte nunca é boa [rir].

Uma boa morte não tem não. Tem gente que diz que uma boa morte é aquela morte

que a pessoa dorme e não acorda, mas pra mim nem ali é uma boa morte, que não

sente nada. Dormir e não acordar. Pra mim não é uma boa morte, é um susto que

você vai acordar uma pessoa que tava dormindo e não acorda. É uma boa morte,

não é. Pra mim não tem uma boa morte. A morte nunca é boa. Para você é

possível/viável uma boa morte na UTI? Se existisse era aliviar a dor, alivio do

sofrimento e a dor da família do paciente. Mas alguma coisa que queira

acrescentar? A gente não alivia o sofrimento, só alivia mesmo a dor, e olhe lá se

pode aliviar.

97

Entrevistado – 08 – Técnico de Enfermagem

Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo. Um cuidado para o paciente ter uma boa

morte, o cuidado como: o paciente em fase terminal devemos ter um maior cuidado

para que o paciente tenha uma boa morte, né, como assim, não deixar o paciente

morrer com escaras, cheio de ferimento, mudar sempre o paciente de posição.

Quais os fatores facilitadores e dificultadores que interferem no cuidar do

paciente no momento da morte na UTI. O que facilita: em UTI temos todos os

materiais necessários. O que dificulta: é viver com a própria morte. Você tem

dificuldade? É por que é viver com a própria morte. Fale-me da sua experiência em

trabalhar na UTI. Como você presta os cuidados ao paciente no momento da

morte? Um pouco difícil a gente se adaptar com a morte. Mas a gente dar os

cuidados cabíveis e necessários ao paciente após a morte. E o que são para você

esses cuidados cabíveis e necessários? O paciente morrer limpo, morrer e ter o

corpo após a morte limpo [pausa]. É, é, manter o corpo pós morte limpo. O que

significa para você uma boa morte? Acho que é aquela morte que teve todos os

cuidados, aquela morte que teve os cuidados necessários, digamos assim, um

paciente teve todos os cuidados até à hora da morte, por exemplo, lutar, lutar, lutar

até, pra ver se sobrevive, se não sobreviver. Então, eu acho que pra ter uma boa

morte, foram os cuidados necessários. Fale para mim o que são esses cuidados

necessários que você dia? Cite alguns. Assim, no caso a assistência de

enfermagem mesmo, a assistência de enfermagem , prestar os cuidados, um

paciente grave, por exemplo, o médico, enfermeira, técnico prestaram os cuidados.

Lutou, lutou até que sobreviveu, não conseguiu, eu acho que é uma boa morte. E

esses cuidados que você fala, são o que? Os cuidados de enfermagem. São assim,

no caso, prescreve medicação, o médico prescreveu, foi lá e fez. A pressão tá alta, a

medicação pra baixar, não conseguiu e assim sucessivamente. Tudo foi feito, mas

não foi alcançado. Eu acredito que seja isso. Para você é possível/viável uma boa

morte na UTI? [pausa]. Eu acho que sim. Por que quando o paciente vai pra

unidade intensiva, eu acho que vai lutar até a hora da morte. Infelizmente, pelo

menos o paciente veio grave, lutou, lutou, lutou até, não conseguiu chegar ao

objetivo, infelizmente ele partiu. Você tem algo mais a falar? Não.

98

Entrevistado – 09 – Técnico de Enfermagem

Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo. [pausa] Então, o paciente que está

morrendo né. Como você ver isso? Eu vejo de forma assim, eu tenho que cuidar

desse paciente, sabe, não posso ver por que ele está morrendo, que eu tenho que

deixar ele de lado, largado de mão, não, eu tenho que dar assistência correta, tratar

ele como, como um ser sabe. Que precisa de atenção, de assistência correta, uma

pessoa que tá ali, que não tem mais expectativa de vida, mas que precisa de

carinho, de atenção né, se tá com dor, fazer medicação pra aliviar a dor dele, claro

se a medicação estiver prescrita, conversar com o médico. Ver se o médico libera a

medicação, tem que ter toda atenção, todo carinho né, dar apoio psicológico, apoio

moral, se a família não tiver junto, avisar ao paciente, né, avisar, pra pedir que a

família venha, em fim, tem que dar atenção de modo geral. Quais os fatores

facilitadores e dificultadores que interferem no cuidar do paciente no momento

da morte na UTI. Quais os fatores que facilitam? [pausa] Tem alguma coisa que

facilita você cuidar desse paciente, que lhe ajuda? O que facilita sabe, a instituição

né, que fornece pra gente, um apoio psicológico bom né, a assistência dada ao

paciente aqui também é uma assistência boa, a instituição né, o que facilita também.

E o que dificulta você cuidar desse paciente? O que dificulta é saber que você não,

[?] aquela doença do paciente não tem cura, que você não pode dar a cura que

aquele paciente quer, salvar a vida daquele paciente do jeito que ele quer. Essa

parte é que dificulta. Fale-me da sua experiência em trabalhar na UTI. Como

você presta os cuidados ao paciente no momento da morte? Questão dos

cuidados é dar a assistência da melhor maneira que eu possa né, dar um apoio

moral, apoio psicológico, ajudar também a família, que as vezes vem visitar o

paciente e tá tão abalada, dar apoio ao paciente, dar apoio a família né, é o que a

gente pode fazer no momento. E esse apoio, como você consegue dar esse apoio?

Conversando né, orientando no modo que eu possa fazer, eu faço. O que significa

para você uma boa morte? Assim, deixar eu ver, dentro de uma UTI dar uma boa

morte tranquila é evitar que o paciente fique ali sofrendo dor, agonizando, tem

paciente que a gente ver que tá agonizando né, com falta de ar né, e ai se puder

fornecer oxigênio pra ele, oferecer uma medicação que possa aliviar um pouco a dor

né. Não deixar ele tá sentindo dor sem necessidade, ou tá sentindo falta de oxigênio,

99

desde quando a gente, desde quando a gente possa oferecer uma melhora pra ele,

tem que oferecer. Para você é possível/viável uma boa morte na UTI? É, acredito

que sim. Mais alguma coisa que você queira falar? Não, eu acho que a gente que

trabalha na área da saúde tem que procurar dar uma assistência boa, independente

se o paciente tem a fase terminal ou não, tem que dar assistência boa, tem que dar

atenção, tem que ser digno com aquele paciente que tá ali, por que ali no momento

é o paciente, que pode ser um familiar seu, pode ser até você. Então, tem que fazer

com o paciente o que você gostaria que fizesse com você, sabe. Sempre o melhor,

sempre procurar fazer o melhor.

100

Entrevistado – 10 – Enfermeira

Na sua vivência com a morte e o morrer, conte-me sobre sua perspectiva em

cuidar do paciente que está morrendo. Bem, eu considero assim, o cuidado de

enfermagem deve ser o cuidado o melhor possível para que o paciente morra em

conforto. Entendeu? Que ele possa ser, que no momento da questão do óbito,

depende da questão do óbito, se um óbito que vai evoluir da questão de gravidade,

é isso, por que tem diferenças, é um óbito que vai da questão da doença né, por

questões já que não tem mais condições de tratamento e do óbito que é aquele

óbito em gravidade. Eu acho que o óbito em gravidade com um paciente com um

bom prognóstico, eu acho que a equipe de enfermagem deve tá atenta ao máximo

possível, pra se fazer de tudo pelo cuidado do paciente, certo. O melhor possível, é

ai que eu acho que é necessário bons profissionais, de profissionais sem cansaço,

certo. Profissionais que estejam preparados né, preparados para trabalhar com

gravidade, em saber diagnosticar o que é a gravidade né, e na evolução do óbito,

caso haja evolução do óbito né, que seja feito, tendo previsto o melhor possível da

equipe né. Já o óbito em relação ao que já é esperado, eu acho que a prioridade é

exatamente o trabalho da enfermagem em relação ao conforto. Isso que você fala

esperado é o paciente terminal? Sim, isso, o paciente terminal. Quais os fatores

facilitadores e dificultadores que interferem no cuidar do paciente no momento

da morte na UTI. Oh! Os fatores que facilitam, eu acho que quando, primeiro,

primeiro, quando o familiar né, ela tem entendimento da doença né, isso é um

fator que facilita, ajuda a gente a dar um atendimento mesmo que a morte seja

prolongada né, o momento da morte seja prolongado, ajuda a dar um, a dar um

conforto melhor né, sem assim, sem questionamentos, como se pode dizer: que são

desnecessários a própria gravidade da situação. E quando a gente tem o

direcionamento do próprio médico. Quando o médico assistente, ele considera que

chegou a hora de terminar né, quando o médico plantonista também conversa com

o médico assistente e definem que é o momento da morte, e eu acho assim, essa

decisão é importante pra equipe. É um momento que a gente se prepara pra

poder, em fim, essas são as facilidades. As dificuldades é o que te falei. É

exatamente quando a clínica fica muito difícil né, a clínica fica aquela discussão,

ninguém sabe, não há um consenso entre médico assistente e médico plantonista

em relação ao que fazer, se coloca como teto terapêutico, se não coloca. E a

101

família, por que em relação ao óbito, família é essencial né, se a família não

entende, se tem toda uma problemática em relação a família, se veio de uma

causa externa, que é de processo e fica toda aquela questão, fica difícil. A

aceitação da família? É a aceitação da família. Então, eu acho que na abordagem

em óbito, geralmente em UTI, o paciente em UTI a gente tem pouco, é como eu

digo assim, a gente tem pouco contato com a família, muito pouco, são as duas,

uma hora de manhã, duas horas a tarde né. Então eu acho que tem que tá o

médico, que passa o boletim sempre todo dia, mas eu acho que é essencial o

trabalho da assistente social. A assistente social na equipe né, a assistente social

para preparar a equipe também. Entrar junto com a equipe, ta junto com a

família, é importante. Fale-me da sua experiência em trabalhar na UTI. Como

você presta os cuidados ao paciente no momento da morte? Em relação ao que

eu digo da minha, da questão da experiência, eu acho que o paciente que ta

evoluindo na questão de óbito, a gente tem que ta dando os cuidados né. Isso, acho

que os cuidados que a gente daria se fosse um familiar nosso né. Os cuidados de

banho, os cuidados de conforto, é instalar. Eu sei que as vezes a gente sabe , a

gente trabalha aqui num hospital que dá essa possibilidade, mas se a gente tivesse

num outro hospital, talvez não pudesse. Mas, se é um paciente terminal, não tem

indicação de instalar um colchão caixa de ovo né, mas se a gente não instala um

colchão caixa de ovo, a gente abre outras, várias lesões em outros lugares, que são

lesões que vão ficar. É pior para o paciente, a gente não pode dizer, por que ele já

é um paciente que as vezes já ta com sedação contínua, já não sente dor, já ta em

uso de dimorf né, mas o aspecto visual de quem ta olhando o paciente, o paciente

cheio de lesões, o paciente todo lesionado, cheio de curativo, não é bom né.

Então, a gente deve fazer as medidas, medidas higiênicas, manter o controle

higiênico, a gente tem que manter né, a questão hemodinâmica, se é pra ser

esvaziada de seis em seis horas, a gente faça de seis em seis horas né. Eu acho que

a gente tem que respeitar, que respeitar o momento de partida, de preferência

com conforto hemodinâmico, sem, dor né, e com conforto, eu acho que com

aspectos estéticos é importante. O que significa para você uma boa morte? É o

que eu até já falei pra você, morte digna eu acho que é no momento que a gente

sabe que não tem mais condições, isso eu digo assim, a gente fala até em paciente

que entram em, em, como é que se chama, em cuidados paliativos né, e ainda

102

estão lúcidos. Isso é o que a gente mais vê lá fora no andar, os pacientes em

cuidados terapêuticos e lúcidos. Eu acho que é você manter o paciente sem dor. E

acho que em oncologia, eu acho que dor é essencial né. Eu acho que o paciente

morrer sem dor, sem desconforto respiratório né. Com seu ente querido do lado. Eu

acho que isso é importante. Para você é possível/viável uma boa morte na UTI?

É. Em UTI é, a partir do momento em que a família entende e a partir do

momento, que eu acho que a equipe fecha o diagnóstico de que não tem mais

tratamento, então, que a gente não tenha, não fique prolongando drogas, que não

fique prolongando procedimentos invasivos, entendeu? Eu acho que o paciente

possa vir a evoluir do jeito que ele iria evoluir, que ele evolua o mais rapidamente

possível, pra ele não ter sofrimento. Mas alguma coisa que queira acrescentar?

Não, acho que eu falei até demais.

103

ANEXOS

“...Viver é afinar o instrumento

De dentro prá fora De fora prá dentro

A toda hora, todo momento ...”

Walter Franco

104

ANEXO A