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www.terradamusica.com.br O desenvolvimento das habilidades do músico A arte da improvisação musical está presente em muitas culturas do mundo. Em nossos dias, a improvisação faz parte de várias manifes- tações da cultura musical popular, seja brasi- leira ou internacional (do samba à bossa nova, do choro ao blues, do rock ao pop), assim como do jazz, que é, provavelmente, o estilo que, entre todos, mais desenvolveu uma linguagem sofisticada. Trataremos aqui apenas da forma mais comum de improvisação, a melódica, isto é, a da criação de novas melodias sobre canções e temas pré-existentes. Não falaremos de “improvisação total”, que é aquela em que são criados, extemporaneamente e contempo- raneamente, todos os elementos que consti- tuem uma música (sua estrutura formal, seus caminhos harmônicos, sua melodia, suas ca- racterísticas rítmicas etc). A improvisação pode ser definida como a arte de criar algo no momento da execução, portan- to, em tempo limitado, com material também limitado. Esse processo implica a necessidade de tomar decisões certas para criar algo que funcione naquele instante. De certa forma, a improvisação pode ser definida como uma composição extemporânea. Em comparação à composição musical escrita, a composição extemporânea é limitada, por exemplo, no que diz respeito à forma: quase sempre, a estrutura harmônica sobre a qual se improvisa é forneci- da e o número dos compassos da composição é pré-estabelecido, assim como são pré-estabe- lecidos os acordes e suas relações tonais. O que o improvisador deve fazer, nesses casos, é desenvolver a capacidade de analisar os da- dos do momento e criar algo que respeite o material fornecido (acordes, eslo, tempo, ma- terial temáco etc). Quais são as habilidades e as competências que o músico deve desenvolver para impro- visar? Podemos pensar em três diferentes áreas de habilidades musicais a serem desen- volvidas, como mostra a figura a seguir. Segundo esse modelo, o conjunto das habili- dades musicais pode ser representado como o resultado da interação de três áreas de competências que interagem entre si duran- te a performance musical e durante o estudo do músico. A improvisação como composição extemporânea O desenvolvimento das habilidades musicais na improvisação

O Desenvolvimento Das Habilidades

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A arte da improvisação musical está presente em muitas culturas do mundo. Em nossos dias, a improvisação faz parte de várias manifes-tações da cultura musical popular, seja brasileira ou internacional (do samba à bossa nova, do choro ao blues, do rock ao pop), assim como do jazz, que é, provavelmente, o estilo que, entre todos, mais desenvolveu uma linguagem sofisticada. Trataremos aqui apenas da forma mais comum de improvisação, a melódica, isto é, a da criação de novas melodias sobre canções e temas pré-existentes. Não falaremos de “improvisação total”, que é aquela em que são criados, extemporaneamente e contemporaneamente, todos os elementos que constituem uma música (sua estrutura formal, seus caminhos harmônicos, sua melodia, suas características rítmicas etc).

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O desenvolvimento das habilidades do músico

A arte da improvisação musical está presente em muitas culturas do mundo. Em nossos dias, a improvisação faz parte de várias manifes-tações da cultura musical popular, seja brasi-leira ou internacional (do samba à bossa nova, do choro ao blues, do rock ao pop), assim como do jazz, que é, provavelmente, o estilo que, entre todos, mais desenvolveu uma linguagem sofisticada. Trataremos aqui apenas da forma

mais comum de improvisação, a melódica, isto é, a da criação de novas melodias sobre canções e temas pré-existentes. Não falaremos de “improvisação total”, que é aquela em que são criados, extemporaneamente e contempo-raneamente, todos os elementos que consti-tuem uma música (sua estrutura formal, seus caminhos harmônicos, sua melodia, suas ca-racterísticas rítmicas etc).

A improvisação pode ser definida como a arte de criar algo no momento da execução, portan-to, em tempo limitado, com material também limitado. Esse processo implica a necessidade de tomar decisões certas para criar algo que funcione naquele instante. De certa forma, a improvisação pode ser definida como uma composição extemporânea. Em comparação à composição musical escrita, a composição extemporânea é limitada, por exemplo, no que

diz respeito à forma: quase sempre, a estrutura harmônica sobre a qual se improvisa é forneci-da e o número dos compassos da composição é pré-estabelecido, assim como são pré-estabe-lecidos os acordes e suas relações tonais. O que o improvisador deve fazer, nesses casos, é desenvolver a capacidade de analisar os da-dos do momento e criar algo que respeite o material fornecido (acordes, estilo, tempo, ma-terial temático etc).

Quais são as habilidades e as competências que o músico deve desenvolver para impro-visar? Podemos pensar em três diferentes áreas de habilidades musicais a serem desen-volvidas, como mostra a figura a seguir. Segundo esse modelo, o conjunto das habili-

dades musicais pode ser representado como o resultado da interação de três áreas de competências que interagem entre si duran-te a performance musical e durante o estudo do músico.

A improvisação como composição extemporânea

O desenvolvimento das habilidades musicais na improvisação

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Em um vértice do triângulo, encontra-se a área que chamo de mente lógica. Nela, residem os conhecimentos lógico-ra-cionais, que se referem a:

1) A gramática musical e as regras composi-tivas (conhecimentos da linguagem harmôni-ca, das tonalidades, do aspecto rítmico, da fraseologia e da forma musical, dos aspectos estéticos característico de um determinado gênero musical);

2) As capacidades de conhecimento/re-conhecimento auditivo (conhecimento e re-conhecimento auditivo de intervalos, acor-des, pulsação e elementos rítmicos, contexto harmônico etc);3) O conhecimento da antologia, das grava-ções, dos intérpretes, dos estilos etc. Por exemplo, servirá ao músico reconhecer a for-ma da música que está tocando (se é AABA), onde começam e terminam as frases do tema.

O mapa das competências do músico

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Será útil conhecer a tonalidade da música, seu campo harmônico, entender a função dos acor-des, as escalas para improvisar, ter um ouvido bem desenvolvido etc. Evoluindo na espiral, o improvisador terá grandes benefícios em conhecer, também, a gramática construtivista da composição melódico/harmônica. Em outro vértice do triângulo, há o desenvolvimento das habilidades fisio-motoras: treinamento de téc-nica, escalas, arpejos etc... mas também o estu-do de frases, de padrões rítmico-melódicos que

ficam guardados na mente e no corpo do músi-co, prontos para serem usados “na hora certa”. No último vértice do triângulo, encontramos o que chamo de mente criativa. Nela residem as capacidades de decisões de caráter estético/artístico, a capacidade de interagir “em tem-po real” com os estímulos externos (vindos de outros músicos, do público, do contexto em geral). Na educação musical, essa talvez seja a área que mais necessita de estudos e aprofun-damentos.

Talvez a ideia do triângulo e de suas áreas possa ser um instrumento útil não apenas na área da improvisação. Pensando, por exem-plo, em um pianista intérprete de música da tradição europeia, podemos concluir que as primeiras duas áreas demandam mais atenção do que a terceira. Ao trabalharmos com um grupo de crianças, no entanto, a área da criatividade poderia ter um espaço maior. Fica o convite ao uso dessa ferramenta, por exemplo, no momento de entender onde nos situamos em nosso desenvolvimento, quais habilidades dominamos mais e quais áreas

precisamos desenvolver. Podemos analisar se temos, por exemplo, um suficiente pre-paro teórico e está faltando o lado da cria-tividade (“conheço toda a teoria, mas meus improvisos não saem”) ou se, ao contrário, temos muita criatividade e bom ouvido, mas não sabemos “que escala utilizar”, ou não te-mos técnica para nossas realizações etc. Vale sempre a pena lembrar: procuremos sempre por fontes de informação confiáveis e consi-stentes. Procuremos sempre bons professo-res e referências seguras para orientar nossa caminhada.

Muito além do estudo da improvisação