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7/18/2019 O DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVAS CONTRA SI MESMO - TEXTO E FIGURAS EDITÁVEIS.docx
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Aos meus amados pais, Antoni o Lui z e Helena, a quem tudo devo.
À minha família, pelo companheir ismo, apoio e carinho de sempre.
Aos quer idos amigos que exercem a advocacia criminal , por sua
aguerr ida contr ibuição cotidiana, refletida em decisões judi ciais e
escr itos, que servi ram de base para a renovação deste tr abalho.
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À querida Professora Ada Pellegrini Grinover, exemplo a ser
seguido, por sua contínua dedicação e eficiente or ientação.
Ao estimado Professor Paulo Joséda Costa Jr ., que tanto me
ensinou, pelo estímulo prof issional e acadêmico.
Aos eminentes Professores Giuliano Vassalli e Miguel Pedrosa
Machado, pelo copioso material de pesquisa enviado.
Ao grande advogado JoséMaria do Amaral Gurgel, que tanto
pres-
tigiou e enr iqueceu este trabalho com a jur isprudência canadense.
Aos prezados Professores An tonio Scarance Fernandes, Ni lzar -
do Carneiro Leão, Af rânio da Si lva Jardim, El ival da Si lva Ramos e
David Teixeira de Azevedo, pelas preciosas sugestões que foram in -
corporadas ao trabalho.
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NDICE
Apresentação à 2 edição ................................................................................. 19
Apresentação àl- edição ................................................................................... 21
CAPÍTULO I - Introdução ........................................................................... 25
CAPÍTULO II - Notas históricas sobre o princípio nemo tenetur
se detegere .................................................................................................. 28
1. Antiguidade ......................................................................................... 28
2. Civilizações clássicas........................................................................... 30
3. Idade Média ......................................................................................... 30
4.
Idade Moderna e Idade Contemporânea ......................................... 315. Desenvolvimento histórico do princípio nemo tenetur se
detegere no direito anglo-americano ................................................. 35
5.1. Na Inglaterra ........................................................................... 36
a) Nas cortes eclesiásticas ..................................................... 36
b) Nas cortes de common law ................................................ 39
5.2. Nos Estados Unidos ................................................................. 42
5.3.
Desenvolvimento do privilege against self-incrimi- nation, na Inglaterra e nos Estados Unidos, no sécu-
lo XIX ........................................................................................ 46a) Na Inglaterra ..................................................................... 46
b) Nos Estados Unidos ........................................................... 49
6. O princípio nemo tenetur se detegere nos diplomas interna-
cionais, na Idade Contemporânea .................................................... 49
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CAPÍTULO III - O princípio nemo tenetur se detegere, o conceito
de verdade no processo penal e os poderes instrutórios do
juiz penal ....................................................................................... 51
1. Verdade, certeza e convencimento ..................................................... 52
2. Conceitos de verdade operacionalizados no direito ........................ 54
2.1. A dicotomia verdade formal-verdade material ............................ 54
2.2. O conceito de verdade processual ................................................. 56
3. Os poderes instrutórios do juiz penal .............................................. 61
4. A relação entre o princípio nemo tenetur se detegere, o con-
ceito de verdade no processo penal e os poderes instru-
tórios do juiz penal ............................................................................. 64
CAPÍTULO IV - O princípio nemo tenetur se detegere em face daordem constitucional brasileira ................................................................ 69
1. O princípio nemo tenetur se detegere como direito funda-
mental .................................................................................................. 69
1.1. Direitos fundamentais, direitos humanos, liberda-
des públicas ........................................................................... 691.2. O conceito de direitos fundamentais .............................................. 74
1.3. A concepção do nemo tenetur se detegere como direi-
to fundamental ...................................................................... 772. O princípio nemo tenetur se detegere nos diplomas interna-
cionais e sua incorporação ao direito nacional................................. 79
2.1. Incorporação do nemo tenetur se detegere ao direito
nacional: a hierarquia dos tratados de direitos fun-
damentais no direito interno .................................. 802.2. Nemo tenetur se detegere: princípio constitucional ...................... 90
3. O princípio nemo tenetur se detegere encartado no devido
processo legal, no direito à defesa, na presunção de ino-cência e sua relação com a tutela da dignidade humana .. 93
3.1. O nemo tenetur se detegere e o devido processo legal . 94
3.2. O princípio nemo tenetur se detegere e o direito à am-
pla defesa .................................................................................. 98
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9/2008 e 11.719/2008 135
3.3. O princípio nemo tenetur se detegere e a presunção de
inocência ............................................................................... 1003.4. O nemo tenetur se detegere e sua relação com a tutela
da dignidade humana .................................................................... 102
CAPÍTULO V - O princípio nemo tenetur se detegere aplicado ao
interrogatório do acusado ....................................................................... 1061. Natureza jurídica do interrogatório ................................................ 108
2. Valor probatório do interrogatório ................................................. 112
3. O interrogatório do acusado e a confissão ...................................... 114
4. Interrogatório e chamada de corréu ............................................... 119
5. O princípio nemo tenetur se detegere e a disciplina do inter-
rogatório no direito brasileiro .......................................................... 125
5.1. Disciplina do interrogatório anterior ao Código deProcesso Penal em vigor ..................................................... 125
5.2. Disciplina do interrogatório no atual Código de
Processo Penal, antes da Lei n. 10.792/2003 .................... 127
5.3. Disciplina na Constituição Federal de 1988 ...... 130
5.4. Interpretação dos dispositivos do Código de Pro-
cesso Penal relativos ao interrogatório à luz da
Constituição Federal antes da Lei n. 10.792/2003 ... 132
5.5. Disciplina do interrogatório no Código de Processo
Penal decorrente das Leisn. 10.792/2003,11.900/2009,
5.6. Disciplina do interrogatório em diplomas interna-
cionais ratificados pelo Brasil ........................................... 141
5.7. Disciplina do interrogatório na legislação proces-
sual esparsa ......................................................................... 143
5.8. Disciplina do interrogatório nos anteprojetos e pro-
jetos de Código de Processo Penal .................................... 1465.9. O tratamento da matéria na jurisprudência nacio-
nal ........... ............................................................................. 154
6. O princípio nemo tenetur se detegere e a disciplina do inter-
rogatório no direito estrangeiro ....................................................... 160
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corrências do princípio nemo tenetur se detegere no in-rogatório do acusado 231
6.1. Direito italiano .......................................................................... 161
a) A legislação italiana anterior à unificação ...................... 161
b) O Código de Processo Penal de 1865 ............................. 161
c) O Código de 1913 .............................................................. 161
d) O Código de 1930 .............................................................. 162e) A Lei n. 932, de 5 de dezembro de 1969 ......................... 163
f) A disciplina do Código vigente ........................................ 164
6.2. Direito francês ......................................................................... 178
6.3. Direito alemão ........................................................................... 181
6.4. Direito português ..................................................................... 186
6.5. Direito espanhol ....................................................................... 193
6.6. Direito argentino ..................................................................... 196
6.7. Direito chileno ........................................................................... 203
6.8. Direito norte-americano .......................................................... 208
6.9. Direito inglês ............................................................................ 223
6.10. Direito ao silêncio 2326.10.1. Reconhecimento do direito ao silêncio em
todos os interrogatórios realizados ........................... 236
6.10.2. Os titulares do direito ao silêncio ................................... 239
6.10.3. Extensão do direito ao silêncio no interroga-
tório ....................................................................... 243a) Interrogatório de mérito.............................................. 243b) Abrangência: o interrogatório como um
todo ou indagações em particular ............................. 248
6.10.4. Advertência quanto ao direito ao silêncio .... 2496.10.5. Direito ao silêncio e formas de colaboração
processual .............................................................. 254
6.10.6. Vedação da consignação das perguntas e ra-
zões pelas quais o acusado exerceu o direito
ao silêncio ........................................................................... 259
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nseqüências do exercício do direito ao si-cio 260
6.11. Vedação de determinados métodos de interrogató-
rio .............................................................................................. 266
6.11.1. Técnicas empregadas na formulação das per-
guntas ao acusado ...................................................... 2676.11.2. Emprego de tortura ................................................... 269
6.11.3. Outros métodos vedados para obter declara-ções do acusado .......................................................... 271
6.12. Inexistência do dever de dizer a verdade ............................. 273
6.13. Inexistência do dever de comparecimento ........................... 281
CAPÍTULO VI - O princípio nemo tenetur se detegere aplicado às
provas que dependem da cooperação do acusado para sua
produção .................................................................................................... 285
1.
A formulação do problema: o princípio nemo tenetur se detegere, o direito à prova e a busca da verdade real .................... 285
2. As provas que dependem da cooperação do acusado para
a sua produção no direito brasileiro ................................................ 289
2.1. Provas que implicam intervenção corporal no acu-
sado ........................................................................................... 289a) Provas invasivas ................................................................ 290
b) Provas não invasivas ........................................................ 295
2.2. Provas que dependem da cooperação do acusado
para sua produção, sem intervenção corporal .................... 299
a) Reconhecimento ............................................................... 300
b) Acareação ......................................................................... 301
c) Reconstituição do fato ...................................................... 303
d) Exame grafotécnico ......................................................... 303
e) Etilômetro ......................................................................... 304
f) Exame clínico de embriaguez ......................................... 306g) Prova documental ............................................................ 307
3. O posicionamento do problema no direito brasileiro..................... 307
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corrências da aplicação do princípio nemo tenetur se de-
ere nas provas que dependem da cooperação do acu-do para sua produção 362 rincípio da proporcionalidade 373esenvolvimento do princípioa proporcionalidade no direitolemão 376
3.1. No processo civil .................................................................. 307
3.2. No processo penal ................................................................ 309
4. O tratamento do problema no direito estrangeiro ...................... 315
4.1.
Direito italiano ..................................................................... 3164.2. Direito francês ..................................................................... 328
4.3. Direito alemão ...................................................................... 329
4.4. Direito espanhol .................................................................. 332
4.5. Direito português ................................................................ 339
4.6. Direito argentino ................................................................. 343
4.7. Direito chileno ...................................................................... 347
4.8. Direito inglês ....................................................................... 348
4.9. Direito norte-americano ...................................................... 3535. Outros direitos fundamentais e as provas que dependem
da colaboração do acusado para sua produção ........................... 357
5.1. Inexistência do dever de colaboração do acusado ... 3635.1.1. Advertência com relação ao princípio nemo
tenetur se detegere e à inexistência do dever de
colaborar .................................................................. 369
5.1.2. Exceções à inexistência do dever de colabo-
rar: o princípio da proporcionalidade .................. 373
a) Terminologia: proporcionalidadee razoabilidade .................................. 373
b) Desenvolvimento do princípiono direito norte-americano ............... 380
c) Fundamento do princípio da pro-
porcionalidade .................................. 382
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nsiderações sobre a prova ilícita 425
d) O princípio da proporcionalidade
e os limites aos direitos funda-
mentais: pressupostos e requisi-
tos ....................................................... 385
e) O princípio da proporcionalidade no direito brasileiro ................................ 398
6.1.2.2. Aplicação do princípio da proporcio-
nalidade ao problema ...................... 405
5.2. Impossibilidade de se extraírem conseqüências da
recusa do acusado em submeter-se a determina-
da prova ............................................................. 420
5.3. Inexistência do dever de comparecimento .............................. 423
CAPÍTULO VII - Conseqüências da violação do princípionemo tenetur se detegere ....................................................................... 425
1.1. Limites ao direito à prova ................................................... 425
1.2. O conceito de provas ilícitas ............................................... 428
1.3. Aspectos a serem considerados no tocante à prova
ilícita .................................................................................... 429
1.4. Posicionamentos quanto à admissibilidade das pro-
vas ilícitas ........................................................................... 429
1.4.1. Admissibilidade das provas ilícitas ....................... 430
1.4.2. Inadmissibilidade das provas ilícitas ..................... 430
1.4.3. Inadmissibilidade das provas ilícitas sob o
prisma constitucional ............................................. 431
1.4.3.1.
Atenuação da inadmissibilidade dasprovas ilícitas: o princípio da pro-
porcionalidade ......................................... 433
1.4.3.2. A inadmissibilidade das provas ilíci-
tas por derivação ............................ 435
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1.5. O tratamento das provas ilícitas no ordenamento
brasileiro ......................................................................... 439
1.6. Conseqüências do reconhecimento da ilicitude da
prova ............................................................................... 446
2. Conseqüências da violação do nemo tenetur se detegere no
interrogatório, com vistas às considerações mencionadas
acerca da ilicitude da prova ............................................ 448
2.1. Quanto à confissão ilicitamente obtida por falta ou
deficiência da advertência em relação ao direito ao
silêncio e utilização de técnicas e métodos vedados
de interrogatório ........................................................................ 448
2.2. Quanto à consignação das perguntas não respondi-das pelo acusado e das razões pelas quais este exer-
ceu o direito ao silêncio com referência a determi-
nada pergunta ...................................................................... 455
2.3. Quanto à valoração do exercício do direito ao silên-
cio pelo acusado ............................................................... 456
2.4. Quanto às provas colhidas a partir do interrogató-
rio do acusado, no qual foi violado o princípionemo tenetur se detegere ...................................... 456
3. Conseqüências da violação do nemo tenetur se detegere
quanto às provas que dependem da cooperação do acu-
sado para sua produção ................... ............................... 458
CAPÍTULO VIII - O princípio nemo tenetur se detegere e o direito
penal: há decorrências do referido princípio no plano do di-
reito substancial? ................................................................... 4611. Considerações gerais: o debate da questão no direito ita-
liano .............................................................................................. 461
2. O princípio nemo tenetur se detegere e o direito penal ................ 464
2.1. Direito de defesa ........................................................................ 464
2.2. Causa excludente da culpabilidade .......................................... 466
2.3. Causa excludente da ilicitude .................................................. 468
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usa de não punibilidade não expressa 469
3. O posicionamento doutrinário e jurisprudencial majori-
tário: o nemo tenetur se detegere não apresenta decorrên-
cias no âmbito do direito penal .......................................... 469
4. Critérios para o reconhecimento de repercussões do
princípio nemo tenetur se detegere na esfera do direito
penal ....................................................................................... 472
CAPÍTULO IX - Conclusões ...................................................... ...................... 478
Referências bibl iográficas .................................................................................... 493
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APRESENTAÇ O 2 EDIÇ O
Vem a público a segunda edição da obra de Maria Elizabeth Quei-
jo, que saudei com entusiasmo quando da primeira edição. Obra indis-
pensável, como já tive oportunidade de escrever, e agora atualizada
com o acréscimo de novas considerações. A estrutura do livro é a mes-ma, mas no Capítulo IV que trata do nemo tenetur se detegere como di-
reito fundamental, a atualização recaiu sobre a Emenda n. 45, que alte-
rou o § 32 do art. 5- da Constituição. Quanto ao direito nacional, a
atualização verteu principalmente sobre a disciplina do interrogatório
introduzida pela Lei n. 10.792/2003 e sobre as alterações operadas pela
Lei n. 11.689/2008, quanto ao Tribunal do Júri. O Projeto de novo
Código de Processo Penal (Projeto de Lei n. 156/2009) foi igualmente
analisado no Capítulo V da obra. A jurisprudência sobre os diversos
aspectos do tema também foi objeto de atualização, com decisões do
Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de outros
tribunais, sobretudo no que concerne à observância do princípio no
interrogatório e nas provas que dependem da colaboração do acusado
(Capítulo VI). A nova disciplina das provas ilícitas foi objeto do Capítu-
lo VI. E o direito estrangeiro foi atualizado, quer no tocante à legisla-
ção, quer quanto à jurisprudência.
Reitero, nessa oportunidade, todas as expressões elogiosas que
dediquei à apresentação da primeira edição da obra, agora mais com-pleta ainda em razão de sua cuidadosa atualização. E renovo os senti-
mentos de júbilo e alegria por ter a oportunidade de apresentar ao
público esta segunda edição, que assinala mais um marco na produção
de obras de direito processual penal.
São Paulo, outubro de 2011.
Ada Pell egrini Gri nover
19
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APRESENTAÇ O EDIÇ O
Muitas e muitas vezes fui convidada a apresentar uma nova obra
jurídica. Muitas e muitas vezes o fiz, movida por motivos diversos: a
convicção da qualidade do trabalho, a alegria de introduzir um autor
promissor, a satisfação do cumprimento da missão de orientador, aidentificação com a linha de pesquisa escolhida, a postura meto-
dológica. Mas é difícil que todos esses fatores se conjuguem, como ora
acontece.
Com este trabalho, Maria Elizabeth Queijo obteve na Faculdade
de Direito da USP o título de doutor, com a atribuição, pela Comissão
Examinadora que tive a honra de presidir, da aprovação “summa cum
laude”, que certamente não é banal. O reconhecimento acadêmico co-
roou, assim, uma empreitada séria e dedicada, uma pesquisa profunda
e atualizada, uma colocação rigorosamente científica, um pensamento
límpido e coerente, uma linguagem clara e impecável.
Mas não é só. O tema escolhido denota a sensibilidade do proces-
sualista penal preocupado com as garantias constitucionais, mas tam-
bém com a racionalidade do sistema. E coloca-se, em termos teóricos
e práticos, na encruzilhada entre os valores maiores da liberdade e da
dignidade humana com a necessária operacionalidade da persecução
penal. Se, de um lado, o processo que hoje se busca é, antes de mais
nada, um "processo de resultados”, como instrumento adequado à atuação do direito objetivo, dentro da ideia de sua efetividade, é preci-
so, ao mesmo tempo, colocar limites à atuação estatal, que deve escru-
pulosamente observar os direitos da defesa. Mas essa equação é parti-
cularmente difícil de ser resolvida em certos casos, em que a colabora-
ção do acusado se torna elemento imprescindível para que o processo
alcance aquele grau de certeza - senão de verdade - que permita um
julgamento justo, à luz da prova produzida.
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E, assim, Maria Elizabeth Queijo se dispôs a examinar um dos
temas mais delicados do processo penal moderno: o princípio, garanti-
do pela ordem jurídica internacional e pelos ordenamentos constitu-
cionais d os Estados, de que ni nguém pode ser obrigado a fazer prova
contra si mesmo, à luz - primeiro - do direito ao silêncio e - depois -das provas que dependem de colaboração do acusado.
Desse modo, o nemo tenetur se detegere é examinado em sua evolu-
ção histórica, na idade contemporânea e em face da ordem constitu-
cional brasileira e é relacionado com outras garantias constitucionais,
como a ampla defesa, a presunção de inocência e o respeito à dignida-
de humana. Depois, o princípio é analisado em sua aplicação ao inter-
rogatório do acusado, tanto no direito estrangeiro como no brasileiro,
com ênfase às suas decorrências: o direito ao silêncio, a vedação dedeterminados métodos de interrogatório, a inexistência do dever de
dizer a verdade e de comparecer. A partir daí, o trabalho avança, numa
direção inovadora, rumo à aplicação do princípio às provas que depen-
dem de cooperação do acusado para sua produção. Surge aqui a distin-
ção entre as provas que implicam intervenção corporal (por sua vez
divididas entre “invasivas” e "não invasivas”) e aquelas que não a de-
mandam. O tratamento dessa problemática no direito estrangeiro re-
vela posturas extremamente diversas, apontando para evoluções e in-voluções da doutrina e da jurisprudência.
A posição assumida no trabalho é bastante equilibrada: firmado
o princípio da inexistência do dever de colaborar do acusado, são admi-
tidas exceções em face do princípio da proporcionalidade, profunda-
mente estudado, chegando-se a soluções diversas em relação às provas
produzidas mediante intervenção corporal invasiva (realizadas me-
diante a introdução de substâncias ou instrumentos no organismo),
em que se exige rigorosamente o consentimento anterior, livre e cons-ciente do acusado; e em relação às que não demandam invasão (radio-
grafias, exames de fios de cabelo ou pelos, identificação datiloscópica
etc.), que podem ser admitidas com autorização judicial, observado o
princípio da proporcionalidade. As únicas provas livres seriam as que,
além de não demandarem qualquer tipo de intervenção corporal, de-
pendem exclusivamente de colaboração passiva do acusado (reconhe-
cimento, acareação, reconstituições, etilômetro).
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Finalmente, o trabalho se detém sobre as conseqüências da viola-
ção do princípio nemo tenetur se detegere, enquadradas na teoria das pro-
vas ilícitas, bem como na análise das eventuais decorrências do princí-
pio no plano do direito penal substancial.
Trata-se, em suma, de uma obra que alia ao rigor científico o in-teresse pelos desdobramentos práticos da matéria tratada, sugerindo
soluções criteriosas que a doutrina e a jurisprudência internacional e
nacional ainda não parecem ter encontrado, dentro de um esquema
racional e pragmático, que não deixa de levar em conta princípios e
regras constitucionais. É possível, naturalmente, discordar de alguns
dos critérios sugeridos, mas o tema está posto, com criatividade e soli-
dez, e certamente deverá merecer a atenção dos estudiosos e dos ope-
radores do direito. São Paulo, novembro de 2002.
Ada Pell egrini Gri nover
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CAPÍTULO I
Introdução
O princípio nemo tenetur se detegere apresenta importante dimen-
são no processo penal, na medida em que assegura ao acusado o direi-
to de não se autoincriminar. Dele se extrai o respeito à dignidade deste
no interrogatório e que as provas de sua culpabilidade devem ser colhi-
das sem a sua cooperação. Tais considerações derivam da concepção
de que o acusado não pode mais ser considerado objeto da prova na
atual feição do processo penal.
O mencionado princípio consolidou-se como direito fundamen-tal, vinculado ao Estado de Direito, estritamente relacionado com ou-
tros direitos igualmente consagrados: o direito à intimidade, à liberda-
de moral, à dignidade e à intangibilidade corporal.
A manifestação mais tradicional do princípio nemo tenetur se dete-
gere é o direito ao silêncio. Importante ressaltar que esse direito somen-
te teve lugar no modelo acusatório. No modelo inquisitório, o acusado
era compelido a confessar e, por isso mesmo, não havia lugar para o
direito ao silêncio. Além disso, o acusado era considerado objeto da prova, de modo
que era permitida a utilização de quaisquer métodos, até mesmo a
tortura, para a revelação de uma verdade pré-concebida, que deveria,
forçosamente, ser confirmada por ele no interrogatório.
A possibilidade de constituir advogado para o desenvolvimento da
defesa técnica foi decisiva para que o direito ao silêncio fosse reconheci-
do e viável. Enquanto não era consentido ao acusado constituir advoga-
do, o silêncio no interrogatório era uma postura praticamente suicida.Isto porque, se ele não falasse em sua defesa, ninguém poderia fazê-lo.
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O princípio nemo tenetur se detegere foi-se firmando como direito
do cidadão diante do poder estatal, limitando a atividade do Estado na
busca da verdade no processo penal e, sobretudo, como medida derespeito à dignidade.
Mais recentemente passou-se a cogitar da aplicação do princípio
às provas que dependem da cooperação do acusado, especialmente
nos exames de sangue de DNA e nos exames de alcoolemia, relaciona-
dos aos crimes de trânsito.
O estudo do tema desvenda duas tendências existentes no proces-
so penal: de um lado, a vertente garantística, que reconhece o princí-
pio nemo tenetur se detegere e suas várias repercussões no interrogatórioe nas provas que dependem da colaboração do acusado. De outro, a
vertente que se inclina pelo recrudescimento da persecução penal,
com a mitigação dos direitos e garantias individuais. Segundo a última
vertente, o direito ao silêncio sofre diversas restrições. A colaboração
do acusado na produção das provas passa a ser exigida ou, quando
menos, sensivelmente estimulada.
O primeiro passo no tratamento do tema será o estudo histórico
do princípio nemo tenetur se detegere. Referido estudo apresenta granderelevo para a compreensão do desenvolvimento posterior do princípio
e da dimensão por ele assumida nos diversos ordenamentos jurídicos.
A ênfase dada ao aspecto histórico, no presente trabalho, justifi-
ca-se não por seu caráter ilustrativo, mas pelo assentamento das pre-
missas sobre as quais o princípio foi-se desenvolvendo, ao longo da
história, nos ordenamentos continentais e de common law.
O conceito de verdade no processo penal e os limites dos poderes
do juiz entrelaçam-se com o tema escolhido. Por isso, serão objeto de
exame.
O mito da verdade real, fio processo penal, contrapõe-se ao reco-
nhecimento do princípio nemo tenetur se detegere, que é identificado
como óbice à pesquisa dessa verdade.
Igualmente, esse princípio suscita o debate sobre a predominân-
cia do interesse individual do acusado sobre o interesse público e vice-
- versa, entendendo-se por interesse público o interesse da sociedade na
persecução penal e na busca da verdade real.
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Prevalecendo o interesse individual, de forma absoluta, a perse-
cução penal seria inviabilizada. Mas, prevalecendo o interesse público,
de modo exclusivo, não haveria qualquer freio para a persecução pe-nal, abrindo-se espaço para arbitrariedades e violações de direitos.
A aplicação do princípio em foco traz à tona também a questão
dos limites dos poderes do juiz, principalmente com relação às medi-
das coercitivas que possam compelir o acusado a cooperar no processo
penal, mais especificamente na produção das provas.
O princípio em questão será estudado, igualmente, sob o enfo-
que dos direitos fundamentais, daí se extraindo diversas conseqüên-
cias, com relevo para os requisitos que norteiam as restrições aos direi-tos fundamentais. Nessa linha, o princípio será analisado do prisma
constitucional brasileiro, com destaque para os diplomas internacio-
nais que o contemplam como direito fundamental e que foram incor-
porados ao direito interno; como direito encartado na garantia do de-
vido processo legal, na ampla defesa e na presunção de inocência, bem
como sua relação com a tutela da dignidade humana.
A aplicação do princípio nemo tenetur se detegere será analisada em
dois momentos distintos do processo penal: no interrogatório e nasprovas que dependem da colaboração do acusado, que serão objeto de
estudo no direito brasileiro e em diversos ordenamentos estrangeiros.
O estudo compreenderá o apontamento das diversas decorrên-
cias da aplicação do princípio nemo tenetur se detegere no interrogatório
e nas provas que dependem da colaboração do acusado, bem como das
conseqüências que advêm da violação ao princípio em foco.
Serão ainda analisadas outras formas de aplicação desse princípio
no processo penal, para além das provas que dependem da colabora-ção do acusado e do interrogatório.
Enfim, a proposta do presente trabalho é o estudo aprofundado
do princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo
penal, com a apresentação de possíveis soluções para a sua preserva-
ção, sem a inviabilização da persecução penal.
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CAPÍTULO II
Notas históricas sobre o princípionemo tenetur se detegere
Literalmente, a expressão nemo tenetur se detegere significa que
ninguém é obrigado a se descobrir.
O princípio é expresso também por outras máximas latinas: nemo
tenetur edere contra se' , nemo tenetur se accusare z , nemo tenetur se ipsum pro-
dere 3 , nemo tenetur detegere turpitudinem suam 4 e nemo testis contra se ipsum 5 .
No direito anglo-americano recente, o princípio é expresso pelo
privilege against self -incrimination.
Entretanto, ao longo do tempo, a máxima assumiu vários significados.
1. Antiguidade
Há quem considere que o princípio nemo tenetur se detegere se in-
1 CAPPELLETTI, Mauro. La testemonianza delia parte nel sistema delVoralità, Milano:
Giuffrè, 1974, p. 380, salienta que a mais específica significação da fórmula antiga nemo
tenetur edere contra se deveria limitar sua aplicação à produção de documentos e outros
elementos de relevância probatória'para o processo.2 Literalmente, ninguém é obrigado a se acusar.3 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and develo-
pment, Chicago: Universidade de Chicago, 1997, p. 1, observa que se atribui a São João
Crisóstomo, no quarto século, a autoria da máxima nemo tenetur prodere se ipsum, que,
nas palavras do santo, preconiza que nenhuma pessoa pode ser compelida a trair a si
mesma em público.4 Ninguém é obrigado a revelar sua própria vergonha.5 GREVI, Vittorio. Nemo tenetur se detegere. Milano: Giuffrè, 1972, p. 6.
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sere entre as regras gerais de direito, sendo impossível identificar suas
raízes6.
No Código de Hamurabi, embora não houvesse previsão formalde interrogatório, o acusado poderia ser ouvido sob juramento, espe-
cialmente quando não houvesse outra prova, testemunhai ou docu-
mental, ou ainda flagrante delito7.
As Leis de Manu não admitiam que o acusado se calasse ou men-
tisse. Em tais situações, seria tido por culpado. Se comparecesse ao
tribunal, deveria falar a Verdade8. O acusado deveria submeter-se a ju-
ramento.
No Egito, há notícia de que o interrogatório era admitido peran-te os tribunais ordinários, em instrução complementar, mas a tortura
era empregada, com uso da roda e golpes de bastão. Havia também
submissão ao juramento9.
O direito hebreu admitia o interrogatório do acusado, sem jura-
mento como regra. Por exceção, admitia-se o juramento para a pro-
va da inocência10. A confissão era considerada uma aberração da na-
tureza humana ou manifestação de estado de loucura11.
6 Nesse sentido, KOHL, Procès civil etsincerité, Liège, 1971, p. 15, apud GREVI, Vittorio,
Nemo teneturse detegere, cit., p. 5.
7 ROMEIRO, Jorge Alberto. Considerações sobre o conceito do interrogatório do acusado.
Rio de Janeiro: Alba, 1942, p. 10-11.8 PAUTH1ER. Les livres sacrés de VOrient. Trad. José de Vasconcellos Guedes de Carva-
lho. Nova Goa, 1859, p. 4, apud ROMEIRO, José Alberto, Considerações sobre o conceito
do interrogatório do acusado, cit., p. 12. O autor cita a estância 13 do Livro VIII das Leisde Manu: “É necessário, ou não comparecer perante o tribunal, ou, comparecendo,
dizer a verdade. O homem que se cala ou mente, é igualmente culpado”.
9 THONISSEN. Etudes sur Vhistoire du droit criminei des peuples anciens. Bruxelles, 1869,
v. 1, p. 125-128, apud ROMEIRO, Jorge Alberto, Considerações sobre o conceito do interro-
gatório do acusado, cit., p. 16-17. 10 PESSINA. Storia delle leggi sul procedimento penale. Napoli, 1912, p. 37, apud ROMEI-
RO, Jorge Alberto, Considerações sobre o conceito do interrogatório, cit., p. 19. O autor cita
duas exceções que admitiam o juramento: a do depositário, cujos objetos que estavam
sob sua guarda haviam sido roubados, e a daquele que recebesse um animal em con-fiança e este morresse ou fosse subtraído.11 CARMIGNANI, Giovanni. Teoria delle kggi delia sicurezza sociali, Pisa: Fratelli Nistri,
1832, t. 3, p. 133, noticia que, para os antigos, autoincriminar-se era espécie de alienação.
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2. Civilizações clássicas
Na Grécia, no interrogatório, aplicava-se a tortura, para obten-ção da confissão e da delação dos cúmplices12.
Pugliese13 nega que o nemo tenetur se detegere tenha origem no di-
reito romano. Helmholz14 também informa que esse princípio era des-
conhecido no direito romano clássico. Na República, admitia-se o in-
terrogatório. Nos últimos séculos desta, com as quaestiones, o interro-
gatório não era previsto15. No Império, empregava-se a tortura no in-
terrogatório.
3. Idade Média
Igualmente, para os bárbaros, invasores do Império Romano,
que empregavam as ordálias, não havia lugar para o nemo tenetur se de-
tegere. O interrogatório era meio de prova16.
No direito comum17, havia a tendência à utilização processual, no
que diz respeito à prova, dos conhecimentos do acusado. No processo
12 Cf. ROMEIRO, Jorge Alberto. Considerações sobre o conceito do interrogatório do acusa-
do, cit., p. 24.
13 PUGLIESE, Giovanni. Per rindividuazione deli'onere delia prova nel processo roma-
no per formulas. In: Studi in onore di G. M. de Francesco. Milano, 1957, v. 1, p. 545. No
mesmo sentido, CAPPELLETTI, Mauro, La testemonianza delia parte nel sistema
delVoralità, cit., p. 379.14 HELMHOLZ, R. H. et al. The privilege against self-incrimination: its origins and devélo-
ment, cit., p. 186. 15 A esse respeito, ROMEIRO, Jorge Alberto. Considerações sobre o conceito do interroga-
tório do acusado, cit., p. 25-26, citando entendimento do Prof. Ubaldo Pergola, da Uni-
versidade de Roma, afirma que esse autor "explicava a ausência, na república, do insti-
tuto do interrogatório no processo penal romano, como decorrente do princípio nemo
tenetur se detegere e da doutrina que reputa um ilogismo provocar declaração a réus,
quando o imputado tem, via de regra, todo o interesse em esconder a verdade, impos-
sível de obter-se dele”.
“ MANZINI, Vincenzo. Trattato di diritto processuale penale italiano secondo il nucrvo códi-
ce. Torino: UTET, 1931, v. 1, p. 7. 17 Segundo HELMHOLZ, R. H. et al. The privilege against self-incrimination: its origins
and development, cit., p. 185, o mais provável é que o nemo tenetur se detegere tenha-se
originado como limitação ao dever religioso de confessar.
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inquisitório, essa tendência acentuou-se ainda mais, de modo a obrigar
o acusado a responder ao interrogatório mesmo que fosse necessário o
emprego de força. A tendência era a busca de provas por meio do acusado ou com a
sua cooperação. Nesse contexto, justificou-se o emprego da tortura,
, comó meio de obtenção da confissão do acusado18.
A verdade, extorquida do acusado, era tida como decisiva para o
resultado do processo penal19. A confissão era a prova máxima20.
Na realidade, no processo inquisitório da Idade Média havia uma
prévia convicção sobre a culpabilidade do acusado e a tortura era o
instrumento para alcançar a confirmação dessa culpabilidade, pormeio da confissão. No interrogatório, o acusado tinha o dever de res-
ponder21.
Predominava o entendimento de que o interrogatório era meio
de prova, não se justificando, também por essa razão, o direito ao si-
lêncio.
4. Idade Moderna e Idade Contemporânea
Foi no período do Iluminismo que o princípio se firmou. Verifica-
-se que, historicamente, o princípio nemo tenetur se detegere apresenta-se
associado ao interrogatório do acusado.
18 Conforme observa FLORIAN, Eugênio. Delle prove penali, Milano: Vallardi, 1924, v.
2. p. 15, estando o acusado completamente nas mãos do juiz, deveria naturalmentetransformar-se em instrumento da prova.
19 Nesse sentido, SABATINI, Guglielmo. Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale,
Catanzaro: Stabilimento Tipográfico Gaetano Filipo, 1915, v. 2, p. 120, observava que
o juiz objetivava, com a confissão, extorquir declaração de culpabilidade do acusado.20 A esse respeito, MITTERMAIER, C. J. A. Tratado de lã prueba en matéria criminal, 8.
ed., Madrid: Editorial Reus, 1929, p. 178. Referido autor salienta que a tendência a
provocar a confissão era exagerada, conduzindo à aplicação imoderada da tortura.
PEREIRA E SOUSA, Joaquim José Caetano. Primeiras linhas sobre o processo criminal, 4.
ed. Lisboa: Impressão Régia, 1831, p. 127-130, considera que somente mediante coa-
ção é que alguém se incrimina.
21 Nesse sentido, MANZINI, Vincenzo. Trattato di diritto processuale penale italiano se-
condo il nuovo codice, cit., v. 1, p. 43.
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Nessa época, marcada pela construção e reconhecimento das ga-
rantias penais e processuais penais, que nos dias de hoje parecem tão
sedimentadas, o princípio nemo tenetur se detegere revela-se como garan-tia relativa ao resguardo do acusado no interrogatório. Isso decorre do
fato de o acusado, nesse período, já não ser visto exclusivamente como
objeto da prova.
Os iluministas combateram o emprego da tortura e o juramento
imposto ao acusado22, observando que qualquer declaração autoincri-
minativa era antinatural. Além disso, consideravam imoral os meios
utilizados para fazer com que ele falasse, ou seja, confessasse, autoin-
criminando-se.
Beccaria23, na clássica obra Dos delitos e das penas, salientava, com
propriedade, que há contradição entre a lei e os sentimentos naturais
no juramento de dizer a verdade imposto ao acusado.
Conforme o referido autor, é impossível que o homem pudesse
jurar, contribuindo para a sua própria destruição. Em acréscimo, o au-
tor opõe-se, com veemência, ao emprego da tortura, afirmando que é
monstruoso exigir que alguém seja acusador de si mesmo, procurandofazer nascer a verdade pelos tormentos, como se esta residisse nos
músculos do infeliz24.
22 A Ordonnance Criminelle francesa de 1670, no título Xiy art. 7C, impôs formalmente
o juramento ao acusado, mésmo com a oposição existente. Cf. GREVI, Vittorio, Nemo
tenetur se detegere, cit., p. 9. CONSOLO, Giovanni Cesaro, Trattato delia prova per teste-
moni e dei relativo procedimento d‟esame, Torino: UTET, 1904, p. 526, salienta que ojura-
mento é garantia da verdade. Já*CAPPELLETTI, Mauro, La testemonianza delia parte
nel sistema delVoralità, cit., p. 378-379, refere-se ao juramento como forma de tortura
moral. Também SABATINI, Guglielmo, Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale,
cit., v. 2, p. 321, defende que o juramento não deveria ser deferido ao acusado. No
mesmo sentido, CARRARA, Francesco, Programma dei corso di diritto criminale, 10. ed.,
Florença: Fratelli Cammelli, 1907, v. 2, p. 454. PEREIRA E SOUSA, José Joaquim Cae-
tano, Primeiras linhas sobre o processo criminal, cit., p. 162, sustenta que não deveria ser
deferido o juramento pelo risco de perjúrio. Noticia o referido autor que o Código
Criminal de Toscana, de 1786, vedava o deferimento do juramento.
BECCARIA, Cesare. Dei delitti e delle pene. Roma: Garzanti Libri, 2000, p. 44.
BECCARIA, Cesare, Dei delitti e delle pene, cit., p. 41-42.
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Também Pietro Verri25 é incisivo ao repudiar, de todas as formas,
o emprego da violência como instrumento da justiça. Mas não era so-
mente pela tortura que se extorquiam confissões dos acusados. Esse autor registra, em certa passagem de sua obra, que determi-
nado juiz empregava meios insidiosos para obter confissões, tendo
conduzido uma acusada a seu quarto, demonstrando querer beijá-la e
possuí-la, prometendo-lhe inclusive a liberdade. Com tais expedientes
induziu a acusada a confessar um homicídio, que lhe custou a morte
por decapitação26.
Porém, a construção teórica iluminista sobre o princípio nemo te-
netur se detegere não foi pacífica nem uniforme. O próprio Beccaria sus-tentou que aquele que, obstinadamente, se recusasse a responder ao
interrogatório deveria sofrer pena fixada nas leis, das mais graves. Con-
tudo, segundo o referido autor, tal pena não era necessária quando não
houvesse dúvida de que o acusado era autor do delito27.
Registra-se, dessa forma, verdadeiro contrassenso na obra de
Beccaria, na medida em que sustenta que o dever de dizer a verdade,
imposto ao acusado pelo juramento, é antinatural, mas entende que o
acusado silente deve ser apenado gravemente, por constituir ofensa àJustiça.
Algumas legislações, como a Instrução de 176728, redigida por
Catarina II da Rússia, e o Código austríaco de 180329, adotaram a orien-
tação de punir o acusado que silenciasse no interrogatório, o que legi-
timou outra forma de violência contra ele. Em tal orientação, há ínsita
25 VERRI, Pietro. Osservazioni sulla tortura. Milano: RCS Libri, 1998, p. 144.
26 VERRI, Pietro, Osservazioni sulla tortura, cit., p. 108.27 BECCARIA, Cesare, Dei delitti e delle pene, cit., p. 87.28 Esse diploma estabelecia que aquele que não respondesse ao interrogatório deveria
ser punido, com pena das mais severas, para servir de exemplo (cf. GREVI, Vittorio,
Nemo tenetur se detegere, cit., p. 14).29 No referido Código se estabeleceu que, se o acusado se recusasse a responder, deve-
ria ser seriamente advertido desse dever e de que sua abstenção o conduziria à puni-
ção. Se o acusado persistisse no silêncio, deveria permanecer três dias a pão e água.Reiterada a advertência, deveria ser castigado com bastão de três em três dias, come-
çando com dez golpes e aumentando progressivamente o número de cinco até chegar
a trinta golpes, consoante GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 15.
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a ideia de que o acusado, quando silencia, desnhedere prtesre^paiia a
autoridade que preside o ato30. A disciplina estabelecida nos citados
diplomas demorou a ser modificada. Filangieri31 avançou em relação à obra de Beccaria, com referência
ao reconhecimento do direito ao silêncio do acusado. Mencionado autor
exclui o dever de aquele confessar o crime que se lhe imputa e a existên-
cia de direito da autoridade judiciária de exigir-lhe a confissão. Reconhe-
ce-se o direito ao silêncio, pois não se admite punição ness^caso. Tal posicionamento não foi aceito uniformemente. Os defenso-
res da natureza probatória do interrogatório continuaram negando ao
acusado o direito de silenciar.
Bentham32, sustentando que o interrogatório é prevalentemente
meio de instrução, nega o direito ao silêncio. Segundo esse autor, o
nemo tenetur se-detegere é um produto irracional, com o efeito inevitável
de excluir a mais fidedigna prova da verdade, que é a confissão.
Bonneville de Marsangy33 considerava o nemo tenetur se detegere
verdadeira heresia jurídica. Posteriormente, passou a admitir o direito
ao silêncio, ressalvando, porém, que a negação da culpabilidade deve-
ria ser causa de agravamento da pena.
Na Inglaterra, o princípio nemo tenetur se detegere foi reconhecidobem antes do que nos países continentais europeus.
Historicamente, à medida que se deu maior proteção ao indiví-
duo diante do Estado, o emprego da coação contra o acusado no inter-
rogatório foi paulatinamente abolido ou minimizado. Mas, mesmo admitida a possibilidade de silenciar, extraíam-se
conseqüências negativas para o acusado. Pereira e Sousa34, em obra
311 CARMIGNANI, Giovanni, Teoria delle leggi delia sicurezza sociali, cit., t. 3, p. 137, ob-
serva que o réu que se nega a confessar é visto como rebelde.
31 FILANGIERI. La scienza delia legislazione. Genova, 1798, t. 3,1. III, § XI, p. 282, apud
GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 17.32 BENTHAM, Jeremy. Traitè despreuves. Paris, 1823, v. II, p. 124, apud GREVI, Vittorio,
emo tenetur se detegere, cit., p. 18.33
BONNEVILLE DE MARSANGY. De Vamélioration de la loi criminelle. Paris, 1864, v. 2, p. 328, apud GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 18.34 PEREIRA E SOUSA, Joaquim José Caetano, Primeiras linhas sobre o processo criminal,
cit., p. 163.
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privilege against self-incrimination é menos amplo do que a máxima nemo tenetur prodere
psum. Isto porque o primeiro somente impede que se venha aompelir alguém a serestemunha contra si mesmo, no processo criminal, enquanto orincípio retromencio-ado poderia ser invocado mesmo quando não houvesse riscoe punição no âmbito
enal, mas mero risco de responsabilidade civil ou defensa à reputação (p. 190).
que data de 1831 , entendia que o réu que não respondia era tido por
confesso. Entretanto, não considerava tal aspecto suficiente para a
condenação. Do mesmo modo, a lei francesa de 1897 previa adver-tência ao acusado de que o silêncio poderia ser interpretado em seu
desfavor35.
A evolução do princípio nemo tenetur se âetegere conduziu, pouco
a pouco, à exclusão de presunção de culpabilidade contra o acusado
que exercesse o direito ao silêncio36.
5. Desenvolvimento histórico do princípio “nemo tenetur se detegere” no direito anglo-americano
Como anteriormente observado, o princípio nemo tenetur se dete-
gere é expresso, modernamente, no direito anglo-americano, pelo privi-
lege against self-incrimination. Contudo, historicamente, afirma-se que o
privilege against self-incrimination não coincide com o princípio que o
teria originado, o nemo tenetur prodere se ipsum. Mas observa-se que foi
por meio do mencionado privilege que a máxima latina se perpetuouno direito anglo-americano37.
SABATINI, Guglielmo, Teoria delle prove nel dirittogiudiziario penale, cit., v. 2, p. 325.
36 Nesse sentido, CARRARA, Francesco, Programma dei corso di diritto criminale, cit., v.
2, p. 449, observa que a confissão atingiu tal descrédito a ponto de alguns considera-
rem desumano interrogar o réu. Defende que o acusado tem o direito de silenciar, sem
prejuízo e sem que tal fato constitua circunstância agravante de pena.
37 HELMHOLZ, R. H. et al. The privilege against self-incrimination: its origins and âevelo-
pment, cit., p. 100. A esse respeito, o autor refere, na p. 107, que Wigmore, ao confundir
a máxima nemo tenetur prodere se ipsum com o privilege against self-incrimination, identi-
ficou as origens do último no século XVII e não na metade do século XVIII e início do
XIX, como o próprio Helmholz identifica. Em acréscimo, o mesmo autor destaca que
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4.1. Na Inglaterra
a) Nas cor tes eclesiásticas Identificam-se as origens do nemo tenetur prodere se ipsum no ius
commune 38 , no final da Idade Média e na Renascença.
Aponta-se que, sem dúvida, a máxima que vedava a autoincrimi-
nação era reconhecida. A ideia é de que homens e mulheres não pode-
riam ser compelidos a tornar-se fonte de informação em sua própria
persecução.
A regra que vedava compelir alguém à autoincriminação foi ex-
pressa no mais popular manual processual medieval do ius commune, o
Speculum iudiciale, compilado por William Durantis, em 129639, repre-
sentada pela máxima nemo tenetur detegere turpitudinem suam, significan-
do que ninguém pode ser compelido a ser testemunha contra si mesmo
porque ninguém está obrigado a revelar sua própria vergonha40.
O princípio foi acolhido pela maior parte dos comentadores me-
dievais e repetido nos manuais de processo penal europeus dos séculos
XVI e XVII.
De acordo com a acepção do princípio, na época, era vedado exi-
gir que alguém respondesse a perguntas específicas sobre seu compor-
tamento ou atos da sua vida privada, submetendo-o a risco de infâmia
ou persecução penal. Entendia-se que os homens deveriam confessar
suas faltas a Deus, mas não deveriam ser compelidos a confessar seus
crimes a ninguém mais.
38
Consoante HELMHOLZ, R. H. et al, The privilege against self-incrimination: its originsand development, cit., p. 17, a expressão ius commune refere-se à combinação dos cânones
legais e romanos, que dominaram a educação jurídica europeia antes da Era Moderna.
Em larga medida, determinou regras praticadas nas cortes da Igreja inglesa, antes e
depois da Reforma do século XVI.
39 HELMHOLZ, R. H. et al, Thepriviíege against self-incrimination: its origins and develo-
pment, cit., p. 17, indica a máxima nos comentários sobre o direito da Igreja, escritos
por Panormitanus (Commentaria super decretalium libros ad X 2.18.2, n. 16, Venice, 1615):
“Videtur enim quod non tenebatur respondere interrogationi seu positioni criminosae
quia non debet se ipsum prodere".
40 HELMHOLZ, R. H. et al, Thepriviíege against self-incrimination: its origins and develo-
ment, cit., p. 26.
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Com isso, distinguia-se o foro espiritual do foro externo. No foro
externo, tinha lugar o nemo tenetur , mas no foro espiritual, não41.
C Assim sendo, o princípio não era visto como direito fundamen-
tal, mas como proteção contra intromissões dos poderes públicos navida privada.
Apesar da aparente origem eclesiástica do nemo tenetur prodere se
ipsum, nesse particular, o direito da Igreja opôs-se à posição emergente
na common law inglesa. Isto porque a Igreja impunha aos acusados o
juramento ex officio ou o juramento de veritate dicenda, utilizado em
todas as cortes da Igreja inglesa.
O juramento era utilizado nas ramificações da Courtof High Com-
mission, tribunal criado na Monarquia dos Tudor para suprimir dissen-sões entre as cortes de dioceses ordinárias.
Os advogados ingleses opunham-se aos juramentos prestados pe-
los acusados. Entre os argumentos utilizados salientava-se que o jura-
mento conduzia ao perjúrio. Sustentava-se que a tentação de mentir
submetia os acusados a um cruel dilema: cometer o perjúrio ou revelar
informações contra si mesmos. A controvérsia estabelecida trouxe, in-
cidentalmente, a questão da legalidade do juramento ex offi cio.
Entretanto, o nemo tenetur se detegere somente tinha aplicaçãoquando a prática do crime era desconhecida. Se o crime cometido fos-
se de conhecimento público, não vigorava o princípio. Pretendia-se,
com isso, evitar que os juizes pudessem investigar abstratamente a
vida das pessoas. Era a vedação à prática deflshingexpeditions 42 .
Para exigir o juramento ex officio era necessária, nos processos
criminais, a denominada "fama pública", isto é, comentários de certa
repercussão de que o acusado fosse o autor do delito em apuração43.
41 Nesse sentido, HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its
origins and development, cit., p. 27.
42 HELMHOLZ, R. H. etal., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 29. 43 A esse propósito, HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its
origins and development, cit., p. 34, cita caso ocorrido em 1449, no qual John Stonehill e
sua esposa Joan foram citados pelo conselho da Corte da Diocese de Rochester, por-
que foram acusados de matar um filho menor. Em vez de responderem à acusação,
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Outras exceções ao princípio foram apontadas, o que implicava a
admissão do juramento ex officio: a acusação de crime de heresia, no
qual a gravidade da ofensa justificava a exigência das respostas por par-
te do acusado e a situação em que a pergunta que poderia incriminarera formulada com a finalidade exclusiva de reformar espiritualmente
o indivíduo, sem puni-lo temporalmente. Porém, a Court of High Com-
mission tinha poder para prender e punir corporalmente.
Como se verifica, embora o princípio canônico nemo tenetur pro-
dere se ipsum fosse reconhecido no ius commune, seu emprego era limi-
tado, sujeito a muitas exceções.
A proibição canônica de compelir à autoincriminação, represen-
tada pelo princípio nemo tenetur prodere se ipsum, era utilizada commaior frequência nos processos civis do que nos criminais. Nos proces-
sos civis, regularmente as partes e testemunhas se recusavam a respon-
der a indagações que pudessem levá-las a futuras persecuções penais.
Além disso, se não houvesse advertência quanto à possibilidade de re-
cusar-se a responder perguntas que conduzissem à chamada positio cri-
minosa, as partes podiam arguir nulidade.
No século XVI, as recusas ao juramento, fundadas no princípio
nemo tenetur prodere se ipsum, tornaram-se mais freqüentes.
A oposição contra a jurisdição da Igreja explodiu após a Reforma.
As pessoas, citadas para responder a processos perante as cortes
eclesiásticas, adotavam duas técnicas: recusar-se a submeter-se a jura-
mento ex off icio e utilizar o writ de proibição e o hàbeas corpus, socor-
rendo-se das cortes de common law. Nessa fase, diferentemente do que
ocorria na Idade Média, os acusados de dissensão contra a Igreja eram,
via de regra, pessoas abastadas
44
.
eles contestaram a existência de qualquer “fama pública" contra eles e a Corte dioce -
sana ordenou a instauração de inquérito, preliminarmente. O inquérito mostrou que
os Stonehill estavam corretos. Não havia "fama pública" circulando contra eles. A con-
seqüência é que acabaram não submetidos a processo nem ao juramento de veritate
vincenãa.
44 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 40.
38
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O writ de proibição e o habeas corpus eram instrumentos jurídicos
das cortes de common law para interferir nos julgamentos eclesiásticos.
Pelo writ de proibição decidia-se que o acusado não podia ser submeti-
do a julgamento por determinada corte. Já o habeas corpus era utilizadocontra o poder da Court of H igh Commission de decretar prisões45.
Contribuíram também para o aumento das objeções contra o ju-
ramento ex officio a extinção do inquérito preliminar para estabelecer a
"fama pública” e a maior frequência de advogados, no século XVI, nas
persecuções nas cortes eclesiásticas. As cortes de common law negavam
aos acusados, na quase generalidade dos casos, fazerem-se representar
por advogado.
A esse respeito, Maunsell & Ladd
46
, em 1607, é considerado leading case em relação à vedação à autoincriminação não propriamente pelos
resultados alcançados, já que foram confirmados, por três votos a dois,
os poderes de prender e interrogar da Court of High Commission, mas
pela argumentação empregada pelos advogados que alegaram a ilega-
lidade das questões autoincriminatórias formuladas. Sustentaram os
advogados que as perguntas autoincriminatórias violavam o direito na-
tural, a Magna Charta e os estatutos ingleses.
Interessante notar que, nessa fase, não era tradicional arguir-se aviolação da Magna Charta para sustentar que as cortes eclesiásticas não
poderiam formular questões autoincriminatórias47.
b) Nas cortes de “common law”
Helmholz48 aponta as origens do privilege against self-incrimina-
tion, no final do século XVIII, como resultado do trabalho dos defenso-
res. Referido autor afirma, categoricamente, que o privilege against self-
-incrimi nation é criatura dos advogados de defesa.
45 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 50.
46 Maunsell e Ladd estavam presos por se recusarem a responder um sumário de ques-
tões sobre reunião secreta de dissidentes religiosos. Ladd era leigo e Maunsell era clérigo.47 HELMHOLZ, R. H. etal., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 73.
48 HELMHOLZ, R. H. etal., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 82.
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Durante o século XVI, é de ressaltar que o direito fundamental
dos acusados não era de silenciar, mas de ter a oportunidade de falar
no processo criminal49.
O acusado poderia replicar, pessoalmente, as acusações formula-das contra ele. Não havia advogados de defesa. Assim, silenciar signifi-
cava praticamente autoacusar-se, pois se ele não falasse, ninguém o
faria em sua defesa. Valorizava-se o aspecto testemunhai das declara-
ções do acusado, daí não se admitir que terceiro falasse por ele. Mas,
surpreendentemente, não se registram invocações dos acusados, nessa
fase, do privil ege against self -incrimination 50 .
Além disso, havia obstáculos para que ele se utilizasse de teste-
munhas de defesa. No final do século XVII, os acusados não tinhamdireito à intimação das testemunhas que não comparecessem. Quando
compareciam, não eram ouvidas sob juramento, até o Treason Act de
1696, que estabeleceu a obrigatoriedade de juramento para as teste-
munhas de defesa em crime de traição. Todos esses mecanismos força-
vam o acusado a falar, em sua defesa, desestimulando-o a silenciar.
Em outras palavras: até o final do século XVIII, para a maioria
dos acusados, defender-se significava responder, pessoalmente, a todos
os termos da acusação. Enquanto se manteve essa exigência, não havialugar para o pri vilege against self -incr imination.
Em acréscimo, o procedimento do pretrial, nos séculos XVI, XVII
e XVIII, que seguia a disciplina do Marian Committal Statute de 1555,
era estruturado para induzir o acusado a ser testemunha contra si mes-
49 William Hawkins escreveu, em 1721, no Pleas of the Crown, a esse respeito, que oacusado, inocente, não precisa de advogado, porque ele será efetivo como um advoga-
do. Mas, se for culpado, será mais fácil descobrir a verdade quando ele mesmo falar e,
provavelmente, será mais difícil essa apuração se alguém falar por ele (HELMHOLZ,
R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and development, cit., p. 86).
Entretanto, o que se observava, na prática, eram defesas patéticas dos acusados em
seus julgamentos.
50 A esse respeito, Beattie, autor que desenvolveu trabalho acerca do privilege against
self-incrimination no período de 1660 a 1800, salientou que, entre 1670 e 1730, não teve
notícia de um único caso em que o acusado tivesse se recusado a falar arguindo o pri-
vilege (HELMHOLZ, R. H. et al., Thepriviíege against self-incrimination: its origins and
development, cit., p. 96).
40
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mo. Segundo referida disciplina, o pretrial era presidido por magistra-
do da Justiça de Paz. Deveria ele transcrever tudo o que o acusado
dissesse. Se este se recusasse a responder, nessa fase, isto era relatado
pelo magistrado em seu testemunho no julgamento. Eram ouvidas avítima e as testemunhas de acusação. A ênfase com relação às testemu-
nhas de acusação era manifesta. O relatório resultante era encaminha-
do para a corte de julgamento.
Dessa forma, no julgamento, tinha pouco valor o privilege against
self-incrimination. Se o acusado decidisse testemunhar no julgamento,
ou se retratar do que falara no pretrial, tais aspectos eram invocados
contra ele. Ou seja, os elementos colhidos no pretrial eram decisivos no
julgamento
51
.
Outro fator que cooperava para que o acusado se submetesse ao
interrogatório era que, para obter a comutação da pena de morte por
outra modalidade, era preciso ganhar a simpatia do júri. Assim, o acu-
sado era compelido a falar. Essa tendência declinou no final do século
XVIII e início do XIX, porque a sanção para os crimes mais graves pas-
sou a ser a prisão.
A vedação de constituir advogado foi cedendo de 1696 até 1837,
aproximadamente. Inicialmente, admitiu-se a defesa por advogado em
crime de traição, por meio do Treason Act de 1696, o que foi estendido
posteriormente para outros delitos52. Contudo, as defesas por advoga-
do não eram quantitativamente significantes até 1780.
Mesmo assim, os juizes procuravam restringir a atuação dos ad-
vogados, para pressionar os acusados a falar. Desse modo, inicialmen-
51 HELMHOLZ, R. H. et al., Thepriviíege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 92.
H HELMHOLZ, R. H. etal., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 83. O referido autor menciona, na p. 96, que o Treason Act de 1696 é o
primeiro texto de salvaguarda da defesa na história do processo criminal inglês. Esse
ato eliminou uma série de desvantagens processuais que havia no julgamento até en-
tão. O ato permitiu que o acusado recebesse cópia da acusação cinco dias antes do
julgamento e ainda reconheceu o direito de se aconselhar com advogado sobre a acu-
sação. Previu também o direito de promover a defesa completa por advogado, para
inquirir as testemunhas e dirigir-se ao júri sobre o mérito da causa. Assegurou o direitode ouvir testemunhas de defesa e de elas serem intimadas e submetidas a juramento.
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te, admitia-se que o advogado atuasse na inquirição das testemunhas,
no cross examination, mas não podia dirigir-se aos jurados, proibição
que veio, depois, a ser eliminada na legislação de 183653.
No final do século XVIII e início do XIX, o processo criminal pas-sou por transformações significativas, não somente com a admissão da
constituição de advogado, mas também com a adoção do standard da
dúvida razoável da prova (insuficiência probatória), da presunção de
inocência e o desenvolvimento das regras de exclusão de provas.
Todos esses aspectos contribuíram para que o acusado pudesse
silenciar, mas foi decisiva a adoção da defesa técnica, que se processou,
sobretudo, a partir de 1730, desentrelaçando as funções defensiva e
testemunhai, antes centradas no acusado. Igualmente contribuiu para o reconhecimento do privilege against
self-incrimination, nas cortes de common law, a extinção das cortes de
Star Chamber e High Commission, bem como a proibição de as cortes
eclesiásticas utilizarem o juramento ex off icio, pelo estatuto de 1641.
4.2. Nos Estados Unidos
Uma indagação que se formula é como o privilege against self-incri-
mination se desenvolveu mais rapidamente, tornando-se direito consti-tucional nos anos 1770, nos Estados Unidos, enquanto na Inglaterra
somente se desenvolveu no século XVIII, com a intervenção da defesa
técnica?
No século XVII, como na Inglaterra, predominou nas colônias
norte-americanas o processo criminal denominado accused speaks, no
qual não havia lugar para o pri vilege against self -incr imination 54 .
Virgínia permitiu a atuação de advogados, nos processos crimi-
nais, em 1735 e Nova Iorque, em 1686. De observar que não havia ad-vogados para atuar nas colônias até quase o final do século XVIII.
53 HELMHOLZ, R. H. et al., Thepriviíege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 87.
54 HELMHOLZ, R. H. etal., The privilege against self-incrimination: its origins anã develop-
ment, cit., p. 110.
42
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Até 1702, as testemunhas de defesa não eram ouvidas sob jura-
mento. A alteração da regra inglesa não foi estendida para as colônias.
No pretrial, os administradores da justiça nas colônias americanas
aplicavam o procedimento estabelecido no Mari an Committal Statute. O sistema dependia, em sua rotina, da autoincriminação no pretrial.
Entretanto, em Nova Iorque passou-se a exigir que o juiz de paz
anotasse não somente as provas favoráveis à acusação, para remessa ao
júri, mas também as favoráveis à defesa.
Os americanos reconheciam várias restrições às coações empre-
gadas para obter o testemunho, inclusive do acusado.
A título ilustrativo, é de citar trecho do art. 45 do Body Liberties de
1641, que veda o emprego de tortura para obtenção da confissão, consi-derando-a prática bárbara e desumana, embora se saliente que esse di-
ploma estava distante de reconhecer o pri vilege against self -incr imi nation:
"No man shall be forced by Torture to confess any Crime against
himself nor any other unless it be in some Capital case where he is first
fully convicted by clear and sufficient evidence to be guilty. After whi-
ch if the cause be of that nature, That is very apparent there be other
conspiritors, or confederates with him, Then he may be tortured, yet
not with such Tortures as be Barbarous and inhumane”55
. A ênfase era dada à vedação à tortura no interrogatório do acusa-
do. Verifica-se, dessa forma, que o nemo tenetur prodere se ipsum tinha
função no combate ao uso de coação física, especialmente na prática
judicial. Não havia propriamente noção de que o acusado tinha o direi-
to a não se autoincriminar por meio de um privilege.
Distinguiam-se duas situações: a de branda e a de grave suspeita.
Se houvesse grave suspeita sobre determinada pessoa, o juiz deveria
inquiri-la, incentivando-a a dizer a verdade. Entretanto, se a suspeitafosse branda, o juiz não deveria pressionar o acusado para responder56.
55 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 119-120.
56 HELMHOLZ, R. H. etal., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 120.
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Em 1760, a explosão da polêmica constitucional nas colônias
americanas provocou alteração nos rumos do direito processual penal.
Até então predominavam o processo denominado accused speaks,
como já salientado, e a jurisdição sumária, porque era reduzido o nú-mero de juizes e advogados.
A polêmica constitucional tinha em vista o reconhecimento de
todos os direitos que, até então, eram dos ingleses. O principal deles
era a liberdade. Nessa ótica, a função do júri foi exaltada.
As Constituições dos Estados, se não possuíam um bill of rights,
protegiam o julgamento pelo júri.
Note-se que a proteção do Treason Act de 1696, que nasceu como
reação à política de abuso da justiça criminal de Charles II e James II,não era estendida às colônias americanas.
O privilege against self-incrimination não foi reconhecido, inicial-
mente, como um direito autônomo, mas como parte das garantias.
Interessante notar que, em um primeiro momento, não foi incluído o
direito de ser representado por advogado, que é mais recente57.
Nesse sentido, a Declaração de Direitos da Virgínia, de 12 de junho
de 1776, que serviu de modelo para as Constituições, consignou que:
“That in ali capital or criminal prosecutions, a man hath a right to demand the cause and nature of his accusation, to be confronted with
the accusers and witnesses, to call for evidence in his favor, and to a
speedy trial by an impartial jury of twelve men of his vicinage, wi-
thout whose unanimous consent he cannot be found guilty; nor be
compelled to give evidence against himself; that no man be deprived
of his liberty, except by the law of the land or the judgment of his
peers”58.
” A Pensilvânia reconhecia o direito ao advogado como parte das garantias do júri
desde 1701.
58 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 134. Tal texto refere expressamente o princípio do devido processo legal e
garantias dele decorrentes. Nas causas criminais, preconizou o direito do acusado de
confrontar-se com o acusador e testemunhas; de produzir provas a seu favor; de ser
julgado por júri imparcial, composto por 12 pessoas; e de não ser compelido a produzir prova contra si mesmo.
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Mas Declarações de Direitos de outros Estados, como Carolina
do Sul, Geórgia, Nova Jersey e Nova Iorque, não adotaram a fórmula
inspirada na Declaração de Virgínia. Não incluíram a dicção invocan-
do o nemo tenetur prodere se ipsum.
Diante disso, como proteção contra as possíveis inovações que
poderiam ser feitas pelo governo federal em matéria de garantias indi-
viduais, sugeriu-se, na convenção de 1788, que o bill of rights federal
incluísse a previsão de que “in ali criminal prosecutions, the accused...
should not be compelled to give evidence against himself”59.
James Madison, no congresso de junho de 1789, apresentou pro-
posta de um artigo contendo uma série de garantias sobre o julgamen-
to pelo júri e de um mais genérico, referente ao processo judicial, masnão limitado ao júri, que acabou sendo adotado, sem modificações, e
que previa expressamente o direito de não ser compelido a testemu-
nhar contra si mesmo:
"No person shall be subject, except in cases of impeachment, to
more than one punishment or trial for the same offence; nor shall be
compelled to be a witness against himself; nor be deprived of life, li-
berty, or property, without due process of law; nor be obliged to relin-
quish his property, where it may be necessary for public use, without
just compensation”60.
Na prática, as alterações foram lentas. Os rudimentos do proces-
so criminal continuaram sendo observados por juizes locais. Os advo-
gados opunham-se a essa prática. Inicialmente, ressaltando a distin-
ção entre o velho direito inglês e o novo direito americano. Depois,
passaram a argumentar a inconstitucionalidade do escopo incrimina-
tório do pretrial. Ressalta-se que, também nos Estados Unidos, foi pelaatuação dos advogados que houve, na prática, renovação do processo
criminal.
59 HELMHOLZ, R. H. etal., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 136
60 HELMHOLZ, R. H. et al., Thepriviíege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 137.
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4.3. Desenvolvimento do “privilege against self-incrimina-tion”, na Inglaterra e nos Estados Unidos, no século XIX
a) Na I nglaterra Na Inglaterra, como anteriormente observado, a partir de 1836,
o acusado passou a ter direito a constituir advogado, que poderia, in-
clusive, dirigir-se ao júri. Além disso, o Jervis’s Act de 1848 exigia que o
acusado fosse alertado quanto ao direito ao silêncio na fase do pretrial.
O magistrado deveria fazer-lhe a advertência de que não estaria obriga-
do a responder nada, mas que suas respostas poderiam ser utilizadas
contra ele próprio. Esse mesmo diploma colocou termo à aplicação do
Marian Committal Statute no pretrial 61 .
Segundo Helmholz62, o direito ao silêncio permaneceu obscuro,
na Inglaterra,'até 1898, porque a desqualiflcationfor interest ainda proi-
bia o acusado de falar sob juramento, mesmo que quisesse, diversa-
mente do que ocorre na feição atual do privilege against self-incrimina-
tion. Depois, com a remoção daquela regra, nos julgamentos crimi-
nais, o privilege against self-incrimination passou a ser aplicado, em sua
inteireza, como direito ao silêncio em todos os contextos.
No século XIX, o pri vilege against self -incr imination tornou-se efeti-
vo, como direito ao silêncio de acusados e testemunhas, a partir de
duas outras regras: o witness privilege e a confession rule. Além delas,
outra regra era utilizada, mas com escopo diferente do privilege: a àes-
qualif icationfor in terest.
A rigor, o privilege against self-incrimination desenvolveu-se com-
pletamente graças à extensão analógica do witness pri vil ege.
A desqualification for interest era aplicada em processos criminais e
civis. Por ela, desqualificava-se a parte, por interesse, para ser testemu-
nha no próprio processo. Impedia a escolha do acusado entre testemu-nhar, sob juramento, ou não. Em outras palavras: estabelecia-se, por
essa regra, que a parte não poderia ser testemunha no próprio proces-
61 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 147.
62 HELMHOLZ, R. H. et al., Thepriviíege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 148.
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so, por seu manifesto interesse. Não poderia ser ouvida sob juramento.
Extraia-se dela que, consequentemente, a parte não poderia ser com-
pelida a fornecer prova contra si mesma. Somente neste último aspec-
to é que a regra se assemelhava ao pri vilege against self -incr imi nation. Dava-se relevo, nessa regra, à limitação do risco de cometer per-
júrio, em razão de a parte ter manifesto interesse. No século XIX não
se associava essa regra ao privilege. Posteriormente, os tratadistas fize-
ram a conexão entre a regra da desqualificação por interesse e a máxi-
ma do nemo tenetur prodere se ipsum 63 .
A confession rule foi estabelecida no início do século XIX. Era re-
gra de exclusão: confissões extorquidas por compulsão não eram ad-
missíveis nos julgamentos. A proteção da regra poderia ser invocada, aqualquer tempo, no interrogatório. Ela se referia, especialmente, à
compulsão empregada contra o acusado no pretrial. E havia o consen-
so de que o juramento, por si, já gerava tal compulsão. A regra geral é
que o acusado não poderia ser examinado sob juramento e, se fosse, o
interrogatório não poderia ser usado como prova contra ele64. Mas
entendia-se que, quando o acusado fornecesse informações espontane-
amente, não deveria incidir a confession rule.
Entretanto, o privilege against self-incrimination firmou-se em ou-
tra regra, o witness privilege, que permitia mais do que o silêncio, ou
seja, à testemunha, que não era parte, era consentido recusar-se a de-
por sobre qualquer questão que pudesse incriminá-la ou expô-la a fu-
tura persecução. No início do século XIX, a regra era aplicada também
para afirmações que poderiam potencialmente submeter a testemu-
nha à ação civil ou a revelações degradantes. O witness privilege prote-
gia não somente a pessoa contra punições, mas igualmente seus inte-
resses patrimoniais65. Não havia testemunho parcial. Se a testemunha
respondesse a algumas perguntas, entendia-se que havia renunciado ao
privilege e deveria responder às demais.
HELMHOLZ, R. H. et al., Thepriviíege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 151.
HELMHOLZ, R. H. et al., Thepriviíege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 156. M HELMHOLZ, R. H. et al., Thepriviíege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 158-159.
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■jMtiiii k̂uitU iiiM ii a»mi i ^i iit t
Referida regra era associada ao nemo tenetur prodere se ipsum, mas
era direito de terceiro, e não das partes na causa, que não testemunha-
vam em função da desqualiffcationfor interest. Por outro lado, a conse-
qüência da violação do witness privilege não era a exclusão do testemu-nho em procedimento subsequente contra ela desencadeado. A ideia
de exclusão surgiu em 1847, com o Garbett case.
Foi o Garbett case que resolveu os problemas de limites entre a
confession rule e o witness privilege. Nele a regra de exclusão foi estendi-
da para as testemunhas.
Para o completo desenvolvimento do privilege against self-incrimi-
nation, havia necessidade de regra que protegesse todas as testemu-
nhas, mas com as características da confession rule, no pretrial, inclusive.Ou seja, um remédio de exclusão se a testemunha fosse compelida; a
exigência de renúncia explícita, que poderia ser recusada por ela.
O witness privil ege adquiriu essa larga feição no Garbett case 66 , que
eqüivale ao completo pri vilege against self -incrimination.
Em acréscimo, quando a regra da desqualification for interest foi
abolida, o privilege against self-incrimination passou a ser aplicado mais
largamente e foi codificado, em 1898.
OCriminal Evidence Act
de 1898 previu que "a person (charged
with an offence) shall not be called as a witness in pursuance of this
Act except upon his own application”67.
“ HELMHOLZ, R. H. etal., The privilege against self-incrimination: its origins anã develop-
ment, cit., p. 175. Destaque-se que Garbett envolvia caso de testemunho, em processo
anterior, como prova contra o depoente, que se tornara acusado. No feito anterior, a pessoa havia respondido a algumas questões e deixado de responder a outras, sob o
argumento do witness privilege. Ocorre que, se a testemunha começasse a responder a
algumas perguntas, deveria fazê-lo com todas as demais. A defesa tentou trazer para o
caso a aplicação da confession rule, dizendo que o juramento havia funcionado como
compulsão. A acusação sustentou a estreita leitura da confession rule. A Corte decidiu
que o testemunho não era admissível como prova contra ela se algumas perguntas não
foram respondidas. Também concluiu que o witness privilege tinha os mesmos atribu-
tos de exclusão da confession rule. Ao que parece, a decisão da Corte aplicou o remédio
da exclusão, em caso de witness privilege, porque foi violado o direito ao silêncio.
67 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-ment, cit., p. 179.
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Conforme salienta Helmholz68, dois fatores entrelaçaram-se no
desenvolvimento do privilege against self-incrimination: o fim da era do
processo do accused speaks e a eliminação de manter o silêncio por des-
qualificação da parte, por interesse. Segundo o referido autor, o efetivodireito ao silêncio dos acusados, em julgamentos criminais, é o cora-
ção do moderno privilege against self-incrimination e seu desenvolvi-
mento data de 1840.
b) Nos Estados Un idos O Garbett case teve repercussão nos Estados Unidos. O leading case
americano, em matéria de regra de exclusão no witness privilege, foi
Horstmanv. Kaufman, na Pensilvânia, em 1881.
Nesse processo, a Corte da Pensilvânia citou Garbett, salientandoque as afirmações das testemunhas, fornecidas sob compulsão, não po-
dem ser acolhidas, do mesmo modo que as confissões que não são li-
vres e voluntárias. Dessa forma, a violação ao witness privil ege foi trata-
da do mesmo modo que a violação à confession rule.
Posteriormente, já no século XX, a Suprema Corte americana de-
lineou, por diversos julgados, sendo o mais conhecido deles Miranda v.
Ar izona, o sentido do pri vilege against self -incr imi nation, estampado na V
Emenda Constitucional: “No person shall be compelled in any crimi-nal case to be a witness against himself”.
O significado atribuído ao privilege, expresso em vários julgados
da Suprema Corte americana,vem sofrendo alterações ao longo do
tempo.
5. O princípio “nemo tenetur se detegere” nos diplo-mas internacionais, na Idade Contemporânea
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, embora tenha referido
a presunção de inocência e estabelecido a não utilização da tortura,
não mencionou expressamente o princípio nemo tenetur se detegere.
68 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-ment, cit., p. 180.
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Outros diplomas internacionais de direitos humanos reconhece-
ram tal princípio. Na Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
aprovada na Conferência de São José da Costa Rica, em 22 de novem-
bro de 1969, foi reconhecido o princípio nemo tenetur se detegere entre as
garantias mínimas a serem observadas em relação a toda pessoa acusa-
da de um delito. No art. 82, § 2-, g, resguarda-se o “direito de não ser
obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado
pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966,
que entrou em vigor em 23 de março de 1976, também se referiu ex-
pressamente ao princípio em foco, estabelecendo que toda pessoa acu-
sada de um crime tem direito a “não ser obrigada a depor contra si
mesma, nem a confessar-se culpada” (art. 14, n. 3, g).
Modernamente, o princípio nemo tenetur se detegere assumiu cará-
ter garantístico no processo penal, resguardando a liberdade moral do
acusado para decidir, conscientemente, se coopera ou não com os ór-
gãos de investigação e com a autoridade judiciária.
Entretanto, como adiante será exposto, registra-se forte tendên-
cia nos ordenamentos a mitigar as garantias advindas do referido prin-
cípio, dando-se prevalência ao interesse do Estado e da sociedade na
persecução penal.
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CAPÍTULO III
O princípio nemo tenetur
se detegere, o conceito deverdade no processo penal e
os poderes instrutórios do
juiz penalAponta-se significativa tendência do espírito humano à busca
da yerdade sobre os fatos1. Entretanto, o conceito de verdade não é
unívoco.
Não se pretende, no presente trabalho, discorrer a respeito das
várias acepções da verdade, mesmo porque tal análise refugiria às pro-
postas desta pesquisa.
O que se objetiva é a análise do conceito de verdade no processo
penal e sua repercussão sobre o reconhecimento do princípio nemo te-
netur se detegere em dado ordenamento jurídico.
O ideal de busca da verdade, refletido no processo penal, e o prin-
cípio nemo tenetur se detegere também se relacionam com os limites dos
poderes instrutórios do juiz. Indaga-se, então, qual a extensão máxima
desses poderes, no Estado de Direito, quando se objetiva a apuração deuma verdade o mais próxima possível da realidade ocorrida.
1 A esse respeito, veja-se SABATINI, Guglielmo. Teoria delle prove nel diritto giudiziario
enale, Catanzaro: Gaetano Filipo, 1915, v. 2, p. 17.
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1. Verdade, certeza e convencimento
A verdade humana sobre um fato é sempre relativa, porque é re-
sultado das percepções, que são limitadas e falíveis2.
A verdade absoluta, coincidente com os fatos ocorridos, é um
ideal, porém inatingível. A verdade, que pode ser alcançada, não trans-
cendente, vinculada à realidade das coisas, é a verdade relativa.
No processo, há estreita relação entre os conceitos de verdade,
certeza e convencimento.
Sabatini3, em clássica obra sobre a teoria das provas, destaca que,
ontologicamente, a verdade é única. A certeza, segundo esse autor, é a apreensão e consciência da ver-
dade4. É um estado de ânimo, que se apresenta quando se forma o
convencimento de se ter atingido a verdade. Desse modo, o convenci-mento relaci©na-se à dinâmica psicológica, resolvendo-se em função
do intelecto, enquanto a certeza, representação interna da verdade,
reporta-se à estática psicológica, em estado de consciência. Assim, a
certeza poderá existir sem que o indivíduo consiga declinar os motivos
determinantes de seu convencimento5.
A certeza e o convencimento surgem como dois aspectos da mes-
ma coisa: a convicção de que foi atingida a verdade 6.
2 Sobre o assunto, MANZINI, Vincenzo. Trattato Ai diritto processuale penale italiano se-
conâo il nuovo coâice, Torino: UTET, 1932, v. 3, p. 164. TUCCI, Rogério Lauria. Do corpo
de delito no direito processual penal brasileiro, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 91, também
aduz que "a verdade, de modo absoluto, objetivamente considerada, não pertence ao
homem, mas, tão só, a Deus”. A propósito, GIL, Fernando. Provas, Lisboa: Imprensa
Nacional, 1979, p. 69, afirma que a verdade não significa completa correspondênc ia a
algo. Sempre será possível maior proximidade dela.
‟ SABATINI, Guglielmo, Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale, cit., v. 2, p. 17.
4 SABATINI, Guglielmo, Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale, cit., v. 2, p. 19.
MANZINI, Vincenzo, Trattato di diritto processuale penale italiano secondo il nuovo codice,
cit., v. 3, p. 164, define a certeza como conhecimento que afasta qualquer dúvida acer-
ca da conformidade das ideias com os fatos que são considerados.5 BRICHETTI, Giovanni. Uevidenza nel diritto processuale penale. Napoli: Jovene, 1950,
p. 9, destaca sobre o conceito de certeza que não advém ele apenas de uma impressão
do julgador, mas de atividade de síntese dos vários dados probatórios colhidos.6 SABATINI, Guglielmo, Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale, cit., v. 2, p. 22.
FOSCHINI, Gaetano, Sistema dei diritto processuale penale, Milano: Giufírè, 1956, v. 1, p.
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A verdade objetiva, que se encontra fora do observador e só pode
ser atingida por via indireta, com base na cognição, não possui diferen-
tes graus. O mesmo ocorre com a certeza. Ambas existem ou inexis-
tem. Já o convencimento, que está associado aos motivos determinan-
tes, admite diferentes graus7
. Os conceitos de certeza e de convencimento ganham relevo por-
que preponderam no processo sobre o conceito de verdade. Aliás, Car-
mignani8, a esse respeito, observa que, no processo, a certeza mudou
de nome e adotou o de verdade9.
Tal preponderância decorre não somente da constatação de que
a verdade absoluta é inatingível, mas ainda por questões de ordem prá-
tica. Uma delás é que o processo deve ter termo, não podendo prolon-
gar-se indefinidamente, a pretexto de ser alcançada a verdade absoluta. A certeza, tanto quanto a verdade, não é absoluta, dentro ou fora
do processo. Expressa-se também como alto grau de probabilidade®? A
certeza completa e plena é, igualmente à verdade, inatingível.
Observe-se que o convencimento proporciona a tranqüilidade de
que a verdade, possível de ser alcançada, foi atingida.
Em síntese, o conceito de verdade relativa ocupa papel de desta-
que, porque é a verdade que pode ser alcançada, o mais próximo da
realidade quanto possível. A certeza e o convencimento apresentam-
357, assinala que o convencimento se apresenta quando a probabilidade de umaJjipó;
tese prevalece sobre outra, como se a primeira fosse a unicamente verdadeira.
7 SABATINI, Guglielmo, Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale, cit., v. 2, p. 34-35.
“ CARM1GNANI, Giovanni. Teoria delle leggi delia sicurezza sociale. Pisa: Fratelli Nistri,
1832, t. 3, p. 60.9
A esse respeito, BRICHETTI, Giovanni. Uevidenza nel diritto processuale penale, cit., p.15, utiliza a expressão “certeza” em lugar de verdade. Salienta o referido autor que a
certeza absoluta não é acessível, mas a certeza moral é probabilística, representando
uma certeza plena, dentro das limitações da natureza humana. VIANA, Lourival Vile-
la, A liberdade de prova em matéria penal, Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1955, p. 43,
equipara a verdade relativa à çertezainpral.10 CARNELUTTI, Francesco. Lezioni sul processo penale, Roma: Ateneo, 1946, v. 1, p.
238, afirma que, no processo, o alto grau de probabilidade é tomado como certeza.
Também FOSCHINI, Gaetano, Sistema dei diritto processuale penale, cit., v. 1, p. 355,
aduz que a certeza não é absoluta, mas prática e relativa, calcada em juízo de probabi-
lidade.
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-m -;i- «.iia.fcasiaiailiMAitti tiiiiiid mem
-se, então, como consciência e estado de ânimo de que foi atingida a
verdade no mais alto grau de probabilidade.
1. Conceitos de verdade operacionalizados no direito1.1. A dicotomia verdade formal-verdade material
Costuma-se associar o conceito de verdade formal ao processo
civil e ao princípio dispositivo, segundo o qual o juiz depende da inicia-
tiva das partes quanto às provas que serão produzidas na instrução
processual. Isso significa que, no processo civil, seria suficiente a apu-
ração da verdade formal, entendida como verdade resultante das pro-
vas trazidas aos autos11
. Já o conceito de verdade material é relacionado ao processo penal
e ao princípio da livre investigação das provas. Considera-se, dessa for-
ma, que, no processo penal, o juiz não fica adstrito à iniciativa das
partes na produção probatória, porque deve buscar a verdade real, ou
seja, a verdade material12.
Além dessas considerações, a doutrina indica outras distinções
entre os conceitos de verdade material e formal.
11 Nesse sentido, CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel
e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 64-65.
12 A doutrina sempre pregou a vinculação do processo penal ao conceito de verdade
material. Nesse sentido, MITTERMAIER, C. J. A. Tratado de laprueba en matéria crimi-
nal, 8. ed., Madrid: Reus, 1929, p. 173, salienta que, no processo penal, no qual se obje-tiva a verdade material, absoluta, o juiz deverá investigar todos os fatos e circunstân-
cias. CARMIGNANI, Giovanni, Teoria delle leggi delia sicurezza sociale, cit., t. 3, p. 243, e
FLORIAN, Eugênio. Delle prove penali, Milano: Vallardi, 1924, t. 1, p. 1-2, também res-
saltam que, no processo penal, busca-se a verdade absoluta. Na doutrina nacional, re-
cordem-se as lições de ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais
do processo penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 106, quando salienta que o
processo penal visa à revelação da verdade real, e TUCCI, Rogério Lauria. Princípio e
regras orientadoras do novo processo penal brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 142,
que salienta ser a “perquirição da verdade material, induvidosamente o dado mais relevante
do fundamento do processo penal”, sustentando a importância da verdade material paraaferir tanto a culpa quanto a inocência do acusado.
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Para Ferrajoli13, o conceito de verdade material está relacionado
ao modelo substancial de direito penal. Corresponde à verdade absolu-
ta, sem limites legais, verificável por qualquer meio, sem atentar para
a rigidez das regras processuais. Observa o referido autor que a buscada verdade material pode dar lugar a arbitrariedades. De outra parte, a
verdade formal14 vincula-se ao modelo formalístico, apurada com res-
peito às regras processuais e às garantias da defesa. Nas palavras do
autor, é uma verdade "mais controlada” quanto ao método de aquisi-
ção da prova, mais reduzida porém com relação ao conteúdo, compa-
rativamente com a verdade material.
Michele Taruffo15 também ressalta a diferença entre verdade for-
mal e material. Destaca o referido autor que a verdade formal é a ver-
dade processual ou judicial, estabelecida por meio de provas e procedi-
mentos probatórios, enquanto a verdade material, denominada verda-
de histórica, empírica, é aquela relacionada ao mundo dos fenômenos
reais, alcançada, por vezes, por meios diversos de provas.
Interessante observação faz o autor quando refere que a verdade
formal é tida como tipicamente do processo. Já a absoluta seria algo
encontrado fora do processo16, exterior a ele.
Ainda acerca da distinção entre verdade formal e material, Iaco-
viello17 aduz que, na primeira, seleciona-se o conhecimento do juizsegundo regras e limites: os meios valem mais do que os fins; na se-
gunda, os fíns justificam os meios, tendendo-se a englobar no conheci-
mento do julgador todas as informações disponíveis.
Depreende-se de tais posicionamentos doutrinários que neles
não se indica distinção ontológica quanto aos conceitos de verdade
material e formal. As diferenças apontadas situam-se no plano da in-
13 FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragione. Teoria dei garantismo penale. 4. ed. Roma: Later-
za, 1997, p. 17.
14 Note-se que FERRAJOLI, Luigi, Diritto e ragione, cit., p. 18, equipara a verdade for-
mal à verdade processual.15 TARUFFO, Michele, La prova deifatti giuridici, Milano: Giuffrè, 1992, p. 4-5.
TARUFFO, Michele, La prova dei fatti giuridici, cit., p. 4.
17IACOVIELLO, Francesco Mauro. Prova e accertamento dei fatto nel processo pena-
le riformato dalla Corte costituzionale. Cassazione Penale, v. 1073, p. 2028-2034, 1992,esp. p. 2029.
55
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vestigação: a verdade material relacionada à investigação dos fatos sem
limites legais, por quaisquer meios disponíveis, abrangendo todas as
informações que venham ao conhecimento do juiz, independente-
mente de sua forma de obtenção. Por seu turno, a verdade formal é
definida como verdade mais contida quanto aos meios de investigaçãodos fatos, regrada, obtida dentro dos parâmetros legais.
Nesse contexto, a verdade material, por ser investigada de forma
mais abrangente, embora até mesmo fora dos limites legais, tenderia a
aproximar-se mais da realidade efetivamente ocorrida; enquanto a ver-
dade formal seria representada por uma verdade contida, mais restrita
e mais distante da realidade fenomênica, embora produzida dentro dos
parâmetros legais.
1.2. O conceito de verdade processual
Em face dos conceitos de verdade retromencionados, bastante
usuais no processo, indaga-se: e a verdade processual? Seria ela algo
distinto dos conceitos referidos? Trata-se de um terceiro conceito de
verdade operacionalizado no processo?
A esse respeito, Taruffo18 considera, com acerto, que é absurdo ad-
mitir a ideia de uma verdade processual completamente diferente e autô-
noma da verdade material somente porque foi ela apurada com obediên-
cia às regras processuais, mesmo considerando que tais regras limitam a
apuração da verdade. Também a verdade material ingressa no processo19.
Não há, desse modo, um conceito autônomo de verdade processual.
Note-se, porém, que tais considerações por parte do referido au-
tor significam que a verdade processual não é algo absolutamente dis-
tinto do que ocorreu na realidade fenomênica. É nesse sentido que ele
afirma que a verdade material ingressa no processo também, o que
parece acertado. Efetivamente, a verdade processual não é um produ-
to distinto do que se verificou na realidade fática. Não é absolutamente
TARUFFO, Michele, La prova deifatti giuridici, cit., p. 4.
19 Segundo observa TARUFFO, Michele, La prova dei fatti giuridici, cit., p. 5, o problema
de definir o que é a verdade material não é diferente das indagações pertinentes ao
conceito de verdade em geral filosoficamente considerado.
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coincidente com ela, porque é impossível, mas não pode ser absoluta-
mente diversa.
A verdade, obtida no processo, é sempre probabilística, objeti-
vando aproximar-se, no maior grau possível, da realidade ocorrida. A
doutrina é farta nesse sentido.
A respeito, Ferrajoli20 afirma que a verdade processual é uma ver-
dade aproximativa, no que tange aos fatos, porque não é passível de
verificação e experimentos, como ocorre cientificamente. Apresenta
ela caráter probabilístico. Nessa ótica, a verdade material é um limite
ideal, mas inatingível. Iacoviello21 também defende que a verdade processual é condicio-
nada às regras e l im ites legais, cui dando-se de verdade probabilística.
Não destoa desse entendimento Ubertis22
, que destaca que o úni-co grau de verdade possível nas coisas humanas é a verdade provável.
Na doutrina nacional23, igualmente proclama-se que a verdade
absoluta não é atingível, sendo a verdade processual aproximativa e
probabilística.
20 Para chegar a tal conclusão, o referido autor cita o conceito de aproximação da ver-
dade objetiva, formulada por Popper, entendendo que ela é um modelo do qual é
possível se aproximar. Nesse sentido, a teoria mais plausível, mais aproximada da ver -
dade objetiva, seria aquela que possui “maior poder de explicação" da realidade (FER-
RAJOLI, Luigi, Diritto e ragione, cit., p. 24).
21 IACOVIELLO, Francesco Mauro, Prova e accertamento dei fatto nel processo pena-
le riformato dalla Corte costituzionale, cit., p. 2029.22 UBERTIS, Giulio. La ricerca delia verità giudiziale. In: La conoscenza dei fatto nel pro-
cesso penale. Milano: Giuffrè, 1992, p. 1-38, esp. p. 5.23 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do juiz no proces-
so penal acusatório, Doutrina, Instituto de Direito, v. 7, p. 188-199, 1999, esp. p. 192, pre-leciona que a verdade e a certeza são conceitos absolutos, dificilmente atingíveis;
TUCCI, Rogério Lauria, Principio e regras orientadoras do novo processo penal brasileiro,
cit., p. 144, esclarece que a verdade processual deve ser a mais próxima da realidade;
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz, 2. ed., São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 1994, p. 65-71, esp. p. 13 e 14, salienta que a verdade processual é
probabilística; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instrumentalidade do processo, 9. ed.,
São Paulo: Malheiros, 2001, p. 238-239, observa que, no processo, o juiz deve conten-
tar-se com a probabilidade, mas isso não significa que deva renunciar à busca da verda-
de; PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. O juiz penal e a pesquisa da verdade mate-
rial, in: Processo penal e Constituição Federal, São Paulo: Apamagis, 1993, p. 72-77, esp. p.
74, destaca que a verdade processual não é plena.
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Contudo, deve-se considerar que a referência à probabilidade,
com relação à verdade processual, não deve ser confundida com a ve-
rossimilhança.
Já destacava Sabatini24 que o conceito de verossimilhança foi em-
pregado equivocadamente como grau de probabilidade na obra de
Malatesta25.
Taruffo26 sustenta, a propósito, que a ideia de verossimilhança foi
confundida com a de probabilidade. Ressalta ainda que também se de-
finiu a verossimilhança como aparência da verdade. Defende que os
três conceitos são distintos, asseverando que uma asserção verossímil
pode não ser provável nem verdadeira.
Para o mencionado autor27
, a verossimilhança diz respeito àplausibilidade de uma afirmação, segundo a ordem normal das coisas,
prescindindo de elementos de prova. Por isso mesmo, o conceito de
verossimilhança é muito restrito no processo, reportando-se a mo-
mento anterior à colheita das provas28. Por sua vez, a probabilidade
parece ser conceito mais adequado, na medida em que se refere à exis-
tência de elementos que justificam a credibilidade na verdade de uma
afirmação.
Na doutrina nacional, Antonio Magalhães Gomes Filho salientaque a verossimilhança é apontada como sucedâneo do conceito de ver-
dade processual, mas entende que não pode o referido conceito ser
utilizado no processo penal, porque seria "inimaginável a justificação
SABATINI, Guglielmo, Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale, cit., v. 2, p. 30. 25 MALATESTA, Nicola Framarino de. Logica delle prove in criminale, Torino: UTET,
1895, v. 1, p. 55, define a verossimilhança como alto grau de probabilidade. No mesmo
sentido, BRICHETTI, Giovanni, Uevidenza nel diritto processuale penale, cit., p. 15.26 TARUFFO, Michele. Laprova dei fatti giuridici, cit., p. 162. Conforme o referido autor, a
associação entre verossimilhança e verdade encontra-se na obra de Calamandrei (Verità
e verosimiglianza nel processo civile, in: Operegiuridiche, Napoli, 1972, v. 5, p. 615 e s.).
TARUFFO, Michele, La prova dei fatti giuridici, cit., p. 164.
28 A esse respeito, UBERTIS, Giulio, La ricerca delia verità giudiziale, cit., p. 17, obser-
va que a verossimilhança, a pertinência e a relevância probatória exercem seus efeitos
anteriormente à instauração do procedimento probatório.
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de uma decisão penal resultante de um convencimento superficial,
fundado na simples aparência de verdade”29.
Nesse mesmo sentido, parece tormentosa a questão de se admitir
que a verdade processual não seja a verdade absoluta, mas uma verda-de relativa no processo penal, não correspondente exatamente aos fa-
tos ocorridos.
Manzini30 já observava que as limitações da verdade processual,
apurada de acordo com os meios de que se dispõem, não impedem
que seja ela considerada, porque o processo tem escopo essencialmen-
te prático e social e não metafísico.
Ferrajoli31, a esse respeito, sustenta que o reconhecimento de cer-
to grau de incerteza, na verdade processual, poderia conduzir à parali-sação da justiça. Contudo, observa o mesmo autor que esse reconheci-
mento é pressuposto necessário para dar lugar a critérios mais racionais
de apuração e de controle na busca da verdade. Em se tratando de ver-
dade processual, havendo dúvida, prevalece a presunção de inocência.
Além disso, a verdade processual é apurada mediante regras, que
não são apenas garantistas, mas que procuram favorecer a aproxima-
ção da verdade objetiva.
Aceitar a limitação da verdade processual, como verdade aproxi-mativa, probabilística, não significa aceitar a dúvida no processo penal
como sucedâneo da verdade. Se a verdade processual não conduzir ao
convencimento quanto à culpabilidade, prevalece o in dubio pro reo.
Depois, dentro e fora do processo, a verdade é sempre relativa,
limitada, pela natureza das coisas. A não aceitação da verdade proces-
sual como verdade limitada conduziria, realmente, como salientado
por Ferrajoli, à paralisação da justiça. E, inexoravelmente, à inviabiliza-
ção de toda a persecução penal.
29 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997, p. 47. O mencionado autor também cita a confusão esta-
belecida entre os conceitos de verossimilhança e probabilidade.
30 MANZINI, Vincenzo, Trattato di diritto processuale penale italiano secondo il nuovo codi-
ce, cit., v. 3, p. 164. FERRAJOLI, Luigi, Diritto e ragione, cit., p. 36-37.
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Embora se reconheça que a verdade absoluta ou material, corres-
pondente à coincidência com os fatos ocorridos, é hipotética, até por-
que jamais se teria a certeza de que os fatos ocorreram de determinada
forma, não se deve assumir posição tão cética que exclua toda e qual-
quer possibilidade de aproximação dela.
Enfim, a verdade, apurada no processo, é regrada, dentro dos li-
mites da legalidade e da ética, mas dotada do mais alto grau de proba-
bilidade, o mais próxima da realidade quanto possível. E essa proximi-
dade com a realidade deve ser não só estimulada pelo juiz, mas objeti-
vada por ele. A esse respeito, José Roberto dos Santos Bedaque32 desta-
ca que o juiz deve diligenciar para atingir o grau de probabilidade mais
alto possível quanto à verdade.
Nessa ótica, o conceito de verdade material no processo penaldeixa de ser cojisiderado sob o prisma de correspondência com a reali-
dade, para apresentar duplo sentido: significa que a investigação dos
fatos não deve ser influenciada, nem dificultada pelo comportamento
das partes; e que a sua apuração deve verificar-se de modo processual-
mente válido e não a qualquer custo33.
Ubertis34, a esse respeito, ressalta que a verdade não pode surgir,
no processo penal, como meta absoluta, à qual tudo seja subordinado,
mas deve ser o resultado das forças individuais e coletivas que intera-gem no desenvolvimento do processo.
Em suma, a verdade material, entendida como correspondente
aos fatos ocorridos, é hipotética. Por isso, no processo, o conceito de
verdade material assume outro sentido, como assinalado. Deve o juiz,
BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, cit., p. 14.
33 Nesse sentido, PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes, O juiz penal e a pesquisa da verda-
de material, cit., p. 75. Também GRINOVER, Ada Pellegrini, A iniciativa instrutória do
juiz no processo penal acusatório, cit., p. 195. FENECH, Miguel. Derecho procesal penal,
Barcelona: Labor, 1952, v. 1, p. 114, destaca a esse respeito que é ínsito ao conceito de
verdade material a vedação às partes de dificultar, de qualquer modo, a sua perquirição.
NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal, 2.
ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 65, afirma que a busca da verdade real
implica "provocar no espírito do juiz um sentimento de busca, de inconformidade com
o que lhe é apresentado pelas partes, enfim, um impulso contrário à passividade”.
UBERTIS, Giulio, La ricerca delia verità giudiziale, cit., p. 38.
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no processo, buscar a verdade processual, com maior grau de probabi-
lidade que possa ser atingido, independentemente do interesse das par-
tes, ciente de que ela é mesmo aproximativa.
Dessa forma, não deverá a busca da verdade material ser utilizada
como justificativa para a prática de arbitrariedades e violações de direi-
tos, como verdade obtida a qualquer preço. A verdade, no processo,
deverá ser apurada mediante o atendimento dos princípios, regras e
garantias processuais. Ou seja, dentro dos limites da legalidade e da
ética.
2. Os poderçs instrutórios do juiz penal
Extrai-se das considerações anteriores que a pesquisa da verdade,
no processo, relaciona-se estreitamente com os limites dos poderes ins-
trutórios do juiz.
A esse respeito, como já salientado, registra-se a tendência dou-
trinária à associação do princípio dispositivo, pelo qual a iniciativa pro-
batória fica reservada exclusivamente às partes, ao processo civil. Por
outro lado, relaciona-se o princípio da livre investigação das provas,
que admite os poderes instrutórios do juiz, ao processo penal35
. A conseqüência do referido entendimento é que, no processo ci-
vil, o juiz poderia satisfazer-se com a "verdade formal”, enquanto no
processo penal deveria buscar sempre a "verdade material”.
Contudo, modernamente, predomina a visão publicística do pro-
cesso, o qual não é instrumento destinado a servir ao interesse indivi-
dual das partes, mas objetiva a pacificação social36.
Nessa ótica, não se justifica sustentar que, no processo civil, so-
mente se admite o princípio dispositivo e que é suficiente a apuração da
35 Nesse sentido, CINTRA, Antonio Carlos de Araú jo, DINAMARCO, Cândido Rangel
e GRINOVER, Ada Pellegrini, Teoria geral do processo, cit., p. 64.
36 A esse respeito, CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Ran-
gel e GRINOVER, Ada Pellegrini, Teoria geral do processo, cit., p. 64-65; GRINOVER,
Ada Pellegrini, A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, cit., p. 194-195;e BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, cit., p. 65-71.
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"verdade formal” no sentido de verdade trazida à tona pelas partes .
Seja no processo penal, seja naquele não penal, o juiz deverá em-
penhar-se, ao máximo, para apurar a verdade, que é processual, bus-
cando aproximar-se, tanto quanto possível, da realidade38.
Assim, observa a doutrina processual39, com propriedade, que o juiz não pode manter-se inerte diante de produção probatória insatis-
fatória, pelas partes, porque o processo não é penal.
A esse respeito, José Roberto dos Santos Bedaque40 defende que o
juiz é quem tem mais condições de decidir sobre a necessidade de pro-
duzir certa prova, pois ele está incumbido de julgar.
Desse modo, sustenta esse autor, com acerto, que não há relação
entre a disponibilidade do direito e os poderes instrutórios do juiz. Ver-
sando a causa sobre direitos disponíveis ou indisponíveis, não se pode-rá negar ao juiz 'poderes instrutórios para complementar a atividade
das partes sempre que entender necessário para a formação de seu
convencimento. Tal postura não atinge a imparcialidade do julgador,
na medida em que, ao determinar a produção de determinada prova,
que entenda necessária, o juiz não conhece o seu resultado. Funda-
mentais para a garantia da imparcialidade são a submissão de todas as
provas ao contraditório e a motivação das decisões judiciais41.
Entretanto, para o estudo ora desenvolvido interessa a questãodos limites dos poderes instrutórios do juiz.
37 Nesse sentido MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicita-
mente obtidas, RF, Rio de Janeiro, v. 337, p. 125-134, jan./mar. 1997, p. 131, afirma que
a verdade, seja no processo civil seja no processo penal, é uma e interessa a qualquer
processo, mas com limitações que são determinadas por outros valores.
38 Nesse sentido, BETTIOL, Giuseppe. Istituzioni di diritto e procedura penale, Padova:
CEDAM, 1966, p. 200.39 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, cit., p. 65-71, e GRI-
NOVER, Ada Pellegrini, A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, cit., p.
194-195.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, cit., p. 13.
41 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, cit., p. 80, e GRINO-
VER, Ada Pellegrini, A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, cit., p.
192-193.
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A esse respeito, como já se observou, a verdade processual deve
ser apurada dentro dos parâmetros legais. Não se trata de uma verdade
obtida a qualquer preço42. Por conseqüência, os poderes instrutórios
do juiz não são ilimitados. O juiz não é um inquisidor, nem a finalidade
maior do processo é a apuração da verdade. Ada Pellegrini Grinover43 indica, nesse sentido, três parâmetros
para os poderes instrutórios do juiz: a observância do contraditório,
a obrigatoriedade da motivação e a exclusão das provas ilícitas e ile-
gítimas44.
O contraditório é apontado como modo mais eficiente de preser-
var a imparcialidade do juiz: devem todas as provas produzidas, pelas
partes ou por determinação do juiz, ser submetidas ao contraditório.
Depois, a motivação das decisões, igualmente, representa impor-tante limitação aos poderes instrutórios do juiz, porque, ao determinar
a produção de certa prova, deve o magistrado, obrigatoriamente, fun-
damentar sua decisão, o mesmo ocorrendo no momento da valoração.
Por fim, merece destaque o terceiro parâmetro indicado, ressal-
tando a referida autora que "Não são provas as colhidas com infringên-
da a normas ou valores constitucionais, nem pode o juiz determinar a
produção de provas que vulnerem regras processuais”.
Assim sendo, as provas ilícitas e ilegítimas não poderão ser deter-minadas pelo juiz45. Aliás, seria verdadeiro contrassenso admitir que o
42 Nesse sentido, PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes, O juiz penal e a pesquisa da ver-
dade material, cit., p. 75.
43 GRINOVER, Ada Pellegrini, A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório,
cit., p. 193. 44 Sobre a distinção entre provas ilícitas e ilegítimas, GRINOVER, Ada Pellegrini, Liber-
dades públicas e processo penal, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 96-99,
servindo-se das definições de Nuvolone, preleciona que, na prova ilícita, a proibição da
prova é de natureza material, enquanto a prova ilegítima decorre de proibição de na-
tureza processual. Aduz que, havendo violação de normas legais ou de princípios ge-
rais do ordenamento, de natureza processual ou material, a prova será ilegal.45 Sobre as provas ilícitas, registre-se a posição diferenciada sustentada por BEDAQUE,
José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, cit., p. 102 e s. Mencionado autor
não aceita a desconsideração das provas ilícitas. Se dotadas de confiabilidade, deverão
ser valoradas pelo juiz. Mas o autor da violação ao ordenamento jurídico praticada
deverá ser punido. Mais do que a valoração da prova ilícita, o autor chega a admitir que
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juiz, incumbido de zelar pela legalidade, lisura e ética no processo,
viesse a determinar a produção de provas ilícitas e ilegítimas.
3.
A relação entre o princípio “nemo tenetur se dete-gere”, o conceito de verdade no processo penal e ospoderes instrutórios do juiz penal
Um dos principais óbices ao reconhecimento do princípio nemo
tenetur se detegere é o mito da verdade material46, vinculado às ideias de
liberdade absoluta do juiz, sem limitação de seus poderes na produção
das provas.
A concepção de que o processo penal tem por finalidade principal a
apuração da verdade material, normalmente presente nos regimes auto-
ritários, pode ensejar arbitrariedades, como bem destaca Ferrajoli. Nessa
ótica, a busca da verdade justificaria, inclusive, a violação a direitos47. Pre-
dominaria sobre todos os outros valores envolvidos no processo.
Sob esse prisma, afirma-se a prevalência da busca da verdade real,
conjugada com o interesse público na persecução penal, sobre o direi-
to individual de não se autoincriminar. Há uma aparente contraposi-
ção entre os dois interesses apontados: o público e o individual.
No processo penal há forte tendência, que remonta aos tempos
historicamente, a se obter a “verdade” com a cooperação do acusado,
por suas palavras ou mediante a produção de provas que implicam a
sua colaboração.
Tal entendimento funda-se não só na busca da verdade real, mas
também constitui resquício da concepção de que o acusado é objeto da
prova no processo penal.
o juiz possa determinar a produção de prova ilícita, em situação excepcional, quando
seja imprescindível para a concretização do escopo do processo.
46 BAPTISTA, Francisco Neves. O mito da verdade real na dogmática do processo penal, Rio
de Janeiro: Renovar, 2001, p. 7, afirma que a determinação da verdade é uma preocu-
pação central em quase todos os sistemas criminais e que seria pela descoberta da
verdade que se chegaria à efetiva distinção entre criminosos e não criminosos.47
FENECH, Miguel. El proceso penal, Barcelona: Bosch, 1956, p. 95, observa que a bus-ca da verdade real justifica que as restrições à prova sejam as menores possíveis.
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Não se pode negar, em acréscimo, a vinculação dessa tendência à
ideia preconcebida de culpabilidade do acusado, considerando-se que
ele é que mais sabe sobre os fatos48.
A esse respeito, José Alberto Romeiro49 preleciona, na obra Consi-
derações sobre o concei to do interr ogatório do acusado, que “a ância huma-na pela verdade, que, em seu holocausto, tantas vidas vem, de há mui-
to, consumindo, tem, na justiça penal, impelido legisladores e juristas
à pretensão de ouvi-la da boca do próprio indiciado. Exorcismos, jura-
mentos, torturas físicas e morais, violências químicas e psicológicas de
toda espécie constam da história do direito judiciário penal, como ar-
riscadas tentativas para assegurar ao juiz o exame do que vai pela cons-
ciência de um acusàdo, através do seu interrogatório. É a sôfrega busca
da fórmula mágica do ouro da verdade judicial”. Várias são as citações doutrinárias que ilustram como a recusa do
acusado em cooperar na apuração dos fatos, historicamente, foi consi-
derada sinônimo de desobediência e desrespeito à justiça.
Nesse sentido, Beccaria50 sustentava que o silêncio do acusado é
ofensa à justiça. Carmignani51 ensinava que o silêncio desrespeita a auto-
ridade que preside o ato. Bentham52, no século XIX, opondo-se ao privilege
against self -ihcr imination, argumentava que ele exercia um efeito inevitável
sobre a descoberta da verdade pelos tribunais, porque excluía a mais fide-digna prova da verdade, que era obtida somente a partir da pessoa acusa-
da. Consoante o entendimento do referido autor, o reconhecimento do
privilege conduziria a uma apuração dos fatos mais superficial.
48 A respeito, GIACCA, Mariuccia. L‟esame deli imputato nell‟esperienza comparatis -
tica: spunti problematici, Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 165-182,
1996, esp. p. 165, sustenta que a contribuição oral do acusado é fundamental para areconstrução do fato, porque é ele que conhece a verdade.
49 ROMEIRO, Jorge Alberto. Considerações sobre o conceito do interrogatório do acusado.
Rio de Janeiro: Alba, 1942, p. 9.
BECCARIA, Cesare. Dei delitti e delle pene. Roma: Garzanti Libri, 2000, p. 87.
51 CARMIGNANI, Giovanni, Teoria delle leggi delia sicurezza sociali, cit., t. 3, p. 137. A
respeito, GREVI, Vittorio. Nemo tenetur se detegere, Milano: Giuffrè, 1972, p. 63, recorda
que a objeção que se fazia quanto à tutela do direito ao silêncio no direito italiano era
o abalo à autoridade do juiz.52
HELMHOLZ, R. H. et al., Thepriviíege against self-incrimination: its origins and develo-ment, Chicago: Universidade de Chicago, 1997, p. 3.
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De observar, sobre a matéria, que mesmo no desenvolvimento
do privilege, no direito inglês, a resistência à constituição de advogado,
no processo penal, estava associada à ideia de que era mais fácil apurar
a verdade se o acusado falasse, isto é, respondesse ao interrogatório,defendendo-se de cada uma das imputações pormenorizadamente, e
fizesse, pessoalmente, a própria defesa. Com a atuação do advogado,
consoante esse raciocínio, ficaria mais difícil apurar a verdade.
Ao longo do tempo, especialmente após o Iluminismo, com a
humanização do direito penal e o reconhecimento de direitos e garan-
tias processuais do acusado, passou-se a rechaçar certos métodos de
interrogatório com o emprego de tortura e narcoanálise, entre outros.
Contudo, a Escola Positiva, que manifestava exacerbada preocu-
pação com a defesa social, em contraposição aos princípios da Escola
Clássica, vinculàda aos ideais iluministas, voltou a pregar a busca inces-
sante da verdade53. O modelo inquisitório foi adotado com relação às
provas. Para tanto, romperam-se novamente os limites quanto ao ob-
jeto da investigação e os meios utilizados para apuração da verdade54.
Pouco a pouco, sem que se tenha alcançado completa uniformi-
dade, foi sendo reconhecido o direito do acusado de silenciar no inter-
rogatório. Essa é a faceta mais aceita do princípio nemo tenetur se detege-
re, ao menos teoricamente.
Porém, o direito ao silêncio não representa a única decorrência
do princípio nemo tenetur se detegere no processo penal. Este tem lugar
ainda com referência às provas que dependem da cooperação do acu-
sado para a sua produção.
Entretanto, com relação às provas que dependem da colaboração
do acusado, modernamente argumenta-se contra o princípio nemo te-
netur se detegere, que, fosse ele aplicado em toda a sua extensão, levaria
à completa inviabilização da apuração da verdade material.
Por isso é de extrema importância reafirmar o entendimento de
que, no processo penal, tanto quanto no processo civil, a verdade apu-
53 Eugênio Florian foi um dos expoentes desse posicionamento, pregando a finalidade
do processo penal de busca da verdade real (Delle prove penali, cit., t. 1, p. 1-2).
54 Nesse sentido, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, Direito à prova no processo penal,
cit., p. 33-35.
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ELCHIONDA, Achille. Imputato e indiziato. In: Enciclopédiagiuriâica. oma: Trec-ani, 1989, v. 16, p. 1-10, esp. p. 5.
rada é processual. Trata-se de verdade aproximativa, na medida em
que a verdade, coincidente com a realidade, é hipotética.
De destacar, a esse respeito, que nem mesmo o grau de certeza
proporcionado por certas provas, fruto do desenvolvimento tecnológi-co, cujo exemplo mais representativo são os exames de DNA, poderá
justificar o sacrifício de direitos do acusado em prol da busca da verdade.
Não se pode, no Estado de Direito, admitir que a verdade proces-
sual seja alcançada mediante violações de direitos e de garantias do
acusado. Deve ela ser apurada de forma legal e ética.
O valor “verdade”, no processo, não se sobrepõe aos outros valo-
res que estão envolvidos nem à função social do processo, que é a pa-
cificação social.
Deve-se ter em conta, nessa ordem de ideias, sem nenhum pre-
conceito quanto à culpabilidade, que o status de acusado é transitório
e que somente no final do processo, com o trânsito em julgado da de-
cisão proferida, é que se saberá se há coincidência ou divergência entre
o acusado e o responsável pela prática da infração penal”.
Desse modo, a priori, nenhuma incompatibilidade há entre o re-
conhecimento do princípio nemo tenetur se detegere e a busca da verdade
no processo penal. Aliás, contrariamente, a ideia de apuração da verda-
de processual, dentro dos parâmetros da legalidade e da ética, em tudo
se concilia com o princípio nemo tenetur se detegere, que representa, so-
bretudo, o respeito à dignidade humana no processo penal.
Insere-se nesse quadro a questão atinente aos limites dos poderes
instrutórios do juiz penal. Na busca da verdade, como anteriormente
salientado, não poderá o juiz determinar a produção de provas que
impliquem a violação de direitos do acusado. Esse entendimento é pa-
cífico. Varia, contudo, nos diversos ordenamentos jurídicos, o que se
define por violação de direitos do acusado.
Assim, v. g., no direito processual penal alemão, a extração coer-
citiva de sangue do acusado e outras ingerências corporais, sem o seu
consentimento, não são consideradas práticas atentatórias a direitos
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onforme § 81a do StPo.
fundamentais, desde que obedecidas as restrições impostas: realização
das medidas por médico e inexistência de perigo para a saúde do acu-
sado56.
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CAPÍTULO IV
O princípio nemo tenetur se
detegere em face da ordemconstitucional brasileira
1. O princípio “nemo tenetur se detegere” como direi-to fundamental
1.1. Direitos fundamentais, direitos humanos, liberdadespúblicas
Genericamente, afirma-se que os direitos fundamentais buscam
a proteção da dignidade humana, da liberdade e da igualdade.
Com frequência, a expressão "direitos fundamentais” é
empregada como sinônimo de direitos humanos', identifican-
do-se inclusive as três gerações de direitos fundamentais, como
se faz com relação aos primeiros2. Manoel Gonçalves Ferreifa
' Conforme assinala LOPES, Ana Maria D‟Ávila, Os direitos fundamentais como limites ao
poder de legislar, Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, Editor, 2001, p. 35, a expressão "direitos
do homem" foi utilizada pela primeira vez, em 1537, na História diplomática rerum Ba-
taviarum, de Volnerus. Já a expressão “direitos fundamentais” data da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
2 Nesse sentido, v. g., ROCHA, Fernando Luiz Ximenes, Direitos fundamentais na
Constituição de 1988, in Os 10 anos da Constituição Federal, São Paulo: Atlas, 1999, p.
267-288, esp. p. 267-268. Referido autor reporta-se aos direitos fundamentais de primei-
ra geração, concebidos como direitos da liberdade, oponíveis ao Estado; aos direitos
fundamentais de segunda geração, que assumem ótica social, e aos direitos fundamen-
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Filho3 e Alexandre de Moraes4 intitulam os direitos fundamentais
de direitos humanos fundamentais. Paulo Bonavides5, em tom de
crítica, entende que há uso indiscriminado dessas expressões,
como sinônimas, sem apontar, contudo, um critério distintivo
entre as duas categorias.
Predomina, porém, o entendimento de que os direitos funda-
mentais são os direitos humanos positivados, de modo especial nas
Constituições dos Estados. Nessa esteira, Canotilho6 ensina que, se-
gundo sua origem e significado, os direitos humanos são “direitos váli-
dos para todos os povos e em todos os tempos”, enquanto os direitos
fundamentais são "os direitos do homem, jurídico-institucionalmente
garantidos e limitados espácio-temporalmente”.
Também Fábio Konder Comparato7, em obra dedicada aos direi-
tos humanos, formula distinção entre os direitos humanos e os direitos
fundamentais, tomando por parâmetro o reconhecimento expresso
em diplomas legislativos. Assim, sustenta o referido autor, louvado na
doutrina germânica a respeito, que os direitos fundamentais são aque-
les reconhecidos como tal expressamente, na legislação interna ou no
plano internacional. Em síntese, são os "direitos humanos positivados
tais de terceira geração, que têm o objetivo de preservar a humanidade, como o direi-
to ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente.
3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 4. ed. São Pau-
lo: Saraiva, 2000.4 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais e a Constituição de 1988.
In: Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 65-81, esp. p. 65. Com
isso, o mencionado autor deixa patenteada sua posição de não distinguir as categorias
de direitos humanos e de direitos fundamentais.s BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000,
p. 514. Citado autor chega a afirmar que existe utilização promíscua das expressões
“direitos do homem”, “direitos humanos” e "direitos fundamentais”. Entretanto, não
apresenta a distinção existente entre essas categorias, em sua opinião, limitando-se a
esclarecer que as expressões "direitos do homem” e “direitos humanos” são mais co -
muns entre autores anglo-americanos e latinos, enquanto a expressão “direitos funda-
mentais” é mais empregada pelos autores alemães. 6 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999,
p. 369.7
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 46.
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nas Constituições, nas leis, nos tratados internacionais”8. Daí decorre a
conclusão de que os direitos humanos não são, necessariamente, reco-
nhecidos expressamente em diplomas legislativos.
No mesmo sentido, Ana Maria D‟Ávila Lopes, na tese de douto-
rado intitulada Os dir ei tos fundamentais como limi tes ao poder de legislar,
conclui que a “expressão direitos humanos faz referência aos direitos
do homem em nível supranacional, informando a ideologia política de
cada ordenamento jurídico, significando o pré-positivo, o que está an-
tes do Estado, ao passo que os direitos fundamentais são a positivação
daqueles nos diferentes ordenamentos jurídicos, adquirindo caracterís-
ticas próprias de cada um deles”9.
Salienta-se aiíida que os direitos fundamentais, representando os
direitos humanos formalmente reconhecidos, trouxeram maior graude segurança jurídica. De fato, a positivação dos direitos fundamentais
nas Constituições, a partir do século XIX, representou importante pas-
so para suprir a falta de eficácia das declarações de direitos do século
XVIII. E ainda para assegurar sua observância e impedir sua supressão
do ordenamento10. Por outro lado, a positivação dos direitos funda-
mentais deixa evidentes as “concepções filosófico-jurídicas aceitas por
uma determinada sociedade, em um certo momento histórico”11.
Subjacente à distinção entre direitos humanos e direitos funda-mentais, calcado na positivação ou não desses direitos, encontra-se o
debate entre as teorias jusnaturalista e positivista.
Defende o jusnaturalismo a existência de um ordenamento uni-
versal chamado direito natural, anterior ao direito positivo. O jusnatu-
ralismo deu importantes contribuições para o desenvolvimento dos
COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos, cit., p. 46.
LOPES, Ana Maria D'Avila, Oi direitos fundamentais como limites ao poder de legislar,
cit., p. 42. 10 As declarações de direitos, para os jusnaturalistas, representam a consagração nor-
ativa dos direitos inerentes a todos os homens. Não têm caráter constitutivo, mas
ão há mecanismos de garantia e proteção desses direitos (cf. LOPES, Ana Maria
D‟Avila, Os direitos fundamentais como limites ao poder de legislar, cit., p. 53-56).
11BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
alidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000,. 130.
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direitos fundamentais. Sinteticamente, caracteriza-se o jusnaturalismopelo entendimento de que a origem dos direitos fundamentais não é odireito positivo, mas uma ordem jurídica superior, que é o direito na-
tural; o direito natural é expressão da natureza humana comum e uni-versal; os direitos humanos existem independentemente de reconheci-mento pelo direito positivo12. Nessa ótica, os direitos fundamentaisnão são criação dos legisladores, mas de uma ordem universal, imutá-vel e inderrogável13. Segundo essa concepção, são direitos inerentes atodo homem, antes mesmo da criação do Estado, identificando-secom os direitos humanos14.
Já o positivismo não considera a existência de uma ordem jurídi-ca anterior, inerente a todos os homens. Segundo essa concepção, os
direitos são constituídos quando há uma norma que os proteja. E osdireitos fundamentais são aqueles assim considerados pelo legislador,independentemente de uma ordem superior e anterior. O positivismoreconhece a mutabilidade do direito, no tempo e no espaço15. Dessemodo, são direitos fundamentais apenas aqueles positivados, expres-sando a soberania popular16.
A expressão “liberdades públicas” também se relaciona à matéria.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho define as liberdades públicas como
direitos subjetivos oponíveis ao Estado, "poderes de agir reconhecidose protegidos pela ordem jurídica a todos os seres humanos”17.
12 Cf. LOPES, Ana Maria D‟Ávila, Os direitos fundamentais como limites ao poder de legis-
lar, cit., p. 65-68.
13 MORAES, Alexandre de, Direitos humanos fundamentais e a Constituição de 1988, cit.,
p. 65.14 Nesse sentido, LOPES, Ana Maria D‟Ávila, Os direitos fundamentais como limites ao po-
der de legislar, cit., p. 36. CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional, cit., p. 353,
destaca que a positivação dos direitos fundamentais significa “a incorporação na ordem
jurídica positiva dos direitos considerados 'naturais' e 'inalienáveis' do indivíduo”. De-
fende o citado autor que o mais adequado é a positivação desses direitos na Constitui-
ção. A proteção derivada da positivação é necessária. Contudo, ressalta que a positiva-
ção não absorve o momento do jusnaturalismo e as chamadas raízes fundamentantes
dos direitos fundamentais (dignidade humana, fraternidade, liberdade e igualdade).15 A respeito, BOBBIO, Norberto, O positivismo jurídico, trad. Márcio Pugliese, São Pau-
lo: ícone, 1995, p. 15-23.16
MORAES, Alexandre de, Direitos humanos fundamentais e a Constituição de 1988, cit., p. 65.17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos humanos fundamentais, cit., p. 28-29.
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Conforme Ada Pellegrini Grinover, o que torna pública a liberda-
de é a "intervenção do Poder, através da consagração do direito positi-
vo; estabelecendo, assegurando, regulamentando as liberdades, o Esta-
do as transforma em poderes de autodeterminação, consagrados pelodireito positivo”18.
Assim, distingue a mencionada autora as liberdades públicas dos
direitos do homem, salientando que estes reportam-se à concepção
jusnaturalista e prescindem de reconhecimento do direito positivo,
existindo independentemente desse reconhecimento. Além disso, os
direitos do homem, ao longo do tempo, passaram a incluir também
direito a prestações positivas, que não constituem liberdades em senti-
do estrito. Já as liberdades públicas, segundo Ada Pellegrini Grinover,são “direitos do homem que o Estado, através de sua consagração,
transferiu do direito natural ao direito positivo”19.
Canotilho20 observa que as liberdades estão relacionadas ao statu
negativus e por meio delas objetiva-se defender a esfera dos cidadãos
perante a intervenção do Estado.
Desse modo, a expressão “liberdades públicas” reporta-se aos
chamados direitos humanos de primeira geração, positivados, que são
oponíveis ao Estado. Rodríguez-Zapata21 também distingue os direitos fundamentais
das liberdades públicas. Observa que as liberdades públicas são esferas
de atuação livre que a Constituição outorga ao seu titular. Reconhece-
-se uma esfera de livre atuação que, para seu respeito, exige uma ativi-
dade negativa ou de omissão por parte do Estado. Por isso, são chama-
das liberdades negativas. Conforme esse autor, os direitos fundamen-
tais não correspondem a uma abstenção por parte dos poderes públi-
18 GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas eprocesso penal. 2. ed. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 1982, p. 7.
GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas e processo penal, cit., p. 7.20 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional, cit., p. 371. No mesmo sentido,
LOPES, Ana Maria D‟Ávila, Os direitos fundamentais como limites ao poder de legislar, cit.,
p. 44-45. Esclarece essa autora que daí decorrem as denominações “direitos de liberda -
de" e "direitos negativos".21 RODRÍGUEZ-ZAPATA, Jorge. Teoria y práctica dei derecho constitucional. Madrid:
Tecnos, 1996, p. 304-305.
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cos, mas sim uma atuação positiva. Correspondem aos direitos de
prestação.
Neste trabalho foi adotado o entendimento, filiado à concepção
jusnaturalista, de que a expressão “direitos humanos” refere-se aos di-reitos do homem, que existem independentemente de reconhecimen-
to nos ordenamentos jurídicos. Por seu turno, os direitos fundamen-
tais são os direitos humanos positivados, institucionalizados, reconhe-
cendo-se a importância da positivação para a proteção dessa categoria
de direitos. E as liberdades públicas são os direitos individuais positiva-
dos, oponíveis ao Estado, correspondentes aos direitos fundamentais
de primeira geração.
1.2. O conceito de direitos fundamentais
Quanto à definição dos direitos fundamentais, Paulo Bonavides22,
fundado em Hesse, destaca acepção estrita, no sentido de que “são
aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais”.
Para melhor elucidar a definição, esse autor23 apresenta os crité-
rios para a caracterização dos direitos fundamentais, que são de duas
ordens: formal e material.
Diz-se assim, formalmente, que os direitos fundamentais são
aqueles especificados na Constituição. E que receberam desta grau ele-
vado de garantia ou segurança. São imutáveis ou, então, têm sua alte-
ração bastante dificultada, normalmente somente por emenda à Cons-
tituição. Por vezes, não se admitem modificações tendentes a suprimi-
-los nem mesmo por emenda constitucional, quando então os direitos
fundamentais assim protegidos ganham o status de cláusulas pétreas.
Materialmente, os direitos fundamentais diferem conforme os
valores consagrados na Constituição, a forma do Estado e a ideologia
abraçada. Desse modo, cada Estado tem seus direitos fundamentais
específicos.
BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 514.23 BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 514-515. O autor adota os
critérios para a caracterização dos direitos fundamentais defendidos por Carl Schmitt(Verfassungslehre. Berlin: Unveraenderter Neudruck, 1954, p. 163-173).
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Ana Maria D‟Ávila Lopes, ao conceituar os direitos fundamen-tais, também abrange o aspecto formal e o material, definindo-oscomo “princípios jurídica e positivamente vigentes em uma ordem constitucional que traduzem a concepção de dignidade humana deuma sociedade e legitimam o sistema jurídico estatal"24.
Alexandre de Moraes25 define os direitos fundamentais como o"conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, quetem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de suaproteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de con-dições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”.
O mesmo autor26 destaca também a definição apresentada pelaUNESCO, acerca dos direitos fundamentais, que enaltece, de um lado,
a proteção institucionalizada dos direitos do homem contra os exces-sos por parte do Estado, e, de outro, o estabelecimento de regras queassegurem condições de vida e desenvolvimento da personalidade.
Valoriza-se, nos dois últimos conceitos expostos, a concepção
material dos direitos fundamentais. Diante de tais definições, pode-se afirmar que os direitos funda-
mentais destinam-se, essencialmente, ao resguardo da dignidade hu-mana, que se projeta em tutela com relação ao Estado e aos própriossemelharites.
De destacar ainda que os direitos fundamentais apresentam du-pla dimensão: uma individual e outra institucional, revelando que nãose objetiva apenas a proteção do titular do direito27.
Contudo, os direitos fundamentais não são absolutos, ilimitados.Pela necessidade de coexistência dos direitos entre si, em dado ordena-mento jurídico, é praticamente inevitável o surgimento de restrições28,
24 LOPES, Ana Maria D'Ávila, O.S direitos fundamentais como limites ao poder de legislar,
cit., p. 35.
25 MORAES, Alexandre de, Direitos humanos fundamentais e a Constituição de 1988, cit.,
p. 66.26 MORAES, Alexandre de, Direitos humanos fundamentais e a Constituição de 1988,
cit., p. 66.27 BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 130.
28 HERNÁNDEZ, Ángel Gil. Intervenciones corporales y derechosfundamentales. Madrid:Colex, 1995, p. 27. Afirma ele que é impróprio falar em restrição a determinado direito
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mas, em se tratando de direitos fundamentais, deverão sempre ser re-
guladas por lei.
Note-se que as restrições, mesmo operadas por lei, não poderão
ser de tal monta que esvaziem o conteúdo do direito fundamental.
Vale dizer: as restrições são limitadas, porque os direitos fundamentais
vinculam também o legislador. Deverão elas ser claras, determinadas,
gerais e proporcionais29.
Nesse contexto, apresenta vital importância o princípio da pro-
porcionalidade.
Quanto às restrições legais aos direitos fundamentais, de acordo
com o princípio da proporcionalidade, deverão ser aferidos alguns cri-
térios: a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo
legislador; a adequação desses meios à consecução dos objetivos alme-
jados e a necessidade de sua utilização30.
A proporcionalidade, em sentido estrito, segundo Gilmar Ferrei-
ra Mendes, é aferida na medida da "rigorosa ponderação entre o signi-
ficado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo
legislador”31.
Consoante o mesmo autor32, a adequação exige que as restrições
adotadas sejam aptas a alcançar o objetivo pretendido. Já o requisito da
necessidade deverá garantir que nenhum meio menos gravoso para o
indivíduo será igualmente eficaz para atingir os objetivos a serem al-
cançados.
fundamental. O mais adequado, segundo o autor, é referir-se à elasticidade de tal direi-
to, que dependerá do grau de sua influência na vida da coletividade.
29 MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. São
Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 34. Ressalte-se que a ideia
de limitação às restrições aos direitos fundamentais relaciona-se com o princípio da
proteção do núcleo essencial, por vezes consagrado expressamente nas Constituições,
ou tomado como postulado constitucional imanente.
30 MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, cit.,
p. 67-68. 31 MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, cit.,
p. 68.
32 MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, cit., p. 68.
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Assim, a lei restritiva de direitos fundamentais deverá observar os
critérios retromencionados, que integram a proporcionalidade, sob
pena de ser inconstitucional.
1.3. A concepção do “nemo tenetur se detegere” como di-reito fundamental
O princípio nemo tenetur se detegere tem sido considerado direito
fundamental do cidadão e, mais especificamente, do acusado. Nesse
sentido, Vassalli33, Grevi34 e Zuccalà35 já se manifestaram. Cuida-se do
direito à não autoincriminação, que assegura esfera de liberdade ao in-
divíduo, oponível ào Estado, que não se resume ao direito ao silêncio36.
Parece acertado referido entendimento, de acordo com as notascaracterísticas dos direitos fundamentais. Nelas se dá ênfase à proteção
do indivíduo contra excessos e abusos por parte do Estado. Em suma:
é resguardada, nos direitos fundamentais, a dignidade humana, sendo
que ganha relevo a esfera atinente às ingerências do Estado.
Nessa ótica, o princípio nemo tenetur se detegere, como direito fun-
damental, objetiva proteger o indivíduo contra excessos cometidos
pelo Estado, na persecução penal, incluindo-se nele o resguardo contra
violências físicas e morais, empregadas para compelir o indivíduo acooperar na investigação e apuração de delitos, bem como contra mé-
todos proibidos de interrogatório, sugestões e dissimulações.
Como direito fundamental, o nemo tenetur se detegere insere-se en-
tre os direitos de primeira geração, ou seja, entre os direitos da liberda-
de. O titular de tais direitos é o indivíduo diante do Estado. Conforme
Paulo Bonavides37, os direitos de primeira geração traduzem-se em di-
33 VASSALI, Giuliano. Relazione alia Camera dei deputati sul testo unificato dei pro-
getti di legge confluiti nella 1. 5 dicembre 1969, n. 932. In: Le leggi, 1969, p. 950 e s.
GREVI, Vittorio. Nemo tenetur se detegere. Milano: Giuffrè, 1972, p. 2.
ZUCCAL . Relazione al Senato. 1969, p. 962.
36 Como adiante se detalhará, o direito ao silêncio apresenta-se como uma das decor-
rências do nemo tenetur se detegere. Assim, é impróprio tratar-se do direito ao silêncio
como sinônimo do nemo tenetur se detegere. Tal equivalência corresponde a uma con-
cepção bastante restritiva desse princípio.BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 517.
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reitos de resistência ou de oposição perante o Estado. Inclui-se entre as
liberdades negativas: por meio dele, assegura-se uma esfera de liberda-
de ao indivíduo que não deve sofrer vulnerações por parte do Estado.
Cabe a este abster-se de interferir nessa esfera.
Deve-se salientar, porém, que, embora o nemo tenetur se detegere
esteja encartado entre os direitos de primeira geração, nos quais a ên-
fase é o resguardo do indivíduo diante do Estado, não se pode deixar
de ressaltar a ótica do interesse público em sua tutela. Isto porque,
como adiante se observará, o nemo tenetur se detegere se insere no direi-
to à defesa e na cláusula do devido processo legal. Por via de conseqüên-
cia, repercute na própria legitimação da jurisdição. Nesse sentido, não
é apenas o direito daquele indivíduo que está sendo investigado ou
processado, especificamente, mas é de interesse público, para o exercí-
cio correto e adequado da jurisdição38. Além de direito, o nemo tenetur
se detegere é também garantia. Trata-se de garantia da liberdade, em
especial da liberdade de autodeterminação do acusado39.
Como direito fundamental, eventuais restrições à sua incidência,
que têm caráter excepcional, poderão ser reguladas exclusivamente
por lei, respeitado seu conteúdo. E deverão atender ao princípio da
proporcionalidade, ou seja, é mister que sejam observadas a adequa-ção, a necessidade e a razoabilidade da medida adotada.
38 A esse respeito, CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Ran-
gel, GRINOVER, Ada Pellegrini, Teoria geral do processo, 11. ed., São Paulo: Malheiros,
1995, p. 82. Ressaltam esses autores que as garantias processuais não configuram so-
mente direitos públicos subjetivos, na medida em que, por elas, não se tutela apenas o
interesse das partes, mas se resguarda o próprio processo, legitimando o exercício da jurisdição.
39 Sobre a distinção entre direitos e garantias, MIRANDA, Jorge, Manual de direito cons-
titucional, Coimbra, 1988, v. 4, p. 88-89. Assinala que os direitos representam, por si,
certos bens; são principais; permitem a realização das pessoas, inserindo-se, direta e
imediatamente, nas respectivas esferas jurídicas. Já as garantias destinam-se a assegu-
rar a fruição desses bens; são acessórias e se projetam pelo nexo que possuem com os
direitos. O mesmo autor observa, sobre os direitos da liberdade, que as liberdades se
assentam na pessoa, independentemente do Estado, enquanto as garantias reportam-
-se ao Estado em atividade de relação com a pessoa. Eis a dupla face do nemo tenetur se
detegere, como um dos direitos da liberdade e também como garantia.
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2. O princípio “nemo tenetur se detegere” nos diplo-mas internacionais e sua incorporação ao direitonacional
Por se tratar de direito fundamental, o nemo tenetur se detegere foireproduzido em diplomas que versam sobre direitos humanos40.
Assim, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ado-tado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de1966, referiu-se expressamente ao princípio em questão, dispondo, emseu art. 14, n. 3, alínea g, que toda pessoa acusada de um crime temdireito de “não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar--se culpada”.
Também na Convenção Americana sobre Direitos Humanos,aprovada na Conferência de São José da Costa Rica, em 22 de novem-
40 A doutrina, no direito internacional público, assinala que não há rigor terminológico
quanto aos vários diplomas internacionais. Assim, emprega-se o termo “tratado'' e
outros como sinônimos, v. g., pacto, declaração, convenção, carta, protocolo, acordo
etc. Nesse sentido, DINH, Nguyen Quoc, DAILLIER, Patrick e PELLET, Alain, Direito
internacional público, trad. Vitor Marques Coelho, Serviço de Educação Fundação Ca-
louste Gulbenkian, p. 110. Salientam esses autores que todos esses termos têm o mes-mo significado jurídico em direito internacional. Alguns autores nacionais, entretanto,
indicam distinções entre eles. A respeito, ACCIOLY, Hildebrando, Manual de direito
internacional público, 9. ed., São Paulo: Saraiva, 1970, p. 137-138. Afirma que a conven-
ção em nada difere do tratado quanto à sua estrutura. Mas a declaração, segundo o
autor, pode ser definida como ajuste internacional para "proclamar certas regras ou
princípios de direito internacional; ou para esclarecer ou interpretar algum ato inter-
nacional anterior; ou para outros efeitos restritos”. MELLO, Celso D. de Albuquerque,
Curso de direito internacional público, 2. ed., São Paulo: Renovar, 2000, v. 1, p. 200-201,
aduz que a expressão "tratado” é empregada para acordos solenes; a "convenção” é o
"tratado que cria normas gerais". A "declaração" é empregada para "acordos quecriam princípios jurídicos ou afirmam uma atitude política comum”, e o "pacto”, para
tratados solenes. MAZZUOLI, Valerío de Oliveira, Tratados internacionais, São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2001, p. 27, observa que a expressão "convenção”, embora seja
utilizada como sinônimo de "tratado”, normalmente alude aos acordos que criam
normas gerais, resultantes de “atos multilaterais, oriundos de conferências internacio-
nais, que versem sobre assunto de interesse geral". Quanto ao termo “pacto”, aduz o
autor que ele se refere a atos solenes e também para "restringir o objeto político de um
tratado” (p. 28). Com relação aos direitos fundamentais, verifica-se que as declarações
apresentam menor eficácia à medida que elencam princípios e direitos, sem a previsão
de instrumentos para sua proteção.
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bro de 1969, foi reconhecido o princípio nemo tenetur se detegere entre as
garantias mínimas a serem observadas em relação às pessoas acusadas
de um delito.
No art. 8, parágrafo 2a
, alínea g, estabelece-se o “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.
Anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos41,
aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, ainda
que se tenha referido à presunção de inocência e estabelecido a não
utilização da tortura, não mencionou expressamente o princípio nemo
tenetur se detegere.
A Convenção Européia de Direitos Humanos, de 1950, igualmen-
te, embora não se tenha referido expressamente aonemo tenetur se dete-
gere, acolheu, no art. 62, a presunção de inocência e as regras do fair
hearing 42 .
Saliente-se que o Brasil ratificou, somente no ano de 1992, o Pac-
to Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos. O cumprimento de seus dispositivos foi de-
terminado, respectivamente, pelos Decretos n. 592, de 6 de julho, e n.
678, de 6 de novembro, ambos daquele ano.
2.1. Incorporação do “nemo tenetur se detegere” ao direito nacional: a hierarquia dos tratados de direitos funda-mentais no direito interno
Indaga-se, então, qual seria a hierarquia das normas constantes
dos diplomas internacionais em foco que foram incorporados ao direi-
to brasileiro.
41 Afirma-se, na doutrina, que o referido diploma inaugurou a concepção contemporâ-
nea de direitos humanos, que é marcada pela universalidade e indivisibilidade desses
direitos (PIOVESAN, Flávia, Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998,
p. 25). Além disso, salienta-se que a universalidade introduzida por esse diploma é
concreta e material, em lugar da universalidade abstrata, sustentada no jusnaturalismo
do século XVIII (BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 517).
42 A respeito, CHIAVARIO, Mario. Convenzione europea dei diritto delTuomo e rifor-
ma dei processo penale. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, 1970, p.
661-674, e GREGORI, Giorgio. La tutela europea dei diritti delVuomo. Milano: SugarCo.,
1979, p. 125-139.
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Em alguns ordenamentos, a própria Constituição se encarrega de
definir quais os tratados que têm hierarquia constitucional. É o que
ocorre, por exemplo, no direito argentino43, no qual, além do princípio
geral, estampado na Constituição, de que os tratados têm hierarquiasuperior à das leis, o seu art. 22 enumera quais os diplomas internacio-
nais que têm hierarquia de normas constitucionais, todos eles relativos
a direitos humanos.
No ordenamento brasileiro, em que pese a existência de normas
constitucionais aplicáveis aos tratados internacionais de direitos huma-
nos, consubstanciadas no § 2- do art. 5- e no § 3- do mesmo dispositi-
vo, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45, de 8-12-2004, o
tema ainda é objeto de discussões.
No direito nacional, os tratados e convenções internacionais são
incorporados, mediante a conjugação de vontades do Poder Executivo
e do Legislativo, já que deverão ser subscritos pelo Presidente da Repú-
blica e aprovados pelo Congresso Nacional, que expedirá o decreto
legislativo44.
Com o decreto legislativo é que se tem a incorporação do tratado
ou convenção internacional ao direito interno.
Anteriormente à Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembrode 2004, registravam-se diferentes sustentações doutrinárias no direito
internacional, quanto à hierarquia das normas dos tratados e conven-
ções internacionais incorporadas ao direito nacional, fossem eles de
direitos humanos ou não.
Sustentavam Hildebrando Accioly, Oscar Tenório e Haroldo
Valladão que as normas dos tratados e convenções internacionais ti-
nham hierarquia superior à das leis ordinárias do direito interno. O
primeiro autor
45
afirmava que os tratados e convenções internacionaisrevogavam leis anteriores a eles contrárias. Já as leis posteriores não
43 Gf. COLAUTTI, Carlos E. Derechos humanos. Buenos Aires: Editorial Universidad,
1995, p. 27-29.
44 A esse respeito, VELOSO, Zeno. Controle jurisdícional de constitucionalidade. Belém:
CEJUP, 1999, p. 115, sustenta que a incorporação dos tratados e convenções interna-
cionais é ato complexo.45 ACCIOLY, Hildebrando, Manual de direito internacional público, cit., p. 6.
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deviam com eles conflitar e não os revogavam. Defendia até mesmo a
supremacia dos referidos diplomas sobre as Constituições.
Já Oscar Tenório46 entendia que há distinção entre os tratados e a
lei ordinária em termos de hierarquia. Defendia que a lei posterior nãorevogava o tratado, mas o tratado podia alterar a lei anterior.
Haroldo Valladão47, por seu turno, sustentava que as normas dos
tratados e convenções internacionais prevaleciam sobre as normas in-
ternas. Desse modo, até mesmo as normas constitucionais não po-
diam conflitar com as de direito internacional, incorporadas ao direi-
to interno. Referido autor defendia a absoluta supremacia do direito
internacional.
Celso Albuquerque de Mello
48
também defendia a primazia danorma internacional sobre o direito interno.
Contudo, tal posicionamento doutrinário não prevaleceu nem
mesmo em relação aos tratados de direitos fundamentais. Predomina-
va o entendimento de que os tratados e convenções internacionais, ao
serem incorporados ao direito nacional, tinham hierarquia de lei ordi-
nária e não de normas constitucionais, nem supranacionais49.
No direito constitucional, a título ilustrativo, apoiavam referido
posicionamento Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Celso Ribeiro Bas-tos, Zeno Veloso e Clèmerson Clève.
46 TENÓRIO, Oscar. Direito internacional privado. 11. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1976, v. 1, p. 93. Note-se que referido autor, embora sustente que os tratados são incor-
porados ao direito interno com força das demais leis, defende tratamento diferenciado
no cotejo entre o tratado e a lei ordinária.
7 VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bas-os, 1980, p. 96.
MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de direito internacional público, cit., p. 42.
9 Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou: RTJ, 83/809, 82/530 e
121/270. Anteriormente, a jurisprudência vinha entendendo que prevalecia o tratado
sobre a norma de direito interno infraconstitucional, mas tal entendimento foi altera-
do em julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordiná-
io n. 80.004, no qual se decidiu que, havendo conflito entre tratado e lei posterior,
deve prevalecer esta última, ainda que o Estado sofra conseqüências no plano interna-
cional (conforme ROCHA, Fernando Luis Ximenes. A incorporação dos tratados e
convenções internacionais de direitos humanos no direito brasileiro. Revista de Infor-ação Legislativa, Brasília, v. 130, p. 77-81, abr./jun. 1996, p. 79).
82
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Os dois primeiros autores50 afirmavam que a exegese do art. 5-, §
2-, da Constituição Federal se restringia ao sentido de que o elenco de
direitos fundamentais constante desse artigo não era taxativo. Mas não
extraíam disso a conclusão de que os direitos fundamentais, previstosnos tratados internacionais, incorporados ao direito interno, tinham
hierarquia constitucional.
Aliás, em obra dedicada aos direitos fundamentais, Manoel Gon-
çalves Ferreira Filho51 sustentava que não havia fundamento, no direi-
to brasileiro para se considerar a norma de tratado, incorporada ao
direito interno, como norma de hierarquia constitucional. Concluía
que as normas do tratado incorporado tinham força de lei ordinária.
Sendo assim, no entendimento do autor, os direitos fundamentais te-riam dois níveis: constitucional (previstos no texto da Constituição) e
de lei ordinária (advindos da incorporação de tratados).
Zeno Veloso52 e Clèmerson Clève53, na mesma esteira, sustenta-
vam que o tratado internacional incorporado ostentava a hierarquia
de lei ordinária federal.
No direito internacional, José Francisco Rezek e Irineu Strenger
também defendiam o mesmo entendimento.
Rezek 54 afirmava que prevaleceu a posição de que possuíam a
mesma hierarquia.
Irineu Strenger55 propunha duas regras, sendo a primeira de que
os tratados não podiam opor-se às normas constitucionais. Se isso
ocorresse, prevaleceriam as últimas. E a segunda no sentido de que, se
o direito interno dispusesse diferentemente de norma de tratado ante-
50 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988.
São Paulo: Saraiva, 1990, v. 1, p. 87; BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra.
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, v. 2, p. 395-396.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos humanos fundamentais, cit., p. 98-99.
VELOSO, Zeno, Controle jurisdicional de constitucionalidade, cit., p. 118.
” CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito bra-
sileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 142.
REZEK, José Francisco. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 474.
55 STRENGER, Irineu. Teoria geral do direito internacional privado. São Paulo: Bushatsky,1973, p. 96-97.
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rior, prevaleceria o primeiro. Defendia que os tratados internacionais,
incorporados ao direito interno, tinham hierarquia de leis.
Apesar da prevalência desse posicionamento, mesmo antes da
Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, registrava-se,
com relação aos diplomas internacionais referentes a direitos huma-
nos, diferente entendimento doutrinário, que ganhou espaço.
Dessa ótica, ressaltava-se o relevo que foi dado, na Constituição
de 1988, aos direitos fundamentais e, sobretudo, à dignidade humana,
que foi erigida a valor informador do ordenamento jurídico brasileiro.
No direito constitucional, José Afonso da Silva56 já sustentava
que, por força do art. 5a, § 2-, da Constituição Federal, as normas de
tratados que versavam sobre direitos fundamentais, incorporadas,
eram direitos constitucionais.
No mesmo 'diapasão, Flávia Piovesan57 sustentava que os direitos
previstos em tratados internacionais, relativos a direitos humanos, aos
quais o Brasil aderiu, tinham hierarquia de norma constitucional. E
acrescentava ainda que tinham eles aplicação imediata, não estando
sujeitos ao procedimento rotineiro de incorporação de tratados
internacionais ao direito interno.
Consoante referida autora, tal entendimento advinha do art. 5a, §
2-, da Constituição Federal, que estabelece que os direitos e garantiasexpressos no texto constitucional “não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacio-
nais em que a República Federativa do Brasil seja parte”58.
Desse modo, a interpretação sistemática e teleológica da Consti-
tuição, que dá relevo aos direitos fundamentais e à dignidade humana;
o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais relativas
6 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17. ed. São Paulo: Ma-
heiros, 2000, p. 197.
PIOVESAN, Flávia, Temas de direitos humanos, cit., p. 36-37.8 Conforme a referida autora, os direitos fundamentais podem ser organizados em
rês grupos: o dos direitos expressos na Constituição; o dos direitos implícitos, decor-
entes do regime e dos princípios abraçados pela Constituição; e o dos direitos cons-
antes de tratados internacionais subscritos pelo Estado brasileiro (PIOVESAN, Flávia,Temas de direitos humanos, cit., p. 35).
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a direitos e garantias fundamentais; o processo de globalização e o tra-
tamento diferenciado fornecido aos tratados de direitos humanos, es-
pecialmente nas Constituições latino-americanas, já reforçavam o en-
tendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ti-
nham hierarquia de normas constitucionais no direito brasileiro.
Também Antonio Augusto Cançado Trindade59 apoiava citado
posicionamento ao observar que „Á especificidade e o caráter especial
dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos encon-
tram-se, com efeito, reconhecidos e sancionados pela Constituição
Brasileira de 1988: se, para os tratados internacionais em geral, se tem
exigido a intermediação do Poder Legislativo de ato com força de lei
de modo a outorgar a suas disposições vigência ou obrigatoriedade no
plano do ordenamento jurídico interno, distintamente no caso dos tra-
tados de proteção dos direitos humanos em que o Brasil é parte os di-
reitos neles garantidos passam, consoante os artigos 5 (2) e 5 (1) da
Constituição Brasileira de 1988, a integrar o elenco dos direitos consti-
tucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no pla-
no do ordenamento jurídico interno”.
Comungando do mesmo entendimento, Fernando Luis Ximenes
Rocha60 acrescentava que os direitos fundamentais consagrados em
tratados internacionais constituíam cláusula pétrea, não podendo ser
abolidos por emenda constitucional, consoante assegura o art. 60, § 4-,
IV, da Constituição Federal. Mas o mesmo autor observava que os tra-
tados, inclusive os que versavam sobre direitos humanos, podiam ser
denunciados pelos Estados que a eles aderiram. Nesse aspecto, os di-
reitos fundamentais previstos nos tratados internacionais e incorpora-
59 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos.
São Paulo: Saraiva, 1991, p. 631-632.
60 ROCHA, Fernando Luis Ximenes, Direitos fundamentais na Constituição de 1988, cit.,
p. 273-274. O mesmo autor, no texto A incorporação dos tratados e convenções interna -
cionais de direitos humanos no direito brasileiro, cit., p. 77-81, acrescenta que os intru-
mentos internacionais que versam sobre direitos humanos não se amoldam ao perfil dos
tratados clássicos. Isto porque os interesses neles disciplinados transcendem os interesses
dos Estados envolvidos. Afirma ainda que as normas de proteção dos direitos humanos,
por sua importância e dimensão, devem prevalecer sobre o direito interno. Devem ser acolhidas, segundo o autor, as normas que melhor protejam o ser humano (p. 80).
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dos ao direito interno, embora dotados de hierarquia constitucional,
teriam esse elemento diferenciador.
Sylvia Helena de Figueiredo Steiner61, por sua vez, adotava ò re-
ferido posicionamento, observando que as normas protetoras de direi-
tos humanos tinham status diferenciado no ordenamento brasileiro,porque eram incorporadas ao elenco de direitos fundamentais da
Constituição. Sustentava, ainda, que, mesmo se não existisse o art. 5-,
§ 2-, as normas que consagravam direitos humanos seriam normas
materialmente constitucionais.
Na doutrina processual penal, Ada Pellegrini Grinover, Antonio
Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho62 já sustenta-
vam, também com suporte no art. 5
2
, § 2-, do texto constitucional, queas garantias processuais penais da Convenção Americana tinham hie-
rarquia das normas constitucionais e que tais garantias interagiam e
completavam aquelas que foram expressas na Constituição, devendo
prevalecer a que melhor assegurasse os direitos fundamentais63.
Reafirmando o posicionamento anteriormente exposto, Antonio
Magalhães Gomes Filho64, na obra 0 di reito à prova no pr ocesso penal ,
manifestava sua posição de que os tratados internacionais de direitos
humanos, ratificados pelo Brasil, tinham hierarquia constitucional,
complementando o sistema de direitos fundamentais da Constituição
Federal, com apoio no art. 5-, § 2-, do texto constitucional.
61 STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos
e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 90.
62 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO, An-
tonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 70.63 Os referidos autores, após a Emenda Constitucional n. 45/2004, têm defendido que
a nova regra contemplada no art. 5“, § 3“, da Constituição Federal só se aplica para o
futuro e que, portanto, os diplomas de direitos humanos anteriores, incorporados no
ordenamento brasileiro, mantêm seu status constitucional, como ocorre com a Con-
venção Americana sobre Direitos Humanos (As nulidades no processo penal. 12. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 24).64 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. O direito à prova no processo penal. São Paulo:
Malheiros, 1997, p. 82-83.
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Na mesma esteira, Antônio Scarance Fernandes65, observando
que havia resistência dos tribunais em adotarem referido entendimen-
to, sustentava, entretanto, que há forte tendência a se reconhecer sta-
tus de norma constitucional às normas de tratados internacionais dedireitos humanos.
Tendo em vista a interpretação sistemática e teleológica do texto
constitucional e a relevância atribuída aos direitos fundamentais e ao
valor da dignidade humana, sempre defendemos o entendimento de
reconhecer hierarquia constitucional aos direitos previstos nos trata-
dos e convenções internacionais, que versam sobre direitos humanos,
aos quais o Brasil aderiu.
Tal posicionamento decorre também da interpretação do art. 5£,§ 2-, da Constituição Federal, que, embora não faça expressa referência
à hierarquia das normas de tratados internacionais de direitos huma-
nos, estabelece que o rol dos direitos fundamentais estampado nesse
artigo não é taxativo, admitindo que integrem esse rol aqueles direitos
decorrentes do regime e dos princípios adotados no texto constitucio-
nal e dos tratados internacionais em que o Estado brasileiro seja parte.
Assim sendo, não haveria sentido em atribuir hierarquia inferior
aos direitos e garantias fundamentais previstos em tratados internacio-nais, aos quais o Brasil aderiu. Posicionamento assumido nesse sentido
comprometeria o sistema de direitos fundamentais, vulnerando-o, ao
estabelecer hierarquia entre os próprios direitos fundamentais: teriam
hierarquia constitucional os direitos expressos na Constituição e hie-
rarquia inferior (de lei ordinária) aqueles consignados nos diplomas
internacionais ratificados pelo Brasil.
As conseqüências desse entendimento são extremamente relevan-
tes para o sistema de direitos fundamentais, pois repercutiriam especial-
mente sobre a interpretação da legislação ordinária em face de determi-
nado direito fundamental, devendo-se observar se ele é de hierarquia
constitucional ou não. E ainda sobre eventuais alterações legislativas, já
que os direitos fundamentais, com hierarquia de lei ordinária, pode-
65 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 2. ed. São Paulo: Re-vista dos Tribunais, 2000, p. 26.
87
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riam ser alterados e até mesmo revogados por lei de igual hierarquia,
ficando fora da proteção do art. 60, § 4-, IX da Constituição.
Com a Emenda Constitucional n. 45/2004, foi acrescentado ao
art. 52 da Constituição Federal o § 32, segundo o qual os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprova-
dos, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais. Melhor seria que o texto constitucional tives-
se afirmado, expressamente, que os tratados internacionais de direitos
humanos ratificados pelo Brasil têm hierarquia constitucional, como
se dá na Constituição argentina66.
Em nosso entendimento, entretanto, tal disposição não afasta a
hierarquia constitucional dos tratados e convenções de direitos huma-
nos incorporados anteriormente ao direito nacional, sem que tenha
havido aprovação por três quintos dos votos de cada uma das Casas do
Congresso Nacional67.
“ Nesse sentido, PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacio-
nal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 71.
67 Nesse sentido, já decidiram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Jus-
tiça. O julgamento do Habeas Corpus 87.585/TO, pelo Pleno, em 3-12-2008, conjunta-
mente com o RE 466.343/SP, o RE 349.703 e o HC 92.566, marcou modificação de
posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, ao examinar a prisão do depositário
infiel à luz da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do art. 5°, LXVII, e §§
1“, 2a e 3C, da Constituição, decidindo que “A subscrição pelo Brasil do Pacto de São
José da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável
de prestação alimentícia, implicou a derrogação das normas estritamente legais refe-rentes à prisão do depositário infiel” (DJe 118, publicado em 26-6-2009). Além disso,
decidiu-se pela insubsistência da previsão constitucional da prisão civil do depositário
infiel. Antes desse julgamento, o Supremo Tribunal Federal, por sua 2 a T., já havia
afastado a prisão civil do depositário infiel, atribuindo, entretanto, à Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos e ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
"lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém
acima da legislação interna”, ou seja, "status normativo supralegal dos tratados de di-
reitos humanos subscritos pelo Brasil" (HC 95.967/MS, 2â T., Rei. Min. Ellen Gracie, j.
11-11-2008, DJe 227, publicado em 28-11-2008). Ao julgar o Habeas Corpus 96.772/SP,
em 9-6-2009, sobre o mesmo tema, o Ministro-Relator Celso de Mello defendeu a hie-rarquia constitucional das convenções internacionais em matéria de direitos humanos
(DJe 157, publicado em 21-8-2009). O Superior Tribunal de Justiça, já no ano de 2006,
ao julgar o RHC 18.799/RS, havia afastado a prisão civil do depositário infiel, aplican-
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Nesse aspecto, comungamos do mesmo posicionamento sustenta-
do por Flávia Piovesan68, que defende que os tratados internacionais de
direitos humanos ratificados anteriormente à Emenda Constitucional n.45 têm hierarquia constitucional, fundada no art. 5fi, § 2-, do texto cons-
titucional, porque são materialmente constitucionais. Assim sendo, a
disposição contida no § 3- do art. 52 da Constituição apenas se prestaria
a erigir os tratados internacionais de direitos humanos em normas for-
malmente constitucionais, com status de emenda constitucional.
Interpretação diversa conduziria à conseqüência de ter-se duas
categorias distintas de normas de direitos humanos advindas de tra-
tados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro: as anterioresà Emenda Constitucional n. 45, de 2004, com hierarquia de lei fede-
ral, e aquelas posteriores, com hierarquia constitucional, se aprova-
dos os tratados na forma estabelecida no aludido dispositivo. Tal in-
terpretação, no entanto, colide com o sistema de direitos fundamen-
tais estruturado na Constituição Federal, alicerçado no valor da dig-
nidade humana.
Em relação ao princípio nemo tenetur se detegere, como ante-
riormente observado, foi ele expressamente previsto no Pacto Inter-
nacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, diplomas que foram ratificados pelo Brasil
do o Pacto de São José da Costa Rica à luz do art. 5 Q, §§ 2a e 3“, da Constituição Fede-
ral. Nesse julgado, decidiu que as normas definidoras de direitos e garantias funda-
mentais têm aplicação imediata (art. 5a, § Io, do texto constitucional); que o Pacto de
São José da Costa Rica se inclui no rol de direitos e garantias constitucionais, conforme
prescreve o art. 5“, § 2“, da Constituição e que, apesar de o referido Pacto “ter sido aprovado com quorum de lei ordinária, é de se ressaltar que ele nunca foi revogado ou
retirado do mundo jurídico, não obstante a sua rejeição decantada por decisões judi-
ciais. De acordo com o citado § 3a, a Convenção continua em vigor, desta feita com
força de emenda constitucional. A regra emanada pelo dispositivo em apreço é clara
no sentido de que os tratados internacionais „concernentes a direitos humanos‟ nos
quais o Brasil seja parte devem ser assimilados pela ordem jurídica do país como „nor -
mas de hierarquia constitucional”‟. No refe rido julgado também se destacou que o
óbice formal (de aprovação da Convenção Americana sem o quorum prescrito no art.
5a, § 3“, da Constituição) não poderia se sobrepor ao conteúdo material do direito re -
clamado, não impedindo sua retroatividade por se cuidar de tratado internacional dedireitos humanos (Ia T., rei. Min. José Delgado, j. 9-5-2006, DJ 8-6-2006).« PIOVESAN, Flávia, Direitos humanos e o direito constitucionalinternacional. cit. p. 72-73.
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e devidamente incorporados, por força dos respectivos decretos le-gislativos.
Desse modo, antes mesmo da Emenda Constitucional n. 45 / 2004,em razão da interpretação do art. 5-, § 2-, da Constituição Federal, já
sustentávamos que o princípio nemo tenetur se detegere foi incorporadoao rol dos direitos fundamentais, estampados nesse artigo, por se achardisciplinado nos aludidos diplomas internacionais de direitos huma-nos, com status, portanto, de norma constitucional, o que veio a sercorroborado pelo § 3- do art. 5° da CF.
Com isso, o princípio nemo tenetur se detegere é norma constitucio-nal, material e formalmente.
2.2. “Nemo tenetur se detegere”: princípio constitucional
Os princípios e as regras são espécies de normas69. Por isso, afir-ma-se que também os princípios são dotados de normatividade, ouseja, têm força vinculativa, determinando comportamentos e nortean-do a interpretação de outras normas70.
Diversas distinções são apontadas entre as duas categorias. As-sim, sustenta-se que os princípios possuem elevado grau de abstração,enquanto nas regras esta é reduzida71.
69 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coim-
bra: Almedína, 1999, p. 1086. Também BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurí-
dico. 10 . ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: Ed. Universidade
de Brasília, 1997, p. 158. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucio-
nais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 47-48. Formula esse autor o conceito de
princípio acolhido no campo do direito: “estruturação de um sistema de ideias, pensa -
mentos ou normas por uma ideia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza
normativa, donde todas as demais ideias, pensamentos ou normas derivam, se recon-
duzem e/ou subordinam”. 70 Segundo BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 239, foi Boulanger
o mais insigne precursor da normatividade dos princípios.71 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 1086.
Conforme ÁVILA, Humberto Bergmann (A distinção entre princípios e regras e a re-
definição do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janei-
ro, v. 215, p. 151-179, jan./mar. 1999, p. 167), a única diferença constatável entre princí-
pios e regras é o grau de abstração. Segundo ele, os princípios são normas "imediata -
mente finalísticas, para cuja concretização estabelecem com menor determinação
qual o comportamento devido e por isso dependem mais intensamente da sua relação
com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para a
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Além disso, aduz-se que os princípios são vagos e indetermi-
nados. Já as regras permitem aplicação direta72.
Observa-se também que a generalidade das regras é diversa dageneralidade presente nos princípios. As regras são gerais porque são
estabelecidas para um número indeterminado de fatos. Os princípios
são gerais porque comportam uma série indefinida de aplicações73.
Acrescenta-se ainda que os princípios exercem função de funda-
mento no ordenamento jurídico, inclusive das próprias regras74.
Destaca-se que os princípios são normas jurídicas que objetivam
a otimização de um direito ou de um bem jurídico75. As regras, por seu
turno, prescrevem um comportamento76.
O conflito de princípios resolve-se pela ponderação de bens e va-
lores envolvidos, sem que nenhum deles seja completamente elimina-
do. Os princípios coexistem, enquanto as regras antinômicas excluem-
-se. Por isso, afirma-se que as regras obedecem à lógica do “tudo ou
determinação da conduta devida”. Também GUERRA FILHO, Willis Santiago (Prin -
cípio da proporcionalidade e teoria do direito. In: Direito constitucional. São Paulo: Ma-
lheiros, 2001, p. 268-283, esp. p. 268-269), aponta como distinção essencial entre os
princípios e regras o maior grau de abstração dos primeiros.
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 1086. 73 A respeito, GRAU, Bros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpre-
tação e crítica). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 112.0 referido autor louva-se,
sobre o aspecto citado, em Jean Boulanger.74 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 1086-
1087. De acordo com ESPÍNDOLA, Ruy Samuel, O conceito de princípios constitucionais,cit, p. 74, a ideia de que os princípios são fundamento da ordem jurídica é reforçada
pela sua constitucionalização, isto é, sua positivação na categoria constitucional.
GRAU, Eros Roberto, A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica),
cit., p. 127, aduz que as regras são aplicações dos princípios.75 Alexy, adepto da chamada concepção forte dos princípios, que afirma existir diferen-
ça qualitativa entre princípios e regras, salienta que os princípios são mandamentos de
otimização. O mesmo autor observa que a distinção entre princípios e regras fica evi-
denciada na solução de conflitos. Quanto aos princípios, a solução se dá pela dimensão
de peso e, quanto às regras, o conflito é solucionado com cláusula de exceção ou me-
diante declaração de invalidade de uma delas (FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de
direitos. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, Editor, 2000, p. 30-31).
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 1087.
91
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nada". São aplicáveis ou não .
Consoante destaca Paulo Bonavides, nas Constituições, os princí-
pios exercem função preponderante, porque agasalham os valores su-
premos “ao redor dos quais gravitam os direitos, as garantias e as com-
petências de uma sociedade...”78. Na tipologia de princípios constitucionais adotada por Canotilho,
distinguem-se os princípios jurídicos fundamentais, os princípios polí-
ticos constitucionalmente conformadores, os princípios constitucio-
nais impositivos e os princípios-garantia79.
O nemo tenetur se detegere amolda-se à categoria dos princípios-
-garantia80, que, segundo Canotilho, visam “instituir directa e imedia-
tamente uma 'garantia' dos cidadãos. É-lhes atribuída uma densidade
de autêntica norma jurídica e uma força determinante, positiva enegativa”81. Observe-se que os princípios constitucionais, entre eles os
77 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 1087-
1088. A ideia de peso e importância dos princípios foi destacada por Dworkin. Segun-
do o referido autor, os princípios possuem uma dimensão de peso ou importância que
inexiste nas regras. A colisão de princípios é solucionada de acordo com o seu peso ou
importância no caso concreto, o que não ocorre com as regras. Em relação a estas, hácritérios estabelecidos pelo ordenamento para exclusão de uma delas (conforme FA-
RIAS, Edilsom Pereira de, Colisão de direitos, cit., p. 27-29). GRAU, Bros Roberto, A or-
dem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica), cit., p. 114. Observa que,
segundo Dworkin, as regras jurídicas não comportam exceções. São aplicáveis de
modo completo ou não.
78 BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 254. BARROSO, Luís Ro-
berto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 148.
Destaca que os princípios constitucionais são a "síntese dos valores mais relevantes da
ordem jurídica”.
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 1093.
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 1093. 81 O nemo tenetur se detegere não é regra. Conforme observa CANOTILHO, J. J. Gomes,
Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 1177, o que caracteriza as regras é a
exigência, proibição ou permissão de algo em termos definitivos, sem qualquer exce-
ção. Isto é, estabelece "direito definitivo". Como se verifica, o nemo tenetur se detegere
não se amolda a tal concepção. Entretanto, há entendimento diverso, preconizado por
TUCCI, Rogério Lauria. Princípio e regras orientadoras do novo processo penal brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, 1986. Referido autor sustenta que o princípio é a regra mais
geral, mais ampla, não escrita, da qual decorrem as demais regras integrantes de deter-
minado sistema (p. 31-32). Salienta que somente há um princípio orientador do siste-
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princípios-garantia, têm força normativa imediata .
A respeito da mencionada categoria de princípios, Edilsom Perei-
ra de Farias destaca que “a eles é geralmente atribuída especificação ou densidade semelhante às de regras jurídicas”83.
A consideração do nemo tenetur se detegere como princípio-garan-
tia, inserido na Constituição, não colide com sua natureza de direito
fundamental, tendo em vista que, via de regra, os direitos fundamen-
tais são consubstanciados na forma de princípios84.
3. O princípio “nemo tenetur se detegere” encartado
no devido processo legal, no direito à defesa, na pre-sunção de inocência e sua relação com a tutela dadignidade humana
Antes de ser reconhecido expressamente no direito brasileiro, por
meio das incorporações, ao direito interno, do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Hu-
manos, já era possível extrair a incidência do nemo tenetur se detegere da
cláusula do devido processo legal, do direito à ampla defesa, com relevopara o direito ao silêncio, e do princípio da presunção de inocência.
Importante realçar, como anteriormente referido, que o nemo te-
netur se detegere não é sinônimo do direito ao silêncio. Tal equivalência
corresponde à adoção de conceito extremamente restrito do nemo tene-
tur se detegere. Atendendo à natureza de direito fundamental do nemo
ma. No caso do processo penal, o princípio publicístico. Cada regra é um desdobra-
mento do princípio, representando uma particularização deste. Nessa ótica, o nemo
tenetur se detegere seria considerado regra, destinada a assegurar o direito à não autoin-
criminação.
ESP NDOLA, Ruy Samuel, Conceito de princípios constitucionais, cit., p. 248.
FARIAS, Edilsom Pereira de, Colisão de direitos, cit., p. 44.
84 A respeito, FARIAS, Edilsom Pereira de, Colisão de direitos, cit., p. 121. Em seu enten-
dimento, os direitos fundamentais são outorgados por "normas jurídicas que possuem
essencialmente as características de princípios". E, também, LOPES, Ana Maria
D'Ávila (Os direitos fundamentais como limites ao poder de legislar, cit., p. 37), que defende
que “os direitos fundamentais são princípios jurídicos na medida em que são normas
de otimização que permitem a solução de um caso da melhor maneira possível”.
93
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tenetur se detegere, o direito ao silêncio apresenta-se como uma de suas
diversas decorrências.
3.1. O “nemo tenetur se detegere” e o devido processo legal
A cláusula do devido processo legal tem origem no direito anglo-
-saxão, surgindo como importante limitação ao arbítrio das autoridades.
Remotamente, na Magna Charta, de João Sem-Terra, outorgada em 1215,
aos barões ingleses. E também na Constituição dos Estados Unidos da
América, especificamente na Quinta e Décima Quarta Emendas85.
Na doutrina, define-se o devido processo legal como "conjunto
de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes oexercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são in-
dispensáveis ao correto exercício da jurisdição”86.
Tais garantias não se destinam a resguardar apenas o interesse
das partes como direitos públicos subjetivos. Qualificam-se como ga-
rantias que objetivam tutelar o próprio processo, legitimando o exercí-
cio da jurisdição87.
Ada Pellegrini Grinover88, a esse respeito, escreve que são garan-
tias e não direitos, porque objetivam tutelar outros direitos; trata-se
85 MELLO FILHO, José Celso de. A tutela judicial da liberdade. RT, São Paulo, 526/291-
302, ago. 1979, esp. p. 298-299. Observa que a cláusula do devido processo legal, no di-
reito norte-americano, é ampla, abrangendo os seguintes direitos: à citação e ao conhe-
cimento do teor da acusação; a um rápido e público julgamento; ao arrolamento de
testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais; ao
procedimento contraditório; a não ser processado, julgado ou con denado por alegadainfração às leis ex postfacto; à plena igualdade entre acusação e defesa; contra medidas
ilegais de busca e apreensão; de não ser acusado nem condenado com base em provas
ilegalmente obtidas; à assistência judiciária e ao privilege contra autoincriminação.
86 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINO-
VER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 82.87 Nesse sentido, CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel
e GRINOVER, Ada Pellegrini, Teoria geral do processo, cit., p. 82. Também FERNAN-
DES, Antonio Scarance (Processopenal constitucional, cit., p. 44) chama a atenção para a
visão publicística do processo.88 GRINOVER, Ada Pellegrini. Defesa, contraditório, igualdade e “par condicio" na
ótica do processo de estrutura cooperatória. In: Novas tendências do direito processual.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 1-16, esp. p. 2.
94
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de garantias, não só das partes, mas da jurisdição, visando o justo pro-
cesso89.
Sobre a matéria, Vicente Greco Filho
90
afirma que a expressão"devido processo legal”, no âmbito processual penal, tem duplo senti-
do: significa processo necessário, porque não é possível aplicar pena
sem processo, e, na segunda acepção, significa processo adequado, ou
seja, aquele que “assegura a igualdade das partes, o contraditório e a
ampla defesa".
O contraditório, que abrange a informação e a possibilidade de
reação, garante o exercício da defesa. Mas a defesa também garante o
contraditório, pois nele se manifesta. Entretanto, só há contraditório
efetivo se houver igualdade de armas entre acusação e defesa, isto é,
equilíbrio entre as partes91.
De destacar, nesse contexto, a passagem de uma ótica individua-
lista das garantias processuais para a publicística, que vem predomi-
nando.
Com as garantias do devido processo legal, o processo não cor-
responde simplesmente a uma concatenação de atos processuais, ten-
dentes a um provimento jurisdicional. Deverá ser realizado em con-
traditório, com observância efetiva de todas as garantias necessáriaspara que as partes possam exercer influência sobre o convencimento
do julgador.
As garantias do devido processo legal não são meramente for-
mais, devendo ser efetivas, concretizadas92.
89
Nesse sentido, SARAIVA, Railda. A Constituição de 1988 e o ordenamento juridico-penal brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 69. Destaca que as garantias do devido pro-
cesso legal asseguram a "legitimidade do procedimento, a imparcialidade do julgador
e a justiça das decisões”. No entendimento da autora, são garantias que possibilitam à
sociedade fazer justiça com a dignidade de preservação dos interesses sociais e não por
vingança.
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 54.
51 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, Defesa, contraditório, igualdade e "par condicio" na
ótica do processo de estrutura cooperatória, cit., p. 4-7.92 A esse respeito, TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo
enal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 67. Ressalta a necessidade da plena contra-
ditoriedade, na ótica do devido processo legal, ou seja, um contraditório substancial e
não meramente formal.
95
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No conjunto de garantias que compõem o devido processo legal
podem ser enumeradas: a garantia do juiz natural, do contraditório, da
ampla defesa, da igualdade processual, da publicidade e do dever de
motivar as decisões judiciais; a inadmissibilidade de provas obtidas por
meios ilícitos93.
Apontam-se outras, específicas do processo penal: a presunção de
inocência; vedação de identificação dactiloscópica, quando houver
identificação civil, ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição;
garantias relativas à prisão (ordem judicial, salvo hipótese de flagrante
e de transgressões e crimes propriamente militares; direito à identifica-
ção dos responsáveis pela prisão; interrogatório, liberdade provisória,
direito ao silêncio e à assistência da família e de advogado)94.
Registre-se a tendência de que a cláusula do devido processo le-
gal, bem como as' garantias dela decorrentes, seja consignada nos tex-
tos constitucionais. A Constituição de 1988 abraçou essa tendência e
elencou, além da garantia do devido processo legal, as demais enume-
radas.
No aludido quadro de garantias, que compõem o devido proces-
so legal, insere-se também o nemo tenetur se detegere como um dos prin-
cípios que asseguram a legitimação da jurisdição, dentro de uma visãoética do processo penal95.
93 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINO-
VER, Ada Pellegrini, Teoria geral do processo, cit., p. 82-84. TUCCI, Rogério Lauria, Di-
reitos e garantias individuais no processo penal brasileiro, cit., p. 70-71. Aponta esse autor
as seguintes garantias como integrantes do devido processo penal: acesso à Justiça
Penal; do juiz natural; de tratamento paritário dos sujeitos processuais; da plenitude dedefesa; da publicidade dos atos processuais penais; da motivação dos atos decisórios;
da fixação de prazo razoável para duração do processo e da legalidade da execução
penal.
94 Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINO-
VER, Ada Pellegrini, Teoria geral do processo, cit., p. 82-84.95 Destaca, a esse respeito, GRINOVER, Ada Pellegrini (As garantias constitucionais do
direito de ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 39) que, desde a origem, en-
tendia-se violada a garantia do devido processo legal "sempre que as formas de proce-
dimento impedissem o direito de defesa". E que, entre as garantias mais significativas
do processo penal, inseria-se o direito ao defensor e o direito a não se autoacusar.
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O nemo tenetur se detegere, encartado no direito à ampla defesa e na
presunção de inocência, reflete-se ainda em outras garantias essenciais
para que a finalidade do processo seja atingida: no direito à integridadefísica e moral do acusado e na vedação de tortura e outros tratamentos
desumanos e degradantes.
A doutrina96, via de regra, reporta-se ao direito à integridade físi-
ca e moral, assegurado no texto constitucional, no art. 5-, XLIX, como
direito que incide na execução penal, especialmente tendo em vista a
dicção do dispositivo que alude ao “preso”.
Entretanto, a exemplo de outros dispositivos do art. 5-, que
consagram direitos e garantias fundamentais, não se restringe o
referido direito ao preso, nem incide ele somente na fase de execu-
ção da pena.
Como direito fundamental, tem ele incidência em toda a perse-
cução penal, desde a investigação. Aplica-se, pois, ao acusado e não
somente ao sentenciado.
Desse modo, vincula-se o referido direito ao nemo tenetur se dete-
gere, na médida em que deve ser preservada a integridade física e moral
do acusado. Não podem assim ser aplicadas ao acusado medidas aten-
tatórias à sua integridade física e moral, incluindo-se as que objetivam
sua cooperação na persecução penal. Cuida-se de outro direito funda-
mental que tutela a dignidade humana.
Já a vedação do emprego de tortura, tratamento desumano ou
degradante apresenta direta relação com o nemo tenetur se detegere, na
medida em que o citado princípio impede a utilização de qualquermeio tendente a obrigar o acusado a cooperar na persecução penal. A
tortura é um desses meios, por excelência, pelo qual se pretende obter,
via de regra, a confissão. Como se verifica, citado dispositivo guarda
também estreita vinculação com a tutela do direito ao silêncio.
96 Nesse sentido, TUCCI, Rogério Lauria, Direitos e garantias individuais no processo pe-
nal brasileiro, cit., p. 360.
97
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gundo refere-se ao momento do interrogatório, quando o acusado po-
derá influir sobre o convencimento do julgador101.
A autodefesa, embora assegurada constitucionalmente, é tida porrenunciável, podendo, portanto, o acusado exercê-la ou não. Já a defesa
técnica, por profissional legalmente habilitado, é indisponível, deve ser
plena e efetiva. Somente assim será assegurada a igualdade de armas e
o contraditório. A defesa, como anteriormente observado, é garantia
da própria jurisdição.
O interrogatório apresenta-se como oportunidade de maior rele-
vo para o exercício da autodefesa.
Somente com o reconhecimento do direito ao silêncio é que sevalorizou, no ordenamento nacional, a autodeterminação e a liberda-
de moral do acusado, para decidir se colabora ou não na persecução
penal, especificamente no momento do interrogatório102.
O direito ao silêncio, enumerado na Constituição Federal como
direito de permanecer calado, é decorrência do princípio nemo tenetur
se detegere e coloca-se na esfera da autodefesa. Além disso, o silêncio
pode representar também uma estratégia da defesa.
Mas o nemo tenetur se detegere não se esgota no direito ao silêncio.Compreende direito mais amplo, que é o de não se autoincriminar.
A autodefesa abrange, assim, também o direito de recusa em co-
laborar na produção de provas que possam importar em autoincrimi-
nação103.
101 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini, Defesa, contraditório, igualdade e "par
condido” na ótica do processo de estrutura cooperatória, cit., p. 10.
102 MANZINI, Vincenzo. Trattato di diritto processuale penale italiano secando il nuovo co-
dice. Torino: UTET, 1931, v. 2, p. 306. Afirma que o direito de defesa compreende o
direito de não responder.103 AZEVEDO, David Teixeira de, O interrogatório do réu e o direito ao silêncio, cit., p.
290. Afirma que a ampla defesa apresenta dois aspectos: o positivo, que se realiza
na "efetiva utilização dos instrumentos, dos meios e modos de produção, certifica-
ção, esclarecimento ou confrontação de elementos de prova que digam com a ma-
terialidade da infração criminal e com a autoria”, e o negativo, consistente na "não
produção de elementos probatórios de elevado risco ou potencialidade danosa à
defesa do réu".
99
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vo de tutela à dignidade humana, expressão máxima dos direitos hu-
manos, agasalhada na Constituição Federal como fundamento da Re-
pública Federativa do Brasil (art. I2, III).
Em reforço, o art. 52, § 2°, do texto constitucional, em sua primei-
ra parte, dispõe que os direitos e garantias expressos na Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados. Assim, acolhida a dignidade humana como um dos valores
fundamentais do Estado brasileiro, incorpora-se o nemo tenetur se dete-
gere no elenco de direitos fundamentais, como dela decorrente, por
força do disposto no aludido art. 5-, § 2-, da Constituição.
Em suma, o princípio nemo tenetur se detegere foi acolhido, expres-samente, no direito brasileiro com a incorporação ao direito interno
do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos.
Por força de tal incorporação, em consonância com o disposto no
art. 52, § 2-, da Constituição Federal, como direito fundamental, a nor-
ma que prevê o nemo tenetur se detegere possui hierarquia constitucional,
o que foi corroborado pelo art. 52, § 3-, da Magna Charta, acrescentado
pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004. Trata-se de um princípio--garantia.
Como direito fundamental, não poderá ser suprimido nem mes-
mo por emenda constitucional.
Expressamente também foi previsto no art. 5a, LXIII, da Consti-
tuição Federal o direito ao silêncio, uma das decorrências do princípio
nemo tenetur se detegere.
O princípio em foco decorre igualmente das garantias do devido
processo legal e da ampla defesa, mais especificamente na vertente daautodefesa, bem como da presunção de inocência, princípios estes aga-
salhados na Constituição Federal, em seu art. 52, LIY LV e LVII, res-
pectivamente.
E, sobretudo, dada a vinculação do princípio nemo tenetur se dete-
gere à preservação da dignidade humana, que é um dos postulados nor-
teadores do Estado brasileiro, como Estado Democrático de Direito
(art. I2, III, da Constituição Federal), possível seria extrair seu reconhe-
cimento no direito brasileiro, mesmo que não fosse expressamente
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previsto, como direito fundamental decorrente do regime e dos princí-
pios adotados na Constituição.
Desse modo, o princípio nemo tenetur se detegere insere-se no orde-namento jurídico brasileiro como direito fundamental, de hierarquia
constitucional, ressaltando-se tal aspecto pelas conseqüências que ad-
virão quanto à interpretação dos dispositivos infraconstitucionais que
versam sobre o interrogatório e sobre as provas que dependem da co-
laboração do acusado para sua produção e pelas limitações que devem
ser observadas por eventual nova legislação a esse respeito.
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Não se reconhecia o direito ao silêncio e o acusado era obrigado
a falar, mesmo que para isso fosse necessário o emprego de força. Pro-
pugnava-se a descoberta da verdade, ainda que à custa de constrangi-
mento contra a integridade física e a liberdade moral do acusado. Bus-cava-se, a qualquer preço, a confissão. A verdade extorquida do acusa-
do era tida como decisiva para o resultado do processo penal. O acusa-
do era objeto da prova3. Tal modelo é característico nos sistemas nos
quais impera o autoritarismo.
Nesse modelo, o acusado era obrigado a prestar declarações,
sempre com vistas à obtenção da confissão, mesmo que, para tanto, se
empregasse a tortura. Ele era tido como detentor de uma verdade ab-
soluta, que deveria ser revelada a todo custo. Referida ideia está asso-ciada, evidentemente, à conclusão pré-concebida de que o acusado era
culpado4. Sendo culpado tinha pleno conhecimento da realidade ocor-
rida e a confissão passava a ser o melhor instrumento para alcançar a
verdade real5.
Não se reconhecia ao acusado, de forma alguma, o direito ao si-
lêncio. A regra é que ele deveria falar. E mais: deveria confessar, o que
eqüivale a dizer, autoincriminar-se. A confissão era tida como a mais
convincente das provas6
. Na realidade, no processo inquisitório da Idade Média havia
uma prévia convicção sobre a culpabilidade do acusado, e a tortura
era o instrumento para confirmá-la por meio da confissão. A evidên-
cia, por absoluta incompatibilidade, não se podia admitir que o acusa-
do silenciasse.
3 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini. Interrogatório do réu e direito ao silên-
cio. Ciência Penal, São Paulo, v. 1, p. 15-31, 1976, esp. p. 18 e 19. Referida autora destaca
que, no sistema inquisitório, o acusado era objeto do processo.
4 A esse respeito, NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova
no processo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 147. Salienta que no
sistema inquisitório há presunção de culpa do acusado.5 Nesse sentido, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 22.6 ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto e LEVENE HIJO, Ricardo. Derecho procesal
penal. Buenos Aires: Kraft, 1945, t. 2, p. 220. Sustentam que a confissão, no modelo
inquisitório, era fator essencial para a condenação.
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O interrogatório, em dado ordenamento, poderá ter a natureza
de meio de prova ou meio de defesa.
A sua natureza jurídica como meio de prova deita raízes no mo-
delo inquisitório, no qual, como anteriormente observado, o acusadoé objeto da prova11.
Sendo o interrogatório meio de prova12, o acusado não pode dei-
xar de responder às indagações que lhe forem formuladas. É obrigado
a responder. Não tem direito ao silêncio.
Já a natureza jurídica do interrogatório como meio de defesa13
coloca em relevo a faculdade que tem o acusado de responder às ques-
11 Segundo esse enfoque, o acusado pode ser constrangido, pelas mais diversas formas,
a manifestar o seu conhecimento sobre os fatos. Nesse sentido, CAMPO, Orazio, Inter-
rogatorio delVimputato, cit., p. 334.
12 Defendem que o interrogatório é meio de prova, na doutrina italiana: FOSCHINI,
Gaetano ( Imputato. Milano: Giuffrè, 1956, p. 58), que destaca ainda que o objetivo do
interrogatório é a verificação da verdade; DE MARSICO, Alfredo. Diritto processuale
penak. 4. ed. Napoli: Jovene, 1966, p. 202; ALAIMO, Giuseppe (Sulla omissione
dell‟avver timento all'imputato circa la facoltà di non rispondere. Rivista Italiana di Di-ritto e Proceduta Penale, Milano, p. 676-692,1979), que observa que, segundo a Corte de
Cassação, o interrogatório é meio de prova. Na doutrina nacional, BARROS, Romeu
Pires de Campos. Direito processual penal brasileiro. São Paulo: Sugestões Literárias,
1971, v. 2, p. 746, embora reconheça característica autodefensiva no interrogatório.
” Sustentam que o interrogatório é meio de defesa, na doutrina italiana: FLOR1AN,
Eugênio. Delle prove penali, Milano: Vallardi, 1924, v. 2, p. 24; MANZINI, Vincenzo. Is-
tituzioni di diritto processuale penale. Padova: CEDAM, 1950, p. 199; ALTAVILLA, Enri-
co. Psicologia judiciária. Trad. Fernando de Miranda. Coimbra: Armênio Amado, 1959,
v. 3, p. 9; CAMPO, Orazio, Interrogatorio deH‟imputato, cit., p. 335; RAMAJOLI, Sér -
gio, La prova nel processo penale. Milano: CEDAM, 1998, p. 40. Na doutrina nacional:
SIQUEIRA, Galdino. Curso de processo criminal. 2. ed. Rio de Janeiro: Magalhães, 1937,
p. 452; ROMEIRO, Jorge Alberto. Considerações sobre o conceito do interrogatório do acu-
sado. Rio de Janeiro: Alba, 1942, p. 40; FARIA, Antonio Bento de. Código de Processo Pe-
nal: Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Rio de Janeiro: Record, 1960, p. 281;
FRANCO, Ary de Azevedo. Código de Processo Penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1960, v. 1, p. 273; ROSA, Inocêncio Borges da. Comentários ao Código de Processo Penal.
3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 296; PIMENTEL, Manoel Pedro. Advo-
cacia criminal. Teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 169;
ALMEIDA, Angélica Maria Mello de. O interrogatório do acusado como ampla defesa. São
Paulo: FADUSP, 1991. Esta, em dissertação de mestrado, também salienta que o inter-
rogatório é meio de defesa e que o direito ao silêncio é inerente a ele.
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tões formuladas. Deve decidir, de acordo com seu livre-arbítrio, entre
responder ou não às perguntas feitas. Sendo assim, tem o direito de
silenciar.
O interrogatório vincula-se ao direito de audiência e, por suavez, à autodefesa. Nessa ótica, o interrogatório é o instrumento
pelo qual o acusado pode expor a sua versão dos fatos14. Constitui,
portanto, meio de defesa. Para tanto, deve ele estar ciente de seus
direitos e da ausência do dever de fornecer elementos de prova em
seu prejuízo15.
A única conseqüência admissível do silêncio, nessa perspectiva, é
a não apresentação da versão dos fatos, pelo acusado, deixando ele de
aproveitar a oportunidade para apresentar, desde logo, elementos emfavor de sua defesa. Se o acusado opta por responder às indagações
feitas, adota uma postura mais atuante na autodefesa.
Entretanto, não se poderá daí concluir pela confissão ficta, como
outrora se inferia tendo em vista o seu silêncio. E muito menos inter-
pretar o silêncio como indício de culpabilidade.
Poderá, eventualmente, o interrogatório apresentar-se como fon-
te de prova16. É que, quando o acusado optar por responder às pergun-
14 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GO-
MES FILHO, Antonio Magalhães. Ai nulidades do processo penal. 4. ed. São Paulo: Ma-
lheiros, 1995, p. 72.
Cf. GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 130.
16 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GO-
MES FILHO, Antonio Magalhães, Ai nulidades do processo penal, cit., p. 73. Referidos
autores afirmam que o juiz poderá tomar conhecimento de elementos úteis para adescoberta da verdade, no interrogatório, mas essa não é a finalidade essencial deste.
Poderá o interrogatório constituir, eventualmente, fonte de prova, mas não meio de
prova. Na doutrina italiana, GABRIELI, Francesco e DOLCE, Raffaele. Interrogatorio
(diritto processuale penale). In: Novíssimo Digesto Italiano. Torino: UTET, 1962, v. 8, p.
920-925. Também sustentam que o interrogatório é meio de defesa, mas fonte de pro-
va. No mesmo sentido, MASSA, Cario. Dibattimento. In: Novíssimo Digesto Italiano.
Torino: UTET, 1962, v. 5, p. 579-594, e MAZZANTI, Manlio. Rilievi sulla natura giuri-
dica deirinterrogatorio deU'imputato. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Mila-
no, p. 1172-1183,1961, esp. p. 1175. O último autor afirma que o interrogatório é meio
de defesa e de informação. RAMAJOLI, Sergio (La prova nel processo penale, cit., p. 40)também sustenta que o interrogatório é meio de defesa e possível elemento de prova.
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tas formuladas, fornecendo sua versão dos fatos, poderá declinar ele-
mentos probatórios que deverão ser levados em conta pelo julgador.
Não se descarta, assim, possa o juiz averiguar a verdade dos fatos por
meio do interrogatório do acusado, no qual podem até mesmo ser re-velados elementos prejudiciais à sua defesa17. O que não se permite é
que o juiz exerça constrangimento sobre a liberdade moral e a autode-
terminação do interrogando.
Parte da doutrina defende que o interrogatório é meio de prova e
de defesa18. Segundo esse posicionamento, o juiz poderá servir-se de
elementos constantes do interrogatório para o seu convencimento,
concluindo-se daí que se trata de meio de prova. Além disso, presta-se
à defesa do acusado. Mas há quem sustente que o interrogatório so-mente pode ser tido como meio de prova em relação a terceiros19.
Importa considerar que a sua natureza jurídica, em dado orde-
namento jurídico, não está vinculada apenas à sua inserção como
17 Nesse sentido, as observações de GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit.,
p. 130.18 Conforme LANZA, Vincenzo. Principi di diritto processuale penale. Roma: Atheneum,
1914, p. 243; SABATINI, Guglielmo. Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale. Ca-
tanzaro: Stabilimento Tipográfico Gaetano Filipo, 1915, v. 2, p. 324-325; VASSALI,
Giuliano. Garanzie costituzionali ed esercizio dei diritto di difesa. In: Scritti giuridici.
Milano: Giuffrè, 1997, v. 3, p. 643-664; BOSCHI, Marco. Interrogatorio (diritto proces-
suale penale). In: Enciclopédiagiuridica. Roma: Treccani, 1989, v. 17, p. 1-9, esp. p. 1. Na
doutrina argentina: RUBIANES, Carlos J. Manual de derecho procesal penal. Buenos Ai-
res: Depalma, 1978, v. 3, p. 62-63. Observa que o interrogatório é essencialmente meio
de defesa, mas pode ser meio de prova, quando ocorre a confissão. No direito portu-
guês, DIAS, Jorge Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra Ed., 1974, p.440-443, e FERREIRA, Manuel Cavaleiro de. Curso de processo penal. Lisboa: Danúbio,
1986, p. 228; no direito nacional, MARQUES, José Frederico. Elementos de direito proces-
sual penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1961, v. 2, p. 21; BARAÚ-
NA, José Roberto. Lições de processo penal. 2. ed. São Paulo: Bushatsky, 1979, p. 119-120;
BARROS, Antonio Milton de. A defesa do acusado e sua intervenção no interrogatório
judicial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 14, p. 131-140,1996, esp. p.
140. Sustenta que, sendo meio de defesa e de prova o interrogatório, deveria haver
participação do Ministério Público e da defesa no ato.
19 Sustenta referido posicionamento BARGIS, Marta. In tema di interrogatorio dei
coimputato. RivistaltalianadiDirittoeProceduraPenale, Milano, p. 1589-1596,1979, esp. p. 1589.
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meio de prova - ou não - na legislação, mas sobretudo ao tratamento
que é dispensado ao acusado quanto ao princípio nemo tenetur se dete-
gere 10 .
Em última instância, o reconhecimento ou não do nemo tenetur se
detegere revela também a opção entre uma concepção autoritária ou
liberal do processo21.
2. Valor probatório do interrogatório
Dependendo da natureza jurídica do interrogatório, em determi-
nado ordenamento jurídico, é que se pode dimensionar o seu valor
probatório, embora as declarações prestadas pelo acusado sejam sem-pre consideradas com reservas22.
No direito nacional, Jorge Alberto Romeiro23 chega a afirmar, a
esse respeito, que o acusado, culpado ou inocente, sempre distorce a
verdade dos fatos.
20 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini, Interrogatório do réu e direito ao silêncio,
cit., p. 16.
21 Segundo MAZZA, Oliviero (Interrogatorio ed esame dellimputato: identità di natu-
ra giuridica e di efficacia probatoria. R ivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano,
p. 822-870, 1995, p. 823), as regras que regulam o saber do acusado refletem a relação
autoridade-cidadão.22 A esse respeito, CHIMENTI, Francesco (O processo penal e a verdade material. Rio de
Janeiro: Forense, 1995, p. 72), salienta que o interrogatório tem valor probatório, de-
pendendo da credibilidade que dele deflui em cada caso concreto. Por isso, o referido
autor prega a necessidade de obrigar-se o acusado a dizer a verdade. Na doutrina ita-liana, MAZZANTI, Manlio (Rilievi sulla natura giuridica deU‟interrogatorio
delllmputato, cit., p. 1179) sustenta que o interrogatório não possui valor probatório.
Conforme seu entendimento, só mediatamente o interrogatório conduz à verificação
da verdade. Mesmo considerando o escasso valor probatório das declarações prestadas
pelo acusado, diversos autores destacam a importância do interrogatório para a apura-
ção da verdade. Nesse sentido, a título ilustrativo: DIAS, Jorge Figueiredo, Direito pro-
cessual penal, cit., p. 440, e, do mesmo autor, Rapport du groupe nationel portugais de
la AIDP. Revue Internationale de Droit Pénal, Paris, 1979, p. 272; ainda ALTAVILLA, En-
rico, Psicologia judiciária, cit., v. 3, p. 9.23 ROMEIRO, Jorge Alberto, Considerações sobre o conceito do interrogatório do acusado,
cit., p. 54.
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Na doutrina estrangeira, destaca Mariuccia GiaccaZ4 que a contri-
buição oral do acusado na reconstituição dos fatos ocorridos é funda-
mental, mas sua qualidade de acusado gera dúvidas acerca da veracida-
de daquilo que afirma. Também Sabatini25 já apontava a escassa eficá-cia probatória do interrogatório, sobretudo nos sistemas que não ad-
mitem o juramento do acusado.
Nos ordenamentos em que o interrogatório é meio de prova reco-
nhece-se o valor probatório das declarações prestadas pelo acusado26.
Em reforço, chega-se até mesmo a inquiri-lo, sob juramento, se
ele assim desejar, aumentando-se consideravelmente o valor probató-
rio de suas declarações. É o que ocorre no direito norte-americano, no
qual se reconhece ao acusado a opção de submeter-se ao cross examina-
tion. Nesse caso, passará a ostentar o status de testemunha de defesa.
Após o juramento, obrigando-se a dizer a verdade, será submetido ao
direct examination, por parte do defensor, e, finalmente, ao cross exami-
nation, pela acusação. Com isso, atribui-se maior valor probatório às suas declarações.
Quando se considera o interrogatório meio de defesa, o valor
probatório que lhe é atribuído é escasso27. Isto porque o acusado não é
24 GIACCA, Mariuccia. Cesame deH'imputato nell‟esperienza comparatistica: spunti
problematici. R ivista Italiana di Diritto Penale e di Diritto Processuale Penale, Milano, p.
165-182,1996, esp. p. 165. No direito nacional, AZEVEDO, David Teixeira de. O inter-
rogatório do réu e o direito ao silêncio. RT, São Paulo, v. 682, p. 285-298, ago. 1992, p.
287, observa que, se o acusado se defende no interrogatório, entende-se que não fez
senão exercitar o direito natural de defesa, podendo inclusive mentir. Ou seja, as decla-rações do acusado não são dotadas de grande credibilidade. Contudo, se silencia ou se
incrimina, há presunção de que a imputação é verdadeira.
SABATINI, Guglielmo, Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale, cit., v. 2, p. 325-326.
26 BOSCHI, Marco, Interrogatorio (diritto processuale penale), cit., p. 2, observa que as
declarações prestadas pelo acusado têm valor probatório como as outras provas. Se-
gundo o referido autor, somente no caso concreto é que se poderá estabelecer qual a
prova mais relevante. Mas, de antemão, não há por que atribuir menor valor às decla -
rações do acusado.
27
ROSA, Inocêncio Borges da, Comentários ao Código de Processo Penal, cit., p. 308, en-tende, porém, que, mesmo não havendo juramento, as declarações prestadas pelo acu-
sado têm valor.
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obrigado a dizer a verdade. Por via de conseqüência, admite-se possa
ele mentir, na ausência de instrumentos que venham a compeli-lo a
dizer a verdade.
Nessa esteira, o interrogatório apresenta-se como oportunida-de processual em que o acusado poderá exercer a autodefesa, falan-
do ou silenciando. Se ele fornecer elementos probatórios, por meio
de suas respostas, caberá ao juiz diligenciar sobre as fontes de prova
reveladas.
3. O interrogatório do acusado e a confissão
Como se salientou, no sistema inquisitório, buscava-se, a todocusto, a confissão, que era tida como prova decisiva da autoria e da
culpabilidade do acusado.
Modernamente, a confissão deixou de ser considerada a “rainha
das provas”, devendo sempre ser valorada em conjunto com as demais
provas produzidas.
Porém, as resistências que o princípio nemo tenetur se detegere
encontra para ser aplicado, em sua inteireza, no processo penal ain-
da estão associadas à ideia de que o acusado deve contribuir para a
apuração da verdade material. Em outras palavras, a ideia da con-
fissão como algo esperado está sempre presente nas referidas resis-
tências28.
28 LEAL, Antonio Luiz da Camara. Comentários ao Código de Processo Penal brasileiro. Rio
de Janeiro: Freitas de Bastos, 1943, p. 490. Destaca que a confissão não é natural. AL-
TAVILLA, Enrico, Psicologia judiciária, cit., v. 3, p. 59-60. Salienta esse autor que a con-
fissão é contrária ao instinto de conservação, mas pode ter várias motivações. Segundo
o autor, normalmente a confissão é imposta pela evidência dos fatos. Em acréscimo,
sustenta que a confissão aplaca consciências. Ocorrendo a confissão e sobrevindo con-
denação, que se depois se apresenta equivocada, a responsabilidade é atribuída ao con-
fitente (a respeito: ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo
penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 104, e BARANDIER, Antonio Carlos. Confis-
são: supremo objetivo da investigação. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Pau-lo, p. 79-82, jul./set. 1993, esp. p. 81).
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A confissão é admissão da prática de determinado fato crimino-
so. Deverá ser expressa, livre, voluntária e realizada pessoalmente,
diante da autoridade competente29.
A doutrina é unânime em afirmar que a confissão não temvalor absoluto30, devendo sempre ser valorada no conjunto pro-
29 Na doutrina, LEAL, Antonio Luiz da Câmara, Comentários ao Código de Processo Pe-
nal, cit., p. 489, conceitua a confissão como “reconhecimento da verdade da imputa -
ção que lhe é atribuída, feita pelo próprio acusado”. ESPÍNOLA FILHO, Ed uardo,
Código de Processo Penal brasileiro anotado, cit., v. 3, p. 32, na mesma esteira, define a
confissão como "aceitação de que é real o fato imputado”. ROSA, Inocêncio Borges da, Comentários ao Código de Processo Penal, cit., p. 301, também salienta que a confis-
são é a “declaração que o acusado faz, reconhecendo ou afirmando a prática do fato
reputado criminoso e a sua autoria ou coautoria”. MARQUES, José Frederico, Elemen-
tos de direito processual penal, cit., v. 2, p. 329, sustenta que a confissão é testemunho
duplamente qualificado: “do ponto de vista objetivo, porque recai sobre fatos contrá -
rios ao interesse de quem confessa; e do ponto de vista subjetivo, porque provém do
próprio réu, e não de terceiro”. TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 7. ed. São
Paulo: Saraiva, 1990, v. 1, p. 378, afirma que a confissão é “declaração pela qual alguém
admite sar autor de crime”. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal.
20. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 3, p. 282, define a confissão como "reconhecimento
feito pelo imputado da própria responsabilidade”. NUCCI, Guilherme de Souza, O
valor da confissão como meio de prova no processo penal, cit., p. 80, afirma que confessar, no
processo penal, é “admitir contra si, por quem seja suspeito ou acusado de um crime,
tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade
competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato crimi-
noso”. Destaca, igualmente, a doutrina que a confissão pressupõe a capacidade da
pessoa que confessa.
30 Nesse sentido, a título ilustrativo: LEAL, Antonio Luiz Camara da, Comentários ao
Código de Processo Penal brasileiro, cit., p. 490; ESPÍNOLA FILHO, Eduardo, Código de Processo Penal brasileiro anotado, cit., v. 3, p. 32; MARQUES, José Frederico, Elementos de
direito processual penal, cit., v. 2, p. 328; ROSA, Inocêncio Borges da, Comentários ao Có-
digo de Processo Penal, cit., p. 302; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo
penal, cit., v. 3, p. 283, TORNAGHI, Hélio, Curso de processo penal, cit., v. 1, p. 379-380, e
ARANHA, Adalberto Q. T. de Camargo, Da prova no processo penal, cit., p. 113. O últi-
mo autor destaca, porém, que se tratando de admissão de culpa pelo próprio acusado,
a confissão tem realce probatório. No direito português: FERREIRA, Manuel Cavalei-
ro de, Curso de processo penal, cit., p. 228. Contudo, SABATINI, Giuseppe. Prova. In:
Novissimo Digesto Italiano. Torino: UTET, 1962, v. 14, p. 300-322, esp. p. 310, sustenta
que a confissão é expressão da personalidade do acusado, não apresentando natureza probatória.
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batório. No direito brasileiro, é o que decorre do art. 197 do di-
ploma processual penal.
No Código de Processo Penal brasileiro, a confissão foi elenca-
da entre os meios de prova31. A maior parte da doutrina não aborda,
31 A propósito, distingue a doutrina nacional os conceitos de objeto da prova, fonte de
prova e meio de prova. Segundo GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio
Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p.
105, diferencia-se a fonte da prova, que são os fatos; os meios de prova, que são os
instrumentos pelos quais os fatos se fixam em juízo e o objeto da prova, que é o fato a
ser provado. ROSA, Inocêncio Borges da, Comentários ao Código de Processo Penal, cit., p.262, conceitua os meios de prova como "dados que se destinam e que se utilizam para
descobrir a verdade acerca da prática de um ato ou fato, ou da existência de uma coi-
sa”. O mencionado aütor entende que meio, espécie e elemento de prova são sinôni -
mos. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal, cit., v. 3, p. 222-223, en-
sina que objeto da prova são os fatos; fonte de prova é "tudo quanto possa ministrar
indicações úteis, cujas comprovações sejam necessárias” (p. 223); meio de prova é
"tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, à comprovação da verdade que se
procura no processo” (p. 223). GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São
Paulo: Saraiva, 1991, p. 176, define os meios de prova como os "instrumentos pessoais
ou materiais aptos a trazer ao processo a convicção da existência ou inexistência de umfato”. BARAUNA, José Roberto, Lições de processo penal, cit., p. 124, define o objeto da
prova como “a coisa, o fato, o acontecimento, a situação ou a circunstância sobre que
versa o litígio”. E os meios de prova como "todos os procedimentos legais, bem como
os moralmente legítimos, ainda que não previstos nas leis, que sirvam para provar a
ver dade dos fatos em que se funda a acusação ou a defesa”. Contudo, entende o refe -
rido autor, na esteira da doutrina italiana, que a busca e apreensão, a acareação e o
reconhecimento são meios de obter a prova ou de aferir-se o valor delas. Já a doutrina
italiana distingue, usualmente, o objeto da prova, os meios de prova e os meios de
obtenção da prova. FLORIAN, Eugênio, Delle prove penali, cit., v. 1, p. 132 e s., ensina
que meio de prova é tudo que serve para estabelecer a verdade de um fato relevante
para a sentença, ou seja, tudo o que serve para proporcionar convencimento ao juiz. É
meio de conhecimento. Diz respeito ao conteúdo. Não se confunde com o órgão de
prova (meio pelo qual o objeto da prova ingressa no processo, levado ao conhecimen-
to do juiz). MANZINI, Vincenzo, Istituzioni di diritto processuale penale, cit., p. 144-145,
distingue o objeto da prova, que são os fatos que interessam à decisão do juiz e os
meios de prova, elementos que servem para a obtenção da certeza judicial. PAGLIA-
RO, Antonio e TRANCHINA, Giovanni. Istituzioni di diritto e procedura penale. 3. ed.
Milano: Giuffrè, 1996, p. 275, destacam que objeto da prova são os fatos que se referem
à imputação, à punibilidade e à determinação da pena ou da medida de segurança.
Quanto à distinção entre meios de prova e meios de busca de prova, SIRACUSANO,
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especificamente, a questão da natureza jurídica da confissão. Afir-
ma-se que esta é meio de prova32, elemento de prova33, ou a própria
prova34.
A confissão é meio de prova. Trata-se de instrumento para fixa-ção dos fatos em juízo. Fornece, diretamente, elementos para o con-
Delfrno. Prova. Enciclopédia giuridica. Roma: Treccani, 1989, v. 25, p. 1-14, esp. p. 4,
destaca que os meios de prova oferecem ao juiz resultados probatórios diretamente
utilizáveis na decisão. Já os meios de busca de prova não são fonte de convencimento,
mas por eles se obtêm coisas materiais, resquícios e declarações.
32 Nesse sentido: FARIA, Antonio Bento de, Código de Processo Penal: Decreto-Lei n. 3.689,
de 3 de outubro de 1941, cit., p. 290, entende que a confissão é meio de prova. ARANHA,
Adalberto Q. T. de Camargo, Da prova no processo penal, cit., p. 113. NUCCI, Guilherme
de Souza, O valor da confissão como meio de prova no processo penal, cit., p. 85. Referido
autor sustenta que a confissão não deixa de ser testemunho prestado pelo próprio
acusado e constitui meio de prova na medida em que é um dos instrumentos disponí-
veis para o julgador chegar à verdade dos fatos. Na doutrina italiana, FLORIAN, Eugê-
nio, Delle prove penali, cit., v. 2, p. 41, entende que a confissão é meio de prova material,
na medida em que o seu conteúdo tem valor, desde que o juiz a considere crível e
concludente. MANZINI, Vincenzo, Istituzioni di diritto processuale penale, cit., p. 158,
também defende que a confissão é meio de prova e deve ser valorada como indício. Nomesmo diapasão, MAZZANTI, Manlio, Rilievi sulla natura giuridica deWinterrogatorio
dellHmputato, cit., p. 1180, observa que a confissão é meio de prova, devendo ser valo-
rada como indício. E ainda: MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame delfimputato:
identità di natura giuridica e di efficacia probatoria, cit., p. 858. No direito argentino:
RUBIANES, Carlos J., Manual de derecho procesalpenal, cit., v. 3, p. 63. Na doutrina espa-
nhola: MELLADO, José Maria Asencio. Pruéba prohibida y prueba preconstituida. Ma-
drid: Trivium, 1989, p. 134, sustenta que a confissão é meio de prova, submetida à livre
apreciação judicial, assim como outros. Para o referido autor, a confissão não é indício
porque se relaciona diretamente com o fato investigado.
33 MARQUES, José Frederico, Elementos de direito processual penal, cit., v. 2, p. 330. No
direito italiano, RAMAJOLI, Sergio, La prova nel processo penale, cit., p. 42, sustenta
que a confissão é elemento de prova. Não deve ser valorada como indício. MANZI-
NI, Vincenzo, Trattato di diritto processuale penale italiano, cit., v. 3, p. 154, afirma que
não há distinção entre meio e elemento de prova e salienta que aqueles que distin-
guem as duas categorias não apontam, com precisão, quais são as características
distintivas.34 GRECO FILHO, Vicente, Manual de processo penal, cit., p. 203, destaca que a
confissão não é meio de prova, mas a própria prova. No entendimento do referi-
do autor, meio de prova é o interrogatório. Na doutrina italiana, LANZA, Vin-
cenzo, Principi di diritto processuale penale, p. 243, também considera a confissão
uma prova.
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vencimento do julgador35, de modo específico sobre a existência do
fato, sua autoria e circunstâncias nas quais se verificou. Tanto quanto
outros meios de prova, deverá ser valorada no conjunto probatório.
De destacar que a natureza da confissão não deve ser confundidacom a do interrogatório36. Este é meio de defesa e fonte de prova. Ex-
cepcionalmente, durante o interrogatório, poderá ocorrer a confissão,
que é meio de prova.
Antes da Lei n. 10.792, de l2 de dezembro de 2003, não havia
previsão legal de perguntas das partes no interrogatório. Assim sendo,
a confissão não era produzida sob o crivo do contraditório37. Entendia-
-se, porém, que a falta deste, em sua produção, não descaracterizava
sua natureza de meio de prova. Havia distorção que deveria ser resol-vida ãe iureconâendo 38. Essa questão ficou superada com a Lei n. 10.792,
35 DOSI, Ettore. Confessione (diritto processuale penale). In: Enciclopédia giuridica.
Roma: Treccani, 1989, v. 8, p. 1-7, esp. p. 4, sustenta que a confissão é fonte de conven-
cimento para o julgador. No mesmo diapasão: MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed
esame dell‟imputato: identità di natura giuridica e di efficacia probatoria, cit., p. 858,
que salienta que a confissão é meio de prova porque os elementos dela resultantes se-rão considerados nos provimentos jurisdicionais.
36 A propósito, MANZINI, Vincenzo, Istituzioni di diritto processuale penale, cit., p. 158,
ressalta que a confissão não deve ser confundida com o interrogatório, porque repre-
senta fato excepcional, contrário aos propósitos do interrogatório, que é meio de de-
fesa. No mesmo sentido: MAZZANTI, Manlio, Rilievi sulla natura giuridica
deli'interrogatorio dellimputato, cit., p. 1180 observa que a confissão se distingue do
interrogatório assim como o conteúdo se diferencia daquilo que o contém. O interro-
gatório não pressupõe a confissão. E ainda no direito argentino: RUBIANES, Carlos J.,
anual de derecho procesal penal, cit., v. 2, p. 60. No direito brasileiro: FARIA, Antonio
Bento de, Código de Processo Penal: Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, cit., p. 290,
sustenta que o interrogatório é meio de defesa e não se confunde com a confissão, que
é meio de prova.
37 Antes da admissão de formulação de perguntas pelas partes no interrogatório, inau-
gurada no ordenamento brasileiro pela Lei n. 10.792/2003, observava-se que, sendo a
confissão meio de prova, haveria nítida violação ao contraditório, em sua produção, na
medida em que, ocorrendo durante o interrogatório do acusado, seria ela produzida
sem a participação da acusação e da defesa. Isso porque, anteriormente à Lei n.
10.792/2003, não eram admitidas reperguntas das partes no interrogatório. Essa ques-
tão, contudo, ficou superada na disciplina normativa em vigor.
38 Nesse sentido, MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame deirimputato: identità di
natura giuridica e di efficacia probatoria, cit., p. 859-860.
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valor probatório quando for isolada44. Menor valor ainda se atribui à
chamada de corréu quando o acusado se exime da responsabilidade
penal para atribuí-la a terceiros45.
Nessa esteira, Espínola Filho46 destaca alguns requisitos que deve-rão estar presentes para que tenha valor probatório a chamada do cor-
réu: a verdade da confissão; a inexistência de ódio, em qualquer de suas
manifestações; a inexistência do objetivo de atenuar, ou mesmo elimi-
nar, a própria responsabilidade. Reconhece o mencionado autor valor
probatório na delação, independentemente de outras provas, desde
que presentes os citados requisitos47.
A doutrina mais recente, bem como a jurisprudência, majorita-
riamente48
, não reconhecem valor probatório na delação, em si mes-ma, havendo sempre necessidade de que seja ela confortada por pro-
vas, quer o acusado confesse o delito ou não.
O citado posicionamento decorre, especialmente, do fato de que,
na delação, segundo as palavras de Tourinho Filho49, o acusado se
transmuda em testemunha50, que não presta compromisso. Quanto à
cit., p. 10, que assinala que a chamada de corréu deve ser valorada com cautela, em
conjunto com outros elementos de prova que a confirmem.
44 FLORIAN, Eugênio, Delle prove penali, cit., v. 1, p. 44, ressalta que a delação é fonte de
prova. É preciso que o juiz verifique se não foi ela motivada por ódio, vingança, inimi-
zade, rancor, interesse em inocentar-se.45 Nesse caso, sustenta BARGIS, Marta, In tema di interrogatorio dei coimputato, cit.,
p. 1590, que há testemunho por parte do acusador e o interrogatório se converte em
meio de defesa e de prova.
ESP NOLA FILHO, Eduardo, Código de Processo Penal brasileiro anotado, cit., v. 3, p. 40.
47 Há corrente jurisprudencial nesse sentido: "É princípio de lógica judiciária que a im- putação de corréu vale como prova, desde que, confessando a sua participação no deli-
to, aponta o seu comparsa" (RT, v. 536, p. 309). No mesmo diapasão: RT, n. 668, p. 311.48 Nesse sentido, antes da Lei n. 10.792/2003: "Merece a delação alguma reserva, sufi-
ciente para exigir pelo menos confirmação de outras fontes de prova, ainda mais que
do interrogatório não participa, nem nele intervém, a pessoa acusada” (RT 696/393);
"A condenação não pode ser alicerçada apenas na palavra isolada de corréu, sem qual-
quer elemento probatório que a robore" (RT, n. 710, p. 309). Comungando do mesmo
entendimento e alertando para a violação ao contraditório: RT, n. 706, p. 328.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal, cit., v. 3, p. 275.
50 FARIA, Antonio Bento de, Código de Processo Penal: Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro
de 1941, cit., p. 291, defende que a declaração de um réu com relação a outro não é
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submissão das declarações do acusado a respeito da responsabilidade
de terceiro ao crivo do contraditório, na sistemática inaugurada pela
Lei n. 10.792, de l2 de dezembro de 2003, passou-se a admitir que as
partes façam perguntas, no final do interrogatório, a respeito de fato
que não tenha sido esclarecido. Desse modo, não só a acusação comotambém a defesa do próprio acusado e os defensores dos corréus pode-
rão formular perguntas51. Contudo, o acusado, por força e extensão do
testemunho; no mesmo diapasão, ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo, Da
prova no processo penal, cit., p. 95. Mencionado autor afirma que, na delação, não há
testemunho, porque somente é testemunha aquele que é equidistante das partes e não
tem interesse na solução da demanda. Segundo ele, cuida-se de prova anômala, total-
mente irregular, que viola o princípio do contraditório. Na doutrina italiana, BELLA-
VISTA, Girolamo. Confessione. In: Enciclopédia dei diritto. Varese: Giuffrè, 1972, v. 8, p.
917-922, esp. p. 919, destaca que nem mesmo quando há chamada de corréu no inter-
rogatório há testemunho por parte do acusado. Isto porque faltam os requisitos for-
mais e materiais do testemunho, sendo proveniente de pessoa interessada. Também
RAMAJOLI, Sergio, La prova nel processo penale, cit., p. 47, destaca que corréu não é
testemunha. A chamada de corréu, segundo ele, é meio de prova atípico.
” Sobre a questão, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido o direito de formular
perguntas aos corréus, em interrogatório, como decorrência do direito à ampla defesa,
integrante do devido processo legal. Apontam-se ainda violações ao contraditório e à
isonomia no impedimento de formular perguntas aos corréus. Considera-se eivado
por nulidade absoluta o interrogatório do acusado para o qual não foram intimados os
advogados dos demais corréus, inviabilizando a formulação de perguntas por parte
deles e também aqueles nos quais os defensores dos corréus foram impedidos de for-
mulá-las (HC 94.016/SP, 2a T., Rei. Min. Celso de Mello, j. 16-9-2008, DJe 038, publica-
do em 27-2-2009; HC 94.601/CE, 2a T., Rei. Min. Celso de Mello, j. 4-8-2009, DJe 171,
publicado em 11-9-2009, HC 93.607/SP, 2a T., Rei. Min. Bros Grau, j. 4-5-2010, DJe 105,
publicado em 11-6-2010 e HC 101.648/ES, laT., Rei. Min. CármenLúcia, j. 11-5-2010,
DJe 026, publicado em 9-2-2011). Não obstante, registram-se julgados que consideram
que, estando presente o defensor do corréu, se for ele impedido de formular perguntas
a outro acusado, a nulidade daí decorrente ficará sujeita à preclusão (HC 90.830/BA,
2a T., Rei. Min. Cezar Peluso, j. 2-3-2010, DJe 071, publicado em 23-4-2010). No Supe-
rior Tribunal de Justiça, por sua vez, há julgados que não reconhecem a obrigatorieda-
de de intimação dos advogados dos corréus para o interrogatório (v.g ., HC 85.522/SP,
5a T., Rei. Min. Jane Silva, desembargadora convocada, j. 4-10-2007, DJ 22-10-2007, p.
339). Contudo, há orientação na referida Corte, em sentido diverso, afirmando que a
possibilidade de formular perguntas em interrogatório de corréu integra o direito de
defesa, gerando nulidade nos interrogatórios realizados sem tal possibilidade, deven-
do-se, porém, respeitar o direito ao silêncio e à não incriminação (HC 162.451/DF, 6 a
T., Rei. Min. Haroldo Rodrigues, desembargador convocado, DJe 16-8-2010). Reconhe-
ce-se tal direito, de modo especial, quando se tratar de interrogatório de corréu dela-
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direito ao silêncio, não estará obrigado a responder a nenhuma das
indagações.
Ada Pellegrini Grinover, a esse respeito, observa que a palavra do
acusado com relação a terceiros é testemunho, sendo que o interroga-tório, nesse ponto, constitui meio de prova não com relação ao acusa-
do, mas com referência aos terceiros indicados52. Daí o acerto da modi-
ficação legislativa operada pela Lei n. 10.792, de l2-12-200353, ao admi-
tir reperguntas das partes, já que a referida autora sustentava que a
proibição de reperguntas, no interrogatório, quando um acusado incri-
minava o outro, na disciplina anterior, violava frontalmente o inciso
LV do art. 5- da Constituição Federal .
Nos ordenamentos estrangeiros, variam as soluções. Mesmo na-queles nos quais o acusado não assume o status de testemunha, há
mecanismos para a utilização e valoração das declarações incri-
minatórias prestadas por um acusado em relação a outro.
tor, considerando-se nulo o interrogatório realizado sem a possibilidade de formular
reperguntas por parte dos demais réus (HC 83.875 / GO, 6 â T., Rei. Min. Paulo Gallotti,Rei. p/ acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25-3-2008, DJe 4-8-2008). Mas
há, na própria Corte, entendimento diverso no que tange ao interrogatório de corréu
delator (v. HC 100.792/RJ, 5â T., Rei. Min. Félix Fischer, DJe 30-6-2008, no qual se deci-
diu que 'A participação de advogados dos corréus não tem amparo legal, visto que
criaria uma forma de constrangimento para o interrogado”).
52 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditó-
rio. In: Novas tendências do direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1990, p. 17-44, esp. p. 25. A mencionada autora sustentava, antes da Lei n. 10.792/2003,
que, na “chamada de corréu”, havia prova produzida com relação aos terceiros indica -
dos, sem que houvesse contraditório. NUCCI, Guilherme de Souza, O valor da confis-
são como meio de prova no processo penal, cit., p. 214, salienta que a delação tem mais
força probatória do que o testemunho porque o acusado assume também a responsa-
bilidade pelo fato, confessando. Entretanto, anteriormente à Lei n. 10.792/2003, o au-
tor observava que não poderia ser recebida a delação como prova, sem que houvesse
submissão ao contraditório, que é princípio constitucional.
53 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães e FERNANDES,
Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 12. ed., cit., p. 82.54 Nas mesas de processo penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
coordenadas pela Profa. Ada Pellegrini Grinover, a Súmula n. 675 enunciou que "ointerrogatório de corréu, incriminando outro, tem, com relação a este, natureza de
depoimento testemunhai, devendo, por isso, se admitirem reperguntas".
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munha, tem o dever de dizer a verdade. O réu por ele incriminado tem
direito a formular perguntas. Mas tem o privilégio contra a autoincri-
minação, cabendo ao juiz, diante de uma pergunta de corréu, valorar
se pode ser admitido o privilégio ou não62.
Maior cautela ainda se deve ter ao analisar o valor probatório da
delação, considerando que, na atualidade, diversos ordenamentos jurí-
dicos, inclusive o brasileiro, buscando maior eficiência no combate à
criminalidade organizada, reconhecem benefícios ao acusado que vier
a delatar outros para desmantelar quadrilhas dedicadas à prática de
determinados delitos.
5. O princípio “nemo tenetur se detegere” e a discipli-na do interrogatório no direito brasileiro
5.1. Disciplina do interrogatório anterior ao Código deProcesso Penal em vigor
Noticia a doutrina63 que os antigos códigos processuais penais e
as leis das unidades da Federação cuidaram do interrogatório como
meio de defesa, embora não se reconhecesse o direito ao silêncio aoacusado.
O Código de Processo Criminal de 1832 inspirou-se nos princí-
pios liberais, especialmente influenciado pela França e Inglaterra. O
interrogatório, regulado no art. 9864, era considerado acto de defesa 65 ,
62 Cf. TONINI, Paolo, Imputato “accusatore" ed “accusato" nei principali ordinamenti pro-
cessuali deUVnione Europea, cit., p. 268.
Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, Interrogatório do réu e direito ao silêncio, cit., p. 30. 64 O art. 98 do Código de Processo Criminal de 1832 adotava a seguinte dicção: “O juiz
mandará ler ao réo todas as peças comprobatórias do seu crime e lhe fará o interroga-
tório pela maneira seguinte: Parágrafo 1“ Qual o seu nome, naturalidade, residencia e
tempo delia no lugar designado? Parágrafo 2“ Quaes os seus meios de vida e pr ofissão?
Parágrafo 3“ Onde estava ao tempo em que se diz aconteceu o crime? Parágrafo 4“ Si
conhece as pessoas que juraram contra elle e desde que tempo? Parágrafo 5 a Si tem
algum motivo particular a que attribua a queixa ou denuncia? Parágrafo 6“ Si tem
f actos a allegar ou provas que o justifiquem ou mostrem a sua innocencia?” 65 A expressão foi empregada por ALMEIDA JUNIOR, João Mendes. O processo criminal
brazileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves ôc Cia, 1911, v. 1, p. 190-192. BARROS,
125
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Cf. ALMEIDA JUNIOR, João Mendes, O processo criminal brazileiro, cit.,. 193-194.
principalmente porque as perguntas tendiam a solicitar ao acusado as
provas de sua inocência. Contudo, o diploma não trata da hipótese de
o acusado silenciar no interrogatório. Sobrevieram a Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, e o Regula-
mento n. 120, de 31 de janeiro de 1842, que não alteraram o Código
quanto a essa disciplina.
A Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871, e o Decreto n. 4.824,
de 22 de novembro do mesmo ano, transferiram para os juizes munici-
pais a atribuição de formação da culpa, mas consideraram o interroga-
tório como “ato de defesa”. Observa-se, a esse respeito, que o Decreto
n. 4.824, de 1871, permitia ao acusado juntar documentos e justifica-ções processadas em outro juízo, bem como requerer prazo para tais
providências66.
Essa tendência de considerar o interrogatório como meio de de-
fesa foi reforçada também pela exposição de motivos que precedeu o
Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, organizando a justiça fede-
ral, elaborada pelo Ministro da Justiça, Campos Salles: “No systema
adoptado para os processos criminaes, quer se trate da formação da
culpa, quer se trate do julgamento, o accusado tem o direito de respon-der laconicamente — sim ou não e o juiz tem o dever de respeitar o seu
laconismo. É a installação definitiva do regimen estabelecido pelas pra-
ticas dos tribunaes inglezes e americanos: ahi está consagrado na sua
maior pureza o principio da inviolabilidade do direito de defeza”67.
Adotando essa orientação, o Decreto n. 848, de 1890, estabeleceu
os preceitos que foram consolidados no Decreto n. 3.084, de 5 de no-
vembro de 1898, em seus arts. 173 e 17468, preservando-se ainda a pos-
Antônio Milton de, A defesa do acusado e sua intervenção no interrogatório judicial, cit., p.
132, destaca que, mesmo diante das disposições do art. 98 do Código de Processo Cri-
minal do Império, os juizes não formulavam as perguntas sacramentais, por vezes
subvertendo os objetivos do interrogatório.“ Cf. ALMEIDA JUNIOR, João Mendes, O processo criminal brazileiro, cit., p. 193.
68
A dicção desses dispositivos é a seguinte: "O réo será interrogado pela fórma seguin-te: a) qual o seu nome, naturalidade e residencia? b) si tem motivo particular a que
attribua a queixa ou denuncia? c) si é ou não culpado? Não é permittido ao juiz accres-
centar outras perguntas às que ficam indicadas no artigo antecedente ao réo, entretan-
126
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Tal conclusão também se devia ao fato de que o direito ao silên-
cio não era efetivamente tutelado no processo penal brasileiro, advin-
do conseqüências do silêncio do acusado, como adiante se menciona-rá. A esse respeito, Ada Pellegrini Grinover70 aduz que o direito ao si-
lêncio recebia, na disciplina do Código de Processo Penal, apenas um
tratamento formal.
É verdade que o acusado não estava obrigado a colaborar no in-
terrogatório. Não estava obrigado a dizer a verdade e não era obrigado
a responder às indagações, em que pese a advertência ameaçadora
consignada na redação original do art. 186 do referido diploma. Con-
tudo, a possibilidade de silenciar, arcando com conseqüências prejudi-ciais à defesa, nem de longe representava efetiva tutela do direito ao
silêncio.
O interrogatório, tal qual regulado no diploma processual penal
originariamente, já era ato obrigatório, desde que presente o acusado.
Nessa esteira, o art. 260 do mesmo diploma prevê a condução coerciti-
va do acusado que não atender à intimação para o interrogatório.
Identificavam-se, a exemplo do que ocorre na atual disciplina,
duas partes no interrogatório a partir da leitura dos arts. 185 a 188, ca-
put, do diploma procèssual penal, em sua redação original: a qualifica-
ção e o interrogatório de mérito.
A qualificação abrangia, na disciplina anterior à Lei n. 10.792 /2003,
o fornecimento de dados de identificação por parte do acusado: nome,
naturalidade, estado civil, idade, filiação, residência, meios de vida ou
profissão, lugar em que exercia sua atividade, se sabia ler ou escrever. E
ainda se era eleitor e qual a zona eleitoral em que se encontrava inscrito.
O interrogatório de mérito dizia respeito às indagações sobre o
fato imputado ao acusado. O art. 188 do Código de Processo Penal,
em sua redação original, continha elenco de questões que deveriam
ser formuladas ao acusado no interrogatório. A ordem de perguntas
enumeradas no citado art. 188 era denominada "centrípeta”, na dou-
trina71, porque iniciava com perguntas periféricas para chegar às per-
GRINOVER, Ada Pellegrini, Interrogatório do réu e direito ao silêncio, cit., p. 17.
GRECO FILHO, Vicente, Manual de processo penal, cit., p. 202.
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guntas centrais sobre o fato. Contudo, a ordem das perguntas não era
obrigatória.
Ao interrogatório, na fase inquisitorial, tal qual ocorre naatualidade, aplicava-se a disciplina do ato em juízo, no que fosse
cabível.
O art. 186 da lei processual penal, na sua redação original, cuidava
da advertência que deveria ser feita pela autoridade, antes do interroga-
tório, nos seguintes termos:
“Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que,
embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem
formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da pró-
pria defesa”.
Desse modo, o acusado poderia silenciar, mas referido silêncio
poderia ser interpretado de forma desfavorável à sua defesa72. Contu-
do, a doutrina já assinalava que a interpretação do silêncio se apresenta
como um dos mais tormentosos problemas73.
Citado dispositivo legal tinha sua disciplina complementada pelo
art. 198 do' diploma processual penal, cuja dicção foi integralmentemantida após a Lei n. 10.792/2003, que já estabelecia que o silêncio
não importaria confissão. Contudo, tal dipositivo dispõe também que
o silêncio poderá constituir elemento para a formação do convenci-
mento do julgador e, inexplicavelmente, foi mantido na disciplina vi-
gente. Destacava, porém, Espínola Filho74, a respeito do aludido dispo-
72 BARROS, Romeu Pires de Campos, Direito processual penal brasileiro, cit., v. 2, p. 746,
observa que o acusado poderia silenciar, mas deveria assumir os riscos desse compor-
tamento. PIMENTEL, Manoel Pedro, Advocacia criminal, cit., p. 174, ressaltava que o
acusado não deveria intimidar-se com a advertência de que seu silêncio poderia ser
interpretado em prejuízo da defesa. Segundo o mencionado autor, cuidava-se de expe-
diente de coerção processual para estimular o acusado a falar no interrogatório. Por
isso, sustentava que o advogado deveria acompanhar o interrogatório para assegurar
ao acusado o direito ao silêncio.
73
A esse respeito, ROSA, Inocêncio Borges da, Comentários ao Código de Processo Penal,cit., p. 298. O mencionado autor salienta que não há regras precisas para interpretação
do silêncio, destacando que o acusado pode calar por vários motivos.
ESP NOLA FILHO, Eduardo, Código de Processo Penal brasileiro anotado, cit., v. 3, p. 18.
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sitivo, que não poderia o silêncio ser considerado confissão ficta nem
prova de culpabilidade.
Além disso, determinava o art. 191 do mesmo diploma que as
perguntas não respondidas pelo acusado deveriam ser consignadas,
bem como as razões pelas quais deixou de respondê-las.
Não se pode afirmar, assim, que era reconhecido o direito ao si-
lêncio na disciplina originária do interrogatório no Código Processual
Penal de 1941. O acusado simplesmente não era compelido a respon-
der às indagações formuladas no interrogatório. Entretanto, do silên-
cio poderiam advir conseqüências em seu desfavor.
Por fim, não se admitia o contraditório no interrogatório, por
força do disposto no art. 187 do Código de Processo Penal, em sua re-
dação original, não sendo consentido, sob sua égide, nem à acusação,
nem à defesa nelè interferir ou influir.
5.3. Disciplina na Constituição Federal de 1988
No texto constitucional de 1988 estabeleceu-se, no art. 5-, LXIII: "o
preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.
O dispositivo constitucional estabelece o direito ao silêncio e ain-
da assegura a assistência de advogado, que deverá ser respeitada por
ocasião do interrogatório, no inquérito e em juízo, possibilitando a
interação entre a autodefesa e a defesa técnica.
Note-se que o dispositivo refere-se ao acusado preso, que será
informado de seus direitos no momento da prisão, anteriormente ao
interrogatório.
Essa a interpretação do aludido dispositivo que mais atende à ga-rantia da liberdade moral do acusado. A garantia constitucional do
acusado de permanecer calado inicia-se no momento de sua prisão e
não na lavratura do auto de prisão em flagrante75.
75 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GO-
MES FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 73, que salien-tam que ''mesmo fora e antes do interrogatório” aplicam-se as garantias do art. 52,
LXIII; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal, cit., v. 4, p. 272. Ainda
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O art. 186 do diploma processual penal havia sido revogado78 pela
Constituição de 1988, sendo que a advertência deveria ser formulada
pela autoridade no sentido de que o acusado tinha o direito de perma-
necer calado79. Sendo direito, nenhuma conseqüência desfavorável
para o acusado poderia advir do seu exercício80. Tampouco poderia a
autoridade fazer qualquer advertência ameaçadora, mesmo que vela-
damente, quanto ao exercício do direito ao silêncio.
78 No direito nacional predomina o entendimento de que nova Constituição, revisão
constitucional e emendas constitucionais revogam normas anteriores com elas incom-
patíveis, de acordo com o princípio lex posterior derrogat priori. Assim, prevalece na
doutrina e também na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o posicionamento
segundo o qual não se pode submeter leis anteriores, revogadas por inconstitucionali-
dade, ao controle abstrato de constitucionalidade. Entretanto, parte da doutrina adota
o conceito de recepção, que se relaciona à inconstitucionalidade superveniente. Assim,
conforme destaca CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionali-
dade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 43-44, uma norma
pode ser constitucional no momento de sua edição e depois deixar de ser, em virtude
de reforma constitucional, por renovada interpretação do dispositivo constitucional
ou em razão de mudança das circunstâncias fáticas. Desse modo, quando sobrevêm
nova Constituição ou reforma constitucional, há uma legislação preexistente, que, à
evidência, não será inteiramente renovada. A legislação editada anteriormente serárecepcionada se for compatível com a nova Constituição ou com a Constituição refor-
mada. Mas, se for incompatível, formal ou materialmente, dá-se a inconstitucionalida-
de superveniente.
79 Antes da Lei n. 10.792/2003, afirmava CHIMENTI, Francesco, O processo penal e a
verdade material, cit., p. 131, que o art. 186 permanecia em vigor, integralmente. Adu-
zia que citado artigo estabelecia que o réu não devia fugir, silenciando a verdade. Sus-
tentava ainda que seria necessário impor ao acusado, no processo penal brasileiro, a
exemplo do que se verifica em legislações estrangeiras, o dever de veracidade, sob
pena de cometer delito.80 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE, Antonio Fernandes e GOMES FILHO,
Antonio Magalhães, As nulidades doprocesso penal, cit., p. 74, antes da Lei n. 10.792/2003,
afirmavam que o art. 186 do diploma processual penal, em face da Constituição, não
podia mais ser interpretado na forma literal. Segundo os mencionados autores, so-
mente prevalecia a primeira parte do dispositivo, quanto à faculdade de não responder.
GRECO FILHO, Vicente, Manual de processo penal, cit., p. 200, também anteriormente
à Lei n. 10.792/2003, defendia que a parte final do art. 186, que aludia à interpretação
do silêncio em desfavor do acusado, havia sido revogada. No mesmo sentido: NUCCI,
Guilherme de Souza, O valor da confissão como meio de prova no processo penal, cit., p. 168.
AZEVEDO, David Teixeira de, O interrogatório do réu e o direito ao silêncio, cit., p.292, defendia que o art. 186 havia sido revogado.
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Do mesmo modo, o art. 198 foi parcialmente revogado. Prevale-
ceu a primeira parte do dispositivo legal que estabelece que "o silêncio
do acusado não importará confissão”. Mas foi revogada a segunda par-te que alude à possibilidade do silêncio vir a constituir elemento para
o convencimento do julgador. Isso porque, na esteira do que já foi afir-
mado, se o silêncio é direito do acusado, não poderá extrair-se dele
qualquer conseqüência que lhe seja prejudicial, sob pena de esvaziar-se
por completo o direito81. A rigor, diante da compatibilização da disci-
plina do interrogatório com a Constituição Federal, a Lei n. 10.792 /2003
deveria ter dado nova redação ao art. 198, suprimindo a segunda parte
de sua dicção, mas, inadvertidamente, isso não se verificou82
. Igualmente, mesmo antes da Lei n. 10.792/2003, já se entendia
que o art. 191 do Código de Processo Penal havia sido revogado. É que
a consignação das perguntas que o acusado não respondeu, bem como
das razões por ele invocadas para fazê-lo, não se compatibilizava com
o direito ao silêncio, protegido na Constituição Federal83.
81 AZEVEDO, David Teixeira de, O interrogatório do réu e o direito ao silêncio, cit., p.292, sustentava, mesmo antes da Lei n. 10.792/2003, que o art. 198 havia sido revogado.
82 A esse respeito, na 12a-edição da obra As nulidades no processo penal, Ada Pellegrini
Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho prelecio-
nam que "nenhuma eficácia pode ser atribuída ao art. 198 do CPP („O silêncio do
acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação de
convencimento do juiz‟), não alterado pela Lei 10.792/2003” (cit., p. 79). 83 A respeito, GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE, Antonio Fernandes e GOMES
FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades do processo penal, cit., p. 74, anteriormente à
Lei n. 10.792/2003, esclareciam que o juiz deveria adaptar o art. 191 do diploma pro-
cessual penal, em face da disciplina constitucional, para que não fosse o acusado obri-
gado a declinar as razões pelas quais preferia silenciar. AZEVEDO, David Teixeira de,
O interrogatório do réu e o direito ao silêncio, cit., p. 292, sustentava que o art. 191
havia sido revogado. NUCCI, Guilherme de Souza, O valor da confissão como meio de
prova no processo penal, cit., p. 172, defendia que o art. 191 devia ser interpretado com
parcimônia. Isto é, se o acusado invocasse o direito ao silêncio, o juiz poderia indagar
quais as razões que motivaram tal invocação, mas não deveria pressioná-lo. Entretan-
to, salientava o autor que "há de existir cautela por parte do juiz, pois, se o réu invocar
o direito de ficar totalmente calado, não poderá o magistrado ficar fazendo perguntas,
uma após outra, consignando-as todas como se o interrogado estivesse cometendo
uma irregularidade ao negar-lhe as respostas. Não deixa de ser uma forma de pressão
ficar perguntando e registrando as indagações que o acusado já disse não ter intenção
de responder” (p. 172). Também COLTRO, Antônio Carlos Mathias, O silêncio, a pre-
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Se houvesse a consignação das perguntas não respondidas e das
respectivas razões do acusado para assim agir, seria possível aferir se
ele não respondeu esta ou aquela pergunta exatamente para não seautoincriminar. Via de conseqüência, tais elementos consignados po-
deriam servir para formar o convencimento do julgador, ou, quando
menos, influenciá-lo, ou ainda ser utilizados pelo órgão acusador em
desfavor do acusado. Somente para uma dessas finalidades se justifica-
ria a consignação das perguntas não respondidas e das razões invoca-
das pelo acusado.
Como não se pode extrair do exercício do direito ao silêncio qual-
quer conseqüência prejudicial à defesa, inútil a consignação das per-guntas não respondidas e das razões arguidas pelo acusado, a menos
que se pretenda, veladamente, admitir que seu silêncio continua a ter
reflexos sobre o convencimento do julgador, entendimento que viola
frontalmente o texto constitucional, em seu art. 5a, LXIII.
Outro dispositivo que foi revogado, no tocante ao interrogatório,
é o art. 260 do Código de Processo Penal. Referido artigo dispõe acerca
da condução coercitiva do acusado para esse ato, caso tenha sido inti-
mado e não compareça.
É decorrência do direito ao silêncio, tutelado constitucionalmen-
te, que o acusado, regularmente intimado, compareça ao interrogató-
rio se assim desejar. Sendo o interrogatório expressão da autodefesa e
sendo esta renunciável, não poderá o acusado ser compelido, por meio
de condução coercitiva, a comparecer à presença da autoridade.
5.5. Disciplina do interrogatório no Código de Processo
Penal decorrente das Leis n. 10.792/2003,11.900/2009,11.689/2008 e 11.719/2008
Como antes se observou, foi por meio da Lei n. 10.792/2003 que
a disciplina do interrogatório compatibilizou-se com a Constituição
Federal, em que pese não se ter efetuado todas as alterações que eram
sunção de inocência e sua valoração, cit., p. 304, afirmava que a aplicação do art. 191
do Código de Processo Penal, bem como a advertência do art. 186, constituía verdadei-
ro constrangimento ilegal contra o acusado.
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interrogatório do menor seria realizado na presença de curador, prefe-
rentemente advogado87.
A nova dicção do art. 185 do Código de Processo Penal reflete aprimeira adequação daquele diploma ao texto constitucional, no que
tange ao direito à ampla defesa: estabeleceu-se a obrigatoriedade da
defesa técnica no ato do interrogatório88. Desse modo, dispõe o referi-
do artigo que o acusado que comparecer perante a autoridade judiciá-
ria, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na pre-
sença de seu defensor, constituído ou nomeado. Ainda assim, nos in-
terrogatórios realizados na fase inquisitorial, não há consenso no sen-
tido de se exigir a participação do defensor, apesar do direito funda-mental à ampla defesa e do fato de que se aplicam, na fase de inquérito,
as regras do interrogatório na presença do juiz, conforme dispõe o art.
6-, V, do CPP. Tal disciplina foi complementada pela Lei n. 11.900, de 8
de janeiro de 2009, que dispôs sobre o direito de o acusado entrevistar-
-se, prévia e reservadamente, com seu defensor antes do interrogató-
rio. Com isso, deu-se efetividade ao direito de defesa no interrogatório,
pois a assistência do defensor, neste ato, não pode se resumir à sua pre-
sença. A comunicação prévia e reservada entre acusado e defensor per-mite a atuação efetiva da defesa técnica no momento do interrogatório.
O art. 186 passou a prever a ciência ao acusado do inteiro teor da
acusação, após sua qualificação, prestigiando, mais uma vez, o direito
à ampla defesa. Além disso, a advertência a ser realizada pelo juiz, an-
tes do início do interrogatório, diz respeito ao direito ao silêncio. De
forma expressa, consignou-se no parágrafo único do art. 186 que o si-
lêncio não importará confissão nem poderá ser interpretado em preju-
ízo da defesa. Ou seja, deu-se efetividade ao direito ao silêncio, quer no
87 Em sua redação original, o art. 194 do CPP dispunha que "Se o acusado for menor,
proceder-se-á ao interrogatório na presença de curador”.
88 Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal já declarou a nulidade absoluta do inter-
rogatório realizado sem a presença do defensor, sob a vigência da Lei n. 10.792/2003
(RHC 87.172-1/GO, Ia T., Rei. Min. Cezar Peluso,j. 15-12-2005). O Superior Tribunal
de Justiça também tem reconhecido tal eiva, contudo se registram julgados em que sesustenta ser relativa a nulidade em decorrência da realização do interrogatório sem a
presença de defensor (HC 43.413/MS, 5a T., Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 13-9-
2005).
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que tange aos termos da advertência a ser feita ao acusado, antes de
iniciado o interrogatório, quer quanto às conseqüências do seu exercí-
cio que, à evidência, não poderão ser prejudiciais à defesa.
Na nova disciplina, já não é possível a consignação das perguntas
não respondidas pelo acusado e das razões que invocou para assim agir.
Ainda quanto ao exercício do direito ao silêncio, de acordo com a
Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, que deu novo tratamento ao pro-
cedimento do Tribunal do Júri, de forma inédita, foi previsto proibição
à referência, durante os debates, sob pena de nulidade, ao silêncio do
acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em
seu prejuízo (art. 478, III, do diploma processual penal).
De acordo com o art. 187, identificam-se, claramente, duas par-tes no interrogatório: aquela atinente à pessoa do acusado e outra re-
ferente aos fatos. Desse modo, na primeira parte, o acusado será inda-
gado sobre a sua residência, meios de vida ou profissão, oportunidades
sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, em especial
se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o
juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação,
qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais.
Depois, seguem-se as perguntas sobre os fatos: se é verdadeira aacusação; não sendo verdadeira, se há algum motivo particular a que
atribuí-la; se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a
prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da
infração ou depois dela;, onde estava ao tempo em que foi cometida a
infração e se teve notícia desta; as provas já apuradas; se conhece as
vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e
se tem o que alegar contra elas; se conhece o instrumento com que foi
praticado o delito, ou qualquer objeto que com esta se relacione e te-nha sido apreendido; todos os demais fatos e pormenores que condu-
zam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração e, por
fim, se tem algo mais a alegar em sua defesa. Em complemento, o art.
189 dispôs que, se o interrogando negar a acusação, no todo ou em
parte, poderá prestar esclarecimentos e indicar provas. Já o art. 190
trata da hipótese de confissão. Se o interrogando confessar, será per-
guntado sobre os motivos e circunstâncias do fato e se outras pessoas
concorreram para a infração penal e quais sejam.
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O art. 188 integrou o interrogatório ao contraditório. Perguntas
das partes — acusação e defesa — passaram a ser admitidas, a fim de
esclarecer algum fato restante, em complemento ao interrogatório re-
alizado pelo juiz, desde que tenham relevância e pertinência.
O art. 191 deixou expresso que o interrogatório se processará in-
dividualmente: cada acusado será interrogado separadamente.
Cuidou-se ainda do interrogatório do mudo, do surdo, do surdo-
-mudo e do analfabeto, estabelecendo, para cada qual, sua forma de
realização (art. 192 e parágrafo único). O interrogatório do estrangei-
ro, que não fale a língua nacional, também foi objeto de atenção no
art. 193, ficando estabelecida a sua realização por meio de intérprete.
Por fim, foi prevista a possibilidade de novo interrogatório, aqualquer tempo, de ofício ou por requerimento fundamentado de
qualquer das partes (art. 196).
A Lei n. 11.900, de 8 de janeiro de 2009, trouxe novas modifica-
ções à disciplina do interrogatório, introduzindo e disciplinando a pos-
sibilidade de realizar-se o interrogatório a distância, por videoconfe-
rência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens
em tempo real89, o que era vedado no Projeto de Lei n. 4.204/2001. É
89 Antes da Lei n. 11.900/2009, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido, por sua
2* T. (HC 88.914, Rei. Min. Cezar Peluso, j. 14-8-2007), que o interrogatório por vide-
oconferência violava os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla
defesa, realçando que não havia lei que regulamentasse essa modalidade de interroga-
tório. E, ainda que houvesse, destacou que seria exigível decisão devidamente funda-
mentada determinando a realização do interrogatório por videoconferência, em situ-
ação excepcional. Nessa esteira, aquela Corte de Justiça, por seu Plenário, ao julgar o
HC 90.900/SP, Rei. Min. Menezes Direito, DJe 23-10-2009, declarou a inconstituciona-
lidade formal da Lei n. 11.819/2005 do Estado de São Paulo, que disciplinava o inter-
rogatório por videoconferência, entendendo-se que o referido diploma legal ofendeu
o art. 22,1, da Constituição Federal, já que a matéria é processual, havendo competên-
cia exclusiva da União para legislar a respeito. Também o Superior Tribunal de Justiça
manifestou-se sobre o tema, anteriormente à Lei n. 11.900/2009, anulando interroga-
tório realizado por videoconferência, destacando como fundamento a lesão ao direito
constitucional à ampla defesa, já que o interrogatório constitui a oportunidade de o
acusado expor “de viva-voz, autodefendendo a sua versão dos fatos”. Além disso, sa -
lientou-se que não havia previsão legal do interrogatório por videoconferência (HC
98.422/SP, 6a T., Rei. Min. Jane Silva, desembargadora convocada, j. 20-5-2008). No
mesmo diapasão: RHC 24.879/DF, 5a T., Rei. Min. Jorge Mussi, DJe 31-8-2009; HC
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certo que o diploma legal em questão tratou do interrogatório a dis-
tância como exceção, mas as hipóteses autorizadoras de sua realização
são amplas demais, o que acaba permitindo seu largo emprego: paraprevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de
que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão,
possa fugir durante o deslocamento; para viabilizar a participação do
acusado no referido ato processual, quando houver relevante dificul-
dade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra
circunstância pessoal; para impedir a influência do acusado no ânimo
de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o de-
poimento destas por videoconferência e para responder à gravíssimaquestão de ordem pública.
De nossa parte, já nos manifestamos no sentido de que o interro-
gatório a distância, como regra, é inconstitucional, sobretudo por ferir
o direito à ampla defesa e à dignidade humana, preconizando uma jus-
tiça penal asséptica e insensível90. Os argumentos de ordem prática que
são invocados na defesa do interrogatório a distância, quais sejam, a
segurança pública, evitando-se que o acusado fuja, e os custos pessoais
e materiais de seu deslocamento do presídio para a audiência, podemser facilmente superados pela realização do interrogatório, em sala
própria, no estabelecimento em que estiver recolhido o acusado, na
forma prevista no art. 185, § l2, do diploma processual penal.
Digno de registro também que as Leis n. 11.719, de 20 de junho
de 2008, e 11.689, de 9 junho de 2008, que modificaram, respectiva-
mente, os procedimentos e, de forma específica, aquele do Tribunal do
Júri, situaram o interrogatório no final da instrução, após a oitiva de
testemunhas, seguindo a orientação antes adotada no procedimentodos Juizados Especiais Criminais, disciplinado pela Lei n. 9.099, de 26
de setembro de 1995. A esse respeito, entende-se que a realização do
interrogatório, após a colheita da prova testemunhai, melhor prestigia
144.731 /SP, 5a T., Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 30-11-2009; HC 103.742/SP, 5a
T., Rei. Min. Jorge Mussi, DJe 7-12-2009; e HC 132.416/SP, 6a Turma, Rei. Min. Celso
Limongi (desembargador convocado), DJe 7-6-2010.
90 QUEIJO, Maria Elizabeth. Hermenêutica e interpretação constitucional e o direito
processual penal. Hermenêutica constitucional — homenagem aos 22 anos do Grupo de Estu-
do Maria Garcia. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 604-605.
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o direito à ampla defesa. Entretanto, paradoxalmente, há casos em que
a realização do interrogatório ao final da instrução acaba por prejudi-
car o exercício do direito à defesa, v. g., nos casos em que o acusado, noprocedimento do Tribunal do Júri, invocar álibi91.
Por fim, a Lei n. 11.689/2008 passou a permitir a realização do
julgamento pelo Tribunal do Júri sem a presença do acusado, o que
constitui corolário do direito ao silêncio.
5.6. Disciplina do interrogatório em diplomas internacio-nais ratificados pelo Brasil
Não há disciplina específica do interrogatório nos diplomas inter-
nacionais que foram ratificados pelo Brasil, sendo de especial interesse
o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção
Americana de Direitos Humanos.
O primeiro diploma mencionado estabelece no art. 7° que: "Nin-
guém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes...”.
O art. 14 dispõe que “toda pessoa terá o direito de ser ouvidapublicamente...”, além do direito de se defender pessoalmente ou por
intermédio de defensor, bem como que o acusado não é obrigado a
depor contra si mesmo, nem a confessar-se culpado.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, igualmente,
veda o emprego de tortura, em seu art. 5-, § 2°. E, no § l2 do mesmo
artigo, estabelece a regra de que "Toda pessoa tem o direito de que se
respeite sua integridade física, psíquica e moral”.
No art. 82, que cuida das garantias judiciais, reconhece-se o direi-
to de o acusado ser ouvido, com as devidas garantias; de defender-se
91 A esse respeito, já nos manifestamos em artigo em coautoria com João Daniel Rassi,
Questões polêmicas atinentes ao novo procedimento do Tribunal do Júri. Homicídio
Crime Rei. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 200-201. Na oportunidade, observamos
que, “'de lege ferenda', uma alternativa seria realizar o interrogatório antes da oitiva
do ofendido (se for o caso) e das testemunhas, com a possibilidade de a defesa, após o
encerramento de tais oitivas, a seu critério, requerer a complementação do interroga-
tório”.
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pessoalmente e de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem de
declarar-se culpado. Em acréscimo, consignou-se, no item 3 desse arti-
go, que a „confissão do acusado só é válida se feita sem coação de ne-nhuma natureza”.
Verifica-se, desse modo, que emergem dos diplomas menciona-
dos três regras básicas aplicáveis ao interrogatório: o direito de se auto-
defender; a regra de que ninguém é obrigado a depor contra si mesmo
e a vedação à tortura e a outros meios tendentes a compelir o acusado
a confessar.
A primeira assegura ao acusado o direito de exercer a autodefesa,
por intermédio do interrogatório. E o direito de ser ouvido, fornecen-
do a sua versão dos fatos. A segunda regra é a própria expressão do
nemo tenetur se, detegere. E a terceira a ele vincula-se porque também se
destina a assegurar a liberdade moral do acusado.
Enfim, de um lado, o acusado tem o direito de autodefesa. De
outro, não pode ser compelido a responder ao interrogatório ou mes-
mo a confessar.
Livre de qualquer constrangimento, caberá ao acusado decidir se
silencia ou se se manifesta a respeito da imputação que lhe foi feita.
Nesse contexto, emerge de vital importância a assistência efetiva da
defesa técnica no ato do interrogatório, por meio de entrevista prévia
e reservada entre o acusado e seu defensor, bem como pela presença
do defensor no ato do interrogatório (art. 14, n. 3, “b” e “d”, do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos e art. 82, § 2-, "d”, da Con-
venção Americana de Direitos Humanos).
São regras fundamentais em matéria de interrogatório a seremobservadas nos ordenamentos jurídicos dos Estados que ratificaram os
respectivos diplomas, para que seja assegurado o respeito à dignidade
da pessoa.
Desse modo, mesmo antes das Leis n. 10.792/2003 e 11.900/2009,
já se entendia que também por força da incorporação dos diplomas
internacionais apontados ao direito nacional, gozando da hierarquia
de normas constitucionais, como anteriormente exposto, os arts. 186,
191 e 198 não continuavam em vigor, em sua inteireza, no ordenamen-to jurídico brasileiro, ressalvando-se apenas a primeira parte do art.
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186 e do art. 19892. Depois da Lei n. 10.792/2003, persistiu a incon-
gruência da segunda parte do art. 198 com o disposto no Pacto Inter-
nacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana deDireitos Humanos, sendo certo que, diante de sua incorporação ao
direito brasileiro e hierarquia constitucional, é de tê-la por revogada.
5.7. Disciplina do interrogatório na legislação processualesparsa
As regras gerais sobre o interrogatório constam do Código de
Processo Penal. Também o Código de Processo Penal Militar trata damatéria. Contudo, esse último diploma ainda contempla disciplina do
interrogatório incompatível com a Constituição Federal, no que tange
ao direito ao silêncio. De igual modo, as modificações introduzidas
pelas Leis n. 10.792/2003 e 11.900/2009, no sentido de assegurar o di-
reito à ampla defesa, sobretudo quanto à assistência efetiva da defesa
técnica, e ao contraditório no interrogatório, não se operaram no Có-
digo de Processo Penal Militar.
Dessa forma, não se admite qualquer intervenção no ato do in-terrogatório, que será realizado pelo juiz (art. 303). Ainda há previsão
da advertência ao acusado, antes do início do interrogatório, no senti-
do que não está obrigado a responder às perguntas, mas seu silêncio
poderá ser interpretado em prejuízo da defesa (art. 305, caput).
A consignação das perguntas não respondidas e as razões invoca-
das para fazê-lo está prevista no parágrafo único do art. 305.
Além disso, de acordo com o art. 308, o silêncio do acusado não
constituirá confissão, mas poderá constituir elemento para a convic-ção do julgador.
Por fim, o interrogatório continua se realizando antes da oitiva
das testemunhas e não ao final da instrução (art. 302).
92 Nesse sentido, STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção Americana sobre
Direitos Humanos e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tri- bunais, 2000, p. 125, sustentava antes da Lei n. 10.792/2003 que os arts. 186 e 198 do
diploma processual penal haviam sido "fulminados” pelo art. 5 fl, LXIII, da Constitui-
ção Federal, bem como pelo art. 8Q, item 2, da Convenção Americana.
143
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Evidentemente, esse descompasso entre as reformas operadas no
Código de Processo Penal, quanto ao interrogatório, e a disciplina em
vigor no Código de Processo Penal Militar, não dispensa a observância
da Constituição Federal, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Po-líticos e da Convenção Americana de Direitos Humanos, na esfera do
processo penal militar.
Assim, a advertência do acusado quanto ao direito ao silêncio não
deverá contemplar a última parte do art. 305 (o silêncio poderá ser in-
terpretado em prejuízo da defesa) e, uma vez exercido o direito ao si-
lêncio, não deverão ser consignadas as perguntas não respondidas e as
razões para fazê-lo (parágrafo único do art. 305). Ademais, a parte final
do art. 308 está revogada, a exemplo do que sucede com a parte final
do art. 198 do Código de Processo Penal.
De salientar que, antes da Lei n. 10.732, de 5 de setembro de
2003, no proceciimento disciplinado no Código Eleitoral, não era pre-
vista expressamente a realização do interrogatório. Somente seria ele
realizado se requerido pela defesa na contestação. Conforme estabele-
cia o art. 359, após o recebimento da denúncia o acusado era citado
para contestar no prazo de dez dias93. Nesse diploma, a exemplo do
que ocorria na Lei de Imprensa (n. 5.250/67), que foi revogada, confor-
me decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF n. 130, ointerrogatório assumia a feição exclusiva de direito do acusado. Cabia
a este decidir se desejava — ou não — a sua realização. Entretanto, a Lei n. 10.732, de 5 de setembro de 2003, modificou
o procedimento no Código Eleitoral, sendo que o art. 359 passou a
prever, após o recebimento da denúncia, a designação de dia e hora
para depoimento pessoal do acusado, ordenando o juiz sua citação e a
notificação do Ministério Público. Além disso, ficou estabelecido no
parágrafo único do mencionado dispositivo que o acusado ou seu de-fensor terá o prazo de 10 dias para oferecer alegações escritas e arrolar
testemunhas. De melhor técnica que se tivesse previsto a designação
de data para a realização do interrogatório, já que o acusado não pode-
rá prestar depoimento pessoal no âmbito penal, com as peculiaridades
que lhe são próprias no processo civil ou mesmo trabalhista.
93 A esse respeito, CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 7. ed. Bauru: Edipro,1998, p. 350-355.
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ser porque não há instauração de inquérito para apuração das infra-
ções penais sujeitas aos Juizados Especiais Criminais. Sendo assim, o
acusado desconhece o teor dos depoimentos das testemunhas de acu-
sação. Dessa forma, para maior garantia da defesa é que o interrogató-
rio ocorre após as oitivas das testemunhas.
Mas, a rigor, em geral, mesmo nos casos em que há instauração
de inquérito policial, com a conseqüente possibilidade de o acusado
conhecer o teor dos depoimentos das testemunhas de acusação presta-
dos na fase inquisitorial, o direito à ampla defesa fica mais bem tutela-
do com a realização do interrogatório no final da instrução processual.
Isso porque não se descarta a possibilidade de surgimento de novos
elementos probatórios contra o acusado, nos depoimentos prestados
em juízo, produzidos sob o crivo do contraditório.
5.8. Disciplina do interrogatório nos anteprojetos e proje-tos de Código de Processo Penal
Diversos anteprojetos e projetos de Código de Processo Penal fo-
ram elaborados, desde a vigência do atual Código.
O anteprojeto de Hélio Tornaghi manteve o interrogatório entre
os meios de prova. Contudo, havia preocupação, no referido antepro- jeto, com relação às perguntas que pudessem ser formuladas ao acusa-
do no interrogatório. Prescrevia, dessa forma, que as perguntas não
poderiam ser vagas, obscuras, equívocas ou insidiosas, estabelecendo
que deveriam fluir umas das outras, em ordem natural. Também não
poderiam ser formuladas indagações que tomassem como admitidos
fatos que ainda não tivessem sido ou que indicassem pelo nome ou
qualquer outro meio os partícipes procurados95.
Nessa linha, o art. 254 vedava a promessa de recompensa de qual-quer natureza e o uso de ameaças, meios coativos ou processos de en-
fraquecimento da vontade do acusado no interrogatório.
95 CINTRA, Joaquim de Syllos. Aspectos da prova criminal (Da prova pericial, do inter-
rogatório do acusado e da confissão). In: Ciclo de conferências sobre o anteprojeto do Códi-
go de Processo Penal brasileiro, de autoria do Professor Hélio Tornaghi. São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado, 1966, p. 59-72, esp. p. 65, entende que mais adequado do que formu-lar indagações, ao longo do interrogatório, é permitir o relato espontâneo.
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O art. 251 dispunha sobre a advertência que deveria ser formula-
da ao acusado no sentido de que o seu silêncio poderia ser interpreta-
do em prejuízo da defesa. Citada disposição foi a tônica dos antepro-
jetos elaborados, quanto ao silêncio do acusado, até a Constituição de
1988.
O art. 252 reproduziu a determinação de consignação das per-
guntas não respondidas pelo acusado e das razões por ele invocadas
para fazê-lo.
O anteprojeto Tornaghi admitia o silêncio como elemento que
poderia ser considerado na convicção do juiz, tal qual consta ainda do
art. 198 do Código de Processo Penal em vigor. Porém, dele não se
poderia extrair confissão ficta (art. 264).
O anteprojeto José Frederico Marques, publicado em 1974, não
trouxe grandes modificações na matéria. O silêncio não foi previsto
entre os direitos do acusado. O interrogatório permaneceu entre os
meios de prova. A advertência formulada ao acusado tinha o mesmo
conteúdo daquela constante do Código de Processo Penal antes da
Lei n. 10.792/2003: o acusado não era obrigado a responder, mas seu
silêncio poderia ser interpretado em prejuízo da defesa (art. 317). Foimantida a consignação das perguntas não respondidas e das razões
invocadas pelo acusado para tal comportamento (art. 318). O silên-
cio, embora não configurasse confissão ficta, poderia ser considera-
do na convicção do julgador, assim como a fuga, a ocultação e a re-
velia do acusado.
No Projeto de Lei n. 633, de 1975, apresentado pelo Deputado
Sérgio Murilo, igualmente, não se promoveram alterações significati-
vas no tratamento do interrogatório. A dicção dos arts. 186 e 191 doCódigo de Processo Penal, antes da Lei n. 10.792/2003, era pratica-
mente a mesma. Quanto ao art. 198, que alude ao silêncio do acusa-
do, outros elementos que poderão influenciar o convencimento do
julgador foram acrescentados, como a fuga, a ocultação e a revelia.
Tal ampliação já era prevista nos anteprojetos Tornaghi e José Frede-
rico Marques.
Outra crítica apontada com relação ao mencionado projeto é que
o art. 309, correspondente ao art. 186 do Código em vigor, não se refe-
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ria à necessidade de o juiz cientificar o réu dos termos da acusação
antes do interrogatório96.
A mesma disciplina do interrogatório foi mantida no Anteprojeto
de Código de Processo Penal de 1981. Nele se estabelecia, tanto para o
interrogatório policial quanto para o judicial, a mesma advertência con-
signada no art. 186 do Código de Processo Penal, anteriormente à Lei n.
10.792/2003. Ou seja, o acusado não estava obrigado a responder às per-
guntas, mas o silêncio poderia ser interpretado em prejuízo da defesa.
Permaneceu também a consignação das perguntas que o acusado
deixasse de responder e as razões que havia invocado para assim agir
(art. 280).
Por outro lado, a exemplo do que se verificou nos anteprojetos
anteriores, estabeleceu-se que o silêncio do acusado, a fuga, a oculta-
ção, a revelia oú qualquer outro fato semelhante poderia constituir ele-
mento para a convicção do julgador, mesmo não acarretando a confis-
são ficta.
De observar que todas essas propostas legislativas foram elabora-
das antes do advento da Constituição Federal de 1988. De consignar
que tenderam a ampliar, para além do silêncio, os fatores relacionados
ao comportamento assumido pelo acusado diante da persecução pe-
nal, que poderiam influenciar o convencimento do julgador, como a
fuga, a ocultação e a revelia. O Projeto de Lei n. 4.204/2001, que teve
origem no anteprojeto apresentado pela Comissão de Reforma do Có-
digo de Processo Penal, constituída pela Portaria n. 61, de 20 de janeiro
de 2000, do Ministro da Justiça, redundou, com alterações, na Lei n.
10.792/2003, pela qual se deu, de modo geral, a adequação da regula-
mentação do interrogatório aos dispositivos constitucionais, especial-
mente o inciso LV do art. 5a, que dispõe sobre o contraditório e a am-
pla defesa, e o inciso LXIII do mesmo artigo, que estabelece o direitoao silêncio e à assistência da família e de advogado.
Tramita no Congresso Nacional proposta de novo Código de
Processo Penal, que teve por base anteprojeto de autoria de Comissão
96
Diversas críticas em relação ao Projeto foram tecidas por GRINOVER, Ada Pellegri-ni, Interrogatório do réu e direito ao silêncio, cit., p. 16-17.
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de Juristas97, que deu lugar ao PLS n. 156/2009. Tal proposta objetiva a
adequação geral da disciplina processual penal à Constituição Federal
de 1988, reafirmando seus princípios fundamentais e moldando o pro-cesso segundo o sistema acusatório que verte do texto constitucional.
No Projeto de Lei n. 156/2009, foram previstas disposições gerais
referentes ao interrogatório e outras especiais relativas ao interrogató-
rio em juízo. Também o interrogatório do acusado preso foi objeto de
tratamento específico. A disciplina do interrogatório foi inserida no
capítulo que cuida do acusado e de seu defensor, que, inclusive, poderá
ingressar no processo ainda que sem instrumento de mandato, caso
em que atuará sob a responsabilidade de seu grau (art. 74). Nas dispo-sições gerais, ficou expresso que o interrogatório constitui meio de
defesa do investigado ou do acusado e a obrigatoriedade da presença
do defensor no ato (art. 63). Elimina-se, assim, a controvérsia em torno
da obrigatoriedade da presença do defensor no interrogatório realiza-
do na fase inquisitorial. Estabeleceu-se ainda que, em caso de flagrante
delito, se, por qualquer motivo, não se puder contar com a assistência
de advogado ou defensor público no local, o auto de prisão em flagran-
te será lavrado e encaminhado ao juiz das garantias sem o interrogató-rio do cónduzido, aguardando a autoridade policial o momento mais
adequado para realizá-lo, salvo se o interrogando manifestar livremen-
te a vontade de ser ouvido naquela oportunidade. Entretanto, a deci-
são do interrogando de declarar, sem a presença de defensor, deve ser
precedida da devida cientificação, pela autoridade policial, quanto ao
direito de não fazê-lo, sem prejuízo para sua defesa. Nessa hipótese, a
autoridade se limitará à qualificação do investigado. A respeito da cien-
tificação do interrogando quanto a seus direitos, o Projeto dedicou
dispositivo específico à matéria (art. 65), estabelecendo que o investi-
gado ou acusado, antes do interrogatório, será informado do inteiro
teor dos fatos que lhe são imputados ou, estando ainda na fase de in-
vestigação, dos indícios então existentes, mas não está obrigada a auto-
97 Foi coordenador dos trabalhos o Ministro Hamilton Carvalhido e relator o Dr. Eu-
gênio Pacelli de Oliveira. Além deles, integraram a Comissão os seguintes juristas:
Antonio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Fabiano Augusto Martins Silveira,
Felix Valois Coelho Junior, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres Avelar
e Tito Souza do Amaral.
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ridade a revelar as fontes de prova já identificadas ou a linha de investi-
gação adotada. Será também informado ao interrogando de que pode-
rá entrevistar-se, em local reservado, com o seu defensor; de que suas
declarações poderão eventualmente ser utilizadas em desfavor de suadefesa; do direito de permanecer em silêncio, não estando obrigado a
responder a uma ou mais perguntas em particular, ou todas que lhe
forem formuladas; de que o silêncio não importará confissão, nem po-
derá ser interpretado em prejuízo de sua defesa. Seria adequado, po-
rém, que tal cientificação — inclusive quanto à possibilidade de não ser
interrogado sem a presença do defensor — fosse objeto de comprova-
ção pela autoridade que preside o ato, mediante a entrega de rol escri-
to de direitos ao investigado ou ao acusado. Dando cumprimento ao texto constitucional, no art. 64, o Projeto
também estabeleceu o respeito à capacidade de compreensão e discer-
nimento do interrogando, não admitindo o emprego de métodos ou
técnicas ilícitas e de quaisquer formas de coação, intimidação ou amea-
ça contra a liberdade de declarar, sendo irrelevante, nesse caso, o con-
sentimento da pessoa interrogada. Além disso, dispôs que a autoridade
responsável pelo interrogatório não poderá prometer vantagens sem
expresso amparo legal, a fim de não induzir em erro o interrogando. Se o investigado ou acusado não compreender bem ou falar a
língua portuguesa, terá o direito de ser assistido, gratuitamente, por
um intérprete (art. 68) que, inclusive, se necessário, intermediará as
conversas entre o interrogando e seu defensor, ficando vinculado ao
sigilo. Além disso, a repartição consular competente será comunicada,
com antecedência, da realização do interrogatório de seu nacional.
Igualmente, foi prevista a assistência de intérprete para os surdos e
mudos. O Projeto, resguardando a integridade física e moral do interro-
gando, vedou a realização de interrogatório por tempo excessivo, de-
vendo ser consignado no termo o seu tempo de duração.
Dividiu-se o interrogatório, de forma clara, em duas partes, sen-
do a primeira delas referente à pessoa do interrogando e a segunda, aos
fatos. Na primeira parte, o investigado ou acusado será perguntado
sobre o seu nome, naturalidade, estado civil, idade, filiação, residência,
meios de vida ou profissão, lugar onde exerce a sua atividade, vida
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pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em
caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condi-
cional ou condenação, qual a pena imposta e se a cumpriu. Na segunda
parte, será perguntado sobre os fatos que lhe são imputados, ou que
estejam sob investigação e todas as suas circunstâncias. Ao final, a au-
toridade que preside o ato indagará ao interrogando se tem algo mais
a alegar em sua defesa (art. 66).
Quando o interrogando quiser confessar a autoria da infração pe-
nal, a autoridade indagará se o faz de livre e espontânea vontade, con-
forme o art. 69 do Projeto.
O Projeto também dispôs que as declarações prestadas serão re-
duzidas a termo, lidas e assinadas pelo interrogando e seu defensor e
pela autoridade responsável pelo ato, sendo possível a gravação ou fil-
magem, hipótese em que o interrogando ou seu defensor poderão so-
licitar a transcrição do áudio e obter, imediatamente, a cópia do mate-
rial produzido (art. 67).
Quanto ao interrogatório em juízo, foram introduzidas algumas
disposições específicas, em conformidade com o sistema acusatório.
De acordo com o art. 70 do Projeto, caberá à autoridade judiciária in-
formar o acusado dos direitos previstos no art. 65 e proceder à sua
qualificação. Na primeira parte do interrogatório, o juiz indagará so-
bre as condições e oportunidades de desenvolvimento pessoal do acu-
sado e outras informações que permitam avaliar a sua conduta social.
Quanto aos fatos, as perguntas serão formuladas diretamente pelas
partes, concedida a palavra primeiro ao Ministério Público e depois à
defesa, mas caberá ao juiz assegurar que não haja perguntas ofensivas
ou que possam induzir a resposta, bem como que não tenham relação
com a causa ou importem repetição de outra já respondida. Ao térmi-
no das perguntas das partes, o juiz poderá complementar o interroga-
tório sobre pontos não esclarecidos e indagará se o acusado tem algo
mais a alegar em sua defesa.
No tocante ao interrogatório do acusado preso, o Projeto estabe-
leceu, como regra, sua realização na sede do juízo, mediante requisi-
ção para tal finalidade (art. 73). Dispôs que também poderá ser feito no
estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde
que esteja garantida a segurança do juiz e das demais pessoas presen-
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tes, bem como a publicidade do ato. E, somente em caráter excepcio-
nal, mediante decisão fundamentada do juiz, de ofício ou a requeri-
mento das partes, admitiu a realização do interrogatório do acusado
preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico
de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida
seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: prevenir
risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o
preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa
fugir durante o deslocamento; viabilizar a participação do réu no refe-
rido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu compa-
recimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
impedir a influência do réu no ânimo da testemunha ou da vítima,
desde que não seja possível colher o depoimento destas por videocon-
ferência. Foi prevista a intimação das partes, com dez dias de antece-
dência da decisão que determinar a realização do interrogatório por
videoconferência. Estabeleceu-se ainda que, se o interrogatório for re-
alizado por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mes-
mo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência
única de instrução e julgamento, já que o interrogatório será realizado
após a oitiva da vítima, das testemunhas, de esclarecimentos dos peri-tos, acareações e reconhecimento de pessoas e coisas. Ademais, ficou
garantido, além do direito à entrevista do acusado e seu defensor, o
acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defen-
sor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência
do Fórum, e entre este e o preso. A sala reservada no estabelecimento
prisional para realização de atos processuais por sistema de videocon-
ferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz criminal, pelo
Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil. E de obser-var que as disposições referentes ao interrogatório por videoconferên-
cia são praticamente idênticas àquelas introduzidas no Código de Pro-
cesso Penal pela Lei n. 11.900/2009, tendo sido suprimida uma das hi-
póteses autorizadoras da referida modalidade de interrogatório: a gra-
víssima questão de ordem pública.
Outros atos processuais, que dependam da participação da pes-
soa presa, poderão ser realizados pelo sistema de videoconferência,
como a acareação, o reconhecimento de pessoas e de coisas, a inquiri-ção de testemunha ou a tomada de declarações da vítima (art. 73, § 7°).
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A exemplo do que se verifica no ordenamento em vigor, o inter-
rogatório foi mantido como derradeiro ato na audiência de instrução,
após a oitiva da vítima, das testemunhas arroladas pela acusação e pela
defesa, conforme o art. 296 referente ao procedimento sumaríssimo, e
também nos procedimentos ordinário e sumário, sendo previstos nes-
tes também os esclarecimentos dos peritos, acareações e reconheci-
mento pessoal de pessoas e coisas, antes do interrogatório do acusado
(art. 265). A mesma sistemática foi mantida no procedimento do Tri-
bunal do Júri, seja na fase de instrução preliminar (art. 313), seja na
instrução em plenário (arts. 375 e 376). Manteve-se o julgamento no
Tribunal do Júri sem a presença do acusado (art. 359).
No Senado, foram apresentados dois substitutivos, sendo que o
primeiro deles tomou por base o Projeto de Lei antes mencionado e
outras quarenta e sete proposições legislativas sobre processo penal,
que já tramitavam no Congresso Nacional. O segundo substitutivo
acrescentou à análise mais uma proposta legislativa sobre processo pe-
nal, totalizando quarenta e oito.
Por fim, na redação final do Projeto de Lei n. 156/2009, aprovado
pelo Senado, conforme o Parecer n. 1.636/2010, da Comissão Tempo-
rária de Estudo da Reforma do Código de Processo Penal, foi mantidaa disciplina do interrogatório no capítulo dedicado ao acusado e seu
defensor. Com algumas modificações de redação, o regramento refe-
rente ao interrogatório adotado no Projeto de Lei n. 156/2009, em sua
versão original, em geral, foi mantido. O interrogatório do surdo, do
mudo e do surdo-mudo foi objeto de tratamento mais detalhado, pre-
vendo-se sua assistência, no ato, por pessoa habilitada a entendê-los ou
que domine a Língua Brasileira de Sinais. Estabeleceu-se que, não sen-
do possível, no interrogatório do surdo, as perguntas serão escritas e asrespostas orais; no interrogatório do mudo serão formuladas as inda-
gações oralmente e as respostas por escrito; e no do surdo-mudo serão
apresentadas as perguntas e as respostas por escrito. Tais disposições
são semelhantes àquelas constantes do Código de Processo Penal em
vigor, com as modificações introduzidas pela Lei n. 10.792/2003. De-
dicou-se também dispositivo ao interrogatório do índio, dispondo que
o juiz, se necessário, solicitará a colaboração de antropólogo com co-
nhecimento da cultura da comunidade a que pertence o interrogandoou de representante do órgão indigenista federal, para servir de intér-
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prete e prestar esclarecimentos que possam melhor contextualizar e
facilitar a compreensão das respostas. Outra importante disposição foi
introduzida a respeito da conseqüência da inobservância das regras re-
ferentes ao interrogatório: sua nulidade (art. 72, parágrafo único).
Quanto ao interrogatório em juízo, foi acrescentado dispositivo que
admite a formulação de perguntas ao interrogando pelo defensor do
corréu, após as perguntas do Ministério Público, o que coloca termo
ao debate na sistemática atual sobre essa possibilidade. Por fim, adu-
ziu-se, na disciplina do interrogatório do réu preso, que, nas hipóteses
de interrogatório no estabelecimento prisional ou por videoconferên-
cia, caberá ao diretor do estabelecimento penal garantir a segurança
para a realização do ato processual (art. 76, § 9
2
). Não houve modifica-ções quanto à previsão do interrogatório como derradeiro ato da
audiência de "instrução, tanto no procedimento comum quanto no Tri-
bunal do Júri, assim como quanto à possibilidade de julgamento do
acusado por este Tribunal sem a sua presença.
5.9. O tratamento da matéria na jurisprudência nacional
Como anteriormente mencionado, com a Constituição Federal
de 1988, o direito ao silêncio, a mais tradicional decorrência do princí-pio nemo tenetur se detegere, foi reconhecido entre os direitos fundamen-
tais e acolhido, de modo integral, no ordenamento jurídico brasileiro.
Antes da promulgação do citado texto constitucional, admitia-se
o silêncio do acusado, mas dele poderiam ser extraídas conseqüências
desfavoráveis para a defesa, com repercussões sobre o convencimento
do julgador. Vale dizer, não havia, efetivamente, direito ao silêncio,
pois do exercício regular de um direito não pode advir qualquer conse-
qüência negativa para o seu titular.
Em reforço, o princípio nemo tenetur se detegere, em sua literal ex-
pressão, foi integrado ao direito nacional, por força da incorporação
do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14) e da
Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 82) ao ordenamento
jurídico brasileiro no ano de 1992.
Diante dos citados dispositivos, a doutrina, quase unanimemen-
te, vem reconhecendo as conseqüências do direito ao silêncio: não
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Outros julgados, embora negassem a possibilidade de valorar iso-
ladamente o silêncio do acusado, admitiam a sua valoração em con-
junto com as demais provas produzidas".
Em acréscimo, parte da jurisprudência, mesmo após a Constitui-
ção de 1988, ainda entendia que a parte final do art. 186 do diploma
processual penal, atinente à advertência do acusado quanto à valora-
ção do silêncio em prejuízo da defesa, não fora revogado100.
Por isso, antes da Lei n. 10.792/2003, a doutrina observava, acer-
tadamente, que os tribunais ainda resistiam ao reconhecimento inte-
gral do direito ao silêncio, com todas as suas conseqüências101. Verifíca-
direito de permanecer em silêncio é garantido por norma constitucional inserida no
capítulo das garantias fundamentais. Assim, deve ser assegurado a cada pessoa em sua
plenitude...; Não é possível admitir que permanecer calado, no interrogatório, retrate
conduta incompatível com a condição de inocente. Na realidade, a atitude pode estar
motivada por várias situações, entre elas a de não querer se autoincriminar. Mas não
se pode dizer que esta última justificativa seja causa determinante. É que da garantia
assegurada pela Constituição não se pode presumir a culpabilidade”; Ap. 1.024.065/2,
2a Câm., Rei. Juiz Ary Casagrande, j. 26-8-1996: “Não se pode conceber que o exercício
de um direito amparado na Carta Magna possa ser interpretado em desfavor de quem
o exercita”; e “Pior do que deixar de informar ao acusado sobre o direito de permane -
cer silente foi lhe assegurar que restar calado poderia danar-lhe a defesa” (RT, n. 725, p,
604, Rei. Juiz Sérgio Pitombo).
99 “O silêncio, garantia de ordem constitucional, embora não possa ser interpretado,
isoladamente, contra o acusado, há que merecer análise concatenada com as demais
provas coligidas. Existentes estas, bem proferida é a condenação que nelas se apoia
sem que se vislumbre qualquer afronta àquela garantia constitucional'' (TACrimSP,
Rei. Juiz Fernandes de Oliveira, RJTACrim, v. 30, p. 276).100 Nesse sentido: “O réu teve assegurado seu direito ao silêncio, e se não o exerceu, foi
porque não quis. Consequentemente, não havia qualquer irregularidade com o inter -rogatório, capaz de justificar sua anulação. Ademais, a alegação de que a parte final do
art. 186 do CPP, que determina que o réu será advertido das conseqüências de perma-
necer silente no interrogatório, não foi revogada pela Constituição de 1988. Isto por-
que o interrogatório do réu se constitui em meio de prova e, como tal, deve ser devi-
damente sopesado pelo Juiz. Assim como as respostas do réu, seu silêncio será igual-
mente objeto desta avaliação” (TJSP, RT, v. 724, p. 608). E ainda: HC 126, TJPR, 21
Câm. Crim., Rei. Des. Ivan Righi, j. 15-6-1989, no sentido que deve ser formulada a
advertência de que o acusado não está obrigado a responder, mas que seu silêncio po-
derá ser interpretado em detrimento da defesa. Segundo o acórdão, sem a referida
advertência, fica comprometido o valor probante do interrogatório. Nesse sentido, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, Direito à prova no processo penal,
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va-se a aplicação tímida e limitada do dispositivo constitucional que
tutela o direito ao silêncio e, frequentemente, o princípio nemo tenetur
se detegere nem sequer era mencionado nas fundamentações das referi-das decisões judiciais.
Essa resistência noticiada persiste, embora minoritária, mesmo
após a Lei n. 10.792/2003, pois a advertência quanto à possibilidade de
interpretar o silêncio em prejuízo da defesa ainda ocorre102.
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, anteriormente à Lei n.
10.792/2003, já tinha firmado o alcance do direito ao silêncio na ótica
do devido processo legal, que vem sendo reiterado ao longo do tempo.
Em diversos arestos já havia reconhecido a Corte Suprema: — que o preso deve ser advertido quanto ao direito ao silêncio103;
cit., p. 114, e NUCCI, Guilherme de Souza, O valor da confissão como meio de prova no
rocesso penal, cit., p. 171.
102 Veja-se, a título de exemplo, julgado do Superior Tribunal de Justiça, 5a T., HC
130.590/PE, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 27-4-2010, DJe 17-5-2010, no qual plei-
teava a defesa o reconhecimento de nulidade em virtude de advertência feita ao acusa-do quanto à interpretação do silêncio em prejuízo da defesa, tendo ocorrido confissão.
A nulidade não foi reconhecida, considerando que a condenação, no caso, havia sido
amparada em robusto conjunto probatório, não resultando da confissão isolada.
103 HC 78.708-SP, Ia T., Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 9-3-1999, v. u.: "o direito à in-
formação da faculdade de manter-se silente ganhou dignidade constitucional, porque
instrumento insubstituível da eficácia real da vetusta garantia contra a autoincrimina-
ção que a persistência planetária dos abusos policiais não deixa perder a atualidade.
Em princípio, ao invés de constituir desprezível irregularidade, a omissão do dever de
informação ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a
nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele an-
teriormente obtidas, assim como das provas delas derivadas”. No HC 80.949 -RJ, Ia T.,
Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 30-10-2001, v. u., decidiu-se que gravação de conversa
informal do indiciado com policiais viola o direito ao silêncio, porque é imperiosa a
advertência quanto ao aludido direito, sob pena de ilicitude da prova daí advinda. No
Inq. 1.996/PR, Rei. Min. Carlos Velloso, DJ 25-6-2003, p. 70, foi proferida decisão mo-
nocrática reconhecendo a ilicitude de gravação clandestina de "conversa informal"
com o acusado, que configura modalidade de interrogatório sub-reptício, no qual o
acusado não é advertido do seu direito ao silêncio. De acordo com a referida decisão,
o privilégio contra a autoincriminação foi erigido em garantia fundamental na Cons-
tituição de 1988 e importou no dever, por parte do inquiridor, na polícia ou em juízo,de advertir o acusado quanto ao direito ao silêncio. A falta de tal advertência e da sua
documentação formal torna ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o acusado.
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— que o direito ao silêncio se estende a qualquer indagação por
autoridade pública, de cuja resposta possam advir elementos incrimi-
natórios
104
;
— que do exercício do direito ao silêncio não pode advir a imposi-
ção, pelo Poder Público, de qualquer medida restritiva de liberdade105;
— que o silêncio não traduz autoincriminação, não podendo con-
duzir à presunção de culpabilidade106; — que não pode ser o acusado advertido quanto a qualquer con-
104 HC 79.244, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, despacho de 26-4-1999: "A garantia contra
a autoincriminação não tem limites espaciais nem procedimentais: estende-se a qual-
quer indagação por autoridade pública de cuja resposta possam advir subsídios à impu-
tação ao declarante da prática de um crime”. Também: HC 80.584 -PA, Pleno, Rei.
Min. Néri da Silveira, sem publicação, ordem impetrada contra a Comissão Parlamen-
tar de Inquérito para investigar a ocupação de terras públicas na região Amazônica, no
qual se reconheceu o direito ao silêncio nos depoimentos a serem prestados e HC
100.341/AM, Tribunal Pleno, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 4-11-2010, DJe 233, publi-
cado em 2-12-2010, no qual se decidiu que: "É jurisprudência pacífica desta Corte asse-
gurar-se ao convocado para depor perante CPI o privilégio contra a autoincriminação,o direito ao silêncio e a comunicar-se com o seu advogado”.
10í HC 79.812-SP, Pleno, Rei. Min. Celso de Mello, j. 8-11-2000, no qual se reconheceu
a qualquer pessoa o direito de não se autoincriminar, em depoimentos perante órgãos
do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário, e que “o exercício do direito de perma -
necer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento
que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerro-
gativa fundamental. Precedentes. O direito ao silêncio — enquanto poder jurídico re-
conhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incri-
miná-la ('nemo tenetur se detegere') — impede, quando concretamente exercido, que
aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado”. No mesmo sentido: HC 79.859-
DF, Pleno, Rei. Min. Octavio Gallotti, j. 5-4-2000, no qual o pedido foi deferido para
que, caso o paciente fosse reconvocado a depor, não fosse preso ou ameaçado de pri-
são pela recusa de responder a pergunta cuja resposta pudesse incriminá-lo; e HC
79.244-DF, Pleno, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 23-2-2000.
106 HC 75.616-SP, Ia T., Rei. Min. Ilmar Galvão, j. 7-10-1997, v. u.: “O acusado tem o
direito de permanecer em silêncio ao ser interrogado, em virtude do princípio consti-
tucional „nemo tenetur se detegere' (art. 5a, LXIII), não traduzindo esse privilégio au-
toincriminação”. Após a Lei n. 10.792/2003: HC 84.517/SP, l1 T., Rei. Min. Sepúlveda
Pertence, j. 19-10-2004, DJ 19-11-2004, p. 29: "... 'Nemo tenetur se detegere': direito ao
silêncio. Além de não ser obrigado a prestar esclarecimentos, o paciente possui o direi-
to de não ver interpretado contra ele o seu silêncio”.
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Como se verifica, o Supremo Tribunal Federal desempenhou pa-
pel fundamental na tutela efetiva do direito ao silêncio, em toda a sua
extensão, como decorrência do princípio nemo tenetur se detegere, que é
invocado expressamente nas fundamentações das decisões proferidaspelo mencionado Tribunal, a partir da interpretação constitucional,
bem antes da promulgação da Lei n. 10.792/2003. Após a vigência do
referido diploma legal, em virtude da adequação do Código de Proces-
so Penal ao texto constitucional, a jurisprudência em geral passou a
melhor tutelar o princípio nemo tenetur se detegere. Não obstante se re-
gistram decisões em que, de uma forma ou de outra, impõem-se limi-
tações indevidas à incidência desse princípio, por exemplo, impondo-
-se a condição de testemunha àquele que claramente ocupa o status de
potencial investigado ou acusado112.
6. O princípio “nemo tenetur se detegere” e a discipli-
na do interrogatório no direito estrangeiro
Para aprofundar o estudo do princípio nemo tenetur se detegere e
suas decorrências no interrogatório, o tratamento da matéria será ob- jeto de análise em diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros, repre-
sentativos do sistema continental e também da common law.
LXIII). Com base nesse entendimento, a Turma deferiu „habeas corpus‟ para cassar a
ordem de prisão preventiva do paciente, tendo em vista a insubsistência dos motivos
que a fundamentaram, quais sejam a falta de interesse em colaborar com a justiça,
evidenciada pelo fato que o paciente respondera as perguntas formuladas de forma
evasiva, e a sua alegada fuga quando da decretação da prisão, embora tenha se apre-
sentado em seguida. Precedentes citados: HC 75254-RJ e HC 68929-SP”.
112 Decisão proferida pela 2a Turma do TRF da 2a Região, na Apelação Criminal
2005.51.05.001204-2, em 15-3-2011, por maioria, reformou sentença em que o acusado
fora condenado por falso testemunho, posto que teria mentido ao depor em ação pe-
nal, ao afirmar que não freqüentava determinada repartição pública. No entendimen-
to da maioria, incabível a sua condenação, por falso testemunho, pois estava sob o
abrigo do nemo tenetur se detegere, já que, reconhecendo que freqüentava aquela repar-
tição, poderia ser envolvido diretamente na investigação de fatos ilícitos que, aliás, jáestavam em apuração.
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6.1. Direito italiano
a) A legislação i tal iana anterior à uni f icação
O Código de Processo Penal do Reino da Itália, de 1807, denomi-nado Romagnosi, foi considerado legislação moderna, na época, por-
que rompeu com a tradição da tortura.
Nele havia dispositivo que vedava o juramento do acusado e o
uso de falsa suposição, ameaça ou sedução, para obter dele respostas
que não fossem espontâneas.
Estabelecia, ainda, a mesma legislação, que se o acusado se recusasse
a responder, ou se fingisse de mudo, o juiz deveria estimulá-lo a falar, ad-
vertindo-o de que o processo teria seguimento apesar de seu silêncio113
. Tal legislação exerceu influência sobre os Códigos dos diversos
Estados italianos e, ainda, sobre o primeiro Código Processual Penal
da Itália unida.
b) O Código de Processo Penal de 1865 Foi o primeiro Código pós-unificação da Itália. Nele, quanto ao
silêncio do acusado, praticamente se reproduziu a disciplina constante
do Código de Processo Criminal da Sardenha, de 1847: o juramento do
acusado era proibido; se o acusado se recusasse a responder ou dessesinais de loucura, que poderia ser simulada, ou mesmo fingisse ser
surdo ou mudo, para não responder, o juiz deveria adverti-lo de que o
processo teria seguimento114.
Segundo Grevi113, referida norma surgiu, primordialmente, para li-
mitar os poderes do juiz que interrogava e não objetivando assegurar direi-
tos ao acusado. Embora timidamente, havia uma ideia de respeito ao silên-
cio do acusado e de que este não poderia testemunhar contra si próprio.
c) O Código de 1913 Embora se registre, na fase dos trabalhos preparatórios, tendên-
cia a reforçar o reconhecimento do princípio nemo tenetur se detegere,
113 Cf. GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 23-24.
114 Cf. GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 26-27.115 GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 29.
161
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caracterizando o interrogatório como meio de defesa e inserindo ad-
vertência expressa quanto ao direito ao silêncio, o Código de 1913, em
seu art. 261, inciso 2-, acabou por reproduzir praticamente a disciplina
do Código anterior. Foi mantida a advertência de que, mesmo silen-
ciando, a instrução do processo teria seguimento.
Entretanto, uma importante inovação foi introduzida: a adver-
tência que, no Código de 1865, era realizada somente quando o acusa-
do silenciasse, no Código de 1913 passou a ser prévia. Isto é, antes que
se passasse a palavra ao acusado.
Tal alteração propiciou caráter mais garantístico ao silêncio do
acusado, em que pese não haver advertência expressa quanto à existên-
cia do direito ao silêncio na disciplina do Código de 1913. Ao menos,
de antemão, era fornecido um critério para que o acusado orientasse
sua defesa116.
d) O Código de 1930 O diploma de 1930 reproduz o ideário fascista. Há retorno da
sujeição do indivíduo-acusado ao poder da autoridade interrogante.
Nessa linha, o art. 367, inciso 2-, do Código de 1930 suprimiu a
previsão de advertência do juiz quanto às conseqüências do silêncio do
acusado, limitando-se a dispor que, se este se recusasse a responder,seria realizada a instrução.
Não havia nenhuma preocupação em cientificá-lo quanto ao as-
pecto defensivo do interrogatório e sobre os seus direitos.
A tutela anterior do silêncio, que já era tímida, desapareceu no
Código Rocco.
O princípio nemo tenetur se detegere ficou restrito à inexistência de
sanções, sobretudo penais, para o acusado que silenciasse, mentisse ou
fosse reticente em suas respostas no interrogatório117
. Não se lhe impu-nha, como se pretendeu na Alemanha, o dever de responder e dizer a
verdade, mas preconizava-se que tinha ele o dever moral, de lealdade
processual, de dizer a verdade.
n<
Cf. GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 35-36.Consoante GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 36-38.
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Aponta-se o caráter eminentemente garantístico da referida norma,
na medida em que ela impunha o reconhecimento do direito ao silêncio
a partir do momento em que surgissem elementos incriminadores contra
determinada pessoa, que não era acusada, em suas declarações122.
A teor do disposto no mencionado art. 304, inciso 32, emergindo
indícios de culpabilidade, incumbia ao juiz advertir o depoente de que,
a partir daquele momento, cada palavra por ele dita poderia ser utiliza-
da contra si123. Sendo assim, as declarações anteriormente prestadas,
de cunho incriminatório, não poderiam ser utilizadas124.
Além disso, o juiz deveria cientificar o acusado de que deveria
nomear defensor e designar novo interrogatório, com observância do
disposto no art. 78, inciso 3
2
, do Código. A não observância dessa ad-vertência, quanto à nomeação de defensor, também impedia a utiliza-
ção das declarações prestadas.
Conforme Grevi125, havia no aludido dispositivo tutela antecipada
do nemo tenetur se detegere, revelando o legislador a preocupação de
que, surgindo elementos incriminatórios, a pessoa ficasse ciente de sua
nova condição e de seus direitos.
f) A discipl ina do Código vigente Embora a Constituição italiana não reproduza expressamente o
princípio nemo teneturse detegere, entende-se que ele se insere no direito
à autodefesa, tutelado no art. 24, n. 2, do texto constitucional, na pers-
pectiva de não colaboração e ainda na presunção de não culpabilidade
(art. 27, n. 2, do mesmo texto)126.
GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 146.
123 Referido dispositivo era aplicável também à fase de investigações, consoante GRE-
VI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 233-234.124 A esse respeito, GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 180, afirma que as
declarações favoráveis ao acusado ou que envolvam terceiros, anteriores à advertência
do art. 304, inciso 3“, poderiam ser utilizadas.
GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 152-153.126 Nesse sentido, GREVI, Vittorio. Il diritto al silenzio dell‟imputato sul fatto proprio
e sul fatto altrui. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 1129-1150,1998,esp. p. 1131.
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O Código de Processo Penal em vigor estabeleceu, no Título IV,
dedicado ao acusado, algumas disposições que refletem o posiciona-
mento do legislador quanto ao nemo tenetur se detegere.
Algumas regras foram estabelecidas para evitar qualquer fraudecom relação aos direitos e garantias do acusado, inclusive a faculdade
de não responder ao interrogatório.
Nessa linha, o art. 61 dispôs que os direitos e garantias do acusa-
do estendem-se à pessoa submetida às investigações. A exemplo do
que ocorria na disciplina anterior, mesmo antes de ostentar o status de
acusado, já se impõe a observância de direitos e garantias atinentes a
este. Conforme anotam Siracusano, Galati, Tranchina e Zappalà127,
trata-se de lexfavoris estabelecida em razão da exigência de reconhecertodas as situações objetivas úteis para o acusado, em especial as relati-
vas ao direito de defesa, a quem ainda não é réu, mas poderá vir a ser.
No mesmo sentido, o art. 63 prescreve, como na disciplina ante-
rior, que, se forem prestadas declarações perante a autoridade judiciá-
ria ou à polícia judiciária, por pessoa não acusada nem submetida a
investigações, das quais advenham indícios da prática de algum crime,
em seu prejuízo, a autoridade deverá interromper o ato, advertindo-a
de que de tais declarações poderá ser desencadeada investigação e aconvida a nomear um defensor.
Dispõe ainda o mesmo artigo que as declarações anteriormente
prestadas, nessas condições, não podem ser utilizadas.
Além disso, para evitar que a pessoa seja ouvida sem observância
dos direitos e garantias de acusada ou de pessoa submetida a investiga-
ções, quando em realidade deveria ser ouvida nessas condições (como
acusada ou pessoa submetida a investigação), dispõe o art. 63, n. 2, que
se tal ocorrer as declarações assim colhidas não poderão ser utilizadas.
Grevi128 destaca, a esse respeito, que se trata de uma forma de
tutela antecipada do direito ao silêncio. Acrescenta o referido autor
127 SIRACUSANO, D., GALATI, A., TRANCHINA, G. e ZAPPALÀ, E. Diritto processu-
ale penale. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1996, v. 1, p. 176.
128 GREVI, Vittorio, II diritto al silenzio dell'imputato sul fatto proprio e sul fatto altrui,
cit., p. 1131.
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que, com a inutilização das declarações prestadas antes da advertência
quanto à modificação de situação processual do depoente, o legislador
quis impedir qualquer tentativa de fraude com relação ao direito ao
silêncio.
Na mesma esteira, em atendimento ao nemo tenetur se detegere, o
art. 198, n. 2, do diploma processual penal estabelece que a testemu-
nha não pode ser obrigada a depor sobre fatos dos quais emerge sua
responsabilidade penal. Entretanto, não foi prevista advertência à tes-
temunha quanto à possibilidade de silenciar em caso de pergunta que
possa conduzir à autoincriminação129. Paolo Tonini observa na doutri-
na130 a respeito que não há impedimento para formulação de perguntas
incriminantes à testemunha, cabendo a esta invocar o nemo tenetur se detegere, justificando-se. Acrescenta o citado autor que se o privilégio
não for reconhecido e depois se verifica que deveria ter sido acolhido, as
declarações incriminantes prestadas pela testemunha são inutilizáveis.
Buscando tutelar a liberdade de autodeterminação do acusado, no
interrogatório, outras regras foram estabelecidas. Nessa esteira, vedou-
-se o testemunho por parte do acusado, em relação à própria responsa-
bilidade, bem como da pessoa submetida a investigações (art. 62).
Foi proibida também, mesmo com o consentimento do interro-gado, a utilização de métodos e técnicas que possam influenciar sobre
sua liberdade de autodeterminação ou alterar sua capacidade de recor-
dar e de valorar os fatos. Resguarda-se, desse modo, a liberdade moral
do acusado. Relaciona-se com a matéria, embora aludindo ao preso, o
art. 13, n. 4, da Constituição italiana, que proíbe qualquer violência fí-
sica ou moral sobre as pessoas submetidas à restrição de liberdade131.
Referiu-se, ainda, o legislador à advertência, antes de iniciado o
interrogatório, da faculdade de o acusado não responder, e de que, se
129 Nesse sentido: CORDERO, Franco. Procedura penale. 4. ed. Milano: Giuffrè, 1998, p.
652, e TONINI, Paolo. La prova penale. 3. ed. Padova: CEDAM, 1999, p. 110.
A respeito: TONINI, Paolo, La prova penale, cit., p. 110-111.
131 Destacando a ótica constitucional da vedação a determinados métodos de interro-
gatório, estampados na norma processual penal, GASTALDO, Massimo Ceresa. Dirit-
to al silenzio, aspettative di „collaborazione' dell‟imputato e controlli sulTimpiego delia custodia cautelare. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 1161-
1168, 1993, esp. p. 1162.
166
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não responder, o procedimento prosseguirá (art. 64, n. 3, alínea b). Se
o acusado não responder, não se faz menção alguma a esse respeito.
Importante ressaltar que não se reconhece a faculdade de não
responder com relação à verificação de identidade. Tanto assim que o
juiz deverá advertir o acusado quanto às conseqüências de recusar-se a
fornecer os dados de sua identificação ou do fornecimento de dados
falsos, pois ambas as hipóteses configuram crime (arts. 651 e 495 do
Código Penal, respectivamente), com agravante132.
A faculdade de não responder incide sobre o interrogatório de
mérito. Após a advertência quanto à faculdade de não responder, o juiz
deverá cientificar o acusado, de modo claro e preciso, sobre os fatos
que lhe são imputados e das provas existentes contra si, bem como
sobre as fontes dessas provas, desde que tal comunicação não prejudi-
que as investigações.
Na seqüência, o acusado será convidado a informar o que julgar
útil para a sua defesa e serão formuladas indagações pelo juiz.
As mesmas disposições aplicam-se ao interrogatório na fase de
investigações e na audiência preliminar.
132 Conforme ensina TONINI, Paolo. Manuale breve diritto processuale penale. Milão:
Giuffrè, 2009, p. 87, com as modificações introduzidas no Código Penal pela Lei n. 155,
de 31 de julho de 2005, chamada de lei "antiterrorismo", oriunda do Decreto-lei n. 144,
de 27 de julho de 2005, o acusado ou o investigado que se recusar a fornecer dados de
sua identificação ou fornecer dados falsos a respeito responderá por crime com agra-
vante, que inexiste se o crime for cometido por qualquer outra pessoa, que não esteja
nessas circunstâncias. Além disso, a impossibilidade de identificar o investigado é ele-
mento que deve ser valorado para a finalidade de determinar o "fermo” e o uso de
documento de identidade falso permite a prisão facultativa em flagrante (conforme
arts. 384 e 381 do Código de Processo Penal, com as modificações da Lei n. 155, de 31
de julho de 2005). O “fermo” é provimento que, em regra, é proferido pelo Ministério
Público, desde que haja graves indícios em face do investigado de cometimento de
delito para o qual a lei comine pena de prisão perpétua ou reclusão não inferior a no
mínimo dois anos e superior no máximo a seis anos, ou, ainda, independentemente da
pena cominada, para os delitos referentes a armas de guerra e explosivos ou cometidos
para finalidade de terrorismo, ainda que seja internacional, ou de subversão da ordem
democrática. Além disso, exige-se que existam elementos específicos de prova segun-
do os quais se demonstre fundado o perigo de fuga. Subsidiariamente, a polícia judiciá-
ria também poderá proceder ao "fermo”.
167
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Admite-se a condução coercitiva do acusado para o interrogató-
rio e para a acareação.
Contudo, distinguem-se no atual Código de Processo Penal o in-
terrogatório do acusado e o exame ao qual poderá ser submetido se
requerer ou consentir, conforme dispõe o art. 208. Esse exame ocorre
na fase do dibattimento.
A constitucionalidade do dispositivo que admite o exame do acu-
sado foi objeto de análise pela Corte Constitucional (sentença n. 221,
de 24-5-1991133).
Na oportunidade, decidiu a Corte que o dispositivo estava em
conformidade com a Constituição. Isto porque, em seu entendimento,
no Código vigente distinguem-se perfeitamente o interrogatório e o
exame do acusado.
Conforme a Corte, o interrogatório ocorre na fase de investiga-
ções. É meio de defesa, sendo assegurada ao acusado uma série de ga-
rantias, entre elas, a faculdade de não responder, de modo que é colo-
cado em condições de autodeterminar-se livremente. Não pode ser
exercida contra o acusado qualquer coação para que responda. Para
ele não há dever de dizer a verdade, salvo as limitações da calúnia e da
autocalúnia134.
Já o exame, sempre conforme decidiu a Corte, é previsto na fase
de dibattimento, juntamente com aquele das testemunhas e da parte
privada. É meio de prova135 e, por isso, subordinado à concordância do
acusado ou a seu requerimento, cabendo a ele avaliar a conveniência
de sua escolha e conseqüências que dela advêm. Mas, diferentemente
133 Cf. PISANI, Mario. II Codice di Procedura Penale nella giurísprudenza delia Corte Costi-
tuzionale. Bologna: Monduzzi Editore, 1995, p. 196-198.
134 A respeito, FERRAIOLI, Marzia. Dubbi sull'acquisibilità delle dichiarazioni in pre-
cedenza rese dall‟imputato (o coimputato) che rifiuti 1‟esame in dibbattimento. Corte
Costituzionale, p. 1949-1960, esp. p. 1958-1959.135 RENON, Paolo. II rifiuto dell‟esame in sede di incidente probatorio. Diritto Penale e
Processo, n. 7, p. 876-882, 1998, esp. p. 879, salienta que o exame é instrumento funda-
mental para a verificação da credibilidade e consistência da fonte de prova. Porém,
diferentemente, na doutrina italiana, MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame
delTimputato: identità di natura giuridica e di efficacia probatoria, cit., p. 825, nãodescarta a natureza defensiva do exame.
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do que ocorre no direito norte-americano, o acusado não tem o dever
de dizer a verdade. Isto porque não são previstas conseqüências penais
para o acusado que mentir durante o exame136.
Entretanto, no exame, o acusado poderá exercer a faculdade de
não responder a perguntas, individualmente consideradas, mas será
consignada a falta de resposta, para eventual valoração por parte do
juiz. Ressalta Grevi137, a esse respeito, que não há dúvida de que, no
exame, o silêncio do acusado poderá ser valorado, no plano probató-
rio, em seu prejuízo. Sobre esse assunto, afirma Paolo Tonini138 que, se
o acusado silenciar, sua credibilidade é atingida.
As declarações anteriormente prestadas pelo acusado, na fase
preliminar, poderão ser utilizadas pelas partes, para verificar a credibi-
lidade do que disse o acusado no exame; pelo juiz, para proferir a deci-
são, quando tomadas pelo Ministério Público com a presença do de-
fensor, e, como prova, quando o acusado se recusar a ser examinado
ou não comparecer à audiência.
Em acréscimo, salientou a Corte que as perguntas diretas ao acu-
sado, no exame, somente poderiam ser formuladas pelo presidente ou
pelo pretor.
Concluiu, enfim, a Corte Constitucional que não havia inconsti-
tucionalidade nas disposições referentes ao exame do acusado.
Duas outras questões correlatas foram muito debatidas, na vi-
gência do atual Código, antes do advento da Lei n. 63, de 2001, que
introduziu modificações nesse diploma com vistas ao justo processo: a
constitucionalidade do art. 513, n. 2, e o direito ao silêncio do acusado
com relação à responsabilidade de terceiros.
136 GIACCA, Mariuccia, L'esame deirimputato nell‟esperienza comparatistica: spunti
problematici, cit., p. 174. CORDERO, Franco, Procedura penale, cit., p. 681, ressalta que,
nem mesmo por se submeter a exame, o acusado se transforma em testemunha. Pode
recusar-se a responder e não é obrigado a dizer a verdade.
137 GREVI, Vittorio, II diritto al silenzio delFimputato sul fatto proprio e sul fatto altrui,
cit., p. 1132. No mesmo sentido: CORDERO, Franco, Procedura penale, cit., p. 683.138 TONINI, Paolo, ha prova penale, cit., p. 130-131. Destaca o autor que, no exame,
melhor o acusado silenciar do que mentir, embora se possa depreender do silêncio queele tem algo a esconder (p. 131-132).
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A redação do art. 513, n. 2, foi alterada por decisão proferida pela
Corte Constitucional, consubstanciada na sentença n. 254, de 3 de ju-
nho de 1992, e ainda por reforma legislativa posterior.
Nessa sentença declarou-se a inconstitucionalidade do art. 513, n.
2, do diploma processual penal, na parte em que previa que o juiz,
ouvidas as partes, poderia determinar a leitura das declarações presta-
das perante o Ministério Público ou o juiz, no curso das investigações
ou em audiência preliminar, por acusado em processo conexo, quando
este se valesse da faculdade de não responder. Com a referida decisão,
foi modificado o dispositivo em foco139.
Depois, pela sentença de n. 255, também de 1992, a Corte Cons-titucional admitiu a introdução, no dibattimento, de declarações presta-
das na fase de investigações por pessoas informadas sobre os fatos,
quando estas não fossem confirmadas naquela fase processual. Em ou-
tras palavras: com tal decisão, a Corte Constitucional fez com que as
declarações prestadas na investigação tivessem plena eficácia probató-
ria. Em particular, as declarações do acusado, na investigação, podiam
ser utilizadas contra ele próprio e contra terceiros no dibattimento 140 .
A doutrina observou que, após as referidas sentenças da Corte
Constitucional, o princípio do contraditório e da oralidade, assim
como o próprio sistema acusatório, restara sensivelmente atingido, ha-
vendo necessidade de reforma141. Havia o risco de condenação, espe-
cialmente em processos referentes à criminalidade organizada, com
base em declarações prestadas por acusados em processos conexos, co-
laboradores da justiça, na investigação, sem que eles pudessem ser sub-
metidos a exame142.
A Lei n. 267, de 1997, procurou sanar as distorções criadas pelas
sentenças da Corte Constitucional, alterando a redação do art. 513 e de
outros a ele relacionados. Embora de forma limitada, o citado diploma
resolveu o conflito entre o réu acusador e o réu acusado, estabelecen-
139 Cf. PISANI, Mario, Jí Codice di Procedura Penale nella giurisprudenza delia Corte Costi-
tuzionále, cit., p. 525.
140 Cf. CANTONE, Raffaele. IIgiustoprocesso. Napoli: Simone, 2001, p. 10-11.141 CANTONE, Raffaele, II giusto processo, cit., p. 11.142 CANTONE, Raffaele, Ü giusto processo, cit., p. 11-12.
170
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do que somente seria utilizável a declaração do réu acusador se fosse
ela submetida ao contraditório com a participação do defensor do réu
acusado no exame. Exceto tal situação, a declaração do réu acusador
só poderia ser utilizada com o consentimento do réu acusado143. Entretanto, da nova redação do dispositivo resultou menor ga-
rantia para o acusado com relação às declarações por ele anteriormen-
te prestadas por fato próprio do que aquela reconhecida em relação à
responsabilidade de terceiros. Isto porque, exercendo o direito ao si-
lêncio no dibattimento, as declarações anteriores prestadas pelo acusa-
do, quanto à sua responsabilidade nos fatos, poderiam ser lidas e utili-
zadas. Mas se essas declarações se referissem à responsabilidade de
terceiros, silenciando o acusado na fase do dibattimento, somente pode-
riam ser lidas e utilizadas com a concordância dos interessados. Grevi144 já ressaltava que havia necessidade de se conciliar a exi-
gência da tutela do direito ao silêncio do acusado com suas declarações
precedentes em relação à responsabilidade de terceiros e que essa con-
ciliação somente poderia dar-se por meio do contraditório. Segundo o
referido autor, a dicção do art. 513, decorrente da Lei n. 267, de 1997,
havia fornecido uma solução muito drástica para a questão: inutilizava
as declarações com relação a terceiros, sempre que não houvesse con-
sentimento por parte destes
145
. Na opinião do mencionado autor, comrelação à responsabilidade de terceiros, o acusado deveria assumir po-
sição similar à da testemunha, com todos os deveres a essa condição
inerentes146, pois era preocupante que o acusado pudesse silenciar a
143 De acordo com TONINI, Paolo, Imputato "accusatore” ed "accusato” nei principa-
li ordinamenti processuali deli' Unione Europea, cit., p. 261.
144
GREVI, Vittorio, II diritto al silenzio dell'imputato sul fatto proprio e sul fatto altrui,cit., p. 1148.145 Observava, porém, CORBETTA, Stefano. La riforma deli‟art. 513 CPP e la disciplina
transitória delle letture dibattimentali. In: Le nuove leggi penali. Milano: CEDAM, 1998,
p. 231-257, esp. p. 235-236, que houve ampliação da aplicação do incidente probatório
para compensar a perda resultante para a acusação, com a modificação introduzida
para utilização das declarações prestadas pelos sujeitos indicados no art. 210 do Código
de Processo Penal. Assim, a acusação podia valer-se do incidente probatório para o caso
de o corréu valer-se do direito ao silêncio e de a defesa não concordar com a leitura da
declaração prestada, na forma do art. 513, n. 2, do diploma processual penal.
146 GREVI, Vittorio, Il diritto al silenzio deU‟imputato sul fatto proprio e sul fatto altrui, cit., p. 1138.
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esse respeito, sem qualquer conseqüência, com sacrifício do direito ao
contraditório, em prejuízo do réu que fora acusado por outro anterior-
mente. Assim, de acordo com seu entendimento, deveria ser vedado
ao acusado silenciar sobre a responsabilidade de terceiros, ao menos
nos limites das declarações antes prestadas147.
Parte da doutrina manifestou preocupação com a impossibilida-
de de ser utilizado o material probatório colhido antes da fase do dibat-
timento, em razão das alterações introduzidas pela Lei n. 267, de 1997.
Nesse sentido, Antonio Scaglione148 ressaltou que a disciplina
constante do art. 513 não era adequada para os casos de crime organi-
zado. Isto porque poderia haver pressões e ameaças para que o corréu
silenciasse e não poderiam ser utilizadas suas declarações anteriores.
Bertoni149 observava que a redação do art. 513, advinda da Lei n.
267, de 1997, que impedia, no dibattimento, a leitura e conseqüente
utilização das declarações do acusado ou corréu que se calava nessa
fase, apresentava diversas exceções. Mas, segundo esse autor, a refor-
ma não havia sido satisfatória porque impedia o resguardo de todo o
material probatório colhido anteriormente ao dibattimento. De legefe-
renda, propunha Bertoni que não deveria ser permitido ao acusado si-
lenciar nos sucessivos interrogatórios se no primeiro deles havia deci-
dido prestar declarações sobre a responsabilidade de terceiros, sob
pena de serem aplicadas sanções150.
Outra parte da doutrina considerava insuficiente a inutilização
das declarações anteriores prestadas por um acusado em relação a ou-
tro quando este optava por silenciar no exame. Destacava-se que as
conseqüências eram graves e que o nemo tenetur se detegere, em sua es-
147 GREVI, Vittorio. Dichiarazioni dell‟imputato sul fatto altrui, diritto al silenzio e
garanzia dei contraditorio. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 821-
856, juL/set. 1999, p. 839.
148 SCAGLIONE, Antonio. Polizia giudiziaria, assunzioni di informazioni da imputato
in un processo connesso e regime di utilizzabilità. In: Le nuove leggi penali. Milano:
CEDAM, 1998, p. 179-188, esp. p. 181.149 BERTONI, Raffaele, Diritto al silenzio delfimputato in dibattimento e divieto di
utilizzare le sue precedenti dichiarazioni, cit., p. 558.150 BERTONI, Raffaele, Diritto al silenzio dell‟imputato in dibattimento e divieto di
utilizzare le sue precedenti dichiarazioni, cit., p. 560.
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ção, seja naquela processual, foi modificada. A advertência ao interro-
gando de que suas declarações poderão sempre ser utilizadas em rela-
ção à sua própria responsabilidade foi introduzida. A advertência em
relação à faculdade de não responder a perguntas, salvo quanto à sua
qualificação, foi mantida. E a grande novidade ficou por conta da in-
clusão de advertência ao interrogando de que, se prestar declarações
sobre fatos relacionados à responsabilidade de terceiros, assumirá,
com referência a estes, a qualidade de testemunha, ressalvadas as in-
compatibilidades previstas no art. 197 e com as garantias do art. 197-
-bis 1S6 . Há, portanto, na nova disciplina ampla liberdade de escolha para
o acusado.
Ainda de acordo com a nova redação do art. 64, se a advertência
for omitida quanto à utilização das declarações sobre a própria respon-
sabilidade do acusado e sobre a faculdade de silenciar, as declarações
prestadas serão totalmente inutilizáveis. Se a omissão ocorrer com re-
ferência à advertência em relação à responsabilidade de terceiros, as
declarações serão inutilizáveis com relação a estes e o acusado não po-
derá ser ouvido como testemunha157.
Importante anotar que, se decidir declarar sobre a responsabilida-
de de terceiros, o acusado assumirá a veste de testemunha não somen-
te no dibattimento, mas desde a fase de investigações.
Em consonância com a nova redação do art. 197, permanece a
regra geral de incompatibilidade de testemunhar para corréus acusa-
dos de praticar, em concurso ou por meio de condutas independentes,
um mesmo delito. Entretanto, essa incompatibilidade não persiste se
há sentença condenatória irrevogável com relação a algum deles, abso-
lutória ou que determine aplicação de pena, porque o entendimento
esposado foi o de que já não há razão para tutelar o nemo tenetur se de-
tegere nessas circunstâncias158.
Entretanto, nos casos de processos conexos em razão de crime co-
metido para assegurar a execução ou ocultar outro e aquele cometido
para assegurar o proveito ou a impunidade, não há incompatibilidade
156
Cf. CANTONE, Raffaele, llgiusto processo, cit., p. 40-42.157 CANTONE, Raffaele, llgiusto processo, cit., p. 44.158 Consoante CANTONE, Raffaele, II giusto processo, cit., p. 54-55.
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de testemunhar se, advertido em conformidade com o art. 64, o acusa-
do declara sobre a responsabilidade de terceiros ou se, em relação a
ele, foi proferida sentença condenatória ou absolutória irrevogável ou
de aplicação de pena139.
O acusado que assume a veste de testemunha será ouvido com
assistência de defensor (testemunha assistida).
De acordo com a nova sistemática, se o acusado for chamado a
depor como testemunha após a prolação de sentença condenatória irre-
vogável, não poderá ser obrigado a declarar sobre fatos pelos quais foi
proferida a mencionada sentença, se no processo que a originou negou
ele sua própria responsabilidade. A ratio dessa regra é clara: não se pode
impor ao acusado uma escolha diversa daquela que ele fez no próprio
processo. Caso contrário, haveria uma imposição de confessar a própria
responsabilidade em contraste com o princípio nemo teneturse detegere 160 .
Se o acusado for chamado a depor porque, em seu interrogató-
rio, declarou sobre a responsabilidade de terceiros, também não pode
159
Cf. CANTONE, Raffaele, II giusto processo, cit., p. 56-57. A Corte Constitucional ita-liana foi chamada a decidir a respeito da inconstitucionalidade do art. 197-bis, n. 4 do
Código de Processo Penal, na ordinanza n. 456, de 28-12-2007, publicada em 2-1-2008.
Tal arguição fundamentou-se em alegada diferença de tratamento jurídico decorrente
da norma em questão com relação àquele que é condenado, após defender-se em juí-
zo, e pode, de acordo com o art. 197-bis, n. 4, abster-se de depor como testemunha, se
tiver negado sua responsabilidade ou se não tiver prestado declarações e com referên-
cia àquele que tem contra si proferida sentença condenatória por pattegiamento, inse-
rindo-se no procedimento de aplicação de pena a pedido, que não se amolda à discipli-
na do mesmo art. 197-bis, n. 4. Nesse caso, poderia ele ser compelido a depor como
testemunha em procedimento conexo ou de crime relacionado à norma do art. 371, n.2, b, do Código de Processo Penal. Além da apontada diferença de tratamento jurídico,
para situações similares, argumentou-se, para fundamentar o pleito de inconstitucio-
nalidade da norma em foco, que aquele que efetuou o pattegiamento ficaria exposto ao
risco de um procedimento por falso testemunho, apesar da eximente do art. 384 do
Código Penal, violando-se o seu direito ao silêncio. Contudo, a Corte Constitucional
decidiu pela improcedência da inconstitucionalidade do art. 197-bis, n. 4, do Código de
Processo Penal, entendendo que as situações jurídicas confrontadas são distintas e que
aquele que efetuou o pattegiamento e será ouvido como testemunha em processo co-
nexo já tem garantias previstas na lei e que vertem da Constituição, de ser ouvido
como testemunha assistida, além daquelas previstas no art. 197-bis, n. 5, e art. 198, n.
2, do Código de Processo Penal e art. 384 do Código Penal.
CANTONE, Raffaele, Jl giusto processo, cit., p. 60.
175
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ser compelido a declarar sobre a infração penal pela qual está sendo ou
já foi processado161.
As declarações prestadas pelo acusado, na veste de testemunha,
não podem ser utilizadas no processo ao qual esteja submetido, nem
para revisão da sentença condenatória e no juízo civil nem no âmbito
administrativo relativo ao fato objeto do procedimento criminal e da
respectiva sentença proferida.
Deve-se observar que, até o final de 2006, como exposto, a disci-
plina inaugurada pelo art. 197-bis do diploma processual penal se apli-
cava a todos os acusados em relação aos quais tivesse sido proferida
sentença irrevogável, ainda que fosse absolutória. Com a sentença n.
381, de 21 de novembro de 2006, a Corte Constitucional decidiu que o
acusado absolvido por sentença irrevogável, por não haver cometido o
fato, deve ser tratado de modo similar à testemunha comum. Nessa
esteira, declarou a ilegitimidade dos ns. 3 e 6 do art. 197-bis do Código
de Processo Penal, na parte em que preveem, respectivamente, a assis-
tência de defensor e a aplicação da disposição do art. 192, n. 3, também
para as declarações prestadas pelas pessoas indicadas no n. 1 do art.
197-bis, em relação às quais tenha sido proferida sentença de absolvi-
ção irrevogável por não ter cometido o fato. Foi mantida, entretanto, a
garantia do art. 197-bis, n. 5, com base na qual as declarações do absol-
vido não são utilizáveis em face dele em processo civil ou administrati-
vo relativo ao fato objeto da sentença irrevogável162.
Não há menção, no art. 197, às decisões de arquivamento e de
non luogo aprocedere, entre aquelas que fariam cessar a incompatibilida-
de com o testemunho. A Corte Constitucional, a esse respeito, em de-
cisão de n. 76, proferida em 27 de março de 2003, decidiu que, na hipó-
tese de arquivamento, aplica-se a disciplina prevista no art. 197, a e b.
Ou seja, o investigado em concurso pelo mesmo delito, que tenha aseu favor decisão de arquivamento, é absolutamente incompatível
com o status de testemunha e deve submeter-se ao exame na forma do
161 A esse respeito, CANTONE, Raffaele, llgiusto processo, cit., p. 60, observa que nem
sempre é fácil distinguir quando se está falando da própria responsabilidade ou de
terceiros.TONINI, Paolo, Manuale breve diritto processuale penale, cit., p. 223.
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Em complemento, foi alterada também a redação do art. 526,
para estabelecer que não poderá ser provada a culpabilidade do acusa-
do com base em declarações prestadas por aqueles que, por livre esco-
lha, se subtraíram do exame por parte do acusado e de seu defensor.
Tais declarações somente podem ser utilizadas em favor do acusado166.
6.2. Direito francês
No período da Revolução Francesa, era reconhecido o direito ao
silêncio ao acusado. Não podia ele ser ouvido como testemunha, mas
não devia ser advertido quanto à faculdade de não responder. Em ra-zão disso, tolerava-se a mentira167.
A Lei de 8 de dezembro de 1897 introduziu, em seu art. 331, o
direito ao silêncio no direito francês, estabelecendo a advertência do
acusado quanto ao direito de não responder às questões que lhe fos-
sem formuladas168. A doutrina e a jurisprudência, entretanto, sustenta-
ram que a mencionada advertência não era obrigatória nem precisava
ser reiterada nos sucessivos interrogatórios169.
O art. 116 do Código Processual Penal170 vigente trata das forma-
lidades do interrogatório no juízo de instrução, denominado pr emière
comparution.
CANTONE, Raffaele, II giusto processo, cit., p. 102.
167 A respeito: TONINI, Paolo, Imputato "accusatore” ed “accusato” nei principali or -
dinamenti processuali dell‟Unione Europea, cit., p. 262. 168 Cf. PRADEL, Jean e CASORLA, Francis. Code de Procédure Pénale. 36. ed. Paris:
Dalloz, 1994-1995, p. 236.169 Nesse sentido: MARQUISET, Jean. Instruction préparatoire. In: Répertoire de Droit
Criminei et de Procédure Pénale. Paris: Dalloz, 1954, t. 2, p. 251.170 Referido dispositivo teve sua redação ligeiramente modificada pela Lei n. 291, de 5
de março de 2007. Na parte em que já eram previstas as advertências ao interrogando,
foi acrescentado prazo de um mês ou de três meses previsto pelo terceiro item do art.
175, para que possa ele formular pedido de documentos ou requerimentos de anula-
ção com base nos arts. 81, 82-1, 82-2, 156 e 173. Além disso, foi acrescentado o art.116-1 pela mesma Lei, que dispôs sobre gravação audiovisual dos interrogatórios dos
acusados realizados pelo juiz.
178
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Dispõe o referido artigo que o juiz verificará a identidade do acu-
sado, cientificará este dos fatos que são apurados e sobre a sua qualifi-
cação jurídica.
Impõe, ainda, o dispositivo a advertência ao acusado de que so-
mente realizará o interrogatório, imediatamente, com a sua concor-
dância e quanto ao seu direito de constituir defensor de sua escolha.
Tais formalidades deverão ser observadas sob pena de nulidade
do ato.
Não foi disciplinada expressamente, no Código vigente, a adver-
tência ao acusado quanto ao seu direito ao silêncio nos interrogatórios
realizados na première comparuüon (art. 116), no processo preparatório
(art. 272171) e na fase dos debates (art. 328).
É previsto, porém, o interrogatório, em caso de prisão em flagran-
te, em cuja disciplina não se alude à advertência do direito ao silêncio
(art. 70172), assim como na inquirição realizada pelo oficial da polícia
judiciária, para colher elementos sobre a infração penal (art. 64173)174.
Saliente-se que a referida ausência de previsão da advertência
com relação ao direito de não responder não tem impedido que a dou-
trina175 sustente a existência do direito ao silêncio do acusado no direi-
to francês. O acusado tem o direito de não responder às indagações
171 A Lei n. 204, de 9 de março de 2004, modificou, parcialmente, a redação do art. 272-1
do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade de, mediante decisão moti-
vada, determinar a prisão do acusado que não se apresentar para ser interrogado.
Também durante a audiência será possível a expedição de ordem de prisão, a requeri-
mento do Ministério Público, se esse for o único meio de assegurar a presença do
acusado durante os debates ou de impedir pressões sobre as vítimas ou testemunhasou ainda se o acusado se subtrair às obrigações do controle judiciário. Poderá ser de-
terminado pelo tribunal também, na audiência, a requerimento do Ministério Público,
que o acusado seja submetido a controle judiciário para assegurar sua presença nos
debates ou de impedir pressão sobre as vítimas e testemunhas.
172 Referido dispositivo teve sua redação modificada pela Lei n. 204, de 9 de março de
2004, mas não houve previsão de advertência do direito ao silêncio.173 A Lei n. 392, de 14 de abril de 2011, modificou a redação do art. 64 e acrescentou o art.
64-1 ao Código. Entretanto, não houve qualquer menção ao direito ao silêncio.174
DELMAS-MARTY, Mireille. Procédures pénales d‟Europe. Paris: Universidade da Fran-ça, 1995, p. 254-255.
Consoante PRADEL, Jean e CASORLA, Francis. Code de Procédure Pénale, cit., p. 236.
179
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que lhe forem formuladas e deve ser advertido quanto a isso, evitando
que venha a autoincriminar-se involuntariamente176.
Em razão do direito ao silêncio, o acusado não poderá ser subme-tido a juramento nem processado por falso testemunho177.
Reconhece-se-lhe o direito ao silêncio total e parcial, isto é, inci-
dente sobre determinadas perguntas formuladas sobre o mérito. Afir-
ma-se que o magistrado não está obrigado a advertir o acusado quanto
ao direito ao silêncio parcial e que referido direito é extraído, no orde-
namento francês, a partir do art. 14 do Pacto das Nações Unidas, apli-
cável por força do art. 55 da Constituição178.
Observe-se, porém, que o direito ao silêncio foi limitado aos ca-sos em que há risco de prejuízo para aquele que presta declarações.
Assim, ouvido sobre fato próprio, há direito ao silêncio. A testemunha,
como é cediço, depõe sobre fato de terceiro e, consequentemente, não
tem direito ao silêncio. Caberá, então, ao juiz da instrução valorar se
determinada pessoa será ouvida sobre fato próprio ou de terceiro179.
Para limitar a discricionariedade do juiz instrutor, as Leis n. 93-2,
de 4 de janeiro, e 93-1013, de 24 de agosto, ambas de 1993, criaram o
instituto da testemunha assistida, que se aplica aos casos em que al-
guém é indicado como investigado pelo Ministério Público, na requisi-
ção introdutória, mas não é considerado como tal pelo juiz instrutor180.
176 CATALDO, Maria Elisabetta. Imputato e “testimone assistito” nel processo penale
francese. In: Lenuove leggi penali. Milano: CEDAM, 1998, p. 285-298, esp. p. 290.
177 Na doutrina, afirma-se, como decorrência, que o acusado tem direito a mentir (nes-
se sentido, CATALDO, Maria Elisabetta, Imputato e "testimone assistito” nel processo penale francese, cit., p. 290).178 Cf. CATALDO, Maria Elisabetta, Imputato e "testimone assistito” nel processo pe -
nale francese, cit., p. 290.179 Conforme o art. 105, n. 1, do Código de Processo Penal francês que dispõe, a esse
respeito, que as pessoas contra as quais existam graves indícios de participação em um
delito não podem ser ouvidas como testemunhas.180 Anteriormente à referida legislação, a Corte de Cassação havia firmado entendimento
segundo o qual o juiz instrutor não podia ouvir como testemunha a pessoa acusada pelo
Ministério Público, violando o disposto no art. 105, n. 1, do diploma processual penal,
isto é, ouvindo o acusado, sobre fato próprio, em veste de testemunha. Tal procedimen-
to, segundo a Corte de Cassação, violava o direito de defesa (conforme CATALDO, Ma-
ria Elisabetta, Imputato e "testimone assistito” nel processo penale francese, cit., p. 288).
180
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A testemunha assistida, como o próprio nome sugere, tem o direito de
ser assistida por defensor antes e durante o depoimento181. Contudo,
mantém os deveres da testemunha, ou seja, apresentar-se para depor edizer a verdade. Assim, se o fato é próprio, a testemunha assistida po-
derá silenciar ou mentir. Mas se o fato é de terceiro, não poderá recu-
sar-se a responder nem faltar com a verdade.
O acusado, em processo conexo, poderá ser ouvido como teste-
munha em relação à responsabilidade de terceiros. Em outras palavras:
com referência a fato de terceiros, o acusado em processo conexo não
faz jus ao nemo tenetur se detegere 182 . Mencionado entendimento tem
sido francamente adotado na jurisprudência da Corte de Cassação
183
e,igualmente, na doutrina. Porém, se o acusado em processo conexo ti-
ver sido incluído como investigado pelo Ministério Público e o juiz
instrutor discordar, deverá ouvi-lo como testemunha assistida.
6.3. Direito alemão
Afirma-se184 que o nemo tenetur se detegere foi reconhecido, no di-
reito alemão, no século XIX, sob a inspiração do ideário iluminista.
Átualmente, o princípio encontra-se incorporado ao direito ale-mão, expressamente, por força do disposto no art. 14, n. 3, do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado pela Alemanha
em 17 de dezembro de 1973, que estabelece que o acusado não é obri-
gado a declarar contra si mesmo.
181
Nesse sentido, CATALDO, Maria Elisabetta, Imputato e “testimone assistito” nel processo penale francese, cit., p. 287.
182 CATALDO, Maria Elisabetta, Imputato e “testimone assistito” nel processo penale
francese, cit., p. 294.183 A jurisprudência da Corte de Cassação firmou entendimento de que aquele que
presta juramento como testemunha deve dizer a verdade, ainda que se exponha a dano
inevitável para sua liberdade e honra (nesse sentido: CATALDO, Maria Elisabetta, Im-
putato e “testimone assistito” nel processo penale francese, cit., p. 295). A Corte de
Cassação tem afastado, inclusive, a possibilidade de a testemunha arguir o estado de
necessidade para recusar-se a depor.
184 Cf. DIAS NETO, Theodomiro. O direito ao silêncio: tratamento nos direitos ale-
mão e norte-americano. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 19, p. 179-
204, jul./set. 1997, p. 186.
181
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Não há dispositivo constitucional específico com relação ao nemo
tenetur se detegere ou mesmo quanto ao direito ao silêncio do acusado.
Contudo, apesar disso, entende-se que o princípio tem envergadura
constitucional, incluído entre os direitos fundamentais, não podendoser violado em seu núcleo essencial (cf. art. 19, n. 2, da Lei Fundamen-
tal) nem pelo Judiciário nem pelo Legislativo185.
Tal afirmação tem suporte no art. I2, n. 1, da Lei Fundamental,
que estabelece a inviolabilidade da dignidade humana186, bem como no
art. 2-, n. 1, que diz respeito ao direito à liberdade.
O direito processual penal alemão reconhece, portanto, o direito
ao silêncio e a presunção de inocência em favor do acusado187.
Exatamente em razão do acolhimento do nemo tenetur se detegere,
não só o acusado tem o direito de calar como também a testemunha
tem o direito' de recusar-se a responder determinadas perguntas que
possam incriminá-la ou incriminar um familiar188. Nesse caso, a teste-
munha será informada sobre o direito de recusar a informação189.
O acusado poderá ser interrogado em todas as fases procedimen-
tais, ficando o interrogatório sujeito basicamente às mesmas regras190.
Primeiramente, deverá o acusado ser cientificado do fato que lhe
é imputado e dos preceitos aplicáveis.
185 A esse respeito, DIAS NETO, Theodomiro, O direito ao silêncio: tratamento nos
direitos alemão e norte-americano, cit., p. 186.
186 Estabelece a Lei Fundamental no mesmo dispositivo que "Todas as autoridades
públicas têm o dever de a respeitar e proteger".187 COLOMER, Juan-Luis Gomez. El proceso penal alemán. Introàucción y normas básicas.
Barcelona: Bosch, 1985, p. 78.
Cf. parágrafo 55 do StPO.189 Não há, porém, nenhuma regra que impeça a utilização do depoimento incrimina-
dor prestado pela testemunha, se a advertência quanto ao direito de recusar-se a res-
ponder for feita tardiamente pela autoridade.190 COLOMER, Juan-Luis Gomez, El proceso penal alemán. Introducción y normas básicas,
cit., p. 139. Admite-se, inclusive, na fase de “vista principal”, o interrogatório cruzado
(parágrafo 239 do StPO). Dispõe a lei processual que não poderá haver abuso da facul-
dade de interrogar pelas partes. Não se admite interrogatório direto de um acusado para o outro. Entretanto, o referido interrogatório segue as mesmas regras básicas es-
tabelecidas para os demais interrogatórios (parágrafo 136 do StPO).
182
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Nessa fase não incidiria o direito ao silêncio. Contudo, parte da doutrina alemãer, 1990, e Müller-Dietz, 1981) entende que a proteção integral do nemo tenetursegere deveria incluir todo o interrogatório, inclusive a oferta de dados pessoais. Isto
que, em certos casos, o fornecimento da identidade eqüivale à confissão de autoriacrime (conforme DIAS NETO, Theodomiro, O direito ao silêncio: tratamento nositos alemão e norte-americano, cit., p. 193).
Depois, segue-se o denominado interrogatório pessoal, compos-
to por indagações referentes à sua pessoa191.
Em seguida, o juiz deverá adverti-lo quanto ao direito de perma-
necer calado, observando que é livre para prestar declarações ou nãosobre os fatos ou sua culpa e de que poderá, antes do interrogatório,
consultar um advogado192.
Observa-se na doutrina que o suspeito não é advertido quanto ao
direito ao silêncio e de consultar advogado, o que pode conduzir ao
desempenho da investigação, de modo a contornar a incidência dos
direitos reconhecidos ao acusado193.
Por fim, realiza-se o interrogatório sobre o fato e suas circunstân-
cias. Não podem ser incluídas, nessa fase, perguntas sobre os antece-dentes do acusado.
Embora não se reconheça a existência do dever de dizer a verda-
de, por parte do acusado, quando decide responder ao interrogatório,
a jurisprudência tem admitido a possibilidade de a mentira servir como
indício para agravar a pena194. A doutrina tem sustentado, contraria-
mente, que a mentira não pode influenciar a fixação da pena195.
Outra questão relevante diz respeito à valoração do silêncio do
acusado. E praticamente uniforme o entendimento de que não se pode
extrair nenhum prejuízo para ele advindo do seu silêncio em todo o
interrogatório. Contudo, se o acusado silenciar parcialmente, dividem-
192 Cf. COLOMER, Juan-Luis Gomez, El proceso penal alemán. Introducción y normas bá-
sicas, cit., p. 321. 193 A esse respeito, DIAS NETO, Theodomiro, O direito ao silêncio: tratamento nos
direitos alemão e norte-americano, cit., p. 191-192.194 Nesse sentido, BGHSt, t. 1, p. 104 e 342, citadas por COLOMER, Juan-Luis Gomez,
El proceso penal alemán. Introducción y normas básicas, cit., p. 139.
195 A esse respeito, ROXIN, Strajverfahrensrecht, p. 140, apud COLOMER, Juan-Luis Go-mez, El proceso penal alemán. Introducción y normas básicas, cit., p. 139.
183
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6 A esse respeito, DIAS NETO, Theodomiro, O direito aoilêncio: tratamento nosireitos alemão e norte-americano, cit., p. 193-194.
Cf. COLOMER, Juan-Luis Gomez, El proceso penal alemán. Introducción y normas bá-s, cit., p. 321.
-se as opiniões. O entendimento predominante é que o silêncio do acu-
sado, nessa situação, ficará sujeito à livre apreciação do julgador196.
De observar também, com referência ao direito ao silêncio, que a
doutrina alude à legislação apartada do Código Processual alemão(StPO), que estabelece o dever de declarar, sem limitações. Nesses ca-
sos, não poderia haver exercício do direito ao silêncio. O Tribunal
Constitucional Federal alemão considerou que o dever de declarar per-
siste nessas hipóteses, mas, no processo penal, as declarações não po-
derão ser utilizadas, nem em prejuízo do dedarante, nem de terceiros,
contra a vontade daquele197.
Além da advertência quanto ao direito ao silêncio, para proteção
da liberdade de autodeterminação do acusado, o legislador proibiu de-terminados métodos de interrogatório.
Assim,-não se poderão empregar maus-tratos, esgotamento, vio-
lências corporais, administração de drogas, tortura, engano ou hipno-
se no interrogatório do acusado. Proíbem-se também a ameaça e a
promessa de vantagem198. Enfim, são vedados todos os métodos que
possam influenciar a livre decisão do acusado quanto a responder ao
interrogatório ou não.
A jurisprudência tem incluído entre os métodos proibidos de in-terrogatório o polígrafo e o detector de mentiras199.
Em acréscimo, não se admitem as medidas que possam influir
sobre a memória ou a capacidade de compreensão do acusado.
157 BVerfGE, t. 56, p. 37, conforme COLOMER, Juan-Luis Gomez, El proceso penal ale-
mán. Introducción y normas básicas, cit., p. 138.
199 Nesse sentido, BGHSt, t. 5, p. 332 e s., citada por COLOMER, Juan-Luis Gomez, El
proceso penal alemán. Introducción y normas básicas, cit., p. 140. Porém, na doutrina,
AMELUNG apud ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo
penal. Coimbra: Coimbra Ed., 1992, p. 217, defende que “não será de se excluir em
absoluto o recurso ao detector de mentiras no interesse da defesa”. Sustenta o referido
autor ser admissível e até mesmo aconselhável o uso desse meio quando não houver outras formas de evitar a condenação.
184
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Nenhum desses métodos poderá ser utilizado nem mesmo com
o consentimento do acusado.
Se as proibições quanto aos métodos de interrogatório forem
violadas, as declarações do acusado não poderão ser utilizadas. O mes-mo ocorre se não forem realizadas as advertências prescritas, inclusive
quanto ao direito ao silêncio200.
Deve-se ressaltar ainda que há dever de comparecimento ao in-
terrogatório por parte do acusado. A condução coercitiva, para inter-
rogatório, é admitida. Tanto pode ser determinada pelo juiz como
pelo representante do Ministério Público, ficando, no último caso, su-
jeita a regularidade do ato ao controle jurisdicional.
Conforme dispõe a lei processual, tem lugar a condução coerciti-va quando for cabível ordem de prisão. Segundo a doutrina201, cuida-se
de meio utilizado para a citação e para a apresentação do acusado ao
juiz, que, citado, não comparece voluntariamente.
Por fim, com relação à chamada de corréu, duas situações distin-
tas se apresentam: se forem acusados no mesmo processo, não há sta-
tus de testemunha. O acusado não pode ser submetido a juramento
nem há dever de testemunhar. Tem direito ao silêncio e não é obrigado
200 A esse respeito, DIAS NETO, Theodomiro, O direito ao silêncio: tratamento nos
direitos alemão e norte-americano, cit., p. 190, destaca que, inicialmente, a jurispru-
dência alemã posicionava-se, em relação à falta de advertência quanto ao direito ao
silêncio, como mera violação à disposição regulamentar. Contudo, em 1992, essa
orientação foi alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que acentuou a importân-
cia do dever de instrução quanto ao direito ao silêncio na fase policial, porque é
nesta fase que o acusado se encontra mais vulnerável. Mas há exceções: se ficar cons-tatado que o acusado tinha conhecimento do direito ao silêncio, apesar de não ter
sido advertido; se o acusado, defendido em juízo, concordar com a utilização do seu
depoimento policial ou deixar de questioná-lo no prazo legal e se, sem defensor, for
orientado pelo juiz de que pode opor-se ao depoimento policial. Ademais, a jurispru-
dência é criticada também quando estabelece que, se houver dúvidas quanto à reali-
zação da advertência, deverá o juiz decidir a respeito avaliando o conteúdo do inter-
rogatório. A doutrina entende que tal posicionamento jurisprudencial fere o in dubio
pro reo, que incide não somente quanto à culpabilidade, mas também quanto às for-
malidades do procedimento.
201 Cf. COLOMER, Juan-Luis Gomez, El proceso penal alemán. Introducción y normas bá-
sicas, cit., p. 103.
185
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a dizer a verdade. É interrogado apenas como acusado. Não se admite
sejam formuladas reperguntas por um acusado em relação a outro202.
Entretanto, se os processos forem separados, o acusado que declaraem relação à responsabilidade de outro réu recebe tratamento de tes-
temunha. Tem o dever de dizer a verdade e fica sujeito a reperguntas
formuladas pelos réus acusados. Contudo, nessa circunstância, man-
tém o direito de não se autoincriminar e de não incriminar familia-
res203. A doutrina, por seu turno, sustenta a respeito que há absoluta
incompatibilidade entre o status de acusado e o de testemunha em ra-
zão da incidência ampla do nemo tenetur se detegere 204 .
6.4. Direito português
A Constitüição portuguesa não reconhece, expressamente, o di-
reito ao silêncio entre as garantias do processo criminal. Entretanto, o
art. Ia do texto constitucional estabelece que a República portuguesa é
baseada na dignidade da pessoa humana205.
Além disso, no título dedicado aos direitos, liberdades e garan-
tias, o art. 25 dispõe sobre o direito à integridade pessoal, estabelecen-
do que a "integridade moral e física das pessoas é inviolável” e que "Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis,
degradantes ou desumanos”.
202 ORLANDI, Renzo. Coimputato e imputato di reato connesso nel processo germâ-
nico. In: Le nuove leggi penali. Milano: CEDAM, 1998, p. 299-311, esp. p. 306-307.
203 A propósito, a jurisprudência tem entendido que a finalidade de se instaurar proces-sos separados, em caso de conexão, é a de transformar o corréu em testemunha (con-
forme ORLANDI, Renzo, Coimputato e imputato di reato connesso nel processo ger-
mânico, cit., p. 307). De se salientar, em acréscimo, que as hipóteses de conexão, no
processo penal alemão, são bastante restritas, reconhecida apenas em caso de favoreci -
mento pessoal, real e receptação. TONINI, Paolo, Imputato “accusatore” ed “accusato”
nei principali ordinamenti processuali âelYUnione Europea, cit., 268, destaca que, no orde-
namento alemão, o juiz tem amplo poder de transformar corréu em processo conexo
em testemunha, simplesmente separando o processo.
204 Nesse sentido, ORLANDI, Renzo, Coimputato e imputato di reato connesso nel
processo germânico, cit., p. 300.205 Conforme RIBEIRO, Vinício. Constituição da República Portuguesa. Coimbra: Alme-
dina, 1993, p. 15.
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Ambos os dispositivos guardam relação com o direito ao silêncio,
que tutela a dignidade e a integridade moral do acusado.
No plano constitucional tutela-se também o direito a todas as ga-rantias da defesa. Salienta, a esse respeito, Manuel Lopes Maia Gonçal-
ves206 que a expressão "garantias da defesa”, utilizada no texto constitu-
cional, é vaga, mas abrange todos os instrumentos necessários para
contrariar a posição da acusação. De acordo com a jurisprudência do
Tribunal Constitucional, o direito ao silêncio integra as garantias da
defesa, tuteladas no art. 32, n. 1, da Constituição, que tem como obje-
tivo a proteção da posição do arguido como sujeito do processo207.
Em acréscimo, o art. 32, n. 8, impõe nulidade a todas as provas
obtidas mediante tortura, coação e ofensa à integridade física ou mo-
ral da pessoa.
No Código de Processo Penal, o direito ao silêncio é protegido e o
arguido não presta juramento. Tal direito está elencado entre os direitos
do arguido: “não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade,
sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declara-
ções que acerca deles prestar” (consoante o art. 61, n. 1, alínea d)208.
O arguido é aquele “contra quem for deduzida acusação ou re-
querida instrução num processo penal” (art. 57 do diploma processual
penal). Estabelece o mesmo dispositivo que a qualidade de arguido
mantém-se durante todo o processo.
Há constituição de arguido quando: "correndo inquérito contra
pessoa determinada, em relação à qual haja suspeita fundada da práti-
ca de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judi-
ciária ou órgão de polícia criminal”; “tenha de ser aplicada a qualquer
206 GONÇALVES, Manuel Lopes Maia. Código de Processo Penal anotado. Coimbra: Al-
medina, 1999, p. 185.
207 Nesse sentido: Acórdãos n. 155/2007, 181/2005 e 304/2004 (cf. DIAS, Augusto Silva
e RAMOS, Vânia Costa. O direito à não autoinculpação (“nemo tenetur se ipsum accusare”)
no processo penal e contraordenacional português. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 16).208 O art. 61 do Código de Processo Penal português teve sua redação parcialmente
modificada na Reforma de 2007. Foi dada nova redação à alínea c do n. 1, introduzin-
do-se, entre os direitos do arguido, aquele de "Ser informado dos factos que lhe sãoimputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade". Desse modo, o
direito ao silêncio passou a ser previsto na alínea d do mesmo dispositivo.
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pessoa uma medida de coacção ou de garantia patrimonial”; “um sus-
peito for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 254 a
261” (que se referem à detenção em flagrante delito e fora de flagran-
te); “for levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de
um crime e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia foi manifesta-
mente infundada” (art. 58, n. 1).
O art. 59 regula, ainda, outros casos de constituição de arguido:
quando, durante qualquer inquirição feita à pessoa que não é arguido,
surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que pro-
ceda ao ato suspende-o imediatamente e procede à comunicação de
que passou a ostentar a condição de arguido, explicando quais são seus
direitos e deveres. Outra hipótese é a da pessoa contra quem recair sus-
peita de ter cometido crime, sempre que estiverem sendo realizadas
diligências para comprovar a imputação que lhe afete. Tem ela direito a
requerer sua constituição como arguida. Essa constituição é importante
porque, a partir de então, são reconhecidos à pessoa direitos e deveres.
Além do direito de silenciar e de ser assistido por defensor, outro
importante direito do arguido é o de ser cientificado dos seus direitos
e deveres processuais, por meio de entrega de documento que os indi-
que. Há dever de informação e advertência sobre o direito ao silêncio.
Se o arguido não for cientificado desses direitos e deveres, sendo
um deles o de silenciar, as declarações que forem prestadas não pode-
rão ser utilizadas209.
Para evitar que sejam tomadas declarações da pessoa antes de sua
constituição como arguida, quando deveria sê-lo, o legislador não per-
mite a utilização das declarações em seu prejuízo210.
209 Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: "As declarações,
escritas ou não, prestadas por uma pessoa, informalmente, antes da sua constituição
formal como arguida num processo que contra ela já esteja a correr, obrigam à sua
imediata constituição como arguida, sob pena de nulidade da utilização da prova resul-
tante de tais declarações e da impossibilidade de tal prova ser utilizada contra ela" (Ac.
de 19-1-1992, CJ XVII, t. 1, p. 20).
210 Contudo, a jurisprudência admite a utilização das declarações contra terceiros (“A
eventual inobservância do procedimento previsto no n. 1 do art. 59 do CPP não implica qual-
quer nulidade, apenas determinando que as declarações prestadas não possam ser usadas como prova contra a pessoa visada, sendo indiferente quanto a terceiros que hajam sido prestadas a
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O direito ao silêncio incide sobre as perguntas quanto aos fatos
atribuídos ao arguido e não sobre os dados atinentes à sua identificação.
Com relação a estes, o arguido deverá fornecê-los, tendo o dever de di-
zer a verdade, sob pena de responder pelo crime de falsidade de decla-
rações tipificado no art. 359 do Código Penal211. Se se recusar a fornecer
os dados de identificação, incorrerá no crime de desobediência.
Outra indagação, com relação à qual o arguido tem dever de ver-
dade, é a que diz respeito aos seus antecedentes criminais (nota 191).
Entretanto, esse dever existe no primeiro interrogatório, conforme dis-
ciplina do art. 141, n. 3, do Código de Processo Penal 212. Na fase de jul-
gamento, não persiste esse dever. Isso porque o Tribunal Constitucional
considerou inconstitucional o n. 2, do art. 342 do diploma processual
penal, por entender que compelir o acusado a falar em julgamento so-bre seus antecedentes violaria o direito a não autoincriminação213.
Apesar da tutela ao direito ao silêncio, é importante salientar que
as declarações do arguido estão disciplinadas entre os meios de prova
no Código de Processo Penal português. Mas isso não lhe retira a fei-
ção de meio de defesa214. Em todos os interrogatórios, ele será cientifi-
cado de seus direitos, inclusive o de silenciar215.
O seu primeiro interrogatório judicial é disciplinado pelo art. 141
do diploma processual penal. Referido interrogatório é presidido pelo
título de testemunho ou na qualidade de arguidos, se for o mesmo o seu conteúdo” — Ac. STJ
de 11-10-1995; BMJ, n. 450, p. 110).
211A esse respeito, GONÇALVES, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal anotado,
cit., p. 190-191.212 O art. 141 do Código de Processo Penal português também teve sua redação modi-
ficada na reforma de 2007.
Acórdão n. 695 /95 (conforme DIAS, Augusto Silva e RAMOS, Vânia Costa, cit., p. 20).
214 A esse respeito, GONÇALVES, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal anotado,
cit., p. 344, observa que o primeiro interrogatório judicial do detido apresenta caráter
protetor do arguido e constitui meio de defesa. Tem ele direito ao silêncio e o seu
único interlocutor é o juiz da instrução.215 A esse respeito, DIAS, Augusto Silva e RAMOS, Vânia Costa, cit., p. 10, observam
que o Decreto de 28 de dezembro de 1910 foi o primeiro diploma a prever expressa-
mente o direito ao silêncio e que o juiz deveria ter em vista que a possibilidade de in-
terrogar o acusado tinha como finalidade o exercício do direito de defesa e não a com-
provação da acusação. A advertência quanto ao direito ao silêncio, segundo os referi-dos autores, deveria refletir essa orientação.
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juiz da instrução. Segundo Manuel Lopes Maia Gonçalves éimprescin-
dível que o juiz, antes de interrogar o arguido detido, faça a advertên-
cia com relação ao direito de não prestar declarações e de que, prestan-
do-as, não tem o dever de dizer a verdade. Contudo, se o arguido detido não for interrogado pelo juiz de
instrução, logo em seguida à detenção, será apresentado ao Ministério
Público, que poderá ouvi-lo sumariamente. Deverão ser observadas as
mesmas formalidades do interrogatório judicial.
No inquérito, os interrogatórios poderão ser realizados também
por órgão da polícia, mas por delegação do Ministério Público, incidin-
do as mesmas garantias ao arguido. E o que dispõe o art. 144 do Códi-
go de Processo Penal216
. No julgamento, ele poderá prestar novas declarações. A matéria
é regulada pelo art. 343 da lei instrumental. Nele é prevista expressa-
mente a advertência a ser efetuada pelo presidente do Tribunal de que
o arguido não é obrigado a prestar declarações e de que o seu silêncio
não poderá desfavorecê-lo.
Assim, espontaneamente ou por recomendação de seu defensor,
ele poderá recusar-se a responder a alguma pergunta ou a todas elas
sem que tal comportamento possa prejudicá-lo217.
Entretanto, em que pese o entendimento doutrinário firmado
nesse sentido, com suporte no texto expresso do art. 343 apontado, o
Supremo Tribunal de Justiça decidiu, em acórdão datado de 5 de feve-
reiro de 1998, que "o arguido não tem o dever de colaborar com a
justiça. Mas, se ele guardar silêncio, é legítimo que o tribunal conclua
que não houve arrependimento”, juízo que não deixa de ser valoração
do silêncio exercido pelo arguido218.
216 O art. 144 do Código de Processo Penal português teve sua redação modificada na
reforma de 2007, realçando-se que os interrogatórios do arguido preso sempre serão
feitos com assistência do defensor e que a entidade que proceder ao interrogatório do
arguido em liberdade deve informá-lo previamente de que tem o direito de ser assisti-
do por advogado (alíneas a e b do n. 2, do art. 144).
217 Nesse sentido, GONÇALVES, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal anotado,
cit., p. 617.218 Cf. CJ Acs. STJ, VI, t. 1, p. 190 (de acordo com GONÇALVES, Manuel Lopes Maia,
Código de Processo Penal anotado, cit., p. 617).
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Complementa a tutela do direito ao silêncio, já que tais declara-
ções estão elencadas entre os meios de prova, o art. 126 do diploma
processual penal, que indica os métodos proibidos de prova, impondo
a nulidade das provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa à inte-
gridade física ou moral das pessoas.
O mesmo dispositivo estabelece que o consentimento da pessoa,
quanto aos métodos proibidos de interrogatório, é irrelevante. Ressal-
ta Manuel da Costa Andrade224 que, para banir por completo a utiliza-
ção dos métodos proibidos de prova, o legislador estabeleceu a indis-
ponibilidade. Dessa forma, é irrelevante para a nulidade da prova obti-
da mediante métodos proibidos que a pessoa a eles submetida tenha
consentido. Segundo o referido autor, a irrelevância do consentimento
tem em vista a tutela da dignidade humana.
São entendidas, em consonância com o disposto no art. 126,
como ofensivas'à integridade física ou moral das pessoas as provas ob-
tidas mediante: perturbação da liberdade de vontade ou de decisão por
meio de maus-tratos, ofensas corporais, administração de meios de
qualquer natureza, hipnose ou outros meios cruéis ou enganosos; per-
turbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avalia-
ção; utilização de força, fora dos casos previstos em lei; ameaça com
medida legalmente inadmissível e com denegação ou condicionamen-to da obtenção de benefício previsto em lei; e promessa de vantagem
não disciplinada legalmente.
Sustenta a doutrina225 que referido elenco não é taxativo. In-
cluem-se todos os métodos irregulares para a obtenção de declarações
comprometedoras.
A ofensa à integridade física ou moral das pessoas na obtenção
das provas pode ensejar responsabilidade criminal e disciplinar da au-
toridade que dela fizer uso. Assim, diante do disposto no art. 126, veda-se o emprego de
quaisquer meios de coação do arguido, como o expediente de mostrar-
ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p. 214.
225 Nesse sentido, GONÇALVES, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal anotado,
cit., p. 318.
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-lhe o cadáver da vítima226; proíbe-se a narcoanálise e o detector de
mentiras227, o emprego de promessas de vantagens não previstas em lei
e de ameaças228.
6.5. Direito espanholA Constituição espanhola reconhece, expressamente, o direito de
não declarar contra si mesmo, de não se confessar culpado e a presun-
ção de inocência229.
O texto constitucional, em seu art. 17, garante ao preso o direito
de ser informado, imediatamente, dos seus direitos e das razões da
prisão. Além de não ser obrigado a prestar declarações, tem direito à
assistência de advogado durante as diligências policiais e judiciais230.
O art. 520 da Ley de Enj uiciamento Crimi nal, com a redação que lhe
foi dada pela Lei Orgânica n. 14, de 12 de dezembro de 1983, indica o
rol de direitos do preso: direito ao silêncio, não declarando se não de-
seja; direito de não declarar contra si mesmo; direito de constituir ad-
vogado e requerer sua presença para que assista às suas declarações;
direito de avisar alguém acerca de sua prisão e do lugar em que se en-
226 Parte da doutrina portuguesa ainda admite o emprego de coação moral contra o
arguido, para suscitar um movimento emocional no mesmo, que faça com que venha
a prestar declarações. Nesse sentido, FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, Curso de proces-
so penal, cit., p. 324.
117 ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p.
219, não descarta, por exceção, a possibilidade de utilização do detector de mentiras
no interesse da defesa, como ultima ratio para afastar uma condenação.228 ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p.
211, observa que o disposto no art. 126, n. 2, alínea d, que se refere à ameaça comomedida legalmente inadmissível, busca tutelar a correta informação à testemunha ou
ao arguido, para que possam valorar seus interesses. Assim, alertar quanto à possível
conseqüência de uma postura do arguido ou da testemunha, que não dependa do ar-
bítrio daquele que procede à investigação, é legítimo e legal.
229 CATENA, Victor Moreno. Ley de enjuiciamiento criminal. 13. ed. Madrid: Tecnos,
1998, p. 156.230 RODRÍGUEZ-ZAPATA, Jorge. Teoria y práctica dei derecko constitucional. Madrid:
Tecnos, 1996, p. 336. Contudo, sentença do Tribunal Constitucional n. 229, de 13 de
dezembro de 1999, considerou inexistente a conexão entre o direito de ser assistido
por advogado e o direito de não declarar contra si mesmo.
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contra; direito de ser assistido por intérprete se for estrangeiro e não
compreender o idioma local; e direito de ser examinado por médico
forense231.
Note-se que o dispositivo que alude ao direito ao silêncio é minu-
cioso, estabelecendo que o preso tem direito a ficar em silêncio, não
declarando se não desejar; a não contestar alguma ou algumas das per-
guntas que lhe forem formuladas e a manifestar que só declarará na
presença do juiz.
Além do direito ao silêncio, é expressamente previsto também o
princípio nemo tenetur se detegere: o preso tem direito a não declarar
contra si mesmo e a não confessar-se culpado.
Entretanto, continuam em vigor dispositivos atinentes às declara-
ções dos processados (arts. 385 e s.), que não preveem a advertência
com relação às garantias constitucionais referidas e também estampa-
das no art. 520 da Ley de Enj uiciamiento 232 .
Assim, em que pese o art. 387 estabelecer que não se exigirá jura-
mento dos acusados233, dispõe o mesmo artigo que o juiz deverá exor-
tá-los a dizer a verdade, advertindo-os de que devem responder de ma-
neira clara, precisa e conforme a verdade. Referido artigo afronta o
nemo tenetur se detegere,bem como o direito ao silêncio dele decorrente.
Além disso, o art. 392 dispõe que se o acusado se recusar a res-
ponder ou fingir-se de louco, surdo ou mudo, será advertido de que,
não obstante o seu silêncio ou enfermidade simulada, o processo terá
seguimento. Também aqui há conflito entre o que dispõe a Constitui-
ção espanhola, o aludido art. 520 e o mencionado art. 392.
CATENA, Victor Moreno, Ley de enjuiciamiento criminal, cit., p. 187.
232 NAVARRETE, Antonio Maria Lorca. El proceso penal de la Ley de Enjuiciamiento Cri-
minal (una propuesta para preterir el modelo inquisitivo de la Ley de Enjuiciamiento Crimi-
nal). Madrid: Dykinson, 1997, salienta diversos aspectos que ainda se amoldam ao
modelo inquisitorial na Ley de Enjuiciamiento Criminal.233 O Tribunal Supremo tem afirmado que são nulas as declarações dos acusados sob
juramento (conforme sentença n. 6.990, de 27-7-1998, e 10.329, de 9 de dezembro do
mesmo ano, de acordo com CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel
Angel Torres. Laprueba ilícita penal. Estúdio jurisprudencial. 2. ed. Navarra: Aranzadi,2000, p. 61).
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amplo: nenhuma testemunha será obrigada a declarar sobre pergunta
cuja resposta possa prejudicá-la material ou moralmente, de maneira
direta e relevante, ou a algum de seus parentes (linha direta ascendente
e descendente, cônjuge, irmãos e colaterais consanguíneos até o se-
gundo grau). A exceção à mencionada regra diz respeito aos casos de
suma gravidade por atentarem contra a segurança do Estado, a tran-
qüilidade pública ou a pessoa do Rei ou seu sucessor.
6.6. Direito argentino
O princípio nemo teneturse detegere recebe proteção constitucional
no direito argentino.
A Constituição argentina dispõe em seu art. 18: “Nadie puede ser obligado a dedarar contra sí mismo”236, a exemplo do disposto na V
Emenda da Constituição norte-americana.
A Corte Suprema argentina vem reconhecendo, em diversos dos
seus julgados, as decorrências do mencionado princípio no interroga-
tório do acusado237:
— a vedação à imposição do juramento de dizer a verdade, salien-
tando que este configura uma forma de coação, obrigando-o a depor
contra si mesmo e que as suas declarações devem emanar de livre von-tade238;
Ninguém pode ser obrigado a depor contra si mesmo.
237 CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, 3. ed., Buenos
Aires: Hammurabi, 1997, p. 273, salienta, porém, que referida garantia constitucional
perdeu aplicação e efetividade em sua forma substancial, não havendo um critériouniforme nos tribunais argentinos com relação a ela.
238 Nesse sentido, três casos são citados: Mendoza, Rodríguez Palmias e Diario El Atlânti-
co. No primeiro, o acusado foi citado pelo Ministério Público para sustentar suas posi-
ções sob juramento. A Corte entendeu que tal procedimento era nulo. A decisão da
Corte Suprema no caso denominado Diario El Atlântico firmou: "El juramento entrana
en verdad una coacción moral que invalida los dichos expuestos en esa forma, pues no
hay duda que exigir el juramento al imputado a quien se va a interrogar constituye una
manera de obligarle a declarar en su contra” (1971) (conforme COLAUTTI, Carlos E.
Derechos humanos. Buenos Aires: Ed. Universidad, 1995, p. 104). E ainda em Rodríguez
Palmias, considerou-se que não se pode fazer alguém suspeito prestar declarações, sob juramento de dizer a verdade, como se testemunha fosse, porque há violação da proi -
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— proibição de fazer alguém declarar como testemunha, sob as
penas do falso, quando se trata de suspeito, que teria a garantia consti-
tucional de não ser obrigado a declarar contra si mesmo239; ou seja, o
suspeito não pode ser compelido a depor como testemunha, porque
isso o obrigaria a mentir ou a violar o princípio constitucional do nemo
tenetur se detegere;
— vedação à confissão obtida mediante coação240, em razão de
alterações no estado físico e psíquico do acusado: a confissão não tem
valor quando for produto de coação, abrangendo aspectos físicos e
psíquicos. Assim sendo, estão incorporadas na proteção do nemo tene-
tur se detegere todas as formas de coação física e moral contra o acusa-
do, incluindo as ameaças, "soros da verdade”, enganos e detectores de
mentira.
Os tribunais argentinos firmaram também o critério de que a
garantia de que ninguém é obrigado a declarar contra si mesmo pro-
tege a testemunha que presta declarações falsas para não se autoin-
criminar241.
bição de obrigar uma pessoa a declarar contra si mesma (conforme CARRIO, Alejan-
dro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 275).
239 A decisão foi proferida no caso Rodríguez Palmias, em 1953: “interrogar como
testigo obligado a declarar bajo juramento de decir verdad y so pena de las sanciones
que establece el Código Penal para quienes se producen con falsedad, a la persona
que según el interrogatorio parece como sospechada de ser autor o cómplice de los
supuestos hechos delictuosos, puede importar precisamente obligarlo o bien mentir,
faltando así a su juramento o bien a declarar contra sí mismo, contrariando la prohi-
bición terminante de la Constitución Nacional” (cf. COLAUTTI, Carlos E., Derechos
humanos, cit., p. 104).
240 Nesse sentido, a decisão proferida pela Corte Suprema no caso Cabral Agustin, em
1993, que embora não reconheça a nulidade da confissão obtida, no referido caso, es-
tabelece os parâmetros para a decretação dessa nulidade: “En autos no se advierte que
la manifestación de Cabral a la policia haya sido el fruto de un acto de coacción. No se
desprende indicio alguno en tal sentido de las actuaciones de prevención, en las que el
informe policial no advierte ninguna alteración en su estado físico y psíquico y tampo-
co ello fue manifestado por el procesado al prestar declaración indagatoria” (cf. CO -
LAUTTI, Carlos E., Derechos humanos, cit., p. 105).
241 Em Montero (CNCrim, Sala IV, 3 :5-1966, LL 123-628; Tomljenovic, LL 140-700; Ansel-
mo c. Garcia, JA, 1937-59-294; Buckart, JA 1946-111-95 (cf. CARRIO, Alejandro D., Garan-tias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 279).
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Entretanto, com relação à exortação do acusado a dizer a verda-
de, a princípio, em Schoklender, a Corte Suprema considerou que na
exortação do juiz ao acusado para que diga a verdade não havia viola-
ção da garantia constitucional estampada no art. 18. Em Agüero Corva-
lán, caso que tramitou na Justiça Militar, entendeu a Corte, no mesmo
sentido, que a exortação do acusado a dizer a verdade não viola garan-
tias constitucionais, afirmando que é vedada pela Constituição qual-
quer tentativa de obrigá-lo a prestar declarações contra si mesmo242.
Quanto à informação ao acusado de que tem direito de recusar-se
a prestar declarações, o que se extrai também de Schoklender é que, no
entendimento das Cortes argentinas, para atender a garantia constitu-
cional do art. 18, basta que o juiz não venha a compelir o acusado aresponder às indagações. Não é necessário que venha a cientificar o
acusado de que tem o direito de não responder.
Carrio243 manifesta preocupação com esse entendimento, salien-
tando que, ausentes evidências de compulsão, a confissão será válida,
independentemente do grau de ignorância do acusado com relação
aos seus direitos, especialmente o de negar-se a prestar declarações
contra si mesmo.
Os Códigos.Processuais Penais contêm dispositivos que objeti-vam a tutela da liberdade moral do acusado, para que possa decidir se
se submete ao interrogatório ou não.
A denominada declaración indagatoria é definida, no direito proces-
sual argentino, como ato de investigação, mas fundamentalmente como
ato de defesa, o que acarreta a incidência de uma série de garantias pre-
vistas na legislação244. Além disso, sendo um ato de defesa, o juiz não
poderá selecionar, entre os fatos referidos pelo acusado, aqueles que ele
investigará. Deverá apurar tudo o que for mencionado pelo acusado,salvo se não tiver relação alguma com o que está sendo averiguado245.
242 Cf. CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 281.
243 CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 283. 244 Cf. CREUS, Carlos. Derecko procesal penal. Buenos Aires: Astrea, 1996, p. 298.245 Nesse sentido: "El juez deberá investigar todos los hechos y circunstancias pertinen-
tes y útiles a que se hubiere referido el imputado" (art. 302 do Código de Córdoba). E,ainda: arts. 304 do Código da Nação, 300 do Código de Entre Rios, 279 do Código de
Neuquén, 320 do Código de Santa Fé, 301 do Código de Corrientes.
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O segundo aspecto é resguardado pela proibição de procedimen-
tos coercitivos, diretos ou indiretos, tendentes a obrigá-lo a declarar.
A violação às disposições respectivas dos Códigos nesse sentido
torna nulo o ato.
Em acréscimo, a liberdade de declarar do acusado é asseguradatambém pelo conhecimento prévio dos fatos que estão sendo apura-
dos e do que existe contra ele nas investigações, dos direitos de que é
titular e das conseqüências de sua intervenção nas investigações.
Especificamente com relação ao nemo tenetur se detegere, o juiz dará
conhecimento ao acusado de que poderá declarar ou recusar-se a fazê-
-lo251. Além disso, será cientificado de que tem direito à assistência de
advogado e que, inclusive, poderá solicitar a sua presença para o ato.
Em seguida, o juiz iniciará o chamado “interrogatório de identi-ficação”, obtendo dele os dados referentes à sua identidade e a outras
circunstâncias úteis à investigação.
Depois, se ele não se recusar a declarar, o juiz lhe concederá a pala-
vra para que forneça a sua versão dos fatos e indique as provas que pos-
sam demonstrar o que alega. O juiz poderá formular as perguntas que
entender necessárias para a investigação dos fatos. O defensor e o mem-
bro do Ministério Público igualmente o farão, por intermédio do juiz252.
Para melhor resguardar a liberdade de declarar, os Códigos tam-bém estabelecem regras sobre a forma de se realizar a indagatoria, dis-
pondo que as perguntas devam ser claras e precisas. Não poderão ser
capciosas ou sugestivas253.
293 do Código de Corrientes, art. 296 do Código de Mendoza, art. 271 do Código de
Neuquén, art. 291 do Código de Entre Rios, art. 296 do Código Penal da Nação.251 Nesse sentido: “el juez le informará detalladamente al imputado cuál es el hecho
que se atribuye, cuáles son las pruebas existentes en su contra, que puede abstenerse
de declarar sin que su silencio implique una presunción de culpabilidad y que puede
requerir la presencia de su defensor” (art. 295 do Código de Córdoba). Na mesma es -
teira: art. 298 do Código de Processo Penal da Nação, art. 298 do Código de Mendoza;
art. 273 do Código de Neuquén, art. 295 do Código de Corrientes.
252 Segundo o Código de Buenos Aires, o defensor não poderá interferir durante as
declarações do acusado, mas poderá aconselhá-lo, de viva voz, a não declarar, no mo-
mento em que for indagado a esse respeito (art. 133).
Cf. CREUS, Carlos, Derecho procesal penal, cit., p. 307.
200
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Em acréscimo, preocupou-se o legislador em resguardar a luci-
dez e serenidade do acusado durante o interrogatório, vedando a exe-
cução ininterrupta do ato, quando o acusado der sinais de fadiga em
razão da sua duração254.
Somente após a declaração indagatoria é que será decidido se oacusado será submetido a processo.
Na audiência de debate, ele poderá prestar declarações novamen-
te, se desejar, mesmo que se tenha recusado a falar na oportunidade da
declaração indagatoria.
Por fim, outro aspecto importante no direito argentino que deve
ser ressaltado refere-se às declarações “espontâneas” prestadas perante
os órgãos policiais.
A princípio, a polícia não tem atribuição de realizar interrogató-rios. Mas, segundo Carrio255, durante muito tempo, a polícia tomava
declarações de suspeitos, chamadas "espontâneas".
Sobre tais declarações, inicialmente, embora os tribunais não as
invalidassem, sustentaram que elas tinham status inferior ao da confis-
são judicial256. Alguns julgados atribuem força indiciária às declarações
policiais257.
Além disso, para declarar a nulidade das declarações espontâne-
as, exigem os tribunais que o interessado demonstre ter sofrido torturaou coação258.
254 "Si por la duración dei acto se notaren signos de fatiga o falta de serenidad en el
imputado, la declaración será suspendida hasta que ellos desaparezcan” (art. 297 do
Código de Córdoba). O Código de Santa Fé estabelece um prazo máximo de 24 horas
para a suspensão (art. 321).CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 284-285.
256 Em Quezada, a Corte Suprema argentina anulou condenação sofrida em primeira e
segunda instâncias, que tinha por base declarações prestadas na polícia e que não ha-
viam sido confirmadas em juízo (CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en
el proceso penal, cit., p. 285).257 Nesse sentido, Mansilla (Fallos CSJN, 217:1143), no qual se deu valor de indícios às
declarações policiais, e o caso Díaz (JA 1935-51-6), no qual se extraiu das declarações o
valor de "presunções graves".258 Contudo, a Corte Suprema já teve oportunidade de negar valor probatório às decla-
rações policiais, sem exigir que o acusado demonstrasse ter sofrido violência ou coa-
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Com a Lei n. 23.465, que alterou o Código de Procedimentos em
matéria penal, o art. 316 estabeleceu que somente eram válidas as con-
fissões judiciais e que as demais não tinham valor probatório nem po-
deriam ser utilizadas no processo259.
Não obstante, conforme observa Carrio, as declarações "espontâ-neas” colhidas dos suspeitos, pela polícia, continuaram a ser freqüentes.
Buscando maior proteção contra abusos, o art. 184 do Código de
Processo Penal vedou aos funcionários da polícia tomar declarações
do acusado, sendo-lhes consentido apenas formular perguntas sobre
sua identidade. Contudo, em julgados posteriores260, a Corte Suprema
e os tribunais inferiores reafirmaram a orientação de que as declara-
ções prestadas pelo acusado, perante a polícia, só não seriam admitidas
se houvesse prova de violência ou coação.
ção (Colman, Fallos CSJN, 181:182). Mas predominou orientação diversa, no sentido de
que cabe ao acusado demonstrar ter sofrido violências ou coações para confessar (Ro-
mano, Fallos CSJN 259:69; Fiscal c. Nacif, Fallos CSJN 303:2029; Asensio, Fallos CSJN
295:538; Chamudis, Fallos CSJN 235:332). Em Pichumil, Fallos CSJN 302:574, a Corte
entendeu que havia outras provas que davam suporte à condenação, afora a confissão
que era questionada. Em Montenegro, Fallos CSJN 303:1938, a Corte Suprema não atri- buiu nem mesmo valor indiciário às declarações policiais prestadas, porque havia mar -
cas no corpo do acusado que demonstravam ter ele, efetivamente, sofrido violências.
Considerou-se que havia violação ao art. 18 da Constituição e que a justiça não poderia
ser beneficiária do ato ilícito praticado contra o acusado (cf. CARRIO, Alejandro D.,
Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 292-293). A mesma orientação foi
acolhida em Ruiz, Roque, decidido pela Corte Suprema em 1987, Fallos CSJN 310:1847,
tendo aplicado o tribunal a regra de exclusão das provas obtidas ilicitamente, com ex-
clusão dos depoimentos dos policiais, que eram conseqüência da confissão ilícita obti-
da de Ruiz. Em Francomano, julgado em 1988, Fallos CSJN 310:2384, decidiu-se que a
confissão policial só seria válida se os policiais tivessem observado os requisitos paraassegurar a espontaneidade das declarações.
Cf. CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 298. 260 Cabral Agustin, julgado em 1992, pela Corte Suprema, LL 1993-B-257, e De La Fuente,
julgado pela Câmara dei Crimen, sala VI, em 1990, LL 1991-D-338 (CARRIO, Alejandro
D., Garantias constitucionales el en proceso penal, cit., p. 301-303). A respeito, registra-se
julgado da Câmara Federal (Basar, CNFed.Crim. y Corr., Sala I, 9-8-2007), no qual se
admitiu como prova declarações espontâneas prestadas por um dos acusados à polícia,
que não havia sido advertido do direito de não declarar e que incriminou diretamente
a um terceiro, com reflexos também em sua situação processual (ROXIN, Claus, La
prohibicidn deautoincriminadóny delas escuchas domiciliares, cit., p. 129-134).
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Ainda com referência ao tema das declarações espontâneas, que
podem levar à confissão, registra-se orientação jurisprudencial no sen-
tido de impedir que o Estado se utilize de gravações dos investigados,
colhidas por particulares, mediante engano, que constitui modalidade
de “interrogatório por ardil”. Assim, para impedir a utilização dessa prova não é preciso que o Estado tenha ocasionado diretamente a au-
toincriminação do investigado261.
6.7. Direito chileno
O Código de Processo Penal chileno estava em vigor desde 1907,
com modificações. Outro Código, que resultou da aprovação da Lei n.
19.696, publicada no Diário Oficial de 12 de outubro de 2000, entrou
em vigor em dezembro do mesmo ano. Inicialmente não vigorou emtoda a extensão do território chileno, situação que já não persiste262.
A disciplina do interrogatório, no diploma anterior, muito se as-
semelhava à contida na Ley de Enjuiciamiento Criminal espanhola nos
arts. 385 e s.
O interrogatório era tido como direito do acusado, que poderia
apresentar-se para o ato. Era dividido em duas partes: a da identifica-
261 Nesse sentido, o julgado "A. J”, CNFed. Crim Y Corr., Sala 1,19 -6-2008, cujo teor foi
analisado em ROXIN, Claus. La prohibición de autoineriminacióny de las escuchas domici-
liarias. Buenos Aires: Hammurabi, 2008, p. 124-129. No referido julgado, havia investi-
gação em andamento e a empresa em que havia ocorrido o delito decidiu realizar au-
ditoria, inquirindo os seus diretores, que acabaram se autoincriminando, por imaginar
que estariam preparando sua defesa perante pessoas de confiança. As conversas foram
gravadas sem o conhecimento dos investigados e entregues, como prova, às autorida-
des incumbidas da investigação. Entretanto, a Câmara Federal, ao julgar o caso, deter-
minou a exclusão dessa prova, entendendo que se tratava de interrogatório por ardil,assim como das referências à conversa gravada que foram consignadas no testemunho
do auditor que interrogou os investigados. Observou-se que o Estado não poderia se
utilizar de provas advindas de investigação "paralela” realizada por particulares, sem a
observância das garantias constitucionais que devem nortear a investigação. Portanto,
não importava que, para o desfecho do caso, o Estado não tivesse provocado direta-
mente a autoincriminação. Essa decisão somente excepcionou a hipótese em que a
gravação é realizada pela vítima, quando não possui outra alternativa para comprovar
a ocorrência do delito.
262 O art. 484 do referido Código estabeleceu os prazos para sua entrada em vigor nas
diversas regiões do Chile.
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ção e a relativa aos fatos. A segunda parte sempre era precedida de ci-
ência do acusado dos fatos que lhe eram imputados, bem como das
provas que existiam contra si.
O § 3-, dedicado aos direitos do acusado, introduzido pela Lei n.18.857, de 6 de dezembro de 1989, não contemplava o direito ao silên-
cio. Reconhecia-se ao acusado, entre outros, o direito de constituir ad-
vogado, apresentar provas destinadas a contestar os fatos que lhe fos-
sem imputados; ouvir testemunhas sobre sua conduta anterior, sem
necessidade de apresentação prévia por escrito; e solicitar conhecimen-
to do sumário.
Não se reconhecia expressamente, no direito chileno, o direito ao
silêncio, mas nem por isso se pode afirmar que ele inexistia, por com-pleto, no referido ordenamento.
Não se atribuíam conseqüências desfavoráveis ao acusado em de-
corrência de sua recusa em responder às perguntas que lhe fossem for-
muladas.
Se o acusado se recusasse a responder, ou, conforme estabelecia
o art. 327 do Código de Processo Penal, fingia-se louco, surdo ou
mudo, o juiz limitava-se a adverti-lo de que sua atitude não impediria
o prosseguimento do processo e que poderia privá-lo de alguns dos
seus meios de defesa. A disciplina era complementada pelos arts. 484 e 484bis A do di-
ploma processual penal, os quais, textualmente, estabeleciam que "o
silêncio do acusado não implicará em indício de participação, culpabi-
lidade ou inocência” e que “não há confissão ficta no processo penal263. Em outras palavras: o silêncio não era valorado no processo pe-
nal chileno, nem contra, nem a favor do acusado. Não constituía con-
fissão nem indício de culpabilidade ou de inocência.
Contudo, não se pode afirmar que havia completa tutela do silên-cio do acusado, porque não sendo reconhecido como direito seu, não
havia previsão legal de advertência prévia ao interrogatório, com rela-
ção ao silêncio, por parte dele, e quanto às suas conseqüências, que, a
bem da verdade, não eram desfavoráveis. Com isso, a liberdade de au-
263 Cf. Código de Procedimiento Penal, República de Chile. Santiago: Ed. Jurídica de Chile,
2000, p. 205 e 206.
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“muito tempo”. Mas o mesmo dispositivo legal estabelecia um parâ-
metro para a suspensão do interrogatório, que, à evidência, poderia ser
associado ao critério temporal: a serenidade do acusado para respon-
der às indagações.
Desse modo, se o acusado perdesse a serenidade, em virtude do
número de perguntas que lhe fossem formuladas ou do excessivo tem-
po de interrogatório, deveria ser concedido descanso para que ele recu-
perasse a calma.
O artigo aludia ainda à consignação do tempo despendido no in-
terrogatório.
Além disso, o art. 323 recomendava que o juiz deveria cercar-se
de todas as garantias para verificar se o acusado não fora objeto de
torturas ou ameaças, antes de confessar, sendo certo que a negligência
grave do juiz na proteção do preso era considerada infração a seus de-
veres.
Esclareça-se, por derradeiro, que o juiz, se considerasse conve-
niente, poderia determinar a condução do acusado para interrogá-lo
no local dos fatos, ou ante as pessoas e coisas a eles relacionadas.
Sobre o Código de Processo Penal chileno em vigor, o que se
afirma é que houve adoção do modelo acusatório. Maior ênfase se deuaos direitos e garantias do acusado e, consequentemente, maior prestí-
gio à dignidade da pessoa humana.
No art. 93 do referido diploma foram elencados os direitos e ga-
rantias do acusado, entre eles o de ser assistido por advogado desde os
atos iniciais da investigação; o de permanecer em silêncio ou, caso de-
cida prestar declarações, de não fazê-lo sob juramento; e ainda o de
não ser submetido a tortura e a outros meios cruéis, degradantes ou
humilhantes. Tais direitos não são reconhecidos apenas aos acusados, mas tam-
bém àquele ao qual se atribui participação em fato punível, desde a
primeira atuação no procedimento investigatório até a completa exe-
cução da sentença. É o que dispõe o art. 7- do diploma processual pe-
nal em vigor.
A polícia somente poderá interrogar o acusado na presença de
seu defensor. Se o defensor não estiver presente, as perguntas se res-
tringirão à identidade do acusado. Se, mesmo na ausência do defensor,
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o acusado quiser prestar declarações, a polícia o encaminhará para que
as preste na presença do Ministério Público. Se não for possível, as de-
clarações somente poderão ser tomadas pela polícia sob a responsabi-lidade e com a autorização do Ministério Público (art. 91).
Contudo, em que pese a tutela específica do direito ao silêncio e
a ressalva de que as declarações do acusado não serão tomadas sob
juramento, foi mantida disposição, que já existia no Código anterior,
no sentido de ser consentido ao juiz exortar o acusado a dizer a verda-
de e a responder, com clareza e precisão, às perguntas que forem for-
muladas (art. 98).
Em outras palavras: o acusado tem direito a silenciar, mas se de-
cidir prestar declarações, será incentivado pelo juiz a dizer a verdade,
respondendo detalhadamente a todas as perguntas.
O direito ao silêncio poderá incidir no interrogatório de mérito,
mas não na qualificação do acusado, consoante estabelece o art. 194,
parte final.
Foi vedado também o emprego de qualquer método que venha a
constrangê-lo ou a afetar a sua liberdade de declarar. Assim, não poderá
ele ser submetido a nenhuma forma de coação, ameaça ou promessa.
Somente se admite promessa de vantagem que esteja prevista em lei.Por conseqüência, a lei veda, no art. 195, textualmente, todos os méto-
dos que afetem a memória ou a capacidade de compreensão do acusado,
qualquer forma de maus-tratos, ameaças, violências corporais ou psíqui-
cas, tortura, engano, administração de psicofármacos ou hipnose.
A vedação do emprego dos métodos retromencionados incide
mesmo que haja consentimento do acusado em sua utilização (art.
195, parte final).
Em complemento, foi vedada ainda a formulação de perguntasque contenham a sugestão da resposta, perguntas enganosas, obscuras
e destinadas a coagi-lo (art. 330).
A exemplo do Código anterior, o novo diploma cuidou da dura-
ção excessiva do interrogatório, dispondo que, se durar muito tempo,
ou se forem formuladas tantas perguntas que possam provocar esgota-
mento, deverá ser concedido tempo para descanso e recuperação do
acusado. O mesmo dispositivo determina que seja registrado o tempo
de interrogatório (art. 196).
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À testemunha também foi reconhecido o direito a não se au-
toincriminar. O art. 305 estabeleceu que toda testemunha tem o di-
reito de não responder a pergunta cuja resposta possa acarretar risco
de persecução penal. Terá o mesmo direito quando suas declarações
puderem incriminar cônjuge ou concubino, ascendente, descenden-
te, colaterais até segundo grau, por consangüinidade ou afinidade,adotante ou adotado.
6.8. Direito norte-americano
O desenvolvimento do privilege against self-incrimination, expres-
são do nemo tenetur se detegere no direito norte-americano, apresenta-se
vinculado à preocupação quanto aos abusos que possam ser cometidos
pelos órgãos policiais contra suspeitos, submetidos a interrogatório,
especialmente quando presos.
O privilege against self-incrimination é expresso na Quinta Emen-
da da Constituição norte-americana, que estabelece que nenhuma
pessoa será compelida em feito criminal a ser testemunha contra si
mesma (no person shall be compelled in any criminal case to be a witness
against himself ).
A proteção do privilege é extensa porque abrange acusados e
testemunhas; aqueles que estejam submetidos à persecução penal e
aqueles que, potencialmente, poderão ser acusados265. Ressalta-se,
na doutrina, que o privilege encontra raízes também no direito à in-
timidade266.
O privilege against self-incrimination garante que nenhuma pessoa
será compelida a responder questões tendentes a expô-la à persecução
penal e, ainda, que o acusado possa, legitimamente, se recusar a teste-
munhar.
265 Nesse sentido, HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination:
its origins and development, cit., p. 2. O direito canadense segue a mesma orientação.
Entretanto, o privilege não é direito constitucional no referido ordenamento. Trata-
-se de princípio fundamental da Justiça (F. S. v. Canadá, 2000, jurisdição federal do
Canadá).
266 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and deve-
lopment, cit., p. 4.
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Registram-se alguns casos, na Suprema Corte, v. g., Hopt v. Utah,
em 1884, nos quais se afastavam confissões obtidas mediante promes-
sas e ameaças, com suporte na Quinta Emenda267.
É importante destacar que, no início do século XX, a Quinta
Emenda não era aplicada aos Estados-membros. A Suprema Corte, em
suas decisões sobre o sistema federal, não podia prescrever regras so-bre provas para os Estados268. Em Malloy v. Hogan, em 1964 — caso que
não envolvia confissão — , é que a Suprema Corte decidiu que o privi-
lege era aplicável aos Estados.
Entre 1936 a 1960, a questão da admissibilidade das confissões
realizadas no âmbito da polícia era examinada sob o enfoque do due
process of law, aplicando-se a Décima Quarta Emenda Constitucional.
O critério era da voluntariedade das declarações, diante da análise da
totalidade das circunstâncias269
. Duas preocupações essenciais manifes-tavam-se nos julgamentos: os métodos empregados para obter a con-
fissão e o risco de produção de confissões falsas270.
Inicialmente, destacam Israel e LaFave271, a proteção pela incidên-
cia da Décima Quarta Emenda era obscura. Mas salientava-se, funda-
mentalmente, que o due process test excluía confissões obtidas em cir-
167 ISRAÉL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne. Criminalprocedure. Constitutional limitations.
St. Paul: West Publishing Co., 1993, p. 181, salientam que, aparentemente, as decisões
tinham por fundamento o privilege against self-incrimination nessa fase. Também: Bram
v. U.S., em 1897, no qual se decidiu que a confissão era inválida se não fosse voluntária,
de acordo com a Quinta Emenda.
268 ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 182.269 ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 179. Em Ashcraft v. Tennessee, em 1944, decidiu-se pela exclusão de confis-
sões obtidas por métodos que poderiam comprometer a verdade. Na mesma linha, em1949, em Watts v. Indiana, entendeu-se que as confissões estavam comprometidas por-
que os métodos empregados pela polícia, no caso, repercutiram sobre o valor da con-
fissão. Na mesma esteira: em 1961, Rogers v. Richmond (julgados referidos em LO-
CKHART, William B. et al., The American Constitution. 8. ed. St. Paul: West Publishing
Co., 1996, p. 362-363).
Conforme LOCKHART, William et al., The American Constitution, cit., p. 365.
271 ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutional limitations,
cit., p. 182. Os autores citam Brownv. Mississipi, decidido em 1936, com base na Décima
Quarta Emenda. Nesse caso, os suspeitos haviam sido espancados brutalmente.
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cunstâncias que apresentavam grande risco de que as afirmações feitas
fossem falsas. A esse respeito, várias cortes estaduais chegaram à con-
clusão de que a confissão obtida sob pressão afetava a sua confiabilida-
de272. Desse modo, a confissão, para ser válida, deveria ser produto de
livre e racional escolha do acusado273.
Resultaram, assim, os seguintes fundamentos para rejeitar a con-
fissão: se houvesse dúvidas sobre a credibilidade da confissão, em ra-
zão dos meios empregados para obtê-la; se a confissão fosse obtida por
meio de práticas policiais ofensivas ainda que não se questionasse a sua
credibilidade, isto é, mesmo que houvesse outros elementos probató-
rios corroborando-a; quando obtida em circunstâncias nas quais a li-
berdade de escolha do acusado estivesse restringida, mesmo que não
houvesse práticas policiais ofensivas274.
A Suprema Corte seguiu examinando a totalidade das circunstân-
cias (totàli ty of circumstances), reavaliando critérios em torno do tipo de
“pressão” que seria admissível em relação ao acusado no interrogató-
rio. Ressaltavam-se os seguintes fatores: abuso físico; ameaças; interro-
gatório extenso; detenção sem comunicação; recusa ao direito de con-
sultar advogado; características do suspeito; instabilidade emocional;
juventude; doenças27‟.
Ou seja, o exame da voluntariedade das declarações era impreci-so, o que gerava decisões divergentes nas cortes inferiores.
Outra construção jurisprudencial foi a de excluir as confissões
por violação ao direito à assistência de advogado no momento do in-
terrogatório. Em Massiah v. US, em 1964, decidiu a Corte, por seis a
272 Cf. ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure, Constitutional limita-
tions, cit., p. 182.
Nesse sentido: Watts v. Indiana, em 1949.
274 Este último fundamento foi afastado pela Suprema Corte, ao julgar o caso Colorado
v. Connely, em 1986. Nesse julgado salientou-se que a Corte estadual havia errado ao
excluir confissão obtida voluntariamente do acusado, pela polícia, sob a alegação de
que ele sofria de uma psicose que havia interferido em sua capacidade de livre e racio-
nal escolha (cf. ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutio-
nal limitations, cit., p. 184).275
Cf. ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutional limita-tions, cit., p. 185.
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três, que a Sexta Emenda proibia a extração de afirmações incrimina-
tórias por uma pessoa sem a presença de advogado276.
Em Escobedo v. Illinois, em 1964, decidiu-se que vícios na fase de
interrogatório, anterior ao indiciamento, afetavam todo o julgamento.
No caso, o suspeito havia requerido a presença de advogado, o que foirecusado. Além disso, o suspeito não foi advertido quanto ao direito ao
silêncio277. Contudo, o significado de Escobedo foi restringido posteriormen-
te: não seria aplicável a conclusão de Escobedo quando o acusado esti-
vesse sob custódia e enquanto o caso estivesse sob investigação; não
era aplicável também quando o acusado não estivesse sob custódia;
não havia o reçonhecimento de direito a consultar o advogado, mas só
tinha aplicação quando o acusado tivesse requerido claramente a pre-sença do advogado. Além disso, seria inaplicável quando a polícia ad-
vertisse o acusado do direito ao silêncio278.
Importante ressaltar que a vinculação entre o direito a advogado,
decorrente da Sexta Emenda, e o privilege against self -incrimi nation situ-
ava-se no entendimento de que o acusado tinha direito de ser alertado
por seu advogado sobre esse privilégio279. Em 1965, em Grif f in v. Califórnia, entendeu a Suprema Corte que
os comentários do acusador ou do juiz sobre a recusa do acusado de
submeter-se ao juramento violavam a Quinta Emenda.
276 No caso, Colson, corréu, cooperou com a polícia, mantendo conversa em seu carro
com Massiah sobre o fato que envolvia entorpecente, visto que tal conversa foi trans-
mitida por rádio. Massiah não confessou nas dependências da polícia, mas a confissão
foi ouvida por policiais (conforme LOCKHART, William B. et al., The American Consti-
tution, cit., p. 369-370).
A respeito: LOCKHART, William B. et al., The American Constitution, cit., p. 370-375.278 Cf. ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 190-191. Em Brewer v. Williams, em 1977, a Suprema Corte reavivou os
critérios estabelecidos em Massiah. Nele a Suprema Corte afirmou que o direito ao
advogado, assegurado na Sexta Emenda, estendia-se a todas as fases do procedimento,
oitivas preliminares, indiciamento, informações, e não somente quando houvesse acu-
sação formal. Em Michigan v. Jackson, em 1986, a Corte voltou a retroceder em seu
entendimento, salientando que o interrogatório policial era inválido se o acusado ti-
vesse requerido advogado e não fosse atendido.
279 A esse respeito, ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Consti-
tutional limitations, cit., p. 199.
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Igualmente decidiu que o privilege against self-incrimination impe-
de qualquer comentário pela Corte ou pelo acusador sobre o silêncio
do acusado. Tem-se entendido porém que expressões empregadas pela
acusação, no sentido de que o caso não foi refutado e não foi contradi-
tado, não violam o que foi estabelecido em Gri j f in.
Com suporte em Grif f in, no julgamento deve haver instrução do
júri de que o silêncio do acusado deve ser desconsiderado280.
Em 1966, a Suprema Corte, por cinco a quatro, em Miranda v.
Arizona 281, por meio da Quinta Emenda e do pr ivi lege against sélf -incr i-
mination, estabeleceu requisitos para os interrogatórios realizados sob
custódia.
Da decisão em Miranda v. Arizona foi extraído um conjunto de
regras sobre a confissão, que podem assim ser sintetizadas: — reconhecimento do direito ao silêncio do acusado, com possi-
bilidade efetiva de seu exercício;
— aplicação das regras quando o indivíduo está preso ou com a
liberdade cerceada de modo significativo;
— o acusado deve ser informado do direito ao silêncio, antes de
formulada qualquer indagação;
— deve ser alertado também de que o que disser pode ser usado
contra si; — deve ser informado de que tem direito a consultar advogado e
que pode ter sua assistência durante o interrogatório;
280 ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 467.281 Em março de 1963, Ernesto Miranda foi preso em sua casa e conduzido à polícia em
Phoenix. Ele havia sido identificado por uma testemunha. Foi conduzido a uma sala de
interrogatórios e interrogado por dois policiais. Duas horas mais tarde, os policiais ti-
nham em seu poder confissão assinada por Miranda, na qual ele declarava, a final, que
a confissão havia sido voluntária, sem ameaças ou promessas de imunidade e com
completo conhecimento de seus direitos, inclusive ciente de que as declarações seriam
utilizadas contra ele. Contudo, os policiais admitiram que Miranda não havia sido
alertado quanto ao direito de ter advogado presente. O requerimento perante a Supre-
ma Corte foi feito com base na Sexta Emenda (conforme LOCKHART, William B. et
al., The American Constitution, cit., p. 375-389).
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— deve ser informado ainda de que, se não possui condições fi-
nanceiras, poderá ser-lhe indicado advogado;
— o privilege pode ser exercido em qualquer fase do procedimen-
to, inclusive antes de ser interrogado;
— a recusa ao advogado, no interrogatório, ou ao privilege against self-incrimination não pode ser presumida, deve ser demonstrada;
— as declarações obtidas com violação das regras retromen-
cionadas não podem ser admitidas como prova; e
— o exercício do privilege against self-incrimination não pode ser
penalizado de qualquer forma e, em decorrência, a acusação não pode
explorar o silêncio do acusado como argumento282.
Inicialmente, em Miranda, a Suprema Corte reconheceu que es-
sas regras gozavam de direta proteção constitucional. Posteriormente(em Michigan v. Tucker, em 1974), entendeu que se destinavam a refor-
çar a proteção do direito contra autoincriminações compulsórias, mas
não eram direitos tutelados pela Constituição.
As regras decorrentes de Miranda foram bastante criticadas. Sus-
tentava-se que não seria mais possível obter confissões policiais diante
das regras estabelecidas. Contudo, na prática, a polícia continuou ob-
tendo confissões, como ocorria antes de Miranda 283 .
Porém, apósMiranda,
as Cortes acabaram por voltar à prática de
analisar todas as circunstâncias do caso individualmente, para avaliar a
confissão obtida.
O que ocorreu, ao longo do tempo, é que o conjunto de regras de
proteção contra a autoincriminação estabelecidas em Miranda, foi so-
frendo interpretações restritivas sob vários aspectos. Alega-se que as
garantias de Miranda não eram compatíveis com o combate à crimina-
lidade, justificando-se, assim, as restrições impostas284.
282 Cf. ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 200-202.
283 Cf. ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 203.284 Cf. ZUCKERMAN, A. A. S. The principais of criminal evidence. Oxford: Clarendon
Law, 1989, p. 308-309.
213
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Quanto às inf rações e aos procedimentos aos quai s se apl icam as regras
de Miranda: as Cortes inferiores entenderam que as regras de Miranda
não eram aplicáveis aos crimes de trânsito e outras ofensas menores,
mas a Suprema Corte, unanimemente, decidiu em Berkemerv. McCarty,em 1984, que as garantias de Miranda aplicavam-se também às infra-
ções penais de trânsito.
Em outros julgamentos, decidiu-se que as regras de Miranda inci-
diam somente sobre procedimentos de natureza criminal, excluindo-
-se procedimentos tributários e casos nos quais poderia haver prisão
administrativa285.
Quanto ao momento da incidênci a das regras: questionou-se também
qual seria o marco inicial da proteção constitucional contra a autoin-criminação. Para tanto, passou-se a utilizar, novamente, a análise da
totalidade das circunstâncias: onde e quando ocorreu o interrogatório;
quanto tempo durou; quantos policiais estavam presentes; a presença
de restrições físicas ao acusado (algemas, guarda na porta) e se o acu-
sado foi ouvido como suspeito ou como testemunha. Os fatos ocorri-
dos antes do interrogatório também são relevantes para definir se a
pessoa interrogada tinha condições de perceber que se encontrava em
situação de suspeita286.
Quanto à definição de custódia para f ins de apl icação das regras de
Miranda: considerou-se ainda que nem sempre a presença na polícia
significa custódia ou prisão nos moldes de Miranda. A notificação para
comparecer à polícia não conduz à aplicação das regras de Miranda 287 .
Igualmente, perguntas formuladas ao suspeito, em via pública,
nas fiscalizações de trânsito, não se amoldam ao conceito de custodiai
interrogation, para fins de aplicação das garantias de Miranda 288 .
Mathisv. US (1968), Baxterv. Palmigiano (1976) eAleenv. Illinois (1986).
286 Cf. ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 208.
Dunaway v. New York, 1979. 288 A esse respeito, Berkemer v. McCarty, em 1984. No referido julgado destacou-se que
as perguntas formuladas ao suspeito, em via pública, para apurar delito de trânsito,
não se amoldam ao conceito de custodiai interrogation, para fins de aplicação das garan-
tias de Miranda (conforme LOCKHART, William B. et al., The American Constitution,cit., p. 404).
214
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Se o acusado comparece espontaneamente à polícia ou concorda
em acompanhar os agentes até as dependências policiais para ser ouvi-
do, não se caracteriza também a custodiai interrogation, para reconheci-
mento das garantias advindas de Miranda 219 .
Do mesmo modo inclinaram-se as Cortes a não reconhecer a
existência de uma situação similar à custódia policial quando o inter-
rogatório fosse realizado em ambiente familiar ou neutro, mas res-
saltou-se que as circunstâncias do caso deveriam ser cautelosamente
examinadas290.
Em julgado de Ia de junho de 2004, Yarborough, Warden v. Alvara-
do, a Suprema Corte decidiu que a idade e a inexperiência do suspeito
não são decisivas para a análise das circunstâncias relativas à existência — ou não — de custódia. Segundo tal entendimento, a análise da exis-
tência de custódia, no caso, da qual decorre a obrigatoriedade de ad-
vertência do suspeito quanto aos direitos decorrentes de Miranda, é
objetiva. Ou seja, os policiais não têm de considerar fatores pessoais do
suspeito, como idade, para decidir se ele deve — ou não — ser adverti-
do dos direitos que vertem de Miranda 291 . Porém, em decisão de 16 de
289 A respeito: Oregon v. Mathiason, em 1977, e Califórnia v. Beheler, em 1983 (consoante
LOCKHART, William B. et al., The American Constitution, cit., p. 404).
290 Nesse sentido, Orozco v. Texas, em 1969, no qual o acusado foi interrogado por poli-
ciais em seu quarto, às quatro horas da madrugada. Em Minnesota v. Murphy, em 1984,
concluiu-se que encontros entre o acusado e a policial que investigava o fato não po-
diam ser considerados custódia, porque as entrevistas eram marcadas segundo a con-
veniência de tempo de ambos.
291 No caso, Alvarado, com 17 anos, foi acusado de ajudar Paul Soto a tentar roubar um
caminhão e participar do homicídio de seu proprietário. Seus pais o acompanharam
até o local em que foi interrogado pelo detetive Constock. Os dois ficaram a sós em
uma sala e os pais de Alvarado aguardaram na antessala. O interrogatório durou apro-
ximadamente duas horas e ele não foi advertido dos direitos decorrentes de Miranda.
Apesar disso, inicialmente negou a participação nos crimes. Aos poucos, começou a
modificar sua versão, admitindo finalmente que ajudou Soto a tentar roubar o cami-
nhão e a esconder o revólver após o assassinato. Findo o interrogatório, Alvarado re-
tornou à sua casa com os pais. A Suprema Corte destacou que ele não estava sob cus-
tódia, razão pela qual não foi advertido dos direitos decorrentes de Miranda. Realçou
também que a idade e a inexperiência de Alvarado, inclusive para avaliar se estava ou
não sob custódia, não deveriam ser consideradas. Houve voto divergente no qual se
salientou que havia várias circunstâncias, no caso, que levavam a crer que Alvarado
215
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junho de 2011, emJ.D.B. v. North Calif órni a, a Suprema Corte entendeu
que a idade pode ter repercussão sobre a análise da existência de custó-
dia no caso, se o suspeito for criança, sendo indevido compará-la ao
adulto para tal avaliação292.
Quanto à definição de inter rogatório par a f ins de apl icação das regras
de Miranda: as Cortes definiram também o que se entende por interro-
gatório. Assim, decidiu-se que declarações espontâneas não são veda-
das pela Quinta Emenda. Foram admitidas como declarações espontâ-
neas aquelas prestadas pelo suspeito, mesmo que, após o início da nar-
rativa, houvesse formulação de algumas indagações pela polícia, desde
que confírmatórias das declarações prestadas.
Em Rhode I sland v. Innis, em 1980, a Suprema Corte firmou o sen-tido do termo "interrogatório”, para fins de aplicação das garantias de
Miranda, estabelecendo que este se limita àquelas situações em que a
polícia dirige perguntas diretamente ao suspeito ou nas quais os regis-
tros demonstram que a polícia pretendia extrair uma resposta293.
Em Illinois v. Perkins, em 1990, decidiu-se que a atmosfera coerci-
tiva, que implicaria o reconhecimento das garantias de Miranda, não
estava sob custódia e que sua pouca idade contribuiu para essa avaliação, aduzindo que
a polícia, em momento algum, afirmou a Alvarado que ele não estava sob custódia.
292 No caso, J.D.B. tinha 13 anos quando foi entrevistado por policiais a respeito de furto
de objetos que foram localizados na escola em que estudava. Essa entrevista deu-se a
portas fechadas, na escola, durante aproximadamente trinta minutos. Antes de iniciá -la
ele não foi advertido dos direitos decorrentes de Miranda, nem teve a oportunidade de
chamar ao local sua avó, que tinha sua guarda. Tampouco foi a ele informado que esta-
va livre para deixar aquele lugar. Primeiramente ele negou envolvimento no furto. De- pois confessou, após estímulo dos policiais para que dissesse a verdade e sobre a possi-
bilidade de detenção. Chegou a escrever uma das respostas, a pedido de um dos investi-
gadores. Ao término das aulas, foi para casa. No entendimento da Suprema Corte, a
condição da criança, diferentemente de outras características pessoais e subjetivas, deve
ser levada em conta para a avaliação da existência de custódia. No voto divergente, ar-
gumentou-se que os direitos de Miranda devem ser observados em hipóteses claras e
que características pessoais dos suspeitos têm sido afastadas ou tidas como irrelevantes
para a avaliação da existência de custódia no caso. Aduziu-se que, quando o suspeito é
muito jovem, as Cortes têm recomendado a adoção de cuidados específicos para verifi-
car se as afirmações incriminatórias foram obtidas voluntariamente ou não, sem que
seja necessário socorrer-se da análise de características pessoais do suspeito.
Conforme LOCKHART, William B. et al., The American Constitution, cit., p. 404.
216
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existe quando o suspeito não tem ciência de que está conversando com
um policial294.
Mas reconheceu-se que a proteção contra a autoincriminação
não ocorre somente no interrogatório, mas em atos praticados pela
polícia, que tenham função semelhante.
A orientação da Suprema Corte oscilou no que tange à aplicação
das regras de Miranda, quando aquele que interrogava não era policial,
mas, v. g., um investigador particular. Ora admitiu a aplicação da pro-
teção contra a autoincriminação, ora não.
Quanto á adver tência: não se exigem fórmulas sacramentais, mas a
advertência deve refletir o conteúdo das regras de Miranda 295 . Se o acu-
sado informar o policial de que já conhece o conteúdo das regras, ain-
da assim deverá haver advertência.
Não se exige, porém, que o acusado seja advertido quanto à natu-
reza do crime sobre o qual é interrogado, o que a doutrina considera
importante especialmente no júri, em que o exercício do silêncio do
acusado pode trazer prejuízos296.
Quanto ao que consti tui renúncia: não pode haver presunção quanto
à renúhcia ao pri vilege against self -incr imi nation 297 . Além disso, a renún-
cia não pode ser produto de coação, mas de livre escolha do acusado.
As Cortes têm considerado que há renúncia involuntária quando hou-ver promessas e ameaças e depois de prisão prolongada ou questiona-
mento insistente298.
Admite-se também a renúncia em interrogatório subsequente,
quando no primeiro realizado o acusado não renunciou299.
294 Cf. LOCKHART, William B. et al., The American Constitution, cit., p. 404.
295 Califórnia v. Prysock, 1981. 296 Colorado v. Spring, 1987. 297 Tague v. Louisiana, 1980. 298 Moran v. Burbine, 1986. Nesse julgado decidiu-se que só há renúncia involuntária se
foi ela obtida por ameaças ou promessas ou após longa detenção ou questionamento
insistente. Mas reconheceu que não é inválida renúncia do acusado aos direitos decor-
rentes de Miranda se não foi ele avisado de que o advogado pretendia falar-lhe (cf.
LOCKHART, William B. et al., The American Constitution, cit., p. 405).
Michigan v. Mosley, 1975.
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Entretanto, a Suprema Corte, ao julgar Berghuis, Warden v. Thom-
pkins, em l2 de julho de 2010, acabou admitindo, por maioria, a renún-
cia implícita quanto ao direito de permanecer em silêncio, restringindo
ainda mais as garantias decorrentes de Miranda. No caso, suspeito de terpraticado roubo e homicídio, Thompkins fora advertido de seus direi-
tos constitucionais, reconhecidos em Miranda, mas não invocou expres-
samente o direito ao silêncio nem pleiteou a assistência de advogado
no momento do interrogatório. Após manter-se em silêncio durante
quase três horas, acabou por responder indagação de um dos policiais,
se acreditava em Deus e, diante de sua afirmativa, foi perguntado se
rogava a Deus para que o perdoasse por ter atirado na vítima, ao que,
novamente, respondeu afirmativamente. Recusou-se a fazer confissãopor escrito. Quinze minutos depois, o interrogatório foi encerrado.
Acusado formalmente e depois condenado, tentou suprimir as afirma-
ções que fizera durante o interrogatório, argumentando que havia in-
vocado o direito ao silêncio e negou que tivesse renunciado a esse direi-
to, sendo involuntárias suas afirmações inculpatórias. A Suprema Cor-
te, contudo, decidiu que houve renúncia do direito ao silêncio no caso,
acrescentando que os direitos decorrentes de Miranda devem ser invo-
cados de forma clara pelo suspeito ou acusado. A ambigüidade quanto
ao exercício desses direitos por parte do suspeito pode autorizar a polí-
cia a prosseguir com o interrogatório. Em consonância com esse julga-
do, a renúncia ao direito ao silêncio não precisa ser expressa ou formal,
estando a polícia dispensada de obtê-la antes do interrogatório. Mesmo
que seja implícita é suficiente para admitir as respostas do suspeito
como prova. Destacou-se que a renúncia só não é válida quando não for
voluntária ou fruto de escolha deliberada, sem intimidação ou coa-
ção300. No voto divergente, acompanhado por outros três juizes, desta-
cou-se que a orientação adotada pela Corte com relação à renúncia sig-nifica uma releitura, a favor da polícia, do pri vilege against self -incr imi na-
tion e dos direitos decorrentes de Miranda. Reforçou-se a necessidade de
que a renúncia a direitos, pelo suspeito, interrogado sob custódia, seja
300 No caso, a Suprema Corte também considerou que não havia elementos que indi-
cassem que Thompkins foi coagido a responder. O interrogatório deu-se no meio da
tarde e o fato de este ser longo, por si, embora não seja prática apropriada, não acarre-
ta coação, devendo haver outros elementos para chegar-se a tal conclusão, como inca-
pacidade e sedação do suspeito, privação de sono ou de comida e ameaças.
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expressa e demonstrada, não podendo ser presumida301. Tal decisão da
Suprema Corte, segundo o voto divergente, convida a polícia a interro-
gar o suspeito por longo período, ainda que ele persista em se recusar a
responder as perguntas, na esperança de, eventualmente, obter umaúnica resposta incriminatória, que será suficiente para provar a renún-
cia a seus direitos. Por decorrência, o que se extrai do referido julgado é
que os suspeitos devem, a partir dele, invocar de forma inequívoca seu
direito ao silêncio. Ao mesmo tempo, presume-se a renúncia a esse di-
reito se não houver manifestação clara a respeito.
A aplicação do “privilege against self - incrimination” às testemunhas: a
testemunha tem direito ao privilege em relação a potenciais persecu-
ções criminais nas esferas federal e estadual302
. Mas já se decidiu que a não compreensão, por parte da testemu-
nha, perante o grandjury, da advertência referente ao privilege against
self-incrimination não descaracteriza o falso testemunho praticado por
ela. A Quinta Emenda não fornece proteção para o perjúrio303.
Salientou-se304 também que a proteção dada à testemunha contra
a autoincriminação não configura um direito ao silêncio absoluto,
comparável àquele reconhecido à pessoa interrogada pela polícia. Inci-
de somente sobre determinadas questões. Não se aplica às testemu-
nhas o direito de consultar advogado decorrente da Sexta Emenda.
Por outro lado, alguns Estados admitem imunidade para as teste-
munhas. Nesse caso, a testemunha recusa o privil ege against self -incr imi -
nation e é compelida a dizer a verdade. Havendo imunidade, a testemu-
nha não será submetida à persecução penal, mesmo que haja elemen-
tos que a autorizam305.
301 Salientou-se também, no voto divergente, que a nova interpretação da Suprema
Corte com relação ã renúncia colide com o que restou decidido não só em Miranda,
mas em Butler (441 U.S., 369, 373 (1979)) e em Burbine (475 U.S. 412, 420 (1986)). Em
Butler, a Suprema Corte decidiu que não se deve presumir que o suspeito renunciou a
seus direitos. Em Burbine, estabeleceu-se que a acusação deve provar que a renúncia foi
voluntária e fruto de liberdade e de deliberada escolha, sem intimidação.
302 Murphy v. Waterfront Commission of New York Harbor, 1964. 303 U.S. v. Wong, 1977.304 U.S. v. Mandujano, 1976. 305 GIFIS, Steven H. Law dictionary. Barron's, p. 465.
219
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Mas a testemunha não poderá ser ameaçada, se quiser permane-
cer em silêncio, apesar da imunidade, em razão da Quinta Emenda.
Entretanto, se a testemunha sob imunidade mentir, será submetida à
persecução por falso testemunho306.
Quanto às conseqüências da violação à Qu inta Emenda: se as declara-
ções do acusado forem obtidas por meio de métodos que constituam
compulsão à autoincriminação, haverá exclusão da prova307.
A Suprema Corte tem invocado a publi c safety para justificar a uti-
lização de declarações prestadas pelo acusado, ainda que não tenham
sido feitas as advertências das regras estabelecidas em Miranda 308 .
Em Oregon v. Elstad, em 1985, a Suprema Corte entendeu que a
fruits doctrine é inaplicável às violações à Quinta Emenda, salientandoque referida teoria foi construída atentando-se para infringências à
Quarta Emenda. Segundo decidiu a Suprema Corte, uma segunda
confissão obtida, quando na primeira houve violação às regras de Mi-
randa, deve ser avaliada sob o prisma da voluntariedade das declara-
ções prestadas pelo acusado e não pela ótica da fr uits doctri ne 309 .
Quanto ao testemunho do acusado: resultou de Griffin v. Califórnia,
em 1965, que o acusado não poderia ser obrigado a submeter-se a jura-
mento.
Mas decorre também da proteção constitucional o direito do acu-
sado de testemunhar310. Apontam-se três fontes das quais decorre o
referido direito: a garantia do due process, que incluiu o direito de ser
ouvido e de oferecer testemunho; a Sexta Emenda, que abrange o di-
U.S. v. Apfelbaum, 1980. 507 Conforme ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Constitutional
limitations, cit., p. 258.308 A esse respeito, N.Y. v. Quarles (1984), no qual se indagou do acusado, sem advertên-
cia às regras de Miranda, se ele tinha revólver e onde estava guardado. A Suprema
Corte considerou que a segurança pública justificava a não formulação das advertên-
cias estabelecidas em Miranda. 309 A esse respeito, ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, R. Wayne, Criminal procedure. Consti-
tutional limitations, cit., p. 306 e s.310
Em Perry v. Leeke, 1989, a Suprema Corte decidiu que o acusado que testemunhassedeveria ser tratado como qualquer outra testemunha.
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suspeitos, no sentido de que as autoridades não poderiam pretender
que afirmações incriminatórias fossem utilizadas contra a pessoa que
as forneceu. Assim, o acusado deve ter a livre escolha de responder ou
recusar-se a fazê-lo315
. A segunda interpretação fornecida pela Suprema Corte deu ênfa-
se à proibição de métodos impróprios de interrogatório do acusado,
considerando a expressão compelled, constante da Quinta Emenda.
Ressaltou-se que nem toda forma de persuasão implica compulsão. So-
mente determinadas técnicas de interrogatório impróprias é que se-
riam proibidas pelo privilege.
Predominou a primeira interpretação que tutela o direito ao si-
lêncio do acusado. Entretanto, em Baxter v. Palmigiano, em 1976, a Su-prema Corte permitiu extrair do silêncio dos suspeitos, oficiais presos,
indícios de'culpabilidade, em procedimentos disciplinares. De obser-
var que há julgados nos quais a Suprema Corte inclinou-se mais para a
segunda interpretação, v. g., em Colorado v. Connell y, em 1986.
Mais recentemente passou-se a sustentar que o direito ao silên-
cio, protegido pelo privilege, era incompatível com a moralidade co-
mum316. Cita-se como exemplo caso ocorrido em 1996, no qual o mo-
torista de uma "Chevy Blazer” atropelou três adolescentes, à noite,que faleceram. A polícia acabou por localizar o veículo, mas o proprie-
tário recusou-se a responder às autoridades sobre quem estaria dirigin-
do o veículo. Helmholz317 destaca, sobre o caso, que o privilege seria
uma afronta à dignidade humana.
Outro caso examinado sob essa ótica foi o de O. J. Simpson, no
qual se considerou que o direito ao silêncio exercido não foi razoável.
Mas, seguindo a da defesa, não havia como o acusado justificar diver-
Nesse sentido, Garnerv. United States, 1976.
316 Nesse diapasão, GREENAWALT, apud HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege
against self-incrimination: its origins and development, cit., p. 182. A jurisprudência cana-
dense também tem decidido que, em certas circunstâncias, embora haja ofensa ao
privilege against self-incrimination, a exclusão da prova assim obtida lesaria gravemente
a reputação da Justiça (R. v. Bjellebo, 1999, jurisdição de Ontario).
317 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and develop-
ment, cit., p. 184.
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sas provas de culpabilidade, como o sangue localizado no volante de
seu carro318.
Na administração Reagan, o Justice Department chegou a propor
abandonar as regras de Miranda, posicionamento que foi alvo de mui-
tas críticas.
Na realidade, as Cortes esperam que os acusados testemunhem e
que não silenciem, considerando, principalmente, a moralidade co-
mum319. Nessa ótica, o privilege teria sua atuação restrita à vedação de
determinados métodos de interrogatório, especialmente com empre-
go de tortura.
Com referência às declarações de um acusado contra outro, é
previsto o right of confrontation, porque se reconhece o risco de tomar
testemunho de pessoa envolvida no delito em relação à outra. Em re-gra, aquele que acusa tende a diminuir a sua responsabilidade no fato
e a aumentar a do acusado320. Em matéria de criminalidade organiza-
da, tem-se reconhecido imunidade aos colaboradores, que, mesmo
tendo responsabilidade penal nos fatos apurados, prestarão testemu-
nho em relação a terceiros. Não se descarta, porém, o risco de que tais
pessoas venham a acusar falsamente outras pessoas, sem que sofram
conseqüências, porque o crime de perjúrio dificilmente é apurado em
relação aos colaboradores321.
6.9. Direito inglês
O privilege against self-incrimination é reconhecido judicialmente
pela Casa dos Lordes322.
318 HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and deve-lopment, cit., p. 184.
119 É grande o número de confissões nos processos nas Cortes americanas. Estatística
do mês de julho de 1992, nos Tribunais de Washington-DC, registrou que, no universo
de 88 julgamentos realizados, em 66 deles os acusados confessaram (conforme SAN-
TOS, Nildo Nery dos. Justiça Criminal. Um estudo comparativo. In: O Judiciário e a
Constituição. Coord. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p.
303-306, esp. p. 303).
320 Cf. BERNASCONI, Alessandro, La colaborazioneprocessuale, cit., p. 249-251.321
Nesse sentido, BERNASCONI, Alessandro, La colaborazione processuale, cit., p. 252-253.322 ASHWORTH, Andrew. The criminal process, an evaluative study. 2. ed. Oxford: Oxford
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Na atual disciplina, entre os direitos do suspeito, sobre os quais
há dever de informação por parte da polícia, não está o direito ao silên-
cio. Devem os suspeitos ser informados quanto ao direito de noticiar a
alguém sua prisão, de obter assistência de advogado de sua escolha e
de consultar o Codes of Practi ce 323 .
Contudo, mesmo antes do Criminal Justice anã Publi c Or der Act, de
1994, não havia um direito ao silêncio, amplo e geral, dos suspeitos e
acusados. Havia situações em que a common law autorizava que se ex-
traíssem inferências contra o acusado a partir do seu silêncio324.
Embora não houvesse um amplo direito ao silêncio anteriormen-
te, o Criminal Justice and Public Order Act vem sendo bastante criticado
e até mesmo questionado perante a Corte Européia de Direitos Hu-manos.
O referido estatuto não chegou ao extremo de abolir o direito
ao silêncio. De acordo com ele, é consentido ao acusado permane-
cer em silêncio. Não há compulsão para que o acusado responda às
indagações formuladas. Mas, nesse diploma, estendeu-se significati-
vamente a possibilidade de os Tribunais extraírem inferências adver-
sas do silêncio do acusado, quer perante a polícia, quer perante as
Cortes325
. Argumenta-se, em favor do Act de 1994, que a nova legislação
não conduziu a impacto relevante quanto ao exercício do direito ao
silêncio pelos acusados. Estatística publicada revelou, a esse respeito,
que, antes do Act, 10% dos acusados recusavam-se a responder a to-
das as indagações, 13% exerciam o direito ao silêncio em relação a
algumas delas e 77% respondiam a todas as questões. Depois do Act,
6% dos acusados passaram a recusar-se a responder a todas as per-
University, 1998, p. 97 e 98, destaca manifestação da Casa dos Lordes no seguinte sen-
tido: “The underlying rationale... is, in my view, now to be found in the maxim nemo
debet prodere se ipsum, no one can be required to be his own betrayer or in its popular
English mistranslation „the right to silence'".
323 ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 123. 324
ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 105-106. 325 ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 105-106.
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guntas, 10% recusaram resposta a algumas delas e 84% responderam
a todas326.
Os órgãos policiais, antes do Act de 1994, defenderam a abolição
do direito ao silêncio, especialmente tendo em vista a redução das pos-
sibilidades para a acusação. Salientou-se que o silêncio favorece crimi-
nosos profissionais327.
Porém, a Royal Commission destacou que é na polícia que os
suspeitos sentem-se mais intimidados. Há um ambiente propício à re-
núncia de direitos, por parte do acusado, na esfera policial328. Por isso
não se pode equiparar a extração de inferências adversas do silêncio do
suspeito na polícia e da mesma situação no julgamento, perante os
Tribunais329. Além disso, a presunção de inocência impede que se ex-
traiam conseqüências negativas do silêncio do acusado, na fase de in-vestigações, porque este não está obrigado a produzir provas que ve-
nham a dar suporte à acusação. Até que esta demonstre sua culpabili-
dade, o acusado é presumido inocente330.
O Criminal Justice and Publi c Or der Act de 1994 estabeleceu, na se-
ção 35, regras referentes ao silêncio no julgamento. O júri e o magistra-
do podem extrair inferências do silêncio do acusado, caso ele deixe de
316 Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 104. Se-
gundo pesquisas realizadas, o exercício do direito ao silêncio é mais comum em crimes
mais graves, entre homens e negros (p. 105).
Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 99.
328 A esse respeito, ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit.,
p. 127, salienta que as Cortes não aprovam, em geral, as técnicas de interrogató rio
utilizadas pela polícia com apoio no Code of Practice, aplicado pela polícia, especial-
mente quanto à fadiga em interrogatórios longos, que influenciam e sugestionam o
acusado e quanto a mentiras utilizadas pela polícia, ao afirmar que possui certas pro-
vas contra o acusado, que não existem. Mas a orientação predominante é somente
excluir as confissões obtidas, nesses interrogatórios, se houver graves vícios.
a9 ZUCKERMAN, A. A. S., The principies of criminal evidence, cit., p. 303-304, observa
que os interrogatórios policiais são realizados sob pressão e tensão. Acrescenta o autor
que os inocentes têm maiores dificuldades. Se houver custódia, há duas ordens de ris-
cos para o suspeito: o abuso de sua dignidade, por meio de tortura, sofrimentos físicos
e psíquicos, e a distorção ou manipulação de suas afirmações, com o objetivo de impli-
cá-lo no delito.
Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 97.
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responder a questões sem uma boa justificativa. Deve-se observar que
não podem ser extraídas referidas inferências até que a acusação tenha
demonstrado os fatos. Critica-se a legislação, porém, porque o conceito
do que seria uma “boa justificativa" para silenciar não é preciso331.
Não se admite que sejam extraídas as inferências decorrentes dosilêncio do acusado se as suas condições mentais comprometem sua
conduta.
Na seção 34, o Act de 1994 dispôs que poderão ser extraídas infe-
rências negativas do silêncio do acusado quando se espera que ele
mencione determinado fato ou circunstância importante para sua de-
fesa e não o faz. O pressuposto para incidência dessa disposição é que
o acusado tenha sido advertido a esse respeito ou haja imputação de
um crime contra ele. Mas tais inferências só serão extraídas do silênciose o acusado não apontar razoáveis escusas para silenciar.
Uma escusa razoável para silenciar é o conselho do advogado.
Ressalte-se que mencionado conselho é formulado pelo advogado com
suporte nas provas que a polícia informou possuir contra o suspeito ou
acusado.
Outra importante escusa é a não incriminação de terceiros. Se-
gundo Ashworth332, este parece ser o motivo mais freqüente para exer-
cer o direito ao silêncio. Conforme estabelecem as seções 36 e 37 do Act de 1994, podem
ser extraídas inferências do silêncio do suspeito quando este silenciar
sobre questões referentes a objetos ou substâncias que estavam em seu
poder e sobre sua presença no local em que foi preso. Quanto a essas
perguntas, o acusado não poderá eximir-se de responder sem que o
silêncio seja utilizado pela acusação.
A seção 37 permite extrair inferências do silêncio do acusado
quando este deixar de responder a questões referentes à sua presença
Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 101.
332 ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 103. O referi-
do autor destaca que em 314 casos examinados nos quais os acusados recusaram-se a
responder algumas questões, 48% das perguntas às quais houve recusa de respostas
eram referentes ao envolvimento do acusado no crime; 46% reportavam-se ao envol-
vimento de terceiros no crime e 6% não se referiam ao crime (p. 105).
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no lugar e tempo em que ocorreu o crime. Igualmente, não se admi-
tem escusas para que o acusado não responda, a exemplo do que ocor-
re na seção 36.
Não podem ser extraídos indícios e inferências do silêncio do acu-
sado com relação à recusa em responder a perguntas que digam respei-to à participação de terceiros no crime.
A polícia deverá advertir o suspeito quanto à possibilidade de se-
rem extraídas inferências do silêncio com relação às indagações men-
cionadas nas seções 36 e 37 m .
Tais dispositivos do Act de 1994 têm sido questionados diante do
que estabelece a Convenção Européia de Direitos Humanos. O princi-
pal ponto é que o direito ao silêncio e o pri vilege against self -incrim ina-
tion são reconhecidos internacionalmente como standards do fair proce-
dure, preconizado nos diplomas de direitos humanos.
Murray v. United Kingdom, decidido em 1996 pela Corte Européia
de Direitos Humanos, é apontado como o leading case na matéria, con-
siderando que o estatuto processual da Irlanda do Norte é bastante si-
milar ao Act de 1994. Embora a Corte tenha negado ofensa aos arts. 6.1
e 6.2. da Convenção Européia de Direitos Humanos, referentes ao fair
hearinge. à presunção de inocência, respectivamente, o que foi deter-
minante para tal decisão foi a existência de provas contundentes contrao acusado, que permitiram extrair inferências contra ele.
Desse modo, decidiu a Corte que é incompatível com o direito ao
silêncio e o privilege against self-incrimination basear o convencimento
somente ou principalmente no silêncio do acusado ou em sua recusa a
fornecer provas ele próprio334.
Assim, conclui-se que a decisão da Corte proferida em Murray
não significou aprovação das seções do Act de 1994. Contrariamente,
desse julgado decorre que inferências do silêncio do acusado violam apresunção de inocência e o fair hearing 335 .
ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 103.
334 ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 108, ressalta
que uma Corte inglesa, aplicando a Convenção Européia dos Direitos Humanos, con-
siderou a seção 34 do Act de 1994 incompatível com a referida Convenção., ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 107.
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do advogado é difícil afirmar se representa uma falta de explicação ra-
zoável para determinado fato ou se ele atende melhor aos interesses do
acusado. De qualquer modo, até mesmo a Corte Européia de Direitos
Humanos não tem conferido a devida importância a essa questão. Des-sa forma, os acusados permanecem no dilema de ter — ou não — as-
sistência de advogado na fase policial.
Como se verifica, o Criminal Justice and Publ ic Orãer Act, de 1994,
estimula os suspeitos a cooperarem com a investigação policial e os
acusados a submeterem-se ao cross examination no julgamento, para
que não sejam extraídos do silêncio elementos prejudiciais à sua defe-
sa. Consideram os ingleses, porém, que o privilege against self-incrimina-
tion existe errí seu ordenamento, na medida em que o silêncio do acu-
sado não configura crime nem lhe acarreta sanções341.
Em acréscimo, o acusado pode optar por testemunhar. Trata-se
de uma estratégia defensiva. Nessas condições, tem dever de dizer a
verdade. Contudo, há limitações: não pode ser indagado sobre outros
delitos diversos daquele pelo qual está sendo processado, nem sobre
sua reputação342. Se o acusado decidir testemunhar com relação à res-
ponsabilidade de corréu, perde o privilege against self-incrimination, in-
clusive com referência a outros delitos que tenha cometido343. Além
disso, o réu acusado tem o direito de examiná-lo. Sustenta-se que a es-
341 Cf. HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins and
development, cit., p. 200. São indicados diversos propósitos para a manutenção do privi-
lege against self-incrimination, entre elas: evitar o dilema, para o acusado, entre incrimi-
nar-se e cometer perjúrio; proteger os inocentes; fornecer ao acusado meio para resis-
tir aos abusos; estimular a polícia a procurar provas independentes (conforme ZU-
CKERMAN, A. A. S., The principies of criminal evidence, cit., p. 316-318).
342 A respeito, VETTORI, Cecilia, Diritto delfimputato a confrontarsi con colui che lo
accusa e diritto al silenzio: 1'ordinamento inglese. In: Le nuove leggi penali. Milano: CE-
DAM, 1998, p. 273-284, esp. p. 279.343 A respeito, VETTORI, Cecilia, Diritto deH'imputato a confrontarsi con colui che lo
accusa e diritto al silenzio: 1‟ordinamento inglese, cit., p. 276 -278. Perde também a
proteção se fornecer prova sobre sua reputação; se tentar desacreditar testemunha de
acusação ou se entre o crime em apuração e outro cometido pelo acusado houver es-
treita correlação (p. 279-280). O direito a confrontar-se com quem acusa foi tutelado,
no direito inglês, antes mesmo que o privilege against self-incrimination (a respeito, TO-
NINI, Paolo, Giusto processo, diritto al silenzio ed obbligo di verità : la possibile coesis-tenza, cit., p. 728).
229
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sência do pri vilege against self -incrimi nation é a faculdade de calar sobre
fato próprio344.
A acusação não pode compelir o acusado a testemunhar contra
corréu, submetido ao mesmo processo ou a processos separados queapuram o mesmo delito, porque prepondera o direito ao silêncio. Mas
a acusação pode obter o testemunho de acusado em relação a outro
por meio da concessão da imunidade; quando o acusado houver con-
fessado e quando a acusação não produziu provas de culpabilidade do
acusado, redundando em sua absolvição345.
A imunidade permite interromper procedimento penal contra o
acusado que aceita cooperar com a justiça. Nesse caso, torna-se ele
"testemunha da Coroa" e deve responder a todas as perguntas formu-ladas com o dever de dizer a verdade346.
Se o acüsado confessar e for condenado, torna-se "testemunha da
Coroa" em relação aos partícipes e coautores. Entende-se que se hou-
ve confissão, não há razão para que a acusação não possa obrigá-lo a
testemunhar, já que admitiu sua responsabilidade penal347. Contudo, o
réu acusado por outro pode examiná-lo sobre outros crimes posterio-
res e sobre sua reputação.
Poderá o acusado ser compelido a testemunhar com relação a
coautores e partícipes, se for absolvido por falta de provas.
O Criminal Justice and Publi c Order Act de 1994 aboliu a regra que
impunha ao juiz o dever de instruir o júri sobre a não credibilidade do
testemunho do acusado não confirmado por outras provas348. Na doutrina inglesa, observa-se que os direitos humanos tiveram
344 Nesse sentido, TONINI, Paolo, Giusto processo, diritto al silenzio ed obbligo di ve-
rità: la possibile coesistenza, cit., p. 730.
345 Cf. VETTORI, Cecilia, Diritto delTimputato a confrontarsi con colui che lo accusa
e diritto al silenzio: 1'ordinamento inglese, cit., p. 282-283.346 Cf. VETTORI, Cecilia, Diritto delTimputato a confrontarsi con colui che lo accusa
e diritto al silenzio: 1'ordinamento inglese, cit., p. 282-283.347 A respeito: VETTORI, Cecilia, Diritto dell‟imputato a confrontarsi con colui che lo
accusa e diritto al silenzio: 1‟ordinamento inglese, cit., p. 283.
348 Cf. VETTORI, Cecilia, Diritto delTimputato a confrontarsi con colui che lo accusae diritto al silenzio: 1'ordinamento inglese, cit., p. 284.
230
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incremento de seu significado no processo penal. Entretanto, no direi-
to inglês, continua-se buscando espaço para dar maior ênfase a eles,
pois o retrato que se tem das decisões das cortes inglesas e da legisla-
ção a esse respeito ainda é de insuficiência. Nem mesmo o Human Rights Act, de 1998, criou uma cultura de respeito aos direitos huma-
nos, já que, com frequência, se têm buscado razões para criar exceções
ao reconhecimento desses direitos349.
A tendência que se registra na jurisprudência inglesa é invocar a
proporcionalidade e a ponderação de interesses na aplicação dos direi-
tos previstos na Convenção Européia de Direitos Humanos. Nessa es-
teira, o Privy Council, ao julgar apelo em Brown v. Stott, em 2003, deci-
diu que o privilege against self-incrimination não incidia no caso, para
afastar condenação criminal do dono de um automóvel que deixou de
declarar quem estava dirigindo-o em determinado tempo e lugar. In-
vocou-se, como fundamento, a preponderância do interesse social do
direito de trânsito350.
7. Decorrências do princípio “nemo tenetur se dete-gere” no interrogatório do acusado
Verifica-se, a partir do estudo do direito estrangeiro e nacional
quanto ao interrogatório do acusado, que o nemo tenetur se detegere
apresenta diferentes dimensões nos vários ordenamentos jurídicos.
Em alguns, o princípio tem uma feição mais ampla e, em outros, prati-
camente inexiste.
349 ASHWORTH, Andrew e REDMAYNE, Mike. The criminal process. 4. ed. New York:
Oxford University Press Inc., 2010, Prefácio.
350 ASHWORTH, Andrew e REDMAYNE, Mike. The criminal process. 4. ed. New York:
Oxford University Press Inc., 2010, p. 42. Em 0‟Halloran and Francis v. United Kingdom
(2008, 46 ERHH 21), com base na Seção 172 do Road Traffic Act, de 1988, determinou-
-se que os investigados informassem quem dirigia o veículo em determinada ocasião
em que foi ele filmado ultrapassando o limite de velocidade. Os investigados alegaram
que tal determinação violava o privilege against self-incrimination. A Corte Européia,
julgando o caso, decidiu que não havia a referida violação, porque a compulsão envol-
vida no caso era pequena, já que a pena prevista era moderada, além de não ser de prisão. Também salientou-se que as informações solicitadas eram limitadas.
231
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De modo geral, o princípio nemo tenetur se detegere assegura,
no interrogatório, a liberdade moral do acusado, consistente em
liberdade de querer e poder determinar o próprio comportamento
sem imposições externas351. Ou seja, além de exercer tutela sobre o
risco de autoincriminação, o nemo tenetur se detegere resguarda tam-
bém a liberdade de autodeterminação, que integra a liberdade mo-
ral, assegurando ao acusado a livre escolha do comportamento pro-
cessual352.
Na abordagem subsequente serão indicadas as decorrências do
princípio nemo tenetur se detegere no interrogatório do acusado, objeti-
vando o dimensionamento do princípio de modo compatível com sua
natureza de direito fundamental, oponível ao arbítrio do Estado na
persecução penal.
7.1. Direito ao silêncio
Há uma significativa tendência à equiparação do princípio nemo
tenetur se detegere ao direito ao silêncio, especialmente considerando-se
a máxima de que ninguém éobr igado a declarar contra si mesmo.
De um lado, o nemo tenetur se detegere e o direito ao silêncio são
indissociáveis, visto que o direito de calar é uma significativa decorrên-
cia de que “ninguém é obrigado a se autoincriminar". De outro, não se
pode negar que a equiparação do nemo tenetur se detegere ao direito ao
silêncio é bastante restritiva.
351 A definição é de VASSALI, Giuliano. Il diritto alia libertà morale (contributo alia
teoria dei diritti delia personalità). In: Scrittigiuridici. Milano: Giuffrè, 1997, v. 3, p.
253-338, esp. p. 289. Salienta o autor que a liberdade moral é ampla. Compreende a
liberdade de conservar a própria liberdade psíquica, a liberdade de raciocinar, de
formar a própria fé, religiosa, política ou social, de conservá-la ou de mudá-la (p.
306-307). O citado autor distingue a liberdade moral e a liberdade pessoal, concebi-
da esta como direito de manter a própria imobilidade corporal ou de movimentar-
-se, de não ser constrangido a fazer certos movimentos, mas não descarta a existên-
cia de situações nas quais a ofensa à liberdade pessoal atinge também a liberdade
moral (p. 289-290).
352
A respeito, CORSO, Piermaria. Diritto al silenzio: garantia da difendere o ingombro processuale da rimuovere? LTndice Penale, Milano, p. 1077-1094, set. / dez. 1999, p. 1084.
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Na realidade, o direito ao silêncio é a mais tradicional manifesta-
ção do nemo tenetur se detegere* 53 , mas o citado princípio não se restringe
a ele. O direito ao silêncio apresenta-se como uma das decorrências do
nemo tenetur se detegere, pois o referido princípio, como direito funda-
mental e garantia do cidadão no processo penal, como limite ao arbí-
trio do Estado, é bem mais amplo e há diversas outras decorrências
igualmente importantes que dele se extraem.
O direito ao silêncio corresponde ao direito de não responder às
indagações formuladas pela autoridade. É o direito de calar, reconheci-
mento da liberdade moral do acusado354.
Na doutrina, frequentemente, assocía-se o direito ao silêncio ao
direito de mentir, por parte do acusado. Entretanto, a mentira proferi-
da pelo acusado está inserida na inexistência do dever de dizer a verda-
de, que é outra decorrência do nemo tenetur se detegere, como adiante
será exposto.
Além de decorrência do nemo teneturse detegere, o direito ao silên-
cio configura manifestação do direito à intimidade que, igualmente, é
direito fundamental355. Insere-se também entre as liberdades públicas,
oponíveis ao Estado.
Em seu íntimo, o indivíduo tem o direito de calar, de não se pro-
nunciar a respeito da imputação, de reservar-se em seu interior. A res-
353 Nesse sentido, DOMINIONI, Oreste. Imputato. In: Enciclopédia dei diritto. Varese:
Giuffrè, 1972, v. 20, p. 789-818, esp. p. 795, defende que o direito ao silêncio é funda-
mental no sistema de garantias processuais, como atuação positiva do nemo tenetur se
detegere.
354
MAZZANTI, Manlio, Rilievi sulla natura giuridica deU'interrogatorio delTimputato,cit., p. 1177. Salienta o autor que, quando o acusado está preso, a liberdade para prestar
declarações é simbólica. Por isso, para melhor assegurar a liberdade moral do acusado
no interrogatório, a regra é que este seja ouvido sem algemas. Na mesma esteira, MA-
ZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame delTimputato: identità di natura giuridicae e di
efficacia probatoria, cit., p. 827, ressalta que a liberdade física é pressuposto da liberdade
moral. Assim, as algemas só devem ser utilizadas quando há risco efetivo de fuga ou de
violência. Caso contrário, violam a liberdade de autodeterminação do acusado.355 Nesse sentido, AZEVEDO, David Teixeira de, O interrogatório do réu e o direito ao
silêncio, cit., p. 288, e COLTRO, Antonio Carlos Mathias, O silêncio, a presunção de
inocência e sua valoração, cit., p. 295-296. VASSALI, Giuliano, Il diritto alia libertamorale, cit., p. 307, sustenta que o direito ao silêncio é fundamental e inviolável.
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peito, o Abade Dinouart já afirmava que "O homem nunca é tão dono
de si mesmo quanto no silêncio: fora dele, parece derramar-se, por
assim dizer, para fora de si e dissipar-se pelo discurso; de modo que ele
pertence menos a si mesmo do que aos outros”356
. Em que pese a difusão do direito ao silêncio, com maior ou me-
nor extensão nas diversas legislações, registra-se uma forte tendência à
associação do referido direito à culpabilidade do acusado, que vem de
longa data, mas que persiste no dia a dia dos Tribunais, nos julgados de
primeiro grau, em alguns escritos doutrinários357. Aliás, o receio de
que o silêncio seja interpretado como manifestação de culpabilidade é
determinante para que o acusado não exerça o direito ao silêncio358.
Tal vinculação decorre de enraizada ideia preconcebida, que re-monta ao modelo de processo inglês denominado accused speaks, de
que quem é inocente responde às indagações formuladas, porque nada
tem a ocultar. Mais do que isso: o inocente brada, grita, manifesta-se,
proclamando a sua condição. Ilustrativo, a respeito, o dito popular, por
vezes recordado em julgados, de que “quem cala, consente”.
Nesse quadro, o silêncio parece antinatural, especialmente para o
inocente. Mas também antinatural para o culpado, porque, para este,
a confissão seria um meio de expiação, de alívio ao espírito
359
.
356 DINOUART, Abade. A arte de calar (1771). Trad. Luis Filipe Ribeiro. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 2001, p. 12.
357 A esse respeito, CARNELUTTI, Francesco. Principi dei processo penale. Napoli: Mora-
no, 1961, p. 184, sustenta que o silêncio gera a suspeita de que há algo a esconder. Na
doutrina nacional, TORNAGHI, Hélio, Curso de processo penal, cit., v. 1, p. 363, salienta
que 'Ainda que presente ao interrogatório, 'o réu não é obrigado a responder'. Con-
vém que o faça, pois, do contrário, poderia dar ao juiz a impressão de calar por não ter resposta, por ser realmente culpado, por não poder explicar os fatos”. BARROS , Ro-
meu Pires de Campos, Direito processual penal brasileiro, cit., v. 2, p. 746, obra anterior à
Constituição de 1988, afirma que o acusado pode silenciar, mas assume os riscos de
seu comportamento. Também CHIMENTI, Francesco, O processo penal e a verdade ma-
terial, cit., p. 135. Segundo o referido autor, o silêncio do acusado deve estar sempre
sob censura. Na doutrina peruana, RADA, Domingo Garcia, La instrucción. Lima: San-
marti y Cia., 1967, v. 1, p. 288-289, entende que o silêncio é prejudicial tanto para a
Justiça quanto para o acusado.
A esse respeito, ZUCKERMAN, A. A. S., The principies of criminal evidence, cit., p. 306.
359 Nesse sentido, MITTERMAIER, C. J. A., Tratado de la prueba en matéria criminal, cit.,
p. 171. Menciona o referido autor que a confissão é natural, porque a consciência do
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Não se considera, nessa ótica, que possam existir outras razões
para o silêncio do acusado que não correspondam à culpabilidade e à
ausência de qualquer defesa360. Trata-se de uma visão preconceituosa
do silêncio deste e distante da perspectiva dos direitos e garantias fun-damentais.
O silêncio do acusado chegou a ser considerado um desafio à
autoridade interrogante. Grevi361, na clássica obra Nemo teneturse dete-
gere, alerta para a preocupação que existia, por ocasião do reconheci-
mento do direito ao silêncio, no ordenamento italiano, quanto ao avil-
tamento do poder do juiz. Objetava-se que o silêncio do acusado signi-
ficaria a desmoralização para a magistratura, bem como a impotência
e a inferioridade do juiz diante do acusado, que não poderia obter dele
as respostas às perguntas formuladas. Ressalta, porém, o mesmo autor,
a ótica do direito ao silêncio segundo o nemo tenetur se detegere, como
direito fundamental do acusado, que não desvaloriza a autoridade,
mas contribui para a instauração de um processo fundado no respeito
à liberdade física e psíquica do acusado.
Mais recentemente, tem-se considerado que o direito ao silêncio
é obstáculo para apuração dos fatos362.
Entretanto, tal silêncio, como decorrência do nemo tenetur se dete-
gere, não é antinatural, positivo ou negativo. Não tem conotações valo-
rativas363. Não é sinônimo de confissão ficta ou de falta de defesa. E
malfeitor o atormenta, impelindo-o a dizer a verdade. ALTAVILLA, Enrico, Psicologia
judiciária, cit., v. 3, p. 29, observa que o silêncio é atitude rara, porque contrasta com a
atitude de defesa.160 A esse respeito, ALTAVILLA, Enrico, Psicologia judiciária, cit., v. 3, p. 288-289, ressal-
ta que o silêncio, somente em casos excepcionalíssimos, retrata a impossibilidade de
qualquer desculpa. Via de regra é determinado por outras causas. Na doutrina portu-
guesa, SILVA, Germano Marques da. Curso de processo penal. Lisboa: Verbo, 1994, v. 1,
p. 267, salienta que há outras razões para silenciar além da culpabilidade.GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 63-66.
362 CORSO, Piermaria, Diritto al silenzio: garantia da difendere o ingombro processu-
ale da rimuovore?, cit., p. 1089, destaca o entendimento da magistratura italiana nesse
sentido.363 LEAL, Antonio Luiz da Camara, Comentários ao Código de Processo Penal, cit., p. 495,
sustenta que o silêncio não é contra nem a favor. A respeito, MELLADO, José MariaAsencio, Pruebaprohibida y prueba preconstituida, cit., p. 124, afirma que o silêncio não
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DRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p.-132.
se reconheça o direito ao silêncio em todas as fases procedimentais nas
quais o acusado for interrogado.
Em todos os interrogatórios deverá ser respeitado o direito ao
silêncio, mesmo que, em algum deles, ele tenha respondido às inda-
gações.
Assim, nos interrogatórios a cargo da polícia ou do Judiciário,
deverá ser observado o direito ao silêncio366.
Tal observância impõe-se com maior rigor ainda nos interrogató-
rios realizados pelas autoridades policiais. É que, nas dependências po-
liciais, o indíviduo fica mais vulnerável, quer pelo ambiente, quer pela
proximidade temporal em relação ao fato (no caso de prisão em
flagrante)367, quer pela ausência de defensor.
Não raro é na fase de investigações que ocorrem abusos, físicos e
morais, contra o suspeito ou indiciado368.
Deve-se considerar também que, não observado o direito ao si-
lêncio do acusado, no inquérito policial, vindo este a responder ao in-
terrogatório e depois, ciente do referido direito, silenciar em juízo, as
declarações anteriormente prestadas poderão repercutir sobre o con-
vencimento do julgador. Ou seja, a não observância do direito ao silên-
cio na fáse do inquérito policial poderá trazer prejuízos à defesa do
acusado, esvaziando-se a garantia do nemo tenetur se detegere.
Como bem assinala Manuel da Costa Andrade369, “enquanto
emanação normativa da dignidade humana e do livre desenvolvimen-
to da personalidade, o princípio „nemo tenetur‟ não comporta descon-
tinuidades, sequer graduações, em função das sucessivas fases do pro-
NUVOLONE, Pietro. La riforma dei processo penale in Italia e in Germania. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 345-359, 1962, esp. p. 356, defende que o
direito ao silêncio deve ser respeitado em todos os interrogatórios.
167 A esse respeito, GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 105-106, destaca
que, no interrogatório, conduzido febrilmente no clima de alarme ocasionado pelo
delito, com maior facilidade pode-se apresentar o perigo de abusos no sentido de coa-
ção da liberdade moral do acusado.168 ZUCKERMAN, A. A. S., The principies of criminal evidence, cit., p. 306, afirma que
um dos fatores para que o acusado não silencie na fase inquisitorial é a pressão policial.
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cesso ou da intervenção das diferentes instâncias formais. Irrestrita-
mente válido em relação às autoridades judiciárias, terá de sê-lo igual-
mente perante os órgãos de polícia criminal. Acolhendo-nos à conhe-
cida e expressiva metáfora de Radbruch, o princípio terá de colher o
respeito tanto do juiz que „habita o andar nobre da casa, onde predo-minam formas esmeradas de tratamento‟, como da polícia criminal
que ocupa a „cave do edifício, onde a regra é o recurso a processos mais
rudes de tratamento”‟.
Objeta-se, porém, contra a tutela do direito ao silêncio nos inter-
rogatórios policiais que, com ele, perde-se importante oportunidade
para a colheita de elementos relacionados à infração penal, prejudican-
do a apuração da verdade e as investigações subsequentes.
Referida objeção traz à tona a questão atinente à opção do pro-cesso penal entre a prevalência do interesse social na eficiência da per-
secução penal e do mito da verdade material sobre a tutela da dignida-
de e liberdade do indivíduo, que não deixa de ser também de interesse
público. Trata-se, em resumo, da escolha do legislador entre um pro-
cesso ético, ditado por regras de respeito à pessoa e repulsa às arbitra-
riedades estatais, e um processo que busca a verdade a qualquer custo,
inserido no modelo inquisitorial.
E com acerto que Grevi370, reconhecendo que se pode perder efi-ciência na investigação com a tutela do direito ao silêncio, ressalta ser
o preço a pagar no interesse superior de uma proteção rigorosa dos
direitos invioláveis do acusado.
Por fim, deve-se observar que incide o direito ao silêncio também
nas declarações tomadas de suspeitos, indiciados e testemunhas, pe-
rante as Comissões Parlamentares de Inquérito371. Assim como em de-
Cf. GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 109.
371 Nesse sentido vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, chamado a se pronun-
ciar, com frequência, recentemente, por força de abusos praticados pelas Comissões
Parlamentares de Inquérito: "O privilégio contra a autoincriminação — que é plena-
mente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito — traduz direito
público subjetivo assegurado a qualquer pessoa que deva prestar depoimento perante
órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário..." (HC
79.812-8, Med. liminar, desp. proferido pelo Min. Celso de Mello em 29-11-1999). O
Superior Tribunal de Justiça, no mesmo diapasão, já reconheceu a atipicidade da con-
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clarações e depoimentos prestados em sindicâncias e processos admi-
nistrativos, sejam eles realizados por autoridades do Poder Executivo,
Legislativo ou Judiciário.
É que a autoincriminação do indivíduo poderá ocorrer em qual-
quer declaração ou depoimento, prestado em sede administrativa, le-gislativa ou judicial, penal ou extrapenal.
O princípio nemo tenetur se detegere, como direito fundamental,
não tem lugar exclusivamente em inquérito policial ou no processo pe-
nal. Sempre que o indivíduo possa autoincriminar-se, em depoimento
ou declaração prestada perante autoridade, tem o direito de silenciar372.
7 .1 . 2 . Os ti tular es do direito ao si lêncio
Sendo o direito ao silêncio decorrência do princípio nemo tenetur
se detegere, todos aqueles que possam autoincriminar-se por meio de
declarações prestadas perante autoridade têm o direito de calar.
Desse modo, não é somente o indiciado ou o acusado, em proces-
so penal, que tem direito ao silêncio. Igualmente, o averiguado ou sus-
peito, contra o qual ainda não existem indícios convergentes de autoria
de infração penal, faz jus ao direito ao silêncio. À testemunha também se reconhece esse direito373. Entretanto, o
duta da testemunha que, perante Comissão Parlamentar de Inquérito, busca eximir-se
da autoincriminação (REsp 673.668/RJ, 5a T., Rei. Min. José Arnaldo Fonseca, j. 17-5-
2003).
372 A doutrina, antes mesmo da Constituição Federal de 1988, já preconizava a obser-
vância das garantias do devido processo legal, no processo administrativo, especial-
mente de cunho punitivo. Com efeito, diante do disposto no art. 5“, LIV e LV, do texto
constitucional em vigor, dúvida não há a esse respeito. Para efetivação do devido pro-
cesso legal, também no âmbito administrativo, deverão ser observados os princípios
do contraditório e da ampla defesa (nesse sentido, MEDAUAR, Odete. Direito adminis-
trativo moderno. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 205-210). Desse modo,
principalmente nos processos administrativos punitivos, deve ser reconhecida a inci -
dência do nemo tenetur se detegere.
373 Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: "A garantia contra
a autoincriminação não tem limites espaciais nem procedimentais: estende-se a
qualquer indagação por autoridade pública de cuja resposta possam advir subsídios
à imputação ao declarante da prática de crime” (HC 79.244 -8, Rei. Min. Sepúlveda
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suspeito, o indiciado e o acusado, em processo penal, podem exercê-lo
com relação a todas as perguntas formuladas. A testemunha, por sua
vez, tem o dever de dizer a verdade, sob pena de falso testemunho.
Desse modo, quanto a ela, somente incidirá o direito ao silêncio comreferência às perguntas cujas respostas conduzam à sua autoincrimina-
ção374. Assim sendo, o direito ao silêncio, para a testemunha, somente
é reconhecido com referência a determinadas perguntas.
O reconhecimento do direito ao silêncio para o suspeito e a teste-
munha tem grande relevância na tutela do nemo teneturse detegere. Se o
Pertence, desp. proferido em 26-4-1999). E ainda: "Não configura o crime de falsotestemunho quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissa-
da, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la" (Supremo Tribunal Federal, HC
73.035/DF, Rei. Min. Carlos Velloso, j. 13-11-1996, RTJ, 163/626); "Embora depon-
do como testemunha, após prestar juramento, não comete falso testemunho quem
teria faltado à verdade sobre fato que o poderia incriminar, como parece ser a hipó-
tese; incide aí o princípio „nemo tenetur se detegere', explicitamente consagrado na
Constituição (art. 5“, LXIII) e corolário, de resto, da garantia d o devido processo
legal” (Supremo Tribunal Federal, HC 73.053 -3, desp. proferido pelo Min. Celso de
Mello, DJU, 26-9-1995, p. 31400). No mesmo diapasão, a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça: HC 625-DF, Rei. Min. Assis Toledo, RSTJ, 26/76, no qual se re-
conheceu o direito ao silêncio da testemunha, com relação a fato que a incrimina-
va. HC 47.125/SP, 6aT., Rei. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 5-2-2007, p. 389, no qual
se decidiu que "O falso, que afasta a autoincriminação, não caracteriza o delito tipi-
ficado no artigo 342 do Código Penal”; e HC 57.420/BA, 6 a-T., Rei. Min. Hamilton
Carvalhido, DJ 15-5-2006, p. 308, em que se concedeu ordem à testemunha para que
pudesse silenciar quanto a eventuais indagações que pudessem incriminá-la, ao
prestar depoimento em ação penal, sem incorrer em falso testemunho ou crime de
desobediência. Contudo, a mesma Corte de Justiça entendeu que o nemo tenetur se
detegere "não alcança aqueles que comparecem em juízo com o propósito delibera-
do de produzir, falsamente, prova contra terceiros, ainda que, neste propósito, pos-
sam acidentalmente autoincriminar-se. Assim é típica a conduta de testemunha
que, com intuito deliberado de produzir prova contra terceiro, agindo em conluio
com o autor da ação, comparece em juízo, arrolado como testemunha pelo próprio
comparsa, e faz afirmação falsa em processo judicial, ainda que tais afirmações
possam, acidentalmente, lhe acarretar eventual autoincriminação” (HC 98.629/SC,
5a T., Rei. Min. Félix Fischer, DJe 3-8-2009).374 TONINI, Paolo, La prova penale, cit., p. 110, destaca que não há qualquer vedação
com relação à formulação de perguntas autoincriminatórias pelas partes. Quando isso
ocorrer, caberá à testemunha decidir se responde ou não. Conforme o citado autor, a
testemunha deve justificar quando invoca o nemo tenetur se detegere, embora não seja
obrigada a fornecer detalhes.
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Nesse sentido, CONSO, Giovanni. Inizio delle indagini e diritto di difesa. Archivioale, Roma, v. 26, p. 139-141, jan./fev,1970, p. 140, alerta para o risco de tomar asarações, como simples testemunha, sem direito ao silêncio, de alguém que já se
esenta como provável acusado. A respeito, o julgado do Supremo Tribunal FederalHC 106.876/RN, 2a T., Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 14-6-2011, DJe 125, publicadol“-7-2011, no qual se afastou o delito de falso testemunho diante da negativa deonder perguntas formuladas porque o paciente, embora rotulado de testemunha,verdade encontrava-se na condição de investigado”. princípio somente fosse reconhecido ao indiciado e ao acusado, em
processo penal, facilmente se poderia fraudar a sua incidência. Bastaria
tomar declarações do suspeito como testemunha375.
Por isso é essencial que a tutela do princípio seja antecipada, aexemplo do que ocorre no ordenamento italiano, recaindo sobre o sus-
peito e sobre a testemunha376. Referida tutela seria incompleta se so-
mente se reconhecesse a incidência do nemo tenetur se detegere no inter-
rogatório do indiciado ou do acusado, já na pendência de inquérito ou
processo.
Por outro lado, o direito ao silêncio não é reconhecido apenas
para o acusado preso, mas também para aquele que se encontra em
liberdade.
A Constituição Federal brasileira dispõe sobre o silêncio como
direito do preso. Mas, tendo em vista a natureza de direito fundamen-
tal do nemo tenetur se detegere, do qual é decorrência o direito ao silên-
cio, não há razão para se distinguir entre o acusado preso e aquele que
se encontra em liberdade.
Aliás, os dispositivos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis
e Políticos (art. 14) e da Convenção Americana de Direitos Humanos
(art. 82), que aludem ao nemo tenetur se detegere, incorporados ao direito
nacional, não fazem qualquer distinção, quanto à sua aplicação, entreo acusado preso e o solto.
Evidentemente, pela maior vulnerabilidade, as legislações ten-
dem a regular, com maior rigor, a observância dos direitos do preso,
entre eles o direito ao silêncio.
376 A esse respeito, Müller-Dietz afirma que “do suspeito pode resultar um acusado,
mas pode também resultar uma testemunha” (conforme DIAS NETO, Theodomiro, O direito ao silêncio: tratamento nos direitos alemão e norte-americano, cit., p. 191).
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Cabe ainda analisar a questão referente à pessoa jurídica, que
pode ser submetida a processo penal, consoante estabelece a Lei n.
9.605, de 12 de fevereiro de 1998377.
Todas as garantias processuais se aplicam também à pessoa jurí-dica, inclusive o nemo teneturse detegere 378.
Ada Pellegrini Grinover379 destaca, nessa esteira, que a pessoa ju-
rídica tem direito ao silêncio.
A esse respeito, em Simpósio sobre Crimes e Infrações Adminis-
trativas e Ambientais, Tupinambá Pinto de Azevedo manifestou-se no
sentido de reconhecer à pessoa jurídica o direito ao silêncio, conside-
rando a tutela constitucional deste e dispositivo do Código de Processo
Civil (art. 347, I) que estabelece que a parte não é obrigada a deporsobre fatos criminosos ou torpes que lhe forem imputados.
Para que a autodefesa pudesse ser exercida com maior eficiência,
no momento do interrogatório, e ainda para melhor apuração dos fa-
tos, considerando-se que o interrogatório poderá constituir fonte de
prova, inicialmente, Ada Pellegrini Grinover380 sustentou que deveriam
ser aplicadas, ao interrogatório da pessoa jurídica, analogicamente, as
377 AZEVEDO, Tupinambá Pinto de, em painel intitulado Da ação e do processo penal na
Lei n. 9605/98, no Simpósio Nacional sobre Crimes e Infrações Administrativas Am-
bienta is, realizado em Porto Alegre, de 14 a 16 de abril de 1998, manifestou-se no
sentido que falta regulamentação adequada do procedimento aplicável á pessoa jurídi-
ca. Já GRINOVER, Ada Pellegrini. Aspectos processuais da responsabilidade penal da
pessoa jurídica. In: Temas atuais de direito criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, v. 2, p. 46-50, defende que a falta de normas processuais ou procedimentais espe-
cíficas na Lei n. 9.605, de 12-2-1998, não acarreta prejuízo à aplicação do art. 3“, que cuida da responsabilidade penal da pessoa jurídica, porque ele pode ser integrado pelas
regras já existentes no ordenamento sobre representação em juízo, competência, pro-
cesso e procedimento, atos de comunicação processual e ainda as garantias processu-
ais.
378 A esse respeito, na doutrina portuguesa, manifestam-se favoravelmente à aplicação
do nemo tenetur se detegere às pessoas jurídicas, DIAS, Augusto Silva e RAMOS, Vânia
Costa, cit., p. 42.379 GRINOVER, Ada Pellegrini, Aspectos processuais da responsabilidade penal da pes-
soa jurídica, cit., p. 49.380 GRINOVER, Ada Pellegrini, Aspectos processuais da responsabilidade penal da pes-
soa jurídica, cit., p. 49.
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regras da CLT, que versam sobre o preposto. Nessa ótica, caberia à
pessoa jurídica indicar a pessoa física que seria interrogada, não neces-
sariamente o representante legal, mas alguém que conhecesse os fatos
em apuração. Reexaminando o tema, a referida autora concluiu pela
impossibilidade da aplicação do parágrafo único do art. 83 da CLT aointerrogatório da pessoa jurídica, considerando que a ratio do depoi-
mento pessoal do reclamado é totalmente diversa daquela do interro-
gatório no processo penal. Desse modo, o titular do direito de defesa
da pessoa jurídica é o seu gestor e caberá a ele, portanto, representar a
pessoa jurídica no interrogatório381.
7.1.3. Ex tensão do di r eito ao si lênci o no i nterr ogatóri o Aponta-se a existência de duas fases distintas no interrogatório do
acusado: a de qualificação e a de mérito. Na primeira, o acusado fornece
à autoridade os dados pessoais que o identificam, desde nome, filiação,
naturalidade, até sinais e características pessoais. Já a segunda fase diz
respeito às perguntas pertinentes ao fato apurado e suas circunstâncias.
Discute-se se o direito ao silêncio tem incidência em toda a exten-
são do interrogatório, isto é, nas duas fases apontadas, ou, ao revés, se
incide somente no interrogatório de mérito.
a) I nterr ogatór io de mérito
Predomina o entendimento de que o direito ao silêncio tem lugar
apenas no interrogatório de mérito. Desse modo, o acusado pode dei-
xar de responder às indagações formuladas a respeito do fato em apu-
ração e suas circunstâncias, não lhe sendo facultado deixar de respon-
der às perguntas formuladas com referência à sua identificação. A re-
cusa de resposta a essas indagações pode ensejar a prática do crime de
desobediência.
Nessa esteira, também não é consentido ao acusado faltar com a
verdade em relação aos dados que o identificam, sob pena de cometer
crime.
381 GRINOVER, Ada Pellegrini. Aspectos processuais da responsabilidade penal da pes-
soa jurídica. In: O processo: estudos e pareceres. 2. ed. São Paulo: DPJ Editora, 2009,
p. 367-377, p. 376.
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Não se reconhece a incidência do nemo teneturse detegere na quali-
ficação porque se entende que a oferta dos dados pessoais não implica
autoincriminação, já que não representa assunção de responsabilidade
quanto ao fato apurado382
. Sustenta-se porém que, em algumas situações, o fornecimento
dos dados pessoais, por parte do acusado, na fase de identificação,
pode dar ensejo à autoincriminação383.
Por isso, parte da doutrina alemã384 sustenta que deve haver
tutela integral do princípio nemo tenetur se detegere com relação ao
interrogatório do acusado, de modo a abranger também a parte da
identificação.
Um exemplo citado é aquele em que o autor do crime é conheci-do e o fornecimento de sua identidade eqüivaleria a uma confissão de
autoria. Nesse caso, o fornecimento dos dados pessoais se incompati-
bilizaria com o nemo tenetur se detegere.
Na doutrina espanhola, José Maria Asencio Mellado também de-
fende que o acusado pode silenciar quanto aos seus dados de identifi-
cação, mas não poderá falseá-los, não podendo ser extraída qualquer
conseqüência negativa da recusa em fornecer tais dados385.
382 A respeito, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito processual penal, cit., p. 445, salienta
que a comprovação da identidade do arguido constitui "questão básica de todo o pro-
cesso penal, sem todavia dizer directamente respeito à culpa daquele”.
383 É o que ocorre quando os dados pessoais são solicitados para verificação de ocor-
rência de delito e não para fins de identificação. BADELLINO, Sergio. Sul fonda-
mento ed i limite dei c. d. diritto al mendacio come facoltà contenuto dei diritto di
difesa. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 278-288, 1968, esp. p.283-284, exemplifica citando caso de solicitação da carteira de habilitação por auto-
ridade policial, respondendo o averiguado que dispõe dela, mas a esqueceu, quando,
na realidade, não possui referida habilitação. Nesse caso, segundo o autor, embora a
afirmação sobre a existência da carteira de habilitação refira-se à identificação do
averiguado, incide o nemo tenetur se detegere, já que a indagação foi formulada pela
autoridade com o intuito de apurar delito (dirigir sem habilitação) e não com o ob-
jetivo de identificar o motorista.
384 Nesse sentido, Eser e Müller-Dietz, apud DIAS NETO, Theodomiro, O direito ao
silêncio: tratamento nos direitos alemão e norte-americano, cit., p. 193.385 MELLADO, José Maria Asencio, Prueba prohibida y prueba preconstituida, cit., p. 124-
125.
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A respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça, por suas 5- e
6- Turmas, vinha afastando o crime do art. 307 do Código Penal quan-
do o indivíduo se atribuísse falsa identidade perante autoridade policial
para ocultar maus antecedentes ou mesmo falseasse nome e idade, en-tendendo que, nesses casos, incidia o princípio nemo tenetur se detege-
re ,M . De acordo com tais julgados, não se objetivava ofender a fé públi-
ca nesses casos, mas impedir o cerceamento da liberdade. Ocorre que,
apartir do julgamento do Recurso Extraordinário 640.139, pelo Supre-
mo Tribunal Federal, no qual foi declarada repercussão geral387, a 5-
Turma do Superior Tribunal de Justiça modificou seu posicionamento
em relação ao tema, alinhando-se ao entendimento acolhido pela Cor-
te Suprema, concluindo pela configuração do crime de uso de docu-mento falso quando o objetivo do agente for ocultação de anteceden-
tes388. Antes da modificação de entendimento pela 5â Turma do Supe-
rior Tribunal de Justiça, a 6- Turma já havia decidido que, quando o
acusado se utilizasse de documento falso com a finalidade de ocultar a
sua condição de foragido, pendendo, portanto, o cumprimento de
mandado de prisão em seu desfavor, deveria ser afastada a incidência
do nemo tenetur se detegere, dando-se por configurado o crime do art.
304 do Código Penal389.
3“ Nesse sentido, v.g., Resp 204.218/MG, 6a T., Rei. Min. Vicente Leal, j. 12-9-2000, HC
35.309/RJ, 6aT., Rei. Min. Paulo Medina, j. 6-10-2005; HC 42.663/MG, 5aT., Rei. Min.
José Arnaldo, j. 17-5-2005; HC 130.309/MS, 6“ T., Rei. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, DJe 29-6-2009; e Rcl 4.526/DF, 3a Seção, Rei. Min. Gilson Dipp, DJe 30-8-2011).187 Plenário, Rei. Min. Dias Toffoli, j. 23-9-2011, DJe 198, de 14-10-2011, cuja ementa foi
assim redigida: "CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE.
ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA INDENTIDADE [sic]
PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA, ARTIGO5a, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL.
CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSI-
BILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucio-
nal da autodefesa (art. 5°, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa
identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes,
sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui
densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes”. 388 HC 151.866, 5a T Rei. Min. Jorge Mussi, j. 1M2-2011, DJe 13-12-2011.389 Nesse sentido: HC 205.666, 6a T., Rei. Min. Vasco Delia Giustina (desembargador
convocado), j. 23-8-2011. De igual modo, o Superior Tribunal de Justiça não reconhe-ceu a incidência do nemo tenetur se detegere em caso que, por exigência de policial, o
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Quer-nos parecer, acertado o entendimento que não reconhece a
incidência do princípio nemo tenetur se detegere na qualificação. E que a
correta identificação do acusado é elementar para a adequada persecu-
ção penal390, evitando inclusive que os dados pessoais de terceiros se-
jam fornecidos indevidamente pelo acusado391. Extrai-se que não tem
o acusado o direito de silenciar, bem como há o dever de dizer a verda-
de com referência à qualificação.
Deve-se ressaltar, porém, que o nemo tenetur se detegere somente
não incide em relação aos dados de identificação, tais como nome, so-
brenome, filiação, data e local de nascimento, número de carteira de
identificação392. Não estão abrangidas na identificação as indagações
referentes a antecedentes e condenações anteriores, processos penais
aos quais esteve submetido o acusado, sobre sua vida pregressa e suas
oportunidades sociais.
Outra questão que deve ser examinada é se o acusado tem direito
ao silêncio com relação às perguntas formuladas em seu interrogatório
para esclarecimento da responsabilidade de terceiros na prática da in-
fração penal393.
agente exibiu a ele cédula de identidade e carteira de habilitação falsas, considerando
configurado o crime de uso de documento falso (HC 63.516/SP, 6 a T., Rei. Min. Ha-
milton Carvalhido, j. 17-12-2007, DJe 4-8-2008).
390 BADELLINO, Sergio, Sul fondamento ed i limite dei c. d. diritto al mendacio come
facoltà contenuto dei diritto di difesa, cit., p. 283, ressalta que a identificação é realiza-
da para fins de justiça. Tem finalidade processual.391 FARIA, Antonio Bento de, Código de Processo Penal: Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro
de 1941, cit., p. 95, afirma que a identificação permite estabelecer, com segurança, a
pessoa contra quem se procede, excluindo a possibilidade de processar e condenar uma pessoa por outra.392 A Corte Constitucional italiana, na sentença n. 108, de 1976, decidiu que os dados
que podem ser exigidos do acusado na identificação são: nome, sobrenome, data e
lugar de nascimento. Quanto aos antecedentes e condenações, o acusado pode silen-
ciar, mas não mentir (conforme MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame
delFimputato: identità di natura giuridica e di efficacia probatoria, cit., p. 838).393 Na doutrina nacional, GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Ja-
neiro: Forense Universitária, 2000, p. 465-476, sustenta que a delação não é prova, no
direito brasileiro, porque não se trata de testemunho de um acusado com relação a
outro, nem de confissão. Além disso, não poderia ser tomada como prova processual-mente válida por absoluta violação ao principio do contraditório.
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Como já se assinalou, no direito italiano, em princípio, o acusado
tem direito ao silêncio com relação à responsabilidade de terceiros,
que não prevalece se, advertido, decide declarar a esse respeito. No
direito francês, não há direito ao silêncio sobre fato de terceiro emprocesso conexo. No direito alemão, reconhece-se o direito ao silêncio
se os acusados estão submetidos ao mesmo processo. Havendo proces-
sos separados, não há direito ao silêncio com referência à responsabili-
dade de terceiros. No direito americano, se o acusado decidir testemu-
nhar, não há direito ao silêncio, nem sobre fato próprio, nem sobre
fato de terceiro. No direito inglês, em regra, para os acusados proces-
sados pelo mesmo delito há direito ao silêncio.
Escreve Grevi394, a respeito da questão, que a essência do nemo
tenetur se degetere é a proteção contra o risco de autoincriminação. Re-
cai sobre fato próprio. Daí a decorrência do direito ao silêncio. Segun-
do o referido autor, esse risco não está presente com referência às per-
guntas que objetivem a apuração da responsabilidade de terceiros. Por
isso, em seu entendimento, não deveria incidir o direito ao silêncio
com relação à responsabilidade de terceiros, mas somente à do próprio
acusado.
Defende Grevi que o acusado deveria ter sua posição equiparada à
da testemunha, nesse caso, com o conseqüente dever de falar a verdade.
De fato, em um primeiro momento, parece mesmo assistir razão
ao renomado autor italiano. O direito ao silêncio reconhecido ao acu-
sado com relação à participação de terceiros na infração penal refoge à
sua razão de ser, como decorrência do nemo tenetur se detegere.
Contudo, acertadamente, observa Sabatini395 que, em muitas si-
tuações, é praticamente impossível declarar sobre a responsabilidade
de terceiros com relação ao fato, sem que essa narrativa venha a in-
fluenciar a própria situação do acusado, comprometendo-o. Conforme
394 GREVI, Vittorio, II diritto al silenzio delFimputato sul fatto proprio e sul fatto altrui,
cit., p. 1149-1150. Do mesmo autor: Dichiarazioni dell‟imputato sul fatto altrui, diritto
al silenzio e garantia dei contradittorio, cit., p. 837. No mesmo diapasão: TONINI,
Paolo, Giusto processo, diritto al silenzio ed obbligo di verità: la possibile coesistenza,
cit., p. 730, que também salienta que o autêntico significado do nemo teneturse detegere
é o direito ao silêncio sobre fato próprio.SABATINI, Guglielmo, Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale, cit., v. 2, p. 322-323.
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assegurada integralmente sua liberdade de autodeterminação no in-
terrogatório.
7.1.4. Adver tênci a quanto ao di r eito ao silênci o Para garantia do direito ao silêncio, é de suma importância a for-
mulação da advertência ao acusado quanto a esse direito e quanto às
conseqüências de seu exercício.
Não basta, assim, que o ordenamento jurídico venha a tutelar
determinado direito ou garantia do acusado, sem criar mecanismos
que assegurem a sua efetividade. Dessa forma, de pouca ou nenhuma
valia seria a previsão do direito ao silêncio para o acusado se não hou-vesse o correspondente dever da autoridade de informá-lo acerca desse
direito e de sua extensão.
Via de regra, como observa Grevi399, o desconhecimento do acu-
sado com relação aos seus direitos é suprido pela defesa técnica. Con-
tudo, em determinados atos, não conta obrigatoriamente o acusado
com a assistência de defensor. Nessas oportunidades, conforme o men-
cionado autor, é que deve haver maior rigor para a ciência do acusado
em relação a determinado direito. É o que ocorre com o direito ao si-
lêncio no interrogatório realizado pelos órgãos de polícia. Piermaria Corso400, na doutrina italiana, ressalta que é corrente a
silêncio: tratamento nos direitos alemão e norte-americano, cit., p. 193-194, destaca,
no direito alemão, a predominância do entendimento de que, respondendo o acusa-
do a algumas indagações e silenciando com relação a outras, o silêncio poderá ser
valorado pelo juiz. Entretanto, na doutrina alemã, Rogall opõe-se veementemente aesse entendimento, sustentando que nenhuma forma de silêncio pode ser considera-
da indício de culpa. No direito português, ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as
proibições de prova em processo penal, cit., p. 128-129: sendo o silêncio total ou parcial,
não poderá haver qualquer valoração do mesmo. No mesmo diapasão: DIAS, Jorge
de Figueiredo, Direito processual penal, cit., p. 449. No direito italiano: MAZZA, Oli-
viero, Interrogatorio ed esame dell‟imputato: identità di natura giuridica e di effica -
cia probatoria, cit., p. 843, sustenta que o silêncio poderá ser exercido no total ou em
relação a algumas perguntas.
GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 110-115.
CORSO, Piermaria, Diritto al silenzio: garanzia da difendere o ingombro processu-ale da rimuovere?, cit., p. 1079. Referido autor salienta que, por essa razão, tolhe-se a
defesa na fase de investigações, inclusive o contato com o defensor.
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ideia de que o acusado, menos ciente de seus direi tos, tende a cooperar
mais na persecução penal.
Assim, a função precípua da advertência é a de dar ciência ao
acusado quanto ao direito ao silêncio, sua extensão e conseqüências do
seu exercício.
A esse respeito, Theodomiro Dias Neto afirma que a advertência
expressa "o intuito do legislador em evitar uma autoincriminação in-
voluntária em virtude de desconhecimento da lei”401.
A advertência destina-se, desse modo, a resguardar a liberdade
de autodeterminação do acusado no interrogatório. Bem cientificado
da extensão do direito de calar e de suas conseqüências, o acusado fica
livre para decidir se responde ou não às perguntas que lhe forem for-
muladas402. Nessa, esteira, Manuel da Costa Andrade bem salienta que "toda
a colaboração activa do arguido para a descoberta da verdade há-de
passar pela sua l i ber dade esclar ecida ”403.
Emprega-se, geralmente, a expressão "advertência", no direito
nacional. No direito alemão, fala-se em dever de instrução, o que pare-
ce mais adequado. É que há caráter meramente informativo e não pro-
priamente uma admoestação ou exortação404.
Embora não haja normalmente, nos diversos ordenamentos jurí-dicos, uma fórmula sacramental, para que atinja sua finalidade, a adver-
tência deverá atender a determinados requisitos, quanto ao conteúdo.
A rigor, a advertência deve ser formulada quando da prisão do
suspeito ou acusado, para que desde logo fique ciente de seus direitos,
401
DIAS NETO, Theodomiro, O direito ao silêncio: tratamento nos direitos alemão enorte-americano, cit., p. 190.
402 A rigor, para que a liberdade de autodeterminação do acusado, no interrogatório,
seja plenamente assegurada, além da advertência quanto ao direito ao silêncio, deverá
ele ser cientificado da acusação que lhe é feita e das provas que existem em seu desfavor.
A legislação brasileira prevê a necessidade de cientificar o réu quanto aos termos da
acusação, mas nada dispõe acerca da ciência das provas que existem contra o acusado.
ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova no processo penal, cit., p. 87.
404 Nesse sentido, GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 309-310. Nesse diapa-
são também MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame deH‟imputato: identità di na -
tura giuridica e di efficacia probatoria, cit., p. 840-841.
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entre eles o de não se autoincriminar405. Referida advertência deverá
ser formulada, mesmo que o suspeito ou acusado não venha a ser, de
pronto, indagado sobre os fatos. Desde logo, a advertência evitará a
tomada de declarações com violação do nemo tenetur se detegere e pre-
servará sua liberdade de autodeterminação. Antes de tomadas as declarações do suspeito ou de iniciado o in-
terrogatório de mérito, tenha havido ou não interrogatório anterior, aadvertência será formulada ou renovada. A autoridade se limitará ainformar o acusado acerca do direito de não responder às perguntasque lhe forem formuladas406, sem nenhuma outra referência que possaestimular ou desestimular o acusado a exercer esse direito.
Deve o acusado ser alertado também de que o exercício do direi-
to ao silêncio não lhe acarretará conseqüências prejudiciais. Por isso, é
inadmissível que a advertência quanto ao direito ao silêncio seja acom-
panhada de qualquer alusão a prejuízo para a defesa407, como ocorria
na dicção do art. 186 do Código de Processo Penal, anterior à Lei n.
10.792/2003.
A falta ou deficiência da advertência formulada comprometem a
liberdade de autodeterminação do acusado no interrogatório, expon-
do-o a risco de autoincriminação pelo desconhecimento ou pelo co-
nhecimento errôneo acerca do direito ao silêncio e de sua extensão.
Em acréscimo, a presença do defensor também não desobriga aautoridade interrogante de realizar a adequada advertência do acusado
quanto ao direito ao silêncio.
A questão da falta de advertência do suspeito ou acusado ganha
relevo nas chamadas declarações informais tomadas pelos órgãos de
polícia.
4<IS Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GO-
MES FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 73; MOURA,
Maria Thereza Rocha de Assis e MORAES, Maurício Zanoide, Direito ao silêncio no
interrogatório, cit., p. 141; e DELMANTO, Roberto, O testemunho exclusivo de poli-
ciais e a violação do direito ao silêncio nos casos de tóxicos, cit., p. 23-29.
406 CATALDO, Maria Elisabetta, Imputato e "testimone assistito" nel processo penale
francese, cit., p. 289-290, observa que deveria haver advertência quanto ao silêncio
parcia l.407 A esse respeito, também: COLTRO, Antonio Carlos Mathias, O silêncio, a presun-
ção de inocência e sua valoração, cit., p. 301.
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É expediente rotineiro dos órgãos de polícia a tomada de declara-
ções do suspeito, sem nenhuma formalização, nas quais, à evidência,
não há qualquer advertência a ele em relação ao direito ao silêncio.
Tais declarações, assim tomadas, violam o direito ao silêncio e,
consequentemente, o nemo tenetur se detegere 408
. Em alguns ordenamentos, como o argentino, tentando-se evitar
a utilização desses expedientes, chegou-se a vedar legalmente a realiza-
ção de interrogatórios pelos órgãos policiais. Mas, como salienta Car-
rio409, na prática a vedação nunca foi efetivamente respeitada. Os tribu-
nais toleram a realização dos interrogatórios policiais e os agentes, por
sua vez, sustentam que não realizam interrogatórios, mas apenas a to-
mada de dados de identificação do suspeito, o que lhes é consentido
fazer legalmente. Carrio410 propõe como solução, para que os interrogatórios pos-
sam ser recebidos validamente, a exigência de demonstração de que os
requisitos da legalidade daqueles foram respeitados pela polícia, inclu-
408 Há julgados da Corte de Cassação italiana, que datam da década de 70, nos quais se
decidiu que não havia violação ao direito de defesa em declarações espontâneas pres-
tadas pelo acusado aos órgãos da polícia judiciária, porque tais declarações não consti-
tuem interrogatório em sentido técnico, não havendo necessidade de advertência
quanto à faculdade de não responder (cf. BOSCHI, Marco, Interrogatorio, cit., p. 6). A
questão da advertência quanto ao direito ao silêncio coloca-se também nas chamadas
inquirições "parajudiciais” de supostos autores de infrações penais, que se verificam
quando particulares (tais como auditores, detetives etc.) realizam "investigaçõ es” de
delitos, no âmbito de suas atividades, colhendo declarações do averiguado, inclusive
mediante gravações não autorizadas. Há jurisprudência argentina que tem rechaçado
as provas oriundas desses expedientes sempre que se tiver levado a engano o averigua-
do para que preste declarações, por exemplo, ao desconhecer a verdadeira finalidade
da inquirição e/ou seu registro mediante gravação (nesse sentido, CNFed.Crim. yCorr., Salal, 19.6.2008, analisado em ROXIN, Claus, Laprohibicióndeautoincriminación
y de las escuchas domiciliarias, cit., p. 124-129). Quanto à entrevista concedida pelo acu-
sado, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no HC 99.558/ES, 2 a T., Rei. Min. Gilmar
Mendes, j. 14-12-2010, DJe 024, publicado em 7-2-2011, que a prova decorrente de en-
trevista do acusado na qual narrou o modus operandi de dois homicídios perpetrados no
Estado do Espírito Santo não constitui prova ilícita por falta de advertência quanto ao
direito ao silêncio, na medida em que se tratou de entrevista espontânea.
CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 300 e s.
CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 307-308.
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sive no tocante à ciência quanto ao direito ao silêncio. Desse modo,
não caberia ao suspeito ou acusado comprovar que não foi cientificado
adequadamente, quando respondeu às perguntas feitas. A polícia é que
estaria incumbida de demonstrar que cumpriu os requisitos legais. Para melhor assegurar o respeito aos direitos fundamentais do
acusado no interrogatório, inclusive o nemo tenetur se detegere, apresen-
ta-se adequada a exigência de demonstração, pela autoridade policial,
de que o acusado foi cientificado de seus direitos, antes de responder às
indagações formuladas, especialmente considerando-se que o defensor
não está presente obrigatoriamente no ato. Eficiente, sob esse aspecto,
a legislação portuguesa, que estabelece a obrigatoriedade de entrega
ao arguido, por escrito, do rol de direitos e deveres. Se não houver a
referida ciência do árguido, as declarações por ele prestadas não pode-
rão ser utilizadas. Outro aspecto a ser ressaltado é que, frequentemente, do indicia-
mento do acusado constam perguntas a serem formuladas que podem
levar à violação do direito ao silêncio e do nemo tenetur se detegere, por
falta de advertência ao indiciado. E o que sucede no pregressamento,
previsto no ordenamento brasileiro, no qual há indagação, impressa em
formulário, referente ao arrependimento do indiciado. Tal indagação,
sem qualquer advertência a este, é atentatória ao nemo tenetur se detegere.
Deve-se salientar ainda que a advertência deverá ser formuladaantes de todos os interrogatórios411. Isto porque, não renovada a infor-
mação ao acusado quanto ao direito ao silêncio, poderia parecer-lhe
não incidir esse direito naquele interrogatório específico, no qual não
for formulada a advertência. Desse modo, o acusado ficaria em situa-
ção de insegurança. A renovação da advertência, em cada interrogatório, garante a
transparência na relação entre o acusado e a autoridade interrogan-
te412. Grevi413 acrescenta, a esse respeito, que a renovação da advertên-
cia também assegura melhores condições psicológicas ao acusado.
411 A respeito, NUVOLONE, Pietro, La riforma dei processo penale in Italia e in Ger-
mania, cit., p. 356. No mesmo sentido, MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame
dell‟imputato: identità di natura giuridica e di efficacia probatoria, cit., p. 841.
Cf. GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 339.
GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 339.
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Especial atenção merece a advertência com relação aos acusados
estrangeiros. Imprescindível, desde a fase inquisitorial, que sejam eles
cientificados adequadamente de seus direitos fundamentais, inclusive
do direito ao silêncio.
Por fim, cabe aludir à questão da advertência quanto ao direito ao
silêncio em relação às testemunhas.
A esse respeito, Paolo Tonini414 destaca que, considerando-se a
posição subjetiva da testemunha, que tem, por regra, o dever de res-
ponder às perguntas de acordo com a verdade, a autoridade que colhe
seu depoimento não está obrigada a informá-la do direito que tem de
não responder às indagações cujas respostas possam incriminá-la.
De fato, somente por exceção é que a testemunha está desobriga-
da de responder às perguntas formuladas. Não caberia, assim, a adver-
tência ampla quanto ao direito ao silêncio, mas somente com relaçãoàs perguntas que possam incriminá-la. Dessa forma, a autoridade, an-
tes de tomar o depoimento da testemunha, ao adverti-la das penas do
falso, deveria também informá-la quanto ao direito que tem de não
responder às perguntas cujas respostas possam incriminá-la.
7.1.5. Di r eit o ao silêncio e formas de col abor ação pr ocessual
A proliferação das organizações criminosas estimulou, nos orde-
namentos jurídicos, a criação de institutos que incentivam a colabora-
ção processual por parte daqueles que as integram, como forma de
investigação e combate aos delitos por elas praticados.
Para obter a colaboração processual dos acusados, as legislações
preveem diversos estímulos, desde a imunidade até a redução sensível
da pena imposta.
Assim, no direito norte-americano, o principal instrumento para
obter a colaboração processual do acusado é a imunidade, que garante
ao acusado não ser processado em troca da renúncia ao pri vil ege against
self-incrimination 4‟5. A imunidade só pode ser reconhecida judicialmen-te. A polícia não pode realizar nenhum acordo para obter a colabora-
TONINI, Paolo, La prova penale, cit., p. 110.
A respeito, BERNASCONI, Alessandro, La collaborazioneprocessuale, cit., p. 4.
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No mesmo diapasão, no direito italiano, foram previstos diversos
institutos para estimular a atuação dos denominados “colaboradores
da justiça”.
Mas diversas são as diferenças em relação ao sistema norte-ameri-
cano. No direito italiano, não há benefícios processuais para estimular acolaboração do acusado, como a imunidade422. As recompensas pela co-
operação situam-se, exclusivamente, no plano do direito material: redu-
ção de pena e aplicação de medidas alternativas à prisão423, em razão da
inflexibilidade do princípio da obrigatoriedade da ação penal no aludido
sistema. Porém, na fase de execução de pena, há espécie de imunidade
de fato para o colaborador da justiça, surgida com a Lei n. 82, de 1991,
que permite a concessão ilimitada de medidas alternativas à prisão e o
ingresso do colaborador no programa de proteção424
. Tem-se considerado, entretanto, insidioso o expediente de deixar
a cargo dos procuradores da República a avaliação sobre a importância
da contribuição prestada por determinada pessoa, decisiva para a de-
terminação da proteção legal a ser conferida425.
O direito nacional não fugiu a essa tendência. A delação foi esti-
mulada em diversas legislações: o art. 82, parágrafo único, da Lei n.
8.072/90, diploma dedicado aos crimes hediondos, previu a redução da
pena de um a dois terços para o participante ou associado que denun-ciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantela-
mento. A Lei n. 9.080/95 acrescentou o § 2- ao art. 25 da Lei n. 7.492/86
e o parágrafo único ao art. 16 da Lei n. 8.137/90. Ambos os dispositi-
vos estabeleceram redução de pena de um a dois terços para o coautor
ou partícipe que, por confissão espontânea, revelar à autoridade poli-
422 No direito norte-americano, a imunnity e non-prosecution agreements impedem o iní-
cio da ação penal em relação aos colaboradores, com eficácia pré-processual. O plea
bargaining insere-se no lapso temporal entre a condenação do potencial colaborador e
a determinação da pena na sentença (conforme BERNASCONI, Alessandro, La colla-
borazione processuale, cit., p. 135).
Consoante BERNASCONI, Alessandro, La collaborazione processuale, cit., p. 133.
Cf. BERNASCONI, Alessandro, La collaborazione processuale, cit., p. 134-135.
425 Nesse sentido, SANNA, Alessandra. II contributo deU'imputato in un diverso proce-
dimento: forme acquisitive e garanzie di attendibilità. Rtvista Italiana di Diritto e Proce-
dura Penale, Milano, p. 490-527, 1995, esp. p. 493-494.
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ciai ou judicial toda a trama delituosa relacionada aos crimes previstos
naqueles diplomas praticados por quadrilhas ou em concurso.
A Lei n. 9.269/96 acrescentou o § 4- ao art. 159 do Código Penal,
prevendo redução de pena de um a dois terços, se o crime é cometido
em concurso, para aquele que denunciar o delito à autoridade, facili-tando a libertação do seqüestrado. A Lei n. 9.034/95 estabeleceu no
art. 6- que, nos crimes praticados por organizações criminosas, a pena
será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea
do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.
A Lei n. 9.613/98, que cuida dos crimes de "lavagem” ou oculta-
ção de bens, direitos e valores, dispôs, no § 5- do art. I2, que a pena
será reduzida de um a dois terços e será cumprida inicialmente em re-
gime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena
restritiva de direitos se o coautor ou partícipe colaborar espontanea-
mente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam
à apuração das infrações penais e sua autoria ou localização dos bens,
direitos ou valores, objetos do crime.
Por fim, a Lei n. 9.807/ 99, que instituiu normas para organização
e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemu-
nhas ameaçadas e dispôs sobre a proteção de acusados ou condenadosque tenham colaborado voluntariamente na persecução penal, estabe-
leceu, no art. 13, a possibilidade de conceder perdão judicial ao acusa-
do, primário, que colabore efetiva e voluntariamente com a investiga-
ção ou processo criminal, desde que tal colaboração permita a identifi-
cação de coautores e partícipes, localização da vítima com a integrida-
de física preservada ou recuperação total ou parcial do produto do
crime426. Contudo, sujeitou a concessão do perdão judicial ao exame
426 AZEVEDO, David Teixeira de. A colaboração premiada num direito ético. Boletim do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, n. 83, p. 5-7, out. 1999, destaca que,
tanto para o perdão judicial quanto para a redução da pena, exige-se que a colaboração
do acusado seja voluntária e efetiva, isto é, sem coação e com empenho. No primeiro
caso, em acréscimo, é necessário que dela resulte um dos três resultados previstos no
diploma legal: identificação dos coautores ou partícipes; localização da vítima com a
integridade física preservada ou recuperação total ou parcial do produto do crime.
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da personalidade do beneficiado, da natureza, das circunstâncias, da
gravidade e da repercussão social do fato criminoso427.
Se, apesar da colaboração espontânea e efetiva, não for alcançado
um dos objetivos retromencionados ou não for concedido o perdão judicial em razão dos demais requisitos, o acusado fará jus à redução
da pena de um a dois terços.
Nesse contexto, deve-se examinar se referidas formas de incenti-
vo à colaboração do acusado ferem o nemo tenetur se detegere.
Na doutrina italiana, Piermaria Corso428 sustenta que o direito ao
silêncio foi bastante fragilizado com a “operação mãos limpas", na me-
dida em que se estimulou sensivelmente a contribuição do acusado por
meio de benefícios. Em acréscimo, boa parte da magistratura italianatem considerado, o direito ao silêncio um obstáculo à apuração dos fa-
tos. Na mesma esteira, Alessandro Bernasconi429 observa que ao direito
ao silêncio se contrapõe uma série de formas de indução à confissão.
É inegável que os benefícios legais estimulam a colaboração pro-
cessual do acusado que comporta, quase sempre, a autoincriminação.
Contudo, desde que não haja nenhuma forma de coação para compelí-
-lo a cooperar e que o acusado seja instruído quanto ao direito ao silên-
cio, não há violação ao nemo teneturse detegere. Nessas condições, cabea ele decidir, livre e preferencialmente assistido pela defesa técnica, se
colabora ou não.
Ressalte se, porém, que, não são admissíveis expedientes e meca-
nismos legais tendentes a sujeitar a incidência dos benefícios ao arbí-
trio da autoridade, com base na avaliação subjetiva da colaboração
prestada pelo acusado ou mesmo de sua personalidade, gravidade e
repercussão do fato, porque se revestem de caráter insidioso. Na práti-
427 A doutrina assinala que não há direito subjetivo do acusado ao perdão judicial por-
que, além dos requisitos objetivos, há outros de natureza subjetiva que devem ser
apreciados pelo julgador. Nesse sentido: AZEVEDO, David Teixeira de, A colaboração
premiada num direito ético, cit., p. 6, e LAVORENTI, Wilson e SILVA, José Geraldo
da. Crime organizado na atualidade. Campinas: Bookseller, 2000, p. 167.
428 CORSO, Piermaria, Diritto al silenzio: garanzia da difendere o ingombro processu-
ale da rimuovere?, cit., p. 1085-1089.
BERNASCONI, Alessandro, La collaborazione processuale, cit., p. 106.
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ca, arma-se verdadeira cilada: o acusado será induzido a colaborar, re-
nunciando ao direito de não se autoincriminar, com o risco de não ha-
ver aplicação de nenhum benefício.
Como bem ressalta Alessandro Bernasconi, na doutrina italiana,há necessidade de alcançar uma cultura de legalidade dos benefícios,
entendida como certeza de correspondência entre o comportamento
cooperativo e a obtenção de determinada vantagem prefixada430.
7.1.6. Vedação da consignação das per guntas e r azões pelas quai s o
acusado exerceu o di r eito ao si lênci o
Outra questão relevante diz respeito à consignação das perguntas
que o acusado deixou de responder e das razões que alegou para tanto.
Tal consignação foi prevista no art. 191 do diploma processual
penal brasileiro, em sua redação original, anterior à Lei n.
10.792/2003, que suprimiu esse dispositivo. Contudo, não se compa-
tibilizava ele com o princípio nemo tenetur se detegere e com o próprio
direito ao silêncio.
A consignação das perguntas, com relação às quais o acusado
exerceu o direito de calar, permitia extrair elementos para valoraçãodo silêncio do acusado, ainda que esses elementos não fossem declina-
dos na fundamentação da sentença. Aliás, outra não poderia ser a ra-
zão para que se viessem a consignar as perguntas não respondidas.
Qual outra finalidade haveria em tal expediente?
Dessa forma, a modificação no Código de Processo Penal opera-
da por meio da Lei n. 10.792/2003, ao suprimir a previsão de consigna-
ção das perguntas não respondidas pelo acusado, impede que do silên-
cio do acusado se extraia conseqüência prejudicial, tutelando ampla-mente o nemo tenetur se detegere.
Com maior razão ainda restaria violado o direito ao silêncio, se o
acusado fosse compelido a fornecer as razões pelas quais deixou de
responder a uma pergunta. Deve-se observar, primeiramente, que o
Nesse sentido, BERNASCONI, Alessandro, La collaborazione processuale, cit., p. 136.
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exercício de um direito não precisa ser justificado por seu titular. Por
outro lado, restaria esvaziado por completo o direito ao silêncio do
acusado se tivesse ele de declinar as razões para calar431. É que, ao for-
necer referidas razões, o acusado declinaria do direito ao silêncio, pas-sando a responder à pergunta indiretamente.
Não obstante a alteração legislativa ocorrida, há autoridades
que persistem na consignação das perguntas não respondidas pelo
acusado, à míngua de dispositivo que ampare esse procedimento,
pois já não subsiste a dicção original do art. 191 do Código de Proces-
so Penal, colidindo ainda com o disposto no art. 52, LXIII, da Consti-
tuição Federal.
7.1.7. Conseqüênci as do exercíci o do di r eito ao si lênci o Sendo o silêncio um direito do acusado, que busca resguardá-lo
do risco de autoincriminação, preservando sua liberdade de autodeter-
minação no interrogatório, não se admite nenhuma conseqüência pre-
judicial a ele, em razão do exercício do direito ao silêncio. O silêncio do acusado não comporta valoração432. É simples au-
431 A esse respeito, GIACCA, Mariuccia, L'esame deU'imputato nell'esperienza
comparatistica: spunti problematici, cit., p. 170, salienta que, se a recusa de respon-
der a uma pergunta for verbalizada, o silêncio do acusado será utilizado com a fina-
lidade de verificar e controlar a prestabilidade de suas declarações. Na doutrina es-
panhola, MELLADO, José Maria Asencio, Prueba prohibida y prueba preconstituída,
cit., p. 124, afirma que não é lícito que se pretenda que o acusado decline as razões
pelas quais silenciou.
432 Não obstante, em legislações estrangeiras, por vezes, se admite essa valoração,
como no direito inglês. Também no direito colombiano se tem admitido a valoração
do silêncio, apesar do reconhecimento expresso do nemo tenetur se detegere nesse or-
denamento. A respeito, MARTÍNEZ, José Joaquín Urbano. La nueva estructura proba-
torio dei proceso penal (hacia una propuesta de fundamentación dei sistema acusatorio). 2.
ed. Bogotá: Ediciones Nueva Jurídica, 2011, p. 151-152, analisa julgado do Tribunal
Superior de Bogotá (Sala Penal, sentença de 23-11-2010, n. 110016000000200900219-
2), no qual o silêncio de um dos acusados foi valorado, mas a condenação não adveio
exclusivamente dessa valoração, veio também de outras provas. No caso, a polícia,
após ouvir vários disparos de arma de fogo, abordou três pessoas que entravam
apresssadamente em um táxi e um deles, ao perceber a presença da polícia, saiu do
veículo e tentou fugir. Em seu poder foram encontradas armas de fogo e uma outra
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do, mesmo porque milita em favor dele, com envergadura constitucio-
nal, a presunção de inocência436. Tampouco será considerado indício
de culpabilidade437.
O silêncio do acusado também não poderá servir de suporte parao aumento de pena ou ser considerado na análise da personalidade do
acusado para fins de fixação daquela438.
Igualmente não deverá o silêncio do acusado constituir funda-
mento para decretação de prisão cautelar439 nem para dar supedâneo à
sua manutenção, se anteriormente decretada.
Sendo direito do acusado, da recusa em responder às indagações
formuladas não se pode extrair a consumação dos crimes de desacato
ou desobediência. Enfim, nenhuma conseqüência prejudicial ao acusado poderá ser
436 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini, O interrogatório do réu e o direito ao
silêncio, cit., p. 29. No direito português, SILVA, Germano Marques da, Curso de proces-
so penal, cit., v. 1, p. 267.
Nesse diapasão, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito processual penal, cit., p. 448.438 A esse respeito, GREVI; Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 123-126. MEL-
CHIONDA, Achille. Imputato e indiziato. Enciclopédia giuridica. Roma: Treccani, 1989,
v. 16, p. 1-10, esp. p. 8, registra que há tendência em se considerar o silêncio e mentira
do acusado na fixação da pena. MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame
delllmputato: identità di natura giuridica e di efficacia probatoria, cit., p. 869, sustenta
que seria arbitrário valorar o silêncio para fins de fixação da pena.439 Sobre a matéria, GREVI, Vittorio, Il diritto al silenzio dell'imputato sul fatto pro-
prio e sul fatto altrui, cit., p. 1132 e s., salienta que o silêncio do acusado não pode
servir de fundamento para decretação de qualquer medida cautelar contra o acusa-
do, inclusive a prisão. Igualmente, ressalta o autor que o silêncio do acusado tam- bém não pode justificar a manutenção de prisão preventiva do acusado. No mesmo
diapasão: GASTALDO, Massimo Ceresa, Diritto al silenzio, aspettative di'collaborazio-
ne•‟ delVimputato e controlli sulVimpieg o delia custodia cautelare, cit., p. 1162. Nesse sen-
tido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal: "A recusa de colaborar com a instrução
criminal não é causa suficiente para a decretação de prisão preventiva, sendo assegu-
rado ao indiciado, inclusive, o direito ao silêncio (CF, art. 5a, LXIII)” (HC 79.781, Rei.
Min. Sepúlveda Pertence, j. 18-4-2000). No referido julgado, foi concedida a ordem
de habeas corpus para revogar a prisão preventiva, tendo em vista a insubsistência do
fundamento para sua decretação, qual seja, a falta de interesse do paciente em cola-
borar com a justiça, evidenciada pelo fato de que ele respondera às perguntas formu -ladas no interrogatório de forma evasiva.
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silêncio do acusado poderá até causar má impressão ao juiz que o interroga, mas sea impressão transparecer na motivação da sentença condenatória não poderá ser ada em conta.
extraída do exercício do direito ao silêncio440. Caso contrário, a essên-
cia desse direito estaria comprometida.
Ninguém pode exercer regularmente um direito seu e ser preju-
dicado em sua esfera jurídica, em decorrência desse exercício441
. Seriao mesmo que reconhecer a inexistência do direito em foco442.
Entretanto, como observado anteriormente, as conotações nega-
tivas extraídas do silêncio são freqüentes. Nas decisões judiciais, a mo-
tivação apresenta-se como importante garantia para o controle sobre a
valoração do silêncio do acusado443.
A situação torna-se mais delicada nas decisões proferidas pelo
Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, que são imotivadas, sobre
as quais não se consegue exercer adequado controle sobre eventualvaloração do silêncio do acusado444. Outro elemento agravador é que
o Conselho de Sentença é composto, via de regra, por leigos, que des-
conhecem o conteúdo do direito ao silêncio. É bem verdade que a Lei
440 A esse respeito, COLTRO, Antonio Carlos Mathias, O silêncio, a presunção de ino-
cência e sua valoração, cit., p. 300, afirma que "Tem o interrogado direito absoluto,
frente ao Estado, de escusar-se a falar, sem qualquer temor de que isto o desfavoreça
ou implique qualquer presunção, por mínima que possa ser, em seu prejuízo”.
441 A esse respeito, preleciona TUCCI, Rogério Lauria, Direitos e garantias individuais no
rocesso penal brasileiro, cit., p. 396, que "não pode importar desfavorecimento do im-
putado, até porque consistiria inominado absurdo entender -se que o exercício de um
direito, expresso na Lei das Leis como fundamental do indivíduo, possa acarretar-lhe
qualquer desvantagem”. 442 Ementa de julgado da lavra do Juiz Corrêa de Moraes, do TACrim/SP, exprime,
com exatidão, o alcance do direito ao silêncio: "Se o exercício d o direito de „permane-
cer calado‟ (CF, art. 5“, LXIII) pudesse comportar inferências desfavoráveis ao exercita -dor, não se trataria de um „direito‟, mas de autêntica 'armadilha'” (Ap. 1.145.403/9,
voto n. 7.212, publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Pau-
lo, n. 104, p. 538, jul. 2001).
443 Sobre esse aspecto, GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 125, salienta que
444 NUCCI, Guilherme de Souza, O valor da confissão como meio de prova no processo pe-
nal, cit., p. 178, observa que nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri predominam
as impressões colhidas durante o julgamento, especialmente no tocante ao interroga-tório do acusado.
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n. 11.689, de 9 de junho de 2008, ao conferir nova disciplina ao proce-
dimento do Tribunal do Júri, de forma inédita, contemplou vedação de
referência, durante os debates, ao silêncio do acusado ou à ausência de
interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo445, sob pena
de nulidade (art. 478, II).
Contudo, ainda que a acusação não faça menção ao silêncio do
acusado durante os debates, pouca valia tem eventual advertência dos
jurados com relação à impossibilidade de valorá-lo446. É que vulgar-
mente o silêncio é tomado como assunção de culpabilidade, sendo
essa concepção bastante difundida. Sem a garantia da motivação, po-
de-se afirmar que, dificilmente, o silêncio não influenciaria, de algum
modo, a decisão do Conselho de Sentença447.
De qualquer modo, forçoso reconhecer que, dificilmente, o silên-
cio não exercerá qualquer influência sobre o espírito do julgador, seja
ele togado ou leigo448. Por isso, de legeferenda, para melhor tutelar esse
445 Na legislação em vigor, o interrogatório não é facultativo. Presente o acusado, deve-
rá ele ser interrogado, ainda que exerça o direito ao silêncio. Por isso, quer-nos parecer
que a alusão, no art. 478, II, à ausência de interrogatório por falta de requerimento
refere-se à hipótese em que o julgamento em plenário iniciou-se sem a presença doacusado, vindo ele a integrar os trabalhos posteriormente. A esse respeito, DEZEM,
Guilherme Madeira eJUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Nova lei do procedimento
do júri comentada. Campinas: Millenium, 2008, p. 119, sustentam que a locução "ausên-
cia de interrogatório por falta de requerimento” deve ser entendida como pedido da
parte para não comparecer em plenário. Aduzem os referidos autores que "o interro-
gatório continua a ser obrigatório, mas a parte pode dele abrir mão com a sua ausência
em Plenário” (p. 119).
446 A esse respeito, NUCCI, Guilherme de Souza, O valor da confissão como meio de prova
no processo penal, cit., p. 178, sustenta a necessidade de o juiz alertar os jurados para que
não levem em conta, em sua decisão, o silêncio do acusado, porque se trata de um di-reito constitucional.447 A esse respeito, veja-se julgado do Superior Tribunal de Justiça, HC 125.506/SP, 5 a
T., Rei. Min. Laurita Vaz, j. 31-5-2011, DJe 22-6-2011, no qual a defesa alegou que o
Tribunal de Justiça havia se baseado no silêncio do acusado para manter condenação
proferida pelo Tribunal do Júri. A eiva foi afastada sob o fundamento de que havia
provas a amparar a condenação proferida. No entanto, por esse julgado, verifica-se a
dificuldade para aquilatar a ocorrência de valoração — ou não — do silêncio do acusa-
do no Tribunal do Júri.448 FARIA, Antonio Bento de, Código de Processo Penal: Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro
de 1941, cit., p. 298, destaca que do silêncio não podem ser extraídos elementos positi-
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direito, mais adequada seria a adoção do interrogatório facultativo449,
como era previsto na revogada Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) e no
Código Eleitoral, anteriormente às alterações introduzidas pela Lei n.
10.732, de 5 de setembro de 2003. Assim, caberia à defesa requerer a
realização do interrogatório e, em requerendo, à evidência, o acusadonão exerceria o direito ao silêncio, ao menos com relação à totalidade
das indagações. Pretendendo silenciar totalmente, não seria requerido
o interrogatório, deixando de expor o acusado a eventual influência
sobre o convencimento do julgador.
Nessa esteira, no tocante ao interrogatório policial, caberia ao
acusado, logo após a qualificação, manifestar se desejaria ser interroga-
do, desde que presente o defensor. Com relação ao suspeito, se decidis-
se declarar, mesmo diante da advertência quanto ao direito ao silêncio,sobrevindo elementos incriminatórios, deveria ser suspenso o ato, de-
signando-se data para interrogatório, com a presença de advogado,
mantida a decisão de declarar.
Imprescindível a atuação da defesa técnica, para que a opção pelo
silêncio não retrate apenas o exercício de um direito, mas se transfor-
me em eficiente estratégia defensiva450. E ainda para garantir o respei-
to aos direitos do acusado no interrogatório451.
vos de prova, ressalvada a impressão que o mesmo possa causar no espírito do juiz
relativamente à sua liberdade de convicção.
449 MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame dell'imputato: identità di natura giuri-
dica e di efficacia probatoria, cit., p. 834, sustenta, a respeito, que o nemo teneturse dete-
gere compreende, inclusive, o direito de não ser interrogado. AMBOS, Kai e CHOUKR,
Fauzi Hassan, A reforma do processo penal no Brasil e na América Latina, cit., p. 58, desta-
cam que o acusado tem direito à previsão legal de ser interrogado, o que é diferente de
se exigir que seja ele interrogado.450 FERRAIOLI, Marzia, Dubbi sull'acquisíbüità delle dichiarazioni in precedenza rese
dalllmputato (o coimputato) che rifiuti 1'esame in dibattimento, cit., p. 1959, destaca
que o silêncio é estratégia defensiva. No mesmo sentido, MAZZA, Oliviero, Interroga-
tório ed esame dell'imputato: identità di natura giuridica e di efficacia probatoria, cit.,
p. 867.451Julgado do Colégio Recursal Criminal do Foro Central, por sua 2 a T., no HC 32/05-
SP (Rei. Juiz Antonio Carlos Santoro Filho), de 11-4-2005, trata de situação em que
advogado havia orientado seu cliente a silenciar durante acareação realizada por Auto-
ridade Policial. Em virtude dessa orientação, o Delegado de Polícia determinou que o
advogado se retirasse da sala, em 30 segundos, o que não ocorreu, tendo sido preso em
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A única conseqüência admissível do exercício do direito ao silêncio
é que o acusado deixará de declinar elementos a seu favor, caso não res-
ponda a nenhuma das indagações formuladas452. Ou seja, o acusado não
fornecerá à autoridade interrogante a sua versão dos fatos e os elemen-tos probatórios que possam dar suporte a ela453. Sob tal aspecto, em al-
guns casos, o silêncio do acusado poderá prejudicar sua defesa, no todo,
independentemente de qualquer valoração dele por parte do julgador. É
o que ocorre nas situações que comportem a indicação de um álibi, por
exemplo. Daí a necessidade inarredável de atuação da defesa técnica, que
orientará o acusado quanto ao exercício do direito ao silêncio.
7.2. Vedação de determinados métodos de interrogatório
Outra decorrência do nemo tenetur se detegere é a vedação de cer-tos métodos de interrogatório que possam violar a dignidade do acusa-do ou sua liberdade de autodeterminação.
Evita-se, desse modo, que o acusado seja induzido ou mesmocompelido, física e moralmente, à autoincriminação.
A vedação de determinados métodos de interrogatório relaciona-
-se também à opção do legislador por um processo penal ético454.
flagrante por desobediência. A ordem foi concedida, reconhecendo-se a manifesta ile-
galidade da ordem da Autoridade Policial para que o advogado se retirasse da sala,
uma vez que havia ele se limitado a orientar seu constituinte em conformidade com a
Constituição Federal e a lei processual penal, para que exercesse o direito ao silêncio
(publicado no Boletim da AASP, n. 2.491, de 2 a 8 de outubro de 2006).
452 FEL1CIONI, Paola. Considerazioni sugli accertamenti coattivi nel processo penale:
lineamenti costituzionali e prospettive di riforma. Vlndice Penale, Milano, p. 495-526,
maio/ago. 1999, p. 502-503, afirma que a única conseqüência processual que pode ser extraída do silêncio é a adoção de linha defensiva não colaborativa.453 SIQUEIRA, Galdino, Curso de processo criminal, cit., p. 452, afirma que o silêncio
“rouba” do acusado um meio de defesa. Sobre a matéria, AZEVEDO, David Teixeira
de, O interrogatório do réu e o direito ao silêncio, cit., p. 289, observa que o silêncio
apenas significa a inexistência de produção de elementos probatórios, por parte da
defesa, na oportunidade do interrogatório. No direito português, DIAS, Jorge de Fi-
gueiredo, Direito processual penal, cit., p. 449, sustenta que, do ponto de vista fático, o
exercício do direito ao silêncio poderá prejudicar o acusado se ele deixar de fornecer
elementos que poderiam justificar seu comportamento ou mesmo desculpá-lo.
454 Nesse sentido: MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame dell'imputato: identità dinatura giuridica e di efficacia probatoria, cit., p. 829.
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7.2.1. Técni cas empr egadas na f ormul ação das perguntas ao acusado
Para que seja respeitado o princípio nemo tenetur se detegere, não
poderá ser empregado no interrogatório nenhum método tendente a
obter a confissão, fazendo com que o acusado se autoincrimine. Não
deve haver qualquer influência, pela atuação do juiz, sobre a liberdade
de autodeterminação do acusado.
As perguntas formuladas ao acusado deverão ser claras, precisas,
unívocas e não complexas455.
Veda-se, desse modo, a formulação de perguntas sugestivas456,
tendenciosas, capciosas457, obscuras, equívocas458. Em acréscimo, não
poderá o juiz formular pergunta dando como admitido fato sobre o
qual o acusado não se manifestou. Isso porque as respostas obtidas a partir de tais indagações não
455 FLORIAN, Eugênio, Delle prove penali, cit., v. 2, p. 32, salienta que as perguntas ao
acusado não deverão ser obscuras, capciosas, sugestivas. As primeiras, segundo o au-
tor, são dúbias, sendo que seu objeto não aparece de modo claro e determinado. As
capciosas são aquelas que têm duplo sentido, podendo conduzir o acusado a engano,fazendo-o responder algo contra sua vontade. As perguntas complexas também de-
vem ser evitadas, porque geram confusão.
456 CARRARA, Francesco. Programma dei corso di diritto criminale. 10. ed. Firenze: Fra-
telli Cammelli, 1907, Parte Geral, v. 2, p. 456, rejeitava qualquer possibilidade de suges-
tão. No mesmo diapasão, MANZINI, Vincenzo, Istituzioni di diritto processuale penale,
cit., p. 200, e MASSA, Cario, Dibattimento, cit., p. 588. RADA, Domingo Garcia, La ins-
trucción, cit., p. 296, define a pergunta sugestiva como aquela que já contém a resposta.
Na doutrina nacional, BUENO, José Antônio Pimenta. Apontamentos sobre o processo
criminal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1959, p. 357, ensina que não pode
haver sugestões ou esperanças enganadoras no interrogatório.457 No direito italiano: BOSCHI, Marco, Interrogatorio, cit., p. 4. No direito mexicano,
BUSTAMANTE, Juan Jose Gonzalez. Princípios de derecho procesal penal mexicano. Cida-
de do México: JUS, 1941, p. 211, destaca que não podem ser formuladas perguntas
capciosas. Já MITTERMAIER, C. J. A., Tratado de la prueba en matéria criminal, cit., p.
176, embora entenda que são vedadas as sugestões e perguntas capciosas, afirma que
nem sempre a sugestão contamina o interrogatório e que não é qualquer pergunta
capciosa que leva o inocente a dizer-se culpado. Acrescenta que o interrogatório torna-
-se impossível se o juiz não lançar mão delas, quando o acusado se recusa a responder.
458 CAMPO, Orazio, Interrogatorio delVimputato, cit., p. 343, sustenta que nem sempre é
fácil distinguir entre uma pergunta formulada de modo regular ou irregular, ou seja,
identificar se uma pergunta é capciosa ou sugestiva.
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são produto espontâneo da vontade do acusado e poderiam ser diver-
sas se as perguntas formuladas tivessem sido diretas e objetivas459.
Não são admitidas também quaisquer formas de exortação para
que o acusado colabore no interrogatório, persuasões460
, emprego depromessas461 ou mesmo de ameaças462.
Em decorrência do nemo tenetur se detegere, o juiz não deve agir
objetivando a confissão e utilizando métodos para interrogar o acusado
tendentes a evitar que ele exerça o direito ao silêncio. Não podem ser
empregados quaisquer artifícios para frustrar o nemo tenetur se detegere.
Além disso, é vedado também o emprego de meios enganosos
para interrogá-lo, como, v. g., quando se afirma existirem determina-
das provas contra o acusado, que, na realidade, não existem. Ou quan-do afirma que um corréu já confessou, quando isso não ocorreu.
Como salienta Grevi463, a esse respeito, o juiz deve zelar pela con-
dução do interrogatório de forma escrupulosa, sem violar a psique do
acusado. Na doutrina nacional, Bento de Faria464 ressalta que o interroga-
455 Nesse sentido, GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 121. Também FENE-
CH, Miguel. El proceso penal. 3. ed. Madrid: Agesa, 1978, p. 389.
460 Quanto à persuasão, GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 130, afirma
que a única “arma” que o juiz pode utilizar no interrogatório, para descobrir a verda -
de, é a persuasão. Entretanto, entendemos que mesmo a persuasão não deve ser utili-
zada pelo juiz, porque eqüivale a estímulo para que o acusado responda às indagações
formuladas. Não está, porém, impedido o juiz de utilizar métodos que não venham a
influenciar o ânimo do acusado no interrogatório, como a associação de ideias.461 PEREIRA E SOUSA, Joaquim José Caetano. Primeiras linhas sobre o processo criminal.
4. ed. Lisboa: Impressão Régia, 1831, p. 161-162, já sustentava que não devia haver su-gestões, persuasões e falsas promessas no interrogatório. Na doutrina italiana, BOS-
CHI, Marco, Interrogatorio, cit., p. 4, afirma que não podem ocorrer promessas, como
a de libertar o acusado se o mesmo confessar. CAMPO, Orazio, Interrogatorio
delVimputato, cit., p. 343, aduz ainda a vedação às promessas de recompensa.
462 BOSCHI, Marco, Interrogatorio, cit., p. 4, salienta que o juiz não pode ameaçar o
acusado de prendê-lo, caso não responda às indagações. CAMPO, Orazio, Interrogato-
rio delVimputato, cit., p. 343, acrescenta ainda a vedação às ameaças de prolongamento
da prisão preventiva ou de agravamento da pena.
GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 130.464 FARIA, Antonio Bento de, Código de Processo Penal: Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro
de 1941, cit., p. 287. ROSA, Inocêncio Borges da, Comentários ao Código de Processo Penal,
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tório deve ser conduzido com lealdade e clareza, sem que se transfor-
me em meio de enganar o acusado ou armar-lhe ciladas.
Manzini465 acrescenta, a propósito, com propriedade, que as limi-
tações quanto aos métodos de interrogar são estabelecidas no interes-se da justiça e não somente do acusado.
7.2.2. Emprego de tortu r a
Tutelando o acusado contra o risco de autoincriminação, sua dig-
nidade e liberdade de autodeterminação, evidentemente o nemo tenetur
se detegere mostra-se totalmente incompatível com qualquer forma de
violência física ou moral empregada contra ele, para fazê-lo cooperar
na persecução.
A tortura, consistente em sofrimento físico ou psíquico imposto
ao acusado, é inadmissível no Estado de Direito.
Por tudo que a tortura representa contra o respeito à dignidade
humana, vem ela sendo combatida desde o Iluminismo466. Na moder-
nidade tornou-se crime, buscando-se a punição de seus autores.
O emprego da tortura, pela qual se imprimem ao acusado não só
violências físicas, como morais467, ainda remanescente na atualidade,
situa-se na clandestinidade. E merece atenção porque, não raras vezes,confissões são extorquidas na fase de investigações, sem que se respei-
te, de qualquer modo, o nemo teneturse detegere 468 . Mas nem sempre é
cit., p. 296-297, assevera que o juiz não deve sequer tratar o acusado de forma ríspida,
para não int imidá-lo.
465
MANZINI, Vincenzo, Trattato di diritto processuale penale italiano secondo il nuovoCodice, cit., v. 4, p. 166. 466 Anteriormente, a tortura era francamente admitida como meio para obtenção da
confissão. Segundo assinala CARNELUTTI, Francesco. Lezioni sul processo penale.
Roma: Ateneo, 1946, p. 237, a tortura era aplicada também para obter o arrependi-
mento do acusado. Tinha função expiatória.467 Assinala CARNELUTTI, Francesco, Principi dei processo penale, cit., p. 186, que nos
dias de hoje continua a ser empregada pressão para que o acusado confesse, principal-
mente pela polícia.468 CORSO, Piermaria, Diritto alVsilenzio: garanzia da difendere o ingombro processuale da
rimuovereí, cit., p. 1081, salienta que o nemo teneturse detegere e o direito ao silêncio de-
sestimulam o emprego da tortura.
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possível demonstrar facilmente que a confissão foi obtida mediante
tortura469. Em acréscimo, grande número de julgados aceita, quase
sem restrições, a confissão extrajudicial470.
Também preocupante é a utilização de certos métodos de inter-rogatório, que acabam por transformar-se em verdadeiro emprego de
tortura contra o acusado.
Quanto a esse aspecto, merece destaque a questão da duração do
interrogatório que, realizado durante longo espaço de tempo, sem in-
tervalos, à noite, conduz o acusado à exaustão e à falta de serenidade
para posicionar-se diante das perguntas formuladas, não deixando de
caracterizar tais expedientes tortura ou, quando menos, tratamento
desumano471.
O interrogatótio assim realizado acaba por violar o nemo tenetur
se detegere, porque o acusado perde ou tem reduzida a sua capacidade
de avaliação com relação às indagações feitas. O cansaço, a pressão
psicológica exercida pelo tempo e pela sucessão de perguntas, o am-
biente a que ele fica submetido, podem influenciar a sua liberdade de
autodeterminação no interrogatório. No direito nacional, inexiste dispositivo regulamentando a matéria.
Ocupam-se dela o direito espanhol, argentino e chileno. Nos trêsordenamentos referidos o legislador estabeleceu a obrigatoriedade de
469 FOSCHINI, Gaetano. Investigazione ed assicurazione nella istruzione preliminare.
Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 20-46, 1959, esp. p. 38, ressalta
que se realizam interrogatórios, com práticas violentas e brutais, a fim de obter confis-
são, sem deixar marcas no corpo do acusado.470 A respeito, BARANDIER, Antonio Carlos, Confissão: supremo objetivo da investigação,
cit., p. 80-81. Contudo, observa FOSCHINI, Gaetano, Investigazione ed assicurazione
nella istruzione preliminare, cit., p. 38, que é freqüente a arguição de que houve emprego
de tortura para obtenção de confissão policial que, por vezes, inexistiu. Segundo o re-
ferido autor, a proximidade em relação aos fatos, no interrogatório policial, torna mais
difícil silenciar ou mentir.
471 A respeito, FOSCHINI, Gaetano, Investigazione ed assicurazione nella istruzione preli-
minare, cit., p. 39, salienta que o interrogatório realizado por muitas horas, durante o
dia e à noite, alternando-se os funcionários que interrogam, ou iniciando-se à noite,
quando o acusado está cansado, implica sofrimento e constitui meio ilegal porque in-cide sobre a espontaneidade e sinceridade das declarações prestadas.
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Observa-se474, em acréscimo, que as declarações obtidas com oemprego dos mencionados métodos não podem sequer ser considera-das fruto de "interrogatório”, no sentido processual, porque este im-plica declarações conscientemente prestadas pelo acusado.
Por isso, via de regra, as legislações consignam que referidos mé-todos de interrogatório não podem ser empregados nem mesmo como consentimento do acusado475. Observa-se, a respeito, que este nãopode dispor de sua liberdade moral476.
A narcoanálise477, o “soro da verdade” e a hipnose tendem a anu-
lar os freios inibitórios do indivíduo e a sua capacidade de autocontro-
le. Afirma Vassali478, a respeito, que não há invasão mais típica à liber-
dade moral do acusado do que aquela que tende a explorar o seu in-
consciente, removendo as barreiras existentes. Não só tais métodos
são reprováveis frente ao nemo tenetur se detegere e à dignidade da pes-soa, como são pouco confiáveis os resultados por eles obtidos, haven-
do sérias reservas científicas a respeito479. Já o lie detector ou polígrafo de Keeler é um método baseado nas
modificações neurovegetativas do indivíduo induzidas pela tensão pro-
vocada pelo interrogatório. Assim, v. g., alteram-se a frequência cardí-
aca e respiratória, o suor nas mãos, a coloração da face etc. Na doutrina nacional480, o l ie detector é também considerado mé-
474 A respeito: FOSCHINI, Gaetano, Investigazione ed assicurazione nella istruzione preli-
minare, cit., p. 39.
475 A respeito, no direito nacional: MARQUES, José Frederico, Elementos de direito pro-
cessual penal, cit., v. 2., p. 294-295. Na doutrina portuguesa: DIAS, Jorge de Figueiredo,
Direito processual penal, cit., p. 273. Em sentido contrário: BELLAVISTA, Girolamo,
Confessione, cit., p. 921, entende que o lie detector e outros métodos empregados no in-
terrogatório não atingem a liberdade de autodeterminação do acusado. Em seu enten-
dimento, se o acusado aceita o método, com plena liberdade, a confissão eventualmen-
te obtida não deve ser desconsiderada por falta de espontaneidade.
Nesse sentido, SABATINI, Giuseppe, Prova, cit., p. 313.477 Sobre a narcoanálise, DELITALA, Giacomo. Cesare Beccaria e il problema penale.
Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 965-977, 1964, esp. p. 975, salienta
que referido método afeta a liberdade espiritual do acusado, assim como a tortura.
VASSALI, Giuliano, II diritto alia libertà morale, cit., p. 310-311.
Nesse sentido, RAMAJOLI, Sergio, Laprova nel processo penale, cit., p. 9.
480 Nesse sentido: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal, cit., v. 3, p.
248, e GOMES FILHO, Antonio Magalhães, O direito d prova no processo penal, cit., p. 116.
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todo que viola a liberdade psíquica do acusado no interrogatório. Na
doutrina italiana, Sabatini481 assinala que o emprego do polígrafo ca-
racteriza forma de violência moral, semelhante à tortura, consistindo
em método insidioso.
Manuel da Costa Andrade482
ressalta a razão de ser da vedação dolie detector. Havendo vários acusados, conforme o referido autor, aque-
les que não concordem em submeter-se a ele irão sentir-se pressiona-
dos a aceitar o método, para evitar suspeitas contra si. Desse modo, na
proibição do polígrafo haveria também tutela dos direitos de terceiros,
igualmente suspeitos ou acusados.
Entretanto, o mesmo autor questiona se não seria de se admitir a
utilização do polígrafo, em benefício da defesa, como último meio de
que se serve o acusado para tentar alcançar a absolvição483.
Observe-se, porém, que, mesmo havendo tolerância em alguns
ordenamentos quanto à utilização do polígrafo, como ocorre no direi-
to norte-americano, o método também não se tem mostrado confiá-
vel, cientificamente. Isto porque se verificam alterações de pulso e res-
piração, em seguida a determinados estímulos, que refogem à vontade
do acusado, e ainda porque, diante de estímulos de igual natureza, re-
gistra-se uma variação enorme de reações comportamentais484. Além
disso, pondera-se que o referido aparelho apenas permite identificar
uma situação de tensão, sendo que a identificação desta com a mentiraconstitui interpretação abusiva485.
7.3. Inexistência do dever de dizer a verdade
Mesmo reconhecendo que não havia, por parte do acusado, o
dever de dizer a verdade, registram-se posicionamentos doutrinários
SABATINI, Giuseppe, Prova, cit., p. 314.
ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p. 78.
483 Cf. ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal,
cit., p. 217. Louva-se o autor em posição minoritária defendida na doutrina alemã
(. Amelung ).
A esse respeito, RAMAJOLI, Sergio, La prova nel processo penale, cit., p. 11.485 A opinião é do psiquiatra norte-americano Eims, citado em SABATINI, Giuseppe,
Prova, cit., p. 313-314.
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que procuraram, de alguma forma, extrair conseqüências prejudiciais
ao acusado quando este faltasse com a verdade ou mantivesse uma
postura reticente no interrogatório.
Entre tais posicionamentos destaca-se a teoria do dever testemu-
nhai do acusado formulada por Carnelutti486. Sustentava-se, nessa or-
dem de ideias, que deveria ser imposto ao acusado o dever de testemu-
nhar, ajudando-o a vencer a sua relutância à narrativa verdadeira dos
fatos487. Isto porque se defendia uma função “medicinal” da pena e que
toda intromissão na intimidade do acusado era justificada em seu be-
nefício. Chegou-se mesmo a propor que a violação ao dever testemu-
nhai, por parte do acusado, fosse incluída entre as circunstâncias agra-
vantes da pena488.
Outra teoria, que se opõe ao nemo tenetur se detegere, é a do ônus
da verdade de Foschini489, pela qual se sustentava que o acusado tinha
o ônus de dizer a verdade no interrogatório. Assim, se mentisse, ficava
sujeito ao risco de o juiz extrair desse comportamento elementos de
prova por presunção. Ou seja, do silêncio e da eventual mentira pode-
ria ser extraída a presunção de culpa. Entretanto, como salienta Gre-
vi490, referida teoria só poderia ter lugar em um sistema no qual não
prevalecesse a presunção de inocência, porque estabelecia um onuspro-
bandi ao acusado491.
486 CARNELUTTI, Francesco, Principi dei processo penale, cit., p. 185.
487 Cf. GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 50-53.488 CARNELUTTI, Francesco, Principi dei processo penale, cit., p. 185.
489 FOSCHINI, Gaetano, Imputato, cit., p. 52. Conforme o referido autor, a mentira éindicativo da personalidade do acusado, podendo influenciar a pena. Na doutrina
nacional, BARROS, Romeu Pires de Campos, Direito processual penal brasileiro, cit., p.
745, filiou-se à referida teoria.
GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 44-46.49] GRINOVER, Ada Pellegrini, Interrogatório do réu e direito ao silêncio, cit., p. 22-23,
destaca, a esse respeito, que não se pode admitir o onusprobandi em relação ao acusado
no processo penal porque: “o princípio da verdade material significa exatament e que
inexistem, no processo penal, fatos que possam tornar-se incontroversos; a prova é
indisponível e o juiz deve pesquisá-la acima da aquiescência das partes”; e “existe, no campo penal, o princípio „in dubio pro reo‟”.
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Verifica-se assim que a inexistência do dever de dizer a verdade é
outra decorrência do nemo tenetur se detegere 491 . Em razão dele, de um
lado, afasta-se o juramento e, consequentemente, a observância desse
dever pelo acusado. E, de outro, excluem-se as sanções que possam ser
impostas a ele por faltar com a verdade.
O juramento é apontado como mecanismo para garantir a verda-
de das declarações prestadas493. Entretanto, muitas reservas foram fei-
tas, ao longo do tempo, contra o juramento imposto ao acusado.
Destaca-se que, com o juramento, o acusado ficaria submetido a
um cruel dilema: faltar com a verdade, cometendo perjúrio, ou autoin-
criminar-se494.
O juramento afeta a liberdade moral do acusado, compelin-do-o a responder às indagações formuladas, com o risco de autoin-
criminação495.
Em contrapartida, considera-se que o juramento pode aumentar
a credibilidade das declarações prestadas por ele. É o que se verifica no
direito norte-americano. Ali se permite ao acusado submeter-se a jura-
mento para testemunhar no próprio processo. Pretende-se, com isso,
que as suas declarações assumam valor probatório relevante, adquirin-
do status diverso.
Convivem, dessa forma, no mesmo ordenamento, o direito ao
silêncio e o direito a submeter-se ao cross examination, com o dever de
dizer a verdade.
492 AZEVEDO, David Teixeira de, 0 interrogatório do réu e o direito ao silêncio, cit., p. 288,
extrai do próprio direito ao silêncio a inexistência do dever de dizer a verdade, desta-
cando que faltar à verdade eqüivale a silenciar sobre ela, omiti-la.493 A esse respeito, CONSOLO, Giovanni Cesaro. Trattato delia prova per testemoni e dei
relativo procedimento d‟esame. Torino: UTET, 1904, p. 526.494 Nesse sentido, HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its
origins and development, cit., p. 28. No direito nacional, a mesma observação foi efetua-
da por BUENO, José Antônio Pimenta, Apontamentos sobre o processo criminal brasileiro,
cit., p. 357.495 Por isso, na doutrina, de há muito, aponta-se a vedação ao juramento do acusado,
para que não cometa perjúrio (PEREIRA E SOUSA, Joaquim José Caetano, Primeiras
linhas sobre o processo criminal, cit., p. 162, e SABATINI, Guglielmo, Teoria delle prove nel diritto giudiziario penale, cit., v. 2, p. 323-325).
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é que aquele que nada tem a ocultar se submete ao juramento. Desse
modo, os que não juram serão, fatalmente, considerados suspeitos ou
mesmo culpados.
Por outro lado, em decorrência do nemo tenetur se detegere, nãopodem ser impostas ao acusado sanções por mentir no interrogató-
rio499.
Nas palavras de Cordero500, o acusado nada tem a temer no inter-
rogatório. Poderá silenciar e até mentir, desde que não impute falsa-
mente o crime a outrem. Neste último caso, praticará delito.
Grevi501 refere a existência de um "dever moral” do acusado de
dizer a verdade, quando não exerce o direito ao silêncio, mas conclui
que esse dever não é dotado de coercibilidade no plano jurídico. Emoutras palavras: se o acusado não exerce o direito ao silêncio e decide
prestar declarações, deve fazê-lo dizendo a verdade. Contudo, não há
como impor esse dever a ele na esfera jurídica.
Indaga-se, assim, se existe um direito à mentira, por parte do acu-
sado. Na doutrina portuguesa, Manuel Lopes Maia Gonçalves502 salien-
ta, a esse respeito, que a questão não tem grandes repercussões práti-
cas, na medida em que, em qualquer caso, será inexigível do acusado o
dever de verdade.
Já Costa Andrade503, embora não afirme peremptoriamente a
existência do direito à mentira, traz a lume citação de Castanheira Ne-
ves, que bem define a questão: "O que ninguém exige, superadas que
foram as atitudes degradantes do processo inquisitório (a recusar ao
réu a qualidade de sujeito do processo e a vê-lo apenas como meio e
objecto de investigação), é o heroísmo de dizer a verdade autoincrimi-
nadora”.
499 O entendimento predominante é que o acusado poderá faltar com a verdade em
relação ao interrogatório de mérito, mas, quanto aos dados de identificação, será obri-
gado a declará-los de acordo com a verdade, sob pena de cometer crime.
CORDERO, Franco, Procedura penale, cit., p. 248.501 GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 43-44. No mesmo sentido: GABRIE-
LI, Francesco P. e DOLCE, Raffaele, Interrogatorio, cit., p. 923.
GONÇALVES, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal anotado, cit., p. 191.503 CASTANHEIRA NEVES, Sumários, p. 176, apud ANDRADE, Manuel da Costa, So-
bre as proibições de prova em processo penal, cit., p. 121.
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Jorge de Figueiredo Dias504 e Germano Marques da Silva505, por
seu turno, entendem que inexiste direito à mentira. Apenas o compor-
tamento de dizer a verdade é inexigível, na medida em que não há
sanção para a mentira. Na doutrina italiana, Marco Boschi506, Paola Felicioni507, Oliviero
Mazza508 e Paolo Tonini509 defendem que não há direito à mentira por
parte do acusado. O último autor, a respeito, observa que o entendi-
mento de que o nemo tenetur se detegere protege o direito à mentira é
reflexo de maximização do direito à defesa.
Já Ramajoli510 reconhece que do nemo tenetur se detegere decorre
não somente o direito ao silêncio, como também o direito de mentir,
sem qualquer discriminação, seja a mentira sutil ou não. Do mesmoentendimento compartilha Maria Elisabetta Cataldo511, que assinala
que o acusadô tem um verdadeiro e próprio direito de mentir, já que
não presta juramento nem pode ser processado por falso testemunho.
Sergio Badellino512 afirma que a possibilidade de mentir, pelo acusado,
advém da ausência de previsão do dever de colaborar. Orazio Campo513, por sua vez, observa que a discussão sobre a
504 DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito processual penal, cit., p. 450-451.
505 SILVA, Germano Marques da, Curso de processo penal, cit., p. 267.506 BOSCHI, Marco, Interrogatorio, cit., p. 4.507 FELICIONI, Paola, Considerazioni sugli accertamenti coattivi nel processo penale:
lineamenti costituzionali e prospettive di riforma. LTndice Penale, Padova, p. 495-526,
maio 1999, p. 502.508 MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame dell'imputato: identità di natura giuri-
dica e di efficacia probatoria, cit., p. 870, sustenta que não há propriamente direito à
mentira. Contudo, defende que, sob o prisma probatório, poderá ser valorada com
outros elementos, mas não pode ser considerada como conduta contemporânea ou
subsequente ao crime, para fixação da pena.509 TONINI, Paolo, Imputato “accusatore” ed “accusato” nei principali ordinamenti proces-
suali deli‟ Unione Europea, cit., p. 270. 510 RAMAJOLI, Sergio, Laprova nel processo penale, cit., p. 12-13.511 CATALDO, Maria Elisabetta, Imputato e "testimone ass istito” nel processo penale
francese, cit., p. 290.512 BADELLINO, Sergio, Sulfondamento ed i limite dei c. d. diritto al mendacio comefacoltà
contenuto dei diritto di difesa, cit., p. 288. 513 CAMPO, Orazio, Interrogatorio delVimputato, cit., p. 343.
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existência de um direito à mentira é irrelevante, na medida em que não
podem ser impostas sanções ao acusado que mente.
Na doutrina espanhola, José Maria Asencio Mellado entende que
há direito à mentira, na medida em que esse comportamento do acu-sado não pode ser sancionado ou dele se extraírem conseqüências pre-
judiciais. Mas aduz que o Tribunal poderá servir-se da mentira para
averiguar a credibilidade geral das declarações do acusado514.
No direito nacional, Bento de Faria515 entende que não há direito
à mentira, apenas inexistindo sanção para tal comportamento. Mais
recentemente, Theodomiro Dias Neto516 afirma a existência do direito à
mentira, por parte do acusado, salientando, com suporte em Roxin,
que da mentira não podem ser extraídas também conseqüências preju-diciais ao acusado, como indício de autoria e culpabilidade, ou mesmo
o aumento da pena.
No ordenamento brasileiro, embora não se reconheça propria-
mente a existência do direito à mentira, o que se mostra acertado, não
foram previstas sanções para o acusado que falte com a verdade517. A
esse respeito, concluiu o Supremo Tribunal Federal que, no direito ao
silêncio, tutelado constitucionalmente, inclui-se a "prerrogativa de o
acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou
5,4 MELLADO, José Maria Asencio, Prueba prohibida y prueba preconstituída, cit., p.
126-127.
515 FARIA, Antonio Bento de, Código de Processo Penal: Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro
de 1941, cit., p. 288. 516 DIAS NETO, Theodomiro, O direito ao silêncio: tratamento nos direitos alemão e norte-
-americano, cit., p. 187. Mencionado autor observa, porém, que a jurisprudência alemãtem interpretado a mentira para avaliar a personalidade do acusado, aumentando a
pena.517 Registra-se iniciativa legislativa de incriminar a conduta do indiciado ou do acusado
que fizer afirmação falsa ou negar a verdade, em inquérito policial, civil ou administra-
tivo, processo judicial ou administrativo ou perante Comissão Parlamentar de Inqué-
rito, consubstanciada no Projeto de Lei n. 226/2006, cuja proposta, apesar de flagran-
temente inconstitucional por violar o nemo tenetur se detegere, teve parecer favorável da
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. A esse respeito, já nos ma-
nifestamos em artigo publicado no Boletim IBCCrim, n. 202, p. 9-10, set. 2009, intitulado
Nova tentativa de supressão de direito fundamental: a pretendida imposição do dever de dizer a verdade ao acusado sob pena de cometer perjúrio.
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judiciária, a prática da infração penal”518. As restrições impostas estão
tipificadas no art. 341 do Código Penal, que incrimina a autoacusação
falsa, punindo aquele que, perante a autoridade, venha a acusar-se de
crime inexistente ou praticado por outrem; no delito de denunciação
caluniosa e no de calúnia, quando houver imputação falsa de delito a
outrem.
Contudo, além do afastamento de sanções ao acusado por men-
tir, o nemo tenetur se detegere impede também sejam extraídas conse-
qüências prejudiciais a ele por faltar com a verdade no interrogatório.
O mesmo se diga se o acusado mantiver uma postura reticente.
A eventual mentira e a reticência do acusado não poderão ser
valoradas pelo juiz, como indícios de culpabilidade, porque nada mais
são do que expressão do direito a não se autoincriminar. A vinculação
da mentira e da reticência do acusado à culpabilidade associa-se, indu-
bitavelmente, à ideia de que o inocente tem todo interesse em dar di-
retas e amplas explicações sobre o fato delituoso e de que, aquele que
mente ou mantém uma postura reticente, no interrogatório, o faz por-
que não tem elementos a aduzir em sua defesa519. Tal posicionamento,
além de confrontar diretamente com o nemo tenetur se detegere, é con-
testado amplamente pela psicologia judiciária520.
Desse modo, a mentira e a reticência não podem ser considera-
das indício de autoria e culpabilidade, conduzir ao agravamento dapena e tampouco servir de parâmetro para a avaliação da personalida-
de e conduta do acusado, para fins de fixação de pena.
HC 68.929, j. 22-10-1991, RTJ, 141/512.
5,9 Nesse diapasão, GIANTURCO. La prova indiziaria. Milano, 1958, p. 113, salienta
que, no silêncio do acusado, na inverossimilhança de suas respostas, em suas digres-
sões, em suas eventuais retratações ou contradições, é de se entrever válidos indícios
de má-fé e prováveis indícios de culpabilidade. Compartilha do mesmo entendimento
FOSCHINI, Gaetano. Sistema dei diritto processuale penale. Milano: Giuffrè, 1961, v. 1, p.
437, observando que, se o acusado silencia ou presta declarações mentirosas, revela
carência de razões defensivas e fornece preciosos elementos de prova contrários a si.520 Nesse sentido, destaca-se que muitos podem ser os motivos que conduzem a rea-
ções insatisfatórias do acusado, no interrogatório, independentemente de sua inocên-
cia. Autorizar o juiz a valorar tais elementos seria o mesmo que permitir a valoração
arbitrária e a apreensão de elementos emocionais, pelo juiz, tornando a sentença injus-
ta (sobre a matéria, GREVI, Vittorio, Nemo tenetur se detegere, cit., p. 56-57).
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7.4. Inexistência do dever de comparecimento
Predomina, nos ordenamentos jurídicos, em que pese o reconhe-
cimento do direito ao silêncio do acusado, o entendimento de que este
tem o dever de comparecer ao interrogatório, podendo ser determina-
da, para tal fim, sua condução coercitiva.
Assim, no ordenamento alemão, a condução coercitiva é cabível
quando, em seu lugar, poderia ser determinada a prisão521. É utilizada
como meio para executar a citação para interrogatório; para obter a
presença do acusado, quando foi citado e não se apresenta voluntaria-
mente; para garantir a sua presença na vista oral e quando não tenha
comparecido, sem justa causa, na vista pri ncipal 511 .
Nesse ordenamento, a condução coercitiva pode ser determinada
pelo juiz e pelo representante do Ministério Público. Admite-se a con-
dução coercitiva pela polícia somente quando se realizar para fins de
identificação do suspeito523. Entretanto, referida medida coercitiva po-
derá ser objeto de análise de legalidade pelo Tribunal sempre que o
acusado assim o requerer.
No ordenamento italiano, igualmente, é admitida a condução co-
ercitiva, apesar do direito ao silêncio, sustentando-se que a referida
medida justifica-se porque o acusado é sujeito “potencialmente” decla-
rante524. Como há a possibilidade de o acusado responder às indaga-
ções que lhe forem formuladas, admite-se a sua condução coercitiva.
No direito nacional, a tendência não é diversa, especialmente
porque o Código de Processo Penal em vigor dispõe, em seu art. 260,
que “Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reco-
!Z1 Cf. COLOMER, Juan-Luis Gomez, El proceso penal alemán. Introducción y normas bá-
sicas, cit., p. 103.
522 Consoante COLOMER, Juan-Luis Gomez, El proceso penal alemán. Introducción y nor-
mas básicas, cit., p. 103. 523 Nesse sentido, ROXIN, Strafverfahrensrecht, p. 189, apud COLOMER, Juan-Luis Go-
mez, El proceso penal alemán. Introducción y normas básicas, cit., p. 103.524 Nesse sentido, FELICIONI, Paola. Brevi note sul rapportofra diritto al silenzio e accom-
agnamento coattivo delVimputato per il confronto. Cassazione Penale n. 1989/1990, p.
3467-3478, 1995, esp. p. 3478.
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nhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realiza-
do, a autoridade poderá conduzi-lo à sua presença”525.
Nessa esteira, já se chegou a cogitar da caracterização de falta
grave, quando o preso se recusar a comparecer à audiência, registran-
do-se, a respeito, orientação jurisprudencial que identifica o compare-
cimento a atos processuais como direito do acusado e, por conseqüên-
cia, extrai a impossibilidade de obrigá-lo a estar presente526.
Diante do acolhimento expresso do nemo tenetur se detegere e do
direito ao silêncio no ordenamento brasileiro, na doutrina nacional,
Antonio Scarance Fernandes passou a salientar a renunciabilidade do
interrogatório e o próprio direito ao silêncio, observando que "não
pode o indiciado ou réu ser conduzido à presença da autoridade poli-
cial ou do juiz para a realização desse ato”527.
Tal orientarão foi encampada no procedimento do Tribunal do
Júri, instituído pela Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, oriunda do
Projeto de Lei n. 4.203/2001, permitindo a realização do julgamento
sem a presença do acusado. Em liberdade, poderá ele exercer a facul-
dade do não comparecimento, apontada como corolário lógico do di-
reito ao silêncio. Preso, poderá requerer a dispensa de seu compareci-
mento à sessão de julgamento.
Não se pode desconsiderar que a condução coercitiva exerce cer-ta compulsão sobre o acusado para que participe ativamente no inter-
rogatório, respondendo às indagações formuladas. É ínsita à condução
coercitiva a expectativa de que ele responda às perguntas que lhe serão
dirigidas no interrogatório.
Grevi528, a esse respeito, destaca a posição assumida no projeto
preliminar do Código de Processo Penal de 1988, no sentido de excluir
525 Na doutrina nacional, tradicionalmente, a condução coercitiva do acusado é admi-
tida para fins de interrogatório e outros atos que dependam de sua presença. A esse
respeito, v. g., ESPÍNOLA FILHO, Eduardo, Código de Processo Penal brasileiro anotado,
cit., v. 3, p. 16, e TORNAGHI, Hélio, Curso de processo penal, cit., v. 1, p. 362-363.
szs TJSP, Agravo em Execução 993080044660 / SP, Ia Câmara Criminal, Rei. Des. Marco
Nahum, j. 26-8-2008, publicado em 8-9-2008.
FERNANDES, Antonio Scarance, Processo penal constitucional, cit., p. 269.
528
GREVI, Vittorio, II diritto al silenzio delVimputato sul fatto proprio e sul fatto altrui, cit., p. 1133.
282
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toda e qualquer medida cautelar, como considera a condução coerciti-
va, que tenha a finalidade de estimular uma participação ativa do acu-
sado na formação do material probatório. Nessa ótica, não deveriam
ser utilizadas as medidas cautelares cujo escopo seja, ainda que indire-
tamente, obter confissões de modo extorsivo.
A propósito, Oliviero Mazza529 considera que, sendo reconhecido
o nemo tenetur se detegere no interrogatório, não deveria ser admitida a
condução coercitiva porque ela representa forma de coação e exerce
intimidação contra o acusado.
No ordenamento brasileiro, de lege lata, entrelaçam-se, no mesmo
ato, a identificação do acusado e as perguntas sobre o fato, denomina-
das interrogatório de mérito. Em relação à identificação, não incide o
nemo teneturse detegere, como anteriormente observado, que tem lugarno interrogatório de mérito. A rigor, seria cabível a condução coerciti-
va apenas com referência à identificação, desde que os dados que a in-
tegram ainda não tenham sido obtidos pela autoridade. Quanto ao in-
terrogatório de mérito, não estando obrigado a responder às indaga-
ções formuladas e atentando-se para o caráter facultativo da autodefe-
sa, que somente deverá ser exercida se o acusado assim desejar, não se
justifica a condução coercitiva530.
Contudo, considerando-se que o ato é único, a condução coerci-tiva não se restringe à identificação, acarretando grande risco de com-
pulsão contra o acusado para que responda às perguntas formuladas,
com violação ao nemo tenetur se detegere.
De lege ferenda, o interrogatório deveria ser desdobrado em dois
atos distintos: a identificação e o interrogatório de mérito. Na fase in-
529 MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame delllmputato: identità di natura giuri-
dica e di efficacia probatoria, cit., p. 832.
”° Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, no HC 94.173/BA, 2 a T., Rei.
Min. Celso de Mello, j. 27-10-2009, DJe 223, publicado em 27-11-2009, que não pode o
Ministério Público, ao realizar investigação, "desrespeitar o direito do investigado ao
silêncio ('nemo tenetur se detegere'), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem
constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das
razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujei-
tas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de
Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais”.
283
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quisitorial, cabível seria a condução coercitiva somente para a identifi-
cação, mas o acusado somente seria interrogado sobre o fato se assim
desejasse e desde que presente o defensor531.
Na fase judicial, o interrogatório somente seria realizado median-te requerimento da defesa.
531 VASSALI, Giuliano. Autodifesa e rifiuto dell‟assistenza difensiva. In: Scritti giuridici.
Milano: Giuffrè, 1997, v. 3, p. 521-542, esp. p. 532, observa que a presença do defensor
assegura que a sujeição jurídica do acusado, no processo penal, não se transforme em
sujeição de fato. MAZZA, Oliviero, Interrogatorio ed esame dell‟imputato: identità di
natura giuridica e di efficacia probatoria, cit., p. 839, ressalta que a função defensiva dointerrogatório é completada com a presença da defesa técnica em todos os interroga-
tórios realizados.
284
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CAPÍTULO VI
O princípio nemo tenetur se
detegere aplicado às provas que
dependem da cooperação doacusado para sua produção
1. A formulação do problema: o princípio “nemo tenetur se detegere”, o direito à prova e a busca da verdade
realNo processo penal, frequentemente sustenta-se a obrigatorieda-
de de o acusado submeter-se às provas cuja produção é determinada
pelo juiz ou pela autoridade policial. Referido posicionamento é forte-
mente impregnado pela ideia de busca da verdade real. E, em parte,
constitui resquício da concepção de que o acusado é objeto da prova
no processo penal.
É inegável que o princípio nemo tenetur se detegere representa
barreira à atividade investigatória e probatória ilimitada por parte do
Estado.
Os ordenamentos jurídicos assimilaram, em regra, a incidência
do nemo tenetur se detegere no interrogatório, principalmente reconhe-
cendo o direito ao silêncio e vedando determinados métodos de inter-
rogatório que conduzam à autoincriminação e que violem a integrida-
de física e moral do acusado.
Ainda assim, se não se chega ao extremo de compelir o acusado,
mediante violência ou coação, a responder ao interrogatório, têm-se
285
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admitido, em alguns ordenamentos, fortes estímulos à cooperação do
acusado, como extrair inferências do seu silêncio.
Mas, de um modo ou de outro, a incidência do nemo tenetur se
detegere no interrogatório, em geral, sedimentou-se, mesmo conside-
rando-se que, atualmente, referida incidência e as conseqüências delaadvindas estejam sendo debatidas e, de alguma maneira, revistas em
certos ordenamentos.
A questão do reconhecimento do nemo tenetur se detegere, com re-
lação às provas que dependem da colaboração do acusado em sua pro-
dução, é ainda mais polêmica.
Contrapõe-se, na referida questão, com maior ênfase o interesse
público1 na persecução penal e o interesse do indivíduo, que se refere à
observância dos direitos e garantias fundamentais. Revela-se,'com maior intensidade, uma tensão, que é inerente ao
processo penal, entre o interesse da sociedade e o interesse individual2.
A prevalência absoluta de um desses interesses, na persecução
penal, não gera soluções adequadas.
Se, em dado ordenamento, sobrepõe-se, de todas as formas, o
interesse público na persecução penal, estabelece-se um direito à
prova ilimitado por parte do Estado: não há vedações de meios pro-
1 Conforme ensina MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo.
12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 59, o "interesse público deve ser conceituado
como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente
têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de
o serem" (grifos do autor). GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporciona-
lidade e teoria do direito. In: Direito constitucional — estudos em homenagem a Paulo Bona-
vides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 268-283, esp. p. 280, distingue o interesse individu-al, o interesse coletivo e o interesse público. Segundo o mencionado autor, o interesse
coletivo é a somatória dos interesses individuais e o interesse público é a somatória dos
interesses individuais e coletivos, não podendo assim se satisfazer o interesse público
sem contemplar também os interesses individuais e os coletivos.
2 Sobre a matéria, HERNÁNDEZ, Ángel Gil. Intervenciones corporales y derechos funda-
mentales. Madrid: Colex, 1995, p. 33, afirma que é freqüente que, na atividade investi-
gatória, a averiguação da verdade exija a restrição a algum direito fundamental, produ-
zindo-se tensão entre o dever dos poderes públicos de efetuar a repressão das infrações
penais e a correspondente proteção dos direitos fundamentais, que deve também ser
objetivada pelos poderes públicos.
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batórios, não há regras de admissibilidade e de exclusão de provas
nem restrições à valoração destas. Não há, enfim, ilicitude da prova.
Tudo se justifica em prol da busca da verdade, que é perseguida a
qualquer preço3. Esta é a fórmula adotada, via de regra, nos Estados
autoritários4.
No outro extremo, havendo prevalência absoluta do interesse in-
dividual, a persecução penal estaria fadada ao fracasso. Não se admiti-
ria, nessa ótica, nenhuma limitação aos direitos fundamentais, inclusi-
ve, ao nemo tenetur se detegere 5 .
Decorre do estudo realizado, como adiante se demonstrará, que
se registra atualmente forte tendência, nos ordenamentos jurídicos, ao
predomínio do interesse público na persecução penal, prestigiando-se
a busca da verdade, o que conduz, inevitavelmente, à admissão demaiores restrições aos direitos fundamentais do acusado6.
Persistindo a orientação que se tem observado nos ordenamen-
tos, principalmente em função do aumento crescente de uma crimina-
lidade organizada e violenta, pode-se afirmar que os sistemas garantis-
1A esse respeito, MELLADO, José Maria Asencio. Prueba prohibida y prueba preconstitu-
ída. Madrid: Trivium, 1989, p. 76. DELMAS-MARTY, Mireille. La prova penale. Vlndice
Penale, Padova, p. 609-628, 1996, esp. p. 612, salienta que a ideia de liberdade absoluta
de prova é inspirada pela busca da verdade.4 MANZILLO, Fabio Foglia. “Nemo tenetur se detegere": un limite all'applicazione dei
reato di falso in bilancio? Rivista Trimestrale âi Diritto Penale âelVEconomia, Milano, p.
237-262, jan./jun. 1999, esp. p. 252-254, observa que, nos Estados autoritários, sacrifi-
cam-se os direitos fundamentais em favor do interesse do Estado. Já, nos Estados de-
mocráticos, a pessoa humana é valorizada e não se exige sacrifício de direitos funda-
mentais. Busca-se a harmonização de interesses conflitantes.
5 A respeito, MELLADO, José Maria Asencio, Prueba prohibida y prueba preconstituida,
cit., p. 76. HELMHOLZ, R. H. et al., The privilege against self-incrimination: its origins
and development. Chicago: University of Chicago, 1997, p. 28, afirma que alguns co-
mentadores salientaram que transformar o privilege against self-incrimination em regra
absoluta destruiria o objetivo legítimo de punir crimes.6 A esse respeito, DIAS NETO, Theodomiro. O direito ao silêncio: tratamento nos di-
reitos alemão e norte-americano. Revista Brasileira das Ciências Criminais, São Paulo, v.
19, p. 179-204, jul./set. 1997, esp. p. 182, denomina os sistemas nos quais predomina o
interesse da investigação como eficientistas. E aqueles, nos quais prevalece a proteção
da personalidade do acusado, de garantistas. Salienta o referido autor a tendência ao predomínio do eficientismo nos países democráticos do Ocidente.
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tas, nos quais predomina o respeito aos direitos fundamentais do acu-
sado, com restrições por exceção, serão cada vez mais raros.
Deve-se destacar, porém, que a contraposição que se costuma
identificar entre o interesse público e o interesse individual, no proces-
so penal, é apenas aparente7. É que há também interesse público na construção de um proces-
so penal ético, no qual se respeitem os direitos e garantias fundamen-
tais do indivíduo8.
Por isso, é essencial buscar-se solução que harmonize ambos os
interesses, que na realidade são públicos. Nos Estados democráticos,
verifica-se a conciliação entre os interesses conflitantes em matéria de
direito à prova9. E, como ressalta Chiavario10, a eficiência processual
não pode prescindir dos direitos e garantias, mas deve incluí-los. A aná-lise da incidência do nemo tenetur se detegere nas provas que dependem
da cooperação do acusado para sua produção é de grande importância
para essa harmonização.
7 Com relação à referida tendência de contrapor o interesse público ao individual,
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso âe direito administrativo, cit., p. 57, destacaque "Ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria
contraposta à de interesse privado, individual, isto é, ao interesse pessoal de cada um”.
Acrescenta, ainda, o mencionado autor que se acentua um falso antagonismo entre o
interesse das partes e o interesse do todo, dando lugar à errônea suposição de que se
trata de um interesse desvinculado dos interesses das partes que integram.
8 Nesse sentido, DIAS NETO, Theodomiro, O direito ao silêncio: tratamento nos
direi tos alemão e norte-americano, cit., p. 183. O citado autor afirma que “é também
interesse da coletividade que o processo se desenvolva dentro das formas da lei, de
tal forma que ninguém seja acusado ou condenado injustamente”. Por outro lado,
os direitos fundamentais, entre eles o nemo tenetur se detegere, possuem uma dupladimensão: individual e pública, porque expressam “valores almejados por toda a
comunidade política” (cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago, Princípio da proporciona-
lidade e teoria do direito, cit., p. 279).
PRADEL, Jean. Droitpénal compare. Paris: Dalloz, 1995, p. 271.10 CHIAVARIO, Mario. Garanzie individuali ed efficienza dei processo. In: II giusto pro-
cesso. Milão: Giuffrè, 1998, p. 51-77, esp. p. 53-54. FELICIONI, Paola. Considerazioni
sugli accertamenti coattivi nel processo penale: lineamenti costituzionali e prospettive
di riforma. VIndice Penale, Padova, p. 495-526, maio/ago. 1999, esp. p. 500, define a
eficiência processual como funcionalidade dos mecanismos processuais tendentes a
alcançar a finalidade do processo que é a apuração dos fatos e das responsabilidades.
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Assim, não poderá ser inviabilizada a persecução penal, pelo re-
conhecimento de direitos fundamentais ilimitados, inclusive o nemo
teneturse detegere, mas não será admissível também que o referido prin-
cípio seja aniquilado, para dar margem ao direito à prova ilimitado,
sobretudo com a colaboração inarredável do acusado, e à busca irres-trita da verdade11, mesmo a pretexto de combater criminalidade cres-
cente e organizada.
2. As provas que dependem da cooperação do acusa-do para a sua produção no direito brasileiro
Para a análise da questão referente à incidência do nemo tenetur se
detegere nas provas12 que dependem da cooperação do acusado para asua produção devem ser tecidas algumas considerações sobre as referi-
das provas.
2.1. Provas que implicam intervenção corporal no acusado
Há provas no processo penal que, para sua produção, exigem in-
tervenção corporal no acusado. Como define Angel Gil Hernández13, a intervenção corporal é a
11 A respeito, ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo pe-
nal Coimbra: Coimbra Ed., 1992, p. 117, citando decisão proferida pelo BGH alemão,
em 1964, conhecida como “caso do diário”, destaca que "o objectivo do esclarecimen -
to e punição dos crimes é, seguramente, do mais elevado significado; mas ele não
pode representar sempre, nem sob todas as circunstâncias, o interesse prevalecente
do Estado”.
12 A doutrina ressalta que o termo “prova” não é unívoco. Quanto à distinção entre
objeto da prova, fonte de prova e meio de prova, veja-se nota 31, no Capítulo V No
presente trabalho, adotou-se o termo “prova” para aludir aos meios de prova (acarea -
ção, reconhecimento, reconstituição do fato, perícias e documentos) e também aos
meios de busca da prova, como se distingue no ordenamento italiano, por exemplo, a
busca pessoal.
13 HERNÁNDEZ, Angel Gil, Intervenciones corporalesy derechosfundamentales, cit., p. 37.
SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
roceso penal. Madrid: Colex, 1990, p. 290, define as intervenções corporais como me-
didas de investigação que se realizam sobre o corpo das pessoas sem necessidade de
seu consentimento e por meio de coação direta se for preciso, com o fim de descobrir
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realização de atos de investigação ou obtenção de provas no corpo do
próprio acusado.
Para a produção das mencionadas provas, além do nemo teneturse
detegere, outros valores que também constituem direitos fundamentais
estão envolvidos: o direito à liberdade, à intimidade, à dignidade hu-mana e à intangibilidade corporal.
As provas que implicam intervenção corporal no acusado podem
ser invasivas ou não invasivas. Consideram-se invasivas as intervenções
corporais que pressupõem penetração no organismo humano, por ins-
trumentos ou substâncias, em cavidades naturais ou não14.
Entre as provas invasivas podem ser enumeradas diversas perí-
cias, como os exames de sangue em geral, o exame ginecológico e a
identificação dentária, e, ainda, a endoscopia e o exame do reto, quesão frequentemente empregados em buscas pessoais. A busca pessoal,
também denominada revista, pode ser realizada por meio de interven-
ções corporais invasivas ou não invasivas.
As provas não invasivas compreendem outras tantas perícias,
como os exames de matérias fecais, os exames de DNA realizados a
partir de fios de cabelo e pelos; as identificações dactiloscópica, de im-
pressões dos pés, unhas e palmar e também a radiografia, empregada
em buscas pessoais. Já os exames de urina, esperma e saliva podem ser realizados por
meio de técnicas invasivas ou não.
a) Provas invasivas
circunstâncias fáticas que sejam de interesse do processo, em relação às condições ou
estado físico ou psíquico do sujeito, ou com o fim de encontrar objetos escondidos
nele. São requisitos para sua admissibilidade não expor a perigo a saúde do examinado
e a realização por médico. Entretanto, a realização mesmo sem consentimento do
acusado não é nota característica das intervenções corporais. Por isso, adotou-se, nesse
trabalho, o conceito formulado por Ángel Gil Hernández.,4 A classificação entre provas invasivas ou não invasivas está sujeita a constantes revi-
sões porque o progresso científico é contínuo. Nesse sentido, FELICIONI, Paola, Con-
siderazioni sugli accertamenti coattivi nel processo penale: lineamenti costituzionali e prospet-
tive di riforma, cit., p. 517. A mesma autora sustenta que as provas invasivas se caracte-
rizam pela administração de substâncias ou introdução de instrumentos no corpo
humano (p. 517).
290
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Como assinalado, diversas perícias são realizadas por meio de in-
tervenções corporais invasivas.
Os exames de sangue em geral constituem provas invasivas. Nor-
malmente são realizados, no processo penal, com a finalidade de identi-
ficar a autoria do delito ou excluir pessoas suspeitas da prática do crime.
A medicina legal15 assinala a importância do estudo das manchas
de sangue encontradas no local do crime, destacando-se os casos refe-
rentes a homicídios, infanticídios, lesões corporais, crimes contra a li-
berdade sexual e aborto.
Antes do surgimento do DNA, eram utilizados os exames de san-
gue, com base no sistema ABO, MN e Rh. Referidos exames, no pro-
cesso penal, eram realizados fundamentalmente para excluir a autoria
e não para confirmá-la.
Predominava, assim, o entendimento de que os exames de san-
gue com base no sistema ABO, MN e Rh eram insuficientes para a
identificação do acusado. Para que o resultado de tais exames pudesse
dar suporte à decisão, outros elementos probatórios deveriam corro-
borá-los16.
Berrç por isso, Almeida Júnior e Costa Júnior17, em obra dedicada
à medicina legal, afirmaram que se o sangue do suspeito e o sangue da
mancha localizada tivessem idêntica classificação, o problema seria, naépoca, insolúvel.
O desenvolvimento dos exames de DNA, na década de 80, pelo
alto grau de probabilidade que apresentam, deu lugar a uma verdadei-
ra revolução científica e jurídica também, no que se refere às provas.
No processo civil, o exame de DNA passou a ser considerado pro-
va decisiva nas ações de investigação de paternidade.
No processo penal, em um primeiro momento, descortinou-se a
possibilidade de identificar, com elevado grau de probabilidade, que
15 Cf. ALMEIDA JR., A. e COSTA Jr.,J. B. de O. Lições de medicina legal. 19. ed. São
Paulo: CEN, 1987, p. 90 e s.
16 RAMAJOLI, Sergio. La prova nel processo penale. Milano: CEDAM, 1995, p. 187, co-
menta a orientação da jurisprudência italiana nesse sentido.17 ALMEIDA JR., A. e COSTA Jr., J. B. de O., Lições de medicina legal, cit., p. 100.
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beira à certeza, o autor do delito ou de, ao revés, excluir pessoas inves-
tigadas18.
Pelo alto grau de probabilidade revelado pelos exames de DNA, a
expectativa de cooperação do acusado, para a realização dos referidos
exames, aumentou sensivelmente19. Marcello Stalteri20 observa, a esserespeito, que, quando da descoberta da prova do DNA, difundiu-se a
ideia de que se tratava de uma "superprova”.
Destaca-se que a possibilidade de confrontar o código genético
do material orgânico encontrado no local do crime com aquele de um
ou mais indivíduos suspeitos foi considerada um avanço científico, a
ponto de modificar radicalmente o desenvolvimento do processo.
A prova do DNA foi utilizada, pela primeira vez, em 1986, na In-
glaterra. Na ocasião, a polícia inglesa realizava operação para identifi-car o violentadoc e homicida de duas moças em Leicestershire. Um
suspeito confessou. Outros três mil e quinhentos homens, de três vilas,
aceitaram submeter-se voluntariamente ao exame de DNA. O homici-
da convenceu um amigo a apresentar-se em seu nome, mas a substitui-
ção foi descoberta e o autor do crime foi identificado21.
18 RAMAJOLI, Sergio, Laprova nel processo penale, cit., p. 188, destaca a certeza ofertada
pelos exames de DNA que, segundo ele, permitem a identificação posit iva e definitiva
do autor do delito. Conforme noticiado, nos EUA, até junho de 1999, 62 pessoas ino-
centes condenadas por crimes que não cometeram foram libertadas, utilizando a pro-
va de DNA. Por outro lado, no Estado de São Paulo, até junho de 1999, foram identi-
ficados os autores de 340 crimes de estupro e homicídio com base nos exames de DNA
realizados nos Centros de Investigação de Crimes Sexuais.
19 Sobre a matéria, DOMENICI, Ranieri. Prova dei DNA. In: Digesto disc. penale. Tori-
no, v. 10, p. 373-382, 1995, esp. p. 374, informa que se considera que o genoma de dois
indivíduos difere em pelo menos três milhões de bases. Assim, é universalmente admi-tido que não possam existir duas pessoas (exceção feita aos gêmeos idênticos) que te-
nham a mesma cadeia de DNA. Para a identificação individual, analisa-se parte da ca-
deia de DNA. Entretanto, nos Estados Unidos, no caso José Castro, em processo de
homicídio, a acusação sustentou que só uma pessoa entre 100 milhões, na população
latino-americana, poderia apresentar aquela particular cadeia de DNA. Mas a defesa
demonstrou o erro dessa estatística, no sentido de que a frequência era estimada em
10 milhões. Levantou-se a questão do erro atinente à genética da população.
20 STALTERI, Marcello. Genetica e processo: la prova dei “DNA fingerprint”. Proble-
mi e tendenze. Rtv. Trim. Dir. Proc. Civ., p. 189-223, 1993, esp. p. 190.
Cf. DOMENICI, Ranieri. Prova dei DNA, cit., p. 377.
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A partir de então o exame foi adotado nos processos penais na
Europa e nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, o exame tem sido
utilizado largamente pela acusação e também pela defesa22.
Contudo, decorrido algum tempo, os resultados obtidos com os
exames de DNA passaram a sofrer críticas quanto ao grau de probabi-lidade que poderiam oferecer.
Um dos aspectos salientados é o controle sobre a validade do es-
tudo da população enfocada, ou seja, deverá ser demonstrado que, so-
bre uma ampla gama de coletas da população, é de excluir uma coinci-
dência casual entre os códigos genéticos. Deve ser avaliado correta-
mente o risco de uma errônea declaração de identificação com base
em material genético idêntico23.
Em outras palavras, deve-se pesquisar, com rigor, o grau de fre-quência de certos alelos, em dada população. Para que a estatística seja
confiável, a esse respeito, é preciso realizar pesquisa ampla e apurada
dos dados relativos ao estudo populacional24. Por essas razões, salienta-
-se que os resultados obtidos não devem ser aceitos automaticamente25.
Ainda assim, é difícil afirmar que em determinada população não
haverá coincidência de dados genéticos26. A vulnerabilidade da certeza
ofertada pelo exame de DNA é um fator a ser considerado, sobretudo
22 VAGNOLI, Elena Terrosi. L'identificazione genetica (DNA profiling) nella recente
giurisprudenza statunitense. La Giustizia Penale, p. 85-96, 1995, esp. p. 88. Em 1988,
aplicando a técnica Lifecondes, foram efetuados 400 exames de DNA em investigação
criminal e em dois milhões de casos, no processo civil (cf. STALTERI, Marcello, Gene-
tica eprocesso: laprova dei „DNAfingerprint‟: Problemi e tendenze, cit., p. 189).
23
A respeito, VAGNOLI, Elena Terrosi. Uidentificazione genetica (DNA profiling) nellarecente giurisprudenza statunitense, cit., p. 93. 24 Cf. VAGNOLI, Elena Terrosi. Uidentificazione genetica (DNA profiling) nella recente
giurisprudenza statunitense, cit., p. 93. 25 Nesse sentido, CASABONA, Carlos Maria Romeo. Do gene ao direito: sobre as implica-
ções jurídicas do conhecimento e intervenção no genoma humano. São Paulo: IBCCrim,
1999, p. 98. O mesmo autor ressalta que outra preocupação, com relação aos exames
de DNA, é a garantia da incolumidade da amostra colhida, questão que abrange, inclu-
sive, a custódia da referida amostra (p. 95).
26 Nesse sentido, STALTERI, Marcello, Genetica eprocesso: laprova dei „DNAfingerprint‟:
Problemi e tendenze, cit., p. 191-192.
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quando se trata de utilizar a prova no processo penal para identificação
do autor do crime.
Por isso, no ordenamento norte-americano, v. g., o juiz analisa a
admissibilidade da prova de DNA com suporte na oitiva do perito, paraque este demonstre: a aprovação do exame pela comunidade científi-
ca; a cientificidade e confiabilidade do método de investigação adotado
no DNA; o correto emprego das técnicas de investigação conhecidas e
a racional interpretação dos dados obtidos no caso examinado, em par-
ticular, naquele processo27.
Somente depois da referida oitiva é que o juiz se pronunciará
acerca da admissibilidade da prova de DNA.
Além disso, destaca a doutrina28
o risco de utilização prematura,no processo penal, de novos métodos de realizar o exame de DNA que
vêm sendo desenvolvidos.
Os exames de sangue prestam-se também à constatação da em-
briaguez por álcool (dosagem alcoólica) e à identificação de entorpe-
centes no organismo (exames químico-toxicológicos).
A saliva é outro material que pode ser utilizado para o exame de
DNA. Em 1987, Gill e Coll haviam apontado a possibilidade de realizar
o exame de DNAfingerprint com células bucais
29
. Se as células foremcolhidas na cavidade bucal, haverá intervenção corporal invasiva. Mas
a saliva poderá ser colhida inclusive sem qualquer intervenção corpo-
ral. A facilidade na obtenção do material (saliva) para realização do
exame de DNA tem sido uma das grandes vantagens apontadas do
aludido exame30. Nos Estados Unidos tem sido utilizado para o exame
27 Cf. VAGNOLI, Elena Terrosi, Uidentificazione genetica (DNA profiling) nella recente
giurisprudenza statunitense, cit., p. 89.
Nesse sentido, DOMENICI, Ranieri, Prova dei DNA, cit., p. 382.29 MAZZACUVA, Nicola e PAPPALARDO, Giuseppe. Osservazioni in tema di prelievo
ematico coattivo. L‟índice Penale, Padova, p. 485-494, 1999, esp. p. 490.30 Importantes casos têm sido solucionados sob o ponto de vista de autoria, por meio
de exames de DNA com base na saliva. Em fevereiro de 1999, a polícia de Nova York
conduziu Ahron Kee para interrogatório, acusado de ter praticado roubo. O delegado
ofereceu um café a Ahron e depois que ele deixou a delegacia, a xícara foi encaminha-
da para exame de saliva. O exame de DNA realizado permitiu identificá-lo como autor de três homicídios e do estupro de duas adolescentes.
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de DNA material encontrado no lixo, como chicletes, pontas de cigar-
ro, latas de cerveja e refrigerantes, que contêm resquícios de saliva que
podem ser examinados31.
Nos exames de saliva, entretanto, observam Almeida Jr. e CostaJr.32 que há indivíduos “secretores” e outros não. Isto significa que há
pessoas nas quais a saliva possui grande quantidade de substâncias que
levam à aglutinação e outras não. Nas primeiras seria mais fácil reali-
zar-se a identificação do tipo sanguíneo e realizar exames de DNA.
Também no exame ginecológico, realizado especialmente em ca-
sos de crimes sexuais e aborto, utiliza-se técnica invasiva. Referido exa-
me é utilizado também em buscas pessoais.
A endoscopia, outro exame invasivo, é empregada no âmbito do
processo penal para localização de droga no organismo humano (pílu-
las e saquinhos de entorpecentes).
Os exames de esperma e de urina podem ser realizados por meio
de técnicas invasivas. O exame de esperma tem sido utilizado para
identificação de autoria, com as técnicas de DNA, principalmente em
crimes sexuais.
O exame de urina é utilizado, fundamentalmente, para identifica-
ção de entorpecentes no organismo (exames químico-toxicológicos).
O exame do reto é realizado, via de regra, para localização de
objetos e substâncias entorpecentes em buscas pessoais.
A identificação dentária emprega técnica invasiva. Por vezes, lo-
calizam-se no corpo da vítima dentadas do agressor. Para identificá-lo,
necessária será a confecção de molde dos dentes do averiguado para
comparação.
b) Provas não i nvasivas As provas realizadas mediante intervenção corporal não invasiva
têm particular interesse para o processo penal porque conciliam as exi-
31 Afirma-se que tal possibilidade é muito vantajosa na colheita da prova, na medida
em que não há necessidade de se obter autorização judicial para coletar o lixo, nem é
necessária a contribuição do acusado. Resta, porém, a questão relativa à violação da
intimidade.ALMEIDA Jr., A. e COSTA Jr., J. B. de O., Lições de medicina legal, cit., p. 110.
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gências da persecução penal com o respeito aos direitos fundamentais.
Entre as provas não invasivas estão os exames de matérias fecais,
exames de DNA a partir de fios de cabelo e pelos; as identificações
dactiloscópica, das impressões dos pés, unhas e palmar, bem como as
radiografias, utilizadas em buscas pessoais.
Será objeto de análise, nesse tópico, a busca pessoal, porque, pre-
dominantemente, realiza-se ela sem técnicas invasivas. As técnicas in-
vasivas mais usuais, para realização da busca pessoal, como anterior-
mente se indicou, são o exame ginecológico, o exame do reto e a en-
doscopia.
Será abordada também a inspeção corporal, embora não regula-
mentada de forma específica na legislação processual penal brasileira.
Isso porque, mesmo sem disciplina específica, poderá ela ser realizada
sob a égide dos dispositivos referentes à perícia.
A radiografia é empregada, com relação ao suspeito na investiga-
ção criminal, para constatação de entorpecente no organismo, na for-
ma de pílulas, cápsulas, saquinhos.
Os exames de fios de cabelo33 e pelos podem identificar o autor
do delito ou afastar a autoria, por meio do DNA. A facilidade na obten-
ção do material para tais exames tem sido apontada como uma das
principais vantagens.
Os exames de DNA em fios de cabelos e pelos, conforme a dou-
trina, devem ser preferidos por não utilizarem técnicas invasivas, que
podem violar a dignidade humana34.
Já o exame de matérias fecais, que é bastante vexatório, é utili-
zado a partir da existência de fezes no local do crime, que permitam,
33 Caso ilustrativo a partir do exame de DNA dos cabelos ocorreu nos Estados Unidos,
no qual se desvendou a autoria de crime de estupro e homicídio ocorrido em Oklaho-
ma, em 1982. Pelo exame microscópico de fios de cabelo encontrados no corpo da
vítima, em 1988, dois homens foram condenados, um à pena de morte e outro à prisão
perpétua. Em abril de 1999, os dois foram libertados porque o exame de DNA desses
fios de cabelo comprovou que nenhum deles era autor dos crimes. O autor havia sido
ouvido como testemunha no caso.
34
Embora consistam em técnicas menos invasivas, em 1989, somente foram realizados39 exames de DNAfingerprint, com utilização de cabelos, nos Estados Unidos.
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por exemplo, pela presença de certos parasitas, levar à identificação
de autoria35.
As identificações dactiloscópica, das impressões dos pés, unhas e
palmar, que são utilizadas para comparar com aquelas encontradas no
local do crime ou no corpo da vítima, não empregam técnicas invasivas.
No exame do local do crime é possível que se encontrem impres-
sões digitais em diversos objetos, como vidraças, copos, mesas, bande-
jas etc. Reveladas as impressões será necessário descobrir a quem per-
tencem. Entretanto, somente haverá necessidade da colheita de im-
pressões digitais do averiguado se não for ele identificado civilmente.
No local do crime podem ser identificadas “pegadas”. Na compa-
ração são examinadas a linha do andar, a linha do pé, o ângulo do pé e
o comprimento do passo36. Necessário se faz, para identificação dasimpressões dos pés, que o averiguado caminhe em determinado local,
possibilitando a colheita dos elementos para a comparação.
Quanto à busca pessoal37 ou revista, destaca Cleonice A. Valentim
Bastos Pitombo38 que poderá ser ela realizada sem mandado em cinco
35 ALMEIDA Jr., A. e COSTA Jr., J. B. de O., Lições de medicina legal, cit., p. 111, comen-tam caso, ocorrido em 1899, em Lion, França, no qual se localizaram, ao lado do leito
da vítima assassinada, excrementos. Foi descoberta nesses excrementos grande quan-
tidade de oxiúrus vermiculares. O exame de fezes foi feito em oito suspeitos, sendo
que somente nas fezes de um deles se localizou o mesmo verme. Afirmam os autores
que "a prova surpreendeu o próprio criminoso, o qual, pouco antes de ser executado,
fez questão de cumprimentar o perito...".‟6 ALMEIDA Jr., A. e COSTA Jr., J. B. de O., Lições de medicina legal, cit., p. 88.37 BELLAVISTA, Girolamo. Lezioni di diritto processuale penale. Milano: Giuffrè, 1956, p.
163, entende que a busca é meio para assegurar a prova e não meio de prova.38 PITOMBO, Cleunice A. Valentim Bastos. Da busca e apreensão no processo penal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 136. A autora tece críticas ao emprego da expres-
são "fundadas suspeitas" na letra da lei (art. 244 do CPP), ressaltando que ela é ambígua
e vazia, dando lugar ao subjetivismo na determinação da busca pessoal, sem mandado.
Por isso, ressalta que, para além da suspeita, que é simples conjectura, serão necessários
indícios para a realização da busca. Tal requisito é imprescindível, repudiando-se a prá-
tica policial rotineira de buscas pessoais, com base em meras ilações. Na doutrina espa-
nhola, CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres. La prueba
ilícita penal. Estúdio jurisprudencial. 2.ed. Navarra: Aranzadi, 2000, p. 126, citam julgado
do Tribunal Supremo, de 15-4-1993, no qual se decidiu que é possível realizar buscas
com meras suspeitas, desde que estas não sejam ilógicas, irracionais ou arbitrárias.
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ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 5. ed. Sãolo: Saraiva, 1999, p. 250. Na doutrina italiana, nesse sentido: PAGLIARO, AntonioRANCHINA, Giovanni. Istituzioni ài diritto e procedura penale. 3. ed. Milano: Giuffrè,6, p. 287.
hipóteses: no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de
que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis
que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada
no curso da busca domiciliar e, ainda, quando realizada pela própria
autoridade judiciária ou com consentimento expresso e inequívoco da-quele que será submetido à revista.
A busca deverá ser realizada de modo a não ferir a dignidade da
pessoa visada39.
Deve-se salientar que a busca pessoal não se confunde com a ins-
peção corporal ou pessoal. Na busca pessoal não se objetiva o exame do
corpo, mas localizar neste algo que se esteja ocultando40. Nem por isso
se descaracteriza a intervenção corporal existente na busca pessoal.
Como já se assinalou, a busca pessoal pode implicar, inclusive,manobras invasiva^ no corpo do suspeito, como aquela realizada no
reto e na vagina.
A inspeção corporal é considerada meio de obtenção de prova no
ordenamento italiano41. Já Bellavista definia a inspeção corporal como
meio de prova pelo qual se buscam vestígios e outros efeitos materiais
do delito42.
Também na inspeção corporal deve haver respeito à dignidade e
ao pudor do examinado43. No direito italiano, a inspeção corporal poderá ser realizada
pelo juiz ou por médico, sendo permitido ao examinado fazer-se
acompanhar de pessoa de confiança44. Em acréscimo, deverá ser de-
40 Nesse sentido: PITOMBO, Cleunice A. Valentim Bastos. Da busca e apreensão no pro-
cesso penal, cit., p. 129-130.41 Nesse sentido, RAMAJOLI, Sergio, Laprova nel processo penale, cit., p. 227.42 BELLAVISTA, Girolamo, Lezioni di diritto processuale penale, cit., p. 163.43 LANZA, Vincenzo, Principi di diritto processuale penale. Roma: Atheneum, 1914, p. 252.44
PAGLIARO, Antonio; TRANCHINA, Giovanni, Istituzioni di diritto e procedura pena-le, cit., p. 286.
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RAMAJOLI, Sergio, Laprova nel processo penale, cit., p. 227.
terminada por decisão motivada da autoridade judiciária nos casos e
modos previstos em lei45. Na fase de investigação, a polícia judiciária,
em situação de emergência, poderá realizar exame sobre a pessoa,
que é diverso da inspeção. Permite-se ao Ministério Público realizarinspeção pessoal, avisando o defensor do averiguado vinte e quatro
horas antes. Se não for possível pela urgência, deverá avisar imediata-
mente o defensor46.
No direito brasileiro, apesar de não disciplinada especificamente
no processo penal, a inspeção pessoal poderá ocorrer no âmbito das
perícias, para verificação de vestígios do crime e de lesões dele decor-
rentes47. A esse respeito, Borges da Rosa48 assinala que, para investiga-
ção de certos delitos, em caso de extrema necessidade, poderão serrealizadas vistorias no corpo da vítima e também do acusado. No cor-
po do acusado poderão ser examinados vestígios de luta, cicatrizes,
marcas49.
2.2. Provas que dependem da cooperação do acusado parasua produção, sem intervenção corporal
Há oútras provas que, embora não acarretem intervenção corpo-
ral no acusado, para sua produção, dependem da cooperação deste.
Entre elas, apenas o reconhecimento não pressupõe uma ação
por parte do acusado. As demais implicam um facere\ a acareação, a
reconstituição do fato, o exame grafotécnico, o etilômetro e o exame
clínico para verificação da embriaguez.
TONINI, Paolo. La prova penale. 3. ed. Milão: CEDAM, 1999, p. 195-196.
47 DE MARSICO, Alfredo. Diritto processuale penale. Napoli: Jovene, 1966, p. 196, desta-
ca que, no direito italiano, mesmo que o juiz se sirva de perito para realizar a inspeção,
tal aspecto não faz com que a inspeção se torne uma perícia. Isto significa apenas que
foi necessário conhecimento técnico, mas difere da formulação de um parecer acerca
da conexão com o crime.
48 ROSA, Inocêncio Borges da. Comentários ao Código de Processo Penal. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1982, p. 372.
49 Conforme FARIA, Antonio Bento de. Código de Processo Penal: Decreto-Lei n. 3.689, de3 de outubro de 1941. Rio de Janeiro: Record, 1960, v. 1, p. 81.
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Pode-se acrescentar ainda, no referido rol, a prova documental,
quando o averiguado, suspeito ou acusado for intimado a entregar do-
cumentos que estejam em seu poder.
a) Reconhecimento
Define Camargo Aranha50 o reconhecimento como “meio pro-
cessual de prova, eminentemente formal, pelo qual alguém é chamado
para verificar e confirmar a identidade de uma pessoa ou coisa que lhe
é mostrada com outra que viu no passado”.
O reconhecimento de pessoa encontra-se regulamentado no Có-
digo de Processo Penal, nos arts. 226 usque 228.
Diversas são as formalidades a serem observadas para a realiza-
ção do reconhecimento de pessoa, a fim de evitar que o reconhecedor
seja sugestionado ou direcionado a reconhecer determinada pessoa.
Mesmo assim a doutrina não deixa de considerá-lo um meio de prova
arriscado e difícil51.
Primeiramente, a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento
será convidada a descrever aquela que deva ser reconhecida.
Por sua vez, a pessoa que será submetida a reconhecimento deve-
rá ser colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem
qualquer semelhança.
O reconhecedor deverá apontar a pessoa a ser reconhecida. Do
reconhecimento será lavrado auto pormenorizado, subscrito pela au-
toridade, pelo reconhecedor e por duas testemunhas presenciais.
50 ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo, Da prova no processo penal, cit., p. 208.
Para MANZINI, Vincenzo. Istituzioni di diritto processuale penale. 10. ed. Padova: CE-
DAM, 1950, p. 200, o reconhecimento não é meio de prova, mas ato instrutório infor-mativo, tendente a verificar o pressuposto e valorar a credibilidade de um elemento de
prova. Camargo Aranha discorda do entendimento de Manzini, observando que o re-
conhecimento não eqüivale ao testemunho. Segundo ele, o reconhecimento é meio de
prova previsto em lei e a mesma pessoa poderá reconhecer e testemunhar. A respeito,
CARNELUTTI, Francesco. Lezioni sul processo penale. Roma: Ateneo, 1946, v. 1, p. 238,
sustenta que o reconhecimento mescla recordação e testemunho. Na doutrina nacio-
nal também BARROS, Romeu Pires Campos de. Direito processual penal brasileiro. São
Paulo: Sugestões Literárias, 1971, v. 2, p. 800-801, defende que o reconhecimento é um
testemunho qualificado, que depende muito do fator psicológico.
LANZA, Vincenzo, Principi di diritto processuale penale, cit., p. 253.
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Se houver fundado receio de que o reconhecedor se sentirá inti-
midado, a autoridade providenciará para que não seja ele visto pela
pessoa a ser reconhecida.
Caso várias pessoas devam efetuar o reconhecimento, cada uma
delas realizará o ato em separado, evitando-se qualquer comunicaçãoentre elas.
O primeiro reconhecimento ocorre, via de regra, na fase inquisi-
torial. Entretanto, poderá ocorrer também na instrução criminal ou
em plenário de julgamento, nos processos submetidos à competência
do Tribunal do Júri. Nesses casos, consoante estabelece o art. 226, pa-
rágrafo único, não terá aplicação o inciso III do mesmo artigo, que
permite ao reconhecedor não ser visto pela pessoa submetida a reco-
nhecimento. Na prática, porém, os juizes de primeira instância têmaplicado o aludido art. 226, III, especialmente em se tratando de crimes
praticados mediante violência ou grave ameaça à pessoa.
Por outro lado, em juízo, costuma-se realizar o reconhecimento
do acusado, por vítima e testemunhas, de maneira informal, durante a
audiência, sem atendimento às formalidades retromencionadas52.
O reconhecimento pressupõe a colaboração do acusado para sua
realização; em juízo ou fora dele. A cooperação do acusado no reco-
nhecimento manifesta-se em dois momentos: no comparecimentopara o ato, se estiver solto; e na realização propriamente dita do reco-
nhecimento, que implica uma cooperação passiva.
b) Acareação Camargo Aranha53 define a acareação como “ato processual de
natureza probatória e pelo qual duas ou mais pessoas são colocadas em
52 A esse respeito, na doutrina espanhola, CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MO-
RATO, Miguel Angel Torres, La prueba ilícita penal, cit., p. 86, observam que, na ju-
risprudência, tem-se atribuído maior valor probatório ao reconhecimento efetuado
na fase inquisitorial, pela proximidade em relação ao fato e pela obediência às for-
malidades legais que, muitas vezes, em juízo, não são observadas (nesse sentido,
sentença do Tribunal Supremo de 12-2-1992). Não obstante, segundo os autores, di-
versas sentenças declaram válidos os reconhecimentos efetuados em juízo, sem as
formalidades legais.
ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo, Da prova no processo penal, cit., p. 128.
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confronto, frente a frente, para que elucidem pontos controvertidos de
seus depoimentos e de natureza relevante para a solução da causa”.
A acareação é admitida entre acusados, entre acusado e testemu-
nha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofen-
dida, a teor do disposto no art. 229 do Código de Processo Penal54
. Terá lugar sempre que as pessoas anteriormente elencadas diver-
girem sobre os fatos ou circunstâncias relevantes em suas declarações55.
As pessoas acareadas serão perguntadas sobre os pontos de diver-
gência, lavrando-se termo do ato de acareação.
Destaca-se a importância do fator psicológico na acareação. A
doutrina salienta também o risco de sugestão ou intimidação de uma
pessoa acareada com outra, especialmente se uma delas for mais frágil
psicologicamente56
. O art. 230.do diploma processual penal cuida da hipótese em que
uma das testemunhas esteja ausente no ato. Nesse caso, será consigna-
do pela autoridade o que deva a testemunha presente explicar ou ob-
servar. Se subsistir a discordância, possível será a expedição de carta
precatória, instruída com o termo lavrado com relação à testemunha
presente. Entretanto, essa diligência se realizará a critério do juiz, des-
de que não importe demora prejudicial ao processo.
Não disciplina a lei processual a hipótese em que o acusado seausente da acareação. Ou, estando presente, porque conduzido em ra-
zão de prisão, se está obrigado a submeter-se a ela.
54 Para MANZINI, Vincenzo, Istituzioni di diritto processuale penale, cit., p. 201, a acare-
ação não é elemento de prova, mas meio para a valoração da prova. Na doutrina na-
cional, MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1961, v. 2, p. 343, defende que a acareação é “ato probatório pelo qua l se con-
frontam pessoas que prestaram depoimentos divergentes”. Segundo o referido autor,
cuida-se de depoimento conjunto.
55 Nesse sentido definem a acareação PAGLIARO, Antonio e TRANCHINA, Giovanni,
Istituzioni di diritto e procedura penale, cit., p. 282.56 A esse respeito, ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo, Da prova no processo
penal, cit., p. 129. Na doutrina italiana: FOSCHINI, Gaetano. Sistema dei diritto pro-
cessuale penale. Milano: Giuffrè, 1961, v. 2, p. 81, e SIRACUSANO, D., GALATI, A.,
TRANCHINA, G. e ZAPPALÀ E. Diritto processuale penale. 2. ed. Milano: Giuffrè,
1996, v. 1, p. 395.
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De qualquer modo, tal qual ocorre com o reconhecimento, a aca-
reação pressupõe a cooperação do acusado, revelada no compareci-
mento para o ato, se não estiver preso, e, ainda, em suas manifestações.
A sua colaboração dá-se, na acareação, ativamente. Importa realçar
que se trata de colaboração de natureza comunicativa, tal qual a que severifica no interrogatório.
c) Reconsti tuição do fato A reconstituição do fato foi prevista no art. 7- do diploma proces-
sual penal, entre as diligências que poderão ser determinadas pela au-
toridade policial. Contudo, é reconhecido o seu caráter probatório.
Segundo o mencionado dispositivo, “a autoridade policial poderá
proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contra-
rie a moralidade ou a ordem pública”. Citada diligência tem por finali -
dade a verificação da possibilidade de haver sido a infração penal prati-
cada de determinado modo57.
Indica a medicina legal, entre as vantagens da reconstituição, a
maior facilidade de se descobrir fraude ou extorsão na obtenção de
confissão e, ainda, de reavivar a memória do acusado e das testemu-
nhas a respeito dos fatos.
De qualquer modo, a reconstituição do fato também pressupõe apresença do acusado, se não houver condução por estar preso, bem
como a participação ativa na sua produção.
d) Exame grafotécnico
O exame grafotécnico implica a colheita de material gráfico do
acusado ou que este reconheça sua autoria em algum escrito que servi-
rá de parâmetro para a comparação. Na primeira hipótese (colheita de
material gráfico), ele deverá cooperar escrevendo frases, textos e pala-
vras por determinação da autoridade, os quais serão objeto de exame.
A segunda hipótese (reconhecimento de escrito que servirá para
a comparação) igualmente pressupõe a cooperação do acusado, con-
sistente na indicação do escrito de sua autoria.
57 A esse respeito, PAGLIARO, Antonio e TRANCHINA, Giovanni, Istituzioni âi diritto
e procedura penale, cit., p. 283.
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Citado exame é disciplinado no art. 174 do diploma processual
penal, que determina a intimação da pessoa a quem se atribua ou se
possa atribuir o escrito. Para comparação poderão servir documentos
que essa pessoa reconhecer ou que já tiverem sido judicialmente reco-nhecidos como de seu punho, ou sobre cuja autenticidade não houver
dúvida. O dispositivo estabelece, ainda, que a autoridade, se necessá-
rio, requisitará para exame os documentos que existirem em arquivos
ou estabelecimentos públicos, ou nestes realizará a diligência se os do-
cumentos não puderem ser retirados. Por fim, determina, em seu inci-
so iy na ausência ou insuficiência de escritos para a comparação, que
a autoridade "mandará que a pessoa escreva o que lhe for ditado. Se
estiver ausente a pessoa, mas em lugar certo, esta última diligênciapoderá ser feita por precatória, em que se consignarão as palavras que
a pessoa será intimada a escrever”.
e) Etilômetro
O etilômetro, vulgarmente conhecido como "bafômetro”, desti-
na-se à constatação da embriaguez em crimes de trânsito.
Citado instrumento tem sido objeto de críticas, especialmente
pela falta de precisão quanto ao resultado e quanto ao constrangimen-to que impõe àquele que a ele se submete.
Entretanto, com a edição do Código de Trânsito, instituído pela
Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997, reconheceu-se a utilização do
referido aparelho para a medição da alcoolemia, o qual, anteriormen-
te, já era utilizado largamente pela Polícia Militar.
A Resolução n. 52, de 21 de maio de 1998, do CONTRAN, veio
regulamentar o uso do etilômetro, estabelecendo a margem de erro de
15% e o fator de conversão da concentração determinada de ar alveo-lar para o sangue (fator 2100). Citado fator de conversão foi fixado
tendo em vista que o art. 276 do Código de Trânsito estabelecia, em
sua dicção original, o índice de seis decigramas por litro de sangue
para considerar que o motorista não apresentava condições para con-
duzir o veículo. Referida Resolução foi revogada por outra, a n. 81, de
19 de novembro de 1998, que, por sua vez, foi revogada pela n.
206/2006, editada em razão das alterações operadas nos arts. 165, 277
e 302 do Código de Trânsito pela Lei n. 11.275, de 7 de fevereiro de
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200658. Em todas elas foi previsto o uso do etilômetro, para identificar
embriaguez ao volante, indicada pela concentração de álcool igual ou
superior a 0,3 mg por litro de ar expelido dos pulmões.
A Lei n. 11.705 / 2008 deu nova redação ao art. 276 do Código de
Trânsito, passando a dispor que qualquer concentração de álcool porlitro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165
daquele diploma (multa e suspensão do direito de dirigir por 12 me-
ses). Já o crime de embriaguez ao volante, na dicção normativa que lhe
foi conferida pela Lei n. 11.705/2008, adotou o parâmetro de concen-
58 Com a Lei n. 11.275, de 7 de fevereiro de 2006, o art. 165 passou a ter a seguinte re-
dação em seu caput: “Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância en-torpecente ou que determine dependência física ou psíquica”. A Lei n. 11.705, de 19 de
junho de 2008, modificou novamente a redação do caput ("Dirigir sob a influência de
álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”). O art.
277, em conformidade com a Lei n. 11.275 /2006, passou a dispor que "Todo condutor
de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscaliza-
ção de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, será submetido a
testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos
ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu esta-
do. § Ia Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância en-
torpecente, tóxica ou de efeitos análogos. § 2a
No caso de recusa do condutor à reali-zação dos testes, exames e da perícia previstos no 'caput' deste artigo, a infração pode-
rá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo
agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resul-
tantes do consumo do álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor". A Lei n.
11.705, de 19 de junho de 2008, deu nova redação ao § 2“ do art. 277 ("A infração pre-
vista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito median-
te a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de
embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor”) e acrescentou o § 3“
(“Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165
deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no „caput‟ deste artigo”). No art. 302, que define o crime de homicídio cul-
poso no trânsito, a Lei n. 11.275/2006, acrescentou, no parágrafo único, o inciso Y
entre as causas de aumento de pena, a influência do álcool ou substância tóxica ou
entorpecente de efeitos análogos. Contudo, tal inciso foi revogado pela Lei n. 11.705,
de 19 de junho de 2008. Além disso, pela Lei n. 11.705/2008, vedou-se a aplicação da
composição civil dos danos e da transação penal ao agente que praticar lesão corporal
culposa, no trânsito, se estiver ele sob a influência de álcool ou de qualquer outra subs-
tância psicoativa que determine dependência (art. 291, § 1°, 1, do Código de Trânsito).
Outra modificação introduzida no mesmo dispositivo é que, nesse caso, a ação penal
não ficará sujeita à representação da vítima.
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tração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramaspara configurá-lo, o que exige prova técnica a respeito capaz de mensu-rar a quantidade de álcool no sangue (dosagem sanguínea e etilômetro)59.
Para a utilização do etilômetro, há necessidade de que o suspeito
produza um sopro no aparelho, possibilitando a medição do álcool noar alveolar.
f) Exame clíni co de embri aguez
O exame clínico para constatação da embriaguez, igualmente,implica cooperação do acusado.
É que referido exame é composto por uma série de testes. Emalguns deles, basta a participação passiva do suspeito. Outros pressu-põem um facere por parte deste.
” A respeito, o art. 2“, II, do Decreto n. 6.488, de 19 de junho de 2008, estabele ce que a
aferição da alcoolemia poderá ser obtida mediante exame sanguíneo que ateste concen-
tração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue, ou por meio do
teste do etilômetro, que aponte concentração de álcool igual ou superior a três décimos
de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões. No entanto, a jurisprudência tem
oscilado na matéria, mesmo diante da clareza da redação do tipo penal em questão. No
Superior Tribunal de Justiça, dada a divergência de entendimento entre a 5 a e a 6a T., a
questão foi submetida à apreciação da 3a Seção, que, ao julgar o REsp 1.111.566-DF, em
28.3.2012, decidiu, por cinco votos a quatro, que “O tipo penal do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro é formado, entre outros, por um elemento objetivo, de natureza
exata, que não permite a aplicação de critérios subjetivos de interpretação, qual seja, o
índice de 6 decigramas de álcool por litro de sangue”. Em complemento, destacou que
o decreto regulamentador tratou especificamente de dois exames por métodos técnicos
e científicos que poderiam ser realizados em aparelhos homologados pelo Contran,
para aferir o grau de embriaguez, como elementar objetiva do tipo, que são o exame de
sangue e o etilômetro. Assim sendo, não prevaleceu o entendimento até então adotado
pela 5a T., no sentido de que o exame pericial (teste de alcoolemia e “bafômetro”) não
era imprescindível, podendo comprovar-se o referido delito por prova testemunhai ou
exame clínico, quando impossível a realização da prova técnica ( v.g ., REsp 1.208.112/
MG, Rei. Min. Gilson Dipp, DJe 15-6-2011). A 6a
T., por sua vez, já vinha decidindo quea Lei n. 11.705/2008 havia passado a exigir quantificação objetiva da concentração de
álcool no sangue para configuração do delito do art. 306 do Código de Trânsito, que
não poderia ser presumida. Ou seja, referida Turma Julgadora entendia que, de acordo
com o Decreto n. 6.488/2008, a comprovação da dosagem etílica só poderia ser feita
por exame de sangue ou etilômetro, sendo, portanto, indispensável a prova técnica para
comprovar a embriaguez ao volante (nesse sentido: HC 166.377/SP, Rei. Min. Og Fer-
nandes, DJe 1-7-2010, e REsp 1.113.360/DF, Rei. Min. Og Fernandes, DJe 18-10-2010).
Importante ainda realçar que a decisão da 3 a Seção do Superior Tribunal de Justiça no
REsp 1.111.566-DF reafirma o princípio nemo tenetur se detegere, salientando que o indi-
víduo não pode ser compelido a colaborar com o teste do "bafômetro" ou no exame de
sangue, pois ninguém é obrigado a se autoincriminar.
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Os testes são: aparência, atitude, orientação, memória, faculdadede descrição, prova de cálculo, elocução, andar, coordenação motora,escrita, pulso, hálito.
O c'ritério decisivo nessa avaliação é a perturbação motora.
g) Prova documental
Não é da essência da prova documental a necessidade de coope-ração do acusado, como se verifica em outras provas. Contudo, há si-tuações em que este pode ser chamado a colaborar. Isto ocorre, v. g.,quando o averiguado for intimado a entregar documentos que estejamem seu poder. Pode acontecer que, dado o conteúdo dos citados docu-mentos, da sua entrega possa advir autoincriminação do acusado. Édesse prisma que será abordada a prova documental com referência aonemo tenetur se detegere 60 .
3. O posicionamento do problema no direito brasileiro
3.1. No processo civilNo direito brasileiro, foi na esfera do processo civil que, primeiro,
se questionou a sujeição obrigatória do réu às provas determinadas pelo juízo, especialmente aquelas que implicam intervenções corporais.
É importante destacar que o art. 339 do Código de Processo Civilestabelece que “ninguém se exime do dever de colaboração com o Po-
der Judiciário para o descobrimento da verdade”. Referido dispositivo encontra-se no Capítulo VI — Das Provas.
Entretanto, da interpretação do mencionado artigo do diplomaprocessual civil não se tem extraído a obrigatoriedade de as partescolaborarem na produção das provas, elidindo qualquer possibilida-de de recusa61.
60 Na doutrina portuguesa, DIAS, Augusto Silva e RAMOS, Vânia Costa, cit., p. 67, ana-
lisam o conflito latente entre o nemo teneturse detegere e diversos deveres de cooperação,
no plano extrapenal, seja das pessoas físicas, seja das jurídicas, especialmente quanto à
guarda e entrega de documentos, que se relacionam à atividade fiscalizatória do Estado.
61 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Foren-
se, 1974, t. 4, p. 261-262, entende, porém, que o art. 339 do CPC estabelece um dever
e não simplesmente um ônus. Afirma o referido autor que “as partes e, com elas, os
seus procuradores e advogados têm o dever de colaborar com o juiz e os outros auxi-
liares da justiça na realização do direito objetivo, finalidade do processo, na apuração
da verdade e no andamento regular dos feitos”.
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O art. 339, em foco, tem sido interpretado em consonância com
o dever de veracidade. Em outras palavras: o dever de colaboração
compreenderia a postura de não fazer alegações falsas ou de má-fé no
processo.
A doutrina interpreta também o art. 339 do diploma processualcivil, sustentando que dele decorre, genericamente, a obrigatoriedade
que todos têm de colaborar no descobrimento da verdade real, não só
as partes, mas também terceiros62.
O art. 340 do Código de Processo Civil igualmente estabelece o
dever de submeter-se à inspeção judicial que for julgada necessária.
A esse respeito, Moacyr Amaral Santos63 considera inviável o
“uso da coação como instrumento capaz de tornar efetiva a inspectio
corporis" , mas salienta que a sujeição ao exame é “obrigação natural e jurídica, de cujq_ inadimplemento resultam conseqüências de ordem
probatória”.
A sujeição obrigatória do réu às provas determinadas pelo juízo
passou a ser debatida, com maior intensidade, em relação ao exame de
DNA, em demandas de investigação de paternidade.
Julgado do Supremo Tribunal Federal (HC 71.373-4), que data de
novembro de 1994, marcou a orientação na matéria.
Considerou-se, na decisão proferida por maioria de votos, que acondução do réu para submeter-se a exame de DNA, em investigação
de paternidade, viola as garantias constitucionais de preservação da
dignidade humana, da intimidade e da intangibilidade do corpo huma-
no. Aduziu-se, ainda, que a questão tinha solução na regra do ônus da
prova, sendo que a recusa do réu em submeter-se ao exame poderia ser
interpretada em prejuízo deste, devendo ser analisada no conjunto
probatório.
Nos votos vencidos ressaltou-se que dois valores são cotejados: o
direito do réu à intangibilidade de seu corpo e à intimidade e o direito
62 AGUIAR, João Carlos Pestana de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1974, v. 4, p. 89, e SANTOS, Ernane Fidélis dos. Comentários ao
Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 3, p. 23.
63
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 2. ed. São Paulo: MaxLimonad, s. d., v. 5, p. 187.
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dos filhos de identificarem o pai. Neste último estaria situado o inte-
resse social. Aponta-se, assim, a existência de um conflito entre a socie-
dade e o indivíduo64.
No processo civil, tem predominado a orientação de que não
cabe condução "debaixo de vara" para forçar o réu a cooperar na pro-
dução probatória. A questão tem-se resolvido no plano probatório,
segundo as regras do ônus da prova.
A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula
n. 301, segundo a qual a recusa do suposto pai a submeter-se a exame
de DNA, em ação de investigação de paternidade, gera presunção jur is
tantum de paternidade65.
3.2. No processo penal
No processo penal não há regras específicas que estabeleçam,
de forma expressa, o dever de colaboração do acusado66. Nem mes-
64 Um dos vptos vencidos no referido julgado foi proferido pelo Min. Sepúlveda Per-
tence. Posteriormente, em habeas corpus relacionado à mesma matéria, em que figu-
rou como relator o Min. Sepúlveda Pertence, modificou ele seu posicionamento
anterior, tendo em vista as peculiaridades do caso (terceiro que pretendia ver-se de-
clarado pai biológico da criança nascida na constância do casamento do paciente),
salientando que não havia obrigatoriedade de o réu submeter-se ao exame de DNA,
“hipótese na qual, à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, se
impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que, nas circunstâncias, a sua participação
na perícia substantivaria” (Supremo Tribunal Federal, I a T., HC 76.060-SC, Rei. Min.
Sepúlveda Pertence, j. 31-3-1998, v. u.).
Em ação de investigação de paternidade em que houve recusa dos supostos avós desubmeter-se a exame de DNA, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, por sua 2 a Seção,
que não se pode extrair confissão ficta (conforme Tribuna do Direito, abr. 2006, p. 7).
“ Foi aprovado pelo Congresso Nacional Projeto de Lei que prevê a criação do banco
de perfis genéticos a partir de coleta de amostras de DNA. Tal material poderá ser
coletado para fins de identificação criminal, na hipótese do inciso IV do art. 3“ da Lei
n. 12.037, de Ia de outubro de 2009 (quando “a identificação criminal for essencial às
investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que
decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Pú-
blico ou da defesa"). A exclusão dos perfis genéticos obtidos dos bancos ocorrerá no
término do prazo estabelecido para a prescrição do delito. O Projeto também prevê aobrigatoriedade de identificação do perfil genético, mediante extração de DNA, por
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mo existe dispositivo semelhante ao art. 339 do Código de Processo
Civil. Na atual legislação de trânsito, a exemplo do que se verifica em
ordenamentos estrangeiros, foi previsto que, em caso de acidente oufiscalização, havendo suspeita de que o condutor esteja sob efeito de
álcool (0,6 g de álcool por litro de sangue), deverá o motorista ser sub-
metido à verificação de embriaguez, por meio de testes de alcoolemia,
exames clínicos, perícias ou outros meios técnicos ou científicos (art.
277 do Código de Trânsito). O mesmo procedimento será aplicado em
caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efei-
tos análogos (§ Io desse artigo).
Em acréscimo, foi regulamentado o uso do etilômetro, para cons-
tatação de embriaguez, em crimes de trânsito, por meio de Resoluções
do CONTRAN (n: 52/98 revogada pela n. 81/98 que, por sua vez, foi
revogada pela Resolução n. 206/2006). No plano administrativo, se
houver recusa do condutor na submissão aos testes de alcoolemia, exa-
mes clínicos, perícia ou outros exames, serão aplicadas as penalidades
e medidas administrativas previstas no art. 165, conforme dispõe o art.
277, em seu § 3a, com redação da Lein. 11.705, de 19 de junho de 2008.
Contudo, no âmbito processual penal, não há possibilidade de impor-
-se pena diante da recusa do acusado em submeter-se a tais exames.
técnica adequada e indolor, para os condenados por crime praticado dolosamente,
com violência de natureza grave contra pessoa, ou por quaisquer dos crimes hedion-
dos. O Projeto em questão merece severas criticas, A coleta de material genético para
compor banco de dados, especialmente para aqueles que não foram definitivamente
condenados, viola a dignidade humana. Além disso, o Projeto confere censurável am-
plitude à coleta de materia l genético na identificação crimina l. Em acréscimo, a exclu-são de perfis genéticos só ocorrerá quando extinta a punibilidade do delito pela pres-
crição, o que não se mostra adequado, já que o arquivamento do inquérito ou mesmo
a absolvição deveriam autorizar tal exclusão. Ademais, o Projeto não define o que seja
crime praticado “com violência de natureza grave contra pessoa”, para autorizar, em
caso de condenação, a coleta de material genético para inclusão no banco de dados.
Igualmente, não esclarece se somente as condenações transitadas em julgado por cri-
mes praticados "com violência de natureza grave contra a pessoa” e por delitos he -
diondos poderão ensejar tal coleta. E, por fim, não foi prevista hipótese de exclusão de
dados do banco genético para os condenados por tais delitos. No entanto, é importan-
te frisar que o Projeto não prevê a recusa do investigado e do condenado no forneci-mento de material genético, tampouco cuidou das conseqüências dessa recusa.
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Diante da ausência de normas específicas sobre o dever de cola-
boração do acusado, que viessem a afastar a incidência do nemo tenetur
se detegere, teto predominado o entendimento de que a sua recusa em
submeter-se à prova não configura crime de desobediência nem podeser interpretada em seu desfavor67.
Não obstante, tem-se considerado configurado, com alguma
frequência, o crime de desobediência nesses casos68. Há igualmente
julgados mais antigos que interpretam a recusa do acusado como
presunção em seu desfavor69. Em outros, registrou-se até mesmo a
67 Nesse sentido: “Não configura a desobediência (art. 330, CP) a conduta do agente recusando fornecer seu sangue para a pesquisa de dosagem alcoólica para averiguação
da embriaguez contravencional, de vez que não há dever jurídico de obedecer deter-
minação nesse sentido, máxime se parte do escrivão de polícia, que atendeu a ocorrên-
cia na repartição policial” (TACrimSP, HC, Rei. Juiz Ribeiro Machado, RTJE, 81/233);
"Em tempos de AIDS, não se pode compelir qualquer pessoa a fornecer sangue em
repartições públicas não especializadas, onde não é improvável que o empirismo, a
falta de material ou de higiene possa pôr em risco a saúde do examinando. Ao se recu-
sar, não descumpriu ordem legal de funcionário público e não cometeu crime” (TJSP,
AC 750.193/6, Rei. Renato Nalini); e "Desobediência — Não caracterização — Recusado
réu à determinação do exame hematológico em ação de investigação de paternidade — Nãoconsta do ordenamento jurídico qualquer dispositivo que determine alguém a se sub-
meter a exame hematológico” (TACrimSP, HC, Rei. Juiz Silvério Ribeiro, RT, 720/448).
“ Nesse sentido julgado do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, no
qual se reconheceu a configuração do crime de desobediência, em face da recusa do
acusado em fornecer material grafotécnico: “Se a norma adjetiva determina que a
autoridade mande, é porque a pessoa intimada tem que atender ao mando. Se não
atender, comete delito de desobediência, por ter sido a ordem legal e amparada em
norma vigente. A ampla defesa nada mais faz do que assegurar aos acusados todos os
meios legais para a defesa, inclusive fornecendo defensores aos que não os possuem.
Ela, entretanto, não concede ao acusado o direito de não atender a determinações le-
gais, pois, se assim fosse, estaria em conflito com o disposto no inciso II, do art. 5 2, da
mesma Carta Magna, que reza que todos os cidadãos são obrigados a fazer algo, desde
que exista lei determinando, ao afirmar que 'ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei'” (Ap. 542.671 /6, 6a Câm., Rei. Juiz Al-
meida Braga, j. 7-6-1989).69 A esse respeito, de se registrar que há julgados, mais antigos e minoritários, nos
quais, embora se afaste a configuração do crime de desobediência, há inclinação pela
interpretação da recusa a submeter-se a exame como presunção de culpabilidade: „Á
negativa do réu ao exame para a pesquisa e dosagem do álcool de seu sangue gera
presunção em seu desfavor, mas não tipifica a infração prevista no art. 330 do estatuto
repressivo” (TARS, AC, Rei. Juiz Sebastião Adroaldo Pereira, RT, 435/413).
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aplicação do instituto da prisão preventiva para compelir o acusado
a colaborar.
O Supremo Tribunal Federal, porém, inclusive com suporte no
nemo tenetur se detegere, tem afastado o dever de colaboração do acusa-
do na produção das provas no processo penal, nos casos em que se
exigir do acusado, para a produção da prova, uma colaboração ativa.
Em julgado que data de 1987, o Supremo Tribunal Federal deci-
diu, por votação unânime, que configura constrangimento ilegal a de-
cretação de prisão preventiva de indiciados, diante da recusa destes em
participarem de reconstituição do crime70.
Em 1991, a Corte Suprema, por maioria, voltou a decidir, quanto
à reconstituição do fato, salientando seu caráter eminentemente pro-
batório, que o acusado não pode ser compelido a dela participar, sobpena de configurar-se constrangimento ilegal, em razão do princípio
nemo tenetur se detegere 71.
Igualmente, no que diz respeito a exame grafotécnico, decidiu o
Supremo Tribunal Federal, em 1998, que o indiciado não pode ser
compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para exames
periciais, sendo cabível apenas a sua intimação para ofertar o material.
Considerou o Tribunal que a comparação gráfica tem caráter essen-
cialmente probatório e, diante do nemo tenetur se detegere, não pode oacusado ser compelido a produzir prova capaz de conduzir à caracteri-
zação de sua culpa. Afastou-se, ainda, no mesmo julgado, a possibilida-
de de a autoridade policial determinar ao indiciado a oferta de material
gráfico, sob pena de desobediência72.
O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, já decidiu que o
fato de o agente tentar ocultar a droga que portava, dificultando o
trabalho da polícia, não autoriza aumento de pena por ferir o princípio
nemo tenetur se detegere, afastando o dever de colaboração por parte doacusado73. Decidiu também a referida Corte, com suporte no mesmo
70 RHC 64.354/SP, Pleno, Rei. Min. Sydney Sanches, j. l“ -7-1987, v. u.
7] HC 69.026/DF, Ia T., Rei. Min. Celso de Mello, j. 10-12-1991, por maioria.72
HC 77.135/SP, I
a
T., Rei. Min. Ilmar Galvão, j. 8-9-1998, unânime.73 HC 139.535/MS, 5a T., Rei. Min. Jorge Mussi, j. 18-5-2010, DJe 7-6-2010.
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princípio, que o acusado não é obrigado a apresentar-se para perícia de
confecção de imagens, caracterizando constrangimento ilegal compe-
li-lo a tanto74.
Pode-se afirmar, assim, que a orientação predominante na juris-prudência brasileira não reconhece a existência de dever de colabora-
ção do acusado na produção de provas, no processo penal, no que tan-
ge às que dependam de colaboração ativa do acusado. Nem mesmo no
processo civil se tem reconhecido o aludido dever de colaboração.
Não se admite, desse modo, execução coercitiva contra o acusa-
do, para compeli-lo a colaborar na produção probatória.
Predomina ò entendimento de que a recusa do réu em submeter-se
às provas, que dependam de sua colaboração, não configura crime dedesobediência e dela não pode ser extraída presunção de culpabilidade75.
Na doutrina também se registra o entendimento de que o acusa-
do não tem dever de fornecer elementos de prova contra si mesmo,
em razão da incidência do nemo tenetur se detegere 76 .
Nesse sentido, o magistério de Ada Pellegrini Grinover, Antonio
Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho: „A tutela consti-
74 HC 179.486/GO, 5a T., Rei. Min. Jorge Mussi, j. 14-6-2011, DJe 27-6-2011, no qual se
destacou: “No caso dos autos, a determinação ao paciente de apresentar -se ao Institu-
to de Criminalística para o fim de submeter-se à perícia de confecção de imagens con-
siste, indubitavelmente, em constrangimento ilegal e inconstitucional, agravada, ain-
da, pela ameaça concreta à liberdade de locomoção, em face da imposição de pena de
prisão na hipótese de negativa de comparecimento em 5 dias".
75 Nesse sentido, destaca-se decisão do Supremo Tribunal Federal, HC 93.916/PA, I a
T., Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 10-6-2008, DJe 117, publicado em 27-6-2008, no qual se
afirmou que: "Não se pode presumir a embriaguez de quem não se submete a exame
de dosagem alcoólica: a Constituição da República impede que se extraia qualquer
conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração
penal, exerce o direito de não produzir prova contra si mesmo”.
76 MARQUES, José Frederico, Elementos de direito processual penal, cit., v. 2, p. 61-62, em
sentido diverso, sustenta a existência de dever de colaboração por parte do indiciado e
do acusado. Defende o referido autor que o indiciado deve sujeitar-se ao interrogató-
rio, reconhecimentos, exames dactiloscópicos, entrega de arma e outros instrumentos
e buscas (desde que preenchidos os requisitos legais). Salienta que o indiciado é objeto
das investigações. Acrescenta que o acusado é objeto de provas, devendo submeter-se
aos atos instrutórios.
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tucional da intimidade, da honra e da imagem parece justificar, mais do
que nunca, a recusa do suspeito ou acusado em submeter-se a exames de
partes íntimas, bem como a provas degradantes, como o „bafômetro',
até porque ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra si mesmo" 77.
Na mesma esteira, Antonio Magalhães Gomes Filho, na obra Di-
reito à prova no processo penal , com relação às intervenções corporais no
acusado, para a produção de provas, preleciona que "o que se deve
contestar em relação a essas intervenções, é a violação do direito à não
autoincriminação e à liberdade pessoal, pois se ninguém pode ser obri-
gado a declarar-se culpado, também deve ter assegurado o seu direito
a não fornecer provas incriminadoras contra si mesmo. O direito à
prova não vai ao ponto de conferir a uma das partes no processo prer-
rogativas sobre o próprio corpo e a liberdade de escolha da outra. Em
matéria civil, a questão tem sido resolvida segundo as regras de divisão
do ônus da prova, mas no âmbito criminal, diante da pr esunção de ino-
cência, não se pode constranger o acusado ao fornecimento dessas pro-
vas, nem de sua negativa inferir a veracidade do fato"78.
Vicente Greco Filho79, em obra dedicada à culpa e sua prova nos
delitos de trânsito, defende que, após a Constituição de 1988, em razão
da tutela do direito ao silêncio e da presunção de inocência, não po-
dem ser extraídas conseqüências danosas se o acusado recusar-se a re-alizar o exame sanguíneo para constatação de embriaguez.
Com relação à acareação, Borges da Rosa80 afirma que admiti-la
entre o acusado e testemunha é querer obrigá-lo a confessar ou ao me-
nos a concordar com declaração que contribuirá para sua incriminação.
Mas Tourinho Filho81 sustenta que a mera determinação de realização
77 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO,
Antonio Magalhães. Ai nulidades no processo penal. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p.
116.
78 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997, p. 119.79 GRECO FILHO, Vicente. A culpa e sua prova nos delitos de trânsito. São Paulo: FA-
DUSP, 1993, p. 146.
ROSA, Inocêncio Borges da. Comentários ao Código de Processo Penal, cit., p. 337.
81
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva,1998, v. 3, p. 335-336. Para fundamentar sua posição o referido autor traz à colação
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da acareação não fere o nemo tenetur se detegere porque o acusado não
será obrigado a confessar ou a se desdizer.
Acerca da recusa do réu em participar da reconstituição do fato,
Tourinho Filho manifestou-se: “De regra a reprodução simulada é feita pelo próprio indiciado. E se este a tanto se opuser? Não comete nenhu-
ma infração. Se ele não é obrigado a acusar a si próprio („nemo tenetur
se detegere‟), se ele tem o direito constitucional de permanecer calado,
não teria, como não tem sentido, ser eventualmente processado por
desobediência pelo simples fato de se recusar a contribuir para a desco-
berta de „alguma prova‟ contra ele...”82.
Antonio Scarance Fernandes, no mesmo diapasão, reafirma, na obra
Processo penal constitucional,posicionamento anteriormente sustentado,
salientando que “como decorrência desse direito do réu a não se incrimi-
nar não se admite que a eventual recusa de colaboração para produção
de prova contra sua pessoa possa configurar crime de desobediência”83.
Tem predominado, assim, na doutrina o entendimento de que,
por incidência do nemo tenetur se detegere, não se admitem medidas co-
ercitivas contra o acusado para compeli-lo a cooperar na produção das
provas; a recusa do réu não configura crime de desobediência; e não se
permite extrair da sua recusa a veracidade da imputação, nem presun-
ção de culpabilidade84.
4. O tratamento do problema no direito estrangeiro
Diversos ordenamentos estrangeiros não reconhecem a incidên-
cia do nemo tenetur se detegere nas provas que dependem da cooperação
do acusado para sua produção.
ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto, LEVENE Hijo, Ricardo. Derecho procesal
enal. Buenos Aires: Guillermo Kraft, 1945, t. 3, p. 116, que observam que não se pro-
íbe que uma pessoa preste declarações contra si, mas que ela seja obrigada a fazê-lo.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, cit., v. 3, p. 254.83 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 2. ed. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2000, p. 268.84 Contudo, também na doutrina nacional, ABREU, Valdyr de. Código de Trânsito Brasi-
leiro. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 150-151, sustenta que, embora não haja conseqüên-
cias para a recusa em submeter-se ao exame de verificação de embriaguez, em desfa-
vor do acusado devem ser considerados o seu procedimento e o seu aspecto geral.
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Ora se admite, nos referidos ordenamentos, a execução coerciti-
va de medidas para a produção da prova contra o acusado que se recu-
se a cooperar ou consentir, ora se aplicam sanções penais ao acusado
em caso de recusa. Ainda, atribui-se valor probatório à recusa em sub-
meter-se à prova. Estas são as soluções mais freqüentes. Praticamente,
reconhece-se, de forma não expressa, um dever de colaboração do acu-
sado na produção das provas.
Entretanto, via de regra, há limitações à imposição desse dever de
colaboração. As limitações em geral dizem respeito à saúde do acusa-
do e à sua dignidade. A questão, como adiante se abordará, concentra-
-se na definição do que, em cada ordenamento, se entende por ferir —
ou não — a dignidade do acusado.
Por outro lado, as provas produzidas mediante intervenção cor-
poral no acusado sao determinadas tão somente quando haja um prog-
nóstico de utilidade para o processo.
4.1. Direito italiano
Tem-se ressaltado, na doutrina italiana85, que o emprego de meios
coercitivos de liberdade pessoal voltados a obter a colaboração do acu-
sado, na produção de provas, representaria uma violação ao direito dedefesa e, mais ainda, abuso de poder.
Não se registra no Código Processual Penal italiano a existência
de normas que estabeleçam expressamente o dever de colaboração do
acusado na produção das provas.
Em 1962, a Corte Constitucional havia efetuado, na sentença
n. 30, a distinção entre provas concernentes a aspectos exteriores
da pessoa (como o reconhecimento) e aquelas que incidem sobre a
liberdade pessoal do acusado, as quais dizem respeito à inspeçãopessoal86.
85 Nesse sentido, GASTALDO, Massimo Ceresa. Diritto al silenzio, aspettative di
“collaborazione” delTimputato e controlli sulFimpiego delia custodia cautelare. Rivis-
ta Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 1161-1168, 1993, esp. p. 1161.
86
Cf. FELICIONI, Paola, Considerazioni sugli accertamenti coattivi nel processo penale:lineamenti costituzionali eprospettive di riforma, cit., p. 505.
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Em 1986, foi submetida à Corte Constitucional a questão ati-
nente à constitucionalidade dos arts. 146, 314 e 317 do Código de
Processo Penal de 1930 em face do disposto no art. 13, incisos 2- e 4-
da Constituição87. A questão dizia respeito à inexistência de previsão de limites aos
poderes do juiz nas normas processuais indicadas, legitimando a deci-
são de usar coação física para consentir a produção da prova pericial,
quando o sujeito passivo manifestasse seu dissenso.
A Corte afastou a inconstitucionalidade apontada, propondo a
interpretação sistemática dos dispositivos em foco. Segundo a Corte
decidiu, na oportunidade, os poderes instrutórios do juiz penal devem
ser interpretados de acordo com os princípios constitucionais88
. Doisentão seriam os limites para que o juiz pudesse usar poderes coerciti-
vos contra o acusado na produção de prova pericial: não poderia dispor
de meios que colocassem em perigo a vida ou a incolumidade do acu-
sado ou que fossem lesivos à dignidade ou à intimidade de sua psique,
porque estariam em colidência com os direitos fundamentais. Por ou-
tro lado, não poderia utilizar meios que colocassem em perigo a saúde
do acusado, porque violaria o art. 32 da Constituição89.
De outra parte, decidiu a Corte, na mesma oportunidade, que a
coleta sanguínea inclui-se na prática ordinária médica e que não atinge
87 O art. 13 da Constituição italiana estabelece que: "la liberta personale é inviolabile.
Non é amessa forma alcuna di detenzione, di ispezione o perquisizione personale, né
qualsiasi altra restrizione delia libertà personale, se non per atto motivato dalFautorità
giudiziaria e nei soli casi e modi previsti dalla legge. In casi eccezionali di necessità ed
urgenza, indicati tassativamente dalla legge, Tautorità di pubblica sicurezza può adot-
tare prowedimenti prowisori, che devono essere comunicati entro quarantotto orealTautorità giudiziaria e, se questa no li convalida nelle successive quarantotto ore, si
intendono revocati e restano privi di ogni eífetto. È punita ogni violenza fisica e mora-
le sulle persone comunque sottoposte a restrizioni di libertà. La legge stabilisce i limiti
massimi delia carcerazione preventiva".
88 STALTERI, Marcello, Genetica e processo: la prova dei “DNA fingerprint”, Problemi e
tendenze, cit., p. 200, em texto que data de 1993, havia manifestado, com suporte na
sentença 54/86, da Corte Costituzionale, que não se admite a recusa à inspeção pessoal
no direito italiano, salientando que, no ordenamento italiano, optou-se em favor do
poder coercitivo do Estado de ordenar a colheita de materia l sanguíneo e/ou tecidos,
na presença de indícios circunstanciados de culpabilidade do sujeito.
Cf. sentença 54/86 da Corte Constitucional italiana.
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a dignidade humana ou a psique da pessoa. Assim, não haveria viola-
ção do art. 13, inciso 4°, da Constitução, que se refere à “violência ilíci-
ta”, quando se trata de uma “mínima prestação pessoal imposta ao
acusado ou terceiros, em um normal e legítimo meio instrutório”90
. Firmou-se o entendimento de que a decisão que autoriza a reali-
zação da prova pericial sem consentimento do acusado possui nature-
za de provimento restritivo da liberdade pessoal.
Consoante a sentença da Corte Constitucional italiana, a coleta
sanguínea, sem autorização, é caracterizada por temporária indisponi-
bilidade do corpo, mas que não altera a integridade física91.
Referida decisão foi bastante comentada pela doutrina, que, sob
um ou outro fundamento, repudiou a possibilidade de executar coerci-tivamente a coleta sanguínea. Assim, Mazzacuva e Pappalardo92 apon-
tavam como solução para superar a questão da coação física contra o
acusado que se recusasse a submeter à coleta sanguínea a valoração da
recusa no âmbito do princípio do livre convencimento, tal qual ocorre
no processo civil.
Ferraro93 questionou a constitucionalidade da execução coercitiva
da coleta sanguínea, considerando que citada medida, mesmo que mini-
Cf. sentença 54/86 da Corte Constitucional italiana.
91 Outra sentença proferida pela Corte Costituzionale, n. 30/62, foi invocada quando se
tratou do tema da execução coercitiva da coleta sanguínea. Referida sentença cuidou
do exame da constitucionalidade de normas que consentiam à polícia realizar determi-
nadas inspeções. Na aludida decisão, a Corte identificou a existência de três tipos de
exame: o primeiro, que conduz à uma momentânea e leve coerção e dizem respeito a
aspectos exteriores da pessoa, que não venham a incidir sobre sua liberdade pessoal; osegundo, que abrange aqueles exames que podem incidir sobre a liberdade física do
acusado, como a coleta de sangue e, o terceiro, que diz respeito àqueles que incidem
sobre a liberdade moral da pessoa, ou seja, que são realizados sobre partes do corpo
não expostas (incluem as inspeções pessoais ou corporais) (conforme VIGON1, Danie-
la. Corte Costituzionale, prelievo ematico coattivo e "test” dei DNA. Rivista Italiana di
Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 1022-1051, 1996, esp. p. 1030).
92 MAZZACUVA, Nicola; PAPPALARDO, Giuseppe. Prelievo ematico coattivo e
accertamento delia verità: spunti problematici. Foro Italiano, Parte I, p. 716-720,
1987, esp. p. 720.93 FERRARO, Angelo. II prelievo ematico coattivo e la violenza "lecita”. Cassazione Pe-
nale, p. 870-872, 1986, esp. p. 870-871.
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mamente, provoca alteração da integridade física, que, inclusive, se faz
acompanhar de sensação de dor. Depois ressaltou também que o nemo
tenetur se detegere parece ser violado com a execução coercitiva da coleta
sanguínea94
. Por fim, observou que, diante das limitações dos meios deprova, não são admissíveis aqueles meios que produzam alterações no
estado físico e aqueles que pressuponham emprego de violência95.
Mastropaolo96 criticou a amplitude da admissão da coerção física
para coleta de sangue que adveio da sentença da Corte Constitucional
de 1986, mas defendeu que a possibilidade de executar coercitivamente
a medida é importante para a colheita da prova, desde que haja limites:
perigo de vida ou contra a incolumidade do examinado e respeito à
dignidade do indivíduo. O referido autor reconhece que o juiz tempoderes para executar coercitivamente a coleta sanguínea.
A matéria voltou a ser discutida em outra sentença da Corte
Constitucional, dez anos mais tarde (n. 238/96). Mazzacuva e Pappa-
lardo97 afirmam que a mencionada sentença trouxe à tona novamente
o debate sobre os poderes coercitivos do juiz, especialmente com rela-
ção à coleta de sangue coercitiva. Arguiu-se a inconstitucionalidade do
art. 224 do Código de Processo Penal em vigor, pela generalidade de
sua dicção, que permite ao juiz adotar "todos os provimentos que semostrem necessários para a execução das operações periciais". Argu-
mentou-se com a violação do art. 13, incisos 2- e 32, da Constituição.
Salientou-se que a generalidade do art. 224 do diploma processu-
al penal se colocava em contraste com os dispositivos constitucionais
enfocados. Isto porque, sob essa ótica, a coleta sanguínea é importante
restrição à liberdade pessoal. Assim, seria necessária uma previsão nor-
mativa específica dos casos e dos modos em que tais restrições de liber-
dade pessoal poderiam realizar-se98.
FERRARO, Angelo, Il prelievo ematico coattivo e la violenza "lecita", cit., p. 872.
FERRARO, Angelo, Il prelievo ematico coattivo e la violenza "lecita”, cit., p. 872.
96 MASTROPAOLO, Fulvio. Prelievi di sangue a scopo probatorio e poteri dei giudice.
Rivista Italiana di Medicina Legale, v. 9, p. 1081-1115, 1987, esp. p. 1105.97 MAZZACUVA, Nicola; PAPPALARDO, Giuseppe, Osservazioni in tema di prelievo
ematico coattivo, cit., p. 485.Cf. sentença 238/96 da Corte Constitucional italiana.
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A Corte decidiu, desta vez, que o princípio estabelecido no art.
13, inciso 2-, da Constituição exigia a indicação positiva, pelo legisla-
dor, dos pressupostos e limites para adoção de medidas que incidissem
sobre a liberdade pessoal. Dessa forma, não se poderia deixar a questãoa cargo da discricionariedade do juiz. Por isso foi declarada inconstitu-
cional parte do art. 224 do diploma processual penal que consentia ao
juiz, com a finalidade de realizar perícia, dispor de medidas que vies-
sem a incidir sobre a liberdade pessoal do investigado, do acusado ou
de terceiros, sem prever especificamente os casos e modos em que po-
deria ser adotada".
Entretanto, ressaltou-se, na mesma decisão, que a coleta sanguí-
nea não pode ser entendida como intervenção que comprometa a inte-gridade física ou psíquica, ou mesmo a dignidade do acusado 100. Mas
sua utilização, no processo penal, deveria ser objeto de regulamenta-
ção normativa101, estabelecendo taxativamente os modos e casos em
que poderia ser aplicada102.
Assim, diante da ausência de previsão normativa que regule essa
modalidade de restrição à liberdade pessoal, foi vedada a execução co-
ercitiva de coleta sanguínea103. A esse respeito, Chiavario considera que
99 Cf. VIGONI, Daniela, Corte Costituzionale, prelievo ematico coattivo e “test” dei DNA,
cit., p. 1022.
100 O debate em torno da possibilidade de executar coercitivamente a coleta sanguínea
ganhou maior impulso com o surgimento dos testes de DNA e sua aplicação no pro-
cesso penal, especialmente com a consideração do caráter elucidativo desse exame
quanto à autoria ou exclusão da mesma por parte de determinado suspeito.
A Corte Costituzionale deixa patenteado, nessa sentença, que a lacuna normativa
existente no art. 224 do Código de Processo Penal, não poderia ser superada pela viade interpretação, mas somente pela intervenção do legislador, já que as hipóteses a
serem tratadas atingem a liberdade do indivíduo. Nesse sentido: VIGONI, Daniela,
Corte Costituzionale, prelievo ematico coattivo e “test" dei DNA, cit., p. 1034.
102 FELICIONI, Paola, Considerazioni sugli accertamenti coattivi nel processo penale: line-
amenti costituzionalí e prospettive di riforma, cit., p. 505, entende que a sentença de
1996 da Corte Constitucional atingiu não só a disciplina da coleta sanguínea coerci-
tiva, mas de todas as medidas incidentes sobre a liberdade pessoal, que se caracteri-
zam pela invasividade.
103 VIGONI, Daniela, Corte Costituzionale, prelievo ematico coattivo e “test” dei DNA,
cit., p. 1034, observa, porém, que a Corte, na mencionada decisão, não abriu exceção
para qualquer coleta sanguínea que pudesse ser realizada. Segundo a autora, na fase
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o legislador deveria prontamente ter suprido a lacuna, pois ela pode
trazer conseqüências perversas e comprometedoras para a eficiência
da justiça104. Isto porque, a partir da Sentença n. 238/96 da Corte Cons-
titucional, a atuação da investigação ficou mais limitada. Os exames deDNA só podem ser realizados com o consentimento do investigado ou
com outras matérias que não dependam da intervenção corporal (v. g.
saliva deixada em um copo). Se faltar o consentimento, o juiz penal
não poderá extrair nenhuma conseqüência negativa para o acusado105.
A partir da Sentença n. 238/96 da Corte Constitucional, a jurispru-
dência firmou o entendimento de que intervenções corporais invasivas
coercitivas são inadmissíveis, realçando que eventual coleta de sangue
sem consentimento do acusado é inutilizável para fins probatórios106
. De registrar a existência de dois projetos de lei, que pretendem
regulamentar a matéria: o Projeto Melandrí, apresentado em 28 de ou-
tubro de 1996, e o Flick, comunicado à Presidência em 20 de janeiro de
1998. O primeiro foi bastante criticado por fornecer como parâmetro
de investigações, deveria haver tratamento diverso da matéria. Isto porque as perí-
cias realizadas nessa fase, quase sempre, não podem ser repetidas. E o que ocorrecom as perícias realizadas no lugar do crime ou no corpo da vítima. Conforme pre-
coniza a autora, as regras que regulam o incidente probatório, que tem lugar na fase
de investigações, serviriam para suprir a generalidade do art. 224 do Código de Pro-
cesso Penal. Ademais, salienta, em se tratando de exames de DNA, poderia se optar
por técnica menos invas iva do que a coleta de sangue. Por outro lado, ressalta a au-
tora que a norma do art. 399 do Código de Processo Penal, que dá ao juiz poder de
determinar a condução coercitiva da pessoa submetida ã investigação, cuja presença
é necessária para cumprir ato no incidente probatório, serve também para concreti-
zar os "modos" pelos quais poderia ser realizada a coleta de sangue, coercitivamen-
te. Há necessidade de decisão motivada e a competência é do juiz para determiná-la.Desse modo, entende a autora que não haveria necessidade de outras normas para
regulamentar a aplicação do art. 224.
CHIAVARIO, Mario, Garanzie individuali ed efficienza dei processa, cit., p. 67.
105 A esse respeito, MAZZACUVA, Nicola e PAPPALARDO, Giuseppe, Osservazioni in
tema di prelievo ematico coattivo, cit., p. 486-487, salientam que a possibilidade de valorar
a recusa do investigado em submeter-se ao exame, na esfera processual penal, com
supedâneo no princípio do livre convencimento do juiz, a exemplo do que se verifica
no processo civil, deveria ser reexaminada. Segundo os autores, não há incompatibili-
dade entre as duas disciplinas, mas simbiose.
106 Cass., sez. I, 11-3-2003 e Cass., sez. I, 14-2-2002 (cf. TONINI, Paolo, Manuale breve di
diritto processuale penale, cit., p. 235).
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para a realização da coleta sanguínea a pena cominada aos delitos. As-
sim, somente seria ela admissível em crimes aos quais se cominasse a
pena de prisão perpétua ou reclusão superior a três anos.
Já o Projeto Flick, que se inspirou nas legislações inglesa e alemã,distingue os exames feitos com técnicas invasivas ou não invasivas.
Para os primeiros, é necessário o consentimento do acusado. A regra é
que não é possível ser extraída qualquer conseqüência negativa da re-
cusa. Somente se admite a execução coercitiva se o exame for indispen-
sável para a prova e o crime a ser apurado for doloso, com pena máxi-
ma de reclusão superior a três anos. Se o delito for culposo, a pena
máxima não deverá ser inferior a cinco anos de reclusão. Já as provas
não invasivas não dependem de consentimento. Mas as provas, invasi-
vas ou não, não poderão provocar perigo de vida, à integridade física
ou à saúde da pegsoa examinada ou do nascituro, nem interferir na
psique ou provocar sofrimento relevante107.
Diversas críticas foram feitas ao Projeto Flick. Entre elas, Paola
Felicioni108 destaca que tal projeto não distinguiu entre as provas que
implicam contribuição ativa e passiva, sejam elas invasivas ou não.
Além disso, não se refere o projeto à dignidade, como limite de ordem
geral para a execução coercitiva de exames.
Outra crítica é que o Projeto não se ocupou, especificamente, da
disciplina dos exames de DNA, sobretudo quanto à utilização dos re-
sultados. A preocupação é que esses resultados possam vir a ser utiliza-
dos fora do âmbito do processo penal, v. g., para a formação de bancos
de dados genéticos109.
No citado Projeto, as provas não invasivas podem ser determina-
das pelo juiz, pelo Ministério Público e pela polícia judiciária, em caso
de urgência. Neste último caso, deve haver convalidação pelo Ministé-
rio Público, se não houver consentimento do acusado, sob pena de inu-
107 As informações sobre os projetos constam de MAZZACUVA, Nicola e PAPPALAR-
DO, Giuseppe, Osservazioni in tema di prelievo ematico coattivo, cit., p. 492-494.
108 FELICIONI, Paola, Considerazioni sugli accertamenti coattivi nel processo penale: linea-
menti costituzionali eprospettive di riforma, cit., p. 517-518.
109 FELICIONI, Paola, Considerazioni sugli accertamenti coattivi nel processo penale: linea-menti costituzionali e prospettive di riforma, cit., p. 524.
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tilização do resultado dos exames. Para as provas que versam sobre as-
pecto exterior (como o reconhecimento), a polícia poderá determinar
sua realização. As provas invasivas devem ser determinadas pelo juiz,
com o consentimento do acusado. Se este consentir, também o Minis-
tério Público e a polícia judiciária poderão determinar a realização dosexames, em caso de urgência. Se não houver consentimento, o juiz po-
derá determinar a execução coercitiva. Se houver urgência, o Ministé-
rio Público, com decisão motivada, poderá determinar a execução coer-
citiva, mas sujeita à convalidação pelo juiz, em quarenta e oito horas,
sob pena de inutilização dos resultados. A pessoa submetida à prova,
invasiva ou não, poderá impugnar o provimento que dispõe sobre a
execução coercitiva em dez dias da data da decisão ou da notificação.
A lei que regulamenta a matéria, em conformidade com a Sen-tença n. 238, de 1996, da Corte Constitucional, não sobreveio e as
questões da execução coativa da perícia no acusado, da intervenção
corporal coercitiva ou mesmo de coleta coativa de sangue não foram
superadas pela Lei n. 155, de 31 de julho de 2005, denominada “Lei
an ti terrorismo”, oriunda do Decreto-lei n. 144, de 27 de maio de 2005,
que introduziu modificações no Código Penal e no Código de Proces-
so Penal, de modo especial quanto à identificação física do investigado
ou mesmo de pessoa não submetida à investigação, no âmbito de pro-vidências urgentes que tenham que ser adotadas pela polícia judiciária
(cf. art. 354, n. 3, do Código de Processo Penal).
Essa identificação poderá ser realizada por reconhecimento, seja
pela vítima ou testemunha, por impressões digitais ou DNA. Tal iden-
tificação pode ser necessária quando o mesmo sujeito tenha fornecido,
em diferentes oportunidades, dados pessoais distintos, ou se o procedi-
mento investigatório desenvolveu-se contra pessoa não identificada e
depois se orienta contra determinada pessoa. Nesse aspecto, não hádireito do investigado de não ser identificado, sendo a recusa em cola-
borar inoperante. De acordo com a doutrina, nessa hipótese, o investi-
gado não é sujeito da prova, mas objeto dela, e deve suportar a realiza-
ção dos procedimentos necessários para sua identificação110, sejam eles
dactiloscópicos, fotográficos e antropométricos. Inclusive, com funda-
Cf. TONINI, Paolo, Manuale breve di dirittoprocessalepenale, cit., p. 86-87.
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mento no art. 349 inciso 2-bis introduzido pela Lei n. 155, de 31 de ju-
lho de 2005, o investigado poderá ser compelido a submeter-se à coleta
de material biológico consistente em cabelo e saliva. Se houver recusa
do investigado em permitir a coleta dos mencionados materiais, a po-
lícia judiciária realizará a coleta coercitivamente, respeitando a digni-dade pessoal do investigado, mediante prévia autorização escrita ou
verbal, depois confirmada por escrito, do Ministério Público111.
A respeito de perícia fonética, a Corte de Cassação decidiu, em 18
de maio de 1993, que o indivíduo não poderia ser compelido a fornecer
material, mas era legítimo utilizar na referida perícia material advindo
de interceptação telefônica112.
Quanto a outras provas, tem predominado na doutrina e na juris-
prudência o entendimento de que não há direito do acusado a nãocolaborar, sempre que ele for objeto da prova, não se exigindo dele
participação ativa ou comunicativa. Assim, o acusado é obrigado a su-
jeitar-se à inspeção corporal e ao reconhecimento113.
Quanto ao reconhecimento, tem-se sustentado que o juiz pode,
em decisão motivada, adotar as necessárias medidas, desde a condução
coercitiva até a prisão preventiva, para evitar a fuga do acusado para
subtrair-se à persecução penal114. Contudo, firmou-se o entendimento
111 Em decisão de 5 de dezembro de 2006, a Suprema Corte italiana considerou que a
responsabilidade do autor de um furto estava devidamente provada pelo confronto
entre os dados genéticos extraídos de cabelo encontrado na coisa furtada e o código
genético do acusado, conservado nos arquivos da polícia judiciária (conforme TONI-
NI, Paolo, Manuale breve diritto processuale penale, cit., p. 357).
112 FELICIONI, Paola, Considerazioni sugli accertamenti coattivi nel processo penale: linea-
menti costituzionali e prospettive di riforma, cit., p. 511.
113 GASTALDO, Massimo Ceresa. La ricognizione personale „attiva‟ alTesame delia Corte Costituzionale: facoltà di astensione o incompatibilità dei coimputato? Rivista
Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 256-288, 1995, esp. p. 268.
"4 Na doutrina, FERRUA, P. Sulla legittimità delia ricognizione compiuta contro la
volontà delTimputato. Cassazione Penale, 1990, p. 653, admite a coercibilidade da posi-
ção passiva no reconhecimento decorrente das regras da condução coercitiva. RAMA-
JOLI, Sergio, La prova nel processo penale, cit., p. 140, afirma que o reconhecimento
pode ser efetuado contra a vontade do acusado e que tal posição vem sendo reafirma-
da pela jurisprudência. A respeito, FELICIONI, Paola, Considerazioni sugli accertamenti
coattivi nel processo penale: lineamenti costituzionali e prospettive di riforma, cit., p. 507,
defende que a imobilização do acusado para o reconhecimento, fotografia, impressões
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de que não é possível exigir dele, no reconhecimento, que faça certos
movimentos (ria, chore, faça caretas) ou tenha um comportamento
ativo115.
Assim, no dibattimento, sendo necessária a produção de provas
diversas do exame, como o reconhecimento e a acareação, poderá omagistrado ordenar a condução coercitiva do acusado ausente ou con-
tumaz, inclusive com emprego de força116.
Na fase de investigação (indagini preliminari), poderá o Ministério
Público, com autorização judicial, determinar, para fins de interroga-
tório ou acareação, a condução coercitiva, conforme o art. 376 do Có-
digo de Processo Penal117. Igualmente, a pessoa submetida à investiga-
ção, cuja presença seja necessária para realizar o incidente probatório,
poderá ser conduzida coercitivamente, se faltar sem legítimo impedi-
mento (art. 399 do Código de Processo Penal italiano).
Contudo, em se tratando de reconhecimento a ser efetuado por
corréu, há duas decisões, uma da Corte Constitucional e outra da Cas-
sação, ambas de 1994, nas quais se entendeu que incide o direito ao si-
lêncio, não havendo obrigatoriedade do reconhecimento de um cor-
réu por outro118.
digitais, não ofende a liberdade pessoal. Já MELCHIONDA, Achille. Ricognizione. In:
Enciclopédia dei diritto. Varese: Giuffrè, 1972, v. 40, 1989, p. 529, sustenta que não pode
haver coerção quanto àquele que vai submeter-se passivamente ao reconhecimento
porque, segundo ele, é de se quest ionar a licitude da condução coercitiva para o fim de
reconhecimento. Não obstante, o autor reconhece no escrito Imputato e indiciato, in
Enciclopédia giuridica, Roma: Treccani, 1989, v. 16, p. 1-10, que o acusado fica sujeito às
perícias, inspeção pessoal, busca e reconhecimento, podendo ser conduzido coercitiva -
mente para tanto (p. 6). PIACENTINI, C. In tema di rifiuto delTimputato di sottostare
alia ricognizione personale. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, 1980, p.
326, embora negue a possibilidade de coerção para executar o reconhecimento, sus-tenta que se pode extrair da recusa indícios a desfavor do acusado.
115 FELICIONI, Paola, Considerazioni sugli accertamenti coattivi nel processo penale: linea-
menti costituzionali e prospettive di riforma, cít., p. 510, e VOENA, Giovanni Paolo. Dife-
sa. In: Enciclopédia giuridica. Roma: Treccani, 1988, v. 10, p. 1-18, esp. p. 17. 116 PISANI, Mario. II Codice di Procedura Penale nella giurisprudenza delia Corte Costituzio-
nale. Bolonha: Monduzzi, 1995, p. 497. 1,7 PISANI, Mario, II Codice di Procedura Penale nella giurisprudenza delia Corte Costituzio-
nale, cit., p. 320. 118 Cf. GASTALDO, Massimo Ceresa, La ricognizione personale “attiva” ali'esame delia
Corte Costituzionale: facoltà di astensione o incompatibilità dei coimputato?, cit., p. 256-259.
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Ressaltou-se na decisão da Cassação que, por incidência do nemo
tenetur se detegere, o corréu ou réu em processo conexo tem o direito a
não efetuar o reconhecimento ativamente119.
Gastaldo, a esse respeito, afirma que, em princípio, a regra que
impõe o reconhecimento ativo corresponderia a uma exceção ao nemo tenetur se detegere. Isto porque, segundo o autor, da incidência do nemo
tenetur se detegere decorre que o acusado não está obrigado a dele parti-
cipar, nem passiva, nem ativamente120.
Em sua decisão, a Corte Constitucional não considerou que o
reconhecimento pudesse ser equiparado a uma forma de testemunho,
como alegou o juiz a quo. Enfocou a matéria entendendo que o acusa-
do tem o direito de se abster de reconhecer outro acusado. Para Gastaldo121, na verdade, há incompatibilidade na exigência
do reconhecimento de um corréu por outro e não propriamente facul-dade de abstenção.
Quanto à acareação, embora se admita no direito italiano a con-
dução coercitiva, aponta-se na doutrina o risco de intimidação a ela
inerente, que pode cooperar para que o acusado dela participe122. Não
obstante, considera-se, em regra, que a acareação do acusado com tes-
temunhas não fere o nemo teneturse detegere porque tem ele o direito de
silenciar, não estando obrigado a confessar ou se desdizer.
Quanto à legislação de trânsito italiana, comentando alteraçõesoperadas no art. 132 do Código de Trânsito pela Lei n. 111, de 1988,
Buttarelli123 observou, na doutrina, que a possibilidade de o acusado
As decisões proferidas foram: n. 267, de 30-6-1994 (Corte Constitucional), e decisão de
18-12-1994 (Cassação, Seção VI).1,9 GASTALDO, Massimo Ceresa, La ricognizione personale “attiva” all‟esame delia Cor -
te Costituzionale: facoltà di astensione o incompatibilitã dei coimputato?, cit., p. 258-259.
120 GASTALDO, Massimo Ceresa, La ricognizione personale "attiva” alTesame delia Cor -
te Costituzionale: facoltà di astensione o incompatibilità dei coimputato?, cit., p. 267.121 GASTALDO, Massimo Ceresa, La ricognizione personale "attiva” alTesame delia Cor -
te Costituzionale: facoltà di astensione o incompatibilità dei coimputato?, cit., p. 269.122 SIRACUSANO, D GALATI, A., TRANCHINA, G ZAPPALÀ, E., Diritto processu-
ale penale, cit., v. 1, p. 395.123 BUTTARELLI, Giovanni. Le nuove modalità di accertamento dei reato di guida in
stato di ebbrezza tra prove legali e diritto di difesa. Cassazione Penale, p. 2231-2243,
1990, esp. p. 2240.
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responder por crime pela recusa a submeter-se à prova etilométrica por
ar expirado era contraproducente para a apuração da verdade. Isto por-
que, praticamente, o legislador reconheceu uma faculdade ao averigua-
do: submeter-se ao exame ou responder a outro delito pela recusa.
Na legislação em vigor, de ressaltar que os arts. 186 e 187 da Lein. 285, de 30 de abril de 1992, com alterações pelo Decreto-Lei n. 360,
de 1993, que regulam a matéria de dirigir em estado de embriaguez ou
sob a influência de substância entorpecente, respectivamente, preve-
em a possibilidade de se verificar a embriaguez ou o uso de substância
entorpecente, em caso de ocorrência de acidente ou quando haja mo-
tivo para concluir que o motorista esteja sob a influência de álcool ou
substância entorpecente124.
A lei prevê duas alternativas: verificar a taxa de alcoolemia por araspirado ou conduzir o motorista até um órgão sanitário para colher
material para os exames de urina ou sangue. A recusa em submeter-se
à coleta não comporta execução coercitiva, mas a aplicação de uma
sanção (prisão de até um mês ou multa de até dois milhões de liras).
Admite-se a condução coercitiva até o local da coleta do material, mas
não a execução coercitiva.
Na doutrina125, observa-se que não deve haver automação entre
recusa e sanção, ressaltando-se que o juiz deverá analisar, sob todos os
aspectos, se o crime se consumou. Poderá verificar se houve estado de
necessidade ou legítima defesa na recusa, quando, v. g., o condutor se
recusa a fazer o exame porque o agente policial não atendeu às normas
de higiene previstas no regulamento. Assim, caberá ao julgador verifi-
car a plausibilidade da recusa.
A constitucionalidade dos dispositivos legais retromencionados
foi declarada na Sentença n. 194/96 da Corte Constitucional italiana126.
124 Como ressalta VIGONI, Daniela, Corte Costituzionale, prelievo ematico coattivo e “tes-
te” dei DNA, cit., p. 1026, em matéria de trânsito, entendia a Corte de Cassação que não
havia necessidade de adoção de técnicas particulares para a verificação da embriaguez.
Foi a necessidade de determinação da taxa de álcool no sangue que trouxe a lume o
problema da recusa ou falta de consentimento do acusado nesses casos.
125 MAZZACUVA, Nicola; PAPPALARDO, Giuseppe, Osservazioni in tema di prelievo
ematico coattivo, cit., p. 487.
Cf. Sentença 194/96 da Corte Constitucional italiana.
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4.2. Direito francês
No ordenamento francês não há regras específicas sobre a cola-
boração do acusado na produção da prova. Não se alude também, de
nenhuma forma, ao reconhecimento do nemo tenetur se detegere.
Em 29 de julho de 1994, a Lei n. 653 inseriu, no Código Civil, regra
de caráter geral, voltada a indicar os fins e a definir o âmbito da investi-
gação genética. Somente poderá ela ser realizada por pessoas inscritas
em uma lista de peritos judiciais escolhidos. Em matéria civil, é necessá-
rio o consentimento do sujeito passivo. Extrai-se que, para fins de inves-
tigação ou instrução penal, poderá ser executada a coleta de material
coercitivamente, quando não houver consentimento do acusado127.
O art. 64 do Código de Processo Penal, com a redação que lhe foi
conferida pela Lei n. 392, de 14 de abril de 2011, previu, entre as infor-
mações a serem consignadas na ata a ser lavrada pelo oficial de polícia
judiciária, que procede à detenção provisória e tomada de informações
do investigado, se houve investigações corporais internas e se houve
relutância.
Em matéria de infrações de trânsito, há dever de colaborar na
produção das provas para verificação de embriaguez. A recusa por par-
te do motorista em colaborar na prova de verificação de embriaguez
constitui um delit correctionel, punível com pena de detenção de até
dois anos e multa128. Não se admite execução coercitiva.
Com respeito à entrega de documentos por parte do acusado, o
sistema alfandegário francês permitia processar penalmente a pessoa
que se recusasse a fornecer à autoridade documentação referente à
própria conta bancária no exterior. Mas a Corte Européia de Direitos
Humanos, decidindo que o princípio nemo tenetur se detegere se esten-
dia a todo o processo e não só ao interrogatório, condenou o Estado
francês129.
127 DELMAS-MARTY, Mireille. Procédures pénales d‟Europe. Paris: Universidade da Fran-
ça, 1995, p. 285.
Cf. DELMAS-MARTY, Mireille, Procédures pénales d‟Europe, cit., p. 286.
129 O julgado foi proferido em Funke v. França (série A, n. 256), sentença de 25-2-1993,
cf. DELMAS-MARTY, Mireille, La prova penale, cit., p. 622-623.
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4.3. Direito alemão
No Código Processual Penal alemão (StPO), no parágrafo 81a,
permite-se a investigação corporal no acusado para constatação de fa-
tos importantes para o processo.
Estabelece a mencionada norma, expressamente, que, com essafinalidade, são admissíveis coletas de sangue e outras ingerências cor-
porais, que serão realizadas por médico, que funcionará como perito,
sem o consentimento do acusado. O limite para aplicação dessa norma
é o risco para a saúde do acusado130. Em acréscimo, dispõe o StPO que a análise sanguínea e as outras
células extraídas do corpo do acusado somente poderão ser utilizadas
no processo penal que motivou a prova ou em outro pendente. Devem
ser destruídos assim que não sejam mais necessários ao processo131
. O parágrafo 81e, introduzido no StPO recentemente, permite
que o material sanguíneo, colhido na forma do parágrafo 81a, seja uti-
lizado para análises genético-moleculares, para constatar se determi-
nado material proveio do acusado132. Se for necessário para os fins de realização do processo penal ou
para fins do Serviço de Identificação, será permitido tirar fotos e im-
pressões digitais do acusado, também contra sua vontade133.
A intervenção corporal deverá ser ordenada por juiz. Em caso de
perigo na demora, poderá ser determinada também pelo Ministério
Público ou seus auxiliares. A polícia somente poderá determinar a in-
tervenção se algum dos seus funcionários for auxiliar do MinistérioPúblico134.
130 Cf. COLOMER, Juan-Luis Gomez. El proceso penal alemán. Introducción y normas bá-
sicas. Barcelona: Bosch, 1985, p. 287.131 É o que dispõe a nova versão do parágrafo 81, a, do StPO (conforme ENCINAS,
Emüio Eiranova. Código Penal alemán StGB, Código Procesal Penal alemán, StPO. Madrid:
Marcial Pons, 2000, p. 245).132 Cf. ENCINAS, Emilio Eiranova, Código Penal alemán StGB, Código Procesal Penal Ale-
mán, StPO, cit., p. 246. 133 Cf. COLOMER, Juan-Luis Gomes, El proceso penal alemán. Introducción y normas bá-
sicas, cit., p. 287. 134 Cf. COLOMER, Juan-Luis Gomez, El proceso penal alemán. Introducción y normas bá-
sicas, cit., p. 118.
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Se a medida não tiver sido ordenada por juiz, caberá ao interessa-
do solicitar a apreciação judicial. Se foi o juiz que a ordenou, cabe re-
curso de queixa, que, entretanto, não tem efeito suspensivo. A suspen-
são da medida poderá ser determinada pelo Tribunal (cf. parágrafos
304 e 305 do StPO). Portanto, no ordenamento processual penal alemão, admite-se a
execução coativa de procedimentos tendentes à produção de determi-
nada prova, que se julgue necessária para o esclarecimento da verdade,
mesmo contrariamente à vontade do acusado.
Em outras palavras, no direito alemão, pode-se afirmar que o
acusado tem o dever de colaboração na produção da prova, sob pena
de execução forçada. O limite para essa execução encontra-se no peri-
go para a saúde do acusado.
Saliente-se que não se considera, nesse sistema, que haja qual-
quer violação à dignidade do indivíduo na coleta de material para perí-
cia, mediante intervenção corporal no acusado não consentida, ainda
que seja invasiva.
Não se deixa de entrever, no direito alemão, sob esse prisma, o
acusado como objeto da prova135. Deverá ele sujeitar-se, obrigatoria-
mente, à investigação corporal.
Parte da doutrina defende que as provas colhidas com fundamen-
to no parágrafo 81a são ilícitas. Contudo, esse não é o entendimento
predominante, especialmente na jurisprudência136.
O direito alemão serve-se da distinção entre colaboração ativa e
passiva no acusado, em matéria de produção de provas que dependem
de sua cooperação.
A jurisprudência e a doutrina têm considerado que, mesmo nos
casos de execução forçada da intervenção corporal, o acusado não
exerce uma colaboração ativa, mas passiva, tolerando a execução. Tal
Nesse sentido, DIAS NETO, Theodomiro, O direito ao silêncio: tratamento nos direitos
alemão e norte-americano, cit., p. 185, observa que é a posição do acusado, como meio
de prova, que justifica diversas medidas coativas contra a sua liberdade pessoal ou sua
integridade física.
136 RADEMACHER, C. NeueJuristische Wochenschriji, 1991, p. 735, apud CASABONA,
Carlos Maria Romeo, Do gene ao direito, cit., p. 104.
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postura de tolerância, que corresponde à colaboração passiva, é o que
se poderia exigir do acusado.
Nessa ótica ofende a dignidade do acusado a compulsão à colabo-
ração ativa apenas.
Por isso, tem-se sustentado que a polícia não pode exigir do acu-sado uma colaboração ativa, como ocorre quando se exige que o con-
dutor exale no aparelho para medir o teor alcoólico137. Com relação ao reconhecimento, não há norma expressa no di-
reito alemão que a regulamente. Assim, parte da doutrina138 entende
que, pela falta de norma, não é possível compelir o acusado a subme-
ter-se a reconhecimento por testemunha e menos ainda se o acusado
não puder ver a pessoa que o reconhecerá.
Contudo, os tribunais alemães, inclusive o Tribunal Constitu-
cional Federal, têm admitido o reconhecimento e ainda a imposição deoutras medidas, como cortar o cabelo ou a barba; usar de artifícios
para forçar uma posição da cabeça; manter os olhos abertos; manter
dada expressão facial. Tal orientação invoca, por vezes, a analogia com
relação à submissão do acusado a exames, como o de sangue, e à iden-
tificação dactiloscópica. Outras vezes o fundamento é o de que tais
medidas coercitivas exigem do acusado apenas uma colaboração passi-
va, ou seja, a tolerância139.
A esse respeito, decidiu o Kammergericht: "os acusados não foramobrigados a assumir uma dada expressão facial. Tiveram, pelo contrá-
rio, de ser coercivamente impedidos de — através de atitudes como:
baixar ou abanar a cabeça, fechar os olhos, fazer caretas — frustrar o
fim do reconhecimento, impossibilitando as testemunhas de encarar a
sua fisionomia em estado normal e sem perturbações. Eles não foram,
assim, coagidos a uma actividade positiva e voluntária, mas apenas for-
çados a pôr termo à desobediência ilícita ao dever, que sobre eles im-
pendia, de tolerância passiva”140.
137 Cf. COLOMER, Juan-Luis Gomez, El proceso penal alemán. Introducción y normas bá-
sicas, cit., p. 118.
138 Nesse sentido, GRÜNWALD apud ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições
de prova em processo penal, cit., p. 129.139 Cf. ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p. 130.]
® Cf. ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p. 130.
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A doutrina tem-se inclinado pela inadmissibilidade de todas as
formas de imposição de determinada expressão facial ou corporal.
Contesta também o emprego de analogia com relação a normas que,
ao estabelecerem meios coercitivos, como é o caso da coleta de san-
gue, deveriam ser interpretadas restritivamente141
.
4.4. Direito espanhol
No direito espanhol não há normas específicas sobre as provas
obtidas mediante intervenções corporais no acusado. Divergem doutrina e jurisprudência no tratamento da matéria.
Na doutrina, entende-se que inexistem normas no direito espa-
nhol que possam dar respaldo às intervenções corporais no acusado142.
Em acréscimo, considera-se que há dois limites importantes nasintervenções corporais: o primeiro é que não são admissíveis as que,
por sua natureza, imponham dor e transtornos à saúde do acusado,
porque acarretariam restrições intoleráveis à sua integridade física. O
segundo é que não são lícitas as que, por sua natureza ou pelas condi-
ções pessoais do acusado, sejam perigosas para a sua saúde, ainda que
o acusado expresse seu consentimento.
Mas, de qualquer modo, conforme o entendimento doutrinário,
falta norma que autorize as intervenções corporais no acusado. Já o Tribunal Constitucional e o Ministério Público têm sustenta-
do que há normas autorizadoras de tais medidas no direito espanhol,
previstas na Ley de Enj uiciamiento Crimi nal 143 .
141
ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p.131.
142 Cf. HERNÁNDEZ, Angel Gil, Intervenciones corporales y derechos fundamentales, cit.,
p. 38, e SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidady derechosfundamentales
en el proceso penale, cit., p. 303. 143 Tais dispositivos são os arts. 339 e 478, n. 1. O art. 339 estabelece a possibilidade de
o juiz proceder ao exame do processado no lugar dos fatos, diante das pessoas ou coi-
sas a eles relacionadas. Já o art. 478, 1, dispõe que o laudo pericial deverá conter a
descrição da pessoa ou coisa que seja objeto deste, no estado e modo em que se encon-
tre. Como se verifica, nenhum dos dois dispositivos mencionados se refere, diretamen-
te, às intervenções corporais no acusado.
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Em 1988, o Procurador-Geral do Estado editou a Instrução n. 88,
versando sobre a constitucionalidade e legalidade das intervenções cor-
porais e sobre a possibilidade de processar por crime de desobediência
as pessoas que negassem a se submeter a tais medidas porque conside-
ravam os exames em cavidades naturais humilhantes e degradantes144
.O Ministério Público defendeu ainda que as intervenções corporais es-
tão amparadas também no art. 8.1 da Lei Orgânica n. 1 /82.
Em sentença proferida em 1989 (n. 37), o Tribunal Constitucional
firmou o entendimento do qual resultaram os seguintes requisitos
para a intervenção corporal:
— restrição determinada por decisão judicial, executada com res-
peito à dignidade da pessoa e que não constitua medida degradante; e
— decisão judicial fundada em lei, devendo ser motivada e respei-tar a proporcionalidade: assim, o juiz deverá analisar o caso concreto,
sopesando o sacrifício do direito do acusado e o fato a ser apurado145.
144 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
processo penal, cit., p. 286. Segundo o referido autor, a edição dessa Instrução foi moti-
vada por sentenças proferidas na província de Cádiz, as quais absolviam do crime dedesobediência as pessoas suspeitas de transportar drogas no reto e na vagina, que se
negassem a ser examinadas.
145 Cf. HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y derechos fundamentales, cit.,
p. 41-42. O caso se referia à determinação judicial para ingresso em clínica, na qual se
suspeitava fossem praticados abortos. Ali foram encontrados arquivos com fichas. E o
juiz ordenou que uma mulher, cujo nome estava nas fichas, fosse submetida a exame
ginecológico. Além disso, o juiz havia decidido tomar suas declarações como testemu-
nha. O Tribunal considerou que feriam a intimidade as intervenções corporais sobre
partes do corpo que afetassem o pudor e o recato. Entendeu também que a determi-
nação de oitiva da mulher como testemunha violava o direito de defesa porque preci-sava ela ser informada acerca dos seus direitos como acusada. Cita o referido autor
outra decisão do Tribunal Constitucional, com suporte na Instrução n. 6/88 do Minis-
tério Público. Tal decisão versou sobre a constitucionalidade e legalidade das interven-
ções corporais, bem como sobre a configuração do crime de desobediência com rela-
ção àqueles que se recusassem a se submeter às ditas intervenções. O caso envolvia
exame radiológico. O Tribunal Constitucional decidiu, a respeito, que o citado exame
não vulnerava o art. 15 da Constituição, porque não era desumano nem degradante;
não violava também a intimidade (art. 18.1 da Constituição) e que não infringia, igual-
mente, o art. 43 da Constituição, referente ao direito à saúde. Isto porque a medida
somente poderá ser realizada se não houver risco à saúde do acusado.
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O Tribunal Constitucional tem afastado, sistematicamente, as
violações a direitos fundamentais nas provas que dependam de inter-
venção corporal no acusado140.
Assim, quanto ao direito à intimidade, tutelado no art. 18.1 da
Constituição, em que pese a adoção da distinção entre intervenções
corporais que afetem esferas íntimas e aquelas que atingem esferas
não íntimas, o Tribunal Constitucional tem adotado um conceito de
intimidade muito peculiar. Praticamente, a intimidade eqüivale a um
direito ao recato147.
Considera o Tribunal Constitucional, sob esse prisma, que não há
violação à intimidade nas provas que não atinjam o recato e o senti-
mento de pudor. Os conceitos de recato e sentimento de pudor são
considerados sob a ótica cultural. Se as intervenções corporais estive-
rem dentro dos critérios e parâmetros arraigados na cultura, não há
ofensa à intimidade148.
Tal posicionamento do Tribunal Constitucional, por ser muito
restritivo, tem sido objeto de críticas por parte da doutrina149.
Igualmente, embora o Tribunal Constitucional adote como parâ-
metro para as intervenções corporais que não poderão elas ser realiza-
das com ofensa à dignidade da pessoa, tem decidido que não viola a
dignidade a realização de exame ginecológico em mulher, para detec-
tar sinais de aborto, nem a revista efetuada nas cavidades naturais dos
corpos dos presos150, excluindo-se o emprego de força física.
146 Em que pese tal posicionamento, o Tribunal Supremo, em decisão proferida em
9-10-1998, absolveu o acusado estrangeiro que havia sido submetido à radiografia, sem
ser antes advertido de seus direitos, nem contar com assistência de advogado (cf. CAS-
TRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres, La prueba ilícita penal,
cit., p. 62-63).
147 Cf. HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y derechos fundamentales, cit.,
p. 44-48. 148 Cf. HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y derechos fundamentales, cit.,
p. 44-48. 149 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
roceso penal, cit., p. 301.
150 Entendimento firmado, respectivamente, nas sentenças n. 37/89 e 57/94 do Tribu-nal Constitucional, conforme HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y de-
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Tem considerado ainda esse Tribunal que os exames de sangue151,
os exames ginecológicos152 e o etilômetro153 não ofendem o art. 15 da
Constituição, que tutela o direito à integridade física e moral. Conside-
ra-se que referido dispositivo proíbe o emprego de tortura, tratamento
desumano e degradante e de medidas que provoquem dores ou trans-
tornos à saúde154.
Tem predominado também o entendimento de que a coleta de
sêmen só pode ser realizada com consentimento155. Já a extração de ca-
belos pode ocorrer sem consentimento, mas somente em casos graves156.
Do mesmo modo, tem-se considerado que o direito à liberdade
não é violado nas intervenções corporais, uma vez que a restrição à li-
berdade em tais medidas se dá por um curto espaço de tempo157.
rechos fundamentales, cit., p. 49. A respeito de exames nas cavidades naturais, SERRA-
NO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el proceso
penal, cit., p. 289, entende que tais exames não são, por si, degradantes. Segundo o re-
ferido autor, por vezes, medidas mais comuns, como a identificação criminal, condu-
zem, em maior grau, à degradação e à humilhação.
151 Conforme decisão n. 8.278/78 da Comissão Européia de Direitos Humanos e Sen-
tenças 103/85e65/86do Tribunal Constitucional. Entretanto, não pode haver empre-go de força física para execução do exame. Quando muito, poderá configurar-se delito
de desobediência (cf. CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel
Torres, La prueba ilícita penal, cit., p. 96).
152 Conforme decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no Caso Tyrer, de
25-4-1978.153 Conforme decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos: Caso Irlanda contra
Reino Unido, de 18-1-1978; Tyer, de 25-4-1978; Campbell y Cosans, de 25-2-1988, e Soering,
de 7-6-1989.154 A respeito, o Tribunal Supremo tem considerado degradante obrigar pessoa a ficar
nua e efetuar flexões até cair pacote de droga que portava no reto (sentença de 26-6-
1998) ou que guardava na vagina (sentença de 17-2-1999) (conforme CASTRILLO, Edu-
ardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres, Lapmeba ilícita penal, cit., p. 97).155 Sentença do Tribunal Supremo de 13-7-1992 (conforme CASTRILLO, Eduardo de
Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres, La prueba ilícita penal, cit., p. 100).156 Sentença do Tribunal Constitucional n. 207/96. No caso, pretenderam-se extrair
fios de cabelo, coercitivamente, para verificar se determinada pessoa era consumidora
de heroína. O Tribunal Constitucional entendeu que a medida não era proporcional
(conforme CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres, La
prueba ilícita penal, cit., p. 103). , Observa, porém, a respeito, HERN NDEZ, ngel Gil, Intervenciones corporales y
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Com relação ao nemo tenetur se detegere, expresso pelo direito de
não declarar contra si mesmo, com proteção constitucional no art.
17.3, entendem doutrina e jurisprudência do Tribunal Constitucional
que a submissão a intervenções corporais não eqüivale à declaração de
culpabilidade.
Especificamente com referência aos exames de alcoolemia, deci-
diu o Tribunal Constitucional que “não se obriga o averiguado a emitir
uma declaração que exteriorize seu conteúdo, admitindo sua culpabi-
lidade, e sim a tolerar que se torne objeto de uma especial modalidade
de perícia, que exige uma mínima colaboração, em absoluto equipará-
vel à declaração compreendida naquelas”158.
A doutrina, quanto ao nemo tenetur se detegere, compartilha do
entendimento adotado pelo Tribunal Constitucional, considerandoque as intervenções corporais não correspondem a atos de inculpa-
ção. São meios de prova que poderão ser favoráveis ou desfavoráveis
ao acusado159.
No mesmo diapasão, doutrina e jurisprudência entendem que
não há ofensa à presunção de inocência nas intervenções corporais.
O direito à saúde, tutelado no art. 43 da Constituição, constitui
importante parâmetro para a limitação das intervenções corporais. Re-
ferido direito exclui as intervenções corporais dolorosas, que acarre-tem risco abstrato à saúde do acusado (como a extração de líquido ce-
falorraquidiano) ou concretamente considerado (como o exame radio-
lógico em mulheres grávidas)160. Porém, o Tribunal Constitucional
derechos fundamentales, cit., p. 53, que a Ley de Enjuiciamiento Criminal não dispõe de
norma que regulamente essa espécie de “detenção”. A Comissão Européia de Direitos Humanos reconheceu na decisão 8.278/78 que a condução coercitiva para fins de co-
leta de sangue constitui restrição à liberdade e deve ser examinada em face do art. 5“
do Convênio, mas nem sempre será ilegítima.
Sentença n. 102/85, de 4 de novembro.
159 Cf. HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y derechos fundamentales, cit., p.
54. Nesse sentido, decisão proferida pelo Tribunal Supremo, de 5-2-1999, na qual se en-
tendeu que a exploração radíológíca não constituí declaração de culpabilidade. Por isso
não há necessidade de assistência de advogado (conforme CASTRILLO, Eduardo de Ur-
bano e MORATO, Miguel Angel Torres, Laprueba ilidtapenal, cit., p. 99-100).
HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y derechos fundamentales, cit., p. 54-55.
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tem decidido que não ofendem a saúde, nem a integridade física, exa-
mes radíológicos periódicos, de controle, realizados em presos, sobre-
tudo considerando-se o comportamento anterior destes161.
Em matéria de perícias, a recusa do acusado em submeter-se a
elas não conduz à confissão ficta, mas poderá ser interpretada em con-sonância com outros elementos probatórios, que demonstrem a culpa-
bilidade162. Tem-se entendido que o exame grafotécnico não ofende o
nemo tenetur se detegere porque não se pode afirmar, de antemão, que a
prova é incriminatória. Mas o acusado deve ser advertido de seus direi-
tos constitucionais, inclusive quanto à possibilidade de recusar-se a ofe-
recer material163.
Com referência aos crimes de trânsito, como já mencionado, o
Tribunal Constitucional manifestou-se, por diversas vezes, pela suaconstitucionalidade, não reconhecendo ofensas a direitos fundamen-
tais nos exames de alcoolemia.
O Decreto Real Legislativo n. 339/90 já autorizava os juizes a
determinarem realização de exames de sangue e urina para conferir os
resultados de testes de alcoolemia por ar expirado164.
O Código de Trânsito de 1995 tipificou, no art. 380, o crime de
desobediência grave cometido pelo condutor que se negar a submeter-se
às provas legalmente estabelecidas para comprovação de embriaguez.
Via de regra, o exame é efetuado mediante uso do etilômetro165.
161 Cf. Sentença n. 57, de 28-2-1994 (consoante CASTRILLO, Eduardo de Urbano e
MORATO, Miguel Angel Torres, La prueba ilícita penal, cit., p. 98).
162 Nesse sentido, decidiu o Tribunal Supremo, em sentença de 3-11-1997, sobre reco-
nhecimento de voz, que a "negativa do interessado a submeter-se à prova científica
não conduz, por si mesma, à confissão ficta, mas não impede, como sucede na provade paternidade, que o Tribunal possa utilizar ou valer-se de outros elementos probató-
rios que levem à convicção de que a voz, com conseqüências inculpatórias, é de deter-
minada pessoa” (cf. CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Tor -
res, La prueba ilícita penal, cit., p. 91).
163 Sentença do Tribunal Supremo de 5-6-1998 (conforme CASTRILLO, Eduardo de
Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres, La prueba ilícita penal, cit., p. 114).
Cf. CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres, La prueba
ilícita penal, cit., p. 97.165 GÓMEZ, Ramón Maciá. Delitos y faltas relacionados con la circulación de vehículos a
motor en el Código Penal de 1995. Barcelona: Cedecs Editorial, 1996,p. 32, citao RD 13/92
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Ramón Gómez166 assinala, a respeito do mencionado dispositivo
do Código de Trânsito, que houve proposta de emenda para aboli-lo,
tendo em vista que o direito de recusar-se à prova de alcoolemia inscre-
ve-se no direito a não declarar contra si mesmo. Contudo, a emenda
foi rejeitada, entre outras, com suporte no entendimento adotado peloTribunal Constitucional.
Quanto ao reconhecimento, a jurisprudência tem tolerado diver-
sos vícios, dando prevalência ao interesse na apuração dos delitos167.
Porém, tem-se considerado para a validade do reconhecimento, poli-
cial ou judicial, que é essencial a presença do advogado168.
Sobre a entrega de documentos pelo investigado ou acusado, em
crimes contra a Fazenda Pública, o Tribunal Constitucional, em duas
sentenças (n. 18/2005 e 68/2006), entendeu que não havia sido violadoo direito de não declarar contra si mesmo, pois a coação legal que fora
exercida, consistente na ameaça de imposição de sanções por não cola-
borar com a fiscalização, apresentando provas e documentos contá-
beis, não havia recaído sobre as pessoas físicas dos administradores,
mas sim sobre a pessoa jurídica que geriam. Ou seja, o Tribunal Cons-
titucional considerou que a condenação desses administradores não se
deu em virtude de suas declarações inculpatórias, realizadas sob coa-
ção. Tais decisões, entretanto, mereceram severas críticas da doutrina,pois adotaram formalismo exacerbado ao argumentar que a coação
exercida sobre a pessoa jurídica para entrega de documentos não atin-
e a Ordem de 27-7-1994, bem como os arts. 20 e s. do Decreto de 16-7-1994, que se
referem às provas de alcoolemia que, normalmente, se realizam por ar expirado, que
são efetuadas por agentes da vigilância do tráfego. Refere o autor que, se houver peti-
ção do interessado ou ordem judicial, tais provas poderão ser repetidas para o efeito decontraste, podendo consistir em análise de sangue, urina e outros.
166 GÓMEZ, Ramón Maciá, Delitos y faltas relacionados con la circulación de vehículos a
motor en el Código Penal de 1995, cit., p. 33-34. A emenda referida é a de n. 795 do G. P.
IU-IC, de 6-6-1995.167 A respeito, sentenças do Tribunal Supremo de 14-3-1990 e de 21-1-1991. No último
caso, considerou-se válido o reconhecimento efetuado por testemunhas que haviam
visto previamente o acusado na polícia e em fotografia (CASTRILLO, Eduardo de
Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres, La prueba ilícita penal, cit., p. 86-87).
168 Nesse sentido, sentença do Tribunal Supremo de 5-2-1992 (cf. CASTRILLO, Eduardo
de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres, La prueba ilícita penal, cit., p. 87).
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giria seus administradores, investigados ou acusados. Ademais, preco-
nizam posicionamento confuso, segundo o qual a exibição de docu-
mento não eqüivale a uma confissão. Além disso, não analisou o Tribu-
nal se os dados, que foram fornecidos pelos acusados e que fundamen-
taram a condenação, tinham existência dependente ou independente
de sua vontade169.
4.5. Direito português
No direito português, o acusado não pode recusar-se a submeter-
-se à perícia, podendo ser compelido por decisão judicial a cooperar. A
jurisprudência dò Tribunal Constitucional filia-se à posição firmada
pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no caso Saunders v. Rei-
no Unido, no sentido de que o direito a não autoincriminação só incide
nas declarações, não podendo ser estendido a elementos do arguido
obtidos por meio de poderes coercitivos, mas que independem da von-
tade dele, como colheita, por expiração, de sangue, de urina, ou de
tecidos corporais para análise do DNA170.
Quanto aos exames, que podem incidir sobre pessoas, lugares ou
coisas, o árt. 172 n. 1 do Código de Processo Penal português estabele-
ce que: “se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame
169 PUCCIARELLO, Mariana, Derecho a no autoincriminarse y deber de colaborar en el âm-
bito tributário. Buenos Aires: Ad Hoc, 2011, p. 66-67.
no ACTC 155/2007, que tratou de coleta forçada de saliva. No referido julgado, o
Tribunal Constitucional entendeu que era possível compelir o investigado a fornecer
saliva, mediante decisão judicial, com fundamento no art. 172 do Código de ProcessoPenal e art. 6C da Lei n. 45/2004, conforme DIAS, Augusto Silva e RAMOS, Vânia
Costa, cit., p. 16, 27-30. Os mencionados autores, no entanto, criticam a postura res-
tritiva do nemo tenetur se detegere adotada pelo Tribunal Constitucional português,
afirmando que "As declarações do suspeito sacadas por meio de violência, coacção ou
engano não o comprometem necessariamente mais do que a saliva ou o sangue que
dele são extraídos ou os documentos que é obrigado a entregar” (p. 33). Observam,
em acréscimo, os referidos autores que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos
tem entendido, em vários acórdãos, que a entrega de documentos exigidos por auto-
ridades para controle da situação dos seus detentores está abrangida pelo nemo tenetur
se detegere (cit., p. 32-33).
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devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido
por decisão da autoridade judiciária competente”171.
Complementa a disciplina o n. 3 do mesmo artigo, que dispõe
que “Os exames susceptíveis de ofender o pudor das pessoas devem
respeitar a dignidade e, na medida do possível, o pudor de quem a elesse submeter. Ao exame só assistem quem a ele proceder e a autoridade
judiciária competente, podendo o examinando fazer-se acompanhar
de pessoa da sua confiança, se não houver perigo na demora e devendo
ser informado de que possui essa faculdade”.
Além disso, o art. 172, n. 2, remete à disciplina dos arts. 154, n. 2,
e 156, n. 5 e 6. O art. 154, n. 2, dispõe que, quando se tratar de perícia
sobre características físicas ou psíquicas de pessoa que não haja presta-
do consentimento, a decisão que a determina é de competência do juiz,a qual ponderará sobre a necessidade da sua realização, tendo em vista
o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado. Tais
perícias, conforme prescreve o art. 156, n. 5, serão realizadas por médi-
co ou por pessoa legalmente autorizada e não podem criar perigo para
a saúde do visado. Em acréscimo, o art. 156, n. 6, estabelece que, quan-
do se tratar de análises de sangue ou de outras células corporais, os
exames efetuados e as amostras recolhidas só podem ser utilizados no
processo em curso ou em outro já instaurado, devendo ser destruídos,mediante despacho do juiz, logo que não sejam necessários.
Jorge de Figueiredo Dias172 destaca que, além de meio de prova,
as inspeções e perícias assumiram a feição de meio de coerção proces-
sual, na medida em que a pessoa poderá ser constrangida a suportar
atividade investigativa sobre si mesma. Sendo assim, segundo o autor,
as normas que as regulamentam deverão ser interpretadas e aplicadas
restritivamente.
A Lei n. 45, de 19 de agosto de 2004, estabeleceu o regime jurídi-co das perícias médico-legais e forenses. No art. 6-, n. 1, dispõe que
"ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-
-legal quando este se mostrar necessário ao inquérito ou à instrução de
171 GONÇALVES, Manuel Lopes Maia. Código de Processo Penal anotado. 10. ed. Coim-
bra: Almedina, 1999, p. 364-365 e 380.
DIAS, Jorge Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra Ed., 1974, p. 439.
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Assim, quem for realizar o reconhecimento deverá descrever,
pormenorizadamente, a pessoa a ser reconhecida. Deverá ser indaga-
do, ainda, se já havia visto antes aquela pessoa e em quais condições.
Por fim, deverá ser questionado sobre outras circunstâncias que pos-
sam influir na credibilidade da identificação.
Dispõe o art. 147, n. 2, que, se a identificação não for cabal, de-
vem ser escolhidas pelo menos duas pessoas que "apresentem as maio-
res semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a iden-
tificar”. A última será colocada ao lado das demais e se possível deverá
“apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista
pela pessoa que procede ao reconhecimento”.
Só então é que o reconhecedor será indagado sobre se identifica
alguma daquelas pessoas e, em caso afirmativo, qual.
Predomina Q entendimento de que o acusado não pode recusar-
-se a se submeter ao reconhecimento.
Manuel da Costa Andrade178 destaca, sobre o reconhecimento,
que o legislador português estabeleceu os limites deste. Sendo assim,
não poderão tais dispositivos ser interpretados de modo a compelir o
acusado a alterar substancialmente sua aparência ou mesmo a fazer
determinado gesto para fins de reconhecimento.
Outro meio de prova admitido no direito português, para oqual poderá ser convocado o acusado para participar, é a reconstitui-
ção do fato.
Estabelece o art. 150 do Código de Processo Penal, a respeito: “1.
Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter
ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consis-
te na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se
afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de re-
alização do mesmo”.
Não há, porém, dispositivo no direito português que estabeleça,
a exemplo do que ocorre em relação às perícias, o dever de colabora-
ção do acusado.
178
ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p. 131.
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Por fim, a doutrina portuguesa tem reconhecido outras mani-
festações do nemo teneturse detegere, além do direito ao silêncio, como
o direito de não entregar documentos (correspondência pessoal, diá-
rios etc.)179.
4.6. Direito argentino
No direito argentino, quanto às provas que dependem de inter-
venção corporal no acusado, diversos critérios adotados pela jurispru-
dência excepcionam a incidência do art. 18 da Constituição, que aco-
lhe, expressamente, o nemo teneturse detegere.
Desse modo, como adiante se detalhará, há entendimento de que
provas que violem a intimidade do acusado somente poderiam ser rea-lizadas com o seu consentimento, não podendo ordem judicial supri-lo.
Não obstante, em matéria de extração de sangue, a jurisprudên-
cia tem entendido que, mesmo contra a vontade do acusado, é possível
realizar o exame. A única limitação apontada é o perigo para a vida
deste180.
Na doutrina, Colautti181 ressalta que, em razão do nemo teneturse
detegere, què é contemplado expressamente na Constituição argentina,
no art. 18, não é possível utilizar coação para obter a extração de san-gue. No plano civil, a recusa do réu em submeter-se à mencionada
prova conduz à grave presunção da paternidade, especialmente diante
da margem de certeza proporcionada pelos exames de DNA. No âmbi-
to penal, não se admite essa conseqüência da recusa, em face da pre-
sunção de inocência.
Cf. DIAS, Augusto Silva e RAMOS, Vânia Costa, cit., p. 21.
180 Nesse sentido, decisão proferida no caso Aranguren, proferida pela Câmara Criminal
e Correcional, Sala I, JA 1992-111-23, citada por CARRIO, Alejandro D. Garantias consti-
tucionales en d proceso penal. 3. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 1997, p. 314. O caso refe-
ria-se a extração de sangue para dosagem de álcool. Decidiu-se que o meio de investi-
gação era lícito, podendo ser executado mesmo contra a vontade do acusado. Salien-
tou o Tribunal que "el procesado está sujeto a la revisación corporal, de modo no sólo
pasivo sino también activo".
181
COLAUTTI, Carlos E. Derechos humanos. Buenos Aires: Ed. Universidad, 1995, p. 106.
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Outro critério fixado pela jurisprudência é o da desnecessidade
de advertência do acusado quanto à natureza incriminatória da prova
que possa se produzir, com a sua cooperação, sempre que essa prova
possa se produzir pelos meios naturais, independentemente da sua
vontade. É o que ocorreu no rumoroso caso Alvarez 18z. O acusado foi deti-
do em um hotel sob a suspeita de estar portando entorpecente em seu
organismo. Foi conduzido ao hospital e submetido à radiografia, que
identificou diversas cápsulas de cocaína no interior de seus intestinos. Ele aceitou que se lhe ministrasse um enema, tendo subscrito um
documento no qual se ressaltava que o consentimento havia sido obti-
do por nerviosismo.
Para obter as cápsulas, foi-lhe aplicado enema, a fim de que eva-cuasse rapidamepte. Segundo relatou o funcionário do hospital, ele
fazia grande esforço para não evacuar. Mas, a final, a evacuação se rea-
lizou e a polícia conseguiu as cápsulas. Embora a defesa tivesse alegado a nulidade do procedimento que
deu lugar à obtenção das cápsulas, porque o acusado não havia sido
advertido quanto à natureza incriminatória da prova que se pretendia
obter, foi ele condenado em primeira e segunda instâncias.
O Tribunal, ao decidir, salientou que a evacuação se produziria dequalquer modo, pela própria natureza, e que, sendo assim, não havia
necessidade de adverti-lo quanto à natureza incriminatória da prova.
Afirmou-se textualmente que não houve ofensa ao nemo teneturse dete-
gere, porque referida garantia diz respeito à invalidação de qualquer
meio coercitivo que vença a vontade do acusado. E, no caso concreto,
a vontade dele seria inoperante, na medida em que a evacuação ocor-
reria cedo ou tarde183. Além disso, ressaltou-se na decisão que o acusado havia consenti-
do, não havendo nem mesmo violação à sua intimidade, em face do
consentimento184.
Cf. CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 315-317.
Cf. CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 316.
184 Destaca-se que, quando a inspeção corporal envolve o direito à intimidade do acu-
sado, somente poderá ser realizada com o seu consentimento. Não poderá esse con-sentimento ser suprido mediante ordem judicial. Foi o entendimento adotado na refe-
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Houve, entretanto, voto vencido no qual se contestou que se es-
tivesse diante de consentimento válido, no caso, observando-se que o
consentimento deverá ser prestado de modo que não deixe dúvidas
quanto à plena liberdade do indivíduo. No caso, o acusado havia esta-do, durante todo o tempo, privado de sua liberdade e de assistência de
advogado, ou seja, submetido a uma situação de coação.
O caso trouxe à tona o debate em torno das práticas humilhan-
tes para a obtenção de prova contra o acusado, com a sua participa-
ção, e também a questão da proteção ao pudor do indivíduo na reali-
zação da prova.
Outro critério apontado na jurisprudência, em matéria de inspe-
ções corporais no acusado, é que existam razoáveis suspeitas contraaquele que será submetido à prova.
Em acréscimo, a jurisprudência tem entendido que, se não se ini-
ciaram procedimentos por parte do Estado, não incide a garantia da
não autoincriminação, como no caso de uma mulher que chegou ao
hospital público por ter provocado autoaborto e foi submetida a pro-
cesso penal. A respeito, uma das salas da Câmara de Apelações da Ca-
pital Federal185 decidiu que não incidia a garantia da não autoincrimi-
nação porque a ida da mulher ao hospital foi anterior a qualquer atua-
ção estatal para apurar o fato. Segundo a doutrina, porém, não foram
consideradas, nesse julgado, as razoáveis objeções à incriminação de
uma pessoa que, apesar de agir com liberdade, enfrentou o dilema de
morrer ou de ir para o cárcere186.
Quanto às provas que não implicam intervenção corporal no
acusado, diferentes critérios são adotados.
Com relação à reconstituição do fato, tem-se entendido que o
acusado não está obrigado a participar. A esse respeito, Carlos Creus,
na doutrina argentina, salienta que a reconstituição é, para o acusado,
rida decisão, no caso Alvarez (cf. CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el
proceso penal, cit., p. 316-317.
185Julgado da CnCrim. y Correc. de la Capital Federal, Sala 7 1, lc-4-2007 (caso "G.N."),
conforme PUCCIARELLO, Mariana, Derecho a no autoincriminarse y deber àe colaborar
en el âmbito tributário. Buenos Aires: Ad Hoc, 2011, p. 131-132.Cf. PUCCIARELLO, Mariana, cit., p. 132.
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prolongamento das declarações indagatórias, de modo que não está
obrigado a nela intervir187.
Não pode, contudo, o suspeito recusar-se à revista pessoal, para
localização de algum objeto. Se isso ocorrer, sem causas justificadas,poderá ser empregada, inclusive, força contra o suspeito188. Um exem-
plo de causa justificada para a recusa, mencionado pela jurisprudência,
é o cumprimento pela autoridade das regras impostas por lei, para a
execução da revista, como o respeito ao pudor da pessoa revistada.
Quanto ao reconhecimento, também não se admite sua recusa,
pois, segundo a jurisprudência, não se trata de ato de vontade, limitan-
do-se o acusado a “ceder” seu corpo. Poderá, assim, ser forçado a sub-
meter-se a reconhecimento189
. Já na acareação, o acusado está obrigado a participar, mas não a
responder às perguntas feitas, porque predomina o entendimento de
que se trata de prolongamento das declarações indagatórias.
Do mesmo modo, o acusado não está obrigado a reconhecer do-
cumentos que lhe forem exibidos ou a fornecer material grafotécnico
para exame190.
Quanto à prova documental, a jurisprudência tem considerado
que não há violação ao nemo tenetur se detegere quando o suspeito ouacusado é intimado a entregar documentos que possam incriminá-lo,
porque a determinação a ele para que produza certa prova incrimina-
tória não eqüivale a compeli-lo a declarar contra si mesmo191.
CREUS, Carlos. Derecho procesal penal. Buenos Aires: Astrea, 1996, p. 462.
188 É o que estabelecem diversos Códigos: art. 230 do Código Processual Penal da
Nação; art. 222 do Código de Córdoba; art. 227 do Código de Santa Fé; art. 234 do
Código de Mendoza; e art. 230 de Entre Rios (cf. CREUS, Carlos, Derecho procesal
penal, cit., p. 465).189 Cf. CREUS, Carlos, Derecho procesal penal, cit., p. 478-479.190 Sobre o reconhecimento de documentos pelo acusado: art. 237 do Código de Santa
Fé; art. 178 do Código de Buenos Aires (cf. CREUS, Carlos, Derecho procesal penal, cit.,
p. 482).191 Nesse sentido, Fallos — CSJN249:530 (cf. CARRIO, Alejandro D., Garantias constitu-
cionales en el proceso penal, cit., p. 276-277).
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4.7. Direito chileno
O Código de Processo Penal, que vigorou em todo o território
chileno até o início de dezembro de 2000, não cuidava, especificamen-
te, das provas que exigem intervenção corporal no acusado.
Em matéria de trânsito, foi regulamentado pelo Decreto Supre-
mo n. 33, de 24 de abril de 1997, o procedimento de fiscalização dos
condutores sob a influência do álcool, podendo ser utilizado, inclusive,
o etilômetro.
O Código de Processo Penal que resultou da aprovação da Lei n.
19.696, publicada no Diário Of icial de 12 de outubro de 2000, inicial-
mente não entrou em vigor em toda a extensão do território chile-
no192, situação já superada.
Referido diploma processual penal dispôs em seu art. 197 sobre
os exames corporais: são admitidos tais exames no acusado sempre
que sejam relevantes para a investigação e não haja ofensa à saúde ou
dignidade deste.
Os exames corporais abrangem as provas de caráter biológico,
extrações de sangue e outros análogos.
Para efetuar os mencionados exames no acusado, o Ministério
Público deverá obter autorização judicial. Em outras palavras: não po-
derá o acusado recusar-se a se submeter aos exames corporais.
Cuidando-se dos delitos tipificados nos arts. 361 a 367bis e 375 do
Código Penal, os hospitais, clínicas e estabelecimentos de saúde, públi-
cos ou privados, deverão realizar os reconhecimentos, exames médi-
cos e provas biológicas para comprovar o fato e identificar os autores e
partícipes do delito.
Estabelece o art. 198 do Código em vigor que deverão ser guar-
dadas cópias dos atos praticados, as amostras colhidas e os resultadosde exames realizados, por período não inferior a um ano, para remessa
ao Ministério Público. Quanto ao exame grafotécnico, também não se admite recusa
1,2 O art. 484 do referido Código estabeleceu os prazos para sua entrada em vigor nasdiversas regiões do Chile.
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por parte do acusado. A esse respeito, dispõe o art. 203 do Código que
o Ministério Público poderá solicitar-lhe que escreva em sua presença
algumas palavras ou frases, para realização da perícia grafotécnica.
Mas se ele se negar a fazê-lo, o Ministério Público poderá requerer ao
juiz a autorização correspondente. Não consta, entretanto, do textolegal de que forma seria executada a mencionada autorização.
4.8. Direito inglês
A legislação inglesa é detalhada quanto às normas referentes às
provas que implicam intervenção corporal no acusado. Elas constam
do Police and Criminal Evidence Act de 1984. Depois, alterações foram
promovidas pelo Criminal Justice and Publi c Order Act de 1994, que, por
sua vez, sofreu modificações parciais pelo Criminal Justice Act de 2003.
Distinguem-se as coletas invasivas e as não invasivas. As invasivas
são denominadas intimate samples — incidem sobre a esfera íntima da
pessoa. É o caso da coleta sanguínea193. As não invasivas são denomina-
das other samples ou non intimate samples, isto é, são outros tipos de co-
leta de caráter externo ou superficial. Exemplo é a coleta de fios de
cabelo194.
As coletas são classificadas em lista. As de saliva e de células da
boca foram reclassificadas em não invasivas, podendo ser realizadas
sem consentimento. Já as de sangue, sêmen, urina e tecidos extraídos
da zona púbica ou orifícios são invasivas.
As invasivas poderão ser determinadas por oficial da polícia, que
seja, no mínimo, supervisor ou comissário, mediante autorização por
ele expedida, que obedece a determinados requisitos, quando se tratar
de pessoa presa. Deve haver sempre o consentimento do acusado195,
por escrito.
Para que seja determinada a coleta invasiva consideram-se, ainda,
a gravidade do crime e a prognose de utilidade da prova, ou seja, rele-
193 ASHWORTH, Andrew. The criminal process, an evaluative study. 2. ed. Oxford: Oxford
University, 1998, p. 131.
Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 131.
Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 131.
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vância para verificar se o suspeito está envolvido no crime ou não.
O acusado deve ser informado acerca da autorização expedida
para a coleta e os motivos pelos quais foi fornecida196, bem como da
natureza do crime que lhe está sendo atribuído.
Exceto quanto à coleta de urina ou saliva, as demais deverão serexecutadas por médico.
Caso o acusado não forneça o consentimento, não há execução
forçada, nem aplicação de sanções específicas, mas se dá relevo proba-
tório à recusa. Dessa forma, se o acusado não fornecer seu consenti-
mento, sem um motivo justificável, a sua recusa em colaborar poderá
ser considerada idônea para corroborar outros elementos de prova
contrários. Será avaliada no conjunto probatório197.
Para as coletas não invasivas, não há necessidade de autorizaçãodo acusado. Mas, igualmente, a determinação da coleta está relaciona-
da à gravidade do delito e à importância da prova para a causa.
Somente podem ser realizadas as coletas não invasivas se houver
suspeita de envolvimento em crime grave (serious arrestable offence) 198 .
Porém, as coletas de saliva e células da boca poderão ser efetuadas
também em relação a crimes menos graves (recordable off ences).
As estatísticas após o Crimi nal Justice and Public Order Act de 1994
apontam que foram realizadas coletas não invasivas em 7% dos suspei-tos detidos pela polícia, sendo que 3 A utilizaram células da boca ou do
corpo e 18% dos exames identificaram os autores dos crimes199.
Já as coletas invasivas, como a de sangue, representam apenas
0,4% dos casos200. Dá-se preferência à realização das coletas menos invasivas201.
Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 131.
197 Semelhante orientação é adotada no Estado de Vitória, na Austrália, conforme FRE-
CKELTON, J. DNA Profiling, Optimism and Realism. In: Law Institute Journal, 63,
maio/1989, p. 360.198 Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 131. 199 ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 131. 200 ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 131. 201 Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 131.
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Observa-se que tais disposições não fazem qualquer referência
aos direitos humanos. Alguns argumentam que elas ferem o privilege
against self-incrimination. Entretanto, para chegar a essa conclusão, sa-
lienta Ashworth202, é necessário estabelecer analogia entre ser compe-
lido a falar e ser compelido a contribuir nas coletas. Desse modo, afirma-se na doutrina inglesa203 que o acusado pode
até recusar-se a cooperar na prova, mas não há conexão dessa recusa
com algum direito que ele tenha. Quando muito, o direito que estaria
associado à recusa, conforme a doutrina inglesa, é a intimidade.
Critica-se, porém, a extensão das coletas para crimes menos gra-
ves. A esse respeito, a Corte Européia de Direitos Humanos decidiu
em Malone v. UK que a exceção para coletas sem consentimento não
pode ser estendida para crimes menos graves. Só pode ser admitidapara crimes graves204.
Em razão da importância da prova de DNA no processo penal,
tem-se mostrado crescente a base de dados de DNA que permite o
confronto com o DNA coletado em materiais extraídos da cena do
crime. Segundo dados de 2008, essa base de dados alcançava 4 milhões
e 200 mil pessoas na Inglaterra, o que tem sido objeto de críticas por
parte da doutrina205. Tal expansão deveu-se à ampliação dos poderes da
polícia para obter amostras de DNA dos suspeitos. Na versão originaldo Criminal Justice anâ Public Order Act de 1994, somente podiam ser
obtidas amostras de DNA de suspeitos de envolvimento em crimes
graves (serious arrestable offences), e o material coletado não podia ser
mantido na base de DNA se o suspeito não fosse processado ou se fos-
se absolvido. Entretanto, as modificações introduzidas pelo Criminal
Justice Act de 2003 permitem que amostras de DNA possam ser obtidas,
sem consentimento, de qualquer um que for preso por envolvimento
ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 131.
203 Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 132, e
WIGMORE, H., Evidence, apud ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evalua-
tive study, cit., p. 132.
Cf. ASHWORTH, Andrew, The criminal process, an evaluative study, cit., p. 132.
205 ASHWORTH, Andrew e REDMAYNE, Mike, The criminal process. 4. ed. New York:
Oxford University Press Inc, 2010, p. 141.
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em infrações penais menos graves (recordable offences), e passam a inte-
grar a base de dados, independentemente de o suspeito ter sido conde-
nado ou acusado, ou ainda de a amostra ter sido utilizada na investiga-
ção em relação à qual se deu a prisão (conforme Seção 63). Além disso,
a amostra colhida pode ser mantida na base de dados indefinidamente.Essa ampliação de poderes do Estado para obtenção de DNA levou a
questão ao exame da Corte Européia de Direitos Humanos, em Marper
v. Uni ted Ki ngdom (2009 — 48 EHRR 50), com fulcro no art. 8a da Con-
venção Européia de Direitos Humanos, sob o enfoque do direito à inti-
midade. Como resultado, restrições aos poderes de retenção de DNA
na base de dados foram incluídas no Crime and Securi ty Bil l, de 2009206.
No julgamento de Marper questionou-se a manutenção de im-
pressões digitais e DNA na base de dados por tempo indeterminado.
Dele resultou a proposta final, integrada ao Crime and Security Bill, de
manter os dados dos condenados na base por tempo indefinido, mas,
quanto aos não condenados, estipulou-se prazo de manutenção de seis
anos207.
Quanto ao reconhecimento, observa a doutrina que tem ele sido
realizado, normalmente, por imagem. Os suspeitos têm determinados
direitos com relação ao procedimento de reconhecimento. O parágra-fo 3.17 do Code of Practice D especifica uma série de informações que
deve ser fornecida ao suspeito, entre as quais a de que ele não necessita
consentir para o procedimento de reconhecimento. Se ele não consen-
tir, a polícia poderá realizar esse procedimento fazendo uso de sua
imagem ou de um grupo de pessoas no qual ele esteja. A recusa pode-
rá ser utilizada como prova no julgamento. Além disso, se a polícia
Cf. ASHWORTH, Andrew; REDMAYNE, Mike, The criminal process, cit., p. 141-142.
207 Cf. ASHWORTH, Andrew; REDMAYNE, Mike, The criminal process, cit., p. 143. De
acordo com os mesmos autores, cit., p. 145, muitas críticas têm sido dirigidas à amplia-
ção das hipóteses de coleta de DNA, diante das alterações operadas pelo Criminal Jus-
tice Act de 2003. Uma delas se refere à desproporção étnica marcante nessa base de
dados: um em cada três jovens negros está incluído na base de dados do DNA, enquan-
to entre os brancos, um em cada oito jovens está incluído. E isso se deve à postura
policial que acaba conduzindo à prisão de maior número de negros do que brancos.
Ou seja, os brancos têm menores chances de ter seus dados incluídos na base.
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tem razoável suspeita sobre alguém e se este não coopera para o pro-
cedimento de reconhecimento, suas imagens podem ser capturadas
sem que ele seja advertido dos direitos consignados no parágrafo 3.17
do Code of Practice D. Mesmo assim, o suspeito poderá vir a cooperar
fornecendo mais imagens para o reconhecimento. Ele e seu advogado
poderão ver o rol de imagens compiladas para o reconhecimento e
poderão fazer objeções208.
Ainda quanto à extensão que se tem conferido ao pri vil ege against
self-incrimination, registram-se julgados que convergem para a orienta-
ção da Corte Européia de Direitos Humanos no sentido de que o privi-
lege se aplica para informações que possam incriminar o acusado em
procedimentos criminais e que não tenham existência independente-
mente de sua vontade. A respeito, a Corte Européia tem decidido que
o privilege não se aplica para coleta de materiais cuja existência inde-
pende da vontade do sujeito, tais como documentos obtidos em busca,
amostras de ar, sangue e urina e material corporal em tecidos com o
propósito de realizar teste de DNA209. Nesse sentido, em julgado da
ASHWORTH, Andrew; REDMAYNE, Mike, The criminal process, cit., p. 135.
209 Saunders v. United Kingdom (1997). De acordo com ASHWORTH, Andrew; RED-
MAYNE, Mike, The criminal process, cit. p. 147-150, a postura da Corte Européia de
Direitos Humanos com relação ao privilege against self-incrimination tem merecido crí-
ticas por sua oscilação quanto à aplicação - ou não - do privilege sem estabelecer cri-
térios claros. Assim, em Saunders v. United Kingdom, a Corte decidiu que a necessidade
de investigar crimes graves não pode justificar a "queb ra” do privilege. Em Jalloh v.
Germany (2007, 44 EHRR 32), a mesma Corte, invocando a ponderação de interesses,
concluiu que o interesse público, na investigação e punição de certos delitos, pode
justificar a violação ao privilege, cuja proteção é extraída do art. 6“ da Convenção
Européia de Direitos Humanos (das garantias do fair trial). No entanto, naquele caso
em particular, a Corte, mesmo observando que as drogas, no corpo do acusado, ti-
nham existência independentemente de sua vontade, decidiu que a “quebra” do pri-
vilege não se justificava porque configurara-se um pequeno delito envolvendo drogas,
que conduziria à pena branda. Em outro julgado, anteriormente citado, envolvendo
prestação de informações acerca do condutor do veículo em determinada ocas ião
(0‟Halloran and Francis v. United Kingdom, 2008), a Corte decidiu que não havia viola-
ção ao privilege na compulsão imposta ao investigado para que informasse quem diri-
gia em determinado momento, porque a pena imposta não era de prisão. Desse
modo, o mesmo fundamento - pena leve - serviu para a Corte Européia justificar a
violação ao privilege em um caso e, em outro, para afastá-la. Melhor seria, segundo os
mencionados autores, que se estabelecesse que, em certas circunstâncias, o privilege
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Corte de Apelo, que envolvia investigação sobre terrorismo, a polícia
queria acesso a arquivos criptografados do computador do acusado,
mas não era ,capaz de obtê-lo sem uma senha para tal fim. Com funda-
mento na Seção 49 do Regulation of I nvestigatory Powers Act de 2000, o
acusado foi intimado a fornecer a senha oralmente ou por escrito, sob
pena de cometer crime punível com a prisão. A Corte de Apelo, nesse
caso, decidiu que a senha tinha existência independentemente da von-
tade do acusado, ainda que tal dado estivesse "retido” em sua memó-
ria. Considerou-se, assim, que não incidia o privilege porque a questão
não tratava de autoincriminação210.
4.9. Direito norte-americano
No direito norte-americano entende-se que não há violação ao
privilege against self-incrimination em provas que dependam da colabo-
ração do acusado para sua produção.
O leadingcase é Holtv. U.S., julgado, em 1910, pela Suprema Cor-
te. No caso, o acusado foi compelido a desenhar uma blusa. A Corte
decidiu que, tanto as cortes estaduais quanto as federais, não aplica-
vam a proteção do privi lege against self -incr imi nation com relação à iden-
tificação dactiloscópica, fotográfica ou indicação de medidas, fornecerdados para a identificação por escrito ou verbalmente, ficar parado
perante o Tribunal, assumir uma postura ou caminhar, ou ainda fazer
determinado gesto, visando o reconhecimento211.
Em 1952, em Rochin v. Califórnia, a Suprema Corte decidiu que
procedimentos para extrair provas do corpo do acusado, sem con-
sentimento, violavam a Décima Quarta Emenda (due process of law).
Destacou-se no julgado que se aplica o privilege against self-incrimina-
tion não só quando alguém é compelido a testemunhar contra si
against self-incrimination é afastado porque há dever legal de cooperar na persecução
(cit., p. 152).
210 R. v. S. (2008 EWCA Crim 2177), conforme ASHWORTH, Andrew e REDMAYNE,
Mike. The criminal process, cit., p. 148-149.211
ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, Wayne R. Criminal procedure. Constitutional limitations.St. Paul: West Publishing Co., 1993, p. 237.
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mesmo, mas também quando alguém é forçado a produzir provas
em seu desfavor212.
Em Irvine v. Califórnia, em 1954, a Corte limitou Rochin às situa-
ções que envolvam coerção, violência ou brutalidade contra a pessoa213.
Em 1957, em Breithauptv. Abram, a Suprema Corte aceitou como
prova o sangue extraído de pessoa inconsciente, após acidente auto-
mobilístico. Considerou-se que a coleta foi efetuada por médico, que o
exame de sangue é rotineiro e que havia interesse da sociedade na de-
terminação da intoxicação214.
Em 1966, a Suprema Corte decidiu em Schmerber v. Califórnia,
por cinco votos a quatro, que o privilege against self-incrimination so-
mente protegia o acusado de ser compelido a testemunhar contra si
próprio e que se referia às provas testemunhais e de natureza comu-
nicativa215. O caSo referia-se à coleta de sangue para prova de embria-
guez de motorista.
Em 1967, a Corte decidiu que não violava o privilege compelir o
acusado a ficar em fila para ser identificado (U.S. v. Wade). No mesmo
ano, julgando Gilbert v. Califórnia, firmou o entendimento de que
compelir o suspeito ao fornecimento de material grafotécnico tam-
bém não infringia o privilege. Em ambos os casos a votação foi cincoa quatro216.
212 Rochin, suspeito de vender drogas, havia engolido duas cápsulas na presença da
polícia para ocultá-las. Foi conduzido coercitivamente ao hospital, tendo o médico
provocado-lhe vômitos. As cápsulas foram expelidas, redundando na condenação de
Rochin. No julgado, destacou-se que palavras vêm da boca do acusado, cápsulas de seu
estômago, sangue de suas veias, e é inadmissível que sejam extraídos sem consenti-mento (cf. LOCKHART, William B. et al., The American Constitution. 8. ed. St. Paul:
West Publishing Co., 1996, p. 266-267).
Cf. LOCKHART, William B. et al., The American Constitution, cit., p. 267.
LOCKHART, William B. et al., The American Constitution, cit., p. 268.
215 Cf. ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R., Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 236. Nos votos vencidos ressaltou-se que compelir alguém a fornecer san-
gue era o mesmo que compeli-lo a testemunhar contra si mesmo. Mas a maioria deci-
diu que não havia violação à Quinta e à Décima Quarta Emendas.214
ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R., Criminal procedure. Constitutional limitations,cit., p. 237.
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ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R., Criminal procedure. Constitutional limitations,p. 238.
Nos votos vencidos, destacou-se que Schmerber havia dado ao pri-
vilege uma interpretação muito restrita. Destacou-se que fazer com
que o acusado coopere ativamente na prova eqüivale a fazer com que
ele se acuse por meio de um ato volitivo217.
Entretanto, outras cortes também adotaram o entendimentomajoritário, sustentando que o privilege against self-incrimination não é
aplicável aos procedimentos de identificação do acusado218.
Em 1988, sobre a mesma matéria, a Corte reafirmou esse enten-
dimento, salientando que o privilege apenas protege contra a compul-
são de expressar o “conteúdo do pensamento” (contents of his mind) 219 .
As Cortes têm entendido que o suspeito ou acusado que se recu-
sar a cooperar nos procedimentos para sua identificação pratica crime
de desobediência.
Algumas Cortes admitem também a execução coercitiva da cole-
ta de sangue220.
Outra conseqüência que se tem extraído é permitir que a acusa-
ção comente a recusa no julgamento221.
Em votos vencidos, em Wade, chegou-se a sustentar que, na hipó-
tese de recusa em cooperar nas provas, o acusado deveria ser mantido
na prisão até que decidisse fazê-lo222.
Israel e LaFave223 destacam, ainda, sobre o reconhecimento deque pode o acusado ser conduzido a apresentar a mesma aparência da
218 ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R., Criminal procedure. Constitutional limitations,
cit., p. 238.219 Cf. ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R., Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 236.
220 Court of Apeals Denies Stay on order for DNA blood test, N.Y. Law Journal, 202,
Sept. 1989, p. 1, c. 4.221 So. Dak. v. Neville, 1983 (Suprema Corte): no caso, considerou-se que a recusa a for-
necer sangue poderia ser comentada no julgamento.
222 Cf. ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R., Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 238.
223 ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R., Criminal procedure. Constitutional limitations,
cit., p. 239.
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Nesse sentido, GIFIS, Steven H. Law dictionary. Barr on‟s, p. 465. O direito canadense ta a mesma orientação. O privilege against self-incrimination somente se aplica àsarações. Com relação ao reconhecimento e ã identificação não se admite o privile-R. v. Marcoux, 1976, Suprema Corte de Ontario, Canadá, e Zieglerv. Hunter, 1983,rema Corte Federal do Canadá). Contudo, na utilização do etilômetro, é reconhe-
o o privilege e o right to counsel, admitindo-se somente seu emprego, com violaçãoes, para verificação de embriaguez com fins administrativos e não como prova em
cesso penal (R. v. Milne, 1996, Suprema Corte de Ontario, Canadá). época dos fatos para a identificação. Mas observam que essa interfe-
rência no direito do acusado de determinar sua própria aparência deve
ser justificada.
Enfim, a regra, no direito norte-americano, é que o pri vil ege against
self-incrimination não se estende a provas que não envolvam compulsãode ordem testemunhai. Desse modo, exames de sangue, reconhecimen-
tos, fornecimento de material grafotécnico estão fora da esfera de pro-
teção do privilege, porque são práticas “não comunicativas”224.
Destaca-se, assim, que pelo privilege against self-incrimination o
acusado não pode ser constrangido a dizer algo, mas pode ser compe-
lido a fazer alguma coisa, nos limites do due process of law 225 .
Tande226, na doutrina, observa, porém, que o acusado tem direito
à destruição do material coletado de seu organismo, caso seja declara-do inocente, para que não seja novamente utilizado pela autoridade
policial em novas investigações.
Quanto à prova documental, a Suprema Corte tem entendido
que o pri vil ege against self -incr imi nation pode ser reconhecido quando o
acusado ou suspeito for intimado a apresentar documentos que pos-
sam incriminá-lo, mas há restrições.
A primeira delas é que não se reconhece o pri vil ege se o documen-
to tiver sido produzido por corporações ou entidades coletivas. Somen-te se o documento for pessoal é que caberá a invocação do privilege 227 .
25 Cf. PAPA, Michele. Contributo alio studio delle „rules of evidence' nel processo
enale statunitense. Vlndice Penale, Padova, p. 299-340, 1987, esp. p. 323.
226 TANDE, C.M. DNA Typing: a new investigatory tool. Duke law Journal, n. 2, p. 487
e s., 1989.
227 A esse respeito, ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R., Criminal procedure. Constitu-
tional limitations, cit., p. 230, citam dois julgados da Suprema Corte: Bellis v. US, de
1974, e US v. White, de 1944.
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Outra restrição diz respeito à situação em que o intimado a entre-
gar certo documento foi quem o produziu por determinação de ou-
trem. Nesse caso, somente no que tange à autoincriminação é que será
possível invocar o privilege, mas não com relação à incriminação de
outras pessoas228.
5. Outros direitos fundamentais e as provas que de-
pendem da colaboração do acusado para sua pro-
dução
Há outros direitos fundamentais, além do nemo tenetur se detegere,
que também são afetados nas provas que dependem da colaboração do
acusado para sua produção, especialmente naquelas que implicam in-
tervenção corporal.
São eles: a dignidade humana, o direito à intimidade, o direito à
integridade física e moral, o direito à liberdade e até mesmo o direito à
saúde.
A dignidade humana é referida, frequentemente, nos textos cons-
titucionais de Estados Democráticos de Direito, como um dos valores
fundamentais. Também a Constituição brasileira de 1988 abraçou essaorientação.
Conforme assinala Colautti229, a dignidade não é somente um di-
reito autônomo, mas é o pressuposto de todos os outros direitos. Os
outros direitos fundamentais tendem à preservação da dignidade, que
é o princípio básico.
Ángel Gil Hernández230 define a dignidade como valor espiritual
e moral inerente à pessoa, que se manifesta na autodeterminação
consciente e responsável de sua própria vida, pretendendo o respeitopor parte das demais pessoas.
228 Foi o que se decidiu em Couch v. US, 1973, e Fisherv. US, 1976.
229 COLAUTTI, Carlos E., Derechos humanos, cit., p. 123.
2,0 HERNÁNDEZ, Angel Gil, Intervenciones corporales y derechos fundamentales, cit., p.
48-49.
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Acrescenta o mesmo autor que a dignidade caracteriza um míni-
mo invulnerável que todo ordenamento jurídico deve proteger, em
qualquer situação que o indivíduo se encontre231.
Além disso, do princípio da dignidade decorre também uma im-
portante garantia: a de "a pessoa humana não ser ofendida ouhumilhada”232 e ainda depreciada, discriminada ou perseguida233.
Entretanto, em que pese a inclusão da dignidade como valor fun-
damental nos diversos ordenamentos jurídicos, com relação às provas
que dependem da colaboração do acusado, no processo penal, o enten-
dimento dominante é de que tais provas, inclusive as produzidas me-
diante intervenção corporal, não caracterizam violação à dignidade
humana.
Assim, no ordenamento alemão, que acolhe a dignidade comovalor fundamental, mesmo na execução coercitiva de coleta de sangue
não se identifica infringência à dignidade humana. No direito alemão,
a prova que se tem considerado atentatória à dignidade humana é o
teste falométrico, pelo qual se mede a reação do pênis diante de um
estímulo sexual produzido por um erectômetro234.
No direito espanhol, o Tribunal Constitucional firmou entendi-
mento de que não violam a dignidade humana os exames ginecológi-
cos realizados para verificação de sinais de interrupção da gravidez,bem como os exames nas cavidades corporais dos presos235.
Angel Gil Hernández236 indica a narcoanálise como meio que
atenta à dignidade humana, porque anula a capacidade de querer do
indivíduo.
2,1 HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y derechos fundamentales, cit., p.
49.
232 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris,
Editor, 2000, p. 63-64.
233 Cf. SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da
democracia. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 212, p. 89-94, abr./jun.
1998, esp. p. 93.
2,4 A esse respeito, HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y derechos funda-
mentales, cit., p. 49.
235 Respectivamente: sentença n. 37/89 e 57/94.236
HERN NDEZ, ngel Gil, Intervenciones corporales y derechos fundamentales, cit., p. 49.
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Dessa forma, embora se reconheça a dignidade como valor
fundamental e que o acusado não pode ser submetido a provas que
violem sua dignidade, é certo que, nos diversos ordenamentos, a
questão cirige-se ao que se define como prática atentatória à digni-
dade humana. O que se observa é que grande parte das provas que dependem
da cooperação do acusado para sua produção não é considerada aten-
tatória à dignidade humana, mesmo em se tratando de provas nas
quais há intervenção corporal. Somente casos excepcionais é que são
inseridos nessa esfera.
No processo penal é freqüente a tensão entre a intimidade e o
interesse público na persecução. Normalmente, predomina o interesse
na persecução penal. Para atender ao referido interesse, as intromis-sões na esfera do indivíduo são realizadas pelo Estado. Por isso, o que
se recomenda é o balanceamento dos bens e interesses envolvidos para
solução dos conflitos237.
O direito à intimidade, que é direito fundamental238, também é
atingido nas provas que dependem da colaboração do acusado, espe-
cialmente naquelas que comportam intervenções corporais invasivas.
O nemo tenetur se detegere, expressão literal de que ninguém é obriga-
do a se descobrir, guarda estreita vinculação com o direito à intimidade.
237 A esse respeito, na doutrina nacional, GRINOVER, Ada Pellegrini. Interceptações
telefônicas e gravações clandestinas no processo penal. In: Novas tendências do direito
processual. São Paulo: Forense, 1990, p. 60. Destaca que a atividade investigatória fre-
quentemente leva a intromissões na esfera privada do indivíduo, mas ressalta que os
direitos e liberdades não podem ser utilizados para acobertar abusos. Também MO-
REIRA, José Carlos Barbosa. Processo civil e direito à preservação da intimidade. In:
Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 3-20. Anota que o processo re- presenta risco ao direito à intimidade. Destaca que normalmente prevalece o interesse
na administração da Justiça e não o direito à intimidade. Por isso recomenda seja ob-
servado, nesse conflito, o princípio da proporcionalidade.
238 O direito à intimidade é considerado direito da personalidade, inerente à natureza
humana. A esse respeito: CIPRIANI, Simonetta. La protezione penale delia riservate-
zza in diritto comparato italiano e francese. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale,
Milano, p. 866-934, 1997, esp. p. 868. Na doutrina nacional, DOTTI, René Ariel. A liber-
dade e o direito à intimidade. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 66, p. 125-151,
abr./jun. 1980, esp. p. 139-140, entende que o direito à intimidade é personalíssimo,
inalienável, intransferível, irrenunciável e insuscetível de expropriação.
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O conteúdo do direito à intimidade está relacionado aos padrões
culturais de determinada sociedade239.
Conforme define Paulo José da Costa Jr., na obra O di rei to de estar
só — Tutela penal da intimidade, o indivíduo tem o direito de "impedirque intrusos venham a intrometer-se na sua esfera particular"240.
Aduz o referido autor que, no direito à intimidade, são tutelados
dois interesses: o de que a intimidade não venha a sofrer violações e o
de que não venha a ser divulgada241.
A propósito, René Ariel Dotti242 destaca que a intimidade eqüiva-
le ao isolamento, mas também diz respeito ao resguardo das interfe-
rências, especialmente daquelas decorrentes da sociedade de massa.
Ivette Senise Ferreira aponta a mudança de ótica operada no quetange à intimidade. Assinala a mencionada autora que a intimidade
não representa apenas o direito de permanecer resguardado em seu
ambiente domiciliar e nos recantos privados. Segundo ela, moderna-
mente, a intimidade não implica isolamento, mas liberdade de poder
239 A esse respeito, no direito espanhol, RODRÍGUEZ-ZAPATA, Jorge. Teoria ypràctica
dei derecho constitucional. Madrid: Tecnos, 1996, p. 337, traz à colação sentença do Tri-
bunal Const itucional na qual se decidiu que o direito à intimidade implica a existência
de âmbito próprio e reservado diante da ação e conhecimento dos demais, segundo os
padrões culturais (n. 209/88). Também CIPRIANI, Símonetta, Laprotezionepenale delia
riservatezza in diritto comparato italiano efrancese, cit., p. 868, na doutrina italiana, apon-
ta que o direito à intimidade muda conforme os costumes.
240 COSTA Jr., Paulo José da. O direito de estar só — Tutela penal da intimidade. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 32. Na doutrina italiana, PISANI, Mario. La tute-
la penale delia 'riservatezza': aspetti processuali. Rivista Italiana di Diritto e Procedura
Penale, Milano, p. 785-808, 1967, esp. p. 807, aponta o reconhecimento do direito de
estar só como expressão da proteção de aspectos pessoais e familiares do indivíduo da
curiosidade e invasão por parte dos outros. Na doutrina chilena, ETCHEBERRY, Alfre-
do. Derecho penal. 2. ed. Santiago do Chile: Carlos E. Gibbs A., Editor, 1964, t. 3, p. 252,
identifica no direito à liberdade as raízes da tutela da intimidade. Ensina que foi o
aperfeiçoamento da proteção jurídica da liberdade que levou o legislador a tutelar o
interesse de cada pessoa em reservar para si determinado ambiente ou setor, no qual a
intromissão de estranhos prejudicaria sua autonomia da vontade.
241
COSTA Jr., Paulo José da. O direito de estar só — Tutelapenal da intimidade, cit., p. 34. 242 DOTTI, René Ariel, A liberdade e o direito à intimidade, cit., p. 131.
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"desfrutar a sua paz de espírito e ver respeitados os atributos de sua
personalidade, frente aos outros indivíduos ou ao Estado”243.
Observa-se, entretanto, que o direito à intimidade não é absolu-
to, havendo situações em que o interesse do indivíduo é superado pelo
interesse público, justificando-se assim o sacrifício da intimidade244.
As provas que são produzidas mediante intervenções corporais
no acusado conduzem a violações da intimidade. Contudo, a tendên-
cia, em diversos ordenamentos, tem sido de considerar como violado-
ras da intimidade somente as provas que impliquem intervenções cor-
porais invasivas245.
É o interesse público na persecução penal e a necessidade de con-
vivência entre o direito do indivíduo e os direitos dos demais que pare-
cem justificar a invasão à intimidade do acusado em provas que impli-cam intervenções corporais.
Outro direito afetado nas provas que dependem da colaboração
do acusado é o da integridade física e moral.
Sobre o referido direito observa Rodríguez-Zapata246 que protege
ele não somente a inviolabilidade da pessoa contra ataques dirigidos a
lesionar sçu corpo ou espírito, como também contra as intervenções
para as quais não haja consentimento do titular.
Porém, tem-se considerado que diversas provas que implicam co-operação do acusado não vulneram a integridade física e moral.
243 FERREIRA, Ivette Senise. A intimidade e o direito penal. Revista Brasileira de Ciên-
cias Criminais, São Paulo, v. 5, p. 96-106, jan./mar. 1994, esp. p. 96.
244 COSTA Jr., Paulo José da. O direito de estar só — Tutela penal da intimidade, cit., p. 44.
245 Mais restritiva ainda é a postura adotada pelo Tribunal Constitucional espanhol,
no sentido de considerar-se como violadoras da intimidade somente as provas que
pressuponham inspeções em zonas íntimas, cujo exame possa ferir o recato pesso -
al. A esse respeito, HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y derechos jun-
damentales, cit., p. 48, tece severa crítica, indagando se não afetam o direito à intimi-
dade as intervenções realizadas na cabeça ou na veia de um braço do acusado. FER-
NANDES, Milton. Proteção civil da intimidade. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 120, des-
taca, a respeito, que investigações médicas e psicológicas podem levar à invasão da
intimidade. Cita o autor, nessa esteira, os exames sanguíneos e as investigações por
narcoanálise.
RODR GUEZ-ZAPATA, Jorge, Teoria y práctica dei derecho constitucional, cit., p. 328.
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Assim, no ordenamento espanhol, as extrações de sangue, os exa-
mes ginecológicos, as provas para constatação de embriaguez não têm
sido consideradas atentatórias do mencionado direito247.
Tal qual ocorre com relação à dignidade humana, prevalece a
orientação de se considerar como violadoras da integridade física emoral do acusado algumas práticas excepcionais, como constranger o
acusado a ficar nu e a fazer flexões para verificar se ele porta alguma
substância proibida248.
O direito à liberdade, igualmente, é atingido pelas provas que de-
pendem da colaboração do acusado.
Contudo, tem-se salientado que a compressão à liberdade do acu-
sado é mínima nas mencionadas provas, ficando restrita ao momento
de sua execução249
. O direito à s.aúde também pode ser atingido nas citadas provas,
sobretudo naquelas que implicam intervenção corporal. Por isso, via
de regra, uma limitação inserida nos ordenamentos, para a produção
das referidas provas, é o perigo para a saúde do acusado. Havendo risco
à saúde, a orientação é que, mesmo com o consentimento do acusado,
não se realize a prova. Além disso, estabelece-se que as provas invasivas
devem ser realizadas por médico e em local adequado.
6. Decorrências da aplicação do princípio “nemo te-netur se detegere” nas provas que dependem da co-operação do acusado para sua produção
O estudo do direito estrangeiro revela que o nemo tenetur se dete-
gere tem incidência muito restrita nas provas que dependem da colabo-
ração do acusado.
Alguns ordenamentos nem sequer reconhecem a incidência do
referido princípio nas aludidas provas. Reservam sua aplicação ao mo-
247 Nesse sentido, HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y derechos funda-
mentales, cit., p. 52-53.
248 A esse respeito, HERNÁNDEZ, Ángel Gil, Intervenciones corporales y derechos funda-
mentales, cit., p. 53.249 Nesse sentido a Corte Constitucional italiana já se manifestou (sentença n. 238/96).
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mento do interrogatório, exclusivamente. Em outros, admite-se a exe-
cução coercitiva de intervenções corporais no acusado. Há ainda a
orientação de permitir que sejam extraídas inferências de culpabilida-
de a partir da recusa do réu em submeter-se às provas que necessitem
de sua cooperação para serem produzidas. Mas a tendência predomi-nante é a de somente considerar violadora do nemo tenetur se detegere a
prova que implique uma postura ativa do acusado. Desse modo, en-
tende-se que as provas que impliquem intervenção corporal no acusa-
do, nas quais se exige que este apenas "tolere” a sua realização, perma -
necendo passivo, não violam o nemo tenetur se detegere.
No direito nacional essa orientação também predomina, mas não
se admite a execução coercitiva de provas que dependam de interven-
ção corporal no acusado. Na abordagem subsequente serão indicadas as decorrências do
princípio nemo tenetur se detegere nas provas que dependem da colabora-
ção do acusado para sua produção, buscando compatibilizar a sua natu-
reza de direito fundamental com a viabilização da persecução penal.
6.1. Inexistência do dever de colaboração do acusado
No modelo acusatório, como observa Grevi250, o acusado não é
mais a pessoa que deve contribuir e iluminar o juiz com o seu conheci-mento.
Como conseqüência, a acusação não pode, como regra, utilizar-
-se do acusado para produzir provas em seu desfavor. Deverá buscar
outras provas para demonstrar os fatos, que não necessitem da colabo-
ração do acusado.
Assim, a regra, em atendimento ao nemo tenetur se detegere, é que
a prova deve ser produzida, sempre que possível, sem a cooperação do
acusado. Extrai-se também do nemo tenetur se detegere que o acusado não tem
o dever de colaborar na produção das provas que possam incriminá-lo251.
250 GREVI, Vittorio. Nemo tenetur se detegere. Milano: Giuffrè, 1972, p. 76-77.
251 A esse respeito, na doutrina nacional, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, Direito
à prova no processo penal, cit., p. 113, conclui que são incompatíveis com o art. 8“, § 2a,
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Não havendo dever de colaborar, decorre que a recusa do acusa-
do em contribuir na produção das provas não configura crime de deso-
bediência.
Igualmente, não pode ser determinada a execução coercitiva das
medidas tendentes à produção da prova, porque, em razão do nemo tenetur se detegere, o acusado não pode ser compelido a cooperar na
produção de provas que possam incriminá-lo.
O próprio dever de comparecimento, em princípio, como adiante
se aduzirá, fica comprometido, em face do nemo tenetur se detegere, já
que não há sentido em conduzir-se coercitivamente o acusado para a
produção de determinada prova se ele não pode ser compelido a dela
participar.
Contudo, a inexistência do dever de colaborar, em todos os casos,redundaria ena uma concepção do nemo tenetur se detegere como direito
absoluto, aniquilando, em determinadas situações, por completo, a
possibilidade de desencadeamento da persecução penal ou de dar se-
guimento a ela. Em outras palavras: eqüivaleria, em diversos casos, à
consagração da impunidade.
Em razão disso, os vários ordenamentos jurídicos oferecem solu-
ções diferenciadas para o problema, que revela a própria tensão do pro-
cesso penal: o dilema entre a proteção do indivíduo diante do poder
estatal e o interesse público na persecução penal e apuração dos res-
ponsáveis pelos delitos.
letra g, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, incorporada ao direito
nacional, e com a presunção de inocência, agasalhada no texto constitucional, “quais -
quer disposições legais que possam, direta ou indiretamente, forçar o suspeito, indicia-do, acusado, ou mesmo qualquer pessoa (inclusive a testemunha) a uma autoincrimi-
nação”. STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo, A Convenção Americana sobre Direitos
Humanos e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 125, também salienta, a respeito, que diante do preceito da Convenção Ame-
ricana e do art. 5a, LXIII, da Constituição Federal, o acusado não pode ser, "de qual-
quer forma, compelido a declarar contra si mesmo, ou a colaborar para a colheita de
provas que possam incriminá-lo”. Sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal já de -
cidiu que ao acusado "não cabe o ônus de cooperar de qualquer modo com a apuração
dos fatos que o possam incriminar”, que é todo dos órgãos estatais incumbidos da re-
pressão penal (HC 79.781-SP, Ia
T., Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18-4-2000).
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Assim, como anteriormente descrito, no direito norte-americano
não se reconhece a incidência do nemo tenetur se detegere nas provas,
mas somente no interrogatório. Algumas Cortes admitem a execução
coercitiva‟de coletas de sangue. Além disso, a recusa do acusado a sub -
meter-se a determinada prova pode ser comentada pela acusação.
No direito francês, igualmente, não se alude ao nemo tenetur se
detegere com relação às provas que dependem da colaboração do acusa-
do para sua produção. Em matéria de trânsito, a recusa em colaborar
configura prática de delito.
No direito alemão e espanhol, não se consideram as provas que
dependem da colaboração do acusado, em geral, ofensivas ao nemo te-
netur se detegere, nem a outros direitos fundamentais, como a intimida-
de, a dignidade e a liberdade. No direito alemão, a lei autoriza a execu-
ção coercitiva de coleta de sangue do acusado. Os Tribunais têm admi-
tido a coerção para realização do reconhecimento. No direito espa-
nhol, o Tribunal Constitucional tem admitido a execução coercitiva de
provas, inclusive as que implicam intervenção corporal no acusado,
determinada por decisão judicial, amparada em lei, observado o prin-
cípio da proporcionalidade. Isto porque predomina o entendimento de
que as intervenções corporais não correspondem a atos de inculpação.
Na disciplina relativa aos delitos praticados no trânsito, a recusa em
submeter-se às provas para verificação de embriaguez configura crimede desobediência grave.
No direito italiano, não se admite a execução coercitiva de coleta
de sangue por falta de norma que regulamente referida modalidade de
restrição à liberdade pessoal. Mas em relação a outras provas, que não
pressupõem intervenção corporal, como o reconhecimento e a acare-
ação, admite-se a condução coercitiva do acusado para a sua realiza-
ção. Nos delitos de trânsito, a recusa em submeter-se aos exames para
verificação de taxa de álcool ou de entorpecentes não implica execu-ção coercitiva, mas aplicação de sanção (prisão ou multa).
No direito argentino, em que pese o acolhimento expresso do
nemo teneturse detegere no art. 18 da Constituição e do entendimento de
que não se pode violar a intimidade do acusado na produção das pro-
vas, tem-se admitido a extração de sangue contra a vontade do acusa-
do. Não se admite a recusa em participar do reconhecimento. Porém,
na reconstituição do fato o acusado não está obrigado a colaborar.
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No direito português, o acusado não pode recusar-se a se subme-
ter às perícias, podendo ser compelido a tanto por decisão judicial.
Também não se admite recusa em relação ao reconhecimento.
No direito inglês, distinguem-se as provas invasivas e as não inva-
sivas. Somente as últimas podem ser realizadas sem o consentimentodo acusado. As invasivas realizam-se apenas com o consentimento des-
te. Entretanto, da recusa podem ser extraídas inferências de culpabili-
dade contra o acusado.
Um critério bastante propugnado em matéria de provas que de-
pendem da colaboração do acusado é distinguir-se entre aquelas que
exigem uma cooperação meramente passiva das que exigem uma co-
operação ativa dele252. Este parece ser o substrato teórico que dá em-
basamento a ordenamentos que admitem a execução coercitiva decoletas, como a de sangue, mas não a de provas, como a reconstitui-
ção do fato253.
252 O mencionado critério é citado na doutrina italiana; na doutrina portuguesa (AN-
DRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p. 127); na
doutrina alemã (ROXIN; WOLFSLAST, NTsZ 1987, p. 103 e s.; GRÜNWALDJZ 1981,
p. 426; DINGELDEY, JA 1984, p. 412 e s.); e na doutrina argentina (CARRIO, AlejandroD., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 319).
253 E o que ocorre nos ordenamentos espanhol, alemão, argentino e português. No
direito italiano, o mesmo posicionamento é defendido. A Cassação, em duas senten-
ças, datadas de 29-3-1979 e 19-12-1987, firmou alguns pontos a respeito: 1. O acusado
tem o direito de não colaborar sempre que se lhe exigir um facere; 2. o direito de não
colaborar não persiste quando o acusado for mero objeto de verificação (como ocorre
no reconhecimento); 3. no último caso, pode ser imposta ao acusado uma posição
passiva, para aquisição de elementos probatórios; 4. a sujeição do acusado, nessa hipó -
tese, está fundada no art. 429 do CPP, que prevê a condução coercitiva do acusado para
fins de acareação ou reconhecimento (conforme FELICIONI, Paola, Brevi note sul rap-
portofra diritto al silenzio e accompagnamento coattivo deli‟ imputato per il confronto, cit., p.
3471). A doutrina italiana também apoia francamente essa solução: VOENA, Giovanni
Paolo, Difesa, cit., p. 17, assinala que não se pode exigir comportamento positivo do
acusado nas provas, inclusive naquelas que essencialmente exigem apenas tolerância,
como é o caso do reconhecimento. BUTTARELLI, Giovanni, Le nuove modalità di ac-
certamento dei reato di guida in stato di ebbrezza tra prove legali e diritto di difesa, cit., p.
2240, observa que fere o nemo tenetur se detegere exigir participação ativa do acusado,
mas a passiva é possível, porque o acusado intervém como "corpo”. E, nesse caso, se -
gundo o autor, evidencia-se que a admissibilidade do reconhecimento, sem consenti-
mento do acusado, deixa claro que a disponibilidade deste sobre o próprio corpo sofre
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Dessa forma, diante do nemo tenetur se detegere, o que se pode exi-
gir do acusado é a participação passiva nas provas, como o reconheci-
mento, a extração de sangue, entre outras. Nessa ótica, o acusado de-
verá tolerar a produção da prova, desde que não haja ofensa à vida ou
à saúde. Mas não se pode exigir, em contrapartida, que ele participeativamente na produção das provas (como ocorre na reconstituição do
fato, no exame grafotécnico ou no etilômetro). Somente neste último
caso haveria ofensa ao nemo tenetur se detegere, se o acusado fosse com-
pelido a colaborar na produção da prova254.
Contudo, como observa Manuel da Costa Andrade255, citando
Wolfslast, “não se é apenas instrumento da própria condenação quan-
do se colabora mediante uma conduta activa, querida e livre, mas tam-
bém quando (...) contra a vontade, uma pessoa tem de tolerar que opróprio corpo seja utilizado como meio de prova".
Acrescenta ainda o referido autor, prosseguindo na citação: “O
tormento, a humilhação de ter de ser instrumento contra si próprio
podem, em caso de passividade forçada e verificadas certas circunstân-
cias, ser maiores do que em caso de colaboração activa"256.
Assim, considera o autor que não há distinção qualitativa entre a
ação e a omissão na produção das provas com a colaboração do acusado257.
limitações em prol dos interesses da Justiça. Também FELICIONI, Paola, Considerazio-
ni sugli accertamenti coattivi nel processo penale: lineamenti costituzionali e prospettive di ri-
forma, cit., p. 521-522, defende que nas provas que implicam “fazer algo”, sejam invasi-
vas ou não, não pode haver execução coercitiva sob pena de violar o nemo tenetur se
detegere. Consequentemente, a recusa não poderá ser interpretada contra o réu. Já nas
provas que só implicam sujeição pode haver execução coercitiva. Mas há situações em
que a recusa será legítima, quando houver ofensa à vida, à saúde ou à dignidade. Nes-
ses casos, conforme a autora, a recusa não poderá ser interpretada contra o acusado
porque feriria a presunção de inocência.
254 CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 322, sa-
lienta, a respeito da reconstituição do fato, que a garantia do devido processo legal
impede que o indivíduo seja forçado a atuar em uma reconstituição em que se preten-
de que ele seja o protagonista.z55 Cf. ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit.,
p. 127-128.
"„'ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit., p. 128.i57ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em processo penal, cit.,p. 128.
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Além disso, Carrio258, criticando a mencionada divisão entre
colaboração ativa e passiva do acusado nas provas, salienta que é
extremamente difícil realizar-se a classificação destas com base na
aludida divisão. Cuida-se, segundo o referido autor, de uma distin-
ção trabalhosa.
As críticas realmente procedem. De fato, a distinção entre provas
que necessitam de colaboração ativa ou passiva nem sempre é clara e
taxativa. Por outro lado, a autoincriminação não deixa de existir sim-
plesmente porque o acusado se submete passivamente à produção de
uma prova, embora contra sua vontade. Enfim, o critério referido não
resolve definitivamente o problema em face da incidência do nemo te-
netur se detegere.
O ponto positivo do citado critério é o reconhecimento de que o
acusado não pode ser compelido a participar, ativamente, da produção
probatória em seu desfavor. Desse modo, não podendo ser compelido
a fazer algo, colaborando de forma ativa na produção da prova, não há
que cogitar de execução coercitiva. É a posição preconizada, no direito
nacional, pelo Supremo Tribunal Federal, em se tratando de reconsti-
tuição do fato e de exame grafotécnico.
Em suma: no modelo acusatório, como anteriormente se ob-
servou, a regra deve ser a busca de provas, para demonstrar os fatos,
que não necessitem da participação do acusado para a sua produção,especialmente considerando-se o nemo tenetur se detegere. Dele de-
corre a inexistência do dever de colaborar na produção das provas,
por parte do acusado. Contudo, não se pode conceber o referido
princípio como direito absoluto do acusado, sob pena de impossibi-
litar, em alguns casos, a persecução penal, frustrando por completo
o interesse público na apuração dos delitos e de quem são os seus
autores. Há, portanto, necessidade de se buscar critérios para a solu-
ção do problema.
258 CARRIO, Alejandro R., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 320.
Indaga, a esse respeito, o autor: em qual categoria está a determinação ao imputado
para que se junte a outras pessoas para ser submetido a reconhecimento? Para ex-
trair sangue ou as impressões digitais, não se necessita de um mínimo de colabora-
ção do acusado?
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6.1.1. Adver tênci a com relação ao princípio “nemo tenetur se
detegere” e à inexistência do dever de colaborar
A advertência com relação ao nemo tenetur se detegere e a conse-
qüente inexistência do dever de colaborar são essenciais para que o
acusado possa autodeterminar-se livremente no momento da produ-ção da prova: deverá ele decidir, devidamente informado sobre seu di-
reito, se colabora ou não na persecução penal.
A rigor, é mais apropriado falar em dever de instrução do acusa-
do, quanto ao nemo tenetur se detegere, porque a mencionada advertên-
cia tem o objetivo precípuo de informá-lo acerca do direito fundamen-
tal apontado.
Omitindo-se a advertência, tal qual ocorre no momento do inter-
rogatório, há o risco de que o acusado, desinformado, acabe cooperan-do na produção de prova que possa incriminá-lo involuntariamente259.
Vedam-se, assim, por conseqüência, quaisquer métodos capciosos
ou enganosos que possam ser utilizados pelas autoridades com a finali-
dade de obter a colaboração involuntária do acusado na produção da
prova, como, v. g., o caso ocorrido nos Estados Unidos, em que a auto-
ridade policial convidou o investigado para tomar café, durante seu in-
terrogatório, a fim de colher saliva para realização de exame de DNA.
Por outro lado, a omissão da advertência em foco terá reflexos nocomportamento do acusado: haverá a tendência a colaborar, por te-
mor das conseqüências da recusa, diante da autoridade. Em outras pa-
lavras: sem ser cientificado do nemo tenetur se detegere, o acusado ficará
mais propenso a colaborar, porque ficará inseguro quanto à existência
da possibilidade de recusar-se legitimamente a colaborar na produção
da prova, amparado pelo princípio em questão.
No direito argentino, os julgados deixam entrever a necessidade
de advertir o acusado quanto à natureza incriminatória da prova que se
259 A respeito, na doutrina portuguesa, DIAS, Augusto Silva e RAMOS, Vânia Costa,
cit., p. 59, afirmam que a violação ao nemo tenetur se detegere ocorre quando, por erro
ou coação, alguém é transformado em instrutor principal do próprio processo e em
figura central da própria condenação. Por isso, consideram essencial que haja comuni-
cação prévia ao interessado acerca do direito de recusar a colaboração, sempre que
dela possa decorrer a revelação de fatos autoincriminatórios (cit., p. 77).
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pretenda produzir, mas, no caso Alvarez, o Tribunal decidiu que não
havia essa necessidade porque a prova incriminatória se produziria
normalmente, sendo que somente se "antecipou o que a natureza
cumpriria de todas as maneiras, e em todos os casos se daria como
inexorável resultado a expulsão das cápsulas”260
. Salientou-se, em refor-ço, que a vontade do acusado seria inoperante para que a evacuação
das cápsulas, que estavam em sua cavidade intestinal, não ocorresse.
Daí a dispensa da advertência no mencionado caso.
De fato, como observou o Tribunal, a prova incriminatória iria
produzir-se de qualquer modo, mesmo contra a vontade do acusado.
Entretanto, o que se questiona é se é consentido ao Estado interferir na
natureza, realizando intervenção corporal no acusado para que a eva-
cuação ocorra, não espontaneamente, mas no momento desejado, afim de colher a prova261. No caso, se Alvarez tivesse sido advertido, po-
deria não teríonsentido na aplicação das medicações tendentes a fazê-
-lo evacuar no momento pretendido pelas autoridades. A advertência
mesmo nas situações em que a prova se produza de qualquer modo,
por força da natureza, deve ser efetuada. A advertência será determi-
nante para que o acusado decida, livre e conscientemente, cooperar ou
não naquele momento.
A advertência do acusado, no que tange aonemo tenetur se detege-
re, relaciona-se, estreitamente, com a validade do consentimento ma-
nifestado por ele, em especial nas provas que exigem intervenção cor-
poral no acusado, com relevo para as invasivas.
O consentimento, segundo define Ranieri, é "manifestação de
vontade, mediante a qual quem é capaz de atuar renuncia a seu inte-
resse juridicamente protegido, do qual pode validamente dispor”262.
Para que o consentimento seja válido, Alfonso Reyes263 indica os
seguintes requisitos:
260 Cf. CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 316.
261 Nesse sentido, CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal,
cit., p. 317-318.
262 RANIERI, Silvio, apud REYES, Alfonso. La antijuridicidad penal. Bogotá: Universida-
de Externado de Colombia, 1974, p. 254.
263
REYES, Alfonso, La antijuridicidad penal, cit., p. 259.
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— que o direito seja disponível;
— que o sujeito passivo tenha capacidade jurídica para dispor do
direito;
— que o consentimento seja anterior ou contemporâneo à con-
duta do agente; — que seja expresso ou que, caso contrário, não haja dúvida ra-
zoável de que o titular do direito tenha consentido; e — que seja concreto, sério e emitido sem erro nem violência.
Quanto à disponibilidade do direito, é importante observar que o
acusado não está impedido de abdicar do direito a não se autoincrimi-
nar, mas no caso de intervenções corporais, que envolvam perigo para
a vida ou a saúde do acusado, o consentimento será inoperante, por-
que colocará em risco bem indisponível, que é a vida. No requisito da capacidade para dispor do direito, ressalta-se a
idade do titular do direito e a sua saúde mental264. A questão da idade
guarda relação, no processo penal, com a idade limite para a imputabi-
lidade penal. Ademais, a legislação processual penal brasileira exigia,
para o menor de 21 anos, a assistência do curador, o que se aplicava,
inclusive, para a manifestação do consentimento. Entretanto, após o
advento da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o atual
Código Civil, fixada a maioridade civil aos 18 anos, não persiste a exi-gência de curador para o maior de 18 e menor de 21 anos consignada
no Código de Processo Penal.
O consentimento deverá ser manifestado antes ou no momento
da realização da produção da prova, jamais posteriormente.
Além disso, o consentimento deverá ser expresso, preferencial-
mente por escrito, não havendo qualquer dúvida de que o titular do
direito tenha consentido.
Deverá ainda ser concreto, isto é, manifestado em relação a umasituação específica e não genericamente.
64 REYES, Alfonso, La antijuridicidad penal, cit., p. 262, conclui, quanto ao referido re-
quisito, que o consentimento deverá ser manifestado por pessoa maior de 21 anos e
dotada de saúde mental.
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Deverá também ser sério. Alfonso Reyes265, a respeito, define o
consentimento sério como aquele que se emite com o conhecimento
do que se está fazendo, do alcance da declaração de vontade e de suas
conseqüências. Ou seja, é o consentimento consciente, manifestado de
acordo com a autodeterminação. Daí a importância da advertência doacusado quanto ao nemo tenetur se detegere.
O consentimento não poderá ser fruto de vontade viciada, seja
por erro, seja por violência ou coação, porque compromete a liber-
dade de autodeterminação do acusado. Note-se que a coação não
precisa ser exercida na forma de ameaça para contaminar o consenti-
mento. Por vezes, o ambiente e as circunstâncias a que está submeti-
do o suspeito ou acusado criam situação coativa, que contamina o
consentimento manifestado. É o que ocorre quando o indivíduo se
encontra privado de liberdade, em repartição policial e sem a assis-
tência de advogado266.
Por isso, salienta Carrio267 que o consentimento deve ser prestado
de modo que não deixe dúvidas sobre a plena liberdade do indivíduo.
265 REYES, Alfonso, La antijuridicidad penal, cit., p. 265.
266 A respeito, CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit.,
p. 318, ao analisar o caso Alvarez, no qual se questionou também a validade do consen-
timento que teria manifestado o acusado, ressalta que, via de regra, o consentimento
obtido em repartição policial, estando o acusado privado de sua liberdade e sem assis-
tência legal, não pode ser considerado válido, porque a situação é de coação. O Supe-
rior Tribunal de Justiça, ao julgar o HC 149.146/SP, 6a T., Rei. Min. Og Fernandes, DJe
19- 4-2011, entendeu, em caso no qual houve utilização de exames de Raio-X para iden-
tificação de droga no corpo dos acusados, que não havia comprovação de abuso por
parte dos policiais na obtenção dessa prova. Salientou-se que os acusados admitiram aingestão da droga, narrando detalhes de suas condutas e que, em razão do elevado
risco para a saúde e integridade física deles, devido à ingestão de cápsulas de cocaína,
"a constatação do transporte da droga no organismo humano, com o posterior proce-
dimento apto a expeli-la, traduz em verdadeira intervenção estatal em favor da integri-
dade física e, mais ainda, da vida, bens jurídicos estes largamente tutelados pelo orde-
namento”. Aduziu-se, também, que, de qualquer forma, caso não ocorresse o pior,
mesmo que não fossem realizadas as radiografias abdominais, o próprio organismo
expeliria naturalmente as cápsulas ingeridas, possibilitando a comprovação do crime
de tráfico de entorpecentes.267 CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 318.
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6.1.2. Exceções à inexi stência do dever de col abor ar : o pr incípio da
proporcionalidade
Como anteriormente observado, a inexistência do dever de cola-
borar na produção de provas, por parte do acusado, como decorrênciado princípio nemo tenetur se detegere, comporta exceções, uma vez que
esse princípio, como outros tantos direitos fundamentais, sofre limita-
ções. Não se trata, pois, de direito absoluto.
A esse respeito, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fer-
nandes e Antonio Magalhães Gomes Filho salientam que “os direitos
do homem, segundo a moderna doutrina constitucional, não podem
ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resul-
tante do princípio da convivência das liberdades, pelo que não se per-mite que qualquer delas seja exercida de modo danoso à ordem públi-
ca e às liberdades alheias. As grandes linhas evolutivas dos direitos fun-
damentais, após o liberalismo, acentuaram a transformação dos direi-
tos individuais em direitos do homem inserido na sociedade. De tal
modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas
no enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado
social de,direito, tanto os direitos como as suas limitações”268.
Mister, porém, diante do quanto foi exposto em torno da siste-mática adotada nos vários ordenamentos jurídicos em relação às pro-
vas que dependem da colaboração do acusado, para sua produção, que
sejam propostos critérios para a solução do problema. Nessa ótica, o
princípio da proporcionalidade mostra-se essencial.
Na seqüência, serão tecidas considerações gerais sobre o princí-
pio da proporcionalidade, especialmente com relação às restrições a
direitos fundamentais, que fornecerão subsídios para a aplicação desse
princípio ao problema.
6.1.2.1. Pri ncipio da proporcional idade
a) Terminologia: proporcionali dade e razoabil idade
68 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO,
ntonio Magalhães, Ai nulidades no processo penal, cit., p. 112.
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A imprecisão terminológica com relação ao princípio da propor-
cionalidade tem sido apontada pela doutrina269.
Entretanto, predomina, na doutrina nacional, bem como na juris-
prudência do Supremo Tribunal Federal, o emprego das expressões
“proporcionalidade” e “razoabilidade” como sinônimas. E freqüente também a identificação do princípio da proporcionalidade com a proi-
bição do excesso, com suporte no direito alemão270.
A respeito, Luís Roberto Barroso271 afirma que o princípio da pro-
porcionalidade e o da razoabilidade mantêm relação de fungibilida-
de272. Suzana de Toledo Barros273 sustenta que não há nenhum impedi-
mento para que se utilize o termo “razoabilidade” em lugar de "pro-
porcionalidade”, o que aliás foi sedimentado pelo Supremo Tribunal
269 Nesse sentido, BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 366 e s., e ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princí-
pios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Adminis-
trativo, Rio de Janeiro, v. 215, p. 151-179, jan. / mar. 1999. O primeiro autor ressalta que
a imprecisão terminológica ocorre também no direito alemão, no qual o princípio da
proporcionalidade é tratado, por vezes, como se fosse algo diverso do princípio da
proibição do excesso. Outras vezes, identifica-se o princípio da proporcionalidade com
algum dos subprincípios que o integram (adequação, necessidade e proporcionalidade
em sentido estrito). Observe-se que o segundo autor considera que a proporcionalida-
de não é princípio, mas sim um postulado normativo aplicativo, integrando a própria
estrutura do ordenamento jurídico. Segundo seu entendimento, constitui uma condi-
ção normativa, instituída pelo próprio direito para a sua devida aplicação. Assim, o
referido autor denomina-o "dever de proporcionalidade” (p. 170).
270 TOLEDO, Suzana de Barros. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitu-
cionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica,
2000, p. 72, e MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucio-
nalidade. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 83. Na dou-trina estrangeira, também SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar. Proporcionalidad y
derechos fundamentales en el proceso penal, cit., p. 154, entende que o princípio da propor-
cionalidade se identifica com a proibição de excesso.
271 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 1999, p. 215.
272 A esse respeito, MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de direito administrativo,
cit., p. 81, salienta que, a rigor, o princípio da proporcionalidade é faceta do princípio
da razoabilidade.
273 BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 72.
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Federal em seus julgados. Contrariamente, conforme a mencionada
autora, a expressão "proporcionalidade”, embora mais usual, apresen-
ta o inconveniente de confundir-se com a acepção estrita da proporcio-
nalidade, que é um dos subprincípios que a integram.
A única distinção que frequentemente se faz é que a alusão aoprincípio da proporcionalidade é difundida no direito alemão, enquan-
to no direito norte-americano é usual a referência ao princípio da razo-
abilidade274. Contudo, não se aponta distinção entre proporcionalidade
e razoabilidade em termos de conteúdo.
Tal distinção é formulada por Humberto Bergmann Ávila, entre
os autores nacionais, também com suporte na atual orientação pre-
conizada pelo Tribunal Constitucional alemão. Segundo o referido
autor, a proporcionalidade não se identifica com a razoabilidade. Naproporcionalidade, o que se analisa é o bem jurídico protegido por
um princípio constitucional e a medida adotada relativamente a um
fim. A aplicação da proporcionalidade pressupõe, desse modo, uma
relação meio-fim. Já a razoabilidade, conforme seu entendimento,
implica a análise da relação meio-fim com fundamento na "situação
pessoal do envolvido”. Em outras palavras: analisa-se a aplicação da
medida, já considerada constitucional, em relação a um sujeito de-
terminado. Salienta o autor que a razoabilidade determina que as" condições pessoais e individuai s dos sujeitos envolvidos sejam conside-
radas na decisão"275.
Ou seja, para o mencionado autor, a proporcionalidade implica
avaliação da constitucionalidade da medida adotada, com base na rela-
ção meio-fim, diante do bem jurídico tutelado. Essa avaliação se faz
em abstrato, independentemente da aplicação da medida a qualquer
caso concreto. A razoabilidade, por sua vez, parte da constitucionalida-
de em abstrato da medida, incidindo no caso concreto, porque avalia a
medida em face de um sujeito determinado.
74 Nesse sentido, observa BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade
o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 72.
75 ÁVILA, Humberto Bergmann, A distinção entre princípios e regras e a redefinição âo
ever de proporcionalidade, cit., p. 173.
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Willis Santiago Guerra Filho276 também distingue o princípio da
proporcionalidade daquele da razoabilidade. Referido autor critica a
utilização das expressões como sinônimas. Salienta que o princípio da
proporcionalidade, de origem alemã, não se confunde com o da razo-
abilidade, de origem anglo-saxônica. Segundo ele, o princípio da pro-porcionalidade relaciona-se à interpretação e aplicação do direito e não
à sua elaboração.
Contudo, o princípio da proporcionalidade relaciona-se também
à criação do direito, tendo significativa importância na elaboração das
normas restritivas de direitos fundamentais.
Deve-se ressaltar que a imprecisão terminológica reflete, não
raro, também a imprecisão dos conceitos. Por isso é importante definir
exatamente qual o conteúdo das expressões “proporcionalidade” e “razoabilidade”277.
b) Desenvolvimento do pr incípio da proporcional idade no di reito alemão
A doutrina identifica a passagem do Estado de Polícia para o Es-
tado de Direito, com a conseqüente limitação do poder absoluto do
monarca, como fato histórico que alavancou o princípio da proporcio-
nalidade278.
Suzana de Toledo Barros afirma que o princípio da proporciona-
lidade surgiu como “instrumento de controle do excesso de poder”279 e se traduz como barreira para o arbítrio.
Canotilho280 preleciona que, no século XVIII, o princípio da pro-
porcionalidade relacionava-se com a limitação do Poder Executivo,
sendo considerado medida para “as restrições administrativas da liber-
276 GUERRA FILHO, Willis Santiago, Princípio da proporcionalidade e teoria do direito,
cit., p. 283.
277 A esse respeito, BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o con-
trole de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 73.
278 BUECHELE, Paulo Armínio Tavares. O princípio da proporcionalidade e a interpreta-
ção da Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 135.279 BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 35.
280 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3.
ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 261.
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dade individual”. No século XIX, firmou-se como princípio geral do
direito de polícia no direito administrativo.
Paulo Bonavides281 salienta, a respeito, que o mencionado princí-
pio é bastante antigo, mas foi descoberto nos últimos duzentos anos.
Na França, onde o princípio da proporcionalidade se desenvolveutambém na esfera do direito administrativo, foi ele deduzido do princí-pio da legalidade, em sentido amplo. Por isso, chegou-se a sustentarseu status constitucional também na França, apesar de inexistir, naque-le país, controle jurisdicional de constitucionalidade das leis282.
Em se tratando de medidas que restringiam direitos, segundo a jurisprudência francesa, era necessário verificar, no caso concreto, arelação “custo-benefício”, que foi vista mais tarde, pela doutrina, como manifestação do princípio da proporcionalidade283.
Na Alemanha, a partir da doutrina francesa de controle dos atosadministrativos, o princípio da proporcionalidade desenvolveu-se, domesmo modo, no bojo do direito administrativo, vinculado às teoriasde limitação do poder de polícia284.
A necessidade de trasladar o princípio da proporcionalidade para
o processo penal manifestou-se especialmente em 1825, com uma re-
solução do deutscher Journalistentag, que determinava que as medidas
coativas dirigidas contra os periodistas que se recusassem a declarar
como testemunha deveriam ser proporcionais às penas previstas paraos delitos sob persecução285. Mas o marco dessa transposição do princí-
pio da proporcionalidade do direito administrativo para o processo pe-
nal foi a morte de um político (Dr. Hõffle) durante a prisão preventiva,
por uma grave enfermidade, ocorrida em 1925286, que provocou gran-
BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 362.
282 Conforme BARROS, Suzana de Toledo, O principio da proporcionalidade e o controle de
constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 42-43. 283 BARROS, Suzana de Toledo, 0 principio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 42-43. 284 BARROS, Suzana de Toledo, O principio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 44. 85 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
roceso penal, cit., p. 22-23.
86 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
roceso penal, cit., p. 23.
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de polêmica sobre a proporcionalidade na prisão provisória. A juris-
prudência também discutia o tema em relação a buscas domiciliares e
intervenções corporais287.
Foi na Alemanha também que o princípio acabou alcançando
seus contornos atuais, com referência às restrições a direitos funda-mentais, deixando de ser aplicado apenas no direito administrativo
para introduzir-se no direito constitucional. Isto ocorreu após a Segun-
da Guerra Mundial, marcada pelos abusos aos direitos humanos.
A preocupação em resguardar efetivamente os direitos funda-
mentais refletiu-se na criação do princípio de proteção do núcleo es-
sencial dos direitos fundamentias, estampado no art. 19 da Lei Funda-
mental de 1949.
O princípio da proporcionalidade passou a ser utilizado, na juris-
prudência do Tribunal Constitucional alemão, para assegurar a prote-
ção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, já que, para haver
restrições a esses direitos, exigiu-se que fossem elas necessárias, ade-
quadas e proporcionais, não afetando o conteúdo essencial do direito
fundamental288.
Em julgado de 1971, o Tribunal Constitucional alemão definiu o
princípio da proporcionalidade, nos seguintes termos: "O meio empre-
gado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o ob-
jetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode
alcançar o resultado desejado; é necessário quando o legislador não po-
deria ter escolhido outro meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse
ou limitasse de maneira menos sensível o direito fundamental”289.
Da mencionada definição decorrem os três requisitos ou subprin-
cípios do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade
ou exigibilidade (igualmente denominado princípio da menor ingerên-
287 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal, cit., p. 23.
288 BARROS, Suzana de Toledo, O principio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 46, e BUECHELE, Paulo Ar-
mínio Tavares, O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição, cit., p.
143.
BverfGE 30: 392 apud BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 372.
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cia possível) e a proporcionalidade em sentido estrito (ponderação en-
tre os danos causados e os resultados a serem alcançados)290.
Pelo controle que o princípio da proporcionalidade permite so-
bre os excesSos do Legislativo, em matéria de restrições a direitos fun-
damentais, é ele também denominado, no direito alemão, princípio da
proibição do excesso.
Atualmente, consolidou-se no Tribunal Constitucional alemão o
entendimento de que a violação ao princípio da proporcionalidade
acarreta a inconstitucionalidade da lei291.
Como assinala Gilmar Ferreira Mendes292, o princípio da propor-
cionalidade, na Alemanha, embora não seja norma escrita, tem status
de norma constitucional, derivada do Estado de Direito.
A partir do desenvolvimento do princípio da proporcionalidadeno direito alemão, no que tange às restrições aos direitos fundamen-
tais, outros ordenamentos europeus também o assimilaram, como o
italiano, o espanhol e o português.
Mas não faltaram críticas à aplicação do referido princípio, espe-
cialmente sob o argumento de que este trazia, em si, grande carga de
subjetivismo293. Além disso, sempre houve preocupação com a vulne-
ração ao princípio da separação de poderes, buscando-se evitar que o
julgador viesse a se substituir ao legislador ao aplicar o princípio daproporcionalidade294. Em que pesem tais críticas, o princípio da pro-
porcionalidade tem desempenhado papel significativo no plano de ga-
290 Cf. BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 219.
2,1 BUECHELE, Paulo Armínio Tavares, O princípio da proporcionalidade e a interpreta-
ção da Constituição, cit., p. 144. 292 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle da constitucionalidade: aspectos jurídicos e polí-
ticos. São Paulo, Saraiva, 1990, p. 43; no mesmo sentido: BARROSO, Luís Roberto,
Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 223, e NERY JUNIOR, Nelson. Proibição
da prova ilícita — Novas tendências do direito (CF, art. 5 a, LVI). In: Os 10 anos da Cons-
tituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 233-247, esp. p. 235 que aponta que, no direi-
to alemão, o princípio da proporcionalidade funda-se no Estado de Direito.
293 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal, cit., p. 25-26, chama a atenção para tal fato.
294 Nesse sentido, BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 383.
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rantia aos direitos fundamentais. Cuida-se de controle dos limites ao
Poder Legislativo.
Ressalte-se que, com relação às provas ilícitas, o ordenamento
alemão veda a utilização no processo de provas obtidas com violação a
direitos fundamentais. Entretanto, pela incidência do princípio da pro-
porcionalidade, tem-se abrandado o rigor do princípio da proibição da
prova obtida ilicitamente, ponderando-se os interesses e os direitos em
jogo, para alcançar uma solução mais justa295.
c) Desenvolvimento do pr incípio no direi to nor te-ameri cano
Anota-se que o princípio da razoabilidade foi desenvolvido, no
direito norte-americano, bem antes do direito alemão, calcado na cláu-
sula do due process of law prevista na Quinta e Décima Quarta Emendas
constitucionais296
. Referido princípio desenvolveu-se inserido no contexto de um Ju-
diciário forte e do controle de constitucionalidade das leis, que permite
equilibrar as atuações do Legislativo e do Executivo297.
Inicialmente, a cláusula do due process of law foi interpretada
como garantia processual, aplicada especialmente na esfera penal,
depois expandindo-se para o direito civil e administrativo. O conte-
údo da mencionada garantia era o de que ninguém poderia ser con-
denado sem um processo regular, em que lhe fosse assegurada aampla defesa298.
295 Cf. NERY JUNIOR, Nelson, Proibição da prova ilícita — Novas tendências do direito (CF ,
art. 5a , LVI), cit., p. 235.
296 Cf. BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de consti-
tucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 59 e s.
297 A respeito, BUECHELE, Paulo Armínio Tavares, O princípio da proporcionalidade e a
interpretação da Constituição, cit., p. 137, observa que o princípio da proporcionalidade,
nos Estados Unidos, foi fruto da grande liberdade de criação do direito reconhecida
aos juizes.
298 Conforme assinala BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o
controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 62, a ga-
rantia processual do due process of law compreendia a vedação à denúncia que não
fosse fundamentada em lei (proibição da edição de bill of attainder)\ proibição da retro-
atividade das leis (expostfacto law); vedação de ser julgado duas vezes pelo mesmo fato
(doblejeopardy); e proibição da autoincriminação forçada (self-incrimination).
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Mas, na doutrina alemã, há quem sustente que qualquer violação
ao princípio da proporcionalidade atinge a Constituição em razão do
princípio da proibição da arbitrariedade e não em decorrência dos di-
reitos fundamentais309.
Na Espanha, destaca Gonzalez-Cuellar Serrano310
que o princí-pio da proporcionalidade também pode ser extraído do conteúdo
material do Estado de Direito. Para o autor, o fundamento do citado
princípio está no respeito ao conteúdo essencial dos direitos funda-
mentais.
No direito brasileiro inexiste norma constitucional que acolha
textualmente o princípio da proporcionalidade. Diverge, então, a dou-
trina quanto ao fundamento constitucional do aludido princípio.
Caio Tácito311 afirma que o princípio da proporcionalidade ema-na do princípio da legalidade. Isto porque a legalidade pressupõe har-
monia entre meios e fins.
Já Gilmar Ferreira Mendes312 salienta, em consonância com o en-
tendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal, que o funda-
mento constitucional do princípio da proporcionalidade é a cláusula
do devido processo legal.
Paulo Armínio Tavares Buechele313 compartilha do entendimen-
to de que o fundamento do princípio da proporcionalidade é a cláusulado devido processo legal, sob a ótica substancial, estampado no art. 5-,
UV da Constituição Federal.
09 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
roceso penal, cit., p. 55.
10 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
roceso penal, cit., p. 54.
T CITO, Caio, A razoabilidade das leis, cit., p. 7.
12 MENDES, Gilmar Ferreira. Proporcionalidade na jurisprudência do Supremo
ribunal Federal. Repertório IOB de Jurisprudência, n. 23, p. 469-475, dez. 1994, esp. p.
69. O autor destaca também que, pelo reconhecimento do princípio da proporcio-
alidade, o princípio da reserva legal converteu-se em princípio da reserva legal
roporcional (Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, cit., p. 68).
13 BUECHELE, Paulo Armínio Tavares, O princípio da proporcionalidade e a interpreta-
ão da Constituição, cit., p. 148.
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Raquel Stumm314 observa que, no ordenamento brasileiro, o
princípio da proporcionalidade decorre do devido processo legal, em
sua face substantiva. E desempenha papel de garantia do núcleo essen-
cial dos direitos fundamentais.
Paulo Bonavides315 defende que o princípio da proporcionalidade
tem fundamento no Estado de Direito e encontra sua mais expressiva
aplicação no tema dos direitos fundamentais. Segundo o referido au-
tor, na Constituição brasileira, o princípio da proporcionalidade pode
ser extraído do art. 5-, § 2°, que abrange direitos e garantias que decor-
rem da natureza do regime e do Estado de Direito. Igualmente, Willis
Santiago Guerra Filho316 extrai o princípio da proporcionalidade do
mesmo dispositivo da Constituição Federal.
Suzana de Toledo Barros317 acolhe entendimento que sintetiza as
posições retromencionadas. Defende que o princípio da proporcionali-
dade decorre do Estado de Direito e da essência dos direitos funda-
mentais, que são indissociáveis. Nesse contexto, o princípio da propor-
cionalidade funciona como garantia especial dos direitos fundamen-
tais, "traduzida na exigência de que toda intervenção estatal nessa esfe-
ra se dê por necessidade, de forma adequada e na justa medida, objeti-
vando a máxima eficácia e otimização dos vários direitos fundamen-
tais”. A mesma autora destaca que o princípio da proporcionalidade
incorpora-se à cláusula do devido processo legal substancial e ao prin-
cípio da reserva legal proporcional.
Tal diversidade quanto à identificação do fundamento do princí-
pio da proporcionalidade tem sido objeto de críticas. A respeito, Hum-
berto Bergmann Ávila318 salienta que alguns afirmam que é o Estado
314 STIJMM, Raquel Denize. Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasi-
leiro. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 1995, p. 173.
315 BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 359 e 397.
31í GUERRA FILHO, Willis Santiago, Princípio da proporcionalidade e teoria do direito,
cit., p. 278.
317 BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 91-98.
318
ÁVILA, Humberto Bergmann, A distinção entre princípios e regras e a redefinição dodever de proporcionalidade, cit., p. 153.
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de Direito, outros que são os direitos fundamentais, a unidade da
Constituição e até mesmo a conjugação entre todos esses fundamen-
tos. Para a referido autor, o fundamento da proporcionalidade está na
“estrutura da norma jurídica e na atributividade do próprio Direito”319.
Citado entendimento advém da concepção do autor de que a propor-
cionalidade não é princípio, mas postulado normativo aplicativo, inte-
grando a estrutura do ordenamento jurídico. Logo, seu fundamento
não está na Constituição.
e) O principio da proporcionali dade e os l im ites aos dir ei tos fundamen-
tai s: pr essupostos e requi sitos
Sedimentou-se o entendimento de que os direitos fundamentais
não são absolutos320. Há limites expressos e implícitos em relação aos direitos funda-
mentais.
Os limites expressos podem advir da própria Constituição, que já
restringe o direito, ou mesmo da lei.
Em alguns casos, a própria Constituição já estabelece limites a
determinado direito fundamental321. Em outros, a Constituição pre-
vê expressamente que determinado direito fundamental será limita-
do por lei322.
319 ÁVILA, Humberto Bergmann, A distinção entre princípios e regras e a redefinição do
dever de proporcionalidade, cit., p. 170.
320 A propósito, BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o
controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 159,
sustenta que os direitos fundamentais são "posições jurídicas prima facie", mas su- jeitos a ponderações em razão de colisão com outros bens ou valores, no caso
concreto.
321 É o que ocorre, v. g., com o direito de reunião, tutelado no art. 5 2, XVI, do texto
constitucional brasileiro.
322 É o que se verifica, v. g., nos arts. 5“, XXXII e XXXVIII, da Constituição Federal.
Entretanto, BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de
constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 161-162, chama a
atenção para aquelas situações em que não há propriamente uma restrição ao direito
fundamental, mas sim simples regulação ou conformação do direito pelo legislador ea questão se resolve por meio da interpretação.
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Canotilho323 define as normas restritivas como "aquelas que limi-
tam ou restringem posições que, „prima facie\ se incluem no domínio
de proteção dos direitos fundamentais”.
Os limites implícitos são também denominados imanentes ou
não escritos. Há direitos fundamentais com relação aos quais a Consti-
tuição não prevê a possibilidade de limitação por lei expressamente.
Mas isso não significa que esses direitos fundamentais não possam so-
frer limitações. Sustenta-se que a Constituição implicitamente admite
tais restrições para resguardar outros direitos ou bens juridicamente
tutelados324.
Alexandre de Moraes325 salienta, a respeito, que os direitos funda-
mentais encontram limites nos outros direitos igualmente agasalhados
pela Constituição. É o princípio da relatividade ou convivência das li-berdades públicas.
O problema dos limites implícitos ou imanentes surge, portanto,
com o conflito entre dois direitos fundamentais ou entre direitos fun-
damentais e outros valores constitucionais também protegidos326.
Na primeira hipótese, o exercício de um direito fundamental
colide com o exercício de outro. Nesse caso, o conflito não pode ser
solucionado suprimindo-se um dos direitos fundamentais327. Como
323 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição,
cit., p. 1185. Na mesma esteira, FARIAS, Edilsom Pereira de, Colisão de direitos, cit., p.
91, define as normas restritivas de direitos fundamentais como aquelas que "atingem
ou afetam conteúdo do direito fundamental, isto é, limitam ou comprimem posições
que, 'prima facie‟, estão incluídas no âmbito de proteção dos direitos fundamentais”.
Nesse sentido, FARIAS, Edilsom Pereira de, Colisão de direitos, cit., p. 93.
325 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais e a Constituição de 1988.
In: Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 65-81, esp. p. 80.
A esse respeito: FARIAS, Edilsom Pereira de, Colisão de direitos, cit., p. 118 e s.327 Sobre o assunto, FARIAS, Edilsom Pereira de, Colisão de direitos, cit., p. 120-121, de-
fende que a colisão entre direitos fundamentais resolve-se do mesmo modo que as
colisões entre princípios, porque os direitos fundamentais, segundo ele, “são outorga -
dos por normas jurídicas que possuem essencialmente as características de princípios”
(p. 121). Assim, como na colisão de princípios, a colisão entre direitos fundamentais
terá solução levando-se em conta o peso ou importância relativa de cada um deles, a
fim de escolher qual deles prevalecerá no caso concreto ou sofrerá menor limitação do
que o outro, sem que nenhum deles possa ser suprimido.
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os direitos devem coexistir em um mesmo ordenamento, é preciso
conciliá-los, por meio de limitações. Assim, o legislador está autori-
zado a regular os conflitos entre os vários direitos protegidos, estabe-
lecendo limites.
Na segunda hipótese, o conflito surge entre o exercício de um
direito fundamental e a necessidade de preservação de um bem prote-
gido constitucionalmente328. Identifica-se, no caso, colisão entre o inte-
resse individual, representado por determinado direito fundamental, e
o interesse da comunidade, representado por outros valores agasalha-
dos na Constituição, como a saúde pública, a família, a segurança pú-
blica etc.329. Também nessa hipótese admitem-se limitações ao direito
fundamental para salvaguardar determinado valor protegido pela
Constituição.
Citam-se330 dois princípios que deverão nortear a solução de con-
flitos entre direitos fundamentais: o princípio da unidade da Constitui-
ção e o da concordância prática.
Pelo primeiro propugna-se que os bens e valores tutelados na
Constituição devem estar em harmonia. Pelo segundo sustenta-se que,
na solução do conflito entre os direitos fundamentais, deve haver coor-
denação entre eles de tal modo que preservem, cada qual, sua identida-
de331. Busca-se, assim, a coexistência dos direitos colidentes por meio
da técnica de ponderação de bens. Mas nenhum deles poderá ser ani-
quilado ou extremamente sacrificado, pela intervenção legislativa, que
objetiva solucionar o conflito.
328 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição,
cit., p. 1191, denomina referido conflito “colisão de direitos em sentido impróprio”. 329 Nesse sentido: FARIAS, Edilsom Pereira de, Colisão de direitos, cit., p. 118. CANO-
TILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p.
1192, destaca que o conflito entre determinado direito fundamental e certo bem
jurídico pressupõe que esse bem seja considerado valioso, isto é, digno de proteção
jurídica e constitucionalmente garantido. Não se trata, assim, de qualquer bem, va-
lor ou interesse.
330 BARROS, Suzana de Toledo, 0 princípio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 167. 331
BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucio-nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 168.
387
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De qualquer modo, é importante realçar que qualquer restrição a
direito fundamental deverá, expressa ou implicitamente, estar fundada
na Constituição.
O princípio da proporcionalidade desempenha importante pa-
pel nas restrições operadas em relação aos direitos fundamentais332
.Não é sem razão que, anteriormente, se assinalou que o princípio da
proporcionalidade vem assegurando a efetividade do princípio de
proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais no ordena-
mento alemão.
Por isso, a doutrina se refere ao princípio da proporcionalidade
como limite dos limites.
É o princípio da proporcionalidade que, por meio dos requisitos
ou subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade emsentido estrito, permite aferir a constitucionalidade das leis restritivas
de direitos fundamentais333. Não se trata, portanto, de análise de or-
dem formal da compatibilidade da lei com a Constituição334. A verifica-
ção proposta pelo princípio da proporcionalidade diz respeito ao con-
teúdo dos direitos fundamentais, que não poderá ser esvaziado ou sa-
crificado arbitrariamente.
Desse modo, é possível declarar-se a inconstitucionalidade de
uma lei restritiva de direitos fundamentais se ficar demonstrada sua
332 GUERRA FILHO, Willis Santiago, Princípio da proporcionalidade e teoria do direito,
cit., p. 277, afirma que a preservação dos direitos fundamentais é a essência e destina-
ção do princípio da proporcionalidade.
333 A esse respeito, DINIZ, Márcio Augusto de Vasconcelos. A concessão de medida
liminar em processo cautelar e o princípio constitucional da proporcionalidade. RF,Rio de Janeiro, 318/101-107, abr./jun. 1992, p. 103, destaca que, a partir da aplicação
do princípio da proporcionalidade, as restrições de direitos ou interesses juridica-
mente relevantes passaram a vincular-se "não apenas à legitimidade dos meios utili-
zados e dos fins perseguidos, mas também, cumulativamente, à adequação desses
meios à consecução dos propósitos desejados, à necessidade de sua utilização e à
razoabilidade (justa medida) do sacrifício de um(ns) direito(s) ou interesse(s) em
detrimento de outro(s)".334 Nesse sentido, MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitu-
cionalidade: estudos de direito constitucional, cit., p. 38. Não basta, assim, que a restrição
ao direito seja admitida pela Constituição.
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inadequação, desnecessidade ou desproporção entre o objetivo perse-
guido e o sacrifício imposto ao direito restringido335.
Os direitos fundamentais podem sofrer limitações, mas não pode
haver excesso nas restrições, de modo a comprometer o próprio conte-
údo do direito em questão. Nessa ótica, é importante considerar o con-ceito de núcleo essencial dos direitos fundamentais, que tem a função
de garantia com relação ao legislador. Referido núcleo pode ser enten-
dido como conteúdo essencial de um direito, composto por atributos
mínimos que o tornam reconhecível, sem os quais ele se desnatura,
extingue-se ou transforma-se em outra coisa336. Qualquer que seja a
restrição sofrida pelo direito fundamental, ele há de conservar suas
características essenciais337.
Destacam-se, na doutrina
338
, dois pressupostos sobre os quais seassenta o princípio da proporcionalidade com relação às restrições a
direitos fundamentais: o princípio da legalidade e o da justificação te-
leológica.
De acordo com o princípio da legalidade, todas as medidas restri-
tivas de direitos fundamentais deverão ser previstas por lei. A respeito,
Gonzalez-Cuellar Serrano339 observa que o referido princípio assegura,
335 Nesse diapasão: MENDES, Gilmar Ferreira, A proporcionalidade na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, cit., p. 469.
336 Nesse sentido, FARIAS, Edilsom Pereira de, Colisão de direitos, cit., p. 97, citando
definição do Tribunal Constitucional Espanhol, na sentença n. 11/81.337 Conforme FARIAS, Edilsom Pereira de, Colisão de direitos, cit., p. 98. O referido au-
tor destaca duas teorias a respeito do núcleo essencial dos direitos fundamentais: a
absoluta e a relativa. De acordo com a primeira, o núcleo essencial constitui “um mí -
nimo inatacável, uma proibição absoluta” (p. 98). Já, consoante a segunda, o núcleo
essencial eqüivale ao respeito ao princípio da proporcionalidade (p. 99). Observa, po-rém, o mesmo autor, que, na prática, as duas teorias alcançam resultados semelhantes
quanto à determinação do núcleo essencial. Por isso, a tendência doutrinária é consi-
derar compatíveis as duas teorias.
338 Nesse sentido, SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fun-
damentales en el proceso penal, cit., p. 69 e s.339 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal, cit., p. 69-71. DIAS, Jorge Figueiredo. Direito processual penal, cit., p. 436,
observa que o acusado pode ser objeto de medidas de coação processual, mas a utili-
zação de tais medidas somente poderá ocorrer no âmbito do que foi estritamente de-
terminado por lei.
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no Estado democrático, a supremacia das leis, vinculando o Poder Exe-
cutivo e o Judiciário, inclusive quanto às limitações aos direitos e liber-
dades dos cidadãos. Com isso evita-se que, nesse âmbito, o Estado rea-
lize atuações arbitrárias, a pretexto de aplicar o princípio da proporcio-nalidade.
Segundo o mesmo autor340, deriva do princípio da legalidade, sob
a ótica processual penal, a máxima nulla coactio sine lege, significando
que a lei processual deve estabelecer as condições de aplicação e o con-
teúdo das intromissões dos poderes públicos na esfera dos direitos fun-
damentais dos cidadãos. Para tanto, a lei que restringir direitos funda-
mentais deverá ser escrita, estrita e prévia.
Devendo a lei ser estrita, não poderá conter indeterminações. Aesse respeito, na doutrina nacional, também Gilmar Ferreira Mendes341
alerta que as leis restritivas de direitos fundamentais deverão ser claras e
determinadas. Não poderão ter conteúdo casuístico, devendo ser dota-
das de generalidade e abstração, para não ferir o princípio da isonomia.
Quanto à anterioridade da lei, esclarece Gonzalez-Cuellar Serra-
no342 que, mesmo em se tratando de lei processual penal, havendo res-
trição a direito fundamental, deverá ela atender ao princípio da ante-
rioridade, em respeito à proteção da segurança jurídica e à tutela daliberdade.
Outro pressuposto do princípio da proporcionalidade é a justifi-
cação teleológica343. Segundo esse conceito, para que a restrição ao di-
reito fundamental possa ser operada, é necessário que os fins sejam
340
SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el roceso penal, cit., p. 77.
341 MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: es-
tudos de direito constitucional, cit., p. 35-40. 342 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal, cit., p. 79. Conforme o entendimento do autor, a distinção tão radical
entre normas penais e processuais penais, quanto à anterioridade e retroatividade, de-
veria ser revista. Isto porque há normas processuais penais que trazem prejuízos gra-
ves para os direitos do indivíduo e que, por serem processuais, são aplicadas em rela-
ção a fatos cometidos anteriormente.343 A indicação desse pressuposto é feita por SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar,
Proporcionalidad y derechos fundamentales en el proceso penal, cit., p. 99 e s.
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legítimos. Isto é, para limitar um direito fundamental, é preciso que os
valores que justifiquem essa limitação sejam suficientemente impor-
tantes e amparados pela Constituição.
Desse modo, para que esteja presente a justificação teleológica émister que concorram dois requisitos: a legitimidade constitucional e
a relevância social. Quanto ao primeiro, destaca-se que pode ser neces-
sária a restrição de determinado direito fundamental não apenas para
proteger outro direito fundamental, mas também bens constitu-
cionalmente tutelados. Quanto ao segundo, os fins devem ser social-
mente relevantes para justificar a limitação a um direito fundamental.
Além dos dois pressupostos retromencionados, indicam-se ain-
da na doutrina344 dois requisitos extrínsecos da proporcionalidade nasmedidas restritivas de direitos fundamentais: a judicialidade e a mo-
tivação.
Pelo requisito da judicialidade pretende-se que, em se tratando de
restrição a direitos fundamentais, deve haver intervenção dos órgãos
do Poder Judiciário porque são eles incumbidos da garantia desses di-
reitos. Com isso, exclui-se a possibilidade de o Ministério Público de-
terminar éssas restrições345.
Em acréscimo, como regra, a decisão judicial que determina a li-mitação a certo direito fundamental deverá ser prévia346.
O outro requisito extrínseco praticamente decorre do primeiro: é
a motivação. As decisões proferidas pelo Poder Judiciário deverão ser
motivadas, tratando-se de uma garantia derivada do Estado de Direito.
E a motivação que permite exercer o controle de legalidade sobre
as decisões proferidas pelo Judiciário. Por meio dela evitam-se arbitra-
344 A esse respeito: SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos
fundamentales en el proceso penal, cit., p. 109 e s.
345 Na doutrina nacional, PITOMBO, Cleonice A. Valentim Bastos. Considerações so-
bre a tutela da intimidade e a vida privada no processo penal. Revista Brasileira de Ciên-
cias Criminais, São Paulo, v. 26, p. 59-79, abr./jun. 1999, esp. p. 61, sustenta que as res-
trições a direitos fundamentais deverão decorrer, sempre, de ordem judicial funda-
mentada, para evitar o arbítrio e a busca de proveito pessoal.346 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal, cit., p. 110.
391
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riedades. Além disso, a motivação legitima as decisões judiciais peran-
te a sociedade.
A respeito da motivação das decisões que restringem direitos fun-
damentais, Gonzalez-Cuellar Serrano347 afirma que deverá ela ser estri-
ta e exteriorizar os elementos presentes no caso que recomendaram alimitação.
O referido autor348 insere os subprincípios da adequação ou ido-
neidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito entre os
requisitos intrínsecos do princípio da proporcionalidade349.
De acordo com o princípio da adequação ou idoneidade, a medi-
da adotada deve ser apta à consecução da finalidade perseguida. A res-
peito, ensina Canotilho que o mencionado princípio “impõe que a me-
dida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropria-
da à prossecução.do fim ou fins a ele subjacentes”350.
Com relação ao referido subprincípio, sustenta Paulo Buechele351
que, no caso concreto, o juiz, ao exercer o controle de constitucio-
nalidade de lei restritiva de direito fundamental, deverá, primeiramen-
te, examinar a razão pela qual o legislador efetuou a restrição. Depois,
deverá verificar se há autorização constitucional para tal. Por fim, de-
verá checar se a medida escolhida é capaz de alcançar a finalidade pro-
posta na Constituição.
Entretanto, como observa Suzana de Toledo Barros352, a adequa-
ção deverá ser verificada em termos negativos. Somente quando a medi-
347 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal, cit., p. 147-148.
348 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechosjundamentales m el roceso penal, cit., p. 153 e s.
349 Salientamos que adotamos a sistemática alemã quanto à análise da proporcionalida-
de porque os critérios propostos nos parecem mais objetivos.350 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição,
cit., p. 264. O mencionado autor denomina o princípio da adequação também de
“princípio da conformidade”. 351 BUECHELE, Paulo Armínio Tavares, O principio da proporcionalidade e a interpreta-
ção da Constituição, cit., p. 127. 352 BARROS, Suzana de Toledo, O principio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 78.
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da se apresentar de todo inidônea é que a lei deverá ser considerada in-
constitucional. Não se exige, assim, da medida uma eficácia absoluta353.
O exame da adequação ou idoneidade deverá ser realizado não
somente em abstrato, como também no caso concreto.
Segundo Gonzalez-Cuellar Serrano354, a idoneidade deverá serqualitativa (quanto à espécie de medida adotada) e quantitativa (quan-
to à sua intensidade e duração).
Por outro lado, a adequação pressupõe ainda a individualização
dos sujeitos passivos das medidas restritivas do direito fundamental.
Não podem elas abranger um universo indeterminado de sujeitos. No
processo penal, conforme Gonzalez-Cuellar Serrano355, é necessário
que haja ao menos suspeita de participação do acusado na prática de
determinada infração penal. E dependendo da ingerência a ser realiza-da exige-se maior grau de suspeita.
O segundo subprincípio que informa a proporcionalidade é a ne-
cessidade, que guarda estreita relação com a adequação356.
Referido princípio é também denominado da intervenção míni-
ma, da alternativa menos gravosa ou da subsidiariedade357, ou então,
princípio da escolha do meio mais suave358.
Conforme Canotilho, a tônica do citado princípio é que o cida-dão tem "direito à menor desvantagem possível”359.
353 É o que ressalta SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos
fundamentales enel proceso penal, cit., p. 156.
354 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal, cit., p. 160-178. 355 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal, cit., p. 180. 356 Ressalta, a esse respeito, MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle
de constitucionalidade: estudos de direito constitucional, cit., p. 39-40, que somente o que é
adequado pode ser necessário, mas o que é necessário nem sempre é adequado.357 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal, cit., p. 189. 358 Cf. BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, cit., p. 361, e BUECHELE,
Paulo Armínio Tavares, O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição,
cit., p. 131.
™ CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição,
cit., p. 264.
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Segundo Gonzalez-Cuellar Serrano360, por meio dele, os ór-
gãos do Estado são obrigados a comparar as medidas restritivas apli-
cáveis, que sejam suficientemente aptas para alcançar o fim preten-
dido, e a eleger aquela que seja menos lesiva para os direitos dos
cidadãos.
A respeito do princípio da necessidade, Suzana de Toledo Barros
preleciona que a medida restritiva imposta deverá ser “indispensável
para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental”361 e,
além disso, “não possa ser substituída por outra igualmente eficaz,
mas menos gravosa”362. Ou seja, da necessidade decorrem a indispen-
sabilidade da restrição imposta ao direito fundamental e o menor gra-
vame possível para este.
Observa-se que o princípio da necessidade é comparativo e buscaa otimização do grau de eficácia dos direitos fundamentais restringi-
dos363. Cuida-se de princípio comparativo na medida em que deverá ser
eleita, entre as medidas aptas, a menos gravosa. E esta eleição pressu-
põe uma escala de valores. Pressupõe também que seja examinado o
volume, a duração e a intensidade das restrições possíveis364. A adoção
da medida menos gravosa conduz, ao mesmo tempo, à otimização dos
direitos fundamentais.
60 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
roceso penal, cit., p. 189.
361 BARROS, Suzana de Toledo, O principio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 79. 362 BARROS, Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucio-
nalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 79. 363 Nesse sentido, SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fun-
damentales en el proceso penal, cit., p. 189.364 A respeito, SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos funda-
mentales en el proceso penal, cit., p. 200. Dada a relatividade do mencionado princípio,
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, cit.,
p. 264-265, destaca que outros elementos devem ser considerados na prática: a exigibi-
lidade material ("o meio deve ser o mais 'poupado' possível quanto à limitação dos
direitos fundamentais”); a exigibilidade espacial ("necessidade de limitar o âmbito da
intervenção”); a exigibilidade temporal ("delimitação no tempo da medida coactiva do
poder público”); e exigibilidade pessoal (“a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas
cujos interesses devem ser sacr ificados”).
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Para que não haja arbitrariedade judicial na aplicação do mencio-
nado princípio, Gonzalez-Cuellar Serrano365 recomenda que sejam ob-
servados três requisitos: idoneidade e menor lesividade da medida al-
ternativa; lei que determine a limitação do direito e existência de infra-
estrutura necessária para a aplicação da medida alternativa.
A lei restritiva do direito fundamental somente será incons-
titucional se for constatado, de forma inequívoca, que existem outras
medidas menos gravosas366.
O terceiro subprincípio a ser observado é o da proporcionalidade
em sentido estrito. Conforme preconiza Gilmar Ferreira Mendes, o juí-
zo definitivo sobre a proporcionalidade de determinada medida somen-
te poderá resultar de "rigorosa ponderação entre o significado da inter-
venção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador”
367
.
Nesse aspecto deve-se cotejar a razoável proporção entre os
meios utilizados e os fins a serem alcançados. Pressupõe a ponderação
dos bens que estão em jogo. Consoante preleciona Luís Roberto Bar-
roso, é a verificação da relação "custo-benefício da medida, isto é, da
ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos"368.
Como pressupõe a ponderação dos bens e valores, será necessá-
rio verificar se o sacrifício do direito fundamental guarda uma relação
de razoabilidade com a importância do interesse estatal que se preten-de salvaguardar. Se o sacrifício for excessivo, mesmo que os outros
subprincípios, da adequação e necessidade, estejam satisfeitos, a medi-
da restritiva será inadmissível369.
Por isso, afirma-se na doutrina que o princípio da proporcionali-
dade em sentido estrito é valorativo, especialmente com relação à ten-
65 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
roceso penal, cit., p. 200 e s.
*“ Nesse sentido: BverfGE 39:210, apud BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e apli-
cação da Constituição, cit., p. 219.67 MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: es-
udos de direito constitucional, cit., p. 40.
BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 219.
69 Nesse sentido, SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fun-
amentales en el proceso penal, cit., p. 225.
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são entre os interesses estatais e individuais; é ponderativo e é de con-
teúdo material e não meramente formal.
A esse respeito, elucidativos os critérios propostos pelo Tribunal
Constitucional alemão para verificação da proporcionalidade em sen-
tido estrito:“a) quanto mais sensível revelar-se a intromissão da norma na
posição jurídica do indivíduo, mais relevantes hão de ser os interesses
da comunidade que com ele colidam;
b) do mesmo modo, o maior peso e preeminência dos interesses
gerais justificam uma interferência mais grave;
c) o diverso peso dos direitos fundamentais pode ensejar uma
escala de valores em si mesmo, como ocorre na esfera jurídico-
-penal”370.No processo penal, a ponderação deverá operar-se entre o inte-
resse estatal e o interesse individual. Conforme Gonzalez-Cuellar Ser-
rano371, o interesse individual consubstancia-se na manutenção do ius
libertatis, com o pleno gozo dos direitos fundamentais. Assim, na pon-
deração devem ser levados em conta todos os prejuízos causados ao
indivíduo, voluntários ou não, pela adoção de medidas restritivas aos
seus direitos fundamentais, tais como para a saúde, física e mental, sua
vida familiar, social e profissional.Sustenta o mesmo autor372 que, fundamentalmente, o interesse
estatal nas medidas restritivas de direitos fundamentais é o interesse na
persecução penal, objetivando-se a tutela dos bens jurídicos protegidos
nas normas penais. Segundo o mencionado autor, há alguns critérios,
propostos pela doutrina alemã, para a medição do peso e importância
da persecução penal diante dos direitos fundamentais. São eles a con-
seqüência jurídica do delito, a importância da causa, o grau de imputa-
ção e o êxito previsível da medida restritiva.
370 Cf. BARROS, Suzana de Toledo, O principie da proporcionalidade e o controle da consti-
tucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 86.
71 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
roceso penal, cit., p. 273-274. 72 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
roceso penal, cit., p. 251-266.
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A importância da causa abrange:
1. A gravidade do fato, permitindo valorar a forma de execução
do delito, o peso dos bens jurídicos violados; a culpabilidade subja-
cente do acusado e sua periculosidade373. Deve o juiz ponderar, nesse
critério, inclusive a pena em abstrato e se a ação é de iniciativa públi-ca ou privada.
2. O interesse público no êxito do processo: tal critério se relaciona
com os dois anteriores; mas o autor tece críticas a ele salientando que o
interesse na persecução penal poderia ficar sujeito a parâmetros como
o interesse público no rápido castigo do culpado, pela comoção gerada
por um fato criminoso ou mesmo pela posição social do acusado.
3. O perigo de reiteração de fatos delituosos análogos: contudo
tal critério tem sido afastado porque atenta contra a presunção de ino-cência. Além disso, o prognóstico quanto à prática de novos delitos
análogos é extremamente difícil de ser realizado.
Segundo o critério do grau de imputação, a gravidade das medi-
das restritivas aos direitos fundamentais deve guardar correspondência
com o grau de suspeita. Há medidas, segundo esse critério, que, por
sua gravidade, somente podem ser aplicadas ao acusado, não ao sus-
peito e ao indiciado. Assim, quanto mais lesivas ao direito fundamental
as medidas restritivas, maior será o grau de imputação exigido. Entre-tanto, o autor tece críticas ao referido critério porque também aquele
sobre o qual recaem graves suspeitas deve ser presumido inocente;
porque terceiros, não suspeitos, não poderiam ser atingidos pelas me-
didas restritivas.
Já o êxito previsível da medida restritiva identifica-se com o prin-
cípio da idoneidade ou adequação.
Importa ressaltar, ainda, que a ponderação de interesses e valores
decorrente do princípio da proporcionalidade em sentido estrito deve-rá ser realizada pelo juiz não somente em relação à lei em abstrato,
para aferir-se a sua constitucionalidade, como também em relação ao
caso concreto.
73 Tal critério, segundo o autor, não difere essencialmente do primeiro (conseqüência
urídica do delito).
397
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Em suma, para que haja restrição a determinado direito funda-
mental deverão ser observados os seguintes requisitos:
— deverá ela estar autorizada pela Constituição, expressa ou im-
plicitamente;
— deverá respeitar, obrigatoriamente, o núcleo essencial do direi-
to fundamental; — deverá operar-se por lei (escrita, estrita e prévia);
— deverá apresentar justificação teleológica (estar legitimada cons-
titucionalmente, como já se ressaltou, e apresentar relevância social); — deverá ser determinada por decisão judicial fundamentada; e
— deverá atender ao princípio da proporcionalidade, em seus três
aspectos: ser adequada, necessária e proporcional, em abstrato e em
concreto.
f) O pri ncípio da proporcional idade no dir ei to brasi leiro Afirma-se, na doutrina374, que sempre houve certa relutância, no
direito nacional, ao acolhimento do princípio da proporcionalidade
com vistas ao controle judicial de mérito dos atos do Poder Público.
Esse controle se fez, inicialmente, por meio da ideia originária do direi-
to administrativo francês, sob a ótica do excesso ou desvio de poder.
Assim, em julgado que data de 1951, o Supremo Tribunal Federal deci-
diu, a respeito de aumento de imposto de licença sobre cabines de ba-
nho, por parte da Prefeitura de Santos, que o poder de taxar não pode-
ria caracterizar abuso, excesso e desvio375.
As Constituições brasileiras, tradicionalmente, não se referem ao
princípio da proporcionalidade expressamente.
Entretanto, sob a édige da Constituição de 1967, com a Emenda
de 1969, o Supremo Tribunal Federal aplicou o princípio da proporcio-
nalidade como critério para a limitação de restrições de direitos, dei-
xando patenteado que as medidas restritivas de direito não podem con-
ter limitações inadequadas, desnecessárias e desproporcionais. Mas o
BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 224.
375
Nesse sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 18.331, Rei. Min. Oro-zimbo Nonato, julgado datado de 1951 (RF, 145/164).
398
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julgado não se refere expressamente ao princípio da proporcionalida-
de. O caso versava sobre o art. 48 do Decreto-Lei n. 314, de 1967 — a
denominada Lei de Segurança Nacional — , que estabelecia que a pri-
são em flagrante ou o recebimento da denúncia, nos casos previstos
naquele diploma legal, importariam também a suspensão do exercício
da profissão, emprego ou atividade privada, cargo ou função na Admi-
nistração Pública, autarquia, empresa pública ou sociedade de econo-
mia mista, até que fosse proferida sentença absolutória. O Supremo
Tribunal Federal, porém, considerou a restrição excessiva, na medida
em que privava o indivíduo acusado de prover a sua subsistência376.
Foi no julgamento da Representação n. 930-DF, de maio de 1976,
que houve referência expressa à adoção do critério da razoabilidade. O
voto proferido pelo Ministro Rodrigues Alckmin é considerado leading
case, em matéria de aplicação do princípio da proporcionalidade, em-
bora se refira ao princípio como “critério da razoabilidade”377. Ao ma-
nifestar-se sobre a Lei n. 4.116/62, que estabelecia exigências para o
exercício da profissão de corretor de imóveis, o voto proferido pelo
Ministro Alckmin considerou que o legislador ordinário somente po-
deria estabelecer condições de capacidade respeitando o critério da ra-
zoabilidade, devendo o Poder Judiciário apreciar se as restrições são
adequadas e justificadas pelo interesse público.
Em 1984 dois outros julgados proferidos pelo Supremo Tribunal
Federal pautaram-se no princípio da proporcionalidade: a Representa-
ção n. 1.077 e a n. 1.054, nas quais figurou como relator o Ministro
Moreira Alves. Na primeira, discutiu-se a elevação de taxa judiciária no
Estado do Rio de Janeiro, sob o prisma do juízo da proporcionalidade,
entendendo-se que o poder de tributar não poderia ser exercido de
forma excessiva, especialmente criando obstáculo para que o Poder
Judiciário examinasse lesão a direitos378. Na segunda, o debate desen-volveu-se sobre a constitucionalidade do art. 86 da Lei n. 5.681, de
376 HC 45.232, Rei. Min. Themistocles Cavalcanti, 1968 (RTJ, 44/322). O dispositivo
somente não foi considerado inconstitucional no tocante aos funcionários públicos
porque o Estatuto destes garantia pagamento de 2/3 da remuneração aos servidores
afastados por processo-crime.
Rep. 930/DF, Rei. Min. Rodrigues Alckmin, DJU de 2-9-1977.
Rep. 1.077, Rei. Min. Moreira Alves, 1984 (RTJ, 112/34).
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1971, que vedava o exercício da advocacia aos juizes, membros do Mi-
nistério Público, servidores públicos civis e militares, durante o perío-
do de dois anos a contar da inatividade ou disponibilidade. A questão
foi decidida também com suporte no princípio da proporcionalidade,
sustentando-se que a restrição estabelecida era desigual379.
A Constituição de 1988, na mesma esteira das anteriores, não
menciona expressamente o princípio da proporcionalidade. Contudo,
pode ser ele extraído a partir de dois fundamentos, que advêm da
orientação alemã e da norte-americana a respeito. Assim, pode ser ex-
traído do Estado de Direito, como princípio constitucional não escrito,
implícito380. Ou ainda da cláusula do devido processo legal, entendido
sob o prisma substancial381.
Em acréscimo, embora a Constituição brasileira não adote ex-
pressamente, eomo a alemã, o princípio da proteção do núcleo essen-
cial dos direitos fundamentais, referido princípio decorre da própria
natureza dos direitos fundamentais: não podem eles sofrer limitações
de tal monta que seja afetado o seu conteúdo essencial. E, nessa ótica,
o princípio da proporcionalidade mostra-se extremamente importante
porque é por meio dele que se concretiza a essência dos vários direitos
fundamentais382.
Rep. 1.054, Rei. Min. Moreira Alves, 1984 (RTJ, 110/967).
380 Nessa ótica é importante ressaltar que, em matéria de direitos fundamentais, o prin-
cípio da proporcionalidade funciona como "garantia especial”, como refere BARROS,
Suzana de Toledo, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das
leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 93. Assim, seu fundamento, no direito na-
cional, está vinculado também ao princípio da dignidade humana.381 Insere-se também o princípio da proporcionalidade no princípio da reserva legal
(cf. MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade:
estudos de direito constitucional, cit., p. 68, e BARROS, Suzana de Toledo, O princípio
da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fun-
damentais, cit., p. 94).
382 É que muitas vezes a definição do que seja o conteúdo essencial de um direito fun-
damental é extremamente difícil. Essa definição concretiza-se, com maior facilidade,
no cotejo com outros bens ou valores, que é operado pelo princípio da proporcionali-
dade. Nesse sentido: BARROS, Suzana de Toledo, O principio da proporcionalidade e o
controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cit., p. 102.
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O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido e aplicado, em
muitas oportunidades, o princípio da proporcionalidade. Entretanto,
tem empregado, indistintamente, os termos “proporcionalidade” e
“razoabilidade” em seus julgados. Além disso, tem-se observado, na
doutrina, que as fundamentações das decisões do Supremo TribunalFederal que aplicam o princípio da proporcionalidade são ambíguas,
deixando de estabelecer critérios definidos para a incidência do men-
cionado princípio383.
Em que pese o reconhecimento anterior do princípio da propor-
cionalidade, foi na vigência da Constituição de 1988 que se consolidou
a aplicação do mencionado princípio como postulado constitucional,
decorrente do devido processo legal. Desse modo, tornou-se inquestio-
nável a possibilidade de declarar a inconstitucionalidade de lei em razãode dispensabilidade, inadequação ou ausência de razoabilidade384.
São ilustrativos a respeito alguns julgados do Supremo Tribunal
Federal, sob a égide da Constituição de 1988. Na Ação Direta de In-
constitucionalidade n. 223-DF discutiu-se sobre os limites do poder
cautelar do juiz, em razão de medida provisória que proibia a conces-
são de liminar em mandado de segurança e em ações de rito ordinário
que versassem sobre determinadas medidas provisórias. Argumentou-
-se a respeito da necessidade do controle da razoabilidade das leis res-tritivas do poder cautelar do juiz385.
Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 855-2, de
junho de 1993, que suspendeu provisoriamente os efeitos da Lei n.
10.248/93, do Estado do Paraná, o princípio da proporcionalidade foi
expressamente adotado. O referido diploma legal estabelecia a obriga-
toriedade de pesagem do botijão de gás à vista do consumidor. Consi-
derou-se, no caso, que tal obrigatoriedade gerava um excessivo ônus às
empresas. Discutiu-se a proporcionalidade da medida386
.
583 Nesse sentido: ÁVILA, Humberto Bergmann, A distinção entre princípios e regras e a
redefinição do dever de proporcionalidade, cit., p. 152-153.
384 Nesse diapasão: MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de consti-
tucionalidade: estudos de direito constitucional, cit., p. 83.
ADIn 223-DF, Rei. Min. Paulo Brossard, j. 5-4-1990.
ADIn 855-2, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 1 “-10-1993.
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O princípio da proporcionalidade voltou a ser a tônica na Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 10.409/600, que tratava do art. 187
do Estatuto do Ministério Público da União. Referido artigo de lei dis-
punha que poderiam inscrever-se no concurso do Ministério Público
Federal bacharéis em Direito, há pelo menos dois anos, de comprova-da idoneidade moral. Questionou-se a constitucionalidade do disposi-
tivo em face de estabelecer o requisito de ao menos dois anos de bacha-
relado para inscrição no concurso. Restou decidido, após alentado de-
bate, em sede provisória, que a norma era razoável387.
Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 966-4 e 958-3, de
1994, firmou-se o entendimento de que o princípio da proporcionali-
dade tinha fundamento na cláusula constitucional do devido proces-
so legal
388
.
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.158-
8, em dezembro de 1994, decidiu-se que a razoabilidade deve ser aferi-
da também com relação a normas que não são restritivas de direitos389.
Ao longo do tempo, o princípio da proporcionalidade também
vem sendo invocado como fundamento em decisões proferidas em
controle de constitucionalidade abstrato390.
ADIn 10.409/600, Rei. Min. Nérida Silveira, j. 9-3-1994.
388 Entretanto, nos julgados emprega-se a terminologia “razoabilidade”, inclusive alu-
dindo-se ao fundamento desse princípio constitucional nos Estados Unidos.
ADIn 1.158-8, Rei. Min. Celso de Mello, j. 19-12-1994.
390 Nesse sentido, podem ser citados os seguintes julgados: ADInMC 1.772-MG, Tribu-
nal Pleno, Rei. Min. Carlos Velloso, j. 15-4-1998, DJ de 8-9-2000, medida cautelar em
ação direta de inconstitucionalidade na qual se decidiu que deve haver proporcionali-
dade em matéria de taxa judiciária e custas impostas pelo Estado de Minas Gerais;
ADInMC 2.290-DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Moreira Alves, j. 18-10-2000, DJ de 23-2-2001; ADInMC 2.028-DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Moreira Alves, j. 11-11-1999, DJ de
16-6-2000; ADIn-MC 1.976-DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Moreira Alves, j. 6-10-1999,
DJ 24-11-2000, p. 189, na qual se decidiu que havia relevância jurídica do pedido na
medida em que invocava ofensa ao devido processo legal, no sentido material, por
violação da razoabilidade e proporcionalidade; no julgamento da referida ação, já sob
a relatoria do Min. Joaquim Barbosa, em 28-3-2007, decidiu-se pela sua procedência,
considerando que, com relação a recurso administrativo, "A exigência de depósito ou
arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na prática, em determinadas
situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se, assim, em nítida viola-
ção ao princípio da proporcionalidade” (DJe 18, publicado em 18-5-2007); ADInMC
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De salientar que o princípio da proporcionalidade tem sido reco-
nhecido e aplicado pelo Supremo Tribunal Federal não somente em
sede de controle abstrato de constitucionalidade, mas também de con-
trole difüso.
Assim, no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.153.493-SP, no qual foi relator o Ministro Marco Aurélio, decidiu-se,
interpretando-se o art. 100, § l2, da Constituição Federal, com suporte
1.813-DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Marco Aurélio, j. 23-4-1998, DJ de 5-6-1998, no qual
se invocou o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade para negar a liminar
requerida em matéria eleitoral; ADInMC 1.753-DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Sepúlve-
da Pertence, j. 16-4-1998, DJ de 12-6-1998, que versou sobre ação rescisória contra a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, decidindo-se que "A igualdadedas partes é imanente ao 'procedural due process of law‟; quando uma das partes é o
Estado, a jurisprudência tem transigido com alguns favores legais que, além da vetus-
tez, têm sido reputados não arbitrários por visarem a compensar dificuldades da defe-
sa em juízo das entidades públicas; se, ao contrário, desafiam a medida da razoabilida-
de ou da proporcionalidade, caracterizadas inovações discutidas, de favorecimento
unilateral aparentemente não explicável por diferenças reais entre as partes e que so-
madas a outras vantagens processuais da Fazenda Pública agravam a conseqüência
perversa de retardar sem limites a satisfação do direito do particular já reconhecido em
juízo”; e ADInMC 1.896-DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Sydney Sanches, j. 18-2-1999, DJ
de 28-5-1999, na qual foi invocado o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade para amparar a arguição de inconstitucionalidade do art. 24 da Lei Federal n. 9.651, de
1998, que veda aos servidores ocupantes de carreiras e cargos referidos nos arts. I a a 14
exercer advocacia fora das atribuições institucionais. A medida foi julgada prejudicada.
Em julgados mais recentes, também tem sido invocado o princípio da proporcionali-
dade no controle direto de constitucionalidade: na ADIn 3.826/GO, Tribunal Pleno,
Rel.Min. Eros Grau, j. 12-5-2010, DJe 154, publicado em 20-8-2010, examinou-se a cons-
titucionalidade de dispositivo de Lei do Estado de Goiás (n. 14.376, de 27-12-2002), a
respeito de critério de cobrança de custas e emolumentos judiciais. A ação foi julgada
improcedente, anotando-se que o controle de proporcionalidade e de razoabilidade
das leis pelo Supremo Tribunal Federal não implica juízo acerca de ter a lei atingido,
ou não, seus fins. Na ADIn 4.125/TO, Tribunal Pleno, Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 10-
6-2010, DJe 30, publicado em 15-2-2011, invocou-se o princípio da proporcionalidade e
da moralidade administrativa para julgar-se procedente a ação com relação à Lei n.
1.950/2008 do Estado de Tocantins, que não observava a proporcionalidade entre o
número de cargos efetivos no Poder Executivo e de cargos em comissão. Em medida
cautelar deferida na ADIn 4.467/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 30-9-
2010, DJe 104, publicada em l“-6-2011, à luz do princípio da razoabilidade, decidiu-se
que a exigência contida na Lei n. 12.034/2009, em matéria eleitoral, deveria ser inter-
pretada no sentido de apenas impedir de votar o eleitor que não estivesse portando
documento oficial com fotografia.
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no conceito de razoabilidade, que os débitos judiciais da Fazenda Pú-
blica deveriam ser corrigidos até a data do efetivo pagamento391.
Igualmente, no Recurso Extraordinário n. 192.568-PI, em que foi
relator o Ministro Marco Aurélio, considerou-se que, em atendimentoao princípio da proporcionalidade, somente seria possível a abertura
de novo concurso público após o preenchimento das vagas abertas em
concurso anterior392.
No Habeas Corpus n. 72.580-SP foi aplicado o princípio na esfera
processual penal. No caso, a defesa havia oferecido rol composto por
dezessete testemunhas. O juiz determinou fosse o rol reduzido ao nú-
mero legal. Entretanto, a defesa não se manifestou a respeito, tendo
sido por ele decidido ouvir as oito primeiras testemunhas constantesdo rol. A defesa alegou, então, em sede de habeas corpus, cerceamento
de defesa, mas o Supremo Tribunal Federal considerou adequado, ne-
cessário e razoável o critério adotado pelo juiz393.
Da mesma forma, o princípio da proporcionalidade tem sido in-
vocado nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em
controle de constitucionalidade difuso394. No Habeas Corpus n. 75.889-
MT, julgado em março de 1998, decidiu-se, em matéria penal, que
"ofende o princípio da proporcionalidade entre a agravante e a pena
91 AgRg em Agi 153.493-SP, 2 Í T., Rei. Min. Marco Aurélio, v. u., DJU de 25-2-1994,
. 2593.
RE 192.568-PI, 2a T., Rei. Min. Marco Aurélio, DJU de 13-9-1996, p. 33241.
HC 72.580-SP, 2a T., Rei. Min. Néri da Silveira, v. u., DJU de 14-3-1997, p. 6902.
94 Nesse sentido, RMS 23.543-DF, Ia T Rei. Min. Ilmar Galvão, j. 27-6-2000, DJ de 13-
10-2000, no qual se decidiu que não havia ofensa ao princípio da proporcionalidade em
ortaria do Ministério da Fazenda que determinou a liberação dos preços da cana-de--açúcar. No RE 175.161-SP, 2a T., Rei. Min. Marco Aurélio, j. 15-12-1998, DJ de 14-5-
1999, decidiu-se, a respeito de consórcios, que, em atendimento ao princípio da pro-
orcionalidade e da razoabilidade, deveria o consorciado desistente receber as cotas
satisfeitas devidamente corrigidas. Em julgado mais recente, proferido no RE 51.1961 /
SP, Tribunal Pleno, Rei. Min. Gilmar Mendes, j. 17-6-2009, DJe 213, publicado em
13-11-2009, invocaram-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade quan-
o a leis restritivas, especificamente aquelas que disciplinam as qualificações profissio-
ais como condicionantes do livre exercício das profissões para, entre outros funda-
entos, afastar-se a exigência de diploma de curso superior, registrado pelo Ministério
da Educação, para o exercício da profissão de jornalista. E, assim sendo, entendeu-seão recepcionado o art. 4“, V, do Decreto-lei n. 972, de 1969.
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aplicada, bem assim o critério trifásico previsto no art. 68 do Código
Penal, a sentença que na primeira etapa da individualização da pena
fixa o seu „quantum‟ no limite máximo previsto para o tipo penal”395.
O princípio da proporcionalidade foi também fundamento para a deci-são proferida no Habeas Corpus n. 77.003-PE, julgado em 16 de junho
de 1998, no qual se firmou que, "uma vez verificada a insignificância
jurídica do ato apontado como delituoso, impõe-se o trancamento da
ação penal por falta de justa causa. A isto direcionam os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade”396. E, mais recentemente, de se
recordar o julgado proferido no Recurso em Habeas Corpus n. 89.459/
RJ, de 24-6-2008, no qual se afastou ofensa aos princípios da proporcio-
nalidade e da razoabilidade quanto ao art. 49, parágrafo único, da Leide Execução Penal, ao cominar idêntica sanção para a fuga, consuma-
da ou tentada397.
6.1.2.2. Apl icação do pr incípio da proporcional idade ao problema
A regra, como antes se mencionou, no modelo acusatório, é que
a acusação deve buscar provas que não dependam da colaboração do
acusado para demonstrar os fatos. Somente por exceção se pode pre-
tender que o acusado coopere na produção de provas que, eventual-mente, possam incriminá-lo.
Assim, v. g., se se trata de realizar exame grafotécnico e o acusado
se recusa a fornecer material gráfico, deverão ser localizados e apreen-
didos, se for o caso, papéis e documentos que possam suprir o forneci-
mento do referido material. Igualmente, se o acusado for intimado a
entregar documentos que possam incriminá-lo e não o fizer, poderá
ser realizada a busca e apreensão destes.
,5 HC 75.889-MT, 2a T., Rei. Min. Marco Aurélio, j. 17-3-1998, DJ de 19-6-1998. No
HC 107.626/SP, Ia T., Rei. Min. Cármen Lúcia, j. 27-9-2011, DJe 202, publicado em
20- 10-2011, decidiu-se que "o legislador infraconstitucional não quantificou as circuns-
âncias judiciais, deixando a critério do julgador a tarefa de encontrar números sufi-
cientes a desestimular o agente e a própria sociedade a patrocinarem condutas análogas
e, simultaneamente, a garantir a proporcionalidade entre o fato praticado e a pena...".
HC 77.003-PE, 2a T., Rei. Min. Marco Aurélio, j. 16-6-1998, DJ de 11-9-1998.
Ia T., Rei. Min. Ellen Gracie, DJe 157, publicado em 22-8-2008.
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O nemo tenetur se detegere é direito fundamental que não apresenta
limites expressos na Constituição brasileira, assim como em textos
constitucionais estrangeiros.
Mas a inexistência de limites expressos na própria Constituição
ou na legislação infraconstitucional não significa que o nemo teneturse
detegere seja um direito absoluto.
Os limites do nemo tenetur se detegere são imanentes, implícitos e
decorrem da necessidade de coexistência com outros valores que, igual-
mente, são protegidos pelo ordenamento, em sede constitucional. A definição dos limites ao nemo tenetur se detegere diz respeito à
solução do conflito entre o exercício do referido direito fundamental e
a necessidade de preservação de outros bens protegidos constitucio-
nalmente, representados pela segurança pública e a paz social, que sãoalcançados por meio da persecução penal.
Assim, a limitação ao nemo teneturse detegere justifica-se teleologi-
camente: a paz social e a segurança pública são bens relevantes social-
mente e protegidos pela Constituição Federal. Se não se admitisse qualquer limitação ao nemo tenetur se detegere,
seria ele um direito absoluto e, consequentemente, em diversas situa-
ções, o interesse público na persecução penal restaria completamente
aniquilado, comprometendo a paz social e a segurança pública, bens
diretamente relacionados ao interesse na persecução penal, que seriam
sacrificados, conduzindo a situações indesejáveis socialmente e que
causariam repulsa. As limitações são, pois, inevitáveis, mas não deverão conduzir ao
extremo sacrifício do direito fundamental restringido, tornando-o irre-
conhecível ou desnaturado. A essência do nemo tenetur se detegere deve-
rá ser preservada, mantidos os seus atributos mínimos. Nessa ótica,
não se poderá, à evidência, aniquilar esse princípio, sacrificando-o ex-
tremamente a ponto de compelir o acusado a colaborar ativamenteem provas como a reconstituição do fato, o exame grafotécnico e o
etilômetro. Por isso, em se tratando de limitação a direito fundamen-
tal, o princípio da proporcionalidade fornece importantes subsídios
para a solução do problema.
Cuidando-se de restrição a direito fundamental, como é o nemo
tenetur se detegere, operada no plano do processo penal, as limitações a
ele deverão operar-se, necessariamente, por lei, que deverá observar o
406
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princípio da proporcionalidade, para que não haja inconstitucionalida-
de, tendo-se em vista que tanto o nemo tenetur se detegere como o prin-
cípio da proporcionalidade têm status de norma constitucional. Desse
modo, evitam-se atuações arbitrárias por parte do Estado. As restri-
ções ao nemo tenetur se detegere, que repercutem diretamente sobre aliberdade de autodeterminação do acusado, não poderão ser determi-
nadas casuisticamente pelo julgador.
O diploma legal que vier a estabelecer as limitações ao nemo tene-
tur se detegere deverá atender ao princípio da legalidade. Deverão tais
limitações ser impostas por lei estrita e prévia. Portanto, deverão ser
elas de caráter geral e abstrato, claras e objetivas, não contendo inde-
terminações. Vedam-se, assim, as restrições casuísticas a direitos fun-
damentais. Além disso, deverá a lei respeitar o princípio da anteriorida-de, para maior proteção da segurança jurídica e da liberdade.
De outra parte, incumbindo ao Poder Judiciário, no Estado De-
mocrático de Direito, a tutela dos direitos fundamentais, havendo res-
trição ao nemo teneturse detegere prevista em lei, deverá ela ser submeti-
da ao controle jurisdicional no caso concreto. Tal controle, nas provas
que implicarem intervenção corporal no acusado, deverá ser prévio,
considerando-se sobretudo que nessas provas outros direitos funda-
mentais estão igualmente envolvidos, como a liberdade de autodeter-minação, a intangibilidade corporal, a integridade física, a intimidade
e a dignidade398. Fica, assim, afastada a possibilidade de determinação
de tais provas pelo Ministério Público. Nas provas que não depende-
rem de intervenção corporal no acusado, o controle jurisdicional po-
derá ser efetuado a poster ior i.
Caberá ao juiz examinar se a lei, que restringe o nemo tenetur se
detegere, atende ao princípio da proporcionalidade e se, no caso concre-
to, os requisitos da proporcionalidade também estão presentes, deci-
dindo motivadamente. Como ressalta Gonzalez-Cuellar Serrano399,
98 A esse respeito, VIGONI, Daniela, Corte Costituzionale, prelievo ematico coattivo e
“test” dei DNA, cit., p. 1026, destaca a necessidade de compatibilizar as investigações
que incidam diretamente sobre a pessoa, incluindo eventual execução coercitiva, com
o direito à liberdade pessoal e integridade física, a dignidade, a intimidade e a defesa.
99
Conforme SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos funda-entales en el proceso penal, cit., p. 307.
407
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somente a motivação permitirá aferir se, no caso concreto, justifica-se
o sacrifício do direito individual em face do interesse da coletividade.
Além dos requisitos retromencionados, as restrições ao nemo tene-
tur se detegere deverão observar o princípio da proporcionalidade, em
seus três subprincípios: a adequação, a necessidade e a proporcionali-dade em sentido estrito.
As medidas restritivas ao nemo tenetur se detegere deverão ser ade-
quadas, isto é, aptas e idôneas a alcançar o resultado pretendido, que é
a produção da prova. De nada serviria estabelecer a restrição ao nemo
tenetur se detegere se ela não possibilitasse a produção da prova objetiva-
da. A idoneidade da restrição deverá ser verificada em termos qualita-
tivos e quantitativos, isto é, quanto à espécie de medida adotada e
quanto à sua intensidade e duração.
Observe-se que, ainda sob o prisma da adequação, a prova a ser
produzida mediante restrição ao nemo tenetur se detegere deverá ser útil
para a investigação ou para o processo. A utilidade para a investigação ou para o processo implica a indi-
vidualização dos sujeitos passivos das medidas restritivas ao nemo tene-
turse detegere. Dessa forma, somente se justifica a restrição a esse prin-
cípio se houver indícios de que alguém seja autor ou partícipe de deter-
minada infração penal400. Não bastam meras conjecturas ou inferências
nesse sentido. Para que o requisito da necessidade se apresente é preciso que a
medida restritiva ao nemo tenetur se detegere seja indispensável para a sua
coexistência com outros valores, como a segurança pública, a paz so-
cial e o interesse público na persecução penal. Nessa ótica, mister que
00 O que se pretende evitar é que as medidas restritivas ao nemo tenetur se detegere ve-ham a abranger um número indeterminado de pessoas, sem que haja nenhuma utili-
dade para a investigação ou o processo. Abraçamos o entendimento de que, para res-
rição ao nemo teneturse detegere, são necessários indícios de autoria ou participação na
nfração penal e não "fundadas suspeitas”, como pregam alguns abalizados autores na
doutrina (v. g. SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos funda-
entales en el proceso penal, cit., p. 308). O termo "suspeita” é equívoco, sendo emprega-
do por vezes no sentido de indício, mas também no sentido de conjectura e inferência
(v. ROSA, Inocêncio Borges da, Comentários ao Código de Processo Penal, cit., p. 367),
sendo inadmissível operar restrição ao aludido direito fundamental com base em me-
as conjecturas. Assim, mais adequado tecnicamente o termo "indício”.
408
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não haja outra forma de produzir a prova, viabilizando a persecução
penal, sem a cooperação do acusado. Ou seja, não admitida a restrição
ao nemo tenetur se detegere, outros valores, também tutelados constitu-
cionalmente, seriam extremamente sacrificados.
Ademais, ainda no âmbito da necessidade, deverá a medida restri-tiva ser a menos gravosa possível aos direitos do acusado401, em termos
de qualidade, intensidade e duração. Desse modo, as provas que não
dependem de intervenção corporal deverão ser preferidas. Se houver
necessidade de intervenção corporal, deve-se optar pelas medidas não
invasivas402. Exemplificando: se for possível realizar o exame de DNA
em pelos e cabelos, é preferível a se utilizar de material sanguíneo.
Já a proporcional idade em sentido estr ito deve ser aferida por meio da
ponderação de bens. Bastante elucidativos, a esse respeito, os critérios
propostos pelo Tribunal Constitucional alemão, já transcritos, para
que se opere essa ponderação.
Dessa forma, consoante preconiza o Tribunal em foco, quanto
mais sensível a intromissão na esfera jurídica do indivíduo, mais rele-
vantes hão de ser os interesses da coletividade que com ele colidam. O
maior peso dos interesses da coletividade justifica uma interferência
mais grave na esfera do direito individual.
Verifica-se, desse modo, que a gravidade do delito investigado é
um parâmetro importante para a avaliação da proporcionalidade em sen-
tido estr i to em relação às restrições ao nemo tenetur se detegere. Sob esse
prisma, quanto mais grave a medida restritiva ao nemo tenetur se detege-
re, maior deve ser a gravidade do delito em apuração.
Em acréscimo, para atender à proporcionalidade em sentido estrito,
quanto maior a gravidade da restrição ao nemo tenetur se detegere, mais
robustos deverão ser os indícios de autoria ou participação a justifica-
rem a limitação ao direito fundamental403.
401A esse respeito, como observam GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Anto-
nio Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit.,
p. 112, o Estado, em um sistema de liberdades públicas, tem o dever de “sacrificar na
medida menor possível os direitos de personalidade do acusado".
402 No direito inglês, preconiza-se a preferência pelas medidas não invasivas sobre as
invasivas.
Adotamos, com relação à distinção entre suspeito e indiciado, o entendimento pro-
409
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Por fim, a dignidade da pessoa humana é um limite intrans-
ponível, já que é valor fundamental tutelado pela Constituição, que
deverá igualmente ser observado nas restrições ao nemo tenetur se dete-
gere' 404. Vedam-se, assim, as provas produzidas mediante restrições ao
nemo tenetur se detegere que imponham ao acusado a submissão a meios
vexatórios, humilhantes ou nos quais haja violação ao pudor.
Outro limite que não pode ser ultrapassado nas restrições ao
nemo teneturse detegere é a saúde do acusado, que não poderá ser expos-
ta a perigo. O perigo para sua saúde deverá ser aferido em abstrato,
porque há provas que, por si, podem gerar risco à saúde, como a extra-
ção de líquido cefalorraquidiano, mas também em concreto, conside-
rando a situação pessoal do acusado. É o caso da radiografia em mu-
lheres grávidas.
Em suma, tomando as considerações anteriormente referidas,
sustenta-se que:
a) Em observância ao nemo tenetur se detegere, a regra é que a acu-
sação deve produzir as provas demonstrativas do fato, de sua autoria e
da culpabilidade, sem a cooperação do acusado. Inexiste, portanto, em
princípio, o dever de colaborar por parte do acusado, como decorrên-
cia do nemo tenetur se detegere;
posto por Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, na obra Inquérito policial: novas tendên-
cias. Belém: CEJUP, 1987. Como salienta o autor, o suspeito é aquele com relação ao
qual existem frágeis indícios ou “outro meio de prova esgarçado”. Mas, quando forem
reunidos indícios convergentes que apontam o suspeito como autor da infração penal,
deverá ele ser indiciado. Ou seja, nas palavras do mencionado autor, o indiciamento
deverá resultar de investigações afirmativas, no sentido de ser o suspeito o provável
autor da infração penal. Assim, de acordo com o subprincípio da proporcionalidade em
sentido estrito, para algumas medidas restritivas ao nemo tenetur se detegere poderá bastar
a existência de indícios, mesmo que frágeis, enquanto para outras, mais graves, será
necessária a qualidade de indiciado. Para dissipar qualquer equivocidade com relação
à terminologia, a expressão “averiguado” pode ser adotada no lugar de “suspeito”. Isto
para que não se confunda a qualidade daquele com relação ao qual existem indícios ou
outros meios de prova frágeis e daquele outro com relação ao qual existem meras
conjecturas quanto à autoria ou participação em um delito.404 Um exemplo ilustrativo de prova que fere a dignidade humana é fornecido pelo
caso Alvarez, no direito argentino, anteriormente referido, no qual se aplicou enema
no acusado para que expulsasse com as fezes a substância entorpecente que portava
no intestino.
410
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b) Tendo em vista que, como outros direitos fundamentais, o
nemo tenetur se detegere não é direito absoluto, devendo coexistir no or-
denamento jurídico com outros valores igualmente tutelados, quais
sejam, a paz social e a segurança pública, admitem-se restrições ao re-
ferido direito em caráter excepcional. Tais restrições deverão respeitaro núcleo essencial do nemo tenetur se detegere e ser obrigatoriamente
estabelecidas por lei (estrita e prévia) e submetidas ao controle jurisdi-
cional. Referida lei deverá atender ao princípio da proporcionalidade,
nos seguintes moldes: — a restrição ao nemo tenetur se detegere deverá ser indispensável;
— ser a menos gravosa possível para o acusado;
— ser idônea para a produção da prova pretendida que, por sua
vez, deverá ser útil para o processo, incidindo sobre sujeito determina-do contra o qual existam indícios de autoria ou participação em infra-
ção penal;
— ser razoável, sendo um dos parâmetros a gravidade da infração
penal investigada. Quanto mais grave a restrição ao nemo teneturse dete-
gere, maior deverá ser a gravidade do delito investigado e mais robustos
deverão ser os indícios de autoria ou participação na infração penal; — em todos os casos, respeitar a saúde do acusado e sua dignidade.
Em consonância com o posicionamento sustentado, a lei que ve-
nha a regular as restrições ao nemo tenetur se detegere, sempre em cará-ter excepcional e de acordo com o princípio da proporcionalidade, po-
derá dispor que: 1. Com relação às provas pr oduzidas mediante i ntervenção cor por al in -
vasiva 405 : somente deverão ser realizadas com o consentimento do acu-
sado, mediante prévio controle jurisdicional sobre a proporcionalidade
da medida. Frise-se que a autorização judicial não poderá suprir tal
consentimento406.
405 Recordamos que entendemos invasivas todas as intervenções corporais realizadas
mediante a introdução de substâncias ou instrumentos no organismo humano, em
cavidades naturais ou não. E o caso dos exames sanguíneos, exames ginecológicos,
endoscopia, exames de DNA com células bucais, exames anais, exames de urina e es-
perma, colhidos mediante introdução de sonda e identificação dentária.
406 E que, como já se ressaltou anteriormente, diversos direitos fundamentais seriam
violados caso se admitisse a execução coercitiva das mencionadas intervenções: o nemo
411
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O risco que se pode tolerar, nas intervenções corporais, é aquele considerado nor-se os fins fossem terapêuticos. SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporciona-
d y derechos fundamentales en el proceso penal, cit., p. 292, entende, a propósito, quepodem ser realizadas medidas perigosas para a saúde do acusado mesmo com oconsentimento. Sustenta o mesmo autor que somente podem ser realizadas inter-ções corporais perigosas se o risco for normal para fins terapêuticos e se puderemduzir à diminuição da responsabilidade penal do acusado.
Imprescindível a advertência do acusado com relação ao nemo
tenetur se detegere. O consentimento deverá ser anterior à realização da
intervenção corporal, expresso e emitido livre e conscientemente.
Para resguardar a saúde e a integridade física do acusado, as inter-
venções corporais invasivas somente poderão ser realizadas por médi-
co ou pessoas especializadas. Mas o consentimento do acusado será
inoperante se, no caso concreto, se verificar que a intervenção corpo-
ral invasiva expõe a risco a saúde do acusado407.
Além disso, para atender ao princípio da proporcionalidade, as
provas produzidas mediante intervenção corporal invasiva somente
poderão ser executadas quando houver elementos suficientes para o
indiciamento408
e a infração investigada for apenada com reclusão cujapena mínima, em abstrato, seja igual ou superior a dois anos409.
No controle jurisdicional prévio, deverá o magistrado examinar
a razoabilidade da medida, ou seja, sua proporcionalidade em con-
creto. Assim, deverá verificar se a prova é útil e indispensável para a
persecução penal; se não é possível realizá-la por meio menos gravo-
tenetur se detegere, o direito à inviolabilidade corporal, o direito à intimidade e à digni-
dade humana. Saliente-se, em acréscimo, que nenhuma restrição ao nemo tenetur se
detegere poderá afetar a dignidade do indivíduo, que se vê aviltada na execução coerci-
tiva de provas produzidas mediante intervenção corporal invasiva, contra a vontade
do acusado.
408 Não nos referimos ao indiciamento como ato rotineiro do inquérito policial. Como
anteriormente foi observado, o indiciamento deverá resultar de investigações afirma-
tivas no sentido de ser o averiguado o provável autor da infração penal. Como define
Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, na obra Inquérito policial: novas tendências, cit., p.
37, o indiciamento é ato do procedimento que resulta de um "feixe de indícios conver-
gentes que apontam o autor da infração penal”.409
O parâmetro proposto teve por base a gravidade da infração penal, considerando as penas cominadas aos delitos no direito nacional.
412
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so; se é idônea410; e, por fim, se se justifica o sacrifício do direito
fundamental do acusado diante do interesse da coletividade, verifi-
cando o delito, que está sob investigação e os indícios de autoria ou
participação existentes.
2, Com relação às provas produzidas mediante i nter venção corporal
não invasiva* 11 : poderão ser realizadas mesmo sem o consentimento
do acusado, desde que não impliquem colaboração ativa por parte
deste e que haja controle jurisdicional prévio, ou seja, autorização
judicial. No referido controle, tal qual se propõe em relação às inter-
venções corporais invasivas, deverá o juiz verificar a proporcionali-
dade da medida.
As intervenções corporais não invasivas que necessitem da cola-
boração ativa do acusado, mesmo minimamente, somente poderão
ser realizadas com o seu consentimento, nos mesmos moldes preconi-
zados em relação às intervenções corporais invasivas.
Algumas das mencionadas intervenções corporais deverão ser re-
alizadas por médicos ou pessoas especializadas. É o que ocorre com a
radiografia.
Em acréscimo, as intervenções corporais não invasivas não pode-
rão expor a risco a saúde do acusado. Caso contrário, não poderão serrealizadas.
Para atender ao princípio da proporcionalidade, as intervenções
corporais não invasivas somente poderão ser determinadas caso exis-
tam indícios de autoria ou participação em infração penal apenada
com reclusão.
Igualmente ao que se propôs com referência às intervenções cor-
porais invasivas, no controle jurisdicional prévio, o juiz examinará a ra-
4,0 Importante ressaltar que não poderá haver subversão da finalidade da intervenção
corporal no acusado. Assim, se a medida não for útil à persecução, mas destinada a
humilhar ou degradar o indivíduo, ou mesmo a submetê-lo a experimentos médicos,
não será possível realizá-la.
411 Incluem-se nessa categoria a radiografia, os exames de DNA feitos com células bu-
cais ou saliva (desde que não colhida no interior da cavidade); de fios de cabelo ou
pelos; de matérias fecais; as identificações dactiloscópica, impressões dos pés, unhas e palmar; exames de urina e esperma realizados sem introdução de sonda.
413
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zoabilidade da medida412, verificando a utilidade e idoneidade da prova;
sua indispensabilidade; se não é possível realizá-la por meio menos gra-
voso; e se operada a ponderação dos direitos e valores envolvidos justi-
fica-se, no caso concreto, o sacrifício do direito fundamental do acusa-do diante do interesse da coletividade, considerando o delito que está
sob investigação e os indícios de autoria ou participação existentes.
3. Com relação às provas pr oduzidas com a cooperação do acusado, mas
sem inter venção corpor al 413 : poderão ser determinadas pela autoridade
policial ou pela autoridade judiciária, mesmo sem o consentimento do
acusado, desde que impliquem apenas colaboração passiva deste. Se a
prova for determinada pela autoridade policial, ficará sujeita, obrigato-
riamente, ao controle jurisdicional, feito aposteriori.
Se referidas provas necessitarem, para sua produção, de colabora-
ção ativa do acusado, imprescindível será o seu consentimento414, pre-
cedido de advertência com relação ao nemo tenetur se detegere, exteriori-
zado previamente à realização da prova, livre e conscientemente e de
modo expresso.
Em atendimento ao princípio da proporcionalidade, as provas
mencionadas poderão ser determinadas sempre que houver indícios
de autoria ou participação em infração penal, seja ela contravenção oucrime apenado com detenção ou reclusão.
412 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal, cit., p. 310, cita entendimento da jurisprudência alemã, no sentido que,
em se tratando de medidas leves, como cortes de pelo ou barba ou investigações radio-
lógicas, ou por eletroencefalograma ou eletrocardiograma, os critérios da proporcio-
nalidade em sentido estrito podem ser apreciados mais flexivelmente, prescindindo-semesmo do exame da proporcionalidade.
413 Nessa categoria estão incluídos o reconhecimento, a acareação, a reconstituição
do fato, o exame grafotécnico, o etilômetro, o exame clínico de embriaguez e a pro-
va documental.414 Praticamente, a única prova que não pressupõe colaboração ativa por parte do acu-
sado, entre as mencionadas, é o reconhecimento, bem como alguns testes que com-
põem o exame clínico de embriaguez. Contudo, com relação ao reconhecimento é
importante frisar que não se poderá compelir o acusado a fazer determinada pose ou
ostentar certa feição, para que se realize o reconhecimento. Tal procedimento implica-
ria patente violação ao nemo tenetur se detegere porque exigiria do acusado que partici-
passe ativamente do reconhecimento.
414
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■ii>Mtiaiatt^BkteaMtf l i lUMl Uáillli I l áll UflMífe )MII i
Frise-se que, ao exercer o controle jurisdicional, o magistrado de-
verá examinar a razoabilidade da medida, nos termos anteriormente
referidos com relação às provas que implicam intervenção corporal.
Estas são as balizas que deveriam ser observadas pelo legisladorem lei restritiva do nemo tenetur se detegere.
Com relação à disciplina vigente, observe-se que, no direito bra-
sileiro, como já se mencionou, o Supremo Tribunal Federal, reconhe-
cendo a incidência do nemo tenetur se detegere, vem decidindo pela im-
possibilidade de se compelir o acusado a participar ativamente de pro-
vas que possam incriminá-lo. Assim, consoante a jurisprudência da
Suprema Corte, não está o acusado obrigado a fornecer material gráfi-
co, nem a participar de reconstituição do fato415
.
41! O Supremo Tribunal Federal tem firmado a dimensão do nemo tenetur se detegere
no ordenamento nacional, sendo de destacar, a esse respeito, julgado proferido no
HC 99.289/RS, 2í T., Rei. Min. Celso de Mello, j. 23-6-2009, DJe 149, publicado em
4- 8-2011, no qual se decidiu: 'ALCANCE E CONTEÚDO DA PRERROGATIVA
CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTOINCRIMINAÇÃO. A recusa em responder
ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu
com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentosque são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer
pessoa contra a autoincriminação, especialmente quando se tratar de pessoa exposta a
atos de persecução penal. O Estado - que não tem o direito de tratar suspeitos, indicia-
dos ou réus, como se culpados fossem, antes do trânsito em julgado de eventual sen-
tença penal condenatória (RTJ 176/805-806) - também não pode constrangê-los a pro-
duzir provas contra si próprios (RTJ 141/512), em face da cláusula que lhes garante,
constitucionalmente, a prerrogativa contra a autoincriminação. Aquele que sofre per-
secução penal instaurada pelo Estado tem, dentre outras prerrogativas básicas, (a) o
direito de permanecer em silêncio, (b) o direito de não ser compelido a produzir ele-
mentos de incriminação contra si próprio nem de ser constrangido a apresentar provasque lhe comprometam a defesa e (c) o direito de se recusar a participar, ativa ou passi-
vamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais
como a reprodução simulada (reconstituição) do evento delituoso e o fornecimento de
padrões gráficos ou de padrões vocais para efeito de períc ia criminal (HC 96.219-MC/
SP, Rei. Min. CELSO DE MELLO, „v.g.‟). Precedentes. A invocação da prerrogativa
contra a autoincriminação, além de inteiramente oponível a qualquer autoridade ou
agente do Estado, não legitima, por efeito de sua natureza eminentemente constitu-
cional, a adoção de medidas que afetem ou que restrinjam a esfera jurídica daquele
contra quem se instaurou a „persecutio criminis' nem justific a, por igual motivo, a
decretação de sua prisão cautelar. O exercício do direito ao silêncio, que se revela in-suscetível de qualquer censura policial e/ ou judicial, não pode ser desrespeitado nem
415
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Contudo, não há no ordenamento lei que estabeleça as restrições
ao nemo tenetur se detegere. A lei processual limita-se a regular a forma
de realização do reconhecimento e da acareação, sem sequer cogitar
da hipótese de recusa do réu em colaborar
416
.
Igualmente, no Código de Processo Penal há dispositivos atinen-
tes às perícias, mas não há qualquer regra que permita, por exemplo,
compelir o acusado a submeter-se a determinado exame, seja ele inva-
sivo ou não.
Apenas com relação à busca pessoal é que se depreende da disci-
plina do Código a possibilidade de execução contra a vontade do sus-
peito. Porém não se trata das hipóteses de busca pessoal com mano-
bras invasivas no corpo do suspeito. Como se verifica, a matéria carece de legislação a respeito.
Parte da jurisprudência nacional busca a solução para alguns im-
passes, quando o acusado se recusa a participar da produção da prova
no crime de desobediência. Contudo, não havendo lei restritiva do
nemo tenetur se detegere, difícil sustentar a existência de um dever de
colaboração do acusado na produção da prova, em face do direito fun-
damental em foco.
Por outro lado, o entendimento de que a recusa do acusado em
colaborar na prova configura o crime de desobediência, além de con-trariar o nemo teneturse detegere, parece pouco eficiente para o fim que
se pretende alcançar, que é a viabilização da persecução penal, sobre-
tudo considerando-se que o acusado poderá preferir responder pelo
delito de desobediência a fazê-lo por outro crime, mais grave, que se
lhe imputa417. Isto é, mesmo adotando-se a configuração do crime de
desconsiderado pelos órgãos e agentes da persecução penal, porque a prática concreta
dessa prerrogativa constitucional - além de não importar em confissão - jamais pode-
rá ser interpretada em prejuízo da defesa”.
416 A lei processual penal brasileira não regulamenta o reconhecimento do acusado
realizado, de maneira informal, em audiência, pela vítima e testemunhas. A recusa do
acusado em submeter-se a tal ato, do mesmo modo, não foi objeto de disciplina. Resta
ao acusado a possibilidade de ausentar-se da audiência para não se submeter ao referi-
do reconhecimento informal, o que poderá sujeitá-lo à decretação da revelia.
417 VIGONI, Daniela, Corte Costituzionale, prelievo ematico coattivo e “test” dei DNA, cit., p. 1042, considera eficaz a possibilidade de sancionar penalmente a recusa de subme-
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desobediência, na hipótese de recusa, o interesse público na persecu-
ção penal continuaria preterido e sacrificado.
Por fim, de se consignar que a legislação brasileira, na esteira de
outras legislações estrangeiras, manifestando preocupação com o
combate ao crime organizado, adotou o instituto da "ação controlada”
no art. 2a, II, da Lei n. 9.034/95. Resta examinar, sob o enfoque das
restrições admitidas ao nemo teneturse detegere, de acordo com o princí-
pio da proporcionalidade, se a "ação controlada” viola o mencionado
direito fundamental.
A “ação controlada” consiste no retardamento da atuação poli-
cial, diante de ações praticadas por associações ou organizações crimi-
nosas, para que a medida se realize no momento mais eficaz sob o as-
pecto de formação de provas e fornecimento de informações.
Mencionado instituto autoriza a polícia a retardar a prisão em
flagrante418, sem que se cogite de prevaricação, e pressupõe que a orga-
nização criminosa seja mantida sob observação e acompanhamento.
A Lei n. 9.034/95 tem sido alvo de muitas críticas419. Nela não se
define a categoria do crime organizado420. Reporta-se o legislador às
ter-se à prova, para obter a colaboração espontânea do acusado, especialmente quan-
do se trate de prova não invasiva. A autora cita como exemplo dessa utilização eficien-
te as provas para verificação de embriaguez.
418 Cf. GOMES, Luiz Flávio e CERVINI, Raúl. Crime organizado. 2. ed. São Paulo: Revis-
ta dos Tribunais, 1997, p. 116, a "ação controlada” consiste no retardamento da prisão
em flagrante, com o escopo de maior eficácia probatória. Trata-se de flagrante prorro-
gado ou diferido, que não se confunde com as categorias de flagrante esperado e pre-
parado.
419
Uma das críticas frequentemente formuladas é que a Lei n. 9.034/95 confunde qua-drilha e crime organizado. Nesse sentido, SEQUEIRA, Carlos Antonio Guimarães de.
Crime organizado: aspectos nacionais e internacionais. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, v. 16, p. 260-290, out./dez. 1996, esp. p. 262; e GOMES, José Car-
los. Estrutura das organizações criminosas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo, v. 22, p. 125-129, abr./jun. 1998, esp. p. 125-126.
420 A esse respeito: GRINOVER, Ada Pellegrini. A legislação brasileira em face do
crime organizado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 20, p. 59-69,
out./dez. 1997, esp. p. 61; e CASTANHEIRA, Beatriz Rizzo. Organizações crimino-
sas no direito penal brasileiro: o estado de prevenção e o princípio da legalidade es-
trita. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 24, p. 99-124, out./dez.1998, esp. p. 110/112.
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ações praticadas por organizações ou associações criminosas421, mas
igualmente não conceitua tais organizações. A doutrina aponta viola-
ção ao princípio da legalidade422.
Afirma-se, em acréscimo, que na "ação controlada” o retarda-
mento da ação fica por conta da discricionariedade da polícia, sendodifícil precisar qual o momento que possibilitará maior eficácia na for-
mação de provas e obtenção de informações.
Por outro lado, o veto com relação à infiltração policial, prevista
no art. 2-, I, da Lei n. 9.034/95, dificultou a utilização da "ação
controlada”423. A Lei n. 10.217, de 11 de abril de 2001, alterou a redação
dos arts. I2 e 2- da Lei n. 9.034/95, admitindo no inciso V do art. 2- a
infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, constituída pelos
órgãos especializados pertinentes, mediante autorização judicial, que ésigilosa enquanto perdurar a infiltração. Persistiu, entretanto, a falta
de definição da categoria do crime organizado e das organizações ou
associações criminosas.
À primeira vista, a inexistência de advertência quanto ao nemo
tenetur se detegere conduz à conclusão de que há violação ao citado di-
reito fundamental. Isto porque os averiguados acabariam por produzir
provas em seu desfavor.
Porém, o interesse público na persecução penal dos delitos prati-cados por organizações criminosas justifica a restrição ao nemo tenetur
421 LAVORENTI, Wilson e SILVA, José Geraldo. Crime organizado na atualidade. São
Paulo: Bookseller, 2000, p. 18-23, destacam as seguintes características das organiza-
ções criminosas: organização empresarial, hierarquia estrutural, divisão de funções e
direcionamento para o lucro. Impõem-se pela intimidação, são transnacionais e procu-
ram simbiose com o Estado, usufruindo do poder, o que garante impunidade. REALEJÚNIOR, Miguel. Crime organizado e crime econômico. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, v. 13, p. 182-190, jan./mar.l996, esp. p. 182, também aponta
como características do crime organizado a estrutura específica voltada à prática de
crimes, organização burocratizada, hierarquia, divisão de trabalho, combinando cen-
tralização do controle com ampla descentralização de ações.
422 CASTANHEIRA, Beatriz Rizzo. Organizações criminosas no direito penal brasileiro: o
estado de prevenção e o princípio da legalidade estrita, cit., p. 110-116, afirma que a Lei n.
9.034/95 viola o princípio da legalidade porque não define as organizações criminosas,
tampouco o crime organizado.
LAVORENTI, Wilson e SILVA, José Geraldo. Crime organizado na atualidade, cit., p. 60.
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se detegere, representada pela “ação controlada”, em consonância com
o princípio da proporcionalidade.
Mas é preciso ter cautela porque, a pretexto de investigar e coibir
o crime organizado, podem ser regulamentadas e legitimadas vio-lações desmensuradas a direitos fundamentais424.
Por isso, apesar de justificadas as restrições aos direitos funda-
mentais em face do interesse na persecução do crime organizado, a
legislação deve obrigatoriamente atender ao princípio da proporciona-
lidade425.
A adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido es-
trito da restrição aos direitos fundamentais deverão ser observadas.
A "ação controlada", como restrição ao nemo tenetur se detegere,
apresenta-se como medida necessária, adequada e proporcional, consi-
derando-se sobretudo a difusão do crime organizado e os males sociais
dele decorrentes. Contudo, pressuposto necessário para que se ope-
rem as restrições a direitos fundamentais, inclusive ao nemo tenetur se
detegere, é a definição legal do crime organizado, para segurança jurídi-
ca. Caso contrário, a restrição ao nemo tenetur se detegere, consubstan-
ciada pela "ação controlada”, poderá recair sobre número indiscrimi-
nado de condutas, a pretexto de se investigar organizações ou associa-
ções criminosas426.
424 Nesse sentido, HASSEMER, Winfried. Limites dei estado de derecho para el com-
bate contra la criminalidad organizada. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Pau-
lo, v. 23, p. 25-30, jul./set. 1998, esp. p. 28-29. O referido autor destaca que o Estado, no
combate ao crime organizado, não deverá valer-se das mesmas armas por aquele em-
pregadas: os direitos e garantias fundamentais devem ser mantidos; a presunção deinocência deve ser respeitada.
425 HASSEMER, Winfried, Limites dei estado de derecho para el combate contra la criminali-
dad organizada, cit., p. 30. 426 A Convenção das Nações Unidas para o Combate do Crime Organizado Transna-
cional, cujo texto foi aprovado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo de
n. 231, de 29-5-2003, e promulgada pelo Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004,
define grupo criminoso organizado como "grupo estruturado de três ou mais pessoas,
existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer
uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção
de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício mate-rial‟'. Para a Convenção, infração grave é o "ato que constitua infração punível com
419
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6.2. Impossibilidade de se extraírem conseqüências da re-cusa do acusado em submeter-se a determinada prova
Outra decorrência do nemo tenetur se detegere é a impossibilidade
de se extraírem conseqüências da recusa, manifestada pelo acusado,em colaborar na produção de determinada prova.
Duas ordens de conseqüências da recusa são mais freqüentes nos
ordenamentos: extrair-se dela indícios de culpabilidade e aplicar-se
sanções penais ao acusado, por outro delito, normalmente a desobedi-
ência ou a obstrução à justiça, em razão da recusa.
A primeira delas é adotada no ordenamento inglês, no qual se
admite a extração de indícios de culpabilidade quando o acusado se
recusar a submeter-se a provas invasivas. Já a segunda conseqüência é comumente adotada, em legislações
estrangeiras, no tocante à embriaguez em crimes de trânsito. Nesse
caso, se o acusado se recusar a colaborar na produção da prova consu-
ma, por vezes, com seu comportamento, outro delito. E o que se veri-
fica, v. g., no direito italiano, francês e espanhol.
Em que pesem tais posicionamentos, a recusa do acusado em
submeter-se a determinada prova não pode configurar nenhum delito,
nem desobediência, porque o nemo tenetur se detegere é direito funda-mental do acusado. É que o exercício regular de um direito não pode
caracterizar crime, nem acarretar conseqüências prejudiciais ao acusa-
do. A recusa é legítima.
Igualmente, não pode a recusa ser explorada pela acusação como
indício de culpabilidade do acusado427, nem ser utilizada como funda-
mento da sentença ou de decisões referentes a provimentos cautelares
(v. g., a decretação de prisão preventiva ou outras modalidades).
uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou
com pena superior”. E por grupo estruturado entende-se aquele que é “formado de
maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus mem-
bros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua
composição e que não disponha de uma estrutura elaborada”.
427 Essa consideração mostra-se ainda mais relevante nos processos de competência do
Tribunal do Júri. A acusação não poderá tecer, em plenário, qualquer comentário acer-ca da recusa manifestada pelo réu em colaborar na produção das provas.
420
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Se assim fosse, além de violar-se o nemo tenetur se detegere, tam-
bém seria infringido o princípio da presunção de inocência.
De Outra parte, seria extremamente arriscado, em termos proba-
tórios, valorar-se a recusa como indício de culpabilidade, embora, sem
dúvida, a recusa em colaborar possa gerar, na prática, certa prevenção
contra o acusado por parte de quem julga. Importa considerar que a
recusa é sempre um comportamento ambíguo e não unívoco, como
ressalta na doutrina italiana Daniela Vígoni428, não se podendo dela ex-
trair indiscutivelmente indícios de culpabilidade.
Observe-se, porém, que se houver lei que estabeleça restrições
ao nemo tenetur se detegere, deverá ela regular também as conseqüên-
cias advindas de eventual recusa por parte do acusado em cooperar
na produção de determinada prova429. Como se salientou anterior-
mente, a solução que melhor atende às finalidades dos limites impos-
tos ao nemo tenetur se detegere é a execução coercitiva da prova430. Isto
porque somente se justifica limitação ao nemo tenetur se detegere, que
é direito fundamental, se o interesse na persecução penal se sobrepu-
ser, mostrando-se mais relevante na espécie. Em outras palavras: li-
mita-se o nemo tenetur se detegere para viabilizar a persecução penal
em determinado caso. E esse interesse só será satisfeito se a prova
pretendida for produzida.
Há hipóteses, entretanto, em que não será possível a execução
coercitiva, ainda que haja lei restritiva do aludido direito fundamental.
E o caso das provas que dependem de intervenção corporal invasiva no
acusado e daquelas que impliquem colaboração ativa.
Nesses casos, a única conseqüência possível da recusa seria a pre-
visão de sanções penais, configurando a recusa delito autônomo, no
428 VIGONI, Daniela, Corte Costituzionale, prelievo ematico coattivo e “test" dei DNA, cit.,
p. 1044. No mesmo sentido, FELICIONI, Paola, Considerazioni sugli accertamenti coatti-
vi nel processo penale: lineamenti costituzionali e prospettive di riforma, cit., p. 503, defende
que a recusa não é indicativo de responsabilidade penal.
429 MASTROPAOLO, Fulvio, Prelievi dei sangu.e a scopo probatoria e poteri dei giudice, cit.,
p. 1110, considera abuso de direito a recusa injustificada em colaborar na prova.430 Nesse sentido também opina SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionali-
dad y derechos fundamentales en el proceso penal, cit., p. 296, que considera, em relação àsintervenções corporais, que o ideal seria a execução coercitiva, nem sempre possível.
421
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caso, o crime de desobediência431. É que se veda a inferência de indícios
de culpabilidade porque, como já se registrou, restaria ferido o princí-
pio da presunção de inocência, bem como em razão da insegurança
que tal inferência representa em um juízo de culpabilidade432.
Entretanto, a eficiência da imposição de sanções penais, por deli-
to autônomo, em caso de recusa em colaborar na produção da prova,
é bastante questionável, na medida em que o acusado poderá preferir
responder pelo delito autônomo a submeter-se à prova que poderá
incriminá-lo em relação a delito mais grave433. Nesse caso, o interesse
na persecução penal continuaria desatendido.
A solução de considerar configurado delito autônomo com a re-
cusa pode-se mostrar eficiente quando as penas do delito investigado e
daquele decorrente da recusa forem semelhantes. É o que sucede, nor-
malmente, em matéria de crimes de trânsito, nos ordenamentos italia-
no, francês e espanhol. Mesmo assim a doutrina tem criticado referida
solução. No direito italiano, Buttarelli434 destaca que o legislador prati-
camente estabelece uma faculdade para o acusado: submeter-se ao
exame para dosagem do álcool ou responder por outro delito. Ressalta
o referido autor que tal solução é pouco eficiente para apurar a verda-
431 Nesse sentido, SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporcionalidad y derechos fun-
damentales en el proceso penal, cit., p. 288, que ressalta que, em matéria de intervenções
corporais, não seria possível a execução coercitiva, mas a ameaça de configuração do
crime de desobediência. Referido autor só admite execução coercitiva das interven-
ções corporais passivas.
432 Na doutrina, CASABONA, Carlos Maria Romeo, Do gene ao direito, cit., p. 102, de-
fende a possibilidade de extrair da recusa do acusado em colaborar na produção de provas indícios de culpabilidade.433 Nesse sentido também observa SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar, Proporciona-
lidad y derechos fundamentales en el proceso penal, cit., p. 297, que salienta que pode ser
interessante para o acusado responder pelo crime de desobediência, cuja pena pode ser
menor do que a do outro delito investigado. MELLADO, José Asencio Maria, Prueba
prohibida y prueba preconstituida, cit., p. 152, igualmente, observa que, em crimes gra-
ves, o agente pode preferir responder pela desobediência. Por isso, assinala que as duas
soluções possíveis para a recusa são: a vis compulsiva ou o estabelecimento de sanções
proporcionais à gravidade do fato imputado e ao fim pretendido.
434 BUTTARELLI, Giovanni, Le nuove modalità di accertamento dei reato di guida in statodi ebbrezza tra prove legali e diritto di difesa, cit., p. 2240.
422
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de dos fatos. Já Paola Felicioni435 considera que não há justificação teó-
rica para aplicar sanção penal em razão da recusa em colaborar.
Porém,- como já se observou, sendo legítima a recusa em cola-
borar nas provas que dependam de intervenção corporal invasiva e
naquelas que impliquem colaboração ativa, ainda que haja lei restri-tiva ao nemo tenetur se detegere, não se pode extrair dela a configura-
ção de delitos.
6.3. Inexistência do dever de comparecimento
A exemplo do que ocorre com relação às decorrências do nemo
tenetur se detegere no interrogatório do acusado, também no que diz
respeito às provas que dependem de sua colaboração, não há o dever
de comparecimento sempre que o acusado possa, legitimamente
apoiado no nemo tenetur se detegere, recusar-se a cooperar na produção
da prova.
Em princípio, não haveria sentido em conduzir coercitivamente o
acusado para participar da produção de determinada prova se ele não
pode ser compelido a cooperar.
Ademais, a condução coercitiva, por si só, gera intimidação do
acusado, compelindo-o a participar da produção da prova.
Posição diversa é sustentada no direito italiano, no qual a legisla-ção e a doutrina francamente amparam a condução coercitiva do acu-
sado, mesmo nos casos em que tem ele o direito de silenciar, porque o
que se ressalta é que o acusado é sujeito potencialmente declarante.
Justifica-se, desse modo, seja ele conduzido à presença da autorida-
de436. Apesar de tal entendimento, Antonio Scaglione437 reconhece que
435 FELICIONI, Paola, Considerazioni sugli accertamenti coattivi nel processo penale: linea-
menti costituzionali e prospettive di riforma, cit., p. 503.
436 Nesse sentido, FELICIONI, Paola, Brevi note sul rapportofra diritto al silenzio e ac-
compagnamento coattivo delVimputato per il confronto, cit., p. 3476-3477. RAMAJOLI,
Sergio, Laprova nel processo penale, cit., p. 156, afirma que a condução coercitiva para
perícia é legítima.437 SCAGLIONE, Antonio. Polizia giudiziaria, assunzione di informazioni da imputat-
to in un processo connesso e regime de utilizzabilità. In: Le nuove leggi penali. Milano:
CEDAM, 1998, p. 179-188, esp. p. 183.
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a condução coercitiva comporta limitação à liberdade pessoal, não po-
dendo ser executada sem expressa previsão normativa.
Haverá, entretanto, dever de comparecimento sempre que a lei
determinar restrições ao nemo tenetur se detegere que permitam com-pelir o acusado a participar da produção da prova. Ou seja, a inexis-
tência do dever de comparecimento, que é a regra em face do nemo
tenetur se detegere, deve ser analisada também à luz do princípio da
proporcionalidade438.
438 FOSCHINI, Gaetano. Uimputato. Milano: Giuffrè, 1956, p. 73-74, embora não
mencione expressamente a proporcionalidade na condução coercitiva do acusado,
observa que o poder do juiz de fazê-lo comparecer não pode ser fundado em mera
discricionariedade, mas deve exercitar-se de acordo com a relevância de sua presença para a colheita da prova.
424
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CAPÍTULO VII
Conseqüências da violação doprincípio nemo tenetur se detegere
As conseqüências da violação do nemo tenetur se detegere repor-
tam-se, fundamentalmente, ao tema da ilicitude da prova. Assim, são
necessárias algumas considerações preliminares a esse respeito.
1. Considerações sobre a prova ilícita
1.1. Limites ao direito à provaO direito à prova, como outros direitos fundamentais, não é ab-
soluto. Encontra limitações porque coexiste com outros direitos igual-
mente tutelados pelo ordenamento jurídico.
A questão da limitação do direito à prova tem direta relação com
a temática da prova ilícita.
Se não houvesse limitações ao direito à prova, todo e qualquer
material probatório, mesmo que produzido à custa de violações a direi-
tos, poderia ser introduzido no processo e valorado, o que conduziria à
adoção de um modelo de processo autoritário e distante da ética1.
Referindo-se à necessidade de estabelecer limites ao direito à pro-
va, ressaltam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e
1 CAPPELLETTI, Mauro. The judicial process in comparative perspective. Oxford: Claren-
don, s. d., p. 259, salienta que os limites à admissibilidade das provas constituem o
preço, em termos de busca da verdade, que a sociedade moderna está disposta a pagar para proteger importantes valores e liberdades.
425
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Antonio Magalhães Gomes Filho2 que "o processo só pode fazer-se
dentro de uma escrupulosa regra moral, que rege a atividade do juiz e
das partes”.
O problema dos limites ao direito à prova apresenta-se ainda mais
delicado no processo penal, no qual os direitos do acusado — especial-mente o de liberdade — e os interesses da sociedade parecem confron-
tar-se.
A esse respeito, na doutrina inglesa, Zuckerman3 afirma que, no
processo penal, a temática da prova ilícita assume uma dimensão dife-
rente. Segundo ele, há um dilema a ser enfrentado pelos tribunais: se
forem admitidas irrestritamente as provas ilegalmente obtidas, haverá
estímulo ao comportamento ilícito. Mas, se for recusada prova que
compromete o acusado, porque foi obtida ilicitamente, a sociedade sesentirá desprotegida.
Ainda sob esse aspecto, observa Antonio Magalhães Gomes Fi-
lho4, em Direito à prova no processo penal , que “num processo de partes,
as restrições do direito à prova de uma delas assegura, em última aná-
lise, o direito da parte contrária a uma prova corretamente obtida, pro-
2 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO,
Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p.
112. No mesmo diapasão: BARROS, Adherbal de. A investigação criminosa da prova.
RT, São Paulo, v. 504, p. 288-294, out. 1997, esp. p. 294, destaca que 'Ao processo penal
cabe a realização do Direito Penal e não sua infringência” e que o "combate à crimina -
lidade só pode ser feito de uma posição eminentemente ética”.
3 ZUCKERMAN, A. A. S. The principie of criminal evidence. Oxford: Clarendon, 1989,
p. 345. A respeito, ASHWORTH, Andrew e REDMAYNE, Mike, The criminal process,
4. ed., cit., p. 361-362, sustentam que admitir a prova ilícita é estimular as más prá-
ticas policiais e que, raramente, há punições para os policiais que praticam as viola-ções de direitos que dão lugar à prova ilícita. Acrescentam os autores que, embora
as atividades de investigar e de julgar sejam exercidas por órgãos distintos do Esta-
do, toda a atividade estatal deve ser marcada pela legalidade e as Cortes devem ter
esse compromisso. Para ilustrar, citam decisão proferida em A. v. Home Secretary,
pela Casa dos Lordes (cf. Attorney General's Reference, n. 3 of. 2000), na qual se
entendeu que admitir a prova, no caso, seria o mesmo que a Corte inglesa naciona-
lizar a tortura, pois o abuso nos procedimentos envolve o Estado em degradação
moral.
4 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 1997, p. 93 — grifos do autor.
426
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duzida e valorada; dito de outro modo: ao di reito à prova corresponde,
como verso da mesma medalha, um di reito à excl usão das provas que
contrariem o ordenamento".
Na doutrina espanhola, considera-se, em acréscimo, que a prova
ilícita fere o processo equitativo5. A respeito, Asencio Mellado6 observa
que a verdade deve ser estabelecida por meio de procedimentos legíti-
mos que assegurem a igualdade entre as partes, evitando colocar um
dos sujeitos processuais em situação de desvantagem.
Saliente-se que a liberdade de prova não está atrelada ao princípio
do livre convencimento do juiz, como bem observa Ada Pellegrini Gri-
nover, na obra Liberdades públicas e processo penal 7 . Frequentemente,
associa-se o referido princípio à ideia da formação do convencimentodo julgador com base em qualquer elemento probatório que chegue
ao seu conhecimento, independentemente do modo de produção. A
liberdade de valoração não se confunde com a liberdade de produção
de provas, que poderia conduzir ao equívoco de que, na busca da ver-
dade, a atividade do juiz não tem limites, podendo admitir e escolher
livremente as provas, bem como valorá-las.
A atividade do juiz deve, por força, ser pautada pela legalidade, sob
pena de conduzir a arbitrariedades e desrespeito ao próprio ordenamen-to jurídico. Desse modo, não se pode compreender o princípio do livre
convencimento do juiz senão tendo em vista a legalidade e sob a ótica
5 CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres. La prueba ilícita
penal. Estúdio jurisprudencial. 2. ed. Navarra: Aranzadi, 2000, p. 32. Por isso, não pode
ser invocada, para admitir a prova ilícita, a gravidade do crime. A esse respeito, a Cor-te Européia de Direitos Humanos decidiu, em Halloh v. Germany (2007 44 EHRR 32),
que as provas obtidas sob tortura nunca podem ser admitidas, independentemente da
gravidade do delito. No caso, considerou-se que a administração forçada de substância
para fazer que o acusado expelisse drogas caracterizava procedimento desuma no e
degradante, equiparável à tortura (cf. ASHWORTH, Andrew e REDMAYNE, Mike,
The criminal process, 4. ed., cit., p. 351).
6 MELLADO, José Maria Asencio. Prueba prohibiday prueba preconstituíâa. Madrid: Tri-
vium, 1989, p. 76-77.7 GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal. 2. ed. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 1982, p. 100-102.
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de um processo dotado de legitimidade e ética, marcado pelo respeito
aos direitos do acusado.
1.2. O conceito de provas ilícitas
É necessário definir, porém, o que se entende por prova ilícita. A
doutrina distingue entre as provas ilícitas e as ilegítimas, o que traz
repercussões quanto às conseqüências em se tratando de uma ou outra
categoria, como adiante será exposto.
Ada Pellegrini Grinover, adotando a terminologia empregada por
Nuvolone, entende que na prova ilegal há violação de “normas legais ou
de pri ncípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou materi al ”8. Se
a proibição for posta por lei processual, a prova será ilegítima, mas sefor de natureza material, a prova será ilícita.
Com relação à violação de direitos fundamentais, Ada Pellegri-
ni Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Go-
mes Filho, na obra As nulidades no processo penal, adotam o seguinte
conceito de prova ilícita, em sentido estrito: “a prova colhida infrin-
gindo-se normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas
leis, frequentemente para proteção das liberdades públicas e dos di-
reitos da personalidade e daquela sua manifestação que é o direito àintimidade”9.
Assim, as provas produzidas com violação aos direitos funda-
mentais são ilícitas10.
GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas e processo penal, cít., p. 98.
9 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO,
Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 115-116. Referido conceito
já havia sido preconizado pela autora na obra Liberdades públicas e processo penal,
cit., p. 99. No mesmo sentido: AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas:
interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1995, p. 39.
10 No direito espanhol, a prova obtida com violação a direito fundamental é ilícita.
Nesse sentido, CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres,
La prueba ilícita, cit., p. 32.
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1.3. Aspectos a serem considerados no tocante à provailícita
Conforme preleciona Ada Pellegrini Grinover11, dois aspectos,
um de natureza material e outro de natureza processual, devem ser
considerados quanto à prova ilícita.
O primeiro diz respeito à "individuação do ato ilícito”. O ato ilíci-
to, que dá origem à prova, normalmente é anterior e externo ao proce-
dimento probatório instaurado12. Contudo, Cordero13 observa que há
situações em que a ilicitude pode incidir em ato do processo. E o que
ocorre nas buscas e apreensões arbitrárias, no uso de meios coercitivos
não consentidos no interrogatório ou em testemunho.
O segundo, processual, desdobra-se: refere-se à admissibilidade
da prova e, caso seja introduzida no processo, à sua utilização e conse-
qüente valoração.
1.4. Posicionamentos quanto à admissibilidade das provasilícitas
A questão da admissibilidade, ou não, da prova ilícita em dado
ordenamento jurídico relaciona-se, diretamente, com a opção entre a
busca ilimitada da verdade, dando-se prevalência ao interesse públicona persecução penal, e o respeito aos direitos e garantias estabelecidos,
dentro de uma visão ética do processo, mesmo que com algum sacrifí-
cio para a apuração da verdade.
Dessa forma, registram-se posicionamentos pela admissibili-
dade das provas ilícitas e também pela sua inadmissibilidade, embo-
ra a orientação dominante seja pela inadmissibilidade das provas
11 GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas e processo penal, cit., p. 100. No mes-
mo sentido, em obra mais recente: GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO,
Antonio Magalhães e FERNANDES, Antonio Scarance, Ai nulidades no processo penal,
cit., p. 117.
12 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FI-
LHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 117.13 Cf. CORDERO, Franco. Prove illecite nel processo penale. Rivista Italiana di Diritto e
Procedura Penale, Milano, p. 32-55, 1961, esp. p. 32.
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ilícitas, especialmente quando houver violação de normas constitu-
cionais14.
1.4.1. Admissibi l idade das provas ilícitas
Parte da doutrina sustenta que as provas ilícitas devem ser admi-
tidas no processo15. Como conseqüência para aqueles que infringiram
o ordenamento jurídico para a produção da prova restariam eventuais
sanções penais, administrativas ou civis16. Entretanto, a prova ilícita se-
ria admitida e valorada normalmente, no bojo do processo.
Argumentam os adeptos do referido posicionamento que a ad-
missibilidade da prova deve ser verificada apenas com relação à lei pro-
cessual. Se, em abstrato, a prova for admitida no ordenamento, não
importa como foi produzida. Tem lugar, então, a máxima male captum
bene retentum. -
1.4.2. I nadmi ssibi l idade das provas ilícitas
Defende-se, por outro lado, que as provas ilícitas não podem ser
admitidas no processo.
Isto porque, de um lado, as sanções para aqueles que violaram o
ordenamento para produzir a prova raramente são aplicadas, sobretu-
14 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães e
FERNANDES, Antonio Scarance, Aí nulidades no processo penal, cit., p. 117-118.
15 A esse respeito, informa GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas e processo
enal, cit., p. 104.
16 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; Liberdades públicas e processo penal, cit., p. 105, pela
admissibilidade das provas ilícitas: na doutrina alemã, Rosenberg e, na doutrina italia-
na, Cordero, Leone e Carnelutti, observando-se, porém, que tal posicionamento ado-
tado por Cordero não se deve ao acolhimento do princípio da busca da verdade mate-
rial, em sentido absoluto, nem ao do livre convencimento do juiz. Segundo o referido
autor, deve ser verificado no ordenamento processual, em cada caso, se a violação de
direito material ocorrida representa também uma regra proibitória da prova. E pela
desconformidade com o modelo legal que a prova não pode ser utilizada e não por sua
ilicitude. Na doutrina nacional, pela admissibilidade das provas ilícitas, SANTOS, José
Roberto Bedaque. Poderes instrutórios do juiz. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994.
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do considerando-se que, no processo penal, as violações mais freqüen-
tes se dão pela policia17.
De outro, considera-se que, mesmo que fossem punidos os auto-
res das infrações, não seria adequado que o Estado, que objetiva com-
bater os ilícitos, deles se beneficiasse, utilizando a prova ilícita. Parte da doutrina preconizou a inadmissibilidade das provas ilíci-
tas com vistas à unidade do ordenamento jurídico, salientando que
"sempre que a obtenção da prova resultasse em violação de normas
jurídicas, o prejudicado teria o direito de pleitear sua inadmissibilidade
e sua ineficácia em juízo”18, não importando qual a natureza das nor-
mas jurídicas violadas19.
1.4.3. I nadmi ssibi l idade das provas i lícitas sob o pr isma consti tucional
Foi a preocupação com a violação dos direitos fundamentais, na
produção das provas, que conduziu à formação de outra corrente dou-
trinária sobre a inadmissibilidade das provas ilícitas.
E a que defende a inadmissibilidade da prova ilícita em razão de
inconstitucionalidade20. Assim, não se exclui a prova somente por ter sido produzida ilici-
tamente, mas porque, em sua produção, foram violados preceitos
constitucionais.Essa é a posição sustentada no direito norte-americano, no qual
existem regras de exclusão das provas obtidas ilegalmente, em decor-rência de violações à Constituição ou suas Emendas21.
17 A respeito, BARROS, Adherbal de, A investigação criminosa da prova, cit., p. 294. Para
o autor, a única solução é a inadmissibilidade da prova ilicitamente obtida.GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas eprocesso penal, cit., p. 109.
w Observa GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas e processo penal, cit., p. 109,
citando Vescovi, que a inadmissibilidade da prova ilícita, segundo o entendimento re-
tromencionado, não decorre da adoção de posição meramente formalista, mas do en-
tendimento de que outros direitos e garantias, importantes, devem ser protegidos. Na
doutrina também Nuvolone e Allorio defendem a inadmissibilidade da prova ilícita
com vistas à unidade do ordenamento.
Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas e processo penal, cit., p. 110-111.
21 Sobre as regras de exclusão de provas no sistema norte-americano: PAPA, Michele.
Brevi spunti sulle “rules of evidence”, p. 357-374. O mesmo autor ressalta que a Suprema
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namentos a ele filiados foram, ao longo do tempo, pouco a pouco,
absorvendo algumas das regras de exclusão do sistema de common law.
O ordenamento alemão é outro que preconiza o mesmo entendi-
mento com relação às provas ilícitas: havendo violação à norma cons-
titucional expressa ou a princípio constitucional, na produção de deter-
minada prova, ela é inadmissível25.
No direito italiano, Gianni Aliena26 observa que, a partir da sen-
tença 34, de 1973, da Corte Constitucional, construiu-se a categoria da
prova inconstitucional, que é aquela obtida com lesão aos direitos fun-
damentais previstos na Constituição, com a conseqüência de sua inuti-
lização no processo. A mencionada sentença extraiu diretamente da
Constituição a matriz das regras processuais de exclusão probatória,
sem necessidade de mediação das normas ordinárias.
Ainda sob a ótica da inadmissibilidade das provas obtidas median-
te violação de normas constitucionais, dois outros aspectos merecem
atenção: a aplicação do princípio da proporcionalidade e as provas ilíci-
tas por derivação.
1.4.3.1. Atenuação da inadmissibi l idade das provas ilíci tas: o pr incípio da
proporcionalidade
A inadmissibilidade das provas ilícitas, obtidas mediante violaçãode normas constitucionais, vem sendo atenuada pela incidência do
princípio da proporcionalidade. É sob esse enfoque que o referido prin-
cípio será tratado nesse tópico.
O princípio da proporcionalidade tem possibilitado a correção de
distorções que a inadmissibilidade absoluta da prova ilícita poderia
acarretar em alguns casos.
Nos tribunais alemães, o mencionado princípio tem permitido,
em caráter excepcional, admitir a prova produzida com violação a nor-
Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas eprocesso penal, cit., p. 111.
26 ALLENA, Gianni. Riflessioni sul concetto di incostituzionalità delia prova nel pro-
cesso penale. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 506-528, 1989, esp.
p. 507-511. Destaca o autor que o conceito de inconstitucionalidade da prova coincide,
ao menos em parte, com aquele de ilicitude material.
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mas constitucionais. Ele é adotado quando a admissibilidade da prova
ilícita for a "única forma, possível e razoável, para proteger outros va-
lores fundamentais, considerados mais urgentes na concreta avaliação
da Corte”27.
Opera-se, desse modo, o cotejo entre os valores fundamentaisque estejam em jogo, evitando-se solução desproporcional e inaceitá-
vel28. Na doutrina inglesa, Zuckerman29 defende, nessa linha, que as
soluções radicais para o problema da prova ilícita não são recomendá-
veis porque geram distorções e injustiças. Nesse sentido, as regras de
exclusão probatória não devem ser absolutas.
No tema das provas ilícitas, a manifestação mais freqüente de
aplicação do princípio da proporcionalidade é a admissibilidade da pro-
va ilícitapro reo
30.
Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas e processo penal, cit., p. 112.
28 Contudo, critica-se o subjetivismo a que pode dar margem a teoria da proporciona-
lidade (conforme registra GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas e processo
penal, cit.,p. 112). CAPPELLETTI, Mauro, The judicial process in comparative perspective,
cit., p. 261-262, destaca que o princípio da proporcionalidade abre um "perigoso bura-
co na parede” ao permitir a admissibilidade da prova ilícita. Mas, segundo o autor,
constitui importante ingrediente para a salvaguarda e manutenção das regras de exclu-
são de provas, desde que aplicado em situações extraordinárias, nas quais a exclusão da
prova produziria resultados desproporcionais, incomuns e repugnantes.
29 ZUCKERMAN, A. A. S., The principies of criminal evidence, cit., p. 352. O autor cita
como exemplo a Constituição do Canadá, na qual não há regras de exclusão probató-
ria absolutas. A prova obtida ilicitamente será excluída se ficar estabelecido, por todas
as circunstâncias, que a sua admissão gerará vergonha e constrangimento para a admi-
nistração da justiça. No direito inglês, assinala o autor, as Cortes excluem provas obti-
das ilicitamente se houver efeito adverso sobre a probidade do procedimento.
30
Pela admissibilidade da prova ilícita pro reo, na doutrina italiana, CORDERO, Franco,Prove ülecite nel processo penale, cit., p. 55. Entretanto, há entendimento de que o princí-
pio da proporcionalidade, com relação às provas ilícitas, poderia ser aplicado também
em favor da acusação, sempre que se tratasse de mecanismo para restabelecimento da
igualdade substancial entre as partes, v.g., nos casos de criminalidade organizada (nes-
se sentido, na doutrina nacional, MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as
provas ilicitamente obtidas. RF, Rio de Janeiro, v. 337, p. 125-134, jan./mar. 1997, esp.
p. 128). Também: MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade. Provas ilícitas: limites à
licitude probatória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 87, que defende a admissão da
prova ilícita pro societate por aplicação do princípio da proporcionalidade, quando não
houver outro meio de produzir a prova, para garantia da ordem pública e paz social.
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Desse modo, quando a prova ilícita for favorável ao acusado, pela
aplicação da teoria da proporcionalidade, deve ela ser admitida. Nesse
caso, considera-se o direito de defesa, que é direito fundamental.
Por oütro lado, se a prova ilícita é colhida pelo próprio acusado, é
possível o reconhecimento da legítima defesa, excluindo-se a ilicitudedo comportamento daquele31.
1.4.3.2. A inadmissibi l idade das provas ilíci tas por derivação
A questão diz respeito à teoria dos frutos da árvore envenenada
(f ru .it of thepoisonous tree ou fr uit doctri ne ), desenvolvida no direito nor-
te-americano.
A origem da referida teoria remonta ao caso Silverthorne Lumber
Co. v. United States, julgado, em 1920, pela Suprema Corte americana.Nele se decidiu que o Estado não podia intimar certa pessoa a entregar
documentos porque a existência deles havia sido apurada em uma dili-
gência policial ilegal32. Assim, concluiu-se que a acusação não pode uti-
lizar provas obtidas diretamente em buscas que ferem a Constituição,
nem indiretamente, realizando intimações sobre a busca.
Em julgado de 1939, foi utilizada pela primeira vez, pela Suprema
Corte, a expressão "fruto da árvore envenenada", no caso Nardone v.
Un i ted States, no qual se chegou à conclusão de que deveria ser excluídacomo prova não só a gravação de conversas sem ordem judicial, como
ainda outras decorrentes das informações contidas na gravação33.
31 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães e
FERNANDES, Antonio Scarance, As nulidades no processo penal, cit., p. 119. Um exem-
plo citado pelos referidos autores é o da gravação clandestina de conversa do acusadocom terceiro, que demonstre sua inocência. No mesmo sentido: MENDONÇA, Ra-
chel Pinheiro de Andrade, Provas ilícitas: limites à licitudeprobatória, cit., p. 87, que sus-
tenta que a admissão da prova ilícita pro reo justifica-se pelo estado de necessidade ou
pela legítima defesa.
32 Cf. ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R. Criminal procedure. Constitutional limita-
tions. St. Paul: West Publishing Co., 1993, p. 286 e CARRIO, Alejandro D. Garantias
constitucionales en el proceso penal, 3. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 1997, p. 162.33 CARRIO, Alejandro D. Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 162. Segui-
ram-se ainda outros casos: Wong Sun v. United States, em 1963, com exclusão de teste-
munhos e de objetos aos quais se chegou como conseqüência de diligência e prisão
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A partir dos julgados, estruturou-se a teoria nos seguintes ter-
mos: quando o procedimento inicial viola garantias constitucionais, a
ilegalidade se estende para os outros atos que dele decorrem. Desse
modo, é inadmissível como prova o resultado do procedimento inicial
violador, bem como as outras provas que são fruto da ilegalidade ori-ginária34.
Contudo, ao longo do tempo foram reconhecidas várias exceções
à regra estabelecida pela teoria mencionada35. Tem preponderado a
ideia de que a aplicação indiscriminada das regras de exclusão de provas
conduz ao desrespeito pelo direito e pela administração da justiça36.
A primeira delas é a da fonte independente (independent source).
Referida exceção também teve origem no caso Silverthorne Lumber Co.
v. Un ited States, que deu lugar à teoria. A Suprema Corte decidiu que asprovas obtidas ilegalmente poderiam ser admitidas em juízo se o seu
conhecimento püdesse derivar de uma fonte independente.
Assim, se o conhecimento da prova decorrente daquela ilícita pu-
der advir de fonte distinta e autônoma, poderá a primeira ser admitida.
Citada exceção não implica que a prova realmente tenha sido alcança-
da por meio dessa fonte independente37.
ilegais; Brown v. Illinois, 1975, no qual se decretou a exclusão de confissão obtida de
pessoa presa ilegalmente; Davis v. Mississipli, 1969, com exclusão de impressões digitais
obtidas de pessoa presa ilegalmente, mesmo quando correspondentes com aquelas
localizadas no local do crime.
Cf. CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 164.
35 A propósito, PAPA, Michele, Contributo alio studio delle “rules of evidence‟‟nel processo
enale statunitense, cit., p. 329, assinala que a mitigação das regras de exclusão de provas
leva a crer que possa ocorrer a abolição da teoria dos frutos da árvore envenenada.
36 Tal argumento foi articulado no voto do juiz White da Suprema Corte norte-ameri-cana, em United States v. Leon (1984) (conforme LOCKHART, William B. et al., The
American Constitution. St. Paul: West Publishing Co., 1996, p. 285).37 Também em decisão proferida em Bynum v. U.S. (1960), a Suprema Corte firmou a
exceção da fonte independente. No primeiro julgamento de Bynum, foram excluídas
como prova as impressões digitais obtidas do acusado após prisão ilegal. Posterior-
mente, Bynum foi processado novamente. Foram comparadas as impressões digitais
antigas, colhidas pelo FBI, e aquelas encontradas no local do crime. Considerou-se que
a polícia tinha razões para suspeitar que o acusado tinha envolvimento em crime de
roubo, o que justificou a comparação das impressões digitais. Além disso, as impres-
sões colhidas estavam relacionadas a fato diverso daquele que motivou a prisão ilegal.
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Outra atenuação da teoria relaciona-se aos chamados testemu-
nhos dotados de vontade autônoma. Essa atenuação surgiu no julgado
de Un ited States v. Ceccolini, em 1978, no qual se decidiu pela admissibi-
lidade do testemunho do empregado de um comércio, no qual haviam
sido apreendidos ilegalmente registros de apostas ali realizadas. A po-lícia havia indagado do referido empregado a quem pertenciam aque-
les registros e, em resposta, ele indicou o nome do acusado, que era
cliente do estabelecimento. A Corte concluiu pela exclusão do regis-
tro, como prova, mas não do testemunho, porque era fruto de vontade
autônoma38.
Outras três exceções são ainda apontadas: admite-se a prova
quando a polícia atuou de boa-fé em cumprimento a ordem judicial
(goodfaith exceptionf 9 ; quando o vício anterior for purgado por ato vo-luntário do acusado (purged taint) 40 ; quando a prova obtida ilegalmente
seria encontrada de qualquer modo, mesmo que mais tardiamente
(inevitable discovery exception) 41 . Nesse último caso, entretanto, decidiu
a Suprema Corte que, para admitir a prova, é necessário que a polícia
não tenha atuado de má-fé, com o propósito de acelerar as investiga-
ções, fazendo uso de meios ilegais; e que efetivamente a prova não
pudesse permanecer oculta42.
As impressões digitais foram admitidas como provas obtidas de fonte independente
(cf. ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, Wayne R., Criminal procedure. Constitutional limita-
tions, cit., p. 288-289). CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Torres,
La prueba ilícita penal, cit., p. 46, afirmam que, na prática, a exceção da fonte indepen-
dente é de difícil aplicação.
“ ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R., Criminal procedure. Constitutional limitations, cit.,
p. 301-303, e CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales enel proceso penal, cit., p. 178.
39 Essa exceção foi discutida em United States v. Leon, 1984 (ISRAEL, Jerold H. e LaFA-VE, Wayne R., Criminal procedure. Constitutional limitations, cit., p. 275-278).40 Em Wong Sun v. U.S. (1963), a Suprema Corte decidiu que não deve haver exclusão da
prova se a subsequentemente obtida for autônoma e remover a ilegalidade da primei -
ra. No caso, após prisão ilegal, houve confissão espontânea. A mácula da ilegalidade
inicial foi purgada por ato interveniente independente, rompendo o nexo entre a ilega-
lidade inicial e a prova obtida (conforme ISRAEL, Jerold H. e LaFAVE, Wayne R., Cri-
minal procedure. Constitutional limitations, cit., p. 294 e 295).
Brewerv. Williams, em 1977.
42 No caso Nixv. Williams, em 1984, adrhitiu-se como prova o cadáver que havia sido
localizado pela polícia violando o direito de não ser o acusado interrogado sem defen-
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A sexta exceção tem lugar quando o resguardo à segurança públi-
ca requerer imediata intervenção por parte da policia43.
Embora estruturadas pela jurisprudência norte-americana, as ex-
ceções retromencionadas têm sido aplicadas em outros ordenamentos jurídicos44.
Evidente que algumas dessas exceções à teoria acabam por enfra-
quecer, de certo modo, o posicionamento de inadmissibilidade das
provas ilícitas.
Na doutrina nacional, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance
Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho salientam que “Na posi-
ção mais sensível às garantias da pessoa humana, e consequentemente
mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilici-
tude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são,
assim, igualmènte banidas do processo”45.
sor. Durante o julgamento, a acusação provou que, no momento da declaração ilegal,
estava sendo rastreada por agentes policiais e cerca de duzentos voluntários a área em
que estava o cadáver. A Corte considerou que o encontro do cadáver era inevitável,
não se justificando a exclusão da prova (cf. ISRAEL, Jerold H.; LaFAVE, Wayne R.,
Criminal procedure. Constitutionallimitations, cit., p. 292-294).
43 A exceção foi construída no caso New York v. Quarles, em 1984. O caso referia-se a um
suspeito de roubo localizado em um supermercado. O suspeito tentou fugir e foi pre-
so. Ao revistá-lo, não foi encontrada arma, mas a cartucheira vazia. O suspeito foi in-
terrogado, sem que os policiais advertissem-no quanto aos seus direitos. Indagado so-
bre a localização da arma, informou que estava em uma das caixas de produtos do
supermercado. A arma foi localizada. No julgamento, pleiteou-se a exclusão de sua
declaração autoincriminatória e da arma encontrada a partir dela, A Corte Suprema,
em votação bastante dividida, declarou a admissibilidade de tais provas, considerandoque a segurança pública justificava essa exceção aos princípios de exclusão da prova
obtida com violação aos direitos do acusado. A Suprema Corte acrescentou que, no
caso, a polícia não forçou o acusado à autoincriminação.
44 No direito espanhol, o Tribunal Constitucional tem aplicado as exceções referentes
à teoria dos frutos da árvore envenenada. O critério decisivo tem sido a proporcionali-
dade (cf. CASTRILLO, Eduardo de Urbano; MORATO, Miguel Angel Torres, La prue-
ba ilícita penal, cit., p. 48-49). Cf. ASHWORTH, Andrew e REDMAYNE, Mike, The
criminal process. 4. ed., cit., p. 357, as Cortes inglesas têm aplicado as regras de exclusão
da prova ilícita de forma restrita.
45 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO,Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 119.
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Cumpre salientar também que a inadmissibilidade das provas de-
rivadas da ilícita representa importante sustentáculo do posicionamen-
to que preconiza a exclusão das provas ilícitas. Isto porque a garantia
ficaria seriamente comprometida se as provas derivadas pudessem ser,
livremente, admitidas, apesar da ilicitude da prova originária.
Nas atenuações à regra de exclusão de provas ilícitas, a tendência,
preconizada inclusive pela Convenção Européia de Direitos Humanos,
é a busca do equilíbrio entre o respeito aos direitos fundamentais e a
repressão aos delitos, fundado no desenvolvimento de um processo
justo46.
1.5. O tratamento das provas ilícitas no ordenamento bra-sileiro
Anteriormente à Constituição de 1988, as exclusões de provas
eram ditadas pelo Código de Processo Penal.
Assim, já não se admitia o testemunho daqueles que tinham o
dever de sigilo em razão de função, ministério, ofício ou profissão. O
mesmo tratamento era dado às cartas particulares, interceptadas ou
obtidas por meios criminosos. Além disso, não se admitia a busca do-
miciliar realizada sem atendimento às formalidades legais. Igualmen-te, por força do art. 243, § 2-, era vedada a apreensão de documentos
em poder do defensor, salvo se constituíssem elementos de corpo de
delito47.
46 Cf. CASTRILLO, Eduardo de Urbano e MORATO, Miguel Angel Torres, La prueba
ilícita penal, cit., p. 56. Referidos autores citam, nessa esteira, os seguintes julgados da
Corte Européia de Direitos Humanos: caso Teixeira de Castro, 1998; Miailh, 1996, e
Schenk, 1988. A mesma Corte, ao julgar Gãfgen v. Germany (2009, 48 EHRR 13), deter-
minou o aproveitamento da prova derivada da ilícita. Gãfgen foi ameaçado antes de
revelar o local em que estava o corpo da vítima. A Corte excluiu a confissão de Gãfgen
a esse respeito, por considerar desumano o tratamento a ele imposto, mas permitiu a
utilização da informação dela decorrente (no caso, a identificação do local em que es-
tava o corpo da vítima) (cf. ASHWORTH, Andrew; REDMAYNE, Mike, The criminal
process, 4, ed., cit., p. 351).
47 A esse respeito, GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas e processo penal, cit.,
p. 152 e 153, salienta que o Código de Processo Penal Militar reproduziu basicamenteas mesmas vedações.
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Contudo, naquela sistemática, como observa Ada Pellegrini Grino-
ver48, não era expressamente prevista a nulidade das provas produzidas
mediante violação das proibições retromencionadas. E, acrescenta ain-
da, quanto às provas ilícitas produzidas mediante infringência a direitos
fundamentais, nem sequer havia menção quanto à inadmissibilidade. No âmbito do direito processual penal, mesmo antes da Constitui-
ção de 1988, a doutrina defendia a inadmissibilidade das provas ilícitas,
inclusive acolhendo a aplicação do princípio da proporcionalidade49.
Com a Constituição de 1988, entre os direitos e garantias funda-
mentais, estabeleceu-se a inadmissibilidade das provas obtidas por
meios ilícitos.
Assim, a sanção processual cominada para a ilicitude da prova é a
sua inadmissibilidade. Não se cuida de nulidade da prova, mas de suanão aceitação no bojo do processo50. A rigor, a prova ilícita não pode
integrar o processo51.
Entretanto, na doutrina, o rigor da norma constitucional que de-
termina a inadmissibilidade da prova ilícita tem sido abrandado pelo
princípio da proporcionalidade, especialmente quando a prova ilícita
for pro reo sz .
■" GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades públicas e processo penal, cit., p. 155.49 Referido posicionamento foi externado, expressamente, nas Súmulas das Mesas de
Processo Penal, realizadas na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.50 Nesse sentido, FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 84.51 Mesmo depois do texto constitucional de 1988, há partidários da admissibilidade da
prova ilícita, com sua conseqüente valoração no processo, mas punindo-se o autor do
ilícito. É a posição sustentada por BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instru-
tórios do juiz, cit.52 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GO-
MES FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 119; GRECO
FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 178; BASTOS,
Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil de 1988.
São Paulo: Saraiva, 1989, v. 2, p. 272 e s. Apoia a aplicação do princípio da proporciona-
lidade também a favor da acusação: MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as
provas ilicitamente obtidas, cit., p. 128. Referido autor sustenta o caráter relativo do prin-
cípio constitucional referente à inadmissibilidade das provas ilícitas, defendendo que a
melhor solução é o equilíbrio.
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-MÊÊ L _
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A jurisprudência brasileira, por seu turno, traçou linha evolutiva
da admissibilidade para a inadmissibilidade das provas ilícitas. Ini-
cialmente, eram francamente admitidas nos julgados as confissões ex-
torquidas do acusado e as gravações telefônicas clandestinas
53
. Depois,pouco a pouco, passaram a ser rejeitadas as buscas e apreensões domi-
ciliares realizadas com desatendimento às formalidades legais.
No Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da Constituição de
1988, em três oportunidades, haviam sido rejeitadas as interceptações
telefônicas clandestinas. As primeiras duas decisões foram proferidas
no âmbito civil: uma, em 1977, referente à interceptação das ligações
telefônicas da mulher, efetuada pelo marido, para instruir processo de
separação judicial. Decidiu-se pelo desentranhamento da prova. A se-
gunda, em 1984, cuidava também de interceptação telefônica clandes-
tina e a solução foi a mesma. A terceira decisão foi proferida na esfera
penal, em 1986, determinando o trancamento de inquérito policial
fundado em interceptações telefônicas ilícitas54.
Após a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal, em
atendimento ao dispositivo constitucional, vem declarando a inadmis-
sibilidade das provas ilícitas55, com o conseqüente desentranhamento
destas5*5. Mas anteriormente à Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, re-
53 Ilustrativo, a respeito da jurisprudência brasileira na matéria, o texto de CARVA-
LHO, Ricardo Cintra Torres de. A inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal
— um estudo comparativo das posições brasileira e norte-americana. Revista Brasileira
de Ciências Criminais, São Paulo, v. 12, p. 162-170, out./dez. 1995.
54 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FI-
LHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 121. O julgado penal é
o RHC 63.832/SP, 2a
T., Rei. Min. Aldir Passarinho, j. 18-12-1986. Nele se decidiu queos meios de prova ilícitos não poderiam servir de sustentação para o inquérito ou a
ação penal. As provas produzidas eram ilícitas, ofendendo a Constituição (gravações
clandestinas). E ainda que inexistiam nos autos outros elementos a justificar a conti-
nuidade das investigações.
55 Nesse sentido, HC 69.912-RS, Tribunal Pleno, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 16-12-
1993, julgamento da ação penal desencadeada contra Fernando Collor e Paulo César
Farias (AP 307-3, Tribunal Pleno, Rei. Min. Ilmar Galvão) e HC 70.277/MG, I a T., Rei.
Min. Sepúlveda Pertence, j. 14-12-1993.56 Determinando o desentranhamento da prova ilícita: ED em Inq. 731-DF, Tribunal
Pleno, Rei. Min. Néri da Silveira, j. 22-5-1996, unânime. O caso refere-se a Paulo César Cavalcante Farias e Zélia Cardoso de Mello. Após a Lei n. 11.690/2008: HC 90.094/ES,
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gistravam-se julgados no sentido de que, desconsiderada a prova ilíci-
ta, não havia necessidade do seu desentranhamento57.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que não
deve ser decretada a nulidade do processo, mesmo havendo prova ilíci-ta, se há outros elementos probatórios, independentes, que dão supor-
te à condenação58. Assim também se a denúncia for lastreada em ou-
tros elementos e não somente na prova ilícita59.
Em matéria de provas ilícitas por derivação, o Supremo Tribunal
Federal tem-se manifestado pela sua inadmissibilidade60. Entretanto,
2a T., Rei. Min. Eros Grau, j. 8-6-2010, DJe 145, publicado em 6-8-2010, determinando
o "banimento da prova ilícita dos autos da ação penal”. Nessa matéria, o Superior
Tribunal de Justiça, em caso em que não houve desentranhamento da prova ilícita,
consistente em investigação realizada pelo Ministério Público, impediu a reutilização
do material inquinado de ilícito para oferecimento de nova denúncia, com exceção
apenas do corpo de delito (HC 65.292/GO, 6 a Turma, Rei. Min. Paulo Gallotti, Rei. p/
acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 12-5-2009, DJe 3-8-2009). Mas tem o
Superior Tribunal de Jusitça determinado o desentranhamento da prova ilícita, mes-
mo antes da Lei n. 11.690/2008: HC 59.967/SP, 6 a Turma, Rei. Min. Nilson Naves, j.
29-6-2006, DJ 25-9-2006, p. 316, no qual se determinou o desentranhamento de prova
ilícita consistente em gravação de conversa entre advogado e cliente.
AgRg 212.171-RJ, 2a T., Rei. Min. Maurício Corrêa, j. 17-11-1997, unânime.
58 Nesse sentido: HC 75.982-RJ, 2a T., Rei. Min. Marco Aurélio, s/publicação; HC
74.530- SP, Ia T., Rei. Min. Ilmar Galvão, j. 12-11-1996, unânime; HC 74.599-SP, I a T.,
Rei. Min. Ilmar Galvão, j. 3-12-1996; RECrim 222.204-SP, 2a T., Rei. Min. Néri da Silvei-
ra, j. 25-5-1998; HC 72.845-SP, Ia T., Rei. Min. Sydney Sanches, j. 12-9-1995.
RHC 74.807-MT, 2a T., Rei. Min. Maurício Corrêa, j. 22-4-1997, unânime, e HC74.530- AP, Ia T., Rei. Min. Ilmar Galvão, j. 12-11-1996.
60 Pela inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação: HC 75.007-SP, 2a T., Rei. Min.
Marco Aurélio, j. 27-5-1997, vencido o Min. Carlos Velloso; HC 74.299-SP, 2a T., Rei.
Min. Marco Aurélio, s.d. de publicação; HC 72.588-SP, Tribunal Pleno, Rei. Min. Mau-
rício Corrêa, j. 12-6-1996. No referido julgado, foi trancada ação penal desencadeada,
por seis votos a cinco, por se ter reconhecido a ilicitude da prova que fundamentou a
denúncia, não havendo nos autos prova autônoma e não decorrente da prova ilícita,
que poderia permitir o prosseguimento do processo. Também: HC 73.351-SP, Ia T.,
Rei. Min. Ilmar Galvão, j. 9-5-1996, por maioria, entendendo que a prova ilícita conta-
mina os outros elementos probatórios dela oriundos, direta ou indiretamente. HC
69.912-RS, Tribunal Pleno, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 16-12-1993 (no primeiro
julgamento, a ordem foi denegada por seis votos, afast ando a tese da contaminação
das provas decorrentes de escuta telefônica indevidamente autorizada ou entendendoque era impossível, na via do habeas corpus, verificar a existência de outras provas inde-
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não guarde qualquer relação de dependência nem decorra de prova originaria-nte ilícita, com essa não mantendo vinculação causai -, tais dados probatórios reve-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula de eventualtude originária”. No mesmo sentido: HC 106.244/RJ, Ia T., Rei. Min. Carmen Lú-j. 17-5-2011, DJe 159, publicado em 19-8-2011, realçando que: "A ilicitude de uma
va não contamina os demais elementos cognitivos obtidos e que dela não deriva-”. O Superior Tribunal de Justiça também tem se pronunciado sobre as provas ilí-s por derivação à luz das exceções da fonte independente e descoberta inevitável:106.571/PR, 5a T., Rei. Min. Jorge Mussi, j. 16-9-2010, DJe 16-11-2010, no qual sediu que “São admitidas as provas colhidas quando da prisão em flagrante do pa -
nte, na hipótese de ilicitude da busca e apreensão autorizada judicialmente, desdetal medida não tenha sido determinante para a sua obtenção (teorias da fonte in-
endente e da descoberta inevitável)"; HC 52.995/AL, 6a T., Rei. Min. Og Fernan-j. 16-9-2010, DJe 4-10-2010, em que se reconheceu a exceção da descoberta inevitá-
antes da Lei n. 11.690/2008, havia posicionamentos contrários61, ou
seja, inexistia entendimento pacificado62. Após o referido diploma le-
gal, aquela Corte, como regra, não tem admitido a prova ilícita por
derivação, mas tem examinado o tema à luz das exceções que passa-
ram a ser admitidas no ordenamento nacional, contempladas no art.157, §§ l2 e 2-, do Código de Processo Penal63.
pendentes que pudessem dar suporte à condenação; houve nulidade da primeira deci -
são, em razão da participação decisiva, no julgamento, de ministro impedido; no se-
gundo julgamento foi deferida a ordem, entendendo que a prova ilícita contaminou as
demais, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta,
nas quais se fundamentou a condenação). Igualmente, pela aplicação da teoria dos
frutos da árvore envenenada: HC 74.116-SP, 2a
T., Rei. Min. Néri da Silveira, Rei. doAcórdão Maurício Corrêa, j. 5-11-1996, por empate (no caso, decidiu-se que inexistia
prova autônoma). Após a Lei n. 11.690/2008: HC 90.298/RS, 2a T., Rei. Min. Cezar
Peluso, j. 8-9-2009, DJe 195, publicado em 16-10-2009, no qual se decidiu que: "Consi-
dera-se ilícita a prova criminal consistente em obtenção, sem mandado, de dados ban-
cários da ré, e, como tal, contamina as demais provas produzidas com base nessa dili-
gência ilegal”.
61 HC 69.912-RS, Tribunal Pleno, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, 30-6-1993 (primeiro
ulgamento).62 O Supremo Tribunal Federal, por sua 2a Turma, deu interpretação restritiva à teoria
da árvore dos frutos proibidos, decidindo, por maioria, que se a escuta telefônica ilícita
não deflagra a ação penal, não é causa de contaminação do processo: HC 76.203-0-SP,
Rei. Min. Marco Aurélio, rei. para o acórdão: Min. Nelson Jobim, j. 16-6-1998, vencidos
os ministros Marco Aurélio e Maurício Corrêa.
63 HC 101.584/SP, Ia T.,'Rel. Min. Dias Toffoli, j. 5-4-2011, DJe 086, publicado em 10-5-
2011, no qual se decidiu que: “Demonstrado que o órgão da persecução penal obteve
legitimamente novos elementos de informação a partir de fonte autônoma de prova
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Quanto à aplicação do princípio da proporcionalidade, registram-
-se algumas decisões dos Tribunais no sentido de se admitir a prova
ilícita pro reo 64 .
Deve-se observar, por fim, a orientação traçada, em matéria de
provas ilícitas, no Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Pe-nal, elaborado por comissão constituída pela Portaria do Ministro da
Justiça n. 61, de 20 de janeiro de 2000, publicada no Diár io da Justiça de
21 de janeiro do mesmo ano, que deu origem ao Projeto de Lei n.
4.205/2001. Tal Projeto, por sua vez, com alterações, converteu-se na
Lei n. 11.690/2008, que modificou dispositivos atinentes às provas no
Código de Processo Penal.
Desse modo, o art. 157 do Código de Processo Penal, com a reda-
ção que lhe foi conferida pela lei mencionada, estabeleceu que as pro-vas ilícitas são aquelas obtidas com violação a normas constitucionais
ou legais. Em'obediência ao mandamento constitucional, estabeleceu
que tais provas são inadmissíveis, determinando seu desentranha-
mento dos autos do processo. Contudo, a doutrina, acertadamente,
tem criticado o conceito de prova ilícita adotado pela Lei n. 11.690 / 2008.
Isso porque, ao incluir nele as violações a normas "legais”, não se fez a
necessária distinção entre a ilicitude da prova e as violações a regras
processuais que, naturalmente, não conduzirão ao desentranhamento
da prova, mas à sua nulidade65.
Também as provas ilícitas por derivação são inadmissíveis, de
acordo com o § ls do art. 157. Entretanto, aduziu-se, “salvo quando
vel, destacando-se que, no caso, “a prova seria necessariamente descoberta por outros
meios legais” (tratava-se de obtenção de extrato bancário sem autorização judicial),
contudo no acórdão salientou-se que “o sobrinho da vítima, na condição de herdeiro,
teria, inarredavelmente, após a habilitação no inventário, o conhecimento das movi-
mentações financeiras e, certamente, saberia do desfalque que a vítima havia sofrido”;
Rcl 2.988/PE, 3a Seção, Rei. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 27-4-2011, DJe 30-
5- 2011, julgada improcedente porque, apesar de existir prova ilícita, reconheceu-se a
existência de fonte independente.
64 RJTJSP, 138/256, em decisão proferida em 16-9-1992, que admitiu como prova a
gravação de conversa telefônica entre a acusada e a vítima. Mas há julgado em sentido
contrário, pela inadmissibilidade da prova ilícita pro reo: RT, 698/344, também prolata-
da pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.65
Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance, GO-MES FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 127.
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não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando
as derivadas puderem ser obtidas por fonte independente das primei-
ras”. Definiu-se, no § 2- do art. 157, a fonte independente como aquela
que, por si só, "seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da in-
vestigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato obje-to da prova”. A esse respeito, tem-se observado que a alusão à inexis-
tência de nexo de causalidade entre a prova ilícita e a supostamente
derivada é despicienda. Isto porque se não há tal nexo, não há que se
falar em prova derivada. Porém, o maior equívoco parece ter sido co-
metido na segunda parte do dispositivo, que faz referência à "fonte in-
dependente”. A esse respeito, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Sca-
rance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho66 observam que o
legislador confundiu os conceitos tradicionais de fonte independente67 e de descoberta inevitável e adotou dicção que permite admitir a prova
derivada da ilícita quando houver mera possibilidade de obtê-la de for-
ma lícita, o que torna o § 2- do art. 157 norma inconstitucional.
Por fim, no § 3- do art. 157, determinou-se que "preclusa a deci-
são de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será
inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o
incidentç”68.
Contudo, dispositivo de vital importância no tema das provas ilí-citas, previsto no anteprojeto e no Projeto n. 4.205/2011, foi suprimido
na aprovação do texto da Lei n. 11.690/2008, que impedia o juiz que
conhecesse do conteúdo da prova ilícita de proferir sentença no pro-
cesso em questão.
Com isso, evitava-se, efetivamente, que a prova ilícita influencias-
se o convencimento do julgador, já que, mantendo-se o juiz que teve
contato com a prova ilícita, não há nenhuma garantia de que ele não
terá sua convicção por ela formada, mesmo que não haja qualquer
menção a seu respeito na fundamentação da sentença.
66 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, An-
tonio Magalhães, Aí nulidades no processo penal, cit., p. 135-136.
67 De acordo com os referidos autores, o conceito de fonte independente construído
pela jurisprudência norte-americana exige que a prova possua efetivamente duas ori-
gens: a lícita e a ilícita (As nulidades no processo penal, cit., p. 135).§ 1 do art. 157 do Anteprojeto.
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1.6. Conseqüências do reconhecimento da ilicitude da prova
O reconhecimento da ilicitude da prova gera conseqüências, não
só no plano da admissibilidade como também no plano da valoração
das provas. Isso porque, embora estabeleça o dispositivo constitucio-nal que as provas ilícitas são inadmissíveis, não raras vezes elas supe-
ram a fase de admissibilidade, ingressando no processo. Se isso ocor-
rer, não há mais que se falar em inadmissibilidade.
Deve-se estabelecer, então, como a questão será resolvida, já que
no ordenamento nacional, diferentemente de outros, não se definiram
as conseqüências do ingresso da prova ilícita no processo. No direito
norte-americano, por exemplo, as provas ilícitas são excluídas, não po-
dendo ser utilizadas no julgamento. No direito italiano, essas provas,permanecendo nos autos, são inutilizáveis. Ainda que sejam decisivas,
a ilicitude impede sua utilização no julgamento69. A inutilização é san-
ção típica do procedimento probatório70.
Deve-se ressaltar que a ilicitude das provas não conduz apenas à
sua nulidade. Incluem-se elas na categoria de atos inexistentes. Não
existem como prova71, sendo totalmente ineficazes. Mas, para que
não venham a influenciar o convencimento do julgador, o mais reco-
69 Note-se que não se afirma, em relação ao ordenamento italiano, que as provas
ilícitas são inadmissíveis, mas inutilizáveis. É que, conceitualmente, entende-se que
a admissibilidade se resolve no dever do juiz de excluir as provas vedadas pela lei,
manifestamente supérfluas ou irrelevantes (a respeito: CORDERO, Franco, Prove
illecite nel processo penale, cit., p. 33, e SIRACUSANO, D., GALATI, A., TRANCHI-
NA, G. e ZAPPALÀ, E. Diritto processuale penale. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1996, v. 1, p.
353-354). Diante da inutilização das provas ilícitas, prevista no Código de Processo
Penal italiano de 1988, não pode mais ser aplicada a máxima male captum, bene reten-
tum (conforme DE GREGORIO, Giulio G. Secondo diritto e secondo ragione...
(Recenti tinerari delia Corte Costituzionale sul tema dei principio dei libero con-
vincimento dei giudice). Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 939-
960, 1994, esp. p. 958).
70 SIRACUSANO, Delfino. Prova. In: Enciclopédia giuridica. Roma: Treccani, 1989, v. 25,
p. 1-14, esp. p. 9.71 Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GO-
MES FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 124 e também
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravaçõesclandestinas, cit., p. 87.
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mendável é o seu desentranhamento, como, aliás, dispõe a atual dis-
ciplina nacional72.
Se a,denúncia foi baseada na prova ilícita, será nula. E outra deve-
rá ser oferecida, após o desentranhamento daquela, com suporte em
outros elementos probatórios. Se estes inexistirem, o inquérito deverá
ser arquivado.
Se a prova ilícita permanecer nos autos durante a instrução, não
poderá ser valorada na sentença ou em qualquer outro provimento.
Conforme preleciona Antonio Magalhães Gomes Filho, em grau
de recurso, se a prova ilícita favoreceu a defesa, somente em apelação
da acusação a matéria poderá ser examinada. Caso contrário, ocorreria
reformatio in pejus. Se a prova ilícita favoreceu a acusação, não haverá
necessidade de decretar a nulidade da sentença, desde que, suprimida
a prova ilícita, decorra a absolvição do acusado73. Nesse caso, o Tribu-
nal deverá determinar o desentranhamento da prova ilícita e julgar,
desconsiderando-a74. Contudo, se, mesmo com a supressão da prova
ilícita, houver elementos que autorizem a condenação, a melhor solu-
ção será a decretação de nulidade da sentença pelo Tribunal, para que
outra seja proferida75.
Se tiver ocorrido o trânsito em julgado, duas possibilidades sur-
gem. A primeira delas é a propositura de revisão criminal. A decisãoproferida será nula e o Tribunal, julgando a revisão, poderá absolver o
condenado. A segunda é a impetração de habeas corpus, pelo qual se anu-
Nesse sentido, orientação do Supremo Tribunal Federal.
73 A esse respeito, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, Direito à prova no processo penal,
cit., p. 168.74 A esse respeito, GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GO-
MES FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 124. Debatida a
matéria em primeiro grau, não haverá supressão de instância. Nesse sentido também:
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações
clandestinas, cit., p. 89.
75 A esse respeito, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, Direito d prova no processo penal,
cit., p. 168. MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade, Provas ilícitas: limites à licitude
probatória, cit., p. 35, sustenta que se o desentranhamento não for realizado e a senten-
ça estiver fundamentada claramente em prova ilícita, há erro de julgamento, que acar-reta reforma da decisão e não sua nulidade.
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lará a sentença, com a determinação de desentranhamento das provas
ilícitas pelo Tribunal. Nova sentença deverá ser proferida nessa hipótese.
No Tribunal do Júri, a questão do ingresso das provas ilícitas
apresenta-se ainda mais delicada, na medida em que o veredicto é pro-
ferido por leigos que, consequentemente, podem sofrer maior influên-cia da prova ilícita em seu convencimento e, sobretudo, porque a deci-
são dos jurados não é motivada.
A esse respeito, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fer-
nandes e Antonio Magalhães Gomes Filho76 afirmam que, na hipótese
de a decisão de pronúncia ter-se fundamentado em prova ilícita, possí-
vel será a reforma por recurso ou a anulação dessa decisão por impe-
tração de habeas corpus. Contudo, se ocorrer a preclusão e não for im-
petrada a ordem, o veredicto proferido pelos jurados será nulo. Se asprovas ilícitas não servirem de suporte para a pronúncia, deverá o juiz
presidente determinar o seu desentranhamento, antes que os jurados
delas tomem conhecimento. E se a elas se fizer referência em plenário,
deverá o Conselho de Sentença ser dissolvido. E, se não o for, o julga-
mento será nulo77.
2. Conseqüências da violação do “nemo tenetur se de-
tegere” no interrogatório, com vistas às considera-ções mencionadas acerca da ilicitude da prova
2.1. Quanto à confissão ilicitamente obtida por falta oudeficiência da advertência em relação ao direito ao si-lêncio e utilização de técnicas e métodos vedados deinterrogatório
O nemo teneturse detegere insere-se entre os direitos fundamentais.E, no ordenamento brasileiro, encontra-se agasalhado em norma de
hierarquia constitucional.
7,1 Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FI-
LHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 125.
77
Nesse sentido, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, O direito à prova no processo pe-nal, cit., p. 168.
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Tendo em vista que se considera ilícita a prova colhida mediante
infringência a normas constitucionais78, especialmente aquelas que tu-
telam direitos fundamentais, tem-se que as violações ao nemo teneturse
detegere conduzem à ilicitude da prova que foi colhida.
Nessa esteira, Antonio Magalhães Gomes Filho79, na obra Direito
à prova no processo penal , sustenta que não são admissíveis as provas
produzidas com violação ao direito ao silêncio do acusado, bem como
com emprego de métodos proibidos de interrogatório, como a narco-
análise e o detector de mentiras, que atuam sobre a liberdade de auto-
determinação daquele.
Na doutrina estrangeira, Asencio Mellado80 observa que alguns
expedientes, como a valoração do silêncio do acusado como presun-
ção de culpabilidade, o interrogatório sugestivo ou realizado com en-gano ou a administração de drogas, não podem ser admitidos porque
não garantem a apuração da verdade, mas somente atendem ao inte-
resse de obter a condenação a qualquer preço81.
Dada a ilicitude da prova produzida com violação a direitos fun-
damentais, como é o nemo tenetur se detegere, a conseqüência dessa vio-
lação não pode ser tratada somente no âmbito das nulidades, mas so-
bretudo deve ser enfocada sob o prisma da inadmissibilidade da prova
assim colhida82
.
78 Nesse sentido, o conceito formulado por GRINOVER, Ada Pellegrini, Liberdades
públicas eprocesso penal, cit., p. 99; GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES; Anto-
nio Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães, Ai nulidades no processo penal,
cit., p. 115-116, e o conceito adotado no Anteprojeto de Código de Processo Penal
(art. 157, caput).
GOMES FILHO, Antonio Magalhães, O direito à prova no processo penal, cit.,p. 110-118.
MELLADO, José Maria Asencio, Prueba prohibida y prueba preconstituida, cit., p. 77.
81 CORDERO, Franco, Prove iUecite nel processo penale, cit., p. 51, defende que a confis-
são, obtida por meios coercitivos, não pode ser valorada nem mesmo quando confir-
mada por outras provas. Salienta o autor que tal entendimento não se deve à ilicitude
da mesma, mas à sua inadequação ao modelo legal.
82 Segundo SCELLA, Andrea. L‟inutilizzabilità delia prova nel sistema dei processo
penale. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 203-219, 1992, esp. p. 206,
a violação da proibição probatória gera uma forma de invalidade que não permite a
renovação do ato nem a automática prorrogação do vício aos atos consecutivos. Por
isso, não se trata de nulidade absoluta. Daí a pertinência da categoria da inutilização,no direito italiano.
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Como observado anteriormente, a advertência do acusado quan-
to ao direito ao silêncio, antes de iniciado o interrogatório, é essencial
para assegurar que a opção por cooperar ou não neste seja decorrente
de sua autodeterminação. Nas palavras de Costa Andrade83, o posicio-
namento assumido pelo acusado, no interrogatório, deve decorrer deliberdade esclarecida.
Buscam-se evitar, com a advertência, que nada mais deve ser do
que instrução do acusado quanto ao seu direito, autoincriminações in-
voluntárias, por desconhecimento do direito.
Dessa forma, a falta da advertência quanto ao direito ao silêncio
e de que do exercício desse direito não podem advir conseqüências
prejudiciais à defesa viola o nemo tenetur se detegere.
É o que ocorre, v. g., nas denominadas “declarações informais”
colhidas do suspeito, na fase de investigações, ou mesmo em entrevis-
tas realizadas pefa imprensa com o acusado.
Eventual confissão colhida do acusado nessas circunstâncias é ilí-
cita porque atenta contra o nemo teneturse detegere e, consequentemen-
te, não poderá ser admitida como prova84. Inadmissíveis também, pela
violação ao nemo teneturse detegere, são os elementos probatórios colhi-
dos em entrevistas do acusado à imprensa.
Entretanto, se apesar de não advertido quanto ao direito ao silên-
cio, o acusado silenciar ou exercer a autodefesa, sem se autoincriminar,não haverá nulidade do interrogatório, porque não há prejuízo para a
defesa, nem há prova ilícita, já que inexistiu confissão85.
83 ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra:
Coimbra Ed., 1992, p. 87.
84 No direito português, DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra:Coimbra Ed., 1974, p. 447, assinala que a violação ao dever de advertência conduz à
proibição de prova, impedindo que sejam valoradas no processo as declarações presta-
das, exceto se forem elas ratificadas em interrogatório posterior no qual tenha sido
observada a advertência. O Supremo Tribunal Federal, por sua I a T., decidiu no HC
80.849-RJ, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 30-10-2001, que a gravação de conversa in-
formal do indiciado com policiais viola o princípio nemo teneturse detegere, por inexistir
advertência quanto ao direito ao silêncio, constituindo modalidade de interrogatório
sub-reptício. Assim sendo, referida gravação constitui prova ilícita.
85 Na doutrina italiana, ALAIMO, Giuseppe. Sulla omissione delTawertimento
alfimputato circa la facoltà di non rispondere. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Pe-
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A advertência deficiente, isto é, que não é formulada em termos
adequados de modo a alcançar a sua finalidade, que é a de informar o
acusado quanto ao direito de silenciar, sem prejuízo para si, também
pode conduzir à ilicitude da confissão colhida86.
Assim, se a advertência for incompleta, alertando-se o suspeito
ou acusado de que tem o direito a silenciar e não se ressalvar que doexercício desse direito não podem ser extraídas conseqüências prejudi-
ciais, e o acusado confessar, por temor das conseqüências de seu com-
portamento, a confissão será ilícita.
Do mesmo modo, se o acusado, apesar de informado sobre o di-
reito ao silêncio e suas conseqüências, for exortado pela autoridade a
responder às perguntas formuladas e, diante disso, confessar.
Conduz também à ilicitude da confissão colhida o emprego de
técnicas e métodos de interrogatório vedados, que violem o nemo tene-
turse detegere.
Assim, a formulação de perguntas tendenciosas, capciosas, suges-
tivas, pela autoridade interrogante, conduzirá igualmente à ilicitude da
confissão obtida.
Outra não é a conseqüência do emprego de tortura, narcoanálise,
detector dé mentiras na realização do interrogatório. A confissão deles
decorrente é ilícita e, via de conseqüência, não pode ser admitida como
prova. Na doutrina italiana, Alaimo observa que, se o acusado for com-pelido a declarar por meios violentos ou capazes de anular ou modifi-
car sua psique ou vontade, a prova colhida é inexistente87.
Em suma, nas hipóteses retromencionadas, a confissão obtida
mediante violação do nemo teneturse detegere constitui prova ilícita, sen-
do inadmissível.
nale, Milano, p. 676-681, 1979, esp. p. 676, cita julgado da Corte de Cassação no qual se
decidiu que a omissão da advertência quanto ao direito ao silêncio configura nulidade
relativa e não absoluta, como sustenta a maior parte da doutrina.86 GREVI, Vittorio. Nemo tenetur se detegere. Milano: Giuffrè, 1972, p. 344, observa que
há nulidade do interrogatório quando a advertência for deficiente, influenciando a li-
berdade de autodeterminação do acusado.87 ALAIMO, Giuseppe, Sulla omissionedelVawertimento alVimputato circa la facoltà di non
risponáere, cit., p. 678.
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m
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A rigor, referida prova deverá ser desentranhada .
Contudo, é possível que, com suporte na confissão colhida em
tais condições, já se tenha desencadeado o processo penal. Se a denún-
cia foi baseada na confissão, será nula. E outra deverá ser oferecida,
após o desentranhamento da prova ilícita, com suporte em outros ele-mentos, se houver. Caso contrário, o inquérito deverá ser arquivado.
Se a confissão colhida ilicitamente for produzida ou trazida aos
autos no curso da instrução processual, deverá ser desentranhada, para
que não exerça influência sobre o convencimento do julgador.
Se a confissão ilícita permanecer nos autos do processo, não po-
derá ser valorada, na sentença ou em qualquer outro provimento pro-
ferido pelo julgador, com destaque para os provimentos que decretam
prisão cautelar, sob pena de nulidade89
.Entretanto^ se a confissão vier a ser valorada, seja como prova,
seja como indício de culpabilidade, a rigor, deve ser decretada a nulida-
de da sentença, pela instância superior, para que outra seja proferida
após o desentranhamento da prova. Mas admite-se que o Tribunal des-
considere a confissão obtida ilicitamente e julgue, o que não parece
adequado tendo em vista a possibilidade de influência da prova ilícita
sobre o convencimento dos julgadores90, a menos que, excluída a prova
ilícita, o Tribunal decida pela absolvição91
.
88 A respeito do desentranhamento, FERNANDES, Antonio Scarance, Processo penal
constitucional, cit., p. 84, observa que, no ordenamento nacional, não há, no Código de
Processo Penal, regra específica sobre o desentranhamento da prova ilícita. Aplica-se,
assim, por interpretação extensiva, segundo o autor, o art. 145, IV, do referido diplo-
ma, que determina o desentranhamento de documento falso.
89
Segundo SCELLA, Andrea, Uinutilizzabilità delia prova nel sistema dei processo penale,cit., p. 219, a sentença deverá ser anulada sempre que houver influência da prova ilícita
na motivação.90 GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 194, salienta que, não basta que o
juiz não faça referência às declarações prestadas pelo acusado, com violação ao nemo
tenetur, e não utilize as provas sucessivamente adquiridas dessas declarações, como
fundamento de decidir. Será necessário que o juiz não as tenha efetivamente utilizado,
em seu convencimento. Deverá fundar o convencimento em outras provas.91 Ressalte-se que, conforme observam GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES,
Antonio Scarance e GOMES FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo pe-
nal, cit., p. 125, nesse caso, não há vulneração do princípio do duplo grau de jurisdição,
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Deve-se observar, porém, que, se a confissão ilícita foi colhida em
interrogatório, realizado pela autoridade judicial, havendo prejuízo ao
direito de defesa92, deverá ser decretada a nulidade do interrogatório
realizado93, para sua renovação, bem como dos atos processuais subse-
quentes, se a defesa foi prejudicada como um todo94
.Se houver trânsito em julgado, é possível a propositura da revisão
criminal, em caso de confissão obtida ilicitamente, podendo o Tribu-
nal, ao excluí-la, absolver o acusado. Poderá ainda ser impetrado habe-
as corpus para anular a sentença, devendo outra ser proferida, após o
desentranhamento da prova ilícita.
Em se tratando de processo de competência do Tribunal do Júri,
diversas situações poderão ocorrer. Se a confissão, obtida ilicitamente,
deu suporte à decisão de pronúncia, será ela passível de reforma peloTribunal em sede recursal, devendo a prova ilícita ser desentranhada.
"se a questão foi controvertida em primeiro grau, por devolver o recurso o conheci-
mento integral da causa ao tribunal, nos limites da matéria impugnada”.
92 É o caso de emprego, no interrogatório, de perguntas sugestivas, capciosas, tenden-
ciosas, que acabam por prejudicar a autodefesa que seria exercida pelo acusado naque-
la oportunidade.93 GREVI, Vittorio, Nemo teneturse detegere, cit., p. 340-341, observa que a nulidade do
interrogatório, em caso de falta de advertência quanto ao direito ao silêncio, é absolu-
ta, insanável e deve ser reconhecida de ofício em qualquer instância. Acrescenta o refe-
rido autor que a nulidade do interrogatório comunica-se aos atos sucessivos, ligados
por nexo de dependência com o interrogatório nulo, desde provimentos restritivos de
liberdade até a sentença. Se a motivação de tais decisões se referir ao interrogatório
nulo, será nula também por falta de motivação (p. 348-351).
94 A esse respeito, GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance e GO-
MES FILHO, Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 74-75. Ressal-
tam também os mesmos autores que, se o interrogatório “for essencial para a validade de outro ato processual (como ocorre, por exemplo, com a prisão em flagrante: art.
304 CPP), não há dúvidas de que a nulidade se comunicará em qualquer caso ao ato
processual embasado no interrogatório viciado" (p. 75). No mesmo diapasão, conside-
rando nulo o auto de prisão em flagrante, por falta de advertência do acusado quanto
ao direito ao silêncio, TUCCI, Rogério Lauria. Direitos egarantias individuais no processo
penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 398-399. Também: COLTRO, Antônio Car-
los Mathias. O silêncio, a presunção de inocência e sua valoração. Justiça Penal, São
Paulo, v. 6, p. 291-305, 1999, esp. p. 302, assevera que a falta de advertência quanto ao
direito ao silêncio pode provocar a nulidade de todo o processo se da omissão decor-
reu restrição à própria defesa do acusado.
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Possível será ainda a impetração de habeas corpus, para a decretação de
nulidade da pronúncia, devendo outra ser proferida.
Não obstante, se ocorrer o julgamento pelo Tribunal do Júri, ha-
vendo confissão obtida ilicitamente e esta for objeto de referência nos
debates, o Conselho de Sentença deverá ser dissolvido. Se não for, overedicto proferido será nulo.
Necessário ainda ressaltar que, excetuadas as hipóteses de “decla-
rações informais” prestadas à polícia e de entrevistas concedidas à im-
prensa pelo acusado, a demonstração, por parte do acusado, de que
houve violação ao nemo tenetur se detegere no interrogatório, nem sem-
pre é fácil.
É certo que na legislação em vigor, de acordo com o que prescre-
ve o art. 186, caput, do Código de Processo Penal, o acusado deverá serinformado pelo juiz, antes de iniciado o interrogatório, do direito de
permanecer calaHo e não responder as perguntas que lhe forem formu-
ladas. Evidentemente, tal disposição se aplica, de forma integral, ao
interrogatório realizado na fase de investigação. Melhor que o legisla-
dor tivesse exigido também que o interrogando fosse advertido de que
o silêncio não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa, nem sig-
nifica confissão, a teor do que dispõe o parágrafo único do art. 186. De
qualquer modo, o controle sobre a realização efetiva da advertênciaquanto ao direito ao silêncio apresenta-se mais difícil na fase inquisito-
rial, já que não se tem exigido a presença de advogado no interrogató-
rio, na investigação. Assim sendo, em se tratando de interrogatório
realizado pelos órgãos policiais, para garantir efetivamente a observân-
cia do nemo tenetur se detegere, como condição de validade da confissão
obtida, acertado o posicionamento sustentado por Carrio95 de que ca-
beria à autoridade interrogante demonstrar essa observância, compro-
vando que eventual confissão do acusado foi prestada como expressão
de sua liberdade de autodeterminação, depois de ciente de seus direi-
tos diante do nemo tenetur se detegere.
Para implementar o referido controle sobre a observância dos di-
reitos do acusado, o direito português apresenta a solução de a autori-
CARRIO, Alejandro D., Garantias constitucionales en el proceso penal, cit., p. 312-313.
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dade fornecer, obrigatoriamente, ao arguido, por escrito, o rol de direi-
tos e deveres que ele tem, inclusive o de silenciar, sem o que as decla-
rações obtidas não poderão ser utilizadas, o que nos parece a mais
adequada disciplina a esse respeito.
Além disso, seria de suma importância para assegurar a obser-vância dos direitos do acusado, como antes se realçou, desde a fase
do inquérito, a obrigatoriedade da presença de advogado no interro-
gatório.
2.2. Quanto à consignação das perguntas não respondidaspelo acusado e das razões pelas quais este exerceu odireito ao silêncio com referência a determinada per-
gunta
Com as alterações promovidas pela Lei n. 10.792/2003, na disci-
plina do interrogatório, suprimiu-se a previsão da consignação das per-
guntas não respondidas pelo acusado e das razões invocadas para tan-
to, que constava do art. 191 do Código de Processo Penal. Não obstan-
te, na prática, mesmo à míngua de previsão normativa, autoridades
têm consignado as perguntas não respondidas pelo investigado/acusa-
do. Assim, apesar de revogado o art. 191 do diploma processual penal,ainda se faz necessário abordar essa questão. Embora não decorra da
consignação das perguntas não respondidas a confissão do acusado,
visto que se manteve em silêncio, ao menos em relação a algumas in-
dagações, não se pode desconsiderar que tal expediente fere o nemo
tenetur se detegere, esvaziando praticamente o direito ao silêncio.
Além disso, referida consignação, registrada por escrito, acaba
por fornecer elementos probatórios contra o acusado, em razão do
exercício do direito ao silêncio, que, de uma ou outra forma, poderiamrepercutir sobre o convencimento do julgador e constituir objeto de
exploração pela acusação.
Sendo assim, os registros das perguntas não respondidas e de
eventuais razões apresentadas pelo acusado não podem ser objeto de
valoração e, para que não exerçam qualquer influência sobre o con-
vencimento do julgador, deverão ser suprimidos, riscando-se dos autos
tais elementos. Não haverá necessidade de renovação do interrogató-
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rio, já que foi exercido o direito ao silêncio pelo acusado, não decorren-
do daí prejuízo para a defesa.
2.3.
Quanto à valoração do exercício do direito ao silênciopelo acusado
Já se salientou também que qualquer valoração ao exercício do
direito ao silêncio pelo acusado infringe o nemo teneturse detegere. É que
ninguém pode exercer regularmente um direito e ser prejudicado em
razão desse exercício.
Como anteriormente observado, o único "prejuízo” que poderá
advir ao acusado pelo exercício do direito ao silêncio é deixar de indi-
car elementos probatórios em favor de sua defesa. Mesmo assim so-mente em termos, é que se pode falar em prejuízo, porque o silêncio
pode representar uma estratégia defensiva.
Desse modo, o exercício do direito ao silêncio não poderá ser
valorado na sentença ou em outros provimentos, v. g., em decretações
de prisão cautelar.
Se ocorrer referida valoração, a decisão será passível de reforma
por vício de motivação. Se o silêncio do acusado for utilizado como ar-
gumento da acusação, no plenário do Tribunal do Júri, o julgamentoproferido será nulo, mesmo porque na legislação em vigor o art. 478, II,
veda a referência, durante os debates, ao silêncio do acusado ou à ausên-
cia de interrogatório por falta de requerimento, sob pena de nulidade.
2.4. Quanto às provas colhidas a partir do interrogatóriodo acusado, no qual foi violado o princípio “nemo te-netur se detegere”
De acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada, são
inadmissíveis também as provas colhidas a partir do interrogatório do
acusado no qual houve violação ao nemo tenetur se detegere 96 .
96 Contudo, no direito norte-americano, não se aceita a aplicação da fruits doctrine
quando houver violação à Quinta Emenda. Assim decidiu a Suprema Corte em Oregonv. Elstad, em 1985. Consoante referida decisão, a raiz da fruits doctrine está na Quarta
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Assim sendo, são inadmissíveis os testemunhos de policiais que
tomaram "declarações informais” do suspeito, sem advertência ao
direito ao silêncio. Tais testemunhos são eivados de ilicitude, por-
que decorrem diretamente da violação ao nemo tenetur se detegere an-
teriormente perpetrada. Do mesmo modo, não se admite comoprova o testemunho do repórter, que entrevistou o acusado, após os
fatos.
As exceções à regra de exclusão da prova derivada da prova ilí-
cita devem ser consideradas com cautela. É que, não raro, podem
estimular a prática de ilicitudes, especialmente pelos órgãos da polí-
cia. Desse modo, a exceção referente à segurança pública, embora
guarde relação com o princípio da proporcionalidade, parece justifi-
car qualquer violação aos direitos do acusado, inclusive ao nemo te-
netur se detegere, o que coloca em risco as garantias constitucionais, a
dignidade da pessoa e a ética na realização do processo. Em acrésci-
mo, a disciplina adotada no Código de Processo Penal em vigor
quanto às provas ilícitas por derivação merece severas críticas. É
que, pretendendo adotar duas exceções à teoria dos frutos da árvore
envenenada, o legislador não primou pela boa técnica e, o mais gra-
ve, por sua-constitucionalidade. Primeiramente, contemplou dicção
desnecessária na primeira parte do art. 157, § Ia, ao aludir à admis-sibilidade das provas ditas derivadas quando inexistente nexo de
causalidade entre elas e aquelas ilícitas. Depois, no art. 157, § 2-,
confundiu a exceção da fonte independente com aquela da desco-
berta inevitável e ainda adotou redação que permite admitir a prova
derivada da ilícita quando houver mera possibilidade de obtê-la de
forma lícita, o que torna o § 2a do art. 157 norma inconstitucional,
conforme prelecionam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance
Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho97
, conclusão com aqual concordamos.
Emenda, que se refere a buscas injustificadas. Desse modo, se houve uma primeira
confissão em que não foram respeitadas as regras de Miranda, havendo uma segunda
confissão, deverá ela ser aferida segundo a voluntariedade e não sob o prisma da fruits
doctrine.
97 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance e GOMES FILHO,
Antonio Magalhães, As nulidades no processo penal, cit., p. 135.
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3. Conseqüências da violação do “nemo tenetur se de-tegere” quanto às provas que dependem da coope-ração do acusado para sua produção
Aplicam-se às violações do nemo tenetur se detegere nas provas quedependem da cooperação do acusado as considerações antes tecidas
em relação à ilicitude da prova e suas conseqüências.
As provas colhidas com infringência ao princípio em foco são
ilícitas.
São exemplos de provas ilícitas por violação ao nemo tenetur se
detegere a reconstituição do fato, que for produzida mediante coação
exercida contra o acusado para que dela participe; o reconhecimento
no qual se obrigue o acusado a ostentar determinada feição; o examegrafotécnico realizado com colheita de material gráfico do acusado
sob pena de desobediência; o exame de DNA realizado mediante exe-
cução coercitiva de coleta de sangue do acusado.
Havendo lei restritiva do nemo tenetur se detegere, mister examinar
se ela atende ao princípio da proporcionalidade. Se não atender, será
eivada de inconstitucionalidade e, consequentemente, a prova colhida
com suporte nela será ilícita.
Se a lei restritiva for compatível com a Constituição, a proporcio-nalidade da restrição deverá ser examinada em concreto. Se a restrição
for determinada, mesmo não havendo proporcionalidade, haverá vio-
lação ao nemo tenetur se detegere e a prova colhida será ilícita98.
Se for determinada a produção de prova que implique infringência
ao nemo tenetur se detegere, possível será a impetração de habeas corpus.
Como já se assinalou, as provas ilícitas não existem no plano jurí-
dico. Não são meramente nulas. São não provas. Sendo inexistentes,
são desprovidas de qualquer eficácia.
98 A respeito, como sustenta ALLENA, Gianni, Riflessioni sul concetto di incostituzionali-
tà delia prova nel processo penale, cit., p. 517-520, a violação aos direitos fundamentais
pode ser fenômeno legislativo ou comportamental. No primeiro caso, há lei que viola
o direito fundamental e, por isso, é inconstitucional. Se a lesão for comportamental, a
violação consiste em comportamento dos poderes públicos que atinge direito funda-
mental. Há ilicitude da prova colhida nessas circunstâncias.
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Porém, para que o convencimento do julgador não seja afetado
pelo conhecimento do conteúdo da prova ilícita, deverá esta ser desen-
tranhada dos autos.
Se, mesmo indevidamente, a denúncia for lastreada na prova ilíci-
ta, será nula. Outra poderá ser oferecida com suporte em outros ele-mentos probatórios. Entretanto, se tais elementos inexistirem, a solu-
ção é o arquivamento do inquérito.
Se a prova produzida mediante violação do nemo tenetur se detege-
re ingressar nos autos durante a instrução processual, deverá ser desen-
tranhada.
Se a prova ilícita permanecer nos autos, deverá ser descon-
siderada, não podendo ser explorada pela acusação ou mesmo valora-
da pelo juiz na sentença" ou em provimentos de natureza cautelar,como a decretação de prisão preventiva.
Contudo, se a prova colhida com infringência ao nemo tenetur se
detegere for valorada na sentença, o Tribunal deverá decretar a sua nu-
lidade, determinando o desentranhamento da prova ilícita e outra sen-
tença deverá ser proferida.
Possível o prosseguimento do julgamento pelo Tribunal, sem de-
cretação de nulidade da sentença, somente se a análise dos elementos
probatórios remanescentes, desde logo, conduzir à absolvição.Ressalte-se que as provas derivadas da prova ilícita, por estarem
igualmente eivadas de ilicitude, deverão ser desentranhadas também,
recebendo o mesmo tratamento dispensado às provas originariamente
ilícitas. Em relação às exceções à teoria dos frutos da árvore envenena-
da, agasalhadas no ordenamento nacional (art. 157, §§ l2 e 2-, do Có-
digo de Processo Penal), sustentamos sua inaplicabilidade, consideran-
do que o art. 157, § Ia, contém disposição despicienda, já que, se não
houver nexo de causalidade entre as provas ilícitas e as lícitas obtidassubsequentemente, não há que se falar em prova ilícita por derivação.
Quanto ao art. 157, § 22, dada a dicção adotada pelo legislador, que
99 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el
proceso penal. Madrid: Colex, 1990, p. 333, ressalta que a prova obtida mediante inge-
rências corporais desproporcionais não poderá ser valorada, sendo inadmissível.
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admite a prova ilícita por derivação diante da mera possibilidade de sua
produção de forma lícita, entendemos pela sua inconstitucionalidade.
Nos processos de competência do Tribunal do Júri, se a pronún-
cia se tiver baseado em prova ilícita, possível será a sua reforma me-
diante recurso, com desentranhamento da prova ilícita. Será possível,igualmente, a impetração de habeas corpus com a finalidade de anular a
decisão de pronúncia.
Entretanto, se a prova ilícita for explorada pela acusação, na ses-
são de julgamento, o Conselho de Sentença deverá ser dissolvido. Se
tal providência não for tomada, de qualquer modo, tendo os jurados
conhecimento acerca da prova ilícita, o julgamento será nulo.
Em caso de trânsito em julgado de sentença condenatória que se
fundamentou em prova colhida ilicitamente, com violação ao nemotenetur se detegere, cabível será a revisão criminal, podendo o Tribunal
absolver o condenado, se não houver outros elementos probatórios
que amparem a manutenção do decreto condenatório. Possível ainda a
impetração de habeas corpus para decretar a nulidade da sentença, fun-
dada na prova ilícita, para que outra seja proferida.
A exceção que se abre, quanto à ilicitude da prova produzida com
violação ao nemo tenetur se detegere, é fornecida pela teoria da propor-
cionalidade, quando a prova ilícita for pro reo. Assim, se, apesar da infringência ao nemo teneturse detegere, a pro-
va colhida favorecer a defesa, poderá ela ser valorada e permanecer
entranhada nos autos. É que, nesse caso, a ponderação entre os bens
envolvidos recomenda que a prova seja acolhida.
Contudo, não deve ser admitida a aplicação do princípio da pro-
porcionalidade, sem que haja lei que regule as restrições ao nemo tene-
tur se detegere, quando a prova favorecer a acusação. É que, nesse caso,
para melhor tutela do direito fundamental em foco, as restrições aonemo tenetur se detegere somente poderão operar-se por lei, geral e abs-
trata por definição, que atenda ao princípio da proporcionalidade,
como anteriormente se sustentou. As restrições ao direito fundamen-
tal não podem operar-se de modo casuístico, sem apoio em lei.
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CAPÍTULO V I I I
O princípio nemo tenetur se
detegere e o direito penal:há decorrências do referido
princípio no plano dodireito substancial?
1. Considerações gerais: o debate da questão no direi-
to italiajio
Resta analisar se do princípio nemo tenetur se detegere há alguma
decorrência no plano do direito substancial.
A questão, discutida na doutrina e na jurisprudência, pode ser
sintetizada em duas indagações: 1) O nemo tenetur se detegere tem al-
guma repercussão no âmbito do direito penal quando, para não inci-
dir em conduta tipificada como infração penal, o indivíduo tenha
que se autoincriminar? 2) Cabe reconhecer a incidência do nemo tene-
tur se detegere quando um segundo delito é praticado para encobriroutro?
O debate em torno da questão deu-se, com maior ênfase, no di-
reito italiano, motivado por duas decisões proferidas pela Corte de
Cassação nos anos de 1987 e 1989.
Na primeira, a Corte decidiu que o delito de comunicação social
falsa não era punível quando o falso ou o ocultamento fossem cometi-
dos para não revelar a fonte criminosa de certos proventos, sob o fun-
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damento de que ninguém é obrigado a fornecer prova contra si mes-
mo sobre delitos cometidos1.
A segunda decisão, prolatada em março de 1989, teve o mesmo
fundamento.
Ambas as decisões em foco forneceram ao nemo teneturse detege- re uma roupagem de direito material, transbordando suas decorrên-
cias do plano processual penal para o plano substancial. Nelas o nemo
tenetur se detegere foi erigido à causa de não punibilidade genérica,
incidindo sempre que um delito tivesse sido cometido para encobrir
outro.
Reconheceu-se, nas duas decisões assinaladas, um verdadeiro di-
reito a não fornecer provas da própria responsabilidade penal.
Referida orientação, que representa posicionamento minoritáriono direito italiano, contraria entendimento anteriormente firmado
pela Corte Constitucional, em decisão de 1984.
A decisão da Corte Constitucional, consubstanciada na senten-
ça n. 236, de 1984, versou sobre questão de constitucionalidade de
uma lei, já derrogada, de 1976, que havia estabelecido a obrigação de
declarar, sob sanção penal, a disponibilidade de numerário no exte-
rior, antes da entrada em vigor do mencionado diploma, com exone-
ração de sanções administrativas e fiscais, mas não de eventuais san-ções penais2.
A Corte Constitucional analisou a questão da constitucionali-
dade da citada lei, sob o prisma do direito de defesa como direito a
1 Conforme PULITANO, Domenico. "Nemo tenetur se detegere": quali profili di dirit-
to sostanziale? Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 1271-1301, out./dez. 1999, esp. p. 1274. Consignou-se na referida decisão: "Il reato di false comunica-
zioni sociali non è configurabile quando nelle scritture contabili non siano riportati i
proventi e le attività commerciali ricavati da azioni delittuose. Le false attestazione
infatti pur rientrando formalmente nella previsione normativa non sono punibili per-
chè nessuno può essere obbligato a fornire — attraverso la scritturazione nei libri so-
ciali — prove a suo carico di reati commessi” (conforme PERINI, Andrea. Ai margini
deU'esigibilità: "nemo tenetur se detegere” e false comunicazioni sociali. Rivista Italia-
na di Diritto e Procedura Penale, Milano, p. 538-586, abr. /jun. 1999, esp. p. 540).
2 Cf. PULITANO, Domenico, “Nemo tenetur se detegere": quali profili di diritto
sostanziale?, cit., p. 1273.
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não se autoincriminar e seus reflexos sobre a punibilidade de delitos.
Ou seja, discutiu-se se o direito de defesa e, com ele, o nemo teneturse
detegere apresentavam aspectos de direito material.
Na decisão prolatada, considerou-se que o direito de defesa so-
mente tinha incidência na fase processual, ou ainda nos procedimentosque autorizavam formação de prova. A Corte Constitucional não reco-
nheceu a existência de uma descriminante não codificada, que fora in-
vocada pelo juiz a quo. Observou-se, na mesma decisão, que o direito
de defesa não era um direito à impunidade e que não impedia que uma
declaração penalmente imposta fosse utilizada, em seguida, no plano
probatório para apurar certo delito3. De acordo com esse entendimen-
to, o direito de défesa não gera uma extensão generalizada do nemo
tenetur se detegere 4 .
A orientação da Corte Constitucional espelha o posicionamento
predominante no direito italiano5. Segundo referido entendimento,
não há decorrências do nemo teneturse detegere no plano do direito subs-
tancial. Assim, o mencionado princípio não pode ser tratado como
causa de não punibilidade, nem excludente da ilicitude, para impedir a
persecução penal em relação a certos delitos, mesmo que eles venham
a ser praticados para encobrir outros.
A Corte Européia de Direitos Humanos também firmou posição
no sentido de que o direito a não se autoincriminar tem sua esfera de
atuação limitada ao processo penal6.
‟ Cf. PULITANO, Domenico, "Nemo tenetur se detegere": quali profili di diritto
sostanziale?, cit., p. 1273-1274.4 Na mesma esteira, em decisão proferida pela Corte de Cassação, em 22-1-1992, sez.
V salientou-se que o direito de defesa não pode se resolver em ofensas a bens tutelados
penalmente. Assim, a ampliação do nemo teneturse detegere não pode se refletir sobre o
sistema punitivo (conforme MANZILLO, Fabio Foglia . “Nemo tenetur se detegere”:
un limite all'applicazione dei reato di falso in bilancio? Rivista deli‟Economia, Milano, n.
1-2, p. 237-262, jan./jun. 1999, esp. p. 238).
5 Nesse sentido: Corte de Cassação, sez. V, 5-12-1995; Corte de Cassação, sez. Y 21-1-
1998; Corte de Apelação de Milão, 9-12-1995.
Decisão proferida em 17-12-1996, em Saunders v. Royaume-Uni.
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2. O princípio “nemo tenetur se detegere” e o direito penal
Indaga-se, diante do posicionamento doutrinário que extrai do
nemo teneturse detegere decorrências de natureza penal: sob qual funda-mento o referido princípio produz conseqüências no campo do direito
substancial?
Diversos fundamentos são discutidos pela doutrina. Um deles é
direito de defesa, entendido sob a ótica substancial. Questiona-se tam-
bém se o nemo teneturse detegere seria uma causa excludente da ilicitude
ou uma causa excludente da culpabilidade. Debate-se, ainda, se o cita-
do princípio não seria uma causa de não punibilidade não expressa.
2.1. Direito de defesa
Considera-se que o direito de defesa seria revestido também de
uma esfera de natureza substancial, atuando como limite à possibilida-
de de configuração de certos delitos. Desse modo, o direito de defesa
seria composto por um componente negativo, representado pelo direi-
to de não fornecer provas da própria culpabilidade7.
Sob esse prisma, a ampla defesa assume diferentes formas, como
a ausência de autoincriminação, o limite exegético para configuração
de certos tipos de delitos ou mesmo eventual descriminante8.
Segundo esse entendimento, o direito de defesa abrangeria o
nemo teneturse detegere e teria incidência mesmo in existindo persecução
penal. Ou seja, não estaria adstrito ao processo penal ou mesmo à in-
vestigação criminal. Nesse sentido, afirma-se que o direito de defesa
pode ser exercido independentemente de o processo já ter-se iniciado
ou que seja ele futuro ou eventual9.
7 Cf. PULITANO, Domenico, “Nemo tenetur se detegere": quali profili di diritto
sostanziale?, cit., p. 1272.
8 Cf. PULITANO, Domenico, “Nemo tenetur se detegere”: quali profili di diritto
sostanziale?, cit., p. 1272.9 MANZILLO, Fabio Foglia, "Nemo tenetur se detegere”: un limite all‟applicazione dei
reato di falso in bilancio?, cit., p. 243. O referido autor salienta a respeito que silenciar
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Como já se salientou, a doutrina italiana majoritária, apoiada
pela decisão proferida pela Corte Constitucional, anteriormente cita-
da, rejeita o citado posicionamento, não reconhecendo a possibilidade
de o direito' de defesa e o nemo tenetur se detegere incidirem sem nexo
com a persecução penal, seja na fase investigatória, seja na processual. Salienta-se, segundo referido entendimento, que o direito de de-
fesa não conduz à extensão generalizada do nemo tenetur se detegere e
que o direito ao silêncio não corresponde a um direito à mentira10.
Em sentido diverso, na doutrina italiana, Sergio Badellino11, em
estudo dedicado aos limites do direito de mentir no âmbito do direi-
to de defesa, sustenta que, se o conteúdo da declaração que se exige
do acusado for incriminadora, é lícito a este mentir no exercício do
direito de defesa, sem que tal comportamento possa ser consideradoconfigurador de outro ilícito penal. Assim, v. g., se o indivíduo, abor-
dado por policial e, indagado se possui habilitação, responder afirma-
tivamente e alegar que a esqueceu em casa, quando na verdade não a
possui, não incidirá em ilícito algum12. Contudo, referido autor não
insere a hipótese retromencionada na esfera do nemo tenetur se detege-
re, mas do direito de defesa. Entende que o direito de defesa não é
apenas processual, mas tutela o atual e potencial acusado em todas as
suas relações com a autoridade, independentemente do processo ter-
é uma estratégia defensiva para não se tornar fonte de prova e nada impede que o di-
reito de calar seja exercido antes de instaurado o processo.
10 Cf. PERINI, Andrea, Ai margini delVesigibilità: “nemo tenetur se detegere” e false comuni-
cazioni sociali, cit., p. 542.
" BADELLINO, Sergio. Sul fondamento ed i limiti dei c. d. diritto al mendacio come
facoltà contenuto dei diritto di difesa. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Mila-no, p. 278-288, 1968.12 A Corte de Cassação italiana, em decisão proferida em 5-12-1996, entendeu, nessa
situação, que o acusado havia praticado delito ao mentir, tendo em vista que os dados
referentes à habilitação são dados de qualificação, sobre os quais há dever de dizer a
verdade, mesmo fora do âmbito do interrogatório. Sergio Badellino, no artigo Sul
fondamento ed i limiti dei c.d. diritto al mendacio come facoltà contenuto dei diritto
di difesa, cit., p. 287, discorda do referido entendimento, salientando que a abordagem
efetuada pelo policial é diversa do interrogatório, no qual a qualificação tem finalidade
processual. No caso, segundo o autor, a mentira do averiguado incide sobre o próprio
mérito da acusação (dirigir sem habilitação).
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-se iniciado. Decorre do direito de defesa, então, a inexistência do
dever de se autoincriminar, o direito de mentir e o de não colaborar.
Nessa ótica, o direito de defesa entrelaça-se com a inexigibilidade da
conduta conforme o dever.
Na doutrina italiana, também Pulitano
13
reconhece o que deno-mina ser uma "projeção extraprocessual” do direito à defesa. Confor-
me o mencionado autor, não se pode impor o dever de autodenúncia,
cujo conteúdo configure infração penal.
2.2. Causa excludente da culpabilidade
Entre os que admitem decorrências de natureza penal do princí-
pio nemo tenetur se detegere, é freqüente a consideração de que o citado
princípio atua como causa excludente da culpabilidade no plano dainexigibilidade da conduta conforme o dever.
Defendendo tal posicionamento, na doutrina italiana, Fabio Man-
zillo14 ressalta que, no Estado democrático, não se pode pretender que
haja sacrifício de direitos fundamentais da pessoa, exigindo-se dela que
assuma um comportamento lesivo a bem personalíssimo. Aduz o refe-
rido autor que, sempre que o indivíduo, para cumprir o dever que lhe
é imposto, tiver de sacrificar sua integridade física ou liberdade, pode-
-se afirmar que ele não foi livre para determinar sua conduta. Assim,incide o princípio da inexigibilidade quando o comportamento que se
impõe ao indivíduo acaba por expô-lo a conseqüências excessivamente
gravosas.
Segundo o mencionado autor15, o nemo tenetur se detegere encon-
tra fundamento no princípio da inexigibilidade porque o ordenamento
não pode impor ao indivíduo o sacrifício extremo de autoacusar-se
para observar um dever jurídico.
13 PULITANO, Domenico, “Nemo tenetur se detegere": quali profili di diritto sostan -
ziale?, cit., p. 1274.
14 MANZ1LLO, Fabio Foglia, "Nemo tenetur se detegere”: un limite alFapplicazione
dei reato di falso in bilancio?, cit., p. 254.15 MANZILLO, Fabio Foglia, "Nemo tenetur se detegere”: un limite all'applicazione
dei reato di falso in bilancio?, cit., p. 257.
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Pondera-se, em sentido contrário, que não se reconhece a inexi-
gibilidade da conduta conforme o dever como causa geral de escusa.
No ordenamento italiano, a associação do nemo teneturse detegere
à inexigibilidade da conduta conforme o dever é apontada com relação
ao art. 384 do Código Penal16
. No mencionado dispositivo reconhece--se a excludente da culpabilidade porque os limites foram postos pelo
próprio legislador17. Observa Andrea Perini18, sobre o assunto, que não
seria possível, a partir da interpretação do art. 384 em foco, estender o
nemo teneturse detegere à condição de escusante genérica. Isto porque a
interpretação ficaria sempre restrita à letra da lei que, inequivocamen-
te, só se aplica a certos delitos (contra a administração da justiça).
Afirma Pulitano19, a respeito, que, mesmo que se considerasse o
nemo teneturse detegere causa excludente da culpabilidade, mais precisa-mente situada na inexigibilidade da conduta conforme o dever, não se
16 O art. 384 do diploma penal italiano dispõe sobre casos de não punibilidade, nos
seguintes termos: "Nei casi previsti dagli articoli 361, 362, 363, 364, 365, 366, 369,
37lbis, 372, 373, 374 e 378, non è punibile chi ha commesso il fatto per esservi stato
costretto dalla necessita di salvare sè medesimo o un prossimo congiunto da un
grave e inevicabile nocumento nella libertà o nell'onore. Nei casi previsti dagli arti-
coli 371bis, 372 e 373, la punibilità è esclusa se il fatto è commesso da chi per legge
non avrebbe dovuto essere richiesto di fornire informazioni ai fini delle indagini o
assunto come testemonio, perito, consulente técnico o interprete ovvero avrebbe
dovuto essere avvertito delia facoltà di astenersi dal rendere informazioni, testemo-
nianza, perizia, consulenza o interpretazione". Observe-se que, com relação à se-
gunda parte do aludido dispositivo, a Corte Constitucional declarou a ilegitimidade
da parte em que não prevê a exclusão da punibilidade por informações falsas ou re-
ticentes colhidas pela polícia judiciária, fornecidas por quem deveria ser advertido da
faculdade de abster-se de prestá-las, nos termos do art. 199 do Código de Processo
Penal (sentença n. 416, de 27-12-1996). Os delitos referidos no art. 384 em foco são
crimes contra a administração da Justiça. Parte da doutrina entende, com relação aoart. 384, que nele é prevista hipótese especial de estado de necessidade, mas não há
nela risco para a incolumidade física do autor do fato criminoso. O perigo há de ser
concreto e atual e o dano deve ser grave e inevitável.
17 Nesse sentido, PULITANO, Domenico. "Nemo tenetur se detegere": quali profili di
diritto sostanziale?, cit., p. 1276.18 PERINI, Andrea, Ai margini deli'esigibilità: "nemo tenetur se detegere" e false co-
municazioni sociali, cit., p. 551.19 PULITANO, Domenico, “Nemo tenetur se detegere”: quali profili di diritto sostan -
ziale?, cit., p. 1280.
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pode invocar o mencionado princípio quando a razão de ser do dever
de declarar, sob sanção penal, é a essência da norma para tutelar deter-
minado bem jurídico.
O limite posto constitucionalmente ao nemo tenetur se detegere,
consoante sustenta o referido autor, é a ética da responsabilidade, queé princípio de direitos e deveres recíprocos. Por isso, não se pode con-
siderar, segundo seu entendimento, o nemo tenetur se detegere uma ex-
cludente da culpabilidade geral, com base constitucional no princípio
da culpabilidade.
2.3. Causa excludente da ilicitude
Argumenta-se também que o nemo tenetur se detegere pode ser
considerado causa excludente da ilicitude. Na doutrina italiana, cogita-se a identificação do princípio em
foco com o estado de necessidade20.
Contudo, a identificação do nemo tenetur se detegere com a exclu-
dente da ilicitude do estado de necessidade, na doutrina italiana, é afas-
tada por se considerar que haveria contradição no próprio ordenamen-
to jurídico no balanceamento de bens. Para Andrea Perini21, o argu-
mento definitivo para afastar a caracterização do estado de necessida-
de é que neste o perigò não pode ser causado pelo agente. Além disso, observa o mesmo autor22 que não poderia haver inter-
pretação analógica para estender o âmbito de aplicação do estado de
necessidade, fazendo do nemo tenetur se detegere uma excludente ampla.
Na doutrina nacional23, tendo em vista que o nemo tenetur se dete-
gere é direito fundamental, de hierarquia constitucional, há quem sus-
20 PERINI, Andrea, Ai margini delVesigibilità: “nemo tenetur se detegere” e false comunica-
zioni sociali, cit., p. 554.
21 PERINI, Andrea, Ai margini delVesigibilità: “nemo tenetur se detegere” e false comunica-
zioni sociali, cit., p. 555. 22 PERINI, Andrea, Ai margini del Vesigibilità: “nemo tenetur se detegere” e false comunica-
zioni sociali, cit., p. 556. 23 Nesse sentido, SALOMÃO, Heloisa Estellita. O direito humano de não cooperar na
própria incriminação, a proteção ao domicílio e a fiscalização tributária. Revista Brasi-
leira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 26, p. 129-142, abr./jun. 1999.
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SALOMÃO, Heloisa Estellita, O direito humano de não cooperar na própria incrimi-ão, a proteção ao domicílio e a fiscalização tributária, cit., p. 136.
tente que quando ele é exercido apresenta-se a excludente do exercício
regular de direito.
A esse respeito, Heloísa Estellita Salomão24, em artigo dedicado à
incidência do nemo tenetur se detegere com relação aos crimes tributá-
rios, defende que, em fiscalização tributária, se o contribuinte se recu-sar a colaborar ou omitir informações para evitar a descoberta ou o
fornecimento de elementos probatórios de crime contra a ordem tri-
butária, a conduta será típica mas não antijurídica. No caso, haveria o
exercício regular do direito de não se autoincriminar, conforme preco-
niza a autora. Por isso, da recusa na colaboração não poderá advir, se-
gundo ela, a configuração do crime de desobediência, e da omissão de
informações não decorre a consumação do crime descrito no parágra-
fo único do art. I2 da Lei n. 8.137/90.
2.4. Causa de não punibilidade não expressa
Afirma-se, com relação ao ordenamento italiano, que o nemo te-
netur se detegere poderia ser causa de não punibilidade não expressa,
com suporte na interpretação analógica do art. 384 do diploma penal.
Contudo, referido posicionamento não é aceito pela maior parte
da doutrina e, igualmente, pela jurisprudência. A esse respeito, AndreaPerini25 defende que a sua adoção conduziria à prevalência do direito
natural sobre o direito escrito, que é o direito penal.
3. O posicionamento doutrinário e jurisprudencialmajoritário: o “nemo tenetur se detegere” não apre-senta decorrências no âmbito do direito penal
Como se observou anteriormente, no ordenamento italiano, a
orientação predominante na jurisprudência, especialmente com su-
porte na decisão proferida pela Corte Constitucional, em 1984, é de
25 PERINI, Andrea, Ai margini delVesigibilità: “nemo tenetur se detegere” e false comunica-
ioni sociali, cit., p. 564.
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MANZILLO, Fabio Foglia, “Nemo tenetur se detegere”: un limite alTapplicazione reato di falso in bilancio?, cit., p. 259-262.
que o princípio nemo tenetur se detegere não apresenta decorrências no
plano do direito penal. Sua esfera de incidência, segundo essa orienta-
ção, restringe-se ao processo penal.
São citados apenas dois julgados da Corte de Cassação, como já
se mencionou, nos quais se adotou o princípio nemo tenetur se detegere
como causa de não punibilidade genérica, decidindo-se que o delito de
falsa comunicação social não era punível porque ninguém é obrigado
a produzir prova contra si mesmo a respeito de outra infração penal.
Assim, não se poderia exigir, no caso, que fossem consignados nos li-
vros mercantis determinados lançamentos que constituiriam prova do
crime antes praticado.
Mencionado posicionamento é apoiado por pequena parcela da
doutrina italiana, sendo de se destacar o entendimento de Fabio
Manzillo26. Citado autor defende que o nemo tenetur se detegere tem
incidência mesmo quando o crime de falsa informação no balanço
tiver sido praticado para encobrir delito anterior. Desse modo, não
seria exigível do indivíduo que se autoincriminasse para observar o
dever jurídico de veracidade do balanço. A não punibilidade do delito
apontado deriva, segundo essa ótica, do direito do administrador de
não se autoacusar. O nemo tenetur se detegere atuaria, assim, para im-
pedir a instauração do processo. Ademais, conforme sustenta o mes-
mo autor, caso fosse punido o delito praticado para encobrir outro,
não estaria presente a finalidade educativa da pena, porque o com-
portamento exigido do indivíduo era praticamente impossível de ser
observado.
A posição majoritária da doutrina acompanha a orientação domi-
nante na jurisprudência. Sustenta-se, desse modo, que o nemo teneturse
detegere não é causa de não punibilidade genérica. Só é possível reco-
nhecê-lo no âmbito do art. 384 do diploma penal, porque houve disci-
plina da matéria pelo legislador, não ficando a cargo do intérprete es-
tender a aplicação do princípio, mesmo com o emprego de analogia.
Entende-se que o art. 384 do Código Penal define hipóteses de inexigi-
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bilidade da conduta conforme o dever, que são adstritas ao disposto na
letra da lei27.
Escreve Pulitano28, sobre o assunto, que o nemo tenetur se detegere
não pode ser invocado quando a razão de ser do dever de declarar, sob
sanção penal, é a essência da norma que tutela determinado bem jurí-dico. Segundo o referido autor29, não se pode considerar o nemo tenetur
se detegere uma causa de escusa geral, porque se transformaria em um
privilégio injustificável, especialmente considerando-se que, por vezes,
são feridos interesses de terceiros. E o que ocorre nos delitos de falsa
comunicação social, como, v. g., balanços falsos, que podem lesar o
interesse de terceiros. Desse modo, se se reconhecesse que o nemo tene-
tur se detegere levaria à não punibilidade do crime de falso balanço, por-
que este nada mais seria do que encobrimento de delito anteriormentepraticado, os interesses de terceiros seriam afetados e violado o bem
jurídico tutelado pela norma.
Ainda conforme o mesmo autor30, o limite para aplicação do
nemo teneturse detegere como causa excludente da culpabilidade, no âm-
bito da inexigibilidade da conduta conforme o dever, é a ética da res-
ponsabilidade. Ou seja, a exigência de atenção e respeito com relação
aos interesses de terceiros é uma limitação que pode ser legitimamente
colocada para a escusante. Cuida-se, segundo ele, de um limite exigívele coerente com os princípios de direitos e deveres recíprocos constan-
tes da Constituição.
Também Andrea Perini31, na doutrina, nega a possibilidade de o
nemo teneturse detegere ser reconhecido como causa de não punibilidade
genérica, porque eqüivaleria a um direito à impunidade, uma verdadei-
27 Nesse sentido, PULITANO, Domenico, "Nemo tenetur se detegere”: quali profili di
diritto sostanziale?, cit., p. 1276.
28 PULITANO, Domenico, "Nemo tenetur se detegere”: quali profili di diritto sostan-
ziale?, cit., p. 1277.29 PULITANO, Domenico, “Nemo tenetur se detegere": quali profili di diritto sostan-
ziale?, cit., p. 1283.
“ PULITANO, Domenico. “Nemo tenetur se detegere”: quali profili di diritto sostan -
ziale?, cit., p. 1281.31 PERINI, Andrea, Ai margini deli‟esigibilità: "nemo tenetur se detegere” e false co-
municazioni sociali, cit., p. 567.
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que, para otimização do princípio nemo tenetur se detegere, devem ser separados, no
campo tributário, o processo fiscalizatório daquele sancionatório. Dessa forma, os
documentos entregues pelo contribuinte durante o processo fiscalizatório não po-
deriam ser utilizados no processo sancionatório. As autoridades incumbidas deste
último receberiam a notitia crimínis sem documentos. Entretanto, no direito portu-
guês, os processos fiscalizatório e sancionatório não são segregados, incumbindo
aos mesmos órgãos. E, nesse caso, a solução proposta seria a vedação de condenação
calcada exclusivamente nos elementos probatórios entregues pelo contribuinte, por
força do poder fiscalizatório do Estado (cit., p. 54-55). Outra solução sustentada pe-
los referidos autores é a de permitir ao contribuinte, durante a fiscalização, requerer
sua constituição como arguido, para, autorizadamente, invocar o nemo tenetur se de-
tegere a fim de não ser compelido a entregar documentos, em decorrência do dever
de cooperação. Também no âmbito do direito de concorrência e de mercado de ca-
pitais , nos respectivos procedimentos administrat ivos, propõem os autores citados
que o interessado possa requerer sua constituição como arguido, ante a requisição
de documentos e informações por parte dos órgãos competentes. A matéria em
questão tem sido debatida, igualmente, pelas doutrinas espanhola e argentina (cf.
PUCCIARELLO, Mariana, Derecho a no autoincriminarse y deber de colaborar en el âm-
bito tributário, cit., p. 72-83 e 111-120), havendo autores que defendem a incidência do
nemo tenetur se detegere em sede administrativo-tributária, inclusive com advertência
ao contribuinte sobre seus direitos, mas há outros que defendem a impossibilidade
de sua aplicação com referência às requisições de livros, documentos e informações
por parte da administração tributária. Realça a autora que a jurisprudência argenti-
na, assim como a espanhola, não tem reconhecido o nemo tenetur se detegere quando
as informações, exibições de livros e de documentos são requeridas pela administra-ção tributária em decorrência de suas atribuições legais (cit., p. 128-129). A contro-
vérsia existe, segundo a referida autora, nos casos em que a administração tributária
atua ante a existência de suspeita de um delito. Mas, mesmo nessa hipótese, orienta-
-se a jurisprudência argentina no sentido de que a administração tem por objeto
determinar o cumprimento de uma obrigação tributária, o que não pode ser equipa-
rado à suspeita de cometimento de um delito. Ou seja, a administração tributária
não se volta para apuração de crimes, daí não haver violação ao nemo tenetur se dete-
gere, se, no processo administrativo, é obtida, de forma legítima, determinada infor-
mação, ainda que se seja autoincriminatória (cit., p. 129). Por fim, observa a autora
que a Corte Suprema de Justiça da Nação tem firmado o entendimento de que a proibição de autoincriminação tutelada constitucionalmente só tem aplicação em
matéria penal (cit., p. 130). A jurisprudência da Corte Européia de Direitos Huma-
nos tem se posicionado no mesmo sentido, ou seja, de que há necessidade, para sua
incidência, da pendência de procedimento de natureza penal (Weh v. Áustria, 2005, 40
EHRR 37 e King v. United Kingdom, 2004 STC 911). De igual modo, em Marttinnen v.
Finland, em abril de 2009, a mencionada Corte decidiu que só se aplica o nemo tenetur
se detegere se houver risco de autoincriminação, reconhecendo sua incidência no caso
concreto porque havia investigação em andamento e as informações requisitadas
sobre os ativos do interessado poderiam ser nela utilizadas (conforme ASHWORTH,
Andrew e REDMAYNE, Mike, The criminal process, cit., p. 147).
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Contudo, mister distinguir as várias situações abordadas das
quais se infere a possibilidade de o nemo tenetur se detegere apresentar
decorrências no plano do direito penal, impedindo a configuração ou
a punibilidade de certos delitos.
Nas relações autoridade-indivíduo, sobretudo quando houver
procedimento instaurado de natureza extrapenal, investigação crimi-
nal ou processo penal, para apurar determinado fato, há risco concreto
de autoincriminação. Nessa circunstância, incide o nemo tenetur se dete-
gere sempre que se exigir colaboração do indivíduo.
Se a colaboração for de natureza comunicativa, não há como
afastar a incidência do nemo tenetur se detegere. As decorrências imedia-
tas são o direito ao silêncio e a inexistência do dever de dizer a verdade.
Assim, normas que imponham o dever de declarar ou informar deter-
minados fatos, sob ameaça de sanção penal, ou mesmo de configura-
ção do crime de desobediência, afrontam o princípio nemo tenetur se
detegere.
Em síntese, a recusa em declarar ou informar, sempre que estas
possam conduzir à autoincriminação, é legítima, com suporte no nemo
tenetur se detegere. Sob esse prisma, efetivamente, o princípio em foco
acaba repercutindo sobre a esfera do direito penal, porque da recusa
ou omissão em declarar ou informar não se pode extrair a configura-
ção de nenhum delito34.
34 É o que se verifica na hipótese prevista pelo parágrafo único do art. 1“ da Lei n.
8.137/90, que viola, frontalmente, o nemo teneturse detegere, quando incrimina o não
atendimento de exigência da autoridade fiscal. De se destacar também julgado do Tri-
bunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido em Embargos Infringentes n.233.432-3/9-01, Rei. Des. Tristão Ribeiro, por maioria de votos. Segundo consta do
acórdão "No caso, segundo a acusação, pretendia o embargante, carcereiro lotado na
cadeia de Itapira, alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante ao redigir rela-
tório à autoridade policial acerca das circunstâncias em que ocorreu a fuga de um
preso. Conforme se apurou, o embargante obrou culposamente, mas, com o propósi -
to de safar-se da responsabilidade administrativa e criminal decorrentes do evento,
afirmou no malsinado relatório que a fuga ocorrera mediante a utilização de uma
'teresa' pelo detento”. O escrito não foi considerado documento, para efeitos penais,
conforme decidiu a maioria dos Julgadores, o que redundou na absolvição do embar-
gante. No voto vencido proferido pelo Des. Celso Limongi, na apelação criminal, quedeu lugar à interposição dos referidos embargos infringentes, havia destacado o Magis-
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Igualmente, eventuais informações solicitadas por autoridade,
meramente confirmatórias daquelas que, em tese, conduziram à tipi-
ficação de certo delito, como ocorre em relação a crimes contra a or-
dem tributária, por exemplo, não constituem novo ilícito penal, massão simplesmente expressão do nemo tenetur se detegere.
Desse modo, se o contribuinte prestou informação falsa ao Fisco,
para reduzir tributo, e o Fisco lhe solicita a confirmação de tal infor-
mação, não há que falar na configuração do crime de falso com relação
a esta última, mas sim em incidência do nemo tenetur se detegere, caso
venha o contribuinte a confirmar a informação falsa anteriormente
ofertada. Também nessa hipótese tem aplicação a regra atinente à co-
laboração de natureza comunicativa.
Em suma: para que incida, na espécie, o nemo tenetur se detegere,
será necessário nexo direto entre a incriminação e a informação ou
comportamento que é solicitado pela autoridade35.
Porém, havendo prática de novo delito, dissociada e independen-
te de qualquer exigência de colaboração por parte de autoridade, para
trado sobre o Caso, como um dos fundamentos para absolver: “não se iria exigir que o carcereiro confessasse sua culpa, ou, em outras palavras, o crime e a responsabilidade
administrativa do que decorreria sua demissão pelo Executivo Estadual”. Ainda sobre
os efeitos penais do princípio nemo tenetur se detegere, a Turma Recursal Criminal do
Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul decidiu, no RCr 71003135167 (Rei. Des. Edson
Jorge Cechet, j. 4-7-2011), pela inconstitucionalidade do art. 305 do Código de Trânsito
Brasileiro, em razão de a norma penal em questão exigir do acusado determinado
comportamento que pode levar à autoincriminação (abster-se de se afastar do local do
acidente para fugir à responsabilidade civil ou penal). Nesse caso, decidiu-se que o tipo
penal em foco vulnera o nemo tenetur se detegere, realçando-se que a omissão de socorro
já é punida como causa de aumento de pena quanto ao homicídio e à lesão corporal
cometidas no trânsito. No entanto, houve voto vencido no qual se defendeu que per-
manecer o agente no local do acidente não importa em fazer prova contra si mesmo,
nem significa reconhecimento de culpa, mas, sim, em colaborar com a administração
da Justiça (extraído do Boletim daAASP, n. 2.752, de 3 a 9-10-2011, p. 6166-6168). Tam-
bém o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina declarou a inconstitu -
cionalidade do art. 305 do Código de Trânsito, ponderando que obrigar o condutor a
aguardar a chegada da autoridade competente para averiguar responsabilidade civil ou
penal seria impor a ele a obrigação de produzir prova contra si mesmo, o que é vedado
pela Constituição Federal. Nessa esteira, a 2a Câmara Criminal do mesmo Tribunal, ao
julgar a Apelação Criminal 2009.026222-9, em 30-1-2012 (Rei. Des. Salete Sommariva),
absolveu motorista que fugiu do local do acidente para não ser identificado.35 Nesse sentido, PALADIN, Livio, Giustizia costituzionale, cit., p. 314.
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encobrir infração penal anteriormente praticada, não há como nãoconsiderar punível a segunda em razão da incidência do nemo teneturse
detegere. E o que sucede, v. g., nos crimes de falso balanço, pelos quaisse busca o encobrimento de evasão de divisas, de sonegação fiscal oumesmo de contrabando anterior. Nesse caso, não há mera confirma-ção de informação prestada, por determinação de autoridade, mas aprática de infrações conexas, que foram consumadas independente-mente de o envolvido ter sido instado a colaborar, prestando informa-ções à autoridade.
Em outras palavras: não há nexo entre a incriminação e a solicita-ção feita pela autoridade, porque esta inexiste na espécie.
Nessa hipótese, não se manifesta a relação autoridade-indivíduo,
nem há procedimento extrapenal, investigação criminal ou processopenal instaurado. Portanto, não há risco concreto de autoincrimina-ção. Há temor genérico de revelação de crime anteriormente pratica-do, não incidindo o nemo tenetur se detegere.
Admitir que o nemo teneturse detegere pudesse afastar a punibilida-de de infrações penais subsequentes, praticadas para o encobrimentode delito anterior, sem que houvesse procedimento instaurado de na-tureza extrapenal, investigação criminal ou processo penal, gerandorisco concreto de autoincriminação e sem que o interessado fosse cha-
mado a colaborar, fornecendo elementos probatórios, seria atribuir--lhe a condição de direito absoluto, que não encontraria qualquer limi-te no ordenamento jurídico, conduzindo a distorções e, não raro, ser-vindo mesmo de estímulo para a perpetuação de crimes.
O nemo tenetur se detegere é direito fundamental: ninguém pode
ser compelido a se autoincriminar, fornecendo provas contra si mes-
mo. Esta a sua dimensão. Porém dele não decorre, pura e simplesmen-
te, a não punibilidade de crimes conexos praticados para o ocultamen-
to de outros36
. Não é esta a sua essência, nem a sua ratio. Reconhecer
16 Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça no HC 137.206/SP, 5 a T., Rei.
Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe l“-2-2010, no qual restou firmado que "O direi-
to à não autoincriminação não abrange a possibilidade de os acusados alterarem a cena
do crime, invocando o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, para, criando artificiosa-
mente outra realidade, levar peritos ou o próprio Juiz a erro de avaliação relevante”.
No caso, invocara-se o princípio em foco para afastar crime de fraude processual su- postamente ocorrido após homicídio.
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ao nemo tenetur se detegere tal amplitude subverteria o sistema e o pró-
prio princípio, incentivando a violação de bens jurídicos tutelados pelo
ordenamento.
Enfim, o nemo teneturse detegere não é causa de exclusão da antiju-
ridicidade, nem causa de excludente da culpabilidade ou mesmo causa
de não punibilidade genérica. Em que pese tal consideração, é forçoso
reconhecer que a incidência do citado princípio traz repercussões na
esfera do direito penal, no que tange à configuração de delitos, sempre
que se exigir de alguém colaboração na produção de elementos proba-
tórios contra si mesmo, especialmente havendo procedimento de na-
tureza extrapenal instaurado, investigação criminal ou processo penal
para apuração de determinado fato. Seu reconhecimento não está ads-
trito à existência de investigação criminal ou processo penal, podendo
ser exercido sempre que haja risco concreto de autoincriminação, por-
que é legítimo o interesse de não ser investigado, ou seja, de impedir a
instauração de investigação ou processo penal.
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CAPÍTULO IX
Conclusões
Do estudo desenvolvido sobre o principio nemo tenetur se detegere
recapitulam-se as seguintes conclusões:
1. O princípio nemo tenetur se detegere firmou-se no período doIluminismo, inicialmente aplicado ao interrogatório do acusado. O re-
conhecimento do princípio em foco está relacionado ao modelo acusa-
tório, no qual já não se considera o acusado objeto da prova. No mo-
delo inquisitório, não havia lugar para o princípio. A regra era que o
acusado deveria cooperar na persecução penal. Mesmo assim o reco-
nhecimento do princípio enfrentou resistências.
2. A possibilidade de constituir advogado para o desenvolvimento
da defesa técnica foi decisiva para que o nemo tenetur se detegere fossereconhecido, no interrogatório, e viável. Enquanto não era consentido
ao acusado constituir advogado, o silêncio no interrogatório era uma
postura praticamente suicida. Isto porque, se o acusado não falasse em
sua defesa, ninguém podia fazê-lo.
3. Na evolução, o princípio nemo tenetur se detegere passou a ser
considerado direito do cidadão diante do poder estatal, limitando a
atividade do Estado na busca da verdade no processo penal e, sobretu-
do, como medida de respeito à dignidade, consolidando-se como direi-to fundamental no Estado de Direito.
4. O princípio vem sendo agasalhado em diplomas internacionais
de direitos humanos. Modernamente, o princípio assumiu caráter ga-
rantístico no processo penal, resguardando a liberdade moral do acu-
sado para decidir, conscientemente, se coopera ou não com os órgãos
de investigação ou com a autoridade judiciária. Objetiva proteger o
indivíduo contra excessos e abusos cometidos pelo Estado, na persecu-
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10. Os poderes instrutórios do juiz não são ilimitados. Na busca
da verdade, ele deverá zelar pelo respeito aos direitos do acusado, entre
eles o nemo tenetur se detegere. Não poderá determinar, via de conse-
qüência, a produção de provas que impliquem violação desses direitos.
11. Não há nenhuma incompatibilidade entre o nemo tenetur se detegere e a busca da verdade no processo penal. Contrariamente, a
ideia de apuração da verdade processual, dentro dos parâmetros da
legalidade e da ética, em tudo se concilia com o nemo teneturse detegere,
que representa, sobretudo, o respeito à dignidade humana no processo
penal.
12. Há uma tensão permanente entre o interesse na apuração dos
delitos e o respeito aos direitos fundamentais do acusado, entre eles o
de não se autoincriminar, que exige uma solução harmoniosa. Ambosos interesses são públicos: o primeiro, voltado à persecução penal, e o
segundo, vinculadõ à construção de um processo penal ético. Não po-
derá ser inviabilizada a persecução penal, pelo reconhecimento de di-
reitos fundamentais ilimitados, mas não será admissível também que
sejam eles, inclusive o nemo teneturse detegere, aniquilados, para dar lu-
gar ao direito à prova ilimitado e à busca da verdade a qualquer custo,
com a colaboração inarredável do acusado.
13. O nemo tenetur se detegere foi acolhido, expressamente, no di-reito brasileiro, com a incorporação ao direito interno do Pacto Inter-
nacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana so-
bre Direitos Humanos. Por força de tal incorporação, em consonância
com o disposto no art. 5-, § 2-, da Constituição Federal, como direito
fundamental, o nemo tenetur se detegere possui hierarquia constitucio-
nal, portanto, não poderá ser suprimido nem mesmo por emenda
constitucional. Tal entendimento não foi modificado pelo art. 5-, § 3-,
do texto constitucional, incluído pela Emenda Constitucional n.
45 / 2004, mas por ele corroborado.
14. Expressamente também foi previsto no art. 52, LXIII, da Cons-
tituição Federal, o direito ao silêncio, uma das decorrências do nemo
tenetur se detegere.
15. princípio em foco pode ser extraído também das garantias
do devido processo legal e da ampla defesa, mais especificamente na
vertente da autodefesa, bem como do princípio da presunção de ino-
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cência, acolhidos no texto constitucional, em seu art. 5-, LIV LV e
LVII, respectivamente.
16. O nemo tenetur se detegere inclui-se na categoria dos princí-
pios-garantia, ha tipologia de princípios constitucionais preconiza-
da por Canotilho. Visa instituir, direta e imediatamente, uma ga-rantia aos cidadãos e apresenta densidade semelhante à das regras
jurídicas.
17. Dada a vinculação do nemo teneturse detegere à preservação da
dignidade humana, que é um dos postulados norteadores do Estado
brasileiro, como Estado Democrático de Direito (art. l s, III, da Consti-
tuição Federal), seria possível extrair seu reconhecimento no direito
nacional, mesmo que não fosse expressamente previsto, como direito
fundamental decorrente do regime e dos princípios adotados na Cons-tituição.
18. São decorrências do nemo tenetur se detegere no interrogatório:
18.1. o direito ao silênci o, considerando-se que referido direito:
a) é manifestação do direito à intimidade;
b) deve ser reconhecido em todos os interrogatórios realizados,
durante a persecução penal, esteja o acusado preso ou solto e à pessoa
jurídica; c) deve ser reconhecido também aos suspeitos e testemunhas;
d) deve ser reconhecido sempre que possa haver autoincrimina-
ção em declarações e depoimentos tomados por autoridades do Poder
Executivo, Legislativo ou Judiciário;
e) incide no interrogatório de mérito, com relação a todas as per-
guntas que forem formuladas, inclusive no tocante à responsabilidade
de terceiros, podendo ser exercido no interrogatório como um todo
ou com referência a indagações específicas;
f) deverá ser objeto de advertência do acusado, a fim de instruí-loe cientificá-lo quanto à faculdade de silenciar, sem conseqüências pre-
judiciais para a defesa, anotando-se que a referida advertência deverá
ser formulada em termos claros no momento da prisão e antes de to-
dos os interrogatórios realizados; também a testemunha faz jus à ad-
vertência quanto à faculdade de silenciar com relação às perguntas
cujas respostas possam incriminá-la;
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g) não admite a consignação das perguntas e razões pelas quais o
acusado dele fez uso;
h) não acarreta nenhuma conseqüência prejudicial ao acusado:
não comporta valoração; é simples ausência de resposta, podendo
constituir estratégia da defesa; não é sinônimo de admissão de culpabi-lidade, de confissão ficta ou de falta de defesa; não constitui indício de
culpabilidade; não poderá influenciar a dosagem da pena nem servir
de fundamento para decretação ou manutenção de prisão cautelar; do
exercício do direito ao silêncio não se pode extrair também a configu-
ração do delito de desacato ou desobediência;
i) tem como única conseqüência admissível o fato de o acusado
deixar de declinar elementos a seu favor, fornecendo sua versão dos fa-
tos e indicando os elementos probatórios que possam dar suporte a ela; 18.2. a vedação de determinadas técnicas e métodos de interrogatório,
observando-se â proibição:
a) de perguntas sugestivas, tendenciosas, capciosas, obscuras e
equívocas;
b) de exortações; emprego de promessas, inclusive as referentes à
incidência de benefícios, cuja aplicação, no caso concreto, é incerta;
persuasões ou ameaças para que o acusado não silencie; c) de meios enganosos;
d) de tortura, recomendando-se que os interrogatórios não sejam
longos, ininterruptos e realizados à noite;
e) de métodos químicos (v. g., narcoanálise e soro da verdade) e
psíquicos (hipnose, l ie detector );
18.3. a inexistênci a do dever de dizer a verdade, com as seguintes
conseqüências: a) vedação do juramento para o acusado;
b) exclusão de sanções ao acusado por mentir no interrogatório;
c) impossibilidade de valorar a mentira ou a reticência do acusado
como indício de autoria e culpabilidade; ou para fins de dosagem da pena;
18.4. a inexistênci a do dever de comparecimento, com a conseqüente
impossibilidade de conduzir coercitivamente o acusado para ser inter-
rogado.
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19. Tendo em vista as decorrências retromencionadas do princí-
pio nemo teneturse detegere no interrogatório, pode-se afirmar, com re-
lação ao direito brasileiro, que:
19.1. dada a natureza de direito fundamental e hierarquia consti-
tucional do nemo tenetur se detegere, bem como a tutela do direito aosilêncio no art. 5-, LXIII, da Constituição Federal, mesmo após a pro-
mulgação da Lei n. 10.792/2003, que objetivou adequar a disciplina do
interrogatório no Código de Processo Penal ao texto constitucional,
consideram-se revogados a segunda parte do art. 198 (estando em vi-
gor apenas a parte que estabelece que o silêncio não importará confis-
são, o que também consta do parágrafo único do art. 186, com a reda-
ção da Lei n. 10.792/2003) e o art. 260 do Código de Processo Penal; 19.2. de legeferenda: a) para se evitar a extração de conotações negativas do silêncio do
acusado, que é freqüente, adequada seria a adoção do interrogatório
facultativo, que seria requerido pelo defensor, quando o acusado pre-
tendesse responder às indagações formuladas ou a algumas delas; no
inquérito, caberia ao indiciado, logo após a qualificação, manifestar se
desejaria ser interrogado, desde que presente o defensor; com relação
ao averiguado, se decidisse declarar, mesmo após a advertência quanto
ao direito ao silêncio, sobrevindo elementos incriminatórios, deveria
ser suspenso o ato, designando-se data para interrogatório, com a pre-
sença de advogado, mantida a decisão de declarar;
b) para assegurar a observância do nemo tenetur se detegere, na fase
policial, adequada seria a exigência de demonstração, pela autoridade
policial, de que o acusado foi efetivamente cientificado de seus direi-
tos, antes de responder às indagações formuladas, v. g., por meio de
entrega de rol escrito de direitos e deveres do indiciado;
c) seria recomendável a obrigatoriedade de consignação do horá-
rio de início e término do interrogatório e de eventuais intervalos
ocorridos;
d) é imprescindível a atuação da defesa técnica para garantir o
respeito aos direitos do acusado no interrogatório, quer na investiga-
ção, quer em juízo, e para que a opção pelo silêncio não retrate apenas
o exercício de um direito, mas se transforme em eficiente estratégia
defensiva. Assim, não obstante a Lei n. 10.792/2003 tenha estabelecido
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a obrigatoriedade da presença do defensor no interrogatório em juízo
(art. 185 do Código de Processo Penal) e de tal disciplina, a nosso ver,
aplicar-se ao interrogatório na investigação, melhor que a legislação
expressamente dispusesse a esse respeito.
20. São decorrências do princípio nemo tenetur se detegere quan-to às provas que dependem da cooperação do acusado para sua pro-
dução:
20.1 .a i nexi stência do dever de colaboração do acusado, observando-
-se que:
a) a regra é que a acusação deve buscar provas que não dependam
da colaboração do acusado para demonstrar os fatos. Somente por ex-
ceção se pode pretender que este coopere na produção de provas que
possam incriminá-lo;
b) em razão da inexistência do dever de colaboração, a recusa do
acusado em cooperar na produção de provas que possam incriminá-lo
não configura crime de desobediência, nem se admite execução coer-
citiva tendente à produção da prova. Entretanto, tal decorrência não
tem caráter absoluto, comportando atenuações;
c) há necessidade de advertência do acusado quanto ao princípio
nemo tenetur se detegere e à inexistência do dever de colaborar, para que
ele, adequadamente instruído, decida se consente ou não na produçãoda prova;
d) para que o consentimento para produção da prova, manifes-
tado pelo acusado, seja válido deverão concorrer os seguintes pressu-
postos:
I. a disponibilidade do direito, observando-se que, no caso de in-
tervenções corporais, que envolvam perigo para a vida ou a saúde do
acusado, o consentimento será inoperante, porque colocará em risco
bens indisponíveis (saúde e vida);
II. capacidade para dispor do direito, atentando-se para a idade e
a saúde mental do acusado, e, sempre que a lei exigir a presença do
curador, haverá necessidade de sua assistência no momento da mani-
festação do consentimento;
III. o consentimento deverá ser manifestado antes ou no momen-
to da realização da prova, jamais posteriormente;
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IV o consentimento deverá ser expresso, preferencialmente por
escrito, não deixando qualquer dúvida de que o acusado tenha consen-
tido; deverá ser concreto, isto é, manifestado em relação a uma situa-
ção específica;
V deverá ser sério e não ser fruto de vontade viciada, por erro,violência ou coação;
e) o critério de que o acusado não está obrigado a colaborar em
provas que exijam sua participação ativa, mas que se pode exigir dele a
participação passiva (tolerância quanto à produção da prova), não é
satisfatório para a solução do problema. O princípio da proporcionali-
dade mostra-se apto a fornecer a solução;
f) o nemo tenetur se detegere, como outros direitos fundamentais,
não é absoluto, devendo coexistir no ordenamento jurídico com ou-tros direitos e valores, como a paz social e a segurança pública, igual-
mente tutelados (limites implícitos ou imanentes). Por isso, admitem-
-se restrições ao referido direito, em caráter excepcional, que deverão
ser operadas sempre por lei, estrita e prévia, que atenda ao princípio da
proporcionalidade, sob pena de inconstitucionalidade, nos seguintes
moldes: I. a restrição ao nemo tenetur se detegere deverá ser indispensável;
II. a restrição adotada deverá ser a menos gravosa possível para oacusado, em termos de qualidade, intensidade e duração;
III. a restrição deverá ser adequada, isto é, idônea para a produ-
ção da prova pretendida, que, por sua vez, deverá ser útil para o proces-
so, incidindo sobre pessoa determinada contra a qual existam indícios
de autoria ou participação em infração penal;
IV a restrição deverá ser razoável: um dos parâmetros é a gravi-
dade do crime investigado. Quanto mais grave a restrição ao nemo
tenetur se detegere, maior deverá ser a gravidade do delito investigadoe mais robustos deverão ser os indícios de autoria ou participação na
infração penal;
V não poderá haver supressão ou sacrifício exacerbado do nemo
tenetur se detegere, operado pelas restrições impostas, isto é, deverá ser
respeitado o seu núcleo essencial; VI. a restrição deverá ser submetida ao controle jurisdicional;
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VII. as restrições ao nemo tenetur se detegere que implicarem inter-
venção corporal no acusado deverão ser determinadas por decisão ju-
dicial, devidamente motivada; nas demais, que não dependerem de
intervenção corporal no acusado, o controle jurisdicional poderá ser
efetuado a poster iori ; VIII. em todos os casos, as restrições deverão respeitar a saúde do
acusado e a sua dignidade;
g) em consonância com o posicionamento sustentado, a lei que
venha a regular as restrições ao nemo teneturse detegere, já que referido
diploma inexiste no direito brasileiro, sempre em caráter excepcional,
poderá dispor:
I. com relação às provas produzidas medi ante inter venção cor poral in -
vasiva: — somente deverão ser realizadas com o consentimento do acu-
sado, mediante prévio controle jurisdicional sobre a proporcionalidade
da medida, frisando-se que a autorização judicial não poderá suprir tal
consentimento;
— imprescindível a advertência do acusado com relação ao nemo
tenetur se detegere. O consentimento deverá ser anterior à realização da
intervenção corporal, expresso e emitido livre e conscientemente. En-
tretanto, o consentimento do acusado será inoperante se, no caso con-creto, verificar-se que a intervenção corporal invasiva expõe a risco a
saúde do acusado;
— para resguardar a saúde e a integridade física do acusado, so-
mente poderão ser realizadas por médico ou pessoas especializadas;
— para atender ao princípio da proporcionalidade, somente po-
derão ser executadas quando houver elementos suficientes para o indi-
ciamento e a infração investigada for apenada com reclusão cuja pena
mínima, em abstrato, seja igual ou superior a dois anos;
II. com r elação às pr ovas produzidas mediante intervenção corporal não
invasiva:
— poderão ser realizadas mesmo sem o consentimento do acusa-
do, desde que não impliquem colaboração ativa por parte deste, com
controle jurisdicional prévio, ou seja, autorização judicial, no qual se
verificará a proporcionalidade da medida;
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— as intervenções corporais não invasivas que necessitem da co-
laboração ativa do acusado, mesmo minimamente, somente poderão
ser realizadas com o seu consentimento, nos mesmos moldes preconi-
zados em relação às intervenções corporais invasivas;
— se necessário for, deverão ser realizadas por médico ou pessoasespecializadas;
— não poderão expor a risco a saúde do acusado;
— para atender ao princípio da proporcionalidade, somente po-
derão ser determinadas havendo indícios de autoria ou participação
em infração penal apenada com reclusão;
III. com relação às provas pr oduzidas com a cooperação do acusado,mas sem intervenção corpor al :
— poderão ser determinadas pela autoridade policial ou pela au-
toridade judiciária, mesmo sem o consentimento do acusado, desde
que impliquem apenas colaboração passiva deste;
— se a prova for determinada pela autoridade policial, ficará su-
jeita, obrigatoriamente, ao controle jurisdicional, feito a poster ior i ;
— se necessitarem, para sua produção, de colaboração ativa do
acusado, imprescindível será o seu consentimento, precedido de adver-
tência com relação ao nemo tenetur se detegere, exteriorizado previamen-
te à realização da prova, livre e conscientemente e de modo expresso;
— para atender ao princípio da proporcionalidade, poderão ser
determinadas quando houver indícios de autoria ou participação em
infração penal, seja ela contravenção ou crime apenado com detenção
ou reclusão;
20.2. impossibi l idade de se extraírem conseqüências da recusa do acusa-
do em submeter -se a determi nada prova, sendo que:
a) a recusa não pode ser interpretada como indício de culpabilida-
de nem pode ser utilizada como fundamento de sentença ou de deci-
sões referentes a medidas cautelares;
b) a recusa não configura nenhum delito, inclusive o de desobe-
diência;
c) entretanto, havendo lei que estabeleça restrições ao nemo tene-
tur se detegere, deverá ela regular as conseqüências advindas da recusa
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por parte do acusado em cooperar na produção de determinada prova,
observando-se que:
I. a única solução que satisfaz o interesse na apuração dos delitos,
finalidade dos limites impostos ao nemo teneturse detegere, é a execução
coercitiva; II. não sendo possível a execução coercitiva (como ocorre nas
provas que impliquem intervenção corporal invasiva ou colaboração
ativa), a solução possível seria a previsão de sanções penais, configu-
rando a recusa delito autônomo, no caso, crime de desobediência; con-
tudo, diante da legitimidade da recusa, nessas circunstâncias, com su-
porte no nemo tenetur se detegere, da recusa não se pode extrair a confi-
guração de nenhum crime;
III. é vedada a inferência de indícios de culpabilidade, a partir darecusa, por violar o princípio da presunção de inocência e pela insegu-
rança que tal inferência representa em um juízo de culpabilidade;
20.3. inexi stênci a do dever de comparecimento, observadas eventuais
limitações, por lei, do nemo tenetur se detegere, que permitam compelir
o acusado a participar da produção da prova.
21. São conseqüências da violação do princípio nemo tenetur se de-
tegere: 21.1. no interrogatório:
a) quanto à confissão, em caso de falta ou deficiência da advertên-
cia referente ao direito ao silêncio e utilização de técnicas e métodos
vedados de interrogatório:
I. a ilicitude da prova colhida (confissão), tendo em vista a violação
a direito fundamental, advindo sua inadmissibilidade; e eventual nulida-
de do interrogatório, para sua renovação, bem como dos atos processu-
ais subsequentes afetados, se a defesa foi prejudicada como um todo:
— ingressando no processo, a prova ilícita deve ser considerada
inexistente, mas, para que não venha a influenciar o convencimento do
julgador, a melhor orientação é o seu desentranhamento;
— se foi oferecida a denúncia com suporte na prova ilícita, a peça
será nula e outra deverá ser oferecida, após o desentranhamento da
prova, com base em outros elementos, se houver. Caso contrário, o
inquérito deverá ser arquivado;
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— se a confissão colhida ilicitamente foi produzida ou trazida aos
autos no curso da instrução processual, deverá ser desentranhada, para
que não exerça influência sobre o convencimento do julgador;
— se a prova ilícita permanecer nos autos, não poderá ser valora-
da na sentença ou em qualquer outro provimento proferido pelo julga-dor, com destaque para os provimentos que determinam prisão caute-
lar, sob pena de nulidade;
— se já houve julgamento em primeiro grau, preferencialmente
o Tribunal deverá anular a sentença e determinar que outra seja profe-
rida, após o desentranhamento da prova colhida ilicitamente;
— entretanto, possível será o prosseguimento do julgamento
pelo Tribunal, sem anular a sentença, se, suprimida a prova ilícita, os
elementos remanescentes autorizarem a absolvição;
— se houver trânsito em julgado, possível a propositura da revi-
são criminal, podendo o Tribunal, ao excluir a prova ilícita, absolver o
acusado, ou a impetração de ordem de habeas corpus, para anular a
sentença, devendo outra ser proferida, após o desentranhamento da
prova ilícita; — sendo processo de competência do Tribunal do Júri:
i) se a prova ilícita deu suporte à decisão de pronúncia, esta pode-
rá ser reformada por via recursal e a prova ilícita deverá ser desentra-
nhada; ou poderá ser impetrado habeas corpus para anulá-la;
ii) se ocorrer o julgamento pelo Tribunal do Júri e a prova obtida
ilicitamente for objeto dos debates, o Conselho de Sentença deverá ser
dissolvido; se não for, o veredicto proferido será nulo;
b) havendo consignação das perguntas não respondidas e das ra-
zões pelas quais o acusado silenciou: I. ilicitude de tais elementos probatórios;
II. referidos elementos probatórios devem ser suprimidos dos au-
tos, sem necessidade de refazer o interrogatório, tendo em vista que,como foi exercido o silêncio pelo acusado, não adveio prejuízo para a
defesa; c) havendo valoração do silêncio do acusado:
I. vício de motivação, tornando o provimento jurisdicional passí-
vel de reforma pela via recursal;
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II. nulidade da sentença, se proferida pelo Tribunal do Júri e o si-
lêncio do acusado tiver sido utilizado como argumento pela acusação
(art. 478, II, do Código de Processo Penal);
d) quanto às provas colhidas a partir do interrogatório do acusa-
do, no qual foi violado o nemo tenetur se detegere-. I. ilicitude das provas decorrentes, consoante a teoria dos frutos
da árvore envenenada, ressalvadas as exceções a essa teoria;
21.2. nas provas que dependem da cooperação do acusado para
sua produção:
a) ilicitude da prova colhida, bem como das derivadas dela, tendo
em vista a violação a direito fundamental, sendo aplicáveis todas as
considerações constantes do item 21.1, a, I;
b) admissibilidade da prova ilícita pro reo, por aplicação da teoriada proporcionalidade, permitindo-se, consequentemente, sua perma-
nência nos autos e valoração.
22. Quanto à existência de decorrências do nemo teneturse detegere
no plano do direito penal, considera-se:
22.1. o nemo teneturse detegere não é causa de exclusão da antijuri-
dicidade nem causa excludente da culpabilidade ou mesmo causa de
não punibilidade genérica. Em que pese tal consideração, o princípio
nemo teneturse detegere tem repercussões na esfera do direito penal, im-pedindo a configuração de delitos, em certas situações;
22.2. o direito de não se autoincriminar pode ser exercido no cur-
so de investigação criminal ou processo penal, bem como em qualquer
outra instância, não penal, e o efeito almejado é sempre o mesmo: não
produzir elementos incriminatórios contra si mesmo. No último caso,
objetiva-se que não seja sequer desencadeada a investigação;
22.3. nas relações autoridade-indivíduo, sobretudo quando hou-
ver procedimento instaurado de natureza extrapenal, investigação cri-
minal ou processo penal, para apurar determinado fato, deve ser reco-
nhecido o nemo tenetur se detegere sempre que se exigir colaboração do
indivíduo, porque há risco concreto de autoincriminação. Nesse caso,
há nexo direto entre a incriminação e a informação ou comportamen-
to que é solicitado pela autoridade. Consequentemente, da recusa em
colaborar não se pode extrair a configuração de nenhum delito;
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22.4. nessa esteira, a recusa em declarar ou informar (formas de
colaboração de natureza comunicativa) é legítima, com suporte no
nemo tenetur se detegere, sempre que possam conduzir à autoincrimina-
ção, dele decorrendo o direito ao silêncio e a inexistência do dever de
dizer a verdade. Dessa forma, o princípio em questão tem repercussãosobre a esfera do direito penal, porque da recusa ou omissão em decla-
rar ou informar não se pode extrair a configuração de nenhum delito;
22.5. a confirmação de informações falsas prestadas anterior-
mente, por solicitação da autoridade, não caracteriza novo ilícito pe-
nal, constituindo manifestação do nemo tenetur se detegere;
22.6. havendo prática de novo delito, dissociada e independente
de qualquer exigência ou solicitação de colaboração por parte de auto-
ridade, para encobrir infração penal anteriormente praticada, não épossível afastar a punibilidade da segunda infração por incidência do
nemo tenetur se detegere, porque não há nexo entre a incriminação e a
exigência da autoridade, que inexiste. Nessa hipótese, não há risco
concreto de autoincriminação, mas temor genérico de revelação de cri-
me anteriormente praticado, não incidindo o nemo tenetur se detegere.
23. A solução para a preservação do princípio nemo teneturse dete-
gere no processo penal é a sua conciliação com o interesse público na
apuração de delitos. Não se trata de direito absoluto, que inviabilizariaa persecução penal, mas não se admitem restrições de tal monta que
possam aniquilá-lo ou violar a sua essência, que é o respeito à dignida-
de humana no processo penal.
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