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Abril de 2011 2 Revista virtual ESAPERGS O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E SUA SINDICABILIDADE PERANTE O PODER JUDICIÁRIO – NECESSIDADE DE DELIMITAÇÃO DE SEU NÚCLEO ESSENCIAL E PARÂMETROS DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO BRUNO MATIAS LOPES Procurador do Estado de Minas Gerais Sumário 1 – Introdução; 2 - O Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais e Sua Plena Sindicabilidade Perante o Poder Judiciário; 2.1 - O Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais; 2.2 - A Plena Sindicabilidade do Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais Perante o Poder Judiciário; 3 - O Direito Fundamental à Saúde e Sua Sindicabilidade Perante o Poder Judiciário – Necessidade de Delimitação de Seu Núcleo Essencial; 3.1 - A Delimitação do Núcleo Essencial do Direito à Saúde e Parâmetros Para a Atuação Judicial no Fornecimento de Medicamentos; 4 – Conclusão. 1 - Introdução Tema de elevada importância no constitucionalismo moderno é o que diz respeito à existência de uma garantia que proteja o conteúdo essencial de um direito fundamental e a possibilidade de concretização desse conteúdo pelo Poder Judiciário. O quadro de desigualdade social existente no Brasil, caracterizado pela exclusão social e miséria humana, e que se revela, em especial, pela situação de pobreza da maior parte da população, que nem sempre tem o que comer, não tem acesso à educação e a saúde, faz surgir o questionamento acerca do papel do Estado na garantia desses direitos necessários a uma vida digna (mínimo existencial) e do papel do Poder Judiciário para o caso de o Estado ser omisso ou ineficaz na proteção desses direitos. Neste contexto, e levando-se em conta especialmente o direito fundamental à saúde, é que se pergunta acerca da possibilidade de uma pretensão que envolva este direito à saúde (medicamento, tratamento médico, internação, cirurgia, etc.) e qual o papel e limites do Poder Judiciário na concretização do direito público subjetivo à saúde. 2 - O Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais e Sua Plena Sindicabilidade Perante O Poder Judiciário 2.1 – O núcleo essencial dos direitos fundamentais

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O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E SUA SINDICABILIDADE PERANTE O PODERJUDICIÁRIO – NECESSIDADE DE DELIMITAÇÃO DE SEU NÚCLEO ESSENCIAL E PARÂMETROS DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

BRUNO MATIAS LOPESProcurador do Estado de Minas Gerais

Sumário1 – Introdução;2 - O Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais e Sua Plena Sindicabilidade Perante o Poder Judiciário;2.1 - O Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais;2.2 - A Plena Sindicabilidade do Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais Perante o Poder Judiciário;3 - O Direito Fundamental à Saúde e Sua Sindicabilidade Perante o Poder Judiciário – Necessidade de Delimitação de Seu Núcleo Essencial;3.1 - A Delimitação do Núcleo Essencial do Direito à Saúde e Parâmetros Para a Atuação Judicial no Fornecimento de Medicamentos;4 – Conclusão.

1 - Introdução

Tema de elevada importância no constitucionalismo moderno é o que diz respeito à existência de uma garantia que proteja o conteúdo essencial de um direito fundamental e a possibilidade de concretização desse conteúdo pelo Poder Judiciário.

O quadro de desigualdade social existente no Brasil, caracterizado pela exclusão social e miséria humana, e que se revela, em especial, pela situação de pobreza da maior parte da população, que nem sempre tem o que comer, não tem acesso à educação e a saúde, faz surgir o questionamento acerca do papel do Estado na garantia desses direitos necessários a uma vida digna (mínimo existencial) e do papel do Poder Judiciário para o caso de o Estado ser omisso ou ineficaz na proteção desses direitos.

Neste contexto, e levando-se em conta especialmente o direito fundamental à saúde, é que se pergunta acerca da possibilidade de uma pretensão que envolva este direito à saúde (medicamento, tratamento médico, internação, cirurgia, etc.) e qual o papel e limites do Poder Judiciário na concretização do direito público subjetivo à saúde.

2 - O Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais e Sua Plena Sindicabilidade Perante O Poder Judiciário

2.1 – O núcleo essencial dos direitos fundamentais

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1 LOPES, Ana Maria D’Avila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004, p. 7.2 ABAD, Samuel. Límites y respeto al contenido esencial de los derechos fundamentales. Thémis, Lima, n. 21, 1992, p.7.3 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 316.4 LOPES, Ana Maria D’Avila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 41 n. 164 out./dez. 2004, p. 8.

A natureza principiológica dos direitos fundamentais, que os caracteriza como semântica e estruturalmente abertos, exige, na maioria das vezes, sua concretização via normas infraconstitucionais. Nesse sentido, a garantia do conteúdo essencial foi criada para controlar a atividade do Poder Legislativo, visando evitar os possíveis excessos que possam ser cometidos no momento de regular os direitos fundamentais. Contudo, a existência da garantia do conteúdo essencial não deve ser necessariamente interpretada no sentido de considerar que toda regulação ou limitação legislativa dos direitos fundamentais irá implicar sua desnaturalização, pois se admite a imposição de limites desde que observem e respeitem o conteúdo essencial do direito fundamental.1

Percebe-se, dessa feita, que a idéia de núcleo essencial dos direitos fundamentais surgiu atrelada à “Teoria dos Limites dos Limites”, que busca limitar a atuação do Poder Legislativo em sua tarefa de regulação ou limitação dos direitos fundamentais. Podemos afirmar, assim, que em decorrência da necessária atividade legislativa para o desenvolvimento dos direitos fundamentais e prevendo os seus possíveis excessos foi que se tornou indispensável o desenvolvimento de uma garantia que, embora admitindo a limitação dos direitos fundamentais, assegurasse que fossem regulados sem perder as características que os identificam como tais.2 Surgiu desse modo a garantia do conteúdo essencial como mecanismo complementar dos princípios da ponderação dos bens e da proporcionalidade, na defesa dos direitos fundamentais perante os abusos do Poder Legislativo.

De acordo com as premissas acima, podemos conceituar o núcleo essencial como o conteúdo mínimo e intangível, núcleo duro e imodificável do direito fundamental, que em quaisquer circunstâncias deve sempre ser protegido, sob pena de criar grave situação inconstitucional. Desta forma, as limitações aos direitos fundamentais encontram sua constitucionalidade na preservação do núcleo essencial, que de acordo com a teoria relativa do núcleo essencial, abaixo examinada, deve ser analisado e determinado de acordo com as características específicas do caso concreto.

Tratando do núcleo essencial, seguem as precisas lições de Gilmar Mendes, citando Konrad Hesse: “(...) a proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais.”.3

A teorização do núcleo essencial se dá mediante a formulação de duas correntes principais, a saber: a teoria absoluta e a teoria relativa.

A teoria relativa defende a tese de que o conteúdo de um direito fundamental só pode ser conhecido analisando-se, em cada caso concreto, os valores e interesses em jogo. É esse um conceito relativo porque, segundo as exigências do momento, o conteúdo poderá ser ampliado ou restringido. Sua principal diferença com as teorias absolutas é que, para a teoria relativa, o conteúdo essencial não é uma medida preestabelecida e fixa, na medida em que não é um elemento estável nem uma parte autônoma do direito fundamental, mas possui valor constitutivo, obtido a partir do controle de constitucionalidade das normas.4 Para esta teoria, o núcleo essencial seria assim o resultado da aplicação em um caso concreto da técnica da ponderação e do postulado da proporcionalidade.

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5 Idem.6 Idem.7 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 230.8 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 502.

Já a teoria absoluta defende a tese de que o conteúdo de um direito é sempre o mesmo, sem importarem as circunstâncias de cada caso em particular. Na verdade, é uma posição não radical porque, embora fundada em um critério fixo e predeterminado, a determinação do conteúdo desse critério pode variar segundo as circunstâncias do momento.5 Esta teoria apresenta o núcleo essencial como o mínimo absoluto e intangível em qualquer hipótese, ou seja, propugna que o conteúdo de um direito é sempre o mesmo, sem importarem as circunstâncias de cada caso em particular.

A adoção de uma ou de outra teoria implicará relevantes conseqüências, das quais, talvez, a mais importante refira-se à primazia que irá outorgar-se ao direito fundamental em relação ao interesse estatal. Assim, por um lado, a teoria relativa admite que a limitação de um direito fundamental dependa apenas dos interesses contrapostos das partes em conflito, porém aceita a possibilidade da revogação parcial ou total desse direito no caso da afetação de algum interesse estatal; contrariamente, a teoria absoluta proclama sempre o respeito ao conteúdo essencial do direito fundamental, o que implica garantir a existência desse direito sempre, ainda que exista um interesse estatal em conflito.6

Conforme já afirmado anteriormente, a doutrina e a jurisprudência têm predominantemente aceitado a relativização, só que não sob o ponto de vista negativo, mas, justamente, como a afirmação da historicidade e da exigência da constante atualização e desenvolvimento de um direito. Nesse sentido, a garantia do conteúdo essencial, que se atrela a “Teoria dos Limites dos Limites”, aceita a possibilidade da limitação e regulação de um direito fundamental com a finalidade de permitir que possa ser efetivamente exercido, mas sempre que não seja desnaturalizado, ou seja, admite-se a imposição de limites, mas sempre que observem e respeitem o conteúdo essencial do direito fundamental ou não o desnaturalizem. Essa garantia, junto com os princípios da ponderação dos bens e da proporcionalidade, constitui um mecanismo indispensável na realização dos direitos fundamentais, os quais não são direitos absolutos, mas também não são, nem muito menos, instrumentos da arbitrariedade do legislador.

Importante destacar, por oportuno Importante destacar, por oportuno, que o núcleo essencial dos direitos fundamentais, em especial dos direitos sociais, se encontra atrelado à idéia de mínimo existencial, que segundo Ana Paula de Barcellos, “corresponde ao conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana digna. (...) Mínimo existencial e núcleo material do princípio da dignidade humana descrevem o mesmo fenômeno”.7

Nesse contexto, insta ressaltar também as lições de Alexy, que diferencia os direitos a prestações em sentido estrito sob o aspecto substancial, naqueles de conteúdo minimalista (que em nossa visão corresponde ao mínimo existencial) e nos de conteúdo maximalista, destacando que: 8

o programa minimalista tem como objetivo garantir ao indivíduo o domínio de um espaço vital e de um ‘status’ social mínimos, ou seja, aquilo que é chamado de ‘direitos mínimos’ e ‘pequenos direitos sociais’. Já um conteúdo maximalista pode ser percebido quando se fala de uma realização completa dos direitos fundamentais.

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Lado outro, o neoconstitucionalismo, com o seu discurso jurídico axiológico (pautado em valores na busca de reaproximação entre a ética e o direito) e tópicoproblemático-indutivo (pautado em pontos de vista, que partem do problema a resolver e, portanto, do caso particular para o caso geral), faz necessário avançar a hermenêutica constitucional mediante a sistematização completa da concepção espacial do conteúdo total das normas constitucionais, e não apenas dos direitos fundamentais. Neste diapasão, a estrutura normativa dos direitos constitucionais é composta por duas partes bem distintas, dogmaticamente independentes uma da outra, mas que compõem a mesma realidade normativa de um determinado direito constitucional, ou seja, são partes componentes de seu conteúdo total.

A primeira dessas partes, já analisada e conceituada acima quando se falou do núcleo essencial dos direitos fundamentais, é chamada de parte nuclear ou parte central, representada pelo núcleo essencial do direito, isto é, seu conteúdo mínimo, analisado de acordo com as circunstâncias específicas do caso concreto, que deve sempre ser respeitado.

A outra parte é a parte ponderável, sujeita as técnicas de ponderação em caso de conflito com outros direitos constitucionais.

Tratando do núcleo essencial especificadamente em relação aos direitos fundamentais, Juan Cianciardo aduz que: 9

O conteúdo essencial é apenas uma parte do direito fundamental, o seu núcleo duro. Cada direito fundamental tem um setor aferível pelo legislador e outro imune a sua atuação. Há, portanto, um conteúdo essencial e outro não-essencial. (...) O conteúdo total de um direito fundamental seria integrado por dois círculos concêntricos, compostos por diferentes faculdades e posições jurídicas que, em relação a própria identificação do direito fundamental, ganham intensidade, particularidade e relevância, na medida em que se aproximam do centro (tradução nossa).

Percebe-se assim que a concepção espacial do conteúdo total das normas constitucionais, dentre as quais os direitos fundamentais, é formada por dois círculos concêntricos, sendo que no círculo interior encontra-se a zona central ou o conteúdo essencial, onde a intervenção é vedada, e no círculo externo ou zona externa encontra-se a parte ponderável, com conteúdo inicialmente protegido e onde a intervenção é submetida ao princípio da proporcionalidade e ponderação.

Seguindo por este mesmo caminho, Ana Paula de Barcellos traz a proposição de um modelo hermenêutico que também projeta dois círculos concêntricos, sendo o círculo interior ocupado por condutas mínimas e diretamente sindicáveis perante o Poder Judiciário, ou seja, é uma área nuclear com tratamento de regras jurídicas, e o círculo exterior a ser preenchido pela deliberação democrática, ou seja, uma área não nuclear de expansão dos princípios reservados ao legislador democrático.10

Vê-se, assim, que a nova interpretação constitucional já incorporou a idéia de uma estrutura normativa dual para as normas constitucionais, que como visto, são compostas por uma parte nuclear e uma parte ponderável.

Não obstante a maestria dos ensinamentos trazidos pelos doutrinadores

9 CIANCIARDO, Juan. El conflictismo em los derechos fundamentales. Pamplona, Eunsa, 2000, pp. 258-259.10 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 1/9-180.

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acima, existe quem entenda que esta estrutura dual ainda não representa com fidelidade o conteúdo total dos direitos constitucionais.

Para esta corrente, é importante acrescentar uma terceira área normativa, chamada de parte metajurisdicional, e que é uma região normativa dentro da qual o interprete da Constituição reconhece o poder discricionário do legislador e do administrador democráticos, e, em conseqüência, não concretiza o direito. Esta parte metajurisdicional corresponde a um espaço normativo negativo de caráter meramente declaratório. O ponto forte desta teoria é que ela estabelece uma parte de eficácia inconcretizável pelo Poder Judiciário, ou seja, é uma área submetida ao princípio da separação dos poderes, que é comumente utilizada como fundamento contrário ao ativismo judicial na concretização dos direitos fundamentais.11

2.2 – A plena sindicabilidade do núcleo essencial dos direitos fundamentais perante o Poder Judiciário

Conforme visto anteriormente, o núcleo essencial dos direitos fundamentais é o conteúdo mínimo e intangível, núcleo duro e imodificável do direito fundamental, que em quaisquer circunstâncias, analisadas de acordo com o caso concreto, deve sempre ser protegido, sob pena de criar grave situação inconstitucional. Desta forma, as limitações aos direitos fundamentais encontram sua constitucionalidade na preservação do núcleo essencial.

Além disso, também foi afirmado que a garantia do conteúdo essencial é concebida como um limite à atividade limitadora dos direitos fundamentais, isto é, como o “limite dos limites”. O conteúdo essencial atua como uma fronteira que o legislador não pode ultrapassar, delimitando o espaço que não pode ser “invadido” por uma lei sob o risco de ser declarada inconstitucional. Por isso é que a garantia do conteúdo essencial é o limite dos limites, indicando um limite além do qual não é possível a atividade limitadora dos direitos fundamentais.

Assim, não resta dúvida de que se este limite for desrespeitado, ou seja, se a limitação ou regulação do direito fundamental por parte do legislador desnaturalizar o direito ou desrespeitar seu conteúdo essencial, pode o Poder Judiciário ser acionado para reprimir e declarar esta flagrante inconstitucionalidade.

No mais, estando os direitos fundamentais intimamente ligados à idéia de dignidade da pessoa humana, qualquer violação a seu núcleo essencial, ainda que por omissão, que o faça perder as características que os determinaram como fundamentais, pode ser rechaçada pela atuação do Poder Judiciário.

Questão também importante é sobre o papel do Estado na garantia e concretização desses direitos necessários a uma vida digna, em especial na proteção do conteúdo essencial dos direitos fundamentais prestacionais, e do papel do Poder Judiciário para o caso de o Estado ser omisso ou ineficaz na proteção e concretização desse conteúdo essencial.

Assim, importa destacar que em respeito à separação dos poderes fixada na Constituição Federal e de acordo com a distribuição de competências nela sistematizada, a elaboração, implementação e concretização de políticas públicas são atribuições dos Poderes Executivo e Legislativo, não podendo, em

11 GÓES, Guilherme Sandoval. Neoconstitucionalismo e dogmática pós-positivista. A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Organizador Luis Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, pp. 113-150.

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princípio, o Poder Judiciário intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade. Destacase, desta forma, a falta de legitimidade democrática do Poder Judiciário para fixar políticas públicas no lugar do legislador e/ou administrador, o que a doutrina chama de dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário, que, a princípio, impede que o juiz (que não é democraticamente eleito) substitua a vontade do legislador democraticamente eleito pela sua própria.

Lado outro, a efetividade dos direitos fundamentais prestacionais, que são aqueles que dependem de uma atuação positiva do Estado, encontra-se condicionada pelas possibilidades financeiras e orçamentárias do Estado em efetivar as políticas públicas, o que, conforme visto, encontra-se na esfera de atribuição do Poder Executivo e Legislativo. Este condicionamento às possibilidades orçamentárias e financeiras é a chamada reserva do possível fática, que enfraquece a efetividade dos direitos fundamentais prestacionais, vez que o orçamento público não tem condições de atender aos vultosos volumes de recursos necessários a todas as demandas sociais, razão pela qual, em princípio, havendo justificativa razoável por parte do Estado, não pode o Poder Judiciário atuar positivamente na concretização desses direitos.

Outra limitação à plena efetividade dos direitos prestacionais é a chamada reserva do possível jurídica, que tendo como base a competência constitucionalmente atribuída ao Poder Legislativo para aprovar leis orçamentárias, impede que o Poder Judiciário, em situações normais, crie direitos a prestações positivas sem que haja expressa previsão legislativa e/ou administrativa para tanto.

Na concretização e realização dos direitos sociais, Gustavo Amaral disserta que a reserva do possível significa: 12

que a concreção pela via jurisdicional de tais direitos demandará uma escolha desproporcional, imoderada ou não razoável por parte do Estado. Em termos práticos, teria o Estado que demonstrar, judicialmente, que tem motivos fáticos razoáveis para deixar de cumprir, concretamente, a norma constitucional assecuratória de prestações positivas. Ao Judiciário competiria apenas ver da razoabilidade e da faticidade dessas razões, mas sendo-lhe defeso entrar no mérito da escolha, se reconhecida a razoabilidade.

Assim é que para o mencionado doutrinador seria inviável pretender que as prestações positivas possam, sempre e sempre (na linha da doutrina da “máxima eficácia”), ser reivindicáveis, pouco importando as conseqüências financeiras e impossibilidades do erário público. Tal pretensão acabaria por divorciar-se do fundamento de justiça, não apenas porque a falta de recursos provocaria discriminações arbitrárias sobre quem receberá a utilidade concreta e quem não a receberá (como p. ex. quem teve mais sorte na distribuição da demanda judicial, quem conseguiu divulgação na mídia, quem reivindicou primeiro, etc.), mas também acarretaria desequilíbrio entre as pretensões para a utilidade em debate e as pretensões voltadas para abstenções arrecadatórias, e ainda, com anseios difusos, dirigidos para um estado de equilíbrio social, incompatível com a desestabilização das finanças públicas.13

12 AMARAL, Gustavo. Interpretação dos Direitos Fundamentais e o Conflito entre Poderes. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 116-119.13 Idem.

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Importa destacar, por oportuno, que estas limitações (separação dos poderes, reserva do possível e dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário) ao ativismo judiciário na concretização dos direitos fundamentais não se aplicam quando estamos diante do conteúdo ou núcleo essencial dos direitos fundamentais, ou seja, nesta situação é plenamente possível a concretização do direito fundamental por meio da atuação do Poder Judiciário.

Neste sentido, Ana Paula de Barcellos, ao tratar do conteúdo total dos direitos, refere-se ao núcleo essencial dos direitos como uma conduta mínima, essencial e exigível, ou seja, diretamente sindicável perante o Poder Judiciário. Vale, pois, reproduzir seu magistério, in verbis: 14

de dois círculos concêntricos [que] (...) aqui pode ser empregada de forma útil: o círculo interior ocupado por condutas mínimas, elementares, e exigíveis e o exterior a ser preenchido pela deliberação democrática. A estrutura que se acaba de descrever revela um dado da maior importância, descrito a seguir. Os princípios em questão operam na realidade de duas formas distintas: relativamente a seu núcleo, funcionam como regras, e, apenas em relação a sua área nãonuclear, funcionam como princípios propriamente ditos.

Dessa forma, em havendo omissão do legislativo na regulação de um direito fundamental que acarrete violação a seu núcleo essencial, ou seja, que impeça ou não garanta o conteúdo mínimo de um direito fundamental, e ainda que não haja previsão orçamentária prévia, pode o Poder Judiciário atuar positivamente outorgando ou concretizando determinado direito social.

Isso quer dizer, que a separação dos poderes, a reserva do possível e a dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário, não são motivos suficientes para afastar o ativismo judicial na concretização e proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais, conteúdo mínimo que de acordo com as circunstâncias do caso concreto deve sempre ser respeitado.

Igualmente, corrobora para a plena sindicabilidade do núcleo essencial dos direitos fundamentais perante o Poder Judiciário o fato de esse núcleo estar intimamente ligado ao mínimo existencial, que são aquelas condições materiais mínimas para uma vida digna e que devem ser ofertadas pelo Poder Público sem que este possa se valer da chamada reserva do possível. Assim, em se tratando de núcleo essencial de direito fundamental e de mínimo existencial não pode o poder público justificar sua omissão com base na cláusula da reserva do possível, na separação de poderes e da dificuldade contramajoritaria do Poder Judiciário para impedir o ativismo judicial, que neste caso será legítimo.

3 - O Direito Fundamental à Saúde e Sua Sindicabilidade Perante o Poder Judiciário – Necessidade de Delimitação de Seu Núcleo Essencial

Analisado o conteúdo total dos direitos constitucionais, dentre eles os direitos fundamentais, e vista à plena sindicabilidade do núcleo essencial destes direitos perante o Poder Judiciário, passaremos agora à análise específica do direito fundamental à saúde, especialmente no que se refere às ações judiciais

14 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 1/9-180.

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de fornecimento de medicamento pelo Poder Público, e a necessidade de delimitação de seu conteúdo essencial, o que por conseqüência também delimita a atuação dos órgãos judiciais.

Destaca-se, inicialmente, que não é possível negar o caráter de fundamentalidade ao direito social da saúde, haja vista a obviedade da Constituição Federal neste sentido, destacando-se, em especial, o que dispõe o art. 196 da Carta da República.

Nesse contexto, qualquer tentativa que afirma inexistir direito público subjetivo dos cidadãos à prestação de ações de saúde deve ser de plano rechaçada.

Isso não significa, porém, que o direito à saúde seja absoluto e que os pleitos neste sentido, como o de fornecimento de medicamentos, especialmente, devam ser a qualquer custo deferidos pelo Poder Judiciário.

Dentro desta conjuntura, e tendo em vista a enorme quantidade de ações judiciais envolvendo o requerimento de medicamentos do Poder Público, bem como os excessos e abusos existentes nestes requerimentos, é que se instalou o debate entre doutrinadores e juristas acerca da sindicabilidade perante o Poder Judiciário do direito público à saúde e a necessidade da delimitação de seu núcleo essencial, bem como sobre o papel e limites deste Poder ao julgar pretensões de fornecimento de medicamentos pelo Poder Público.

A maioria das decisões judiciais e grande parte da doutrina entendem que o direito à saúde esta intimamente ligado ao direito à vida, e, com base no art. 196 da Constituição da República, defendem que é reponsabilidade solidária dos entes públicos fornecer medicamentos à população, ainda que através de ação judicial. 15

Para os que se posicionam desta forma o fornecimento de medicamentos, principalmente às pessoas destituídas de recursos financeiros, é dever constitucional do Poder Público, sendo que o usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) tem direito a atendimento digno e adequadado a seu tratamento, não cabendo qualquer restrição e não se justificando que a Administração Pública se ampare na obediência a procedimentos orçamentários, na separação de poderes e na reserva do possível.

Fundamentam este entendimento, ainda, no fato de o art. 198, II, da Constituição Federal determinar como diretriz às ações e serviços públicos de saúde o atendimento integral. Dessa forma, todas as necessidades dos cidadãos ligadas ao direito de saúde devem ser supridas sem quaisquer restrições, sendo

15 ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL.

1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais.

2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.

3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que “o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros” (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005).

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1136549/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 21/06/2010)

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vedado ao Poder Público delimitar através de atos e dispositivos normativos as espécies de tratamentos ou medicamentos que serão fornecidos.

Com base neste entendimento, assim, para que qualquer ente da federação seja obrigado a prestar assistência à saúde, seja para promover o acesso ao tratamento de algum tipo de doença ou fornecer medicamentos, basta que o cidadão demonstre a necessidade do provimento judicial e disponibilidade e existência dos meios recomendados pelos especialistas.

Nesse sentido segue trecho do voto proferido pela Desembargadora Heloisa Combat, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no julgamento da Apelação Cível n° 1.0024.07.443844-1/001:

O art. 198, II, da Constituição Federal, determina que os serviços públicos de saúde devem ser prestados tendo por diretriz o atendimento integral, determinando-se, dessa forma, que todas as necessidades dos cidadãos devem ser supridas, descabendo restrições de cunho objetivo ou subjetivo. [...] Nesse sentido deve ser compreendido o termo “atendimento integral”. Resulta ser vedado ao Poder Público delimitar por atos normativos as espécies de tratamentos e medicamentos que serão fornecidos aos necessitados, devendo ser atendidas todas as demandas imprescindíveis à efetiva garantia do direito à saúde, ao bem-estar físico, psicológico e mental, e à dignidade da pessoa humana.

Assim, reputam-se ofensivas ao preceito constitucional as normas administrativas que delimitam a prestação a determinadas espécies de insumos ou a algumas moléstias, pois têm o condão de restringir o atendimento, tornando-o apenas parcial. Diante da necessidade de determinada prestação relacionada à saúde para a prevenção, controle ou cura de moléstias, a demanda deve ser integralmente satisfeita.

Não obstante o nobre conhecimento jurídico dos que defendem este entendimento, ousamos discordar dele. discordar dele.

Isso porque o direito à saúde, assim como os demais direitos fundamentais, é composto por uma estrutura normativa formada por duas partes, que, como já visto, são as partes nuclear ou central (núcleo essencial do direito) e a parte ponderável. 16

Os doutrinadores, juristas e julgadores que defendem o atendimento integral a todas as necessidades dos cidadãos ligadas ao direito de saúde e que pregam a condenação judicial indiscriminada dos entes públicos ao fornecimento de medicamentos parecem desconsiderar referida estrutura.

Assim, ao contrário da corrente até agora ventilada, defendemos, à luz da “Teoria dos Limites dos Limites”, e baseando-se principalmente na teoria relativa do núcleo essencial dos direitos fundamentais e na análise e pondeação dos interesses ou direitos em conflito, que é possível a limitação e regulação de um direito fundamental, no caso o direito à saúde, com a finalidade de permitir que possa ser efetivamente exercido, desde que seja observado e respeitado, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, o conteúdo essencial do referido

16 Alguns doutrinadores defendem ainda a existência de uma terceira parte na composição do conteúdo total dos direitos constitucionais, que seria, conforme analisado nos tópicos anteriores, a parte metajurisdiconal, que é uma região normativa dentro da qual o interprete da Constituição reconhece o poder discricionário do legislador e do administrador democráticos, e, em conseqüência, não concretiza o direito.

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direito fundamental.

Dessa forma, as demandas judiciais que envolvem o fornecimento de medicamentos pelos entes públicos não devem ser acolhidas pelo Judiciário sem quaisquer restrições. Ao contrário, devem os julgadores atentar para o caso concreto posto às suas mãos e somente deferir o requerimento quando o núcleo essencial do direito à saúde esteja sendo violado, o que analogamente significa dizer que, a princípio, se estiver em questão situação que se refira à parte ponderável do direito à saúde, ou parte metajurisdicional para os que admitem a existência desta terceira parte, a demanda não deve ser acolhida. 17

Por outro lado, a condenação judicial indiscriminada dos entes públicos ao fornecimento de medicamentos não apenas desconsidera que o ativismo judicial só é legítimo quando estamos diante de um caso de comprovado perigo ao núcleo essencial do direito à saúde, mas também atenta contra as políticas públicas de saúde, em especial a padronização que permeia a política de fornecimento de medicamentos, e prejudica a efetiva prestação de saúde para todos de forma universal e igualitária.

Conforme já visto, o direito à saúde deve ser perseguido pelo Estado através de políticas públicas que visem à prevenção e tratamento de doenças de modo igualitário a toda a população.

Com efeito, da mesma forma que ocorre com os demais direitos fundamentais, aos quais sempre há a correspondência de um dever fundamental, com o direito fundamental à saúde não é diferente. Assim, no caso particular do direito fundamental da saúde a Constituição Federal previu expressamente, no art. 196, qual seria o dever correspondente do Estado, sendo ele: “garantir a todos o direito à saúde, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Pode-se constatar pela interpretação do mencionado dispositivo constitucional que os cidadãos não possuem direito absoluto, amplo e irrestrito ao recebimento de um medicamento específico, pois esse dispositivo também confere ao Estado a prerrogativa de escolher, dentre os medicamentos existentes no mercado e com base na demanda da população e em critérios técnicos e científicos de segurança sanitária e eficiência, aqueles que serão fornecidos gratuitamente.

É certo que os interesses e direitos individuais isoladamente considerados não podem ser analisados e atendidos à revelia dos interesses da coletividade em geral, devendo haver uma interpretação da regra constitucional que impõe ao Estado o dever de prestação da saúde de modo a compatibilizar o interesse de todos.

Para a boa prestação do serviço público de saúde e realização de políticas públicas neste campo não basta determinar os entes públicos a fornecerem os medicamentos que as pessoas isoladamente afirmam necessitar, mas deve haver uma pesquisa prévia daqueles medicamentos mais essenciais e de maior

17 Nesta linha de pensamento, tratando do direito à saúde, segue trecho do voto da ilustre Desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Sra. Albergaria Costa, no julgamento do Mandado de Segurança n. 1.0000.06.443869-0/000:

“(...) Cabe lembrar, neste contexto, que, nesta linha de entendimento, um direito subjetivo a prestações não poderá abranger - em face dos limites já referidos - toda e qualquer prestação possível e imaginável, restringindo-se, onde não houver previsão legal, às prestações elementares e básicas.

(...) Não será lícito, portanto, que o magistrado - a quem é conferido um papel de co-participação no processo de criação do Direito -, mediante indevida ingerência na atividade política e financeira do Estado, implemente precipitadamente um gasto extraordinário em favor da saúde de um único cidadão, quando não seja realmente indispensável à sua sobrevivência.

De fato, cabe às Cortes de Justiça serem “extremamente cuidadosas para não extrapolarem suas funções institucionais”, pelo que “os juízes devem interferir somente quando o núcleo do direito à saúde estiver em risco ou quando o Executivo e o Legislativo não souberem utilizar o poder discricionário dado a eles e passarem a atuar de forma abusiva” (MILANEZ, Daniela. In O Direito à saúde: Uma Análise Comparativa da Intervenção Judicial. Revista de Direito Administrativo nº 237, Jul/Set. 2004, Rio de Janeiro, p. 208)”.

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demanda para a saúde da população, a padronização de procedimentos e de requisitos para obtê-los, a dispensação isonômica para todos os que necessitam dos medicamentos, a análise prévia e o planejamento do orçamento para custeio dos medicamentos.

Importante destacar, dessa forma, que a própria ordem constitucional impõe ao Estado a obrigatoriedade de elaboração de políticas públicas para o atendimento universal e igualitário, o que representa na prática na eleição de critérios e programas por parte dos poderes Executivo e Legislativo, órgãos legitimamente eleitos para isto.

Toda esta política pública não pode ser prejudicada pelas sucessivas e excessivas condenações judiciais dos entes públicos ao fornecimento indiscriminado de medicamentos, como se bastasse ao paciente apresentar em juízo uma receita médica, até porque é comum o pagamento, pelos laboratórios farmacêuticos, de comissões financeiras aos médicos que prescrevem medicamentos fabricados por aqueles laboratórios, o que sem dúvida pode acarretar excessos que redundem em enormes prejuízos ao erário público e aos que realmente necessitam de atendimento pelo Poder Público.

As políticas públicas de saúde estabelecidas pelos poderes competentes não são baseadas em escolhas aleatórias e arbitrárias, mas levam em conta, segundo critérios técnicos e científicos, as maiores necessidades e demandas da população, atendendo-as de acordo com os recursos financeiros existentes, tudo segundo a eficiência administrativa, visando à efetiva prestação de saúde para todos de forma universal e igualitária.18

Por isso é que o direito público subjetivo fundamental à saúde, ao servir de fundamento para decisões judiciais que impõem o fornecimento de medicamentos pelos entes públicos, não pode ser considerado de forma abstrata e genérica, mas deve ser protegido seu núcleo essencial de acordo com as circunstâncias ou especificidades do caso concreto, tanto no que se referem aos problemas de saúde do jurisdicionado, quanto no que se referem às escolhas, políticas públicas e recursos financeiros apresentados pelo estado em relação àquela doença do paciente.

Resta claro, desta feita, que cabe ao Poder Executivo, e não ao Poder Judiciário, a elaboração, implementação, análise e organização das ações para o fornecimento de medicamentos que sejam capazes de tratar e prevenir doenças, devendo estas políticas possuir caráter isonômico para todos os indivíduos. Apenas em situações excepcionais e desde que as circunstâncias específicas do

18 Neste sentido se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode abstrair do seguinte texto informativo publicado no site do tribunal, sobre a “judicialização da saúde”, do qual se extraem as seguintes passagens: “No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a discussão sobre o tema reflete a dicotomia que cerca a questão: privilegiar o individual ou o coletivo? De um lado, a participação do Judiciário significa a fiscalização de eventuais violações por parte do Estado na atenção à saúde. Mas, de outro, o excesso de ordens judiciais pode inviabilizar a universalidade da saúde, um dos fundamentos do SUS.

Os órgãos da Seção de Direito Público (Primeira Seção - Primeira e Segunda Turmas) são encarregados de analisar as ações e os recursos que chegam ao Tribunal a respeito do tema. Para o presidente da Primeira Seção, ministro Teori Albino Zavascki, não existe um direito subjetivo constitucional de acesso universal, gratuito, incondicional e a qualquer custo a todo e qualquer meio de proteção à saúde. O ministro Teori Zavascki esclarece que o direito à saúde não deve ser entendido “como direito a estar sempre saudável”, mas, sim, como o direito “a um sistema de proteção à saúde que dá oportunidades iguais para as pessoas alcançarem os mais altos níveis de saúde possíveis”.

Em julgamento de um recurso na Primeira Turma (RMS 28.962), o ministro Benedito Gonçalves advertiu que as ações ajuizadas contra os entes públicos, para obrigá-los indiscriminadamente a fornecer medicamento de alto custo, devem ser analisadas com muita prudência.

O ministro Benedito Gonçalves observou que, ao ingressar na esfera de alçada da Administração Pública, o Judiciário cria problemas de toda a ordem, como o desequilíbrio de contas públicas, o comprometimento de serviços públicos, entre outros. Para ele a idéia de que o poder público tem condição de satisfazer todas as necessidades da coletividade ilimitadamente, seja na saúde ou em qualquer outro segmento, é utópica. “Oaparelhamento do Estado, ainda que satisfatório aos anseios da coletividade, não será capaz de suprir as infindáveis necessidades de todos os cidadãos”, avaliou.

Em outro caso analisado pela Segunda Turma, os ministros definiram que o direito à saúde não alcança a possibilidade de o paciente escolher o medicamento que mais se encaixe no seu tratamento. A relatora foi a ministra Eliana Calmon (RMS 28.338). Ela observou que, na hipótese, o SUS oferecia uma segunda opção de medicamento substitutivo, mas que, mesmo assim, o paciente pleiteou o fornecimento de medicamento de que o SUS não dispunha, sem provar que aquele não era adequado para seu tratamento.”

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caso concreto demonstrem que esteja em perigo o núcleo essencial do direito à saúde e a vida biológica da pessoa é que se torna legítima a intervenção do Poder Judiciário e a condenação judicial dos entes públicos ao fornecimento de medicamentos.

Na jurisprudência, entretanto, conforme afirmado anteriormente, não prevalece este entendimento, uma vez que os órgãos julgadores vêm concedendo tutelas individuais para o acesso indiscriminado a qualquer tipo de medicamento, sem análise de sua eficácia ou comprovação científica, em detrimento de todos os demais doentes e usuários do sistema público de saúde e a despeito das ações empreendidas pelo Estado na área da saúde.

Decisões judiciais que condenam o Poder Público a fornecer medicamentos sem registro na ANVISA; de determinada marca ou laboratório em detrimento dos medicamentos genéricos ou alternativas terapêuticas existentes; sem comprovação de eficácia ou experimentais; sem indicação para a doença ou indicado para outra doença; não padronizados ou não incluídos nas listas elaboradas pelos profissionais de saúde, e até mesmo já fornecidos pelo SUS, prejudicam todos os usuários e dependentes do sistema público de saúde e aqueles que realmente necessitam da prestação estatal.

Não se pode olvidar que a mesma Constituição que assegura a todos o direito à saúde também faculta ao poder público a prerrogativa de estabelecer políticas públicas a fim de garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços públicos de saúde (art. 196 da Constituição Federal).

Dessa forma, a fim de viabilizar o acesso universal e igualitário preconizado na Carta da República e na Lei n. 8.080/90 (art. 2º, §1º), o Poder Público implementa políticas de padronização de medicamentos (art. 6º, inciso VI), elaboradas a partir de estudos realizados por especialistas a serviço do Ministério da Saúde, como forma de disciplinar e propiciar a eficiente prestação do serviço público de saúde.

Neste contexto, importa destacar que a padronização de medicamentos e a elaboração de atos normativos pelo poder público a respeito do fornecimento de fármacos não representam uma limitação negativa ao direito à saúde, ao contrário, significam em si, ainda que não sejam perfeitas, uma tentativa de garantir e proteger o núcleo essencial do direito à saúde, garantindo o fornecimento de determinados medicamentos à população.

Não bastasse isto, as decisões judiciais em matéria de medicamentos provocam a desorganização da Administração Pública, privando-a da capacidade de se planejar e organizar a política pública de saúde existente, comprometendo a eficácia administrativa no atendimento do cidadão dela necessitado. Isto se dá porque ao ser proferida uma decisão determinando o fornecimento imediato de medicamentos, frequentemente o Governo retira o fármaco ou verba do programa já existente, desatendendo ou comprometendo o eficiente atendimento de paciente que depende do referido programa. 19

Também no contexto da análise econômica do direito, Luís Roberto Barroso afirma que o benefício alcançado pela população com a distribuição de medicamentos é significativamente menor que o benefício que seria auferido caso os mesmos recursos fossem investidos em outras políticas públicas de saúde, tais como saneamento básico e construção de redes de água potável.20

Lado outro, não se discute que o dever de fornecimento de medicamentos esteja relacionado diretamente com o direito à vida, haja vista que a falta do tratamento adequado pode causar a morte do requerente.

Contudo, a utilização deste raciocínio lógico deve ser feita com prudência para não se chegar a resultados absurdos, que contrariem as políticas públicas

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19 BARROSO, Luís Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. Revista Jurídica UNIJUS. Uberaba-MG, vol. 15, novembro de 2008, p. 13-38.20 Idem.21 MORAIS, Mariana Rodrigues Gomes. Breve Análise Sobre o Direito ao Fornecimento de Medicamentos: Do Individual ao Coletivo e Difuso.22 BRANCO, Luciana Temer Castelo. Abrangência do Direito à Saúde: Fornecimento de Medicamentos Especiais é Dever do Estado.

de saúde e prejudiquem toda a coletividade.

Isso porque a impressão que se tem nas decisões judiciais relativas ao fornecimento de medicamentos é que de um lado encontra-se a vida do requerente e de outro o interesse, principalmente financeiro, do Estado, fundamentado na previsão orçamentária, separação dos poderes, reserva do possível e etc., o que não é verdade.

O correto nestes casos é que de um lado existe o interesse do requerente daquela demanda, que pode até, mas nem sempre, ser relacionado à sua vida, e, do outro, existem as vidas de todos os demais doentes, que são atendidos pelas políticas públicas de saúde e que delas dependem e que serão prejudicados em razão do tratamento preferencial garantido a apenas um beneficiado.

A solução para a questão, então, está na obediência aos preceitos constitucionais, isto é, a fim de cumprir as exigências do princípio da igualdade, o fornecimento de medicamentos deve ser feito de modo isonômico entre os cidadãos, não se podendo admitir o atendimento de casos isolados, em detrimento da coletividade e da política pública de fornecimento de medicamentos 21, salvo em casos excepcionais, onde a análise do caso concreto e a ponderação ou proporcionalidade dos interesses em conflito demonstre que o núcleo essencial do direito fundamental à saúde esteja em perigo ou sendo desrespeitado, com risco comprovado a vida biológica do requerente.

No mais, a associação entre vida e saúde não abrange todos os aspectos constitucionais do direito à vida, que engloba elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais), mas somente aqueles ligados à vida biológica.22 Assim, se não houver risco à vida biológica da pessoa não pode o Estado, via de regra, ser condenado a fornecer tratamento ou medicamento à determinada pessoa em detrimento de todas as outras que necessitam do serviço público de saúde.

Aqui enquadra-se os casos em que se requer o fornecimento de tratamento ou medicamento contra a infertilidade. Sem desmerecer os transtornos emocionais que isto possa ocasionar, a princípio, não deve o Poder Público ser obrigado pela via judicial a fornecer, em desrespeito às políticas públicas existentes e das quais depende a saúde de milhares de pessoas, referidos medicamentos ou tratamento, que podem até estar relacionado com o direito à saúde, mas não na sua parte central ou núcleo essencial.

Até pode, e deve, o Poder Público, por meio de políticas públicas e serviços públicos de saúde fornecer tratamento e medicamento contra infertilidade para os casos mais comuns e que atinjam parcela considerável da população. Mas a condenação judicial do ente público a fornecer medicamentos e tratamentos que não fazem parte da política pública de saúde e que não coloquem em risco a vida biológica da pessoa ou o núcleo essencial do direito à saúde só serve para prejudicar o serviço público de saúde, a política de fornecimento de medicamentos baseada na padronização e a população que dela dependa.

Assim sendo, a condenação indiscriminada dos entes públicos ao fornecimento de medicamentos em tutelas individuais por parte do Poder Judiciário atenta

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contra a política de padronização, afetando e prejudicando toda a coletividade que depende dos serviços públicos de saúde, e vem causando a ruína das políticas públicas, uma vez que avoca para os juízes uma função que, de regra, caberia ao Poder Executivo (dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário).

Além disso, ao se delimitar o núcleo essencial do direito à saúde e restringir o fornecimento de medicamentos pela via judicial somente aos casos comprovadamente e realmente necessários, ligados ao núcleo essencial do direito, haverá uma economia dos escassos recursos públicos, que poderão ser utilizadas em outras ações ligadas à política pública da saúde, que se mostrem mais urgentes, indispensáveis e que beneficiem não só alguns indivíduos, mas uma coletividade de pessoas.

Ressalta-se, por oportuno, que a posição aqui defendida não é a de impossibilitar ou impedir a obtenção pelo jurisdicionado de decisão judicial favorável a respeito de fornecimento de medicamentos pelo Poder Público. O que se defende aqui é que não haja uma condenação indiscriminada dos entes públicos ao fornecimento de medicamentos em tutelas individuais, ou seja, defende-se que deve haver limites ao Poder Judiciário na apreciação de demandas com este objeto, devendo ser respeitadas as políticas públicas de saúde e padronização no fornecimento de medicamentos, sendo legítima a atuação do Judiciário apenas nos casos em esteja sendo violado o núcleo essencial do direito à saúde. 23

Vê-se, assim, que a delimitação do núcleo essencial do direito à saúde é importante para evitar os efeitos deletérios que eventual realização da microjustiça nos casos individuais concretos de fornecimento indiscriminado de medicamentos ocasionará em toda a sociedade, prejudicando sobremaneira a macrojustiça.

Luís Roberto Barroso, defendendo tal necessidade e tratando dos excesos cometidos pelo Poder Judiciário ao apreciar questão envolvendo fornecimento de medicamentos pelos entes públicos, assevera que: 24

O sistema, no entanto, começa a apresentar sintomas graves de que pode morrer da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de critérios e de voluntarismos diversos. Por um lado, proliferam decisões extravagantes ou emocionais, que condenam a Administração ao custeio de tratamentos irrazoáveis – seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade –, bem como de medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa, associados a terapias alternativas [...]. Diante disso, os processos terminam por acarretar superposição de esforços e de defesas, envolvendo diferentes entidades federativas e mobilizando grande quantidade de agentes públicos, ai incluídos procuradores e servidores administrativos. Desnecessário enfatizar que tudo isso representa gastos, imprevisibilidade e desfuncionalidade da prestação jurisdicional.[...] Tais excessos e inconsistências não são apenas problemáticos em si. Eles põem em risco a própria continuidade das políticas de saúde pública, desorganizando a atividade administrativa e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos.

23 Nesse sentido MILANEZ, Daniela. in O Direito à saúde: Uma Análise Comparativa da Intervenção Judicial. Revista de Direito Administrativo nº 237, Jul/Set. 2004, Rio de Janeiro, p. 208, afirma que “os juízes devem interferir somente quando o núcleo do direito à saúde estiver em risco ou quando o Executivo e o Legislativo não souberem utilizar o poder discricionário dado a eles e passarem a atuar de forma abusiva”.24 BARROSO, Luís Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. Revista Jurídica UNIJUS. Uberaba-MG, vol. 15, novembro de 2008, p. 13-38.

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Não resta dúvida, assim, que a delimitação do núcleo essencial do direito à saúde é medida que se mostra urgente, essencial e indispensável para a eficiente prestação jurisdicional ligada às demandas de fornecimento de medicamentos pelo Poder Público e para a efetiva prestação dos serviços públicos de saúde a quem realmente deles necessite.

3.1 - A Delimitação do Núcleo Essencial do Direito à Saúde e Parâmetros Para a Atuação Judicial no Fornecimento de Medicamentos.

Vimos anteriormente que o núcleo essencial pode ser conceituado como o conteúdo mínimo e intangível, núcleo duro e imodificável do direito fundamental, analisado no caso concreto e de acordo com as circunstâncias que o caracterizam, que em quaisquer circunstâncias deve sempre ser protegido, sob pena de criar grave situação inconstitucional. Da mesma forma, foi visto que a doutrina e jurisprudência tem aceitado e acatado predominantemente a teoria relativa do núcleo essencial, que defende a tese de que o conteúdo de um direito fundamental só pode ser conhecido analisando-se, em cada caso concreto, os valores e interesses em jogo, sendo um conceito relativo porque, segundo as exigências do momento, o conteúdo poderá ser ampliado ou restringido.

Aceita-se, assim, a possibilidade da limitação e regulação de um direito fundamental com a finalidade de permitir que possa ser efetivamente exercido, ou seja, admite-se a imposição de limites, mas sempre que observem e respeitem o conteúdo essencial do direito fundamental.

Dentro desse contexto vimos a importância da delimitação do núcleo essencial do direito à saúde no que se refere à condenação judicial indiscriminada dos entes públicos ao fornecimento de medicamentos, haja vista que esta condenação indiscriminada atenta contra as políticas públicas de saúde, em especial a padronização que permeia a política de fornecimento de medicamentos, e prejudica a efetiva prestação de saúde para todos de forma universal e igualitária.

Posto isso, a delimitação do núcleo essencial do direito à saúde é medida que se mostra urgente e indispensável, razão pela qual a partir deste ponto discorreremos sobre os parâmetros para a delimitação do núcleo essencial do direito à saúde, o que, por conseguinte, limita a própria atuação judicial nas ações relativas ao fornecimento de medicamentos.

Inicialmente, e já fazendo menção ao primeiro parâmetro de delimitação do núcleo essencial do direito à saúde, podemos afirmar que, pelo menos a princípio, o núcleo essencial do direito à saúde esta relacionado à vida biológica as pessoas.

Como já afirmado anteriormente, a associação entre vida e saúde não abrange todos os aspectos constitucionais do direito à vida, que engloba elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais), mas somente aqueles ligados à vida biológica. Assim, se não houver risco à vida biológica da pessoa não pode o Estado, via de regra, ser condenado a fornecer tratamento ou medicamento à determinada pessoa em detrimento de todas as outras que necessitam do serviço público de saúde, e do qual dependem as suas vidas.

Isso não quer dizer que todas as situações em que a vida biológica não esteja diretamente em risco não mereçam ser acolhidas pelo Judiciário. Significa apenas que a príncipio devem ser acolhidas apenas as situações em que a vida biológica esteja em perigo. Certamente existem e existirão situações em que a vida biólogica não esteja diretamente em risco e mesmo assim deverão ser

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acolhidas e protegidas pelo judiciário, tudo de acordo com a análise do caso concreto e ponderação dos interesses em jogo e desde que demonstrem grave risco ao núcleo essencial do direito a saúde naquele caso específico.

Além disso, podemos destacar como um segundo parâmetro o fato de que a atuação jurisdicional deve procurar efetivar as políticas públicas de saúde existentes, promovendo as opções já formuladas pelos entes federativos e concretizando a dispensação de medicamentos já padronizados e incluídos nas listas do SUS.

Insta ressaltar aqui, como já feito anteriormente, que a padronização de medicamentos e a elaboração de atos normativos pelo Poder Público a respeito o fornecimento de fármacos não representam uma limitação negativa ao direito à saúde, ao contrário, caracteriza, ainda que sem perfeição, uma tentativa de delimitar, garantir e proteger o núcleo essencial do direito à saúde, assegurando o fornecimento dos medicamentos indispensáveis e de maior demanda pela população.

Presume-se com a elaboração destas listas que o Executivo e o Legislativo, órgãos democraticamente legitimados para a elaboração e definição das políticas públicas, avaliaram e analisaram as principais necessidades a serem supridas, os critérios e aspectos técnicos que envolvem o fornecimento e eficácia dos medicamentos e, também, os recursos disponíveis.

Assim, a princípio, não é obrigação do Poder Público fornecer medicamentos que nem sequer foram selecionados por profissionais técnicos da saúde responsáveis pela seleção e padronização dos medicamentos a serem dispensados à população25, sendo certo afirmar que esta tarefa de seleção e padronização já representa uma demarcação do núcleo essencial do direito fundamental à saúde e um parâmetro de atuação do Poder Judiciário.

Essa presunção, no entanto, não é absoluta ou intangível de revisão judicial, sendo legítima a atuação do Poder Judiciário na repressão de abusos porventura existentes. Assim, por exemplo, a relativa impossibilidade de acolhimento de pretensão ao fornecimento de medicamentos não padronizados ou incluídos nas listas de medicamentos fornecidos pelo SUS não impede que as próprias listas sejam questionadas judicialmente, de sorte que pode vir o Poder Judiciário, preferencialmente por meio de ações coletivas, rever as listas elaboradas e, verificando equívoco na avaliação pelo Poder Público, acrescentar determinado fármaco. Da mesma forma é legítima a intervenção judicial quando a análise do caso concreto demonstra grave violação ao núcleo essencial do direito fundamental, restando configurado perigo à vida biológica do paciente, e as circunstâncias do caso levem à conclusão de que determinado medicamento não foi incluído por equívoco ou desvio de avaliação do Poder Público.

A inclusão de medicamentos nas listas deve ser preferencialmente postulada por meio de ações coletivas, haja vista o efeito erga omnes destas ações. Não obstante, no caso de ações individuais a solução que nos parece mais prudente,

25 Nesta linha o entendimento do TJMG:

EMENTA: CONSTITUCIONAL - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO - NÃO CARACTERIZAÇÃO - DIREITO À SAÚDE - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA DISTRIBUTIVIDADE E DA SELETIVIDADE - INDEFERIMENTO. - Tanto o ente estatal quanto o municipal possuem legitimidade para figurarem no pólo passivo da ação de fornecimento de medicamento, haja vista que o direito à saúde é prestado aos cidadãos através de um sistema único, integrado por uma rede regionalizada e hierarquizada, composta por todos os entes federados, em que o poder é descentralizado. - Para a concretização do direito à saúde o poder público deve agir seletiva e distributivamente, não sendo possível ao magistrado determinar que o ente estatal suporte os custos de medicamentos que não foram previamente selecionados mediante critérios técnicos que indicam as necessidades mais prementes da população, sob pena de o Judiciário imiscuir-se na esfera de competência do Legislativo e do Executivo, interferindo no orçamento dos entes estatais e até mesmo na política de distribuição de saúde a todos os cidadãos, priorizando o direito de uns em detrimento do de muitos. (Apelação Cível N° 1.0223.06.207882-7/001 - Comarca De Divinópolis - Apelante(S): Município Divinopolis - Apelado(A)(S): Maria Da Conceição De Oliveira - Autorid Coatora: Prefeito Mun Divinopolis, Secretario Mun Saude Divinopolis - Relator: Exmo. Sr. Des. Dídimo Inocêncio De Paula).

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na esteira dos ensinamentos de Luis Roberto Barroso26, é que o magistrado oficie o Ministério Público para que este órgão avalie a possibilidade e conveniência da propositura de uma ação coletiva, ainda que no caso específico seja deferido o fornecimento de medicamento para evitar dano irreparável à vida do requerente.

Além desses parâmetros, que a nosso ver são os mais importantes, outros são fornecidos pela doutrina.

Nesse sentido, destacamos mais uma vez os ensinamentos de Luís Roberto Barroso27, que ao fazer menção às ações coletivas que objetivam a inclusão de medicamento na lista do SUS nos fornece mais três parâmetros de atuação do Poder Judiciário, que não deixam de ser também uma limitação ao núcleo essencial do direito à saúde.

O primeiro deles prega que os orgoãos jurisdicionais só poderão determinar a inclusão na lista do SUS de medicamentos que possuem eficácia comprovada. Assim, não podem ser incluídos na lista medicamentos experimentais e alternativos que não tenham a eficácia de suas substâncias comprovada cientificamente.

Neste ponto destacam-se as precisas lições de Ricardo Seibel de Freitas Lima, in verbis: 28

o Poder Judiciário não necessita ficar vinculado à observância de um protocolo clínico, mas é altamente recomendável que o magistrado, ao analisar a situação, confie nos estudos técnicos elaborados de forma ética e científica por profissionais de renome, o que evitará que o Estado seja a compelido a custear medicamentos ou tratamentos baseados em prescrições duvidosas, perigosas, não admitidas no País e até mesmo, antiéticas, pois tendentes a beneficiar determinado fabricante em detrimento de outros.

Além disso, o Poder Judiciário ao determinar a inclusão de medicamentos na lista, ou mesmo ao apreciar demanda requerendo fornecimento de medicamento, deve optar, sempre que possível, por substâncias e medicamentos disponíveis no mercado nacional, haja vista a necessidade de harmonizar o direito à saúde com o princípio constitucional do acesso universal e igualitário.

Por esta mesma razão, e já se referindo ao terceiro parâmetro, é que o Judiciário deverá optar por medicamento genérico, de menor custo.

Referidos parâmetros, embora tratados pelo doutrinador acima destacado nas ações coletivas, servem também, a nosso ver, como referências nas próprias ações individuais.

4 - Conclusão

Por tudo que foi visto podemos concluir que:

26 BARROSO, Luís Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. Revista Jurídica UNIJUS. Uberaba-MG, vol. 15, novembro de 2008, p. 13-38. 27 Idem.28 Lima, Ricardo Seibel de Freitas. Direito à saúde e critérios de aplicação, Direito público 12:66, 2006.

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1 - A estrutura normativa dos direitos fundamentais, e também dos demais direitos constitucionais, é composta por duas partes bem distintas, dogmaticamente independentes uma da outra, mas que compõem a mesma realidade normativa de um determinado direito, ou seja, são partes componentes de seu conteúdo total. A primeira dessas partes é chamada de parte nuclear ou parte central, representada pelo núcleo essencial do direito, isto é, seu conteúdo mínimo que, de acordo com as circunstâncias específicas do caso concreto, deve sempre ser respeitado. A outra parte é a parte ponderável, sujeita as técnicas de ponderação em caso de conflito com outros direitos constitucionais.

2 - O núcleo essencial dos direitos fundamentais pode ser conceituado como o conteúdo mínimo e intangível, núcleo duro e imodificável do direito fundamental, analisado no caso concreto e de acordo com as circunstâncias que o caracterizam, que em quaisquer circunstâncias deve sempre ser protegido, sob pena de criar grave situação inconstitucional.

3 - Doutrina e jurisprudência tem aceitado e acatado predominantemente a teoria relativa do núcleo essencial, que defende a tese de que o conteúdo de um direito fundamental só pode ser conhecido analisando-se, em cada caso concreto, os valores e interesses em jogo, sendo um conceito relativo porque, segundo as exigências do momento, o conteúdo poderá ser ampliado ou restringido. Admite-se, assim, a possibilidade da limitação e regulação de um direito fundamental com a finalidade de permitir que possa ser efetivamente exercido, ou seja, admite-se a imposição de limites, mas sempre que observem e respeitem o conteúdo essencial do direito fundamental.

4 – Em virtude do princípio da separação dos poderes, da reserva do possível e da dificuldade contramajoritária do Poder Judiciário, a intervenção desse poder na concretização dos direitos fundamentais, ou seja, o ativismo judicial, só é legítimo quando estamos diante de uma situação, analisada de acordo com as circunstâncias do caso concreto, onde o conteúdo ou núcleo essencial do direito esteja em perigo. Nessa situação é plenamente possível a concretização do direito fundamental por meio da atuação do Poder Judiciário.

5 - Especificadamente no que toca ao direito fundamental à saúde a maioria das decisões judiciais e grande parte da doutrina entendem, com fundamento nos artigos 196 e 198, II, da Constituição Federal, que o direito à saúde é intimamente ligado ao direito à vida, de forma que é dever constitucional do Poder Público, principalmente às pessoas destituídas de recursos financeiros, o fornecimento de medicamentos, sendo que o usuário do Sistema Único de Saúde tem direito a atendimento digno, adequadado e integral a seu tratamento, não cabendo qualquer restrição e não se justificando que a Administração Pública se ampare na obediência a procedimentos orçamentários, na separeação de poderes e na reserva do possível, e sendo, ainda, vedado ao Poder Público delimitar através de atos e dispositivos normativos as espécies de tratamentos ou medicamentos que serão fornecidos.

6 – Os defensores do atendimento integral a todas as necessidades dos cidadãos ligadas ao direito de saúde e que pregam a condenação judicial indiscriminada dos entes públicos ao fornecimento de medicamentos parecem desconsiderar a estrutura normativa do direito à saúde, que assim como os demais direitos fundamentais é formada por duas partes - parte central ou núcleo essencial e parte ponderável – e desconsiderar que o ativismo judicial ou concretização do direito fundamental pelo Poder Judiciário só é legítimo quando estamos diante de um caso de comprovado perigo ao núcleo essencial do direito à saúde.

7 - As demandas judiciais que envolvem o fornecimento de medicamentos pelos entes públicos não devem, assim, ser acolhidas pelo Judiciário sem quaisquer restrições. Ao contrário, devem os julgadores se atentar para o caso

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concreto posto às suas mãos e somente deferir o requerimento quando o núcleo essencial do direito à saúde esteja sendo violado, o que significa dizer que, a princípio, se estiver em questão situação que se referira à parte ponderável ou parte metajurisdicional do direito à saúde a demanda não deve ser acolhida.

8 - Mostra-se importante, desta feita, a delimitação do núcleo essencial do direito à saúde, haja vista que esta delimitação funcionará como um parâmetro de atuação do Poder Judiciário na apreciação das ações judiciais que envolvem o fornecimento de medicamentos. Isso porque, da forma como se dá atualmente, a condenação judicial indiscriminada do Poder Público ao fornecimento de medicamentos desconsidera que o ativismo judicial só é legítimo quando estamos diante de um caso de comprovado perigo ao núcleo essencial do direito à saúde e atenta contra as políticas públicas de saúde existentes, em especial a padronização que permeia a política de fornecimento de medicamentos, e prejudica a efetiva prestação de saúde para todos de forma universal e igualitária.

9 – A delimitação do núcleo essencial do direito à saúde é feita principalmente por sua relação com a vida biológica das pessoas. A associação entre vida e saúde não abrange todos os aspectos constitucionais do direito à vida, que engloba elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais), mas somente aqueles ligados à vida biológica. Assim, se não houver risco à vida biológica da pessoa não pode o Estado, a princípio e salvo em casos excepcionais, ser condenado a fornecer tratamento ou medicamento à determinada pessoa em detrimento de todas as outras que necessitam do serviço público de saúde.

10 – Além disso, as políticas públicas caracterizadas pela padronização de medicamentos e a elaboração de atos normativos pelo Poder Público a respeito do fornecimento de fármacos não representam uma limitação negativa ao direito à saúde, ao contrário, caracterizam, ainda que sem perfeição, uma tentativa de delimitar, garantir e proteger o núcleo essencial do direito à saúde, assegurando o fornecimento dos medicamentos indispensáveis e de maior demanda pela população. Assim, podemos destacar como um segundo parâmetro o fato de que a atuação jurisdicional deve procurar efetivar, via de regra, as políticas públicas de saúde existentes, promovendo as opções já formuladas pelos entes federativos e concretizando a dispensação de medicamentos já padronizados e incluídos nas listas do SUS.

11 – Não pode o Poder Judiciário, dessa forma, atuar para obrigar o Poder Público a fornecer medicamentos que nem sequer foram selecionados por profissionais técnicos da saúde responsáveis pela seleção e padronização dos medicamentos a serem dispensados à população, salvo se for para reprimir abusos porventura existentes e equívoco na avaliação pelo Poder Público ou se restar caracterizado no caso concreto grave violação ao núcleo essencial do direito fundamental, restando configurado perigo à vida biológica do paciente.

12 – Outro parâmetro de delimitação do núcleo essencial do direito fundamental à saúde e de atuação do Poder Judiciário determina que os orgãos jurisdicionais só possam determinar a inclusão na lista do SUS ou o fornecimento de medicamentos que possuem eficácia comprovada. Assim, não pode o Poder Público ser obrigado judicialmente a incluir na lista do SUS e a fornecer medicamentos experimentais e alternativos que não tenham a eficácia de suas substâncias comprovada cientificamente, haja vista que nesta situação não há que se falar que o não fornecimento estaria violando o núcleo essencial do direito à saúde e pondo em risco a vida biólogica do paciente.

13 – Também configura-se como um parâmetro o fato de o Poder Judiciário, ao determinar a inclusão de medicamentos na lista ou o fornecimento de medicamento, dever optar, sempre que possível, por substâncias e medicamentos disponíveis no mercado nacional, haja vista a necessidade de harmonizar o

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direito à saúde com o princípio constitucional do acesso universal e igualitário.

14 – Buscando ainda harmonizar o direito à saúde com o princípio constitucional do acesso universal e igualitário é que o Judiciário deverá, também, optar por medicamento genérico, de menor custo.

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