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O DIREITO À SAÚDE PÚBLICA PARA ESTRANGEIROS NAS FRONTEIRAS DO MATO GROSSO DO SUL Lamartine Santos Ribeiro 1 Andréa Flores 2 Janeska Florence Dassoler Oliveira 3 RESUMO O artigo analisa o atendimento de estrangeiros pelo Sistema de Saúde Pública Brasileiro - SUS, considerando os direitos humanos do estrangeiro para destacar sua importância como direito mínimo e irrenunciável. O direito à saúde é conceituado em sua dimensão de direito social fundamental intrinsicamente ligado ao direito à vida. Define-se a amplitude de abrangência do direito à saúde no território brasileiro e a possibilidade de sua destinação a estrangeiros e brasileiros não residentes no país, especialmente considerando os princípios da universalidade e da integralidade do SUS, ressaltando o princípio da dignidade da pessoa humana. Para tanto, é explicitada a gestão compartilhada e o financiamento do SUS com ênfase nos municípios. Como decorrência, necessário entender a dimensão do que é ser estrangeiro no sistema jurídico brasileiro. A pesquisa tem limite geográfico nas fronteiras brasileiras no Mato Grosso do Sul, identificando ainda a demanda de estrangeiros e brasileiros não residentes no país usuários do SUS nestes territórios. Sendo as fronteiras no Mato Grosso do Sul, com a Bolívia e o Paraguai, será desvelado o funcionamento da saúde pública nestes dois países. O Ministério da Saúde tem política voltada para a questão em tela, denominada Sistema Integrado de Saúde nas Fronteiras - SIS-Fronteira, importante a análise que se faz sobre sua criação, objetivos e destinação como forma de solucionar o problema da demanda de estrangeiros que onera as receitas do Estado de Mato Grosso do Sul e dos municípios na faixa de fronteira. Existem conflitos entre a necessidade do equilíbrio financeiro do SUS e os princípios e fundamentos da República Federativa do Brasil que instituem a dignidade da pessoa humana e a promoção da cooperação internacional como vocação solidária do país. Tal conflito implica em despesas nos orçamentos públicos municipais, estaduais e federal, mas também há benefícios no atendimento de saúde, notadamente quanto a integração social entre países. PALAVRAS-CHAVE: Fronteira; Saúde Pública; Paraguai; Bolívia ABSTRACT The article analyzes the care of foreigners by the Brazilian Public Health System - SUS, considering the human rights of the foreigner to highlight its importance as a minimum and inalienable right. The right to health is conceptualized in its dimension of 1 Mestre e Doutorando do programa de Desenvolvimento Local em Contexto de Territorialidades pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Especialista em Direito Penal e Processual Penal - UCDB, Graduado em Direito – Direito, Professor de Graduação e Pós-Graduação da UCDB. [email protected]. 2 Mestre e Doutora em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Professora de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, professora colaboradora do Programa de Mestrado em Direito da UFMS e professora da Escola Superior da Magistratura do Mato Grosso do Sul - ESMAGIS. 3 Pós-graduada latu sensu em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Graduada em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB. [email protected]. Anais do XIV Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

O DIREITO À SAÚDE PÚBLICA PARA ESTRANGEIROS NAS … · Direito da UFMS e professora da Escola Superior da Magistratura do Mato Grosso do Sul - ESMAGIS. 3. ... Brazilians not resident

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O DIREITO À SAÚDE PÚBLICA PARA ESTRANGEIROS NAS

FRONTEIRAS DO MATO GROSSO DO SUL

Lamartine Santos Ribeiro1 Andréa Flores2

Janeska Florence Dassoler Oliveira3

RESUMO O artigo analisa o atendimento de estrangeiros pelo Sistema de Saúde Pública Brasileiro - SUS, considerando os direitos humanos do estrangeiro para destacar sua importância como direito mínimo e irrenunciável. O direito à saúde é conceituado em sua dimensão de direito social fundamental intrinsicamente ligado ao direito à vida. Define-se a amplitude de abrangência do direito à saúde no território brasileiro e a possibilidade de sua destinação a estrangeiros e brasileiros não residentes no país, especialmente considerando os princípios da universalidade e da integralidade do SUS, ressaltando o princípio da dignidade da pessoa humana. Para tanto, é explicitada a gestão compartilhada e o financiamento do SUS com ênfase nos municípios. Como decorrência, necessário entender a dimensão do que é ser estrangeiro no sistema jurídico brasileiro. A pesquisa tem limite geográfico nas fronteiras brasileiras no Mato Grosso do Sul, identificando ainda a demanda de estrangeiros e brasileiros não residentes no país usuários do SUS nestes territórios. Sendo as fronteiras no Mato Grosso do Sul, com a Bolívia e o Paraguai, será desvelado o funcionamento da saúde pública nestes dois países. O Ministério da Saúde tem política voltada para a questão em tela, denominada Sistema Integrado de Saúde nas Fronteiras - SIS-Fronteira, importante a análise que se faz sobre sua criação, objetivos e destinação como forma de solucionar o problema da demanda de estrangeiros que onera as receitas do Estado de Mato Grosso do Sul e dos municípios na faixa de fronteira. Existem conflitos entre a necessidade do equilíbrio financeiro do SUS e os princípios e fundamentos da República Federativa do Brasil que instituem a dignidade da pessoa humana e a promoção da cooperação internacional como vocação solidária do país. Tal conflito implica em despesas nos orçamentos públicos municipais, estaduais e federal, mas também há benefícios no atendimento de saúde, notadamente quanto a integração social entre países. PALAVRAS-CHAVE: Fronteira; Saúde Pública; Paraguai; Bolívia

ABSTRACT

The article analyzes the care of foreigners by the Brazilian Public Health System - SUS, considering the human rights of the foreigner to highlight its importance as a minimum and inalienable right. The right to health is conceptualized in its dimension of 1 Mestre e Doutorando do programa de Desenvolvimento Local em Contexto de Territorialidades pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Especialista em Direito Penal e Processual Penal - UCDB, Graduado em Direito – Direito, Professor de Graduação e Pós-Graduação da UCDB. [email protected]. 2 Mestre e Doutora em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Professora de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, professora colaboradora do Programa de Mestrado em Direito da UFMS e professora da Escola Superior da Magistratura do Mato Grosso do Sul - ESMAGIS. 3 Pós-graduada latu sensu em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Graduada em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB. [email protected].

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fundamental social law intrinsically linked to the right to life. The scope of the right to health in Brazil is defined and the possibility of its destination to foreigners and Brazilians not resident in the country, especially considering the principles of universality and integrality of the SUS, highlighting the principle of the dignity of the human person. To this end, the shared management and financing of the SUS, with emphasis on municipalities, is made explicit. As a result, it is necessary to understand the dimension of what it is to be a foreigner in the Brazilian legal system. The research has a geographical boundary in the Brazilian borders in Mato Grosso do Sul, also identifying the demand of foreigners and Brazilians who are not residents of the SUS users in these territories. Being the borders in Mato Grosso do Sul, with Bolivia and Paraguay, will be unveiled the operation of public health in these two countries. The Ministry of Health has a policy focused on the question on the screen, called the Integrated Border Health System - SIS-Fronteira, important to analyze its creation, objectives and destination as a way to solve the problem of the demand of foreigners The revenues of the State of Mato Grosso do Sul and the municipalities in the border area. There are conflicts between the need for the financial balance of SUS and the principles and foundations of the Federative Republic of Brazil that establish the dignity of the human person and the promotion of international cooperation as a vocation of solidarity of the country. Such a conflict implies expenditures in the municipal, state and federal public budgets, but there are also health care benefits, notably social integration between countries. KEY WORDS: Border; Public health; Paraguay; Bolivia

1 - Introdução

A busca de integração com países vizinhos, através de mercados comuns como

o Mercosul, demonstra que o Brasil não pode mais ignorar os problemas que envolvem

a região de fronteira e a integração de pessoas. Atualmente, a integração econômica

envolve atenção às pessoas e aos fatores sociais que as circundam, pois somente com

países em condições socioeconômicas semelhantes é que se pode desenvolver um

mercado comum eficiente e benéfico para todas as partes.

Permitir o atendimento de saúde no país demonstra o espírito solidário da

nação brasileira, no qual os próprios brasileiros suportam os custos do atendimento de

todos os seres humanos que aqui buscam serem atendidos. Apesar de a longo prazo isso

representar uma possibilidade a extensão dos direitos de não nacionais a serviços sociais

brasileiros, deve-se ter em conta que o Brasil não pode arcar com gastos maiores que

suas possibilidades, o que representa uma barreira natural ao atendimento da demanda

de estrangeiros.

A união e cooperação estabelecida entre países desenvolvem as relações

econômicas e sociais, com a consequente melhoria dos níveis e indicativos sociais de

todos os povos envolvidos. O Brasil deve estudar as medidas que se coadunem com os

interesses da nação e as alternativas de financiamento para o atendimento irrestrito das

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pessoas estrangeiras ou residentes nos países de fronteira, através do estabelecimento de

acordos binacionais que equilibrem o sistema e proporcionem o bem-estar dos seres

humanos.

Estas ações afirmativas consistem em uma nova postura que deve ser adotada

em caráter internacional, fortalecendo a cooperação entre as nações para que juntas

ofereçam qualidade de vida e dignidade para todas as populações, independente de

fronteiras.

2 - Estrangeiro

O conceito de estrangeiro é encontrado por exclusão. Todos aqueles que não

são nacionais, são estrangeiros, Neste diapasão, temos que nacionalidade, segundo

Pontes de Miranda apud Mazzuoli (2011,p.665) é “o vínculo jurídico-político que une

permanentemente determinado Estado e os indivíduos que o contrapõe, fazendo destes

últimos um dos elementos componentes da dimensão pessoal do Estado, é o que se

chama nacionalidade” Portanto, nacionais na definição de Accioly, Silva e Casilla

(2010,p.508) “são as pessoas submetidas à autoridade direta de Estado, que lhes

reconhece direitos e deveres e lhes deve proteção além de suas fronteiras. Nacionalidade

é a qualidade inerente a essas pessoas e que lhes dá a situação capaz de localizá-las e

identifica-las na coletividade”.

As pessoas a quem um Estado soberano confere a nacionalidade, a ele estão

ligados em razão dos laços que identificam o ser humano como pertencente a um lugar e

uma sociedade. Desse modo, um ser humano ao se encontrar em Estado que não de sua

nacionalidade é considerado estrangeiro. Ainda em Accioly, Silva e Casilla

(2010,p.511) tem-se que “ao determinar quais são os seus nacionais, o Estado

automaticamente classifica como estrangeiros os demais indivíduos que se encontram

em seu território, quer a título permanente, quer a título temporário, os quais poderão

possuir nacionalidade estrangeira ou ser apátridas, isto é, não possuir qualquer

nacionalidade”. O artigo 12 da Constituição da República Federativa do Brasil é

objetivo ao reconhecer quem são considerados brasileiros: Art. 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

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c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

Aqueles nascidos fora do território nacional, cujos pais não se encontravam a

serviço do país e que não são naturalizados, são considerados estrangeiros. O Brasil

permite a entrada e permanência dos estrangeiros em território nacional em tempos de

paz, conforme estabelece o artigo 1º do Estatuto dos Estrangeiros, Lei nº 6.815 de 19 de

agosto de 1980. Sendo que o artigo 4º da referida lei disciplina a forma de admissão e

entrada de estrangeiros através dos vistos: de trânsito, de turista, temporário,

permanente, de cortesia, oficial e diplomático.

Independentemente da situação a qual a pessoa se encontre em um país, seja

como nacional ou estrangeiro, esta tem a garantia de ter seus direitos mínimos

respeitados, não devendo ser estabelecidas distinções entre eles. A todos os estrangeiros

deve ser garantida a inviolabilidade da pessoa humana, a liberdade individual e os

direitos civis absolutos. A Constituição brasileira reconhece em seu artigo 5º, caput, a

igualdade de brasileiros e estrangeiros residentes no país e os direitos fundamentais

inerentes a todos os seres humanos. Por sua vez o artigo 95 do Estatuto dos Estrangeiros

reforça tal igualdade ao afirmar que “o estrangeiro residente no Brasil goza de todos os

direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis.

3 - Fronteira

A Constituição brasileira dispõe em seu artigo 20, §2º que fronteira é a faixa de

território que se estende por 150 km a partir da linha do limite territorial com outro país,

sendo “considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e

utilização serão reguladas em lei”. Destaca Mazzuoli (2011,p.715) a seguinte definição: As fronteiras, por sua vez, são zonas espaciais (ou geográficas) bem menos precisas que os limites, de maior ou menor extensão, que correspondem a cada lado da linha estabelecida pelos limites geográficos dos Estados. Mais do que linhas divisórias, as fronteiras são zonas que cristalizam os costumes sociais, econômicos e culturais das coletividades nacionais, representando, muitas vezes, o produto da força do meio natural em que vive determinada coletividade. [...] nelas

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que os Estados limítrofes empreendem colaboração internacional e trocam serviços administrativos.

Consoante essa definição e conforme dados do Ministério da Saúde, o Brasil

possui uma extensa faixa de fronteira, totalizando 15.719 Km de fronteira com 11

países, abrangendo 11 Estados brasileiros e 121 municípios. Ainda segundo dados do

Ministério da Saúde, em Mato Grosso do Sul, a fronteira é de 1.517 Km de extensão,

com doze municípios localizados nesta área, sendo que dez fazem divisa com o

Paraguai e um com a Bolívia.

Em toda sua extensão a zona de fronteira é marcada por iniquidades sociais,

diversidade cultural, grandes distâncias dos principais polos econômicos do país e

registram problemas característicos e peculiares a sua localização fronteiriça. As regiões

de fronteira também são lugares estratégicos para a defesa nacional e representam os

primeiros avanços no que tange a integração econômica e social de dois Estados

distintos.

Os municípios de fronteira de Mato Grosso do Sul são, em sua maioria, de

pequeno porte, possuindo área urbana contígua ou próxima ao país vizinho. As cidades

que fazem fronteira com outros países em Mato Grosso do Sul são: Mundo Novo,

Japorã, Sete Quedas, Paranhos, Coronel Sapucaia, Aral Moreira, Ponta Porã, Antônio

João, Bela Vista, Caracol, Porto Murtinho, Corumbá. Não há, ao longo dessa extensão,

grandes barreiras que impeçam o deslocamento de um país para outro, sendo comum

nas cidades de fronteira a constante movimentação de pessoas, seja por identidades

culturais, seja pela amizade entre os povos, desenvolvida ao longo da história.

Em razão da distância e do pouco desenvolvimento, estas cidades fronteiriças

encontram sistemas de saúde fortemente dependentes de recursos estaduais e federais. O

Brasil, em relação a seus vizinhos, é um país mais rico e que garante a universalidade do

atendimento de saúde em seu território.

4 - Paraguai e Bolívia

O Paraguai é um Estado unitário, descentralizado, de democracia

representativa, no qual a energia elétrica desempenha um papel importante em sua

economia, graças as usinas hidrelétricas que produzem e exportam energia (Acaray,

Itaipú e Yacyretá). Sua indústria é pouco desenvolvida, havendo forte dependência da

produção agrícola e pecuária. Sua população economicamente ativa prepondera no setor

dos serviços, mesmo com alto grau de informalidade. Além disso, infraestrutura

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insipiente, alta concentração de renda e consequente iniquidades sociais são fortemente

presentes no país. A população paraguaia, em sua maioria, vive nas áreas urbanas do

país, restando à população que vive distante dos principais centros urbanos uma precária

atuação do Estado em prover serviços essenciais. Todos esses fatores atrasam o

crescimento e o desenvolvimento social do país.

O Paraguai implementou a seguridade social em seu país relativamente tarde,

não possuindo até hoje uma política social bem definida e estruturada. Várias

instituições atuam na solução dos problemas sociais, mas são fortes as iniquidades

sociais e os graves problemas que a população mais pobre enfrenta, principalmente

aquelas que residem na zona rural (BISOTO JUNIOR, SILVA E VALENTIM, 2006)

O modelo de saúde do Paraguai é fragmentado, onde o sistema visa atender a

população de forma integral e equitativa. O Estado desenvolve as políticas de saúde,

regula as instituições e exerce controle geral, cabendo às instituições públicas, privadas

ou mistas, universidades e seguros de saúde, executar ações de saúde para a população.

A organização da saúde no Paraguai, segundo Bisoto Junior, Dain, Silva e Valentim

(2006,p.297), “contempla a descentralização dos serviços por níveis de complexidade,

mediante mecanismos de convênios, contratos e complementação de instituições e

recursos, assim como a coordenação de planos e programas com os municípios e os

governos departamentais”. Existem ainda conselhos locais e regionais de saúde, sendo

que o Conselho Nacional de Saúde, presidido pelo Ministro da Saúde, é responsável por

regular e controlar o setor da saúde no país, o que faz através da Superintendencia

Nacional de Salud, a Dirección Médica Nacional e o Fondo Nacional de Salud.

Já a Bolívia é uma república unitária e democrática que figura como um dos

países mais pobres da América do Sul. Tem sua economia baseada na produção e

exportação de gás natural, na agropecuária, mineração e indústria manufatureira.

O Sistema de Saúde da Bolívia, assim como o do Paraguai, tem suas atividades

executadas pelo setor público e privado e está incluso no Plano Geral de

Desenvolvimento Econômico e Social (PGDES), nestes termos lecionando Geraldo

Bisoto Junior, Pedro Luís de Barros Silva, Sulamis Dain e Joice Valentim (2006,p.245): Atualmente, as atividades relacionadas à saúde estão incluídas no Plano Geral de Desenvolvimento Econômico e Social (PGDES) implementado pelo Plano Estratégico de Saúde (PES) estabelecido pelo Ministerio de Salud y Prevision Social (MSPS). (...) O Sistema Nacional de Saúde da Bolívia é formado pelo conjunto de entidades, instituições e organizações públicas e privadas que prestam serviços de saúde, reguladas pelo MSPS, que é o organismo diretor e

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normativo da gestão da saúde no nível central, responsável por formular a estratégia, as políticas, os planos e os programas nacionais, assim como por ditar as normas que regem o Sistema Nacional de Saúde.

O sistema de saúde da Bolívia é participativo e descentralizado, no qual cada

município é responsável pela infraestrutura e financiamento da saúde em seu território,

mas são inseridos numa organização em vários níveis de atenção e complexidade.

Organizações não-governamentais administram grandes montantes de dinheiro da saúde

na Bolívia, atendendo uma parcela significativa da população. Entretanto, estes valores

correspondem a investimentos internacionais e não locais, sendo investidos nas regiões

mais pobres do país.

Bolívia e Paraguai apresentam gastos per capita com a saúde muito baixos, o

que influencia diretamente na qualidade dos serviços oferecidos e na busca da

população por serviços de saúde que não encontram em seus próprios países

(OMS,2011).

A distância das cidades fronteiriças do Paraguai e da Bolívia de suas

respectivas capitais é um fator determinante para que os paraguaios, bolivianos e

brasileiros não-residentes no Brasil busquem as cidades vizinhas do lado brasileiro para

receber atendimento de saúde. Soma-se a esta condição o fato de o Brasil garantir a

saúde como direito universal e não exercer políticas fixas fundamentadas em leis

federais para o atendimento, permitindo que cada município estabeleça critérios

próprios que ora podem causar danos aos direitos do homem, ora oneram em demasia o

orçamento municipal.

5 - Saúde nas fronteiras

Para solucionar o impasse do atendimento a estrangeiros e brasileiros não

residentes, o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, criou o programa SIS

Fronteira - Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras – com a Portaria GM/MS nº

1.120, de 06 de julho de 2005, alterada pela Portaria GM/MS nº 1.188, de 05 de junho

de 2006 (BRASIL, 2011). O projeto do Ministério da Saúde destina-se a atender as

necessidades específicas do atendimento de saúde dos 121 municípios de fronteira do

país, aprimorando o sistema e buscando solucionar a questão do atendimento a

estrangeiros e brasileiros não residentes, inclusive (e principalmente) destinando verbas

aos municípios para cobrir os gastos desta demanda específica.

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Os sistemas de saúde das cidades de fronteira enfrentam uma demanda maior

que em cidades não fronteiriças em razão dos estrangeiros e brasileiros não residentes,

sem, porém, um financiamento específico para tais gastos, onerando o município

prejudicando o atendimento à própria população.

Os residentes no país, estrangeiros ou não, são atendidos na fronteira pela

Estratégia de Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde

(PACS), sendo contabilizados nas estatísticas do IBGE e não gerando problemas no

financiamento da saúde nos municípios, enquanto os estrangeiros e brasileiros não

residentes afetam todo o sistema por não aparecerem nas estatísticas oficiais que servem

de critério ao repasse de verbas. A ausência de dados precisos cria cenários inexistentes

sobre a situação de cada município, superestimando determinados problemas ou

maquiando situações sanitárias mais graves (REZENDE, BRANCO E ARAÚJO, 2008).

Ao receber uma pessoa como paciente, o sistema de saúde brasileiro se

compromete a solucionar o problema. Quando o paciente é estrangeiro ou brasileiro não

residente no país, encontra-se dificuldade em se permitir o acesso aos níveis mais

complexos de saúde, causando interrupções no tratamento ou mesmo suspensão, que

podem ocasionar a piora do problema ou, em casos extremos, o óbito em casos mais

agudos ou urgentes.

Ademais, os estrangeiros e brasileiros não-residentes não se limitam à busca de

saúde em cidades fronteiriças, mas também procuram atendimento em cidades maiores

com estrutura mais complexa, o que faz do SIS-Fronteira um passo inicial dentro das

medidas ainda a serem adotadas.

Até meados da primeira década dos anos 2000, o Brasil não possuía uma

política clara quanto ao atendimento de estrangeiros e brasileiros não residentes,

permanecendo esta incerteza nas cidades nas quais o SIS Fronteira não atende e que

lidam com o problema de forma intensa por estarem localizadas em Estados de

fronteira.

6 - Direito à saúde

O artigo 3º, IV da Constituição brasileira traz como um dos objetivos

fundamentais do Brasil a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos ou

discriminação. A adoção deste objetivo pela nação revela o intuito do Estado brasileiro

de promover o desenvolvimento humano e o respeito à dignidade da pessoa, em

consonância aos direitos fundamentais reconhecidos internacionalmente. O caráter

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universal dos direitos fundamentais é claro e inequívoco, pois se consubstancia como

inerente à pessoa humana. Portanto, não há limites territoriais que impeça sua

titularidade por qualquer homem.

Já o artigo 5º, caput, da Constituição brasileira positivou a universalidade dos

direitos fundamentais, reconhecendo a brasileiros e estrangeiros residentes a

inviolabilidade de direitos. Mas não só aos estrangeiros residentes devem ser garantidos

o respeito dos direitos fundamentais, pois, como é cediço, em razão de sua condição

humana, estes são tão passíveis de sua titularidade quanto os demais (MAZZUOLI,

2011,p.713-714). O caráter universal dos direitos fundamentais não pode, portanto, ser

mitigado em virtude da pessoa a quem se refira ou para quem se destine, cumprindo

destacar a lição de Luiz Alberto David de Araújo (2010,p.128): Os direitos fundamentais tem um forte sentido de proteção do ser humano, e mesmo o próprio caput do art. 5º faz advertência de que essa proteção realiza-se “sem distinção de qualquer natureza”. Logo, a interpretação sistemática e finalística do texto constitucional não deixa dúvidas de que os direitos fundamentais destinam-se a todos os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade ou situação no Brasil.

O artigo 6º da Constituição brasileira insere a saúde no rol dos direitos sociais

e, consequentemente, como direito fundamental. Sendo assim, o direito à saúde é

garantia de todo ser humano e tem aspecto relevante por ser intrínseco ao direito à vida

e essencial a uma existência digna. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, citado

por Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos (1991,p.26) defende que: Todo ser humano, pelo simples fato de ter nascido com vida, no momento do nascimento adquire o direito subjetivo à sua saúde, direito que lhe acompanha até a morte. E, como é direito exigível do Estado, no que concerne à sua proteção, trata-se de direito subjetivo público, estruturando-se uma relação jurídica específica entre cada ser humano e o Estado, em que aquele é o credor e este, o devedor. [...] Neste liame direito-dever, pode-se concluir, o direito à saúde é prestado gratuitamente, o beneficiário nada paga, visto que o financiamento das despesas com a execução deste direito é coberto por toda a coletividade.

O artigo 196 da Constituição brasileira reforça o caráter universal da saúde e a

responsabilidade do Estado em garanti-la. O referido artigo não estabelece nenhuma

distinção no atendimento e sustenta que o acesso deve ser igualitário e universal

(ARAÚJO, 2010,p.486) Assim, não há na Constituição ou em norma infraconstitucional

qualquer dispositivo que impossibilite o acesso de estrangeiros ou não-residentes no

país ao sistema de saúde.

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Quanto aos estrangeiros e não-residentes poderia se estabelecer uma diferença

entre garantir a saúde e a responsabilidade de provê-la para os que não possuíssem

cidadania brasileira. Entretanto, ao estabelecer como dever do Estado prover as ações de

saúde, no art. 196 da Constituição brasileira, e reafirmar esta condição na Lei Orgânica

do Sistema Único de Saúde, nº 8.080/90, seguindo o linear dos direitos fundamentais de

segunda dimensão, o Estado trouxe a responsabilidade de garantir e promover a saúde,

afastando a possibilidade de se manter omisso. Além disso, ao realizar o atendimento

básico a uma pessoa, o sistema de saúde automaticamente se compromete a dar uma

solução ao problema, não podendo, em razão de seus próprios princípios, descontinuar o

atendimento ou se negar a prestar os cuidados necessários para garantir a melhora do

paciente.

O atendimento de saúde aos estrangeiros e brasileiros não residentes no país é

validado do ponto de vista do princípio da estrita legalidade pelo próprio ordenamento

jurídico brasileiro que garante, através de diversos dispositivos legais constitucionais, a

universalidade do direito à saúde. A universalidade está mesmo amparada pelo Supremo

Tribunal Federal – STF, o qual, na lição de Pedro Lenza, sistematicamente tem

acrescentado “os estrangeiros não residentes como titulares de direitos e garantias

fundamentais, uma vez que o artigo 5º faz referência expressa somente a brasileiros

(natos ou naturalizados, já que não os diferencia) e estrangeiros residentes no

País”(LENZA, 2010..p743)

O fato do ordenamento jurídico brasileiro não tratar especificamente do

estrangeiro ou do não residente no Brasil, não isenta o país do atendimento universal,

como nos ensina José Afonso da Silva ao dizer que essa realidade não permite

“legislação ordinária abusiva em relação a eles, pois, além da existência de normas de

Direito Internacional vinculantes, o Brasil é, ainda, subscritor das declarações universal

e americana dos direitos humanos”(DA SILVA, 1997,p.189-190).

Independente da expressa menção constitucional, o contexto ideológico da

Carta Magna Brasileira, que tem por princípio basilar o respeito à dignidade da pessoa

humana, é claro em prezar pela relação de respeito ao ser humano e sua dignidade, bem

como desenvolver as relações de amizade com os povos amigos. Nenhuma outra lei ou

norma criada abaixo da Constituição pode ir contra seu caráter ou dispositivos.

É evidente a existência de uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro que

se mantém omisso quanto à possibilidade de atendimento aos estrangeiros e sua

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titularidade de direitos. Se por um lado o caráter social adotado no país garante a

igualdade e universalidade dos direitos fundamentais, por outro a inexistência de

manifestação expressa quanto à garantia de direitos aos estrangeiros gera dúvidas e

problemas jurídicos. Entretanto, já se mostra consolidado que em razão do caráter de

valorização da dignidade da pessoa humana, os estrangeiros são titulares de direitos

fundamentais em razão de sua condição humana, devendo o Brasil garanti-los dentro de

suas fronteiras e limites territoriais.

Apresentar tratamento diferente para situações jurídicas idênticas apenas em

razão do titular do direito ser nacional ou não afronta o princípio da igualdade que a

Constituição brasileira estabelece e a busca da valorização do ser humano. Se a

Constituição prega valores de universalidade dos direitos fundamentais, deve, portanto,

se adequar a nova ordem mundial que interliga cada vez mais pessoas e países,

preparando-se constantemente para assegurar dentro de suas fronteiras todo e qualquer

direito a todas as pessoas apenas em razão de sua condição humana, adequando-se

assim ao caráter internacional da valorização da pessoa humana como titular dos

direitos fundamentais.

Ao buscar um atendimento no sistema de saúde pública brasileiro, o

estrangeiro ou brasileiro não residente no país já se encontra em uma situação física e

psicológica delicada. Independente das razões que os levaram a buscar o sistema

brasileiro ao invés do oferecido em seu próprio país, a postura pela qual o Brasil e todos

aqueles que prestam serviços em seu nome devem adotar é pelo respeito à dignidade da

pessoa humana.

Negar o atendimento de saúde ao estrangeiro ou ao brasileiro não residente no

país fere o princípio da dignidade da pessoa humana. Pela ausência de uma política

clara de atendimento, o Brasil, através do Ministério da Saúde em parceria com

Universidades Federais e os munícipios criou o projeto SIS-Fronteira, coadunando a

postura adotada pelo país com seus princípios constitucionais basilares e com a

Declaração de Direitos Humanos.

Ao determinar a destinação de verbas adicionais às cidades fronteiriças que se

cadastrassem como receptoras de estrangeiros para o atendimento no sistema de saúde

pública, o Brasil confirmou a intenção da nação brasileira em reconhecer todos os seres

humanos como titulares dos direitos fundamentais. Piovesan (2003,p.192) destaca que

“neste sentido, o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e

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informador de todo ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a

orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional”

7 - Atendimento

No Brasil, em conformidade com o artigo 198 da Constituição brasileira, o

sistema único de saúde é financiado com recursos da seguridade social e de aplicações

anuais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em percentagens e critérios

estabelecidos em lei complementar, proporcionalmente ao produto de suas arrecadações

tributárias e transferências de mesma natureza (PAULO e ALEXNDRINO,

2010,p.192).

São os impostos e contribuições pagos pela população que geram a receita

necessária para o financiamento das ações da saúde. Neste linear, as pessoas que não

residem no país e buscam o atendimento de saúde no sistema brasileiro sobrecarregam

as receitas dos municípios, pois estes não produzem uma fonte de financiamento que

custeiem tais atendimentos. E ainda: os estrangeiros e brasileiros não residentes no

Brasil não são contabilizados em pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE, nas quais se estabelecem, de acordo com o contingente

populacional, os valores a serem repassados para os entes federativos.

Os estrangeiros legalizados têm assegurado o atendimento de saúde no país, o

que não é garantido aos estrangeiros não legalizados, que por isso podem ter restrições

de atendimento. Ocorre que, coibir ou obstaculizar o atendimento deste contingente de

outros países fere direitos fundamentais e gera rusgas entre nações amigas. Ademais, tal

conduta não solucionaria o problema, uma vez que a fronteira é de fácil acesso,

possibilitando o uso de meios ilícitos para receber o atendimento, como atualmente já

ocorre quando são impostas dificuldades ao atendimento.

O estabelecimento de barreiras burocráticas, como a exigência de comprovante

de residência, obriga que os estrangeiros e brasileiros residentes nos países vizinhos a

buscar meios nem sempre legais para obter o atendimento. Em contrapartida, os

municípios visando regular a situação sem sobrecarregar seus orçamentos, estabelecem

novas barreiras como a criação de cartões municipais de saúde, de apresentação

obrigatória quando o paciente busca o atendimento médico. Estratégias como essas

podem falhar considerando que a fronteira é de fácil acesso em Mato Grosso do Sul e

são comuns as relações de amizade e de parentesco entre pessoas do Brasil e do

Paraguai ou Bolívia. E ainda: mães paraguaias ou bolivianas vêm ter seus filhos em

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terras brasileiras para estes terem acesso à saúde e educação. Estas crianças, embora

contabilizadas como brasileiras, ao se deslocarem para o país vizinho, causam

distorções nos dados de saúde, para mais ou para menos, como, por exemplo, nas

campanhas de vacinação, que contabilizam um número maior de atendidos do que o

previsto (TAMAKI, FERRAZ, PONTES, CAZOLA, AJALLA, PICOLI, FAVARO,

FERREIRA, SOUZA, REZENDE e BRANCO, 2008)

Em outra vai, não se olvide que os municípios são as menores esferas

arrecadativas entre os entes federativos e arcam com os custos e despesas não cobertos

pelos repasses federais e estaduais. Quando a busca dos estrangeiros e brasileiros não

residentes no país é alta na fronteira, os sistemas e recursos de saúde são

sobrecarregados.

Para ilustrar tal situação, a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e a

Rede de Promoção ao Desenvolvimento da Enfermagem denominada Instituto

REPENSUL da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, realizaram pesquisa

divulgada em 2008 nos doze municípios de fronteira do Estado de Mato Grosso do Sul,

a partir da qual revelou-se que além da demanda de estrangeiros, é ainda maior a busca

de brasileiros residentes em países vizinhos pelo SUS. O diagnóstico também apontou a

falta de definição do direito ao atendimento de saúde aos brasileiros não residentes no

país e a utilização do sistema de saúde por estrangeiros como os pontos críticos das

cidades fronteiriças.

8 - Contraprestação

As relações econômicas pelas quais o homem se norteia são baseadas no custo

e benefício das atividades, produtos e serviços envolvidos. O custo consiste no gasto

total para o fornecedor ou prEstador de serviços, enquanto o benefício consiste no

retorno positivo aos seus interesses que este tem como resposta. O benefício

necessariamente não precisa consistir em um retorno financeiro, mas, em contrapartida,

não pode ser nulo para que o encargo do custo inviabilize sua manutenção.

Quando se analisa o atendimento de estrangeiros e brasileiros não residentes no

país pelo sistema de saúde pública brasileiro, observa-se que cada município arca com o

custo de atendimento per capita de cada estrangeiro atendido. Com a criação do

programa do Ministério da Saúde denominado SIS-Fronteira, o governo federal objetiva

transmitir aos municípios recursos suficientes para fortalecer e organizar os sistemas

locais de saúde.

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Gerados os custos para os municípios, o benefício não é visto em um retorno

financeiro direto que equilibre os gastos realizados com atendimentos ou, tampouco, em

contribuição desta demanda populacional com o pagamento da Seguridade Social ou

impostos que financiam a saúde, haja vista que não há por parte dos países vizinhos cuja

população busca atendimento no país uma contraprestação estabelecida.

O benefício recebido consiste em vantagens sociais e econômicas indiretas. As

ações voltadas para a saúde na fronteira é responsável pelo aprimoramento da qualidade

de vida da população atingida por tais ações, fortalecimento dos laços de amizade entre

os povos com ampliação da integração comercial e econômica entre as nações.

De acordo com o artigo “Políticas de Saúde e Blocos Econômicos” publicado

na série técnica Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde da Organização Pan-

Americana de Saúde, o movimento de integração dos mercados é natural, podendo, em

alguns momentos se reverter, mas nunca a níveis mais baixos dos existentes

anteriormente (MEDICI, BARROS, JÚNIOR, SILVA e DAIN, 2006)

O estudo explica que do mesmo modo que a integração econômica entre países

pode asseverar as desigualdades, estas também são responsáveis por reduzir as

disparidades sociais em um círculo constante entre melhora da qualidade de vida em

razão dos investimentos aplicados em saúde ocasionados pela integração econômica

que, por sua vez, tornam-se mais fortes quando aprimorada a qualidade de vida da

população.

Se antes a integração através da criação de mercados comuns visava apenas o

aspecto comercial, os novos processos de globalização visam também a melhora do

desenvolvimento de políticas sociais e o fortalecimento da democracia através da

criação de área de livre comércio e serviços.

Países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento encontram dificuldades em

garantir saúde de forma igualitária dentro de sua própria sociedade, uma vez que os

recursos muitas vezes são insuficientes para garantir a universalidade do atendimento.

Esta situação se agrava quando estrangeiros de países vizinhos começam a buscar o

sistema de saúde nacional, ocupando vagas de residentes e dispondo de recursos.

Não se pode, ainda, equiparar a forma como evoluem a integração econômica e

comercial com a integração social. Esta última envolve diferentes necessidades sociais

das populações dos países e o modo como administram seus sistemas jurídicos,

educacionais e de saúde. Apesar disso, é inegável o reflexo da integração econômica

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para a melhoria das condições em que se dá a integração social, no caso específico,

melhoria na atenção à saúde para estrangeiros e brasileiros não residentes no país

notadamente nas ações conjuntas de combate às epidemias que não respeitam os limites

territoriais entre os países.

Para Guimarães e Giovanella (2005, p.249) entender a situação dos municípios

fronteiriços, sob a ótica da cooperação no MERCOSUL, nos faz vislumbrar uma

“integração nos sistemas de saúde, e pode influir na pauta de acordos e programas

voltados para regiões fronteiriças, apoiar esforços de garantia de atenção integral e

humanizada, e para o fortalecimento das políticas nacionais de saúde”.

O problema chave são as diferenças econômicas entre o Brasil e seus vizinhos

no Mato Grosso do Sul (Paraguai e Bolívia) que sobrecarrega os municípios brasileiros,

tanto mais pela falta de políticas de contraprestação estabelecida sobre a atenção à saúde

nas fronteiras, mesmo porque, as políticas nacionais de saúde pública são diferenciadas,

dificultando a integração e a consequente contraprestação.

Dentro da América Latina já foram estabelecidas parcerias na área da saúde

que demonstram a possibilidade e a viabilidade das ações integradas na saúde entre

países vizinhos, como ocorre entre Chile e Peru. André Medici e Bernardo Weaver

Barros (2006,p.71) descrevem este acordo de reciprocidade: Na América Latina, por exemplo, existem acordos de reciprocidade em saúde entre Chile e Peru. O primeiro atende gratuitamente, através do FONASA, a população peruana imigrante em busca de trabalho, especialmente no norte do país. Como o número de chilenos no Peru é muito menor do que o de peruanos no Chile, esta reciprocidade, favorável ao Peru em termos de gasto com saúde, é contrabalanceada pelo uso da força de trabalho peruana, que é mais barata, nas atividades econômicas chilenas. Em contrapartida à assistência referida, o Peru provê medicamentos para o Chile, destinados ao combate de determinas endemias.

De sua vez, Brasil, Paraguai e Bolívia possuem sistemas muito diferentes de

financiamento da saúde, além disso, não há interesse dos países vizinhos em

estabelecerem uma contraprestação ao atendimento de saúde realizado às suas

populações.

Apesar das dificuldades, as medidas de integração das fronteiras com a

prestação de atendimentos de saúde a brasileiros não residentes e estrangeiros são

constantemente reafirmadas, seja pelas campanhas de vacinação que atendem

indistintamente nas cidades fronteiriças, ou pela criação de programas mais amplos

como o SIS-Fronteira.

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Em entrevista disponível no Portal da Saúde do SUS, sítio na internet do

Ministério da Saúde (BRASIL,2011), Celso Amorim, à época Ministro das Relações

Exteriores, afirma que “a cooperação internacional em saúde é um tema central para o

desenvolvimento humano e que deve ser intensificada como um movimento natural,

tendo em vista a realidade socioeconômica e a tradicional vocação do Brasil como

nação solidária e conciliadora”. Portanto, integração econômica e social entre os países

é uma realidade e um conceito fundamental para o desenvolvimento das novas relações

internacionais baseadas no respeito da dignidade da pessoa humana e do

desenvolvimento social por objetivos comuns.

9 - Considerações finais

Embora o atendimento de estrangeiros e brasileiros não residentes onere os

cofres públicos brasileiros com gastos não reembolsados, deve-se considerar que em

razão dos princípios adotados pelo Brasil, pela primazia dos direitos fundamentais e

pela forma como o país conduz suas relações internacionais, o atendimento a

estrangeiros e brasileiros não residentes é validado, devendo ser continuado em respeito

aos direitos da pessoa humana.

Desta forma, ignorar o problema sob desculpas de que o sistema de saúde já

está saturado não só não melhora a qualidade do atendimento para os brasileiros como

também prejudica o direito a dignidade da pessoa humana, o qual a República

Federativa do Brasil estabeleceu como fundamento no artigo 1º, inciso III, da

Constituição brasileira.

Interromper o atendimento ou proibi-lo, da mesma forma, não é uma

alternativa viável em razão da extensa faixa de fronteira e da relação próxima entre os

povos vizinhos. O que deve ser feito é a regulação do acesso aos serviços de saúde para

não se ferir os direitos do homem e, tampouco, sobrecarregar os sistemas municipais.

O Estado brasileiro já começou a tomar medidas para solucionar o problema do

atendimento de estrangeiros em Estados de fronteira, como Mato Grosso do Sul. Resta a

questão da onerosidade aos cofres públicos brasileiros, daí a necessidade de se reforçar

as políticas de comum acordo entre países de forma a garantir o atendimento igualitário

e humanitário aos cidadãos de todas as nacionalidades.

Acredita-se também que a uniformização das regras de atendimento aos

estrangeiros em âmbito federal conjuntamente com a municipalização efetiva do

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atendimento no sistema de saúde, como previsto na Lei nº 8.080/90, é a forma hábil

para garantir a melhor gestão do SUS e de todos que buscam o seu atendimento.

Visando o alcance deste objetivo e se estabelecendo como primeiro passo para

o fortalecimento dos municípios e uniformização do sistema, o programa do Ministério

da Saúde denominado SIS-Fronteira foi criado, fortalecendo os sistemas de saúde local

e suprindo, paliativamente, a ausência de legislação federal que regulamente o

atendimento de estrangeiros e brasileiros não residentes no país.

A mazela ainda é a falta de critérios para estabelecer quem deve ou não ser

atendido do lado brasileiro, que além de gerar incerteza jurídica, demonstra falta de

controle e planejamento do sistema de saúde. Sem uma regulação, uma pessoa

estrangeira ou brasileira não residente do país pode ter seus direitos fundamentais

desrespeitados, serem vítimas de arbitrariedades dos gestores municipais ao tempo que

as finanças do município e o atendimento da população local são prejudicados e

sobrecarregados.

Por todo o exposto, constata-se que o Brasil deve reforçar seu caráter de nação

solidária, reafirmando as ações preventivas e assistenciais para todas as pessoas em

território nacional, priorizando a gestão e autonomia municipal e com base no princípio

da equidade para, assim, aprimorar a qualidade do sistema de saúde e sua capacidade de

atendimento.

REFERÊNCIAS BISOTO JUNIOR, Geraldo; SILVA, Pedro Luís de Barros; DAÍN, Sulamis; VALENTIM, Joice; PACÍFICO, Hudson. Série técnica Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde – Regulação do setor saúde nas Américas: as relações entre o público e o privado numa abordagem sistêmica. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2006. p.297. BRASIL – Ministério da Saúde – Portal da Saúde. Integração das ações de saúde na fronteira. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=26139>, acessado em 01/06/2017. BRASIL – Ministério da Saúde – Portal da Saúde. Documentos de referência do SIS-Fronteira. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=23980>, acessado em 01/06/2017. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª Edição Revista. Editora Malheiros. São Paulo: 1997.

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DE CARVALHO, Guido Ivan, e SANTOS, Lenir. Op. cit. p. 34-5; apud NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem social e a nova constituição. Rio de Janeiro: Aide, 1991. p.26 GUIMARÃES, Luisa; GIOVANELLA, Ligia. Municípios brasileiros fronteiriços e Mercosul: características e iniciativas de cooperação em saúde. Revista Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v.29, n.71, set/dez, 2005. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14.ed. rev., atu. e amp. São Paulo: SARAIVA, 2010. p.743 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5ªed. Revista, atualizada e ampliada. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011. p. 665. ACCIOLY, Hildebrando. SILVA, G. E. do Nascimento e, CASILLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 18ªed. – São Paulo: Ed. Saraiva, 2010. p.508. MEDICI, André; BARROS, Bernardo Weaver; JÚNIOR, Geraldo Biasoto, SILVA, Pedro Luiz de Barros Silva; DAIN, Sulamis. Série Técnica Desenvolvimento de Sistemas d Serviços de Saúde: Políticas de Saúde d Blocos Econômicos. Brasília, 2006. p.71. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Disponível em: http://apps.who.int/ghodata/?vid=1901, acessado em 09/06/2017. PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 6.ed. São Paulo: Método, 2010. p.192 PIOVESAN, Flávia; LEITE, George Salomão. Direitos Humanos e o Princípio da Dignidade Humana. Livro Dos Princípios Constitucionais – Considerações em torno das normas principiológicas da constituição. São Paulo: Ed. Malheiros, 2003. p.192. REZENDE, Vanessa Murta; BRANCO, Marisa Lucena; ARAÚJO, Alessandra Santos – Colaboradora. A Saúde e a Inclusão Social nas Fronteiras. Florianópolis: Ed. Boiteux, 2008. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=23980, acessado em 01/06/2017.

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