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Universidade de Brasília UnB Faculdade de Direito FD Disciplina: Teoria Geral do Processo II Turno noturno O Direito Penal do Inimigo e a Lei de Crimes Hediondos Gabriel Habib Resenha crítica Grauther José Nascimento Sobrinho 15/0011156 Juliana Figueiredo de Oliveira Gomes 15/0013884 Novembro de 2016

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Universidade de Brasília – UnB

Faculdade de Direito – FD

Disciplina: Teoria Geral do Processo II

Turno noturno

O Direito Penal do Inimigo e a Lei de Crimes Hediondos –

Gabriel Habib

Resenha crítica

Grauther José Nascimento Sobrinho – 15/0011156

Juliana Figueiredo de Oliveira Gomes – 15/0013884

Novembro de 2016

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Grauther José Nascimento Sobrinho – 15/0011156 - Noturno

Juliana Figueiredo de Oliveira Gomes – 15/0013884 - Noturno

Resenha crítica

O Direito Penal do Inimigo e a Lei de Crimes Hediondos –

Gabriel Habib

Resenha crítica da obra O Direito Penal e a

Lei de Crimes Hediondos de Gabriel Habib,

publicado em Salvador, Bahia, pela editora

Juspodivm no ano de 2013, possuindo 109

páginas.

Novembro de 2016

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DESENVOLVIMENTO

Dados da obra: HABIB, Gabriel. O Direito Penal do Inimigo e A Lei de Crimes

Hediondos. Salvador, Bahia:Juspodivm, 2013. 109 páginas.

O autor Gabriel Habib objetiva em sua obra “O direito penal do inimigo e a lei de crimes

hediondos” analisar se a lei de crimes hediondos, a Lei 8.072/90, configura uma espécie de

direito penal do inimigo. Baseando-se fundamentalmente no conceito de direito penal do

inimigo defendido pelo penalista alemão Günter Jacobs, Habib analisa a lei supracitada

estabelecendo um paralelo constante com o conceito de Günter, e em que medida as restrições

de direito no âmbito material e processual encontrados nessa lei seria uma ofensa ao Estado

Democrático de Direito, paradigma jurídico adotado pelo Brasil.

No primeiro capítulo, o autor parte da concepção de Direito Penal do inimigo cunhada por

Günther Jacobs, analisando as características e fundamentos de tal conceito, fazendo ainda um

panorama das medidas ditas “excepcionais” que podem ser aplicadas com base na aplicação

também excepcional do conceito que termina por quebrar a relação existente entre individuo e

pessoa.

A Lei 8.072/90 tem como precedentes sociais a preocupante criminalidade vivenciada na

década de 80 e 90, com o aumento dos crimes graves, violentos e que representam grave

ameaça à pessoa, entre eles destaca-se o homicídio, o latrocínio e a extorsão mediante

sequestro. O sequestro dos empresários Roberto Medina e Abílio Diniz no estado do Rio de

Janeiro, sendo que o primeiro foi libertado apenas após o pagamento de uma quantia de mais

de 2 milhões de dólares, o amedrontamento das elites economicamente dominantes e a

crescente veiculação midiática foram fatores que acabaram por pressionar as autoridades

governamentais a se posicionarem frente a situação caótica.

A Constituição de 88 em seu artigo 5º, parágrafo XLIII, positiva a existência de crimes

hediondos, considerando-os crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia,

colocando ainda a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o

terrorismo como condutas tão gravosas quanto e por sua decorrência, acarretam as mesmas

medidas relativas aos crimes hediondos. Com apoio de tal diploma legal, em 25/07/1990, 49

dias após o sequestro de Roberto Medina, o Congresso Nacional publica a lei de crimes

hediondos como resposta a enorme pressão social, inovando em vedações que compelem aos

delinquentes um tratamento tanto penal quanto processual mais severo, impedindo que

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aqueles que cometessem algum dos tipos estabelecidos no inciso XLIII, do artigo 5º CF,

permanecessem em liberdade.

Para o penalista Günter Jacobs, o Direito Penal tem por finalidade não a proteção de bens

jurídicos e sim a garantia da vigência da norma, visão essa que não é defendia pela doutrina

majoritária Nacional, para autores como Bittencourt, a função do direito penal ainda continua

sendo a proteção de bens jurídicos indisponíveis a pessoa humana (BITTENCOURT, 2016, p.

40). Parafraseando Jacobs, Habib afirma que “a estabilização da norma é a estabilização da

sociedade” (p. 17), assim, a expectativa que a sociedade possui em relação a vigência da

norma deve ser mantida, o delito constitui a desautorização da norma, faltando fidelidade ao

ordenamento jurídico. Tal conceituação de caráter puramente positivista coloca como central

a obediência ao ordenamento jurídico enquanto que as razões axiológicas são pontuadas em

segundo plano, primeiro garante-se a eficácia do ordenamento e sua expectativa normativa,

posteriormente os bens jurídicos essenciais à pessoa.

Para Jacobs existiriam duas espécies de Direito Penal, o do inimigo e o do cidadão. O

primeiro reconhece o autor do delito como uma fonte de perigo ou como meio de intimidação,

enquanto que o segundo defende o direito do autor de ser reconhecido como uma pessoa,

titular de certas garantias, mesmo que limitadas. Habib faz uso de apoio doutrinário para

afirmar que ambas as realidades podem existem em um mesmo plano, não são consideradas

espécies isoladas e contrapostas, no entanto, ainda assim analisa defende a improcedência da

inserção de possíveis normas de Direito Penal do inimigo dentro de um Estado de Direito

como o Brasileiro.

Seguindo a lógica arquitetada por Jacobs:

[..] a pena é um meio de coação e tem como significado a resposta a um fato

criminoso praticado pelo agente que desautorizou a vigência da norma, ao

atacar sua vigência, como forma de afirmar que a vontade do agente é

irrelevante perante a vigência da norma e que, apesar de violada, ela segue

sem modificações com a manutenção da sociedade [...] (p. 30)

A pena ainda se apresentaria como uma mediada contra o perigo em potencial, já que o autor

ficaria impossibilitado de praticar outros delitos se está condicionado apenas como a privativa

de liberdade, e adaptando ao contexto dos crimes hediondos, a periculosidade do individuo

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passa a ser contida. A relação com o inimigo passa a determinar-se a partir da coação

legitimada pelo direito penal, e não propriamente pelo Direito.

O delito praticado pelo cidadão não coloca em perigo o próprio Estado e suas instituições, ele

trata-se de uma pessoa que pratica um delito normal e que pode não voltar a cometer tais atos

posteriormente, ao passo que o crime praticado pelo inimigo lesa as expectativas normativas,

o inimigo não oferece garantias psicológicas de um comportamento pessoal adequado ao

ordenamento. O Estado deve deixar de tratá-los como pessoas, visando garantir a segurança

do restante da sociedade que ainda se encontram abarcado por essa condição. Assume-se

assim, conforme prerrogativas do Direito Penal do inimigo, a necessidade de exclusão e

neutralização daqueles que oferecem grande risco à norma e às pessoas por ela protegidas.

Posição essa defendida por Rafaelle Garofalo que afirma “a necessidade de o Estado afastar

essa pessoa do convívio social por tempo indeterminado” (GAROFALO, Rafaelle, 1916, p.

504).

Analisando o sistema penal constitucional então vigente no país, vê-se que o mesmo foi

estruturado como um mecanismo de proteção de indivíduos frente a abusos estatais, dentro de

um processo em que seus direitos fundamentais sejam respeitados. Logo, para o autor, seria

no mínimo contraditória a inserção de mecanismos de Direito Penal do inimigo em um

ordenamento jurídico que vise barrar abusos, tal prática funcionaria apenas como uma tática

de legitimação formal.

Para o inimigo as medidas de reclusão e neutralização são uma espécie de Direito Penal de

exceção, no entanto, em que medida isso seria possível considerando a necessidade de

coerência e legitimação baseada em normas superiores dentro de um arcabouço jurídico que

tem como um dos principais fundamentos o respeito a dignidade da pessoa humana e o

princípio da isonomia. Logicamente, como o autor bem elucida “não há espaço para

tratamento diferente entre seres humanos” (p. 29) em tal paradigma, chegando até mesmo ser

paradoxal a inserção do conceito de Günther Jacobs e retirar a condição de pessoa de um

individuo num contexto onde sua Constituição Federal afirma em seu parágrafo 1º, inciso III,

como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana.

A lógica positivista deve abrir espaço para a força axiológica dos princípios presentes em

cada ordenamento. O século no qual a Carta Maior Brasileira foi promulgada foi marcado por

grandes guerras em âmbito internacional que levaram a gravíssimas violações de direitos. Em

âmbito nacional, a sociedade brasileira vivenciou um regime ditatorial onde a justificativa de

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“luta contra os inimigos” foi incisivamente defendida. O Direito Penal do inimigo aparece

como uma declarada ofensa ao princípio constitucional da isonomia e da ideia de Direito

Penal constitucionalizado.

Gabriel Habib critica a tipificação estabelecida para os crimes praticados pelo inimigo, estes

padecem de uma tipificação axiológica criminal por não terem nenhuma conexão entre si, a

exemplo destaca-se o terrorismo, o crime organizado, a criminalidade econômica, crimes

sexuais e a imigração ilegal.

No capítulo segundo de sua obra, Gabriel Habib aborda de maneira concreta as meditas ditas

excepcionais ou extraordinárias no contexto brasileiro e contidas da lei de crimes hediondos.

As medidas excepcionais como marca de um direito penal do inimigo se expressam em dois

grandes conjuntos, um de natureza penal, onde destacam-se a criação de novas “leis de luta ou

leis de combate”, a agravação geral das penas sem o devido respeito ao principio da

proporcionalidade e o aumento da criação de tipos penais com ampla antecipação da

punibilidade, e outro de natureza penal processual conde encontram-se medidas como a

inversão do ônus da prova e o alargamento dos prazos de prisão preventiva. “Nota-se com as

medidas excepcionais expostas que o legislador cada vez mais está imbuído da ideia de

neutralização e exclusão do inimigo do convívio social” (p. 35). Essas medidas excepcionais

estão dentro de uma tendência de crescente expansão, tendo sido usadas desde a antiguidade a

contemporaneidade.

Tendo como principais motivações a necessidade imposta ao governo brasileiro para passar

uma sensação de segurança a crescente criminalidade e os sequestros dos dois grandes

empresários, a Lei 8.072/90, com respaldo constitucional que legitimou o legislador ordinário

para feitura, acaba por igualando os crimes hediondos a outros crimes como a tortura, o

terrorismo e o tráfico de drogas. Assim causas de extinção de punibilidade como o indulto e a

anistia passam a ser inexistentes para autores de tais delitos, o condenado passa a ser obrigado

assim a cumprir toda a sanção imposta, podendo-se dizer que essa medida reforça a ideia de

ofensa ao principio da isonomia relativo ao Estado Democrático de Direito.

Partindo da necessidade de neutralização do condenado, a redação inicial da lei cominava a

pena de regime integralmente fechado para autores de crimes hediondos ou aqueles a eles

equiparados. A adoção de tal medida contrastou negativamente com 3 institutos penais, são

eles, a progressão de regimes, a substituição de uma pena privativa de liberdade por uma pena

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privativa de direitos e a suspensão da execução de uma pena privativa de liberdade. Além de

interferir diretamente na finalidade do sistema carcerário contemporâneo brasileiro, a

ressocialização do preso que dentro de um Direito Penal constitucionalizado adentra no

sistema carcerário não para ser esquecido, mas para que seja, acima de tudo, respeitado como

uma pessoa humana capaz de ser reinserida no convívio social. Face o surgimento de tais

problemáticas, a redação do art. 2º, §1º, foi alterada, passando a prever o regime inicialmente

fechado.

Segundo entendimento do STF e STJ, tendo em mente que o condenado deveria cumprir sua

pena estritamente em regime integralmente fechado, o juiz da condenação estaria

impossibilitado de aplicar pena diversa, interferindo também na atuação do juiz da execução

penal, visto que não poderia aplicar a progressão de regimes. A possibilidade de mudança da

pena restritiva de liberdade por uma restritiva de direitos também se encontraria

comprometida de acordo com os tribunais, o condenado deveria ficar recluso durante toda sua

pena, e, diante disso, encontra-se a impossibilidade da suspensão condicional da pena, mesmo

preenchidas as condições dispostas no art. 77 do Código Penal.

Alguns crimes previstos no Código Penal passaram a ter penas agravadas com a publicação da

lei de crimes hediondos, a exemplo o delito de bando ou quadrilha previsto no art. 288 CP que

teve sua pena dobrada sempre que for usado para a consecução de crimes hediondos ou

equiparados. Partindo ainda da contraditória necessidade de se manter o condenado em

cárcere o maior período de tempo possível, surge o aumento do prazo para o livramento

condicional, onde, anteriormente a lei o condenado necessitava possuir um prazo de

cumprimento de 1/3 da pena e não ser reincidente em crime doloso com bons antecedentes

passa a ser de 2/3 de cumprimento da pena, sendo que, agora, possuindo antecedentes o preso

se vê vedado de tal garantia. Habib analisa a incoerência do diploma que, ao positivar

inicialmente o sistema integralmente fechado, impedindo a progressão de regime, também

positiva o direito ao livramento condicional. Mostra-se assim a deflagrada despreocupação

com qualquer direito a ressocialização do preso e o desrespeito a sua dignidade contida na

Constituição.

Em seu art. 2º, II da já mencionada lei, encontra-se mais uma medida de exclusão social em

concordância com o conceito de Jacobs, o agente tem assim seu direito a fiança e a liberdade

provisória vedada, não podendo permanecer em liberdade durante o decorrer do processo. Até

o início da prisão provisória com seus requisitos legais, em tese, o agente poderia permanecer

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em liberdade, dialogando assim com o principio constitucional da presunção de inocência. A

ofensa a esse princípio ainda se encontra na medida excepcional da permissão do apelo em

liberdade, onde o juiz decidirá, fundamentando sua decisão, se o réu poderá apelar em

liberdade, podendo assim manter o réu condenado com uma decisão proferida por um juízo de

primeira instância.

Além das supracitadas disposições da lei de crimes hediondos, há que se citar o caso em que,

se tratando de sentença condenatória, a permissão do apelo em liberdade está condicionada a

decisão fundamentada do juiz. Mais uma vez, nota-se manobras dos legislador para que o

suposto criminoso permaneça encarcerado antes do trânsito em julgado da sentença

mencionada. Portanto, se o juiz não se vale de fundamento decisivo, o condenado

permanecerá preso ainda que não esteja comprovada definitivamente sua responsabilidade

penal pelo delito.

Ignora-se deliberadamente o princípio constitucional da presunção de inocência, que

discorre sobre a não culpabilidade do agente até a coisa julgada, em que se finda o processo.

Assim, uma pessoa isenta de culpa pode injustamente permanecer na prisão até que se julgue

o recurso de apelação por tribunais superiores e se determine sua absolvição.

“ A restrição ao cárcere não pode ter outra finalidade que

não seja a necessidade de evitar-se que a fuga do imputado ou a

destruição de provas do crime praticado” (BECCARIA, 2005,

p. 72).

Outra conduta errônea está no entendimento da prisão como regra e a liberdade como

exceção. Ideia esta pontuada ao largo da Lei em análise. O próprio termo “liberdade

provisória” ratifica esta concepção, visto que no Estado Democrático de Direito esta

característica deveria associar-se a prisão, em tese um mecanismo eventual.

Ao analisar minuciosamente os institutos que constituem a Lei 8072/90 - Lei de

crimes hediondos, criada sob pressão da coletividade abalada pelo sentimento de ameaça

diante da crescente criminalidade e violência amplamente divulgada pela mídia e inflamada

pelo desejo avassalador de vingança, nota-se sua estreita relação com a noção de Direito Penal

do Inimigo, inicialmente proposta por Jakobs. Há notadamente uma relação de coação e não

de direito com o indivíduo, na tentativa de neutralizá-lo e afastá-lo do meio social ao qual

apresenta perigo. No atropelo por atender uma demanda social, o legislador redigiu normas

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extremamente rígidas e que atacam diretamente diversos princípios constitucionalmente

protegidos. Ao se guiar pela suspeita de um crime para levar um indivíduo ao cárcere, por

exemplo, o devido processo legal cai por terra. Não apenas este, mas também a ampla defesa

e o contraditório, a razoabilidade e a proporcionalidade são prejudicados por disposições da

referida lei além dos demais aspectos considerados inconstitucionais intrínsecos às normas

nela presentes.

Apesar das críticas a Lei de crimes hediondos, existe a faceta das suas consequências.

Realmente a norma foi eficaz para a diminuição da criminalidade e violência? Não. Índices

demonstram um aumento da ocorrência desses crimes e a contribuição para a superpopulação

das prisões. Conclui-se, portanto, que a lei é reativa e identificativa e não foi capaz de gerar os

resultados pretendidos dado que sua rigidez quanto ao rol de crimes que a compõem foi um

reflexo do caráter preponderantemente político de sua criação.

“Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de

tranquilizar a opinião pública, ou seja, um efeito simbólico, com

o qual se desemboca em um direito penal de risco simbólico, ou

seja, os riscos não se neutralizam, mas ao induzir as pessoas a

acreditarem que eles não existem, abranda-se a ansiedade ou,

mais claramente, mente-se dando lugar a um direito penal

promocional, que acaba se convertendo em um mero difusor de

ideologia.” (ZAFFARONI, 2003, p. 631).

Como dizia Jakobs, a finalidade do Direito Penal consiste na garantia da vigência da

norma para a estabilização da sociedade. Ao deturpar esta noção para uma crença do controle

prévio da violência, há o grande perigo de culminar em uma espécie de direito autoritário, que

no passado gerou resultados abomináveis e desumanos, e esquecer-se da dignidade de todo

cidadão.

Simbolicamente, as leis manipulam o senso comum para levar as pessoas a crerem na

efetividade deste presunçoso combate a criminalidade. Esse maniqueísmo acaba ocasionando

a fé cega na Lei 8072/90 e a ferrenha defesa na sua congruência com a Carta Magna. Um

argumento dos que defendem este ponto de vista, que vai de encontro ao de Gabriel Habib em

sua obra, é o de que querem desacreditar a dita lei para fragilizar o poder estatal e aumentar

exponencialmente a insegurança da população. Vangloriam-se do fato de os praticantes de

crimes hediondos estarem sujeitos a regime integralmente fechado, pois quem como tal

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barbárie não passa de uma escória da sociedade. Acerca da individualização da pena, diz-se

que este princípio permanece intacto, uma vez que o legislador ordinário tem

discricionariedade no que concerne a matérias infraconstitucionais. A realidade fática tal qual

lhes chega a conhecer é quem comanda a produção normativa. (FARABULINI, 2004).

Porém, cada vez mais percebemos o avanço do fenômeno da constitucionalização do

direito. A norma fundamental de uma nação deve ser o ponto de partida para qualquer criação

de leis, preza-se pela concatenação do ordenamento jurídico. A discricionariedade dos agentes

no fazer jurídico, portanto, é limitada pelos princípios constitucionais, salvaguardados e

difundidos entre os cidadãos brasileiros.

“Os princípios indicam as diretrizes a que estão vinculadas as

sanções penais.” (CERNICCHIARO; COSTA JR, 1991, p.

102).

Tanto é assim que há a possibilidade da Suprema Corte realizar o controle de

constitucionalidade das normas, para preservação dos direitos fundamentais expressos no

artigo 5º da Constituição Federal e concretizar os ideias de justiça e igualdade perante a lei.

Em conformidade com o exposto, o Supremo Tribunal Federal declarou a

inconstitucionalidade do regime integralmente fechado proposto pela Lei de crimes hediondos

em face do princípio constitucional da individualização da pena. Este previne abusos do poder

estatal de punir e garante que a pena seja aplicada sempre e quando for necessária e suficiente

para cumprir seu papel preventivo e retributivo.

“para a aplicação concreta da pena, a lei confia ao juiz um

importantíssimo poder discricionário para individualizar a

sanção penal abstratamente cominada pela lei. Quando a lei

comina alternativamente mais de uma espécie de pena para o

mesmo fato (por exemplo: reclusão ou multa), o juiz é livre para

escolher uma ou outra. Entretanto, o juiz não pode aplicar uma

pena diversa da estabelecida pela lei. No tocante à quantidade

da pena, o juiz pode aplicar o quantum discricionariamente,

indicando os motivos que justificam essa discricionariedade, de

acordo com a gravidade do fato e a culpa do arguido.”

(MANZINI, 1958, pp. 178-179).

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Diferentemente do que prega a corrente defensora dos critérios estabelecidos pela Lei

8072/90, o STF entendeu que o regime integralmente fechado como padrão para delinquentes

atingidos por esta norma generaliza a pena, pois restringe o juiz de condenação a decidir a

favor deste mecanismo e impede o juiz de execução de conceder a progressão de regimes. A

declaração teria eficácia inter partes, porque foi em resposta ao habeas corpus 82959/SP,

definitivo para o novo entendimento deste instituto a partir da declaração do STF. Os demais

tribunais e juízes, sob a influência da Suprema Corte passam a rever suas decisões a partir daí

e a individualização da pena passa a ser plenamente satisfeita na esfera judicial. A prepotência

do legislador é diametralmente oposta ao princípio da proporcionalidade em suas três

vertentes e impossibilita o cumprimento do artigo 59 do Código Penal, que determina

requisitos a serem levados em conta pelos juízes no momento de fixação da pena.

Como consequência do fato supracitado, a jurisprudência passou a permitir a aplicação

da pena alternativa no caso de tráfico de drogas. Este é crime equiparado a hediondo, mas se

cumpridos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, é possível a substituição. O legislador

vedou essa concessão na atual lei de drogas, mas o STF mais uma vez declarou

inconstitucional. A Suprema Corte ratifica que não se trata de uma guerra contra os

delinquentes que cometem crimes hediondos ou equiparados, mas uma luta contra tudo e

todos que atentam à ordem constitucional.

Positivando essa jurisprudência, a Lei 11464/2007 apresenta a expressão “regime

inicialmente fechado”. uma novidade meramente formal. No que se acreditava ser um ilusório

avanço, continuou-se a demarcar genericamente o mesmo regime a todos os condenados.

Outro episódio em que, provocado por impetração de *habeas corpus, o STF declara a

inconstitucionalidade, dando fim a discussão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECCARIA, Ceasare. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Alexis Augusto Couto de brito.

São Paulo: Quartier Latin, 2005.

BBITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1 - 21ª

Ed. 2015. São Paulo: Saraiva, 2015.

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CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JR, Paulo José da. Direito Penal na Constituição,

2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

FARABULINI, Ricardo. Crimes Hediondos: Breves considerações sobre a Lei 8.072/90.

In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VII, n. 19, nov 2004. Disponível em: <

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_i

d=4847>. Acesso em nov 2016.

GAROFALO, Rafaelle. Criminologia. Estudo sobre o delicto e a expressão penal, 3ª ed.

Tradução Julio de Matos. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1916.

MANZINI, Vincenzo. Instituzioni di Diritto Panele Italiano, volume primo, parte generale,

9ª ed. Padova: CEDAM - Casa Editrice Dott. Antonio Milani. 1958.

ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SKOLAR, Alejandro.

Direito Penal Brasileiro - I. Rio de Janeiro: Reven, 2003.