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UVV – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VILA VELHA CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS AMANDA VÉDOVA ARTHUR GOMES RIBEIRO DANIELLE DELBONI GLEIDISON FRAGA JOSÉ BERNARDES JÚNIOR MAYARA DANTAS DA SILVA PANTALEÃO MELINA BERREDO DE MENEZES NATÁLIA LUCCHINI O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O DIREITO DE GUERRA: O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

O DIP e o Direito de Guerra

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UVV – CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VILA VELHACURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

AMANDA VÉDOVAARTHUR GOMES RIBEIRO

DANIELLE DELBONIGLEIDISON FRAGA

JOSÉ BERNARDES JÚNIORMAYARA DANTAS DA SILVA PANTALEÃO

MELINA BERREDO DE MENEZESNATÁLIA LUCCHINI

O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O DIREITO DE GUERRA: O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

VILA VELHA2010

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AMANDA VÉDOVAARTHUR GOMES RIBEIRO

DANIELLE DELBONIGLEIDISON FRAGA

JOSÉ BERNARDES JÚNIORMAYARA DANTAS DA SILVA PANTALEÃO

MELINA BERREDO DE MENEZESNATÁLIA LUCCHINI

O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O DIREITO DE GUERRA: O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Trabalho apresentado como requisito parcial para a avaliação da disciplina de Direito Internacional Público do 5º período do curso de Relações Internacionais da UVV, sob a orientação da prof. Andréia Costa Vieira.

VILA VELHA2010

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................07

1. SOLUÇÃO PACÍFICA DE CONTROVÉRSIAS............................................................09

2. SOLUÇÕES COERCITIVAS DE CONTROVÉRSIAS.................................................13

3. USO DA FORÇA E GUERRA NO DIREITO INTERNACIONAL..............................16

3.1 INÍCIO DA GUERRA

3.2 GUERRA TERRESTRE

3.3 GUERRA MARÍTIMA E AÉREA

3.4 FIM DA GUERRA

3.5 NEUTRALIDADE

3.6 SANÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL

3.7 GUERRA INTERNA E CONFLITOS ARMADOS NÃO-INTERNACIONAIS

CONCLUSÃO.........................................................................................................................33

REFERÊNCIAS......................................................................................................................35

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INTRODUÇÃO

Os Estados são entidades políticas e jurídicas compostas por pessoas e, assim

como elas, estão sujeitos a choques de interesses e divergências. Por vezes, os conflitos

acabam por se tornar inevitáveis.

É importante lembrar que, sendo o sistema internacional anárquico, não há uma

organização política e judiciária que controle e gere jurisdição obrigatória. Desde a Liga das

Nações tem-se buscado uma solução para essa problemática tão presente no âmbito do Direito

Internacional.

Faremos uma breve análise dos conflitos internacionais dentro do sistema de

solução de controvérsias no Direito Internacional.

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1. SOLUÇÃO PACÍFICA DE CONTROVÉRSIAS

Os Estados estão sempre buscando uma forma de conseguir ser mais poderoso e

com isso fazer valer suas regras utilizando-se de seus interesses. Sempre buscam o poder,

resguardar sua soberania e proteger seu território.

      Os Estados, da mesma forma que o homem, estão sujeitos a paixões, a

choques de interesses, a divergências mais ou menos sérias. Entre uns como entre os outros,

os conflitos são inevitáveis. Diferentemente, porém, do que sucede na sociedade civil, onde

acima dos particulares existe uma autoridade superior, que mantém a ordem pública, e onde

se exerce a jurisdição de tribunais, que garantem direitos e aplicam sanções ou reparam

ofensas, a sociedade internacional ainda se não acha juridicamente organizada, de maneira

análoga. Acima dos Estados, não há um órgão supremo a que obedeçam, e, para dirimir

controvérsias entre eles e fazer respeitar os direitos de cada um, não existe uma organização

judiciária com jurisdição obrigatória. Forçoso é reconhecer que grande passo se procurou dar

neste sentido com a criação das Nações Unidas. Segundo Accioly e Nascimento e Silva

(2000):

É de interesse dos Estados tentar impedir que surjam conflitos entre eles e, quando isto não seja possível, procurar resolver tais conflitos por meios amistosos. Seja como for, é, pelo menos, dever moral de todo Estado não recorrer à luta armada, antes de tentar qualquer meio pacífico para a solução da controvérsia que surja entre o mesmo e qualquer outro membro da comunidade internacional.Entre os meios de solução de disputas entre os Estados, existem o meio legal e o meio não legal. Desde que os Estados têm exercido um papel fundamental para a criação da sociedade internacional, e esta está formada com base na igualdade soberana entre os Estados, a solução das disputas entre estes via meios legais tem sido entendida como exceção. Ou seja, durante os últimos 400 anos, a sociedade internacional tem-se mantido, na maior parte do tempo, sob influência da soberania absoluta, do estatismo e do voluntarismo, que não permitam sequer a possibilidade de criação de um mecanismo de solução superior ao Estado e contra a vontade do Estado. De fato, a Corte Permanente Internacional de Justiça foi criada somente em 1922, após a Primeira Guerra Mundial, o que resultou no enfraquecimento do juspositivismo no Direito Internacional. Por isso, os meios não legais têm sido os mais desenvolvidos no Direito Internacional.

A guerra, que acompanhou a história da humanidade, transformou-se em objeto

de repúdio para a sociedade internacional e de maneira concomitante, a convenção para a

solução dos conflitos internacionais pretende prevenir, dentro do possível, a utilização de

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força dos Estados. Como acentuam Seitenfus e Ventura trata-se de posição de clássico

voluntarismo, pois não há obrigatoriedade de abstenção do recurso à força, tampouco

obrigação de buscar uma solução negociada para o litígio:

Hildebrando Accioly classifica os métodos de solução pacíficas de controvérsias internacionais em três categorias: duas categorias amistosas (meios diplomáticos e meios jurídicos) e uma de caráter não amistoso ou coercitivo (os meios coercitivos). A rigor os métodos coercitivos são sobretudos sanções, e não meios pacíficos de solução pacífica de controvérsias, porém só representam um meio aceitável de implementação do direito internacional quando são utilizados por uma organização internacional (SEITENFUS e VENTURA, p.140).

A classificação dos meios de solução de controvérsias depreendida dentre os

autores estudados foi a seguinte:

1– Meios Diplomáticos

a) Negociações Diretas

b) Sistemas consultivos

c) Mediações

d) Bons ofícios

e) Congressos e conferências

2 - Meios Jurídicos

a) Comissões de inquérito

b) Conciliação

c) Soluções arbitrais

d) Soluções judiciárias

e) A Corte Internacional de Justiça

3 - Meios Políticos: As soluções dadas pelas Organizações Internacionais.

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1.1 MEIOS DIPLOMÁTICOS

Diplomacia é a forma de solução de disputa internacional que visa acordar as

partes conflituosas através de negociação, conferência internacional, bons ofícios, mediação

ou inquérito.

a) Negociações diplomáticas (negociações diretas): Negociação significa chegar

a um acordo através do diálogo ou discussão, podendo ser por negociação direta ou por

confer6encia internacional. Negociação direta: A grande maioria dos conflitos entre os

Estados é resolvida mediante negociação, não sendo esta uma característica exclusiva do

Direito Internacional, já que a maior parte das disputas surgidas em qualquer sistema jurídico

é também solucionada por esse meio. Como resultado das negociações, poderá ocorrer a

renúncia de um dos governos ao direito que pretendia; ou o reconhecimento por ele das

pretensões do outro. Num caso, temos a desistência; no outro, a aquiescência. Pode ainda

ocorrer a transação, quando ocorrem concessões recíprocas.

b) Sistemas consultivos: consiste em troca de opiniões entre dois ou mais Estados

interessados num litígio internacional para que possam alcançar uma solução que agrade a

todos. Tal método figura no continente americano, mais precisamente no âmbito da OEA.

c) Mediações: A mediação consiste na interposição de um (mediação individual)

ou mais Estados (mediação coletiva), entre outros Estados para se solucionar pacificamente

um litígio, podendo ser oferecida ou solicitada, sendo que seu oferecimento ou recusa não

deve ser considerado ato inamistoso. Em regra geral, apresenta-se como facultativa.

d) Bons ofícios: Os bons ofícios são a tentativa amistosa de um ou vários Estados

de abrir via às negociações das partes interessadas ou de reatar as negociações que foram

rompidas. Sendo assim, o terceiro Estado seria um simples intermediário que coloca em

presença os Estados litigantes para os levar entrar em negociações, ao contrário da mediação,

embora na prática seja difícil distinguir entre ambos. Não necessariamente precisa ser um

Estado que ofereça bons ofícios: o serviço pode ser oferecido por um alto funcionário de

organização intergovernamental, como o Secretário Geral da ONU, por exemplo. O mediador

participa ativamente das negociações, mas não procura impor sua vontade, procedendo com

intuitos desinteressados.

e) Congressos e conferências: quando, segundo Accioly, “a matéria ou assunto

em litígio interessa a diversos Estados, ou quando se tem em vista a solução de um conjunto

de questões sobre as quais existem divergências”.

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1.2 MEIOS JURÍDICOS

a) Comissões de inquérito: As comissões internacionais de inquérito (ou de

investigação) são comissões criadas para facilitar soluções de litígios internacionais ou para

elucidar fatos controvertidos, tendo como função específica investigar os fatos sobre os quais

versa o litígio, mas sem se pronunciarem sobre as responsabilidades.

b) Conciliação: Na conciliação, um órgão que tem confiança comum dos Estados

litigantes, após procedimentos com certa formalidade, apresenta suas conclusões sobre a

questão litigiosa, na forma de relatório opinativo, no qual irá propor um acordo entre os

litigantes e um prazo para que estes se pronunciem. Difere dos procedimentos de investigação

pela possibilidade de os conciliadores emitirem opiniões valorativas e formularem sugestões

aos Estados litigantes, embora não sejam obrigados a aceitarem a solução proposta.

c) Soluções arbitrais: Arbitragem é o meio de solução pelo qual os litigantes

elegem um árbitro ou um tribunal para dirimir o conflito. Estes são geralmente escolhidos

através de um compromisso arbitral que estabelece as normas a serem seguidas e onde as

partes contratantes aceitam previamente a decisão a ser tomada, que deve ser apresentada

como sentença definitiva, salvo se o contrário foi previsto no respectivo compromisso, ou se é

descoberto um fato novo que poderia determinar a modificação da sentença.

d) Soluções judiciárias: A solução judiciária consiste em se submeter o litígio a

um tribunal judiciário, composto de juízes independentes, com investidura pretérita ao litígio

e subsiste à sua solução, e difere da solução arbitral também pelo fato de seus componentes

não serem escolhidos pelas partes litigantes, e sua grande diferença em relação às outras

formas de soluções de litígios internacionais, segundo Guido F. da Silva Soares, reside na

institucionalização de um organismo com funções claras e determinadas, fixadas em

instrumentos internacionais solenes, com jurisdição e competência permanentes. “Aos

poucos, novos tribunais permanentes vão surgindo com o objetivo de adjudicar ampla gama

de problemas” (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000).

e) A Corte Internacional de Justiça: Em 1920 instituía-se com sede em Haia

uma Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI) integrada por 15 juízes para um

mandato de nove anos, mas acabou extinta com a eclosão da Segunda Guerra. Com a

instituição da ONU, foi rebatizada de Corte Internacional de Justiça (CIJ), sendo o principal

órgão judiciário dessa organização, e continua sediada em Haia. Um Estado litigante tem o

direito de indicar um juiz de sua nacionalidade para compor a CIJ em determinados casos, e a

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manifestação da vontade dos Estados é essencial para que se já invocada a jurisdição da CIJ.

Em tese, a solução de litígio por intermédio da CIJ tem a vantagem sobre a simples

arbitragem, segundo Accioly, de envolver o Conselho de Segurança na implementação da

sentença.

1.3 MEIOS POLÍTICOS

A Carta da ONU determina, em seu art. 33, que nas controvérsias “de ameaça à

manutenção de paz e da segurança internacional”, as partes litigantes deverão chegar à

solução pacífica por qualquer um dos modos existentes no DI, (supramencionados) ou por

qualquer outro meio. Se a lide não for resolvida, as partes deverão submetê-la ao Conselho de

Segurança, que, nos casos de ameaça à paz, pode fazer recomendações e também decidir

sobre as medidas a serem tomadas. A Assembléia Geral tem a competência de fazer

recomendações, criar comissões de bons ofícios e indicar mediadores, geralmente o Secretário

Geral da ONU. As organizações internacionais podem exercer suas funções para solucionar os

conflitos internacionais. Os meios de solução por que elas optam podem se pacíficos ou

coercitivos, visando eliminar a ameaça à paz ou para recuperar esta.

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2. SOLUÇÕES COERCITIVAS DE CONTROVÉRSIAS

Entre o ideal da solução pacífica de controvérsias e o extremo dos conflitos

armados, os Estados podem buscar como alternativa os meios coercitivos. Tais sanções só se

justificam quando legitimadas por organização internacional competente, nos termos do art.

41 da Carta da ONU (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000).

De acordo com Rezek (2008, p. 346):

A Carta das Nações Unidas faculta [...] o acesso tanto dos litigantes quanto de terceiros a qualquer de seus dois órgãos políticos na tentativa de dar solução – eventualmente definitiva, mas em geral provisória – a conflitos internacionais graves. [...]

Segundo os autores, o Conselho de Segurança é de extrema importância quando

da necessidade de resolução de tensões internacionais, garantindo, muitas vezes, que a tensão

se dissolva antes da eclosão do conflito:

O foro político representado pelo Conselho de Segurança da ONU possui indiscutível mérito como desaguadouro de tensões internacionais, e só a publicidade assegurada por sua consagração de certo litígio tem contribuído grandemente com a causa da paz, na medida em que fomenta uma consciência crítica na opinião pública e dá ensejo à manifestação construtiva dos Estados neutros (op. cit., p. 347).

Os meios coercitivos mais empregados são: retorsão (princípio da reciprocidade –

o Estado tem direito de aplicar ao agressor as mesmas medidas contra ele empregadas);

represálias (também partem do princípio da defesa, mas os meios e processos utilizados

podem ser diferentes, podendo recorrer ao uso da força – só devem ser utilizadas quando de

violação flagrante do Direito Internacional); embargos (consistem, em geral, na apreensão de

navios e cargas de um Estado estrangeiro); bloqueio pacífico (impedimento, por uso de força

armada, de comunicação entre portos ou costas de um país – método que pode ser utilizado

pelo Conselho de Segurança para constranger um Estado a agir nos termos da Carta);

boicotagem (interrupção de relações comerciais com o Estado ofensor – igualmente previsto

nos termos do art. 41 da Carta) e; ruptura de relações diplomáticas (geralmente utilizada

como um sinal de protesto contra uma ofensa recebida, sendo manifestada pela retirada dos

agentes diplomáticos do Estado e/ou entrega de passaportes aos agentes diplomáticos deste

Estado). No entanto, a última medida muitas vezes conduz à guerra, uma vez que pode ser

considerada como abandono do diálogo (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000).

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3. USO DA FORÇA E GUERRA NO DIREITO INTERNACIONAL

Inicialmente, insta pontuar que, até um primeiro momento do século XX, a guerra

era considerada juridicamente lícita, ou seja, o recurso da força como meio de ação e relação

política era regulado por costumes internacionais que consideravam a guerra como uma

questão natural das relações internacionais (REZEK, 2008).

A Convenção de Genebra de 1864 veio da necessidade de se criar uma norma

formal que versasse sobre o assunto. Segundo Rezek (op. cit., p. 370):

Contando dez artigos, a Convenção de Genebra de 1864 transforma em direito escrito aquelas normas costumeiras versadas no parágrafo anterior: o texto diz da proteção devida a médicos e outras pessoas envolvidas nos trabalhos de socorro, obriga ao tratamento, pelos beligerantes, dos feridos e enfermos, e imuniza contra qualquer ataque os hospitais e os veículos votados ao transporte hospitalar, cuja identificação, daí por diante, seria uma cruz vermelha sobre fundo branco.

A Conferência de Paz da Haia em 1907 marca o auge da história do direito de

guerra. Entretanto, a Primeira Guerra Mundial marcou um retrocesso no que tange à eficácia

das regras, e mesmo a Sociedade das Nações não foi capaz de obter um progresso

considerável nesse sentido (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000).

É importante lembrar que a ONU busca não regulamentar a guerra, mas

procedimentos que procuram evitá-la. A palavra “guerra” aparece uma única vez em todo o

texto, sendo definida depois por expressões como “ameaças à paz” ou “ruptura da paz” e

assim por diante, fomentando a filosofia da organização de que a guerra é condenável e

condenada no cenário internacional atual.

Dentre os tratados firmados no âmbito do Direito Internacional, vale destacar as

quatro convenções de Genebra de 1949, que colocavam a guerra como ilícito internacional,

mas não descartavam a possibilidade da eclosão de conflitos armados. O principal advento

das citadas convenções foi a proteção aos civis em tempos de guerra, além dos feridos e dos

especialistas (como médicos, administradores, transportadores), inspirada pelos princípios da

neutralidade (a assistência humanitária não é uma intromissão ao conflito), da não-

discriminação e o da responsabilidade, ou seja, o Estado preponente é responsável por todas

as pessoas protegidas (REZEK, 2008).

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Os tratados versam sobre guerras no âmbito internacional. Posteriormente, um

Protocolo estendeu a proteção às vítimas aos conflitos sem caráter internacional.

Princípios da necessidade e humanidade: pelo princípio da necessidade, um estado

só ataca o outro como último recurso (ultima ratio) e pelo princípio da humanidade, o estado

deve fazer todo o possível para resguardar a integridade dos civis. (ACCIOLY e

NASCIMENTO E SILVA, 2000).

3.1 INÍCIO DA GUERRA

Há certa discordância sobre o momento do início da guerra. A guerra se inicia de

fato quando há o ataque ou invasão pelas forças armadas de um ou mais estados. No entanto,

muito se debateu sobre a necessidade da declaração da guerra. Muitos acreditam que a própria

suspensão das relações diplomáticas já é um indicativo de ameaça à paz. Outros crêem na

necessidade de tais declarações – como na Primeira Guerra Mundial, quando houve mais de

50 declarações de guerra (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000).

O estado de guerra traz efeitos jurídicos em diversos níveis:

a) Relações diplomáticas e consulares: geralmente, no estado de guerra, tais

relações entre os estados envolvidos já estão rompidas. A Convenção de Viena

obriga os estados a concederem facilidades para que os diplomatas possam

deixar o território o mais rápido possível

b) Tratados: enquanto alguns tratados deixam de existir no estado de guerra,

outros dele dependem para a sua implementação. É possível, inclusive, haver

tratados que estipulem vigorar em tempo de guerra.

c) Pessoas: aos nacionais cabe o direito público interno e, aos nacionais de

estados neutros, o Estado beligerante deve submetê-los apenas a certas

limitações; aos nacionais do estado inimigo é permitido permanecer, mas sob

subordinação às leis de polícia.

Convenção de Genebra: proíbe a tomada de reféns, penas coletivas,

deportações, oferecendo garantias à população civil;

d) Liberdade de comércio: ficam suspensos ou anulados todos os contratos

comerciais entre os estados litigantes;

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e) Bens privados: Declaração de Bruxelas (1874), Convenção de Haia (1907) –

proíbe o confisco da propriedade privada.

É importante lembrar que tanto na Primeira como na Segunda Guerra

Mundial o confisco de propriedade privada inimiga foi aplicado sob o

pretexto de represália;

f) Bens públicos: são considerados confiscáveis quando seu uso for relacionado

estritamente com a guerra (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000).

3.2 GUERRA TERRESTRE

As forças armadas são constituídas tanto pelos combatentes como pelos não-

combatentes, e apenas os primeiros devem ser atacados. Os civis também podem ser

considerados como beligerantes quando se armam contra os invasores, uma vez respeitadas as

leis e costumes de guerra.

Podem ser tomados como prisioneiros de guerra os militares, chefes de estado, as

principais autoridades civis e mensageiros não militarizados. Em todo e qualquer momento do

ataque, o Estado tem o dever de evitar a crueldade desnecessária, conforme exposto no art. 22

das Convenções de Haia: “Os beligerantes não têm direito ilimitado quanto à escolha dos

meios de prejudicar o inimigo”. Desta forma, há normas que explicitam quais os tipos de

armas e meios que podem ser empregados (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000).

A Convenção de Haia expõe ações que ilícitas: matar ou ferir inimigo que não

possa se defender; não conceder quartel ao inimigo; destruir ou se apoderar de propriedades,

exceto por razões de guerra; forçar os nacionais a participar de operações contra o próprio

país; entregar ao saque qualquer localidade; atacar locais não defendidos.

Os processos pérfidos condenados pelas leis e costumes de guerra são os

seguintes: matar ou ferir à traição indivíduos pertencentes à nação ou ao exército inimigo;

servir indevidamente da bandeira parlamentar ou dos sinais da Cruz Vermelha; usar o

pavilhão nacional, as insígnias militares ou o uniforme inimigo; fingir rendição.

A espionagem, o bombardeio e o sítio são permitidos.

O Direito Internacional Público garante, ainda o direito ao prisioneiro de guerra.

Os prisioneiros devem ser tratados com humanidade e não é permitido matá-los.

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Como bem pontuam Accioly e Nascimento e Silva (2000, p. 827):

Não obstante o que digam o direito interno ou as autoridades militares de qualquer país, não tem fundamento e caracteriza violação do direito internacional a detenção de combatentes capturados em meio a operações de guerra, aos quais se negue seja o reconhecimento do estatuto de prisioneiros de guerra, e correspondente tratamento, seja a condição de presos comuns, aos quais se tem de permitir o acesso de advogados e formação de culpa, para julgamento perante tribunal regular, com devido processo legal e direito de defesa.

A Convenção de Genebra estabelece a obrigatoriedade de tratamento humano para

os prisioneiros, os feridos, os enfermos e até mesmo para os mortos em razão da guerra.

Também há normas de conduta em estado de guerra em relação a:

a) Habitantes pacíficos: os habitantes do território ocupado devem ter

asseguradas a vida, a honra e a propriedade privada, assim como devem ser

respeitados o exercício dos cultos e suas convicções religiosas;

Além disso, ficou proibida desde a Convenção de Genebra de 1949 a

aplicação de penas coletivas.

b) Território inimigo: há dois processos durante o estado de guerra, a invasão e a

ocupação. A ocupação, insta salientar, não implica no desaparecimento da

soberania do estado ocupado, apenas na impossibilidade temporária do

exercício daquela soberania.

“Ao ocupante correspondem, nas áreas ocupadas, as mesmas obrigações,

de ordem social e humanitária, que competem ao poder soberano, no seu

próprio território” (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000, p. 832).

3.3 GUERRA MARÍTIMA E AÉREA

Os documentos que regem a guerra marítima são a Declaração de Paris (1856),

Haia (1907), Convenção de Genebra (1949) e dois Protocolos de 1977, adotando-se, ainda, a

Convenção sobre o Direito do Mar de 1982.

Quanto à transformação de navios mercantes em navios de guerra, há uma série de

observações a serem cumpridas, conforme versa a 2ª Conferência de Haia, tais como: estar

sob autoridade direta e responsabilidade do estado a que pertence e usar sinais distintivos de

guerra.

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Há normas que citam os meios ilícitos da guerra marítima. Dentre eles podemos

citar o afundamento do navio rendido com sua tripulação, destruição de navio mercante sem

salvaguarda das pessoas, uso indevido de minas automáticas, bombardeio naval de cidades ou

locais exceto em condições especiais, saques, pilhagem etc. (ACCIOLY e NASCIMENTO E

SILVA, 2000).

Os direitos e obrigações em relação ao inimigo figuram-se os mesmos da guerra

terrestre.

Com relação aos bens privados, a prática corrente difere da guerra terrestre, sendo

comuns a captura e o confisco.

A guerra aérea é admitida pela doutrina e prática internacionais desde que não

apresentem para as pessoas ou para a propriedade da população não-beligerante maiores

perigos do que a guerra terrestre ou marítima. Na prática, é um dos tipos de guerra mais

difíceis de se controlar, especialmente por falta de legislação específica (ACCIOLY e

NASCIMENTO E SILVA, 2000).

3.4 FIM DA GUERRA

A guerra termina de dois modos: de fato e de direito. O fim da guerra de fato é

com a vitória de um dos beligerantes. O fim da guerra por direito é mediante a assinatura de

um tratado de paz. A guerra pode terminar, também, pela cessação de hostilidades, com o

restabelecimento das relações pacíficas. Quando da assinatura de um tratado de paz, este é

precedido de um armistício.

3.5 NEUTRALIDADE

Por definição, são considerados neutros todos os estados que não participam da

guerra. Assim sendo, podemos considerar a neutralidade como completa abstenção do estado

em relação ao conflito. Entretanto, com o advento da Sociedade das Nações, tal neutralidade

não era mais exatamente independente para cada membro. Hoje, sob a égide do art. 43 da

Carta das Nações Unidas, os estados-membros não podem ser neutros quando de ação

coletiva decidida pelo Conselho de Segurança da organização (ACCIOLY e NASCIMENTO

E SILVA, 2000).

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Há duas espécies de neutralidade: A voluntária ocorre quando o Estado, na

eclosão do conflito, mantém-se fora das hostilidades. A neutralidade permanente é quando o

estado compromete-se (com garantias de inviolabilidade) a manter-se sempre neutro ou não

declarar guerra a nenhum outro estado.

Os deveres dos neutros são: abstenção total de participação (direta ou indireta) nas

operações de guerra e o dever da imparcialidade.

Os direitos dos neutros estão relacionados à integridade e inviolabilidade de seu

território. Também há o direito à manutenção das relações diplomáticas e ao comércio e

navegação. (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000).

3.6 SANÇÕES NO DIREITO INTERNACIONAL

A ideia da criação de uma instância judiciária que tivesse competência para julgar

os autores de crimes de guerra e crimes contra a humanidade surgiu ainda no fim da Primeira

Guerra Mundial. No entanto, tal proposta foi rejeitada pela Assembleia Geral da Sociedade

das Nações. Com a Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, a Guerra Fria, o tema só

voltou a ser debatido pela Assembleia Geral da ONU em 1989 (COMPARATO, 2003).

Em 1998, com o Estatuto de Roma, foi aprovado o Estatuto do Tribunal

Internacional Penal por 120 estados, 7 votos contra (dentre os quais China, EUA e Israel) e 21

abstenções.

Atualmente, o TPI é o órgão responsável pelo julgamento de crimes de guerra,

crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de agressão (COMPARATO,

2003).

3.7 GUERRA INTERNA E CONFLITOS ARMADOS NÃO-INTERNACIONAIS

Teoricamente, a guerra interna não deveria implicar questões no âmbito

internacional. Entretanto, torna-se a cada dia mais difícil estabelecer um limite entre guerra

interna e guerra internacional, especialmente com a questão dos direitos humanos.

A princípio, não se consideravam de competência internacional os conflitos de

ordem interna: “não estava em jogo a proteção internacional do indivíduo como portador de

interesses juridicamente relevantes e autônomos, mas sim a solução de conflitos interestatais

radicados num dos elementos do Estado: o elemento pessoal” (PUREZA in BALDI, 2004).

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Hoje, as questões são outras. As “guerras de independência” de antes hoje são

consideradas “guerras de libertação nacional”, consideradas no direito internacional. Uma

vitória contra as antigas potências colonizadoras que buscavam enquadrar os conflitos no

parágrafo 7º do art. 2º da Carta (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000).

Ainda, na visão dos autores:

Seja como for, a guerra civil sai da alçada exclusiva do direito interno, ingressando na do direito internacional em decorrência do reconhecimento expresso ou tácito da beligerância e que pode resultar de uma manifestação do próprio estado onde a revolta se verifica ou de pronunciamento de terceiro ou terceiros estados desejosos de assumir uma atitude de neutralidade em face das duas partes em luta. (op. cit., p. 875)

Com o aumento do número de membros da ONU, a necessidade de se observar a

questão das lutas de libertação nacional passou a ser tratada com prioridade. A Cruz Vermelha

Internacional iniciou um movimento para regulamentar o art. 3º das quatro Convenções de

1949. Assim, em 1977 foram firmados dois protocolos adicionais às Convenções, o primeiro

para a proteção de vítimas de conflitos armados e o segundo relativo aos conflitos sem caráter

internacional (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000).

Como bem pontua Pureza (in BALDI, 2004, p. 80):

Esta personificação da idéia de comunidade internacional no domínio dos direitos humanos exprime a emergência de um novo princípio constitucional do Direito Internacional, o princípio da proteção internacional da dignidade humana, eventualmente contraposto ao princípio constitucional da soberania.

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CONCLUSÃO

Ao término da breve análise nos deparamos com uma quantidade considerável de

normas e princípios advindos de Pactos, Convenções, Acordos, Conferências. A maior

dificuldade está na falta de clareza que vem principalmente da impossibilidade atual de tornar

as normas de Direito Internacional leis de cumprimento obrigatório. O que vemos é que as

normas visam constranger os Estados a evitar o conflito ou, em caso de sua iminente

necessidade, respeitar princípios básicos de humanidade.

Não obstante os esforços das organizações internacionais governamentais nesse

sentido – e mesmo a pressão externa das organizações não-governamentais –, as normas de

Direito Internacional se deparam com o constante choque com o direito doméstico

(especialmente das grandes potências).

É importante observar, no entanto, que a estrutura do sistema internacional pode,

aos poucos, se modificar, a fim de que tais normas se tornem costumes internacionais e nem

mesmo necessitem de sanções por parte de órgãos jurídicos internacionais.

Por fim, é mister ressaltar que é necessário insistir na positivação desse direito e

na solução pacífica dos conflitos internacionais, uma vez que, conforme pontuou o

doutrinador Francisco Rezek (2008, p. 379):

Há uma espécie de crise da grande guerra desde que esta se excluiu do rol das possibilidades razoáveis. O resultado são exercícios variantes de violência, geograficamente circunscritos, muitas vezes anacrônicos e de motivação frívola, flagelando de preferência os pequenos e fracos, os que de modo inevitável se privam do essencial quando envolvidos no empreendimento bélico, e que mais elementarmente dependem, nesse contexto, dos princípios e preceitos do direito internacional humanitário.

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REFERÊNCIAS

ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio. Manual de Direito

Internacional Público. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

BALDI, César Augusto (Org.). Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita. São Paulo:

Renovar, 2004.

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São

Paulo: Saraiva, 2003.

GUERRA, Sidney Cesar da Silva. Direito Público Internacional. 3 ed. São Paulo: Freitas

Bastos, 2007.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 11 ed. São Paulo:

Saraiva, 2008.

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APÊNDICE I – PERGUNTAS

1.

2.

3.

4.

5.

6. A ação da OTAN em Kosovo quando do agravamento da crise, em 1999, pode ser

considerada uma violação ao DIP e um risco à credibilidade da ONU? Justifique.

7. Qual elemento presente na Carta da ONU que dificulta o sistema de solução de

controvérsias no DIP? Justifique.

8. De acordo com o DIP, o seqüestro de bens públicos do estado inimigo em estado de

guerra é considerado lícito? Justifique.

9. Comente as diferenças entre neutralidade voluntária e permanente no estado de guerra.

10. Como são tidas hoje as “guerras de independência” no âmbito internacional?

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APÊNDICE II – RESPOSTAS

1.

2.

3.

4.

5.

6. Sim. A ação da OTAN derivou da falta de um consenso no Conselho de Segurança

sobre quais ações deveriam ser tomadas na antiga Iugoslávia. A indecisão no conselho

permitiu que a OTAN tomasse a iniciativa de agir, chamando a si uma autoridade que

não lhe cabia, em detrimento da credibilidade da ONU como a organização

responsável pela manutenção da paz e da segurança coletiva.

7. No art. 2 §7, o preceito que impede a ONU de intervir em assuntos que dependam

essencialmente da jurisdição interna de cada Estado. Esta norma é abrangente e tem

sido usada como justificativa para rebeldias perante as recomendações do Conselho.

8. O seqüestro de bens públicos só é lícito quando justificável pela necessidade de

diminuir a resistência ou agressão do estado inimigo e para uso específico na guerra,

nos termos das Leis e Costumes da Guerra Terrestre (Convenção de Haia).

9. A primeira ocorre quando o Estado, quando da eclosão do conflito, mantém-se fora

das hostilidades. A segunda é quando o estado compromete-se (com garantias de

inviolabilidade) a manter-se sempre neutro ou não declarar guerra a nenhum outro

estado.

10. Hoje chamadas de “guerras de libertação nacional”, consideradas no âmbito do DIP. A

Assembleia Geral da ONU declarou legítima a luta contra o colonialismo, retirando tal

questão da competência interna dos Estados.