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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Saúde
Teo Bueno de Abreu
O discurso CTS no contexto escolar: um
estudo de caso de uma implementação de
uma unidade didática
Rio de Janeiro
2014
Teo Bueno de Abreu
Título:
O discurso CTS no contexto escolar: um
estudo de caso de uma implementação de
unidade didática
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação
Educação em Ciências e Saúde do
Núcleo de Tecnologia Educacional
para a Saúde, Universidade Federal
do Rio de Janeiro como requesito
parcial à obtenção do título de
Doutor em Ensino de Ciências e
Saúde
Orientadora: Isabel Gomes Rodrigues Martins
Rio de janeiro
2014
A162d Abreu, Teo Bueno de.
O discurso CTS no contexto escolar: um estudo de caso de uma implementação
de unidade didática. / Teo Bueno de Abreu. – Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2015.
160 f.: il., color.; 30 cm.
Orientadora: Isabel Gomes Rodrigues Martins.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde, 2015.
Referências bibliográficas: f. 147-160.
1. Educação em ciências. 2. Tecnologia Educacional em Saúde - Tese. I.
Martins, Isabel Gomes Rodrigues. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. III. Título.
Folha de Aprovação
Teo Bueno de Abreu
Título:
O discurso CTS no contexto escolar: um
estudo de caso de uma implementação de
unidade didática
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação
Educação em Ciências e Saúde do
Núcleo de Tecnologia Educacional
para a Saúde, Universidade Federal
do Rio de Janeiro como requesito
parcial à obtenção do título de
Doutor em Ensino de Ciências e
Saúde
_____________________________
Isabel Gomes Martins, Professora Doutora NUTES-UFRJ.
______________________________________
Wildson Luiz Pereira dos Santos, Professor Doutor Instituto de Química UnB.
______________________________________
Celso Sánchez Pereira, Professor Doutor, Faculdade de Educação-UNIRIO
_______________________________________
Maria Auxiliadora Delgado Machado, Professora Doutora Faculdade de Educação-UNIRIO
_________________________________________
Laísa Maria Freire dos Santos, Professora Doutora Instituto de Biologia UFRJ
AGRADECIMENTOS
Deixo aqui meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que passaram pelo meu
caminho nessa longa trajetória de desenvolvimento acadêmico, pessoal e afetivo.
Nominalmente gostaria de agradecer
À Professora Isabel Martins por todos os anos de convivência e por todos os
ensinamentos que você generosamente me proporcionou desde os tempos da
iniciação cientifica.
Aos professores Celso Sánchez Pereira, Wildson Luiz Pereira dos Santos, Laísa
Maria Freire dos Santos, Guaracira Gouvêa e Maria Auxiliadora Delgado Machado
pela inestimável contribuição à minha formação acadêmica e ao desenvolvimento da
minha tese.
Ao João Paulo Fernandes por ter sido um brilhante aluno de iniciação cientifica
durante a graduação e por ter dado contribuições fundamentais para o
desenvolvimento dessa tese.
À Carla Durham Richard por ser a pessoa mais maravilhosa que eu conheço. Sem
dúvida eu não teria conseguido chegar inteiro até aqui sem sua ajuda, seu
companheirismo e seu amor.
À pequena Alice Durham Richard Bueno de Abreu por abençoar diariamente a
minha existência.
Aos meus pais Rita e Beba por tudo que me ensinaram e ensinam.
Aos meus irmãos Clarice e Marcelo pelo privilégio de crescer ao lado de vocês.
Aos colegas do Laboratório de Linguagens e Mediações do Nutes-UFRJ, Tatiana
Galieta, Francine Pinhão, Amanda Lima, Renata Moebus, Monica Lobo, Angelica
Conzensa, Luisa Ghetti, Simone Pinto , Carolina Suisso e Alexandre Jaloto pelos
anos de convivência e aprendizagem e pelas contribuições ao longo do processo de
desenvolvimento da tese.
À Bernadete Lima pela amizade e por toda a sua contribuição à melhoria do ensino
público escolar e na formação da próxima geração de professores
Aos colegas do NUPEM-UFRJ por construírem um lugar onde o trabalho se
confunde com diversão e por todo o apoio ao longo da minha caminhada.
A todos os meus alunos por me ensinarem tanto e por me fazerem sempre querer ser
um professor melhor
Aos professores Leonardo Moreira e Thyago Vasconcellos e aos alunos Débora
Galante, Cecília Beer, Evelyn Barcellos, Andressa Oliveira, Vinicius Pereira, Luma
Fernandes, Tais Exposito, Fabiana Gomes e Bianca Ferreira por todo o apoio na
construção do Laboratório de Educação e Divulgação Cientifica nesses últimos anos.
Ao Oceano Atlântico por sempre estar ali quando eu precisei.
RESUMO
ABREU, Teo Bueno. O discurso CTS no contexto escolar: um estudo de caso
sobre uma implementação de unidade didática. Rio de Janeiro, 2014. Tese
(Doutorado em Ensino de Ciências e Saúde) Núcleo de Tecnologia Educacional para
a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2014
O presente trabalho se refere a uma investigação sobre o processo de
desenvolvimento e aplicação de uma unidade didática sobre o tema Energia
orientada pelos pressupostos do movimento educacional Ciência-Tecnologia e
Sociedade (CTS) no contexto da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, no
município de Macaé. Nossa pesquisa se caracterizou como um estudo de caso de
natureza qualitativa com análises interpretativas influenciadas pelo referencial
teórico da análise critica do discurso. Foram analisadas as produções textuais
geradas pela professora ao longo do desenvolvimento da unidade didática CTS assim
como as interações discursivas realizadas em sala de aula. As análises dos dados
buscaram identificar os intertextos produzidos pela professora no âmbito da proposta
de unidade didática e também os elementos de ruptura e manutenção das práticas
hegemônicas no ensino de biologia. Observamos nesse estudo de caso que a
elaboração da professora provocou uma interação entre o discurso CTS com os
discursos institucionais oriundos da Secretaria Estadual de Educação do Rio de
Janeiro, com o discurso do ensino tradicional de biologia e o discurso sobre o meio
ambiente. Essa interação discursiva gerou uma hibridização na qual a proposta CTS
resultante mesclava aspectos que tanto causavam rupturas com as práticas
hegemônicas como também faziam a manutenção dessas praticas. Identificamos na
elaboração da professora que a dimensão pragmática dos processos de ensino-
aprendizagem exerceu uma grande influência na aceitação dela das práticas CTS no
ensino de Biologia. Esse fato nos levou a repensar o papel dos enxertos CTS no
ensino escolar como uma estratégia de aproximação dos professores para com as
práticas de inovações curriculares na escola.
Palavras-Chave: Ensino de biologia. CTS. Análise crítica do discurso.
ABSTRACT
ABREU, Teo Bueno. O discurso CTS no contexto escolar: um estudo de caso
sobre uma implementação de unidade didática. 2014, 160f. Tese (Doutorado em
Ensino de Ciências e Saúde) Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
This research concerns the process of development and implementation of a
teaching unit on the topic Energy, guided by assumptions of educational movement -
Science Technology and Society (STS ) in the context of state schools in the city of
Macaé, Rio de Janeiro,. Our research was characterized as a case study with a
qualitative interpretative analysis influenced by the theoretical framework of critical
discourse analysis. The corpus consisted of textual productions generated by the
teacher throughout the development of the STS teaching unit and of discursive
interactions carried out in the classroom. The data analysis sought to identify
intertexts produced by the teacher within the proposed teaching unit as well as
elements of rupture and maintenance of hegemonic practices in the teaching of
biology. We observed in this case study that the teacher produced an interaction
among STS discourse and several others, such as those identified with institutional
discourses of the State Department of Education of Rio de Janeiro, traditional
biology teaching and the environmental discourse. This discursive interaction
generated a hybridization in which the resulting proposal STS blended aspects that
caused disruptions to the hegemonic practices and also the maintenance of these
practices. We found that the pragmatic dimension of the teaching – learning process
exerted a great influence on her acceptance of STS practices in teaching Biology.
This led us to rethink the role of the insertion of specific STS teaching units, in the
form of “grafts”, in school education as a strategy to approach teachers with the
practices of curricular innovations in school.
Key-words: Biology Teaching. STS. Critical Discourse Analysis.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa do Brasil com destaque para o Estado Do Rio de Janeiro.............p.58
Figura 2: Localização de Macaé no Estado do Rio de Janeiro................................p.58
Figura 3: Mapa do Estado do Rio de Janeiro..........................................................p.58
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Categorias de propostas curriculares CTS...............................................p.31
Tabela 2: Relação entre os níveis da vida social e as dimensões da Semiótica.......p.40
Tabela 3 Cronograma de atividades do projeto de pesquisa: formação
continuada, elaboração e aplicação da unidade CTS............................................p.53
Tabela 4: Crescimento Populacional em Macaé......................................................p.61
Tabela5: Evolução dos Royalties de Macaé...........................................................p.62
Tabela 6: Sequencia didática da unidade CTS.......................................................p.78
Tabela 7: Organização dos dados feita pela professora...........................................p.82
Tabela 8: fragmento das Categorias de propostas curriculares CTS.....................p.117
LISTA DE SIGLAS
USP: Universidade de São Paulo
ACD: Análise Crítica do Discurso
CTS: Ciência, Tecnologia e Sociedade
PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais
UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro
UniRio: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
SEEDUC-RJ: Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro
Sumário
1.INTRODUÇÃO.....................................................................................................15
2. O CAMPO CTS....................................................................................................19
2.1 O CAMPO DE EDUCAÇÃO CT........................................................................20
2.2. DESENVOLVIMENTO DO CAMPO EDUCACIONAL CTS.........................23
2.3 PROPOSTAS CTS DESENVOLVIDAS NO BRASIL.......................................25
2.3.1 Propostas CTS para o ensino de Ciências no Brasil.....................................26
3.QUADRO TEÓRICO:..........................................................................................36
3.1 APRESENTAÇÃO DA ANALISE CRITICA DO DISCURSO.........................36
3.2 BASES TEÓRICAS DA ACD.............................................................................37
3.3 ACD E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO............................................................38
3.4ABORDANDO O CAMPO DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS EM UMA
PERSPECTIVA DISCURSIVA.................................................................................42
3.5 CONCEITOS DA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO UTILIZADOS
NA ANÁLISE TEXTUAL........................................................................................ 47
3.6 DESENHO DE PESQUISA.................................................................................49
4.CONTEXTO DE PESQUISA...............................................................................58
4.1 MACAÉ, DE PRINCESINHA DO ATLÂNTICO À CAPITAL NACIONAL
DO PETRÓLEO.........................................................................................................58
4.2 CONTEXTO DO SISTEMA EDUCACIONAL EM MACAÉ...........................64
5.APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS.................................................72
5.1 DA UNIDADE DIDÁTICA EM SI.....................................................................72
5.1.1 ANALISE ESTRUTURAL DA UNIDADE DIDÁTICA.................................76
5.2 ANÁLISES DAS AULAS E SUAS INTERAÇÕES DISCURSIVAS................79
5.3 ANÁLISES DOS TEXTOS PRÉ E PÓS APLICAÇÃO DA UNIDADE.........119
5.3.1 Reflexões da professora antes da implementação.......................................119
5.3.2 Reflexões após a implementação..................................................................128
5.3.3 Discussão sobre os dois textos.......................................................................133
5.3.4 Heterogeneidade nos textos..........................................................................134
5.3.5 Sobre as re-elaborações curriculares...........................................................136
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................138
6.1 LIMITES E POSSIBILIDADES DO ENSINO CTS NO CONTEXTO DE
MACAÉ ...................................................................................................................141
7 REFERÊNCIABIBLIOGRÁFICAS..................................................................146
15
1.Introdução
Este texto visa apresentar minha tese de doutorado como parte do processo de avaliação no
programa de pós-graduação em Ensino de Ciências e Saúde do Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUTES-UFRJ). A
tese foi realizada sob a orientação da professora Isabel Martins, coordenadora do grupo de
pesquisa LEME do Laboratório de Linguagens e Mediações do NUTES-UFRJ.
A partir da minha vivência como membro do grupo da professora Isabel, fui apresentado às
abordagens discursivas no campo da pesquisa em educação em ciências. Ao longo da minha
trajetória com o grupo fui me aproximando mais especificamente da linha da Análise Crítica
do Discurso.
O desenvolvimento da minha tese de doutorado envolveu investigar, do ponto de vista
discursivo, o processo de elaboração e aplicação de uma proposta de unidade didática
influenciada pelas abordagens Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), realizada por uma
professora de ensino médio. No contexto dessa situação, discutimos as transformações que o
discurso CTS sofreu ao ser materializado no contexto escolar e os limites e possibilidades
que as abordagens CTS oferecem para o ensino de biologia no contexto do interior do
Estado do Rio de Janeiro. Dessa forma, nossa pesquisa se caracterizou como um estudo de
caso de natureza qualitativa com análises interpretativas influenciadas pelo referencial
teórico da análise critica do discurso.
Minha tese foi desenvolvida como um desdobramento do projeto de pesquisa “Ensino de
Ciências: desempenho de estudantes, práticas educativas e materiais de ensino” contemplado
pelo edital 2008-1 do Observatório da Educação da CAPES. A CAPES, historicamente
sempre foi um órgão de fomento associado ao desenvolvimento de políticas de pós-
graduação, através da distribuição de bolsas de mestrado, Doutorado e Pós-doutorado, assim
como financiando projetos e instituições de pesquisa, Nesse sentido, o Observatório da
Educação faz parte de um conjunto de iniciativas da CAPES, que incluem ainda o Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), o Plano Nacional de Formação de
Professores da Educação Básica (PARFOR), focadas na melhoria da formação dos
professores e do ensino na educação básica. Especificamente, o Observatório da Educação
se propõe a promover a formação de mestres e doutores que desenvolvam pesquisas que
16
utilizem os dados gerados pelo INEP e que estejam ligadas às linhas de pesquisa no campo
de formação de professores.
A proposta contemplada pelo edital tinha como objetivo geral investigar como o tema
energia era abordado em diferentes contextos educacionais. Especificamente havia uma
premissa, que se desdobrava desse objetivo geral, de avaliar se cidades que historicamente
estabeleceram algum tipo de relação mais profunda com a questão energética apresentariam
algum tipo de diferencial no que se refere à abordagem do tema energia nas práticas
curriculares locais.
Com isso em vista, a coordenação do projeto selecionou cidades nos estados do Rio de
Janeiro e São Paulo que tivessem como característica uma intensa atividade relacionada ao
setor de energia. Inicialmente as cidades escolhidas foram Angra dos Reis e Macaé no Rio
de Janeiro e Ilha Solteira no estado de São Paulo. As cidades de Angra dos Reis e Ilha
Solteira foram selecionadas em função da presença de usinas nucleares, no caso de Angra, e
de termelétricas no caso de Ilha Solteira.
Já a cidade de Macaé foi escolhida em função de ela sediar um dos grandes polos da
indústria offshore da cadeia produtiva do petróleo no Brasil. Isso significa que grande parte
das indústrias do setor de Petróleo, Gás e Energia do Brasil exercem atividades nesse
município, aproveitando sua localização estratégica em relação às centenas de plataformas
de prospecção de petróleo e gás instaladas na Bacia de Campos, no litoral norte fluminense.
O grupo da UFRJ, do qual fiz parte como estudante de doutorado, ficou responsável por
desenvolver o projeto no município de Macaé. Meu envolvimento com o projeto se deu
logo ao entrar no curso de doutorado. Na época, o projeto já estava iniciado, sendo
desenvolvido pela equipe UFRJ que, naquele momento, consistia na coordenadora do
Laboratório de Linguagens e Mediação e um aluno bolsista de iniciação cientifica.
Cheguei ao doutorado com o interesse de investigar o processo de formação de professores.
Esse interesse foi despertado pela vivência como professor-formador atuando na UFRJ,
como professor substituto nas disciplinas de prática de ensino e didática especial no curso de
licenciatura em Ciências Biológicas no Rio de Janeiro no período de 2007-2008.
Em 2009, ao ingressar no doutorado, fui apresentado ao escopo do projeto e a proposta de
desenvolvimento do projeto em Macaé veio ao encontro do fato de que eu também havia me
tornado naquele ano professor efetivo das disciplinas de Prática de Ensino e Didática
17
Especial no curso de licenciatura em Ciências Biológicas do Campus UFRJ/Macaé,
exercendo minhas atividades de pesquisa, ensino e extensão nesse município. Com isso,
fiquei com a responsabilidade dentro do projeto de coordenar as atividades em Macaé e
construir minha tese baseando-me nos dados gerados pelas ações do projeto do Observatório
da Educação.
Dessa forma, busquei desenvolver no projeto um desenho de pesquisa que atendesse as
demandas especificas do projeto e que me permitisse investigar meu tema de interesse que
se refere aos processos linguísticos e discursivos implicados na formação de professores e
no desenvolvimento de práticas pedagógicas.
Com a finalidade de apresentar minha tese esse texto foi organizado em 6 capítulos. O
primeiro deles é essa introdução onde faço uma breve apresentação sobre o trabalho. No
segundo capitulo eu apresento uma síntese da discussão na literatura sobre o movimento
pedagógico Ciência Tecnologia e Sociedade. Busco nesse capitulo me situar em uma cadeia
intertextual de discussões relativas à educação CTS no plano nacional e internacional. Os
trabalhos e discussões do campo indicaram parâmetros para a construção da proposta de
unidade CTS que foi desenvolvida e analisada. Em um primeiro momento buscaremos situar
o movimento CTS em articulação com a historiografia da Ciência abordando alguns fatos
ocorridos entre o século XVII e o século XX. Posteriormente, abordaremos a trajetória do
campo CTS, seu desenvolvimento e sua constituição. A seguir, olharemos com mais
proximidade o campo de educação CTS, destacando a produção nacional e internacional
recente, assim como identificando algumas propostas CTS para o ensino de Ciências
realizadas no contexto brasileiro.
No terceiro capitulo apresentamos elementos da construção teórica da Análise Crítica do
Discurso, que influenciaram e inspiraram as análises dos dados. Apresento também a
formulação das perguntas de pesquisa, uma análise da conjuntura do ensino CTS no Brasil e
a descrição do desenho de pesquisa e a indicação das categorias de análises que serão
utilizadas.
No quarto capitulo eu realizo uma descrição do meu contexto de pesquisa, situando
elementos históricos e sociais do município de Macaé, assim como da professora que
participou do estudo de caso realizado e de seus alunos que passaram pela unidade didática
CTS que investigamos.
18
No quinto capitulo apresento e analiso os dados da tese. Em um primeiro momento eu faço a
apresentação das atividades de formação da professora que desenvolveu a unidade CTS
sobre a temática Energia que é objeto dessa tese. Posteriormente eu apresento as análises dos
intertextos produzidos pela professora em sua proposta de educação CTS no contexto
escolar do município de Macaé.
No sexto capitulo eu apresento minhas considerações finais sobre a investigação que
conduzi nesse trabalho. Aponto para alguns elementos pertinentes ao processo de
implementação de estratégias inovadoras em sala de aula, assim como discuto a relação dos
projetos de pesquisa em contextos escolares, a formação dos professores e os processos de
mudanças curriculares.
19
2. O campo CTS
O movimento Ciência Tecnologia e Sociedade tem sua origem em países do hemisfério
Norte, em especial na Europa (Reino Unido e Holanda) e América do Norte (EUA e
Canadá), assim como também na Austrália. (SOLOMON e AIKENHEAD, 1994). Sua
gênese se dá em resposta às mudanças sociais, econômicas e políticas decorrentes das duas
grandes guerras mundiais e da intensa modificação ambiental causada pelo capitalismo
industrial estabelecido nas décadas de 1950 e 1960.
Na literatura da área considera-se que o movimento CTS é constituído por dois campos
parcialmente sobrepostos. Um deles é genericamente chamado de Estudos Sociais da
Ciência (SOLOMON e AIKENHEAD, 1994) e é constituído basicamente por pesquisadores
de universidades e centros de pesquisa que abordam a natureza da Ciência como objeto de
investigação. O outro campo constituinte do movimento CTS ficou conhecido como
Educação CTS (SOLOMON e AIKENHEAD, 1994) que reúne educadores e pesquisadores
na área de ensino que defendem uma abordagem socialmente situada para o ensino de
ciências. Joan Solomon (1994) reconhece que apesar de historicamente não ter havido
interações muito profundas entre os dois campos, ambos trabalham, cada um à sua maneira,
em prol de uma mudança na percepção da ciência e tecnologia, de modo a situá-las em sua
dimensão social.
Ambas as vertentes do campo CTS problematizam a visão de Ciência como entidade
monolítica e universal desprovida de historicidade. No entanto, essas áreas assumem
identidades distintas. Algumas investigações oriundas do campo de Estudos CTS são
motivadas por questões geradas no interior dessa comunidade abordando a natureza da
Ciência e seu processo particular de produção, distribuição e consumo do conhecimento. Por
outro lado, a comunidade envolvida com a educação CTS, é movida em parte pelas questões
internas à Ciência, em parte por questões oriundas do mundo social, externo à Ciência e
também em função das perspectivas dos alunos e dos processos de ensino-aprendizagem de
ciências. (SOLOMON e AIKENHEAD, 1994).
De uma forma caricata, é tentador afirmar que esses dois campos se polarizam entre teoria e
prática ou reflexão e ação. Solomon e Aikenhead (1994) afirmam que o campo educacional
CTS é mais comprometido com a ação do que sua contraparte acadêmica, no sentido que a
prática social do ensino de ciências está essencialmente mais comprometida com a
intervenção social do que a prática de pesquisa acadêmica. No entanto, os autores ressaltam
20
que apesar disso, eventualmente, na história do campo CTS, existiram situações onde
ocorreram colaborações de pesquisadores dos estudos CTS com educadores da comunidade
de educação CTS, mas eles indicam que não foram muitas as vezes que isso aconteceu.
Nesse sentido, o movimento CTS é caracterizado por uma abrangente heterogeneidade,
assumindo diferentes aspectos e características em função dos contextos locais onde ele é
praticado e também pelo perfil dos atores envolvidos com essas práticas. Segundo Layton
(1994), o movimento CTS nunca foi uma inovação precisamente definida, uma vez que ele
vem se movimentado “por uma intrigante mistura de motivos, produzindo diferentes
manifestações curriculares.”. Em parte pragmático, em parte reflexivo, o movimento CTS
apresenta uma história moldada por forças sociais que remontam desde o século XVII, a
partir da consolidação da Ciência enquanto racionalidade que dali em diante exerceria
considerável impacto na organização social vigente e subsequente. (SOLOMON, 1994)
Considerando o processo histórico como um processo não linear e não determinístico
constituído de rupturas, convergências e conjunturas, busca se na próxima seção elaborar
uma breve síntese da trajetória do movimento CTS a partir do século XX, indicando alguns
elementos sociais relevantes para a emergência desse campo e também para o seu
desenvolvimento até os dias de hoje. Abordo a trajetória dos campos dos estudos CTS e com
maior destaque para o campo da educação CTS visto que o desenvolvimento dessa tese se dá
no interior do mesmo.
2.1 O campo de educação CTS
Durante o século XIX o currículo escolar refletiu o momento vivido pelas Ciências de
referências naquele tempo. Dessa forma, o caráter abstrato do currículo escolar reforçava
uma imagem de Ciência descolada de um sentido prático e de valor social. A visão de
Ciência presente no currículo desse período é retratada como algo objetivo, puramente
racional e produtora de um conhecimento absoluto e verdadeiro voltado apenas para o bem
estar e melhora das condições da humanidade. Essa visão idealizada da Ciência sustentada
pelo currículo escolar tradicional ficou difícil de ser mantida a partir do século XX, pós-
segunda guerra mundial.
A partir da década de 50 do século XX, em função das consequências sociais da ciência e
das graves alterações ambientais causadas pelo modelo industrial capitalista, diversos
educadores, em diferentes partes do ocidente começaram a questionar o status quo do ensino
de ciências e de seu currículo tradicional. Uma série de tentativas de modificação do
21
currículo escolar de ciências foram posta em prática mas, segundo Aikenhead (1994), todas
elas falharam de alguma maneira. A literatura da área testemunha uma série dessas
tentativas: o programa Science in a Social Context (SISCON) no Reino Unido, o curso
Knowledge and Power na Austrália, as unidades Science & Society desenvolvidos também
no Reino Unido na Open University, e o projeto PLON na Holanda.
Aikenhead (2003), em uma revisão sobre a trajetória do movimento educacional CTS,
localiza na década de 70 o início do desenvolvimento das bases conceituais da chamada
educação CTS. As discussões sobre a humanização e contextualização da ciência no ensino
escolar, propostas por autores como Peter Fensham e Paul Hurd, foram fundamentais no
sentido de iniciar um debate sobre o papel social e cidadão do ensino de ciências no seio de
uma sociedade democrática e tecnologizada, onde dominar o discurso científico seria uma
condição necessária para o exercício pleno da cidadania.
Em 1971 Jim Gallagher publicou no periódico Science Education um artigo que fazia uma
proposta para o ensino de ciências em que era priorizado o estabelecimento de inter-relações
entre ciência, tecnologia e sociedade assim como dos princípios e processos científicos. Em
1975, Paul Hurd publica o artigo “Science, Technology, and Society: New Goals for
Interdisciplinary Science Teaching,” que apresenta uma proposta de estrutura de um
currículo escolar CTS. Ao longo da década de 1970 uma série de programas e projetos
buscaram desenvolver propostas CTS para o ensino escolar de ciências. A abordagem CTS
no ensino de ciências se estabeleceu sob a sigla CTS durante a década de 70, agrupando uma
série de propostas, iniciativas e anseios que confrontavam o ensino tradicional de ciências
em um debate sobre o propósito social da escola, a política do currículo de ciências, o papel
dos professores, a natureza do processo de aprendizagem e também o significado e o sentido
da ciência ensinada.
Apesar de a sigla CTS ter contribuído para constituir uma comunidade de pesquisa e/em
ensino de ciências, Aikenhead (2003) salienta que os membros dessa comunidade mesmo
estando ligados e unidos por um sentimento comum de questionamento do ensino tradicional
e por anseios pela inovação nos processos de ensino-aprendizagem de ciência e tecnologia,
apresentavam práticas, concepções e características diversas e heterogêneas. Aikenhead
(2003) afirma que o movimento CTS assume trajetórias e características especificas em cada
país onde ele é/foi desenvolvido e nesse sentido, esse movimento nunca teve uma unidade
ou modelo a ser seguido. Na realidade, em um primeiro momento as iniciativas de inovações
22
curriculares e metodológicas foram tomando forma e sendo desenvolvidas de maneiras
independentes em cada país.
No entanto, com o passar do tempo, essas iniciativas foram repercutindo e sendo divulgadas
em espaços acadêmicos e escolares ao redor do planeta. Nesse sentido, Aikenhead (2003)
localiza as reuniões da IOSTE (International Organization of Science and Technology
Education) durante a década de 1980, como um espaço fundamental para a consolidação
dessa comunidade de educação CTS, assim como da própria definição da expressão CTS
como elemento identificador dessa comunidade. Uma complexa cadeia textual foi sendo
estabelecida ao longo das reuniões da IOSTE, sendo destacados os trabalhos de Derek
Holford e Bill Hall, assim como livros de Joan Solomon e John Ziman, que tiveram papel
importante na constituição da sigla CTS como sinal-identificador dessa comunidade.
Aikenhead (2003) chega a afirmar que a adoção da comunidade da expressão CTS está
relacionada com o sucesso e projeção do trabalho de 1980 “Teaching and learning about
science and society” de John Ziman, onde o autor discute a sigla CTS em sua articulação
com a racionalidade, direção e desafios do ensino escolar CTS.
A partir da interação nas reuniões da IOSTE, um grupo foi se constituindo sob a sigla CTS.
Com o passar do tempo esse grupo foi amadurecendo e desenvolvendo suas relações e
interações. Dessa maneira, se estabeleceu um grupo sediado na Europa e outro localizado na
América do Norte. Em 1982 esses dois grupos se uniram e fundaram a “Rede de pesquisa
CTS” que congregava pesquisadores dos dois lados do atlântico e regularmente publicava
materiais sobre os resultados dos trabalhos dos diferentes pesquisadores em CTS. Ao longo
dessa década, uma série de associações (Association of Science Education, Rede de pesquisa
CTS) em diferentes países, assim como diferentes periódicos (Bulletin of Science,
Technology and Society; Science, Technology and Human Values) foram criados e deram
materialidade e visibilidade da produção desse emergente campo.
Em função das muitas contribuições feitas por diferentes pessoas, em diferentes lugares para
o campo de educação CTS, Aikenhead (2003) sugere que o slogan CTS surge de diferentes
fontes influenciado por diferentes circunstâncias e por diferentes propósitos. Na literatura é
possível encontrar diferentes versões para origem e desenvolvimento do campo CTS, com
diferentes protagonistas dependendo de quem conta essa história. No entanto, é importante
salientar que mesmo com essa heterogeneidade de visões sobre o que seria uma educação
23
CTS, “essa sigla conseguiu criar uma rede de educadores em ciência dedicados à mudança
do status quo do ensino escolar de ciências” (AIKENHEAD, 2003)
O relato até aqui esteve mais centrado no desenvolvimento do campo CTS nos países de
origem anglo-saxã. No entanto, é importante destacar que o desenvolvimento do campo CTS
também tem sua história nos países Ibero-Americanos que apresentam características
diferenciadas em relação aos países de origem anglo-saxã. A história do campo CTS nos
países Ibero-Americanos envolve o estabelecimento de redes especificas de pesquisadores e
educadores desses países, como por exemplo, na constituição do Seminário Ibero Americano
de Ciência Tecnologia e Sociedade e Ensino de Ciências (SIACTS-EC) e das Jornadas
Latino-Americanas de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias (ESOCITE) que são
realizadas desde 1994. Na próxima seção será apresentada uma discussão sobre o
desenvolvimento do campo educacional CTS ilustrando algumas características que
diferenciam o pensamento Latino Americano em CTS do pensamento Europeu e Norte
Americano.
2.2. Desenvolvimento do campo educacional CTS
A comunidade de educação CTS amadureceu muitas discussões ao longo das últimas duas
décadas. Ainda na década de 80, se desenvolveu um intenso debate acerca da relação
triádica da sigla CTS. Parte da comunidade de educação CTS, oriunda do campo do ensino
de ciências e cientistas de formação, apresentou certa resistência à inclusão da Tecnologia na
discussão do ensino de ciências e o ao T na sigla CTS (AIKENHEAD, 2003). Essa
resistência se devia a uma visão limitada do conceito de tecnologia como “ciências
aplicadas” que talvez possa ser remetida à rejeição que os cientistas do inicio do século XIX
tinham com o conhecimento prático dos filósofos naturais, que de alguma forma ainda se
introjeta na formação dos cientistas (sejam eles educadores ou não) até os dias de hoje. No
entanto, a característica diversa e plural da comunidade de educação CTS possibilitou a
presença e participação de membros oriundos das engenharias ou do campo de educação
tecnológica, que foram importantes para reconceitualizar junto à comunidade CTS o
conceito de tecnologia tais como Joe Piel, Geofrey Harrison e o próprio Peter Fensham. Esse
debate ao longo dos anos possibilitou o desenvolvimento do lugar da tecnologia nos
programas CTS desenvolvidos em diferentes lugares do mundo (AIKENHEAD,2003)
24
No outro extremo da tríade, estaria a forma de se trabalhar as questões sociais nos programas
CTS, que também foi motivo de debate e desenvolvimento nas últimas décadas. Durante a
década de 1980, se notava uma tendência em apresentar as questões sociais que se
relacionavam ao contexto científico em uma abordagem unilateral, no sentido em que só se
discutia os efeitos da Ciência na sociedade. Essa abordagem “ciênciocêntrica” passou a ser
criticada nos anos 1990 e em resposta a essas críticas alguns trabalhos começaram a buscar
formas de incluir as questões sociais nos programas em uma perspectiva de trocas de mão
dupla entre Ciência e Sociedade.
O posicionamento da tecnologia e da sociedade nos programas CTS são fatores que
contribuem para a heterogeneidade e diversidade de propostas e abordagens CTS. De acordo
com o grau da centralidade que se dá a cada um dos elementos da tríade Ciência, Tecnologia
e Sociedade, e também nas possibilidades de inter-relações entre esses elementos nos
programas (uni ou bilaterais) estabelece-se um gradiente que situam as propostas CTS entre
polos Conservadores e Transformadores. As abordagens conservadoras seriam aquelas em
que se avança pouco na articulação entre Ciência, tecnologia e sociedade, assumindo uma
perspectiva mais centrada nas Ciências em si e seus conteúdos, muitas vezes reforçando
visões positivistas da ciências. As abordagens transformadoras seriam o oposto disso,
valorizando as inter-relações da ciência com a tecnologia, na sociedade e em versões
radicais inclusive se distanciando de conteúdos puramente científicos e privilegiando mais
as questões sócio-científicas de relevância social.
Outro amadurecimento do campo de educação CTS se refere às metodologias de avaliação
da aprendizagem dos alunos, que se desenvolveu nas ultimas décadas no sentido de se
deslocar de abordagens quantitativas (AIKENHEAD, 1973) em direção à abordagens
qualitativas (AIKENHEAD, 1979, 1988; AIKENHEAD & RYAN, 1992; DRIVER,
LEACH, MILLAR & SCOTT,1996) e de cognição situada (GASKELL, 1994; SOLOMON,
1992; WELZEL & ROTH, 1998). (AIKENHEAD,2003).
Da mesma forma que o desenvolvimento da pesquisa em CTS, o desenvolvimento do
movimento CTS nas escolas também apresenta uma história complexa e heterogênea. As
propostas CTS desenvolvidas no plano internacional seguiram rumos variados de acordo
com as conjunturas e situações de cada localidade onde essas propostas foram elaboradas.
Os primeiros projetos e propostas CTS na escola secundária foram registrados em países do
Hemisfério Norte, na Europa e América do Norte (LAYTON, 1994) em um contexto de
25
países industrializados considerados desenvolvidos. Ainda segundo, Layton (1994) até
meados da década de 1970 não se têm noticias de iniciativas CTS em países em
desenvolvimento, no entanto, quando os primeiros trabalhos começaram a aparecer na
década de 1980, começou a ficar claro o efeito do fator cultural, econômico e social na
conformação das práticas CTS na escola. O CTS praticado nas escolas dos países em
desenvolvimento refletia um contexto cultural bastante diferente da realidade dos países
desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento o ensino CTS assumia um caráter de
pressuposto para a melhoria da qualidade de vida da população, resolução de problemas
básicos de saúde, alimentação ou até mesmo moradia.
Essas diferenças sociais entre os países do Norte e do Sul conferiu características especificas
para as propostas CTS desenvolvidas nesses diferentes contextos. Considerando a afirmação
de Aikenhead (2003) de que cada país tem sua própria história CTS para contar, buscaremos
nas próximas seções estabelecer alguns marcos sobre o desenvolvimento de propostas CTS
no contexto brasileiro. Com esse levantamento busco me situar no campo, buscando
referencias para embasar a elaboração da unidade didática que é objeto de pesquisa dessa
tese. Posteriormente apresentamos no capitulo 3 uma discussão sobre a conjuntura das
propostas CTS para o ensino de Ciências realizadas no Brasil que serviram de referencias
para o nosso trabalho.
2.3 Propostas CTS desenvolvidas no Brasil
Desde meados da década de 1960 o ensino de ciências vem sendo pensado em articulação
com questões que relacionam ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (SANTOS e
MORTIMER, 2002). Revisões anteriores apontam que no campo da educação em ciências a
linha de pesquisa que trata diretamente das questões CTS/CTSA apresentou um expressivo
crescimento nos últimos anos nos âmbitos internacional (CACHAPUZ, 2008;
AIKENHEAD, 2005) e nacional. (DELIZOICOV, 2004, SANTOS, 2008)
A produção nessa área é diversificada em termos das perspectivas e abordagens CTS
(SANTOS e MORTIMER 2002) constituindo uma heterogeneidade no interior do campo,
que tornam essas perspectivas plurais e, em alguns casos, até mesmo contraditórias entre si.
A questão da heterogeneidade do campo nos levou à tentativa de identificação dos principais
temas, autores e referenciais teórico-metodológicos para as pesquisas identificadas com a
linha CTS.
26
Conforme comentado anteriormente, buscamos por meio de nosso levantamento , mapear a
produção nacional e internacional do campo CTS e identificar as abordagens/conceituações
de CTS mais frequentes e influentes no campo de pesquisa brasileiro. Esse levantamento
possibilitou nos situarmos na produção CTS identificando um conjunto de características de
um pensamento CTS no Brasil e na América Latina. Na próxima seção destacaremos alguns
aspectos da produção nacional dando ênfase nas propostas desenvolvidas no contexto
escolar.
2.3.1 Propostas CTS para o ensino de Ciências no Brasil
Diante dos resultados dos levantamentos bibliográficos sobre a produção CTS
nacional(ABREU, FERNANDES e MARTINS, 2009; ABREU, FERNANDES e MARTINS,
2010) (Apêndice I), percebemos que as linhas de pesquisa em CTS/CTSA estão passando por
um processo de expansão quantitativo dentro do campo nacional de pesquisa em ensino de
ciências. A produção do campo CTS/CTSA, está mais presente nas atas dos encontros de
pesquisa na área de ensino de ciências do que nos periódicos dessa área. Além disso,
percebemos também um processo de crescimento quantitativo da vertente CTSA nos
trabalhos apresentados nos encontros nos últimos anos. No entanto, não conseguimos, a partir
dos trabalhos selecionados, identificar diferenças epistemológicas, filosóficas ou
metodológicas entre os trabalhos que se declaravam CTS e os que se declaravam CTSA.
Encontramos na literatura, fora de nossa base de dados, um trabalho de Vilches e
colaboradores (2011) que buscam justificar o acréscimo da letra A a sigla CTS baseados na
convergência entre os campos da Educação Ambiental/educação para o desenvolvimento
sustentável e o campo da educação científica com ênfase CTS. O acréscimo de ambiente na
sigla é decorrente da necessidade de parte dos pesquisadores em destacar a dimensão
ambiental nas relações CTS. Esse é um debate ainda em aberto no interior da comunidade e
só o tempo irá dizer a pertinência e permanência dessa nova expressão e as implicações
desses acréscimos para o desenvolvimento de futuras linhas de pesquisa que venham a
querer destacar outras dimensões presentes nas relações Ciência-Tecnologia-Sociedade.
A partir do nosso levantamento pudemos nos aproximar e descrever um pouco mais do
campo em CTS no Brasil, identificando seus autores, alguns de seus conceitos e abordagens
empíricas e teóricas sobre a temática CTS. Nossa interpretação dos dados indica que um
núcleo de sentidos que chamamos aqui de Pensamento Brasileiro em CTS está em pleno
processo de desenvolvimento, já apresentando autores nacionais que se estabelecem como
27
referências para a comunidade, assim como o surgimento de publicações que destacam essas
linhas de pesquisa.
O pensamento Brasileiro em CTS se diferencia das linhas Norte-americanas e Europeias no
sentido em que, diferentemente dos países do Norte, a realidade social dos países latinos
americanos envolvem um passado de colonização econômica e cultural que foi sendo
transformada ao longo das décadas e séculos em uma permanente condição de periferia
econômica da ordem mundial (DAGNINO,2008). Essa condição periférica dos países latinos
americanos produziu desigualdades sociais em escalas sem precedentes nos países do norte.
Dessa forma, a Ciência e a Tecnologia assumem significados diferentes na América Latina,
envolvendo sobrevivência e melhoria de qualidade de vida (AIKENHEAD, 1994).
Dialeticamente, a condição de dominação econômica desenvolveu na América latina um
pensamento crítico em Ciência, Tecnologia e Sociedade sob o ponto de vista do debate que
se estabeleceu entre uma visão tecnocrática que defendia a importação de tecnologia e uma
visão da comunidade acadêmica que defendia o investimento na área de pesquisa e
desenvolvimento e à industrialização dos países. O pensamento Latino Americano assume
um caráter crítico, mas nem sempre assume o aspecto político implicado nesse debate,
ficando às vezes apenas como uma luta pelas condições de se pesquisar, mas não uma luta
para uma transformação social.
Nesse sentido, o pensamento Brasileiro em CTS sinaliza para um comprometimento com
pressupostos que envolvem a consolidação de uma sociedade democrática (AULER e
BAZZO, 2001) e à construção de práticas de cidadania e responsabilidade social (SANTOS
e MORTIMER, 2001). Existe dentro do pensamento brasileiro em CTS uma preocupação
em se manter uma postura crítica sobre as relações CTS negando mitos salvacionistas de
C&T(AULER e DELIZOICOV, 2001; MUNCHEN e AULER, 2007) e defendendo uma
educação científica voltada para uma leitura crítica das relações CTS
Também se mostrou uma característica marcante do pensamento CTS Brasileiro, a
articulação do pensamento de Paulo Freire (SANTOS, 2008; AULER, 2007; MUNCHEN e
AULER, 2007; AULER, FENALTI e DALMOLIN, 2007; AULER e DELIZOICOV, 2001;
SANTOS e MORTIMER, 2002; MUNCHEN e AULER, 2007) na fundamentação do ensino
de ciências em uma perspectiva CTS. Essa aproximação marca uma identidade própria para
o pensamento CTS Brasileiro, apesar de que a utilização das ideias freirianas,
evidentemente, não é uma exclusividade do campo CTS, uma vez que as propostas de Freire
28
circularam amplamente pelo campo das ciências Sociais e da Educação (ROCKWELL,
1991).
Essa articulação é interessante na medida em que os pressupostos da educação
emancipatória de Paulo Freire exigem que, por coerência epistemológica, o desenvolvimento
de pesquisa e ensino das abordagens CTS brasileiras sejam comprometidos com a
transformação social, a emancipação dos sujeitos no que tange à educação em ciências e que
sirva de alavanca para o empoderamento dos “descamisados e descambados da sociedade”
(FREIRE,1981).
Além disso, o pensamento CTS brasileiro é bastante situado em sua realidade, e preocupado
em transpor criticamente as abordagens elaboradas em contextos sociais diferentes das
condições encontradas no Brasil no que se refere às discussões curriculares e à estruturação
do sistema de ensino nacional (AULER e BAZZO, 2001; SANTOS e MORTIMER, 2002).
Percebemos que a produção nacional em CTS tem se preocupado tanto em produzir
resultados de pesquisa acadêmica baseada em situações do ensino em sala de aula e espaços
não formais como também na elaboração teórica de um pensamento autônomo em relação às
linhas européias e norte americanas. Com isso, faz se necessário aprofundar as análises no
que se refere às constituições discursivas desse campo, materializados na produção
identificada no levantamento bibliográfico do campo. Visando avançar nesse sentido,
apresentaremos na próxima seção uma analise da conjuntura do campo CTS no contexto
brasileiro.
2.3.2 Análise da conjuntura do campo CTS no Brasil
Os estudos do campo CTS são apresentados em vasta produção internacional e vem se
estabelecendo também na literatura nacional por meio de artigos em periódicos da área de
ensino de ciências (ABREU, FERNANDES e MARTINS, 2009) e também através de
trabalhos apresentados nos encontros de pesquisa da área (ABREU, FERNANDES e
MARTINS, 2010; MARTINS, FERNANDES E ABREU, 2010).
No entanto, os efeitos das discussões sobre as abordagens CTS ainda estão sendo
assimilados pelos currículos e pelas práticas escolares. Sobre esse assunto, Auler (2007)
aponta que “as repercussões no campo educacional do enfoque Ciência-Tecnologia-
Sociedade (CTS) têm sido mais intensas e sistemáticas no hemisfério Norte. No Brasil
29
constitui-se algo emergente. As iniciativas ainda são incipientes, muitas vezes isoladas, não
traduzidas em programas institucionais.”
Segundo Auler (2007), entre os objetivos da educação CTS destacam-se:
“... promover o interesse dos estudantes em relacionar a ciência com aspectos
tecnológicos e sociais, discutir as implicações sociais e éticas relacionadas ao
uso da ciência-tecnologia (CT), adquirir uma compreensão da natureza da
ciência e do trabalho científico, formar cidadãos científica e tecnologicamente
alfabetizados capazes de tomar decisões informadas e desenvolver o
pensamento crítico e a independência intelectual” (AULER,2007)
Alguns trabalhos recentes vêm salientando a importância de que as propostas curriculares
CTS explicitem seus pressupostos político-pedagógicos assim como uma maior precisão
conceitual sobre o campo CTS (AULER, 2007; SANTOS, 2007, SANTOS E MORTIMER,
2001). Caracteriza-se também no cenário brasileiro uma aproximação das abordagens CTS
com o pensamento político pedagógico de Paulo Freire, entendida aqui como um dos
elementos do que está sendo chamado na literatura da área de pensamento CTS crítico.
(ABREU, FERNANDES E MARTINS, 2009, SANTOS2007, MUNCHEN E AULER,2007,
SANTOS 2008). Dessa forma, se evidencia uma perspectiva que o ensino CTS possa
promover uma educação crítica em que os alunos e professores articulem os conteúdos
científicos trabalhados na escola com questões de ordem social e econômica que perpassam
o cotidiano deles. Para isso, é importante que esses conteúdos sejam abordados de maneira
contextualizada, articulando-os com as questões sociais que permeiam o debate sobre
ciência e tecnologia.
No que se refere ao currículo escolar, a literatura CTS aponta para uma variedade de
possibilidades de implementações curriculares. AIKENHEAD (1994) propõe um sistema de
gradação dos níveis de apropriação da proposta CTS nos currículos escolares. Nesse sistema,
ele propõe oito categorias (Tabela 1) que estabelecem um gradiente que vai do nível 1, onde
a questão CTS é marginal no currículo, até o nível 8 em que a abordagem CTS é
radicalmente incorporada ao currículo do ensino de ciências. Essa gradação proposta por
Aikenhead serviu de parâmetro para situar as propostas CTS desenvolvidas no Brasil
(SANTOS, 2011; SANTOS e MORTIMER, 2002).
30
Categoria Descrição
1. Conteúdo de CTS como elemento de
motivação.
Ensino tradicional de ciências acrescido da
menção ao conteúdo de CTS com a função
de tornar as aulas mais interessantes.
2. Incorporação eventual do conteúdo de
CTS ao conteúdo programático.
Ensino tradicional de ciências acrescido de
pequenos estudos de conteúdo de CTS
incorporados como apêndices aos tópicos de
ciências. O conteúdo de CTS não é resultado
do uso de temas unificadores.
3. Incorporação sistemática do conteúdo de
CTS ao conteúdo programático.
Ensino tradicional de ciências acrescido de
uma série de pequenos estudos de conteúdo
de CTS integrados aos tópicos
de ciências, com a função de explorar
sistematicamente o conteúdo de CTS. Esses
conteúdos formam temas unificadores.
4.Disciplina Científica (Química, Física e
Biologia) por meio de conteúdo de CTS.
Os temas de CTS são utilizados para
organizar o conteúdo de ciências e a sua
seqüência, mas a seleção do conteúdo
científico ainda é a feita partir de uma
disciplina. A lista dos tópicos científicos
puros é muito semelhante àquela da
categoria 3, embora a seqüência possa ser
bem diferente.
5. Ciências por meio do conteúdo de CTS CTS organiza o conteúdo e sua seqüência. O
conteúdo de ciências é multidisciplinar,
sendo ditado pelo conteúdo de CTS. A
lista de tópicos científicos puros assemelha-
se à listagem de tópicos importantes a partir
de uma variedade de cursos de ensino
tradicional de ciências.
6. Ciências com conteúdo de CTS
O conteúdo de CTS é o foco do ensino. O
conteúdo relevante de ciências enriquece a
aprendizagem.
7. Incorporação das Ciências ao conteúdo de
CTS.
O conteúdo de CTS é o foco do currículo. O
conteúdo relevante de ciências é
mencionado, mas não é ensinado
31
sistematicamente. Pode ser dada ênfase aos
princípios gerais da ciência.
8. Conteúdo de CTS
Estudo de uma questão tecnológica ou social
importante. O conteúdo de ciências é
mencionado somente para indicar uma
vinculação com as ciências.
Tabela 1: Categorias de propostas curriculares CTS ( Aikenhead, apud Santos e Mortimer, 2002)
No entanto, é importante ressaltar que as categorias dessa gradação CTS não são
completamente estanques. Conforme comentado anteriormente, existem zonas cinzentas
entre as categorias que dificultam definições absolutas das práticas curriculares e didáticas.
Essas zonas cinzentas pressupõem reconfigurações que podem ocorrer durante conformação
das práticas curriculares CTS, às condições contextuais imediatas como sala de aula,
unidade escolar, e sistema de ensino em que a proposta esta inserida. Esse modelo é
interessante no sentido de estabelecer dois polos em um gradiente: de um lado a disciplina
escolar tradicional e no extremo oposto o que poderíamos chamar de disciplina CTS uma
vez que o tema CTS chega a um grau de centralidade no currículo que passa a apresentar um
conjunto específico de conteúdos CTS.
Com esse gradiente em vista, as propostas CTS podem ser orientadas de modo a se
aproximarem de um ou de outro polo, guardadas as condições nas quais essa proposta é
desenvolvida. Em sistemas curriculares muito fechados, focados na preparação para provas e
exames tradicionais, pode ser bastante difícil se afastar de conteúdos e práticas tradicionais.
O desenvolvimento de inovações curriculares pressupõe um espaço de liberdade criativo ou
então um enfrentamento das condições que resistem à essas inovações.
Uma opção de intervenção curricular que chamou nossa atenção foram os chamados
enxertos CTS ((SANTOS, 2011; OSORIO, 2002)). Segundo Osório (2002), os enxertos CTS
seriam uma estratégia adequada de inovação curricular no contexto do ensino médio, uma
vez que elas permitem que se trabalhe em uma perspectiva CTS, mas sem necessariamente
romper completamente com o currículo proposto pelas secretarias de educação. Os enxertos
seriam pequenas inserções de propostas CTS, delimitadas por práticas curriculares
tradicionais. Essa estratégia permitiria uma forma pontual de se introduzir as práticas CTS
no currículo escolar, ou pensando a longo prazo, uma forma gradual de ir modificando as
práticas escolares. Essa modificação gradual se daria na medida em que a sistemática
32
incorporação de enxertos CTS no currículo permitiriam em longo prazo, um convencimento
da comunidade escolar da viabilidade das estratégias CTS de ensino.
As abordagens CTS no contexto escolar brasileiro são ainda incipientes e não-sistemáticas
(AULER, 2007), em parte por conta de alguns entraves curriculares, e também no que se
refere às práticas de formação de professores que não necessariamente apontam para a
construção das bases práticas e teóricas para atender aos pressupostos CTS de ensino.
Os entraves curriculares são resultados de visões fechadas do currículo, que coíbem re-
estruturações e reorganizações dos conteúdos curriculares de modo a melhor adaptá-los aos
contextos locais das unidades escolares. A partir dessa visão fechada do currículo as
inovações curriculares são dificultadas ou até mesmo impossibilitadas. Somado a isso, não
raro as abordagens fechadas do currículo vem acompanhadas de concepções ingênuas da
Ciência, que a representam de forma neutra, fragmentada, imparcial e objetiva (ANGOTTI e
AUTH, 2001). Essas representações da Ciência nos fechados currículos tradicionais também
se colocam como um entrave para a construção de processos críticos de ensino-
aprendizagem de ciências.
Apesar disso, existem registros, na literatura da área, de propostas curriculares CTS
realizadas no contexto do ensino básico. Auler e colaboradores (2005) apresentam, no
contexto do Rio Grande do Sul, uma proposta curricular CTS para discutir o tema do
transporte nas cidades em aulas de física, problematizando o consumo energético dos
sistemas coletivos e individuais de transporte urbano e a partir dessa abordagem,
trabalharam com os alunos os conceitos de maquinas térmicas, leis da termodinâmica e
combustão. Andrade e Carvalho (2002) realizaram uma proposta curricular para o ensino
fundamental que trabalhou o tema do Pró-Alcool, e as implicações ambientais da produção
de Bio-combustível. Zunin e colaboradores (2009) apresentaram uma proposta CTS para o
ensino de química no ensino médio que envolveu a medição, por parte dos alunos, de
parâmetros físico-químicos da qualidade da água da bacia hidrográfica da região da escola.
Os dados gerados pelos alunos permitiram uma discussão da situação da qualidade
ambiental da bacia hidrográfica da região e também de aspectos sociais, históricos e
econômicos que fortaleceram a construção de aspectos da formação cidadã almejada para o
ensino de ciências.
Silva e colaboradores (2011) relatam uma proposta de abordagem CTS no contexto do
ensino médio através de uma atividade de estudo de caso sobre temas sociocientificos
33
relacionados à poluição em ambiente aquáticos. Nesse estudo, os alunos de uma turma de 2º
ano do ensino médio passaram por uma unidade didática na disciplina Química na qual ao
longo de dois meses eles tiveram oportunidade de investigar possíveis causas para a
mortandade de peixes na região próxima à escola, no interior de São Paulo. Duso e Borges
(2011) em outro trabalho relatam o efeito da utilização das abordagens CTS na forma de um
projeto interdisciplinar desenvolvido com uma turma de 2º ano do ensino médio em uma
escola particular em Caxias do Sul, RS. Segundo o relato, os professores da área de Ciências
da Natureza, Matemática e Tecnologias se organizaram para desenvolver, durante um dos
trimestres, um projeto integrado sobre o tema “Aquecimento Global”(DUSO e BORGES,
2011). Na pesquisa são evidenciados os efeitos para o processo de ensino-aprendizagem das
abordagens CTS, trazendo resultados positivos no que se refere ao engajamento dos alunos
na aprendizagem dos conteúdos e conceitos.
Como pode ser observado pelos relatos na literatura, existe uma diversidade de propostas
para a introdução de abordagens CTS nos currículos do ensino médio, em diferentes estados
brasileiros. Apesar de todas as diferenças e especificidades entre si, todas as propostas
compartilham a necessidade de enfrentamento de entraves curriculares para conseguirem ser
viabilizadas. Alguns contextos são mais favoráveis a essas inovações curriculares, outros
mais resistentes, no entanto, adotar práticas CTS no processo de ensino de ciências sempre
envolve algum grau de reestruturação das práticas escolares, seja no âmbito do currículo,
dos próprios métodos de ensino ou de ambos.
Munchen e Auler (2007) identificaram quatro categorias de desafios à implementação de
currículos CTS no contexto da educação básica: a) superação do reducionismo
metodológico, b) o trabalho interdisciplinar; c) suposta resistência dos alunos à abordagem
temática, e d) desenvolvimento de temas polêmicos que envolvem conflitos/contradições
locais. A questão do reducionismo metodológico se refere a um entendimento do currículo
como uma lista de tópicos a serem executados pelo professor em uma perspectiva de
cumprimento de metas. Nessa perspectiva, os conteúdos passam a ser trabalhados a revelia
dos contextos locais tornando-os distantes do universo vivido pelos alunos e professores e
gerando entraves para os processos de ensino-aprendizagem. O trabalho interdisciplinar
também é apontado como um desafio a ser superado na medida em que os professores tem
dificuldade em articular e sustentar diálogos entre suas disciplinas de origem com as outras
disciplinas escolares.
34
Esses entraves apontados por Munchen e Auler (2007) nos remetem à questão da formação
de professores. Na literatura, encontramos alguns relatos empíricos de iniciativas de
atividades de formação continuada de professores em uma perspectiva CTS. Tenreiro-Vieira
e Vieira (2005) relatam um curso realizado em Portugal com professores do ensino básico,
onde se fomentou uma reflexão sobre a prática pedagógica desses professores e a produção
de materiais didáticos a partir de uma abordagem CTS. Firme e Amaral (2008) apresentam
uma discussão sobre o efeito que as concepções que os professores têm sobre Ciência,
Tecnologia e Sociedade e suas inter-relações têm sobre o processo de elaboração de
propostas CTS para o ensino básico no contexto de oficinas de formação continuada de
professores. Rebelo e colaboradores (2008) realizaram um curso de formação continuada
para professores de química, onde as abordagens CTS foram apresentadas como uma
inovação necessária ao ensino de ciências.
Nesse sentido, a literatura da área aponta para a necessidade de investimento em processos
críticos de formação continuada que promovam uma reflexão entre os professores sobre suas
práticas pedagógicas, suas concepções sobre as inter-relações entre Ciência, Tecnologia e
Sociedade e também uma crítica ao currículo tradicional.
A partir das discussões e experiências identificadas na produção CTS do campo de pesquisa
em ensino de ciências, formulamos questões que pautaram nossas ações durante o
desenvolvimento da unidade didática que foi objeto de pesquisa dessa tese. Nos
preocupamos em dialogar com essa literatura no sentido de estarmos conscientes dos limites
e possibilidades de construção de propostas CTS no âmbito do ensino médio, no contexto da
rede estadual de ensino público, no município de Macaé no Estado do Rio de Janeiro.
Uma das questões que a literatura nos sinalizou como preocupantes se referia a como
incorporar uma dimensão interdisciplinar às propostas CTS no contexto escolar. Essa
questão foi problematizada ao longo da construção da nossa proposta e se tornou um dos
aspectos que iremos discutir como resultado de nossa investigação.
Um segundo ponto indicado pela literatura que influenciou o desenvolvimento do objeto da
tese se refere ao processo de formação continuada que o desenvolvimento e implementação
de abordagens CTS no ensino médio exige. Essa necessidade da formação continuada para
que os professores se apropriem das práticas CTS de educação cientifica pode ser entendida
como uma resposta a uma lacuna na formação inicial de professores de ciências.
35
A partir dessa conjuntura do campo CTS no Brasil, planejamos, em parceria com uma
professora de ensino médio, uma unidade didática CTS que foi tomada como objeto de
pesquisa nessa tese. No próximo capitulo apresentaremos o quadro teórico da tese, nossas
perguntas de pesquisa e a descrição do desenho da pesquisa da tese.
36
3. Quadro teórico:
3.1 Apresentação da analise critica do discurso
Para o desenvolvimento de minha tese, me apoiei no referencial teórico da Análise Crítica
do Discurso (FAIRCLOUGH, 2001; CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 2001). A Análise
Critica do discurso (ACD) permite abordar diversas práticas presentes na vida social. A
partir da perspectiva da ACD, o discurso é entendido como um dos elementos que constitui
as práticas sociais. No entanto, Fairclough considera reflexiva a relação entre os discursos e
as práticas sociais no sentido em que o discurso é também moldado e constituído pela
prática social e seus outros elementos, ao mesmo tempo em que ele os constitui em alguma
medida.
A ACD é utilizada em diversas disciplinas e em diferentes contextos, em parte porque
questões sociais são sempre, em alguma medida, questões discursivas. Nesse sentido,
investigar os aspectos linguísticos e discursivos das práticas sociais é parte necessária da
análise social. É possível encontrar a ACD sendo utilizada em diversas disciplinas das
ciências humanas e sociais, como por exemplo, na educação, caso da presente tese.
Nos últimos trinta anos a linguagem passou a assumir cada vez mais importância nas
práticas sociais contemporâneas fortemente mediadas por textos e imagens. As
transformações políticas, econômicas e sociais nessas últimas três décadas criaram as
condições para uma transição entre uma economia baseada em um modelo industrial para
uma economia baseada no conhecimento e na informação, sendo esses processos fortemente
mediados pela linguagem (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH,2001). Harvey (1989)
argumenta que a crise do modelo fordista durante a década de 1970, causou o
desenvolvimento de um novo modelo de produção baseado na flexibilidade e organizado em
redes possibilitadas pela transnacionalização do capital e pelas inovações tecnológicas na
área de telecomunicações que reduziu significativamente as fronteiras espaços-temporais. A
economia migrou de uma ênfase em produção de bens de consumo materiais para a
produção de serviços (comerciais, educacionais, de saúde, entretenimento etc.) que têm vida
útil menor e aceleram o consumo e o lucro do investimento. Nesse novo contexto a
linguagem e a semiose se destacam na medida em que são amplamente empregadas na
propaganda e na comunicação social em geral. A economia baseada em informação e
37
conhecimento implica em uma economia baseada no discurso, pois o conhecimento é
produzido, circula e é consumido em forma de discursos.
Nesse sentido, a perspectiva crítica do discurso se torna um elemento político e socialmente
importante nos estudos da linguagem em especial devido ao caráter emancipatório da ACD
que busca por meio da investigação das relações entre o discurso e as práticas sociais,
identificar e desnaturalizar crenças que sustentam estruturas de dominação e através desse
processo desarticular as próprias estruturas e processos de dominação na qual os sujeitos
estão submetidos (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 2001; FAIRCLOUGH, 2001;
RESENDE e RAMALHO, 2004). A ACD tem como objetivo prover uma base científica
para abordar criticamente a vida social, em termos de suas relações de poder visando
mudanças sociais necessárias a um modelo de sociedade democrática baseada na justiça
social. A ACD possibilita discussões acerca dos efeitos sociais do uso da linguagem, assim
como dos sentidos dos textos que circulam pela sociedade.
3.2 Bases teóricas da ACD
Fairclough e Chouliaraki (2003) situam a ACD no contexto da modernidade tardia
(GIDDENS,1990). A modernidade tardia representa essa atual fase do capitalismo neo-
liberal pós-industrial, baseado no conhecimento e nos serviços, globalizado e em rede, na
qual as atuais relações sociais se estabelecem e se desenvolvem. A modernidade tardia se
caracteriza também por processos de separação espaço-temporal, mecanismos de desencaixe
e pela reflexividade institucional. A separação espaço-temporal é uma radicalização de uma
característica da modernidade que possibilitou a articulação das relações sociais em escalas
amplas de tempo-espaço. Essa possibilidade de interações mediadas propiciou os
mecanismos de desencaixe, que permitem que as pessoas vivenciem realidades deslocadas
de sua presença física.
Chouliaraki e Fairclough (2003) localizam a ACD na vertente das Ciências Sociais Crítica.
Dessa forma a vida social é entendia como um conjunto de práticas sociais em que o
discurso é um dos seus momentos. O conceito de prática social de Chouliaraki e Fairclough
(2003) é baseado na abordagem proposta por Harvey (1996) que se baseia no referencial do
materialismo histórico Marxista (RESENDE e RAMALHO, 2004). Dessa forma, a prática
social é entendida como constituída de diversos momentos sendo elas: a) o discurso, b)
atividade material, c) relações sociais (relações de poder e de hegemonia na constituição das
38
relações sociais) e d) fenômeno mental (crenças, valores, desejos e ideologias). Segundo
Chouliaraki e Fairclough (2003) esses diferentes momentos se relacionam sem um se reduzir
ao outro, através de processos de internalização ou de articulação entre os momentos.
Nessa perspectiva, as práticas sociais se diferenciam ou se aproximam em função das
diferentes configurações desses elementos que as constituem. Os processos de articulação e
internalização produzem, por exemplo, a heterogeneidade discursiva presente no interior de
determinada prática social. A partir desse enquadramento teórico podemos pensar nas
práticas sociais e consequentemente sua dimensão discursiva como um terreno para disputas
ideológicas com fins de busca/manutenção de hegemonias nas práticas e discursos
O conceito de hegemonia adotado por Fairclough (1992, 2003) segue a linha de pensamento
Gramsciano. Nela, a hegemonia se relaciona a uma busca pela prevalência ideológica em
campos de disputa de poder. Conquistar a hegemonia significa em ultima instância
estabelecer uma liderança moral, política ou intelectual na vida social, chegando inclusive a
impor a visão de mundo de grupos particulares (hegemônicos) a toda sociedade, nos planos
econômicos, políticos, educacionais e culturais.
A luta hegemônica travada no plano discursivo das práticas sociais, é uma das forças
motrizes por trás das rearticulações discursivas no interior dessas práticas. Parte da
constituição e rearticulação dos discursos se dá com base nos processos intertextuais, que
constroem cadeias de textos que articulam e embasam esses discursos. A intertextualidade
presente nos textos que circulam em determinadas práticas sociais é um dos objetos de
estudo da análise crítica do discurso.
3.3 ACD e a Pesquisa em Educação
Estudos com base nas teorias do discurso vem sendo desenvolvidos no campo da educação
desde meados da década de 1980. Não é nossa intenção aqui fazer um profundo
levantamento do campo dos estudos do discurso, mas sim tentar situar nosso trabalho dentro
de um contexto mais amplo, considerando o que já foi feito anteriormente, dando destaque
especifico a alguns trabalhos que serviram de referencia para pautarmos nossa pesquisa.
Devido à heterogeneidade de linhas de pesquisa do campo dos estudos da linguagem e do
discurso, encontramos na literatura diferentes abordagens discursivas para essas
investigações. Coll e Edwards (1998) organizaram, ainda em 1996 uma publicação onde
reuniam parte expressiva da produção na época sobre os estudos discursivos no contexto
39
escolar, focando especificamente nos processo de ensino e aprendizagem. Autores como
Antonia Candela, Neil Mercer, Gordon Wells e James Wertsch, além dos próprios
organizadores, apresentaram nessa publicação, trabalhos empíricos e teóricos desenvolvidos
na Europa e na América do norte que apontavam para abordagens discursivas associadas ao
campo da psicologia da educação(EDWARDS, 1998; COLL e ONRUBIA, 1998) e também
dos estudos culturais e etnográficos (CANDELA, 1998; MERCER, 1998; WELLS, 1998;
RAMIREZ e WERTSCH, 1998). Os trabalhos empíricos dessa publicação analisaram
situações em sala de aula onde o processo interativo entre professores e alunos eram
abordados do ponto de vista discursivo. Nesse sentido, a abordagem discursiva aplicada no
campo da educação torna em objetos de pesquisa processos argumentativos, interações
comunicativas e atividades que ocorrem em uma sala de aula.
Especificamente o referencial teórico da Análise Critica do Discurso, que é uma entre várias
linhas possíveis dentro do campo dos estudos da linguagem e do discurso, já vem sendo
utilizado em pesquisas no campo da educação pelo menos desde meados da década de 1990.
Em 2004 Rebecca Rogers editou um livro chamado “Introduction to critical discourse
analysis in education” que destacamos como relevante na medida em que é um esforço
sistemático de estabelecer marcos teóricos que orientem a utilização da ACD no campo da
educação. Isso foi relevante na medida em que inicialmente as formulações de Fairclough
(FAIRCLOUGH, 2001; CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 2001) não visavam
especificamente o campo educacional como cenário de pesquisa. A ACD em sua origem
foca na discussão do campo social de forma mais ampla abordando principalmente temáticas
relativas ao campo da política e economia, analisando as relações dialéticas e reflexivas
entre as mudanças sociais e as mudanças discursivas. Por esse motivo, os primeiros
trabalhos a utilizarem a ACD no campo da educação tiveram que literalmente transpor os
elementos teóricos do campo social para o campo da educação.
Dessa forma, o conjunto de artigos reunidos nessa obra sinaliza para a construção de um
referencial teórico baseado na ACD e voltado especificamente para a prática social da
Educação em diferentes contextos. Fairclough (FAIRCLOUGH, 2004) apresenta nessa
publicação uma leitura da prática pedagógica a partir do referencial da ACD. Nesse sentido,
ele endereça o conceito de aprendizagem como sendo derivado de uma prática de interação
com textos falados e escritos, portanto passível de ser abordado pela ACD. Com isso,
Fairclough sugere que podemos pensar os processos educativos que ocorrem em sala de aula
como eventos sociais concretos que estabelecem relações com as abstratas estruturas sociais
40
que os circundam. No caso, as relações estabelecidas entre os eventos e a estrutura seriam
mediadas pelas diversas práticas sociais. Especificamente no campo da educação, existe uma
diversidade de práticas sociais no que se refere às práticas pedagógicas em si, ou até mesmo
nas práticas de gestão de sistemas educacionais, em um município, em um estado e em um
país. As práticas sociais podem ser entendidas como meios para controlar a seleção ou
exclusão de certas possibilidades estruturais, assim como fixar algumas dessas
possibilidades em certas áreas da vida social. Esquematicamente, Fairclough propõe uma
relação entre três níveis da esfera social (Estrutura Social, Práticas Sociais e Eventos
Sociais) respectivamente com três dimensões semióticas (Linguagem, Ordens do Discurso,
Texto) (tabela 2).
Vida Social Semiótica
Estrutura Social Linguagem
Práticas Sociais Ordens do Discurso
Eventos sociais Texto
Tabela 2: Relação entre os níveis da vida social e as dimensões da Semiótica
Com isso, a linguagem é associada à estrutura social e o texto aos eventos sociais. No
entanto, na perspectiva da ACD o texto não está pré-determinadamente submetido à
estrutura social, pois intermediando a relação entre esses dois momentos estão as práticas
sociais, sendo operacionalizadas linguisticamente pelas ordens do discurso nas suas
dimensões de gênero, estilo e discurso. Nessa perspectiva, as ordens do discurso combinam
esses diferentes elementos e constituem um filtro que controla a variabilidade linguística de
uma área particular da vida social (FAIRCLOUGH, 2004).
Dessa forma, pelo olhar da ACD podemos entender o processo de ensino-aprendizagem
como uma pratica social que articula um uso especifico da linguagem e produz um tipo
particular de interações e ações, entre pessoas que ocupam diferentes posições nessas
interações e no espaço físico onde essa prática ocorre.
As interações no espaço escolar que se dão de forma oral e escrita são passiveis de serem
analisadas pela ACD, nas dimensões do gênero, discurso e estilo. Para Fairclough, gênero
se refere às diferentes formas de interação discursiva. No caso do contexto educacional,
podemos pensar em diferentes gêneros de aula, a aula expositiva, a dialogada, a aula prática
etc. Cada um desses gêneros articulam diferentes tipos de discursos educacionais que de
alguma forma constituem e embasam esses gêneros na prática social. Esses discursos são
41
entendidos como meios de representação do mundo material e de outras práticas sociais. No
contexto educacional, constantemente estão sendo construídas, trabalhadas e apresentadas
representações sobre o conhecimento, a Ciência, os cientistas, as relações sociais que são em
ultima instância, produtos de determinados discursos. Por ultimo, a dimensão do estilo
presente nas práticas sociais nos permite acessar os aspectos relativos às formas de ser que
os atores envolvidos nessas práticas apresentam. O estilo se refere às identidades sociais
envolvidas nas interações discursivas entre os atores dessa prática. No contexto
escolar/educacional é possível identificar uma variedade de estilos tanto de professores,
como de alunos, gestores do sistema de ensino, familiares dos estudantes e demais sujeitos
envolvidos.
Com essa abordagem passamos a entender os textos e enunciados que circulam e ocorrem no
campo educacional como constituídos de significados no plano da ação, da representação e
da identidade.
O campo educacional é submetido a uma estrutura social, mas dialeticamente, ele também é
constituído pela agência dos atores que operam nessa arena discursiva. A agência dos atores
depende de suas identidades e também das ordens discursivas que eles sustentam. Isso quer
dizer que as relações estabelecidas no plano discursivo de uma prática social dificilmente
seguem um modelo determinístico. Apesar de ser possível estabelecermos e identificarmos
relações causais entre a esfera social e o texto, não podemos entender essa relação como
uma relação de causa e efeito direto.
A heterogeneidade discursiva da pratica social da educação cria um espaço de disputa
hegemônica e ideológica entre as diferentes ordens do discurso existentes. Devido essa
natureza de disputa no interior da prática social, determinadas formações discursivas serão
mais hegemônicas e terão um efeito ideológico mais pronunciado do que outras. O efeito
ideológico dos discursos se reflete na internalização de determinados valores e discursos nas
práticas e nas identidades dos sujeitos.
Sendo o campo da educação um campo essencialmente formativo dos sujeitos envolvidos
nele, ele se torna um campo privilegiado de analise dos processos de construção e
internalização desses discursos, pois em uma ultima instância, o processo de aprendizagem é
em si um processo de internalização de determinados discursos escolarizados e de práticas
especificas, que se relacionam, ou não, com expectativas de formação para a vida social fora
da escola também.
42
Baseando-se nesse referencial, Rogers (2004, 2004 b) defende que a ACD tem grande
contribuição para a pesquisa em educação, uma vez que permite abordar o aspecto
linguístico nas grandes questões do campo. Nesse sentido, ela apresenta um estudo sobre a
segregação racial em escolas no Sul dos Estados Unidos da América baseado em analises de
entrevistas com adultos que frequentavam programas de alfabetização e que tinham filhos
matriculados no ensino básico. Em sentido diferente, Lewis e Ketter (2004) analisam as
interações entre pesquisadores e professores em um grupo de formação continuada,
Woodside-Jiron (2004) por sua vez faz uma analise documental das políticas públicas sobre
o livro didático no estado da Califórnia, considerando os efeitos práticos dessas políticas na
metodologia de ensino e formação nas unidades escolares.
Como pode ser observado, o referencial teórico da análise critica do discurso, permite um
amplo espectro de possibilidades ao pesquisador para abordar os eventos que ocorrem no
espaço escolar e no campo da educação. Sob o olhar da ACD, interações verbais e por
escrito entre alunos e professores se tornam dados empíricos para sustentar analises que
buscam articular a dimensão abstrata da estrutura social com a concretude dos eventos
sociais, mediados pelas práticas discursivas que constituem determinada prática social.
Com esse referencial nos orientando, nos propusemos a abordar especificamente o campo de
ensino de ciências como cenário para observação das interações discursivas implicadas no
processo de elaboração de propostas CTS para o ensino de Biologia no ensino médio. Na
sessão a seguir exploraremos o campo de ensino de ciências com base no referencial da
ACD.
3.4 Abordando o campo de educação em Ciências em uma
perspectiva discursiva
A partir da perspectiva da ACD podemos abordar o campo de ensino de ciências como uma
prática social que elabora uma variedade de discursos acerca do que, e de como, ensinar
Ciência no ensino básico. Nessa tese buscamos discutir o campo da educação sob o ponto de
vista das interações entre esses discursos que circulam com especial atenção para a relação
entre o que chamamos aqui de discurso CTS no ensino de ciências e o discurso tradicional
do ensino de ciências sob o ponto de vista das re-elaborações que o professor realiza ao
tentar se apropriar desse discurso CTS em um contexto de um projeto de pesquisa sendo
desenvolvido no âmbito escolar.
43
O ensino de ciências, enquanto prática social encontra-se em uma situação problemática no
sentido em que ele é atualmente questionado sobre seus resultados nos processos de ensino-
aprendizagem (MARANDINO, SELLES e FERREIRA, 2009; DELIZOICOV, ANGOTTI e
PERNAMBUCO, 2009). O chamado ensino escolar de ciências tradicional, baseado em
memorização e práticas docentes pouco estimulantes ao aprendizado, é extremamente
rejeitado pelos alunos. Os professores sentem dificuldades de se manterem em contato com
esferas acadêmicas de produção de conhecimento cientifico em suas respectivas áreas e
também no campo educacional. Os conteúdos ensinados também são acusados de serem por
demais abstratos e pouco relevantes para o cotidiano dos alunos, além de não terem um
efeito social emancipatório. Ao mesmo tempo, conforme relatado no capitulo anterior, existe
uma série de iniciativas, mesmo que não sistemáticas, que buscam transformar esse ensino
tradicional seja a partir da perspectiva CTS ou também com outras formas de inovação
curriculares. Considerando que não é recente esse processo de disputa hegemônica entre
essas variedades de práticas pedagógicas, fica estabelecida assim uma tensão entre inovação
e manutenção da tradição curricular no interior dessas práticas.
Com esse cenário, percebemos que a heterogeneidade de discursos que circulam na prática
social do ensino de Ciências é resultante de diferentes articulações entre elementos
discursivos e não discursivos dessa prática que variaram ao longo do tempo e das diversas
conjunturas sociais que o campo da educação passou ao longo das décadas. Nesse sentido,
entendemos que o movimento pedagógico CTS no ensino de ciências é também um
movimento produtor de um discurso que interage com outros discursos no interior da prática
social de ensino de ciências. Entre os vários discursos que o discurso CTS interage no
campo do ensino de ciências está o discurso do ensino tradicional de ciências.
A partir da perspectiva discursiva, é possível abordar essa heterogeneidade de discursos
sobre o ensino de ciências com base nos intertextos que eles apresentam , considerando as
práticas que esses discursos se circunscrevem e materializam. No caso do discurso CTS, ele
também apresenta uma heterogeneidade interna que pode ser entendida como zonas
cinzentas resultantes de articulações especificas de elementos textuais e discursivos que
constituem as práticas que são identificadas no interior do campo discursivo CTS. As zonas
hibridas ou cinzentas, seriam variações de articulações que incorporam determinados
elementos ao invés de outros.
44
Com isso, podemos pensar o gradiente de possibilidades de práticas CTS com base em sua
constituição discursiva. Essa perspectiva permite abordar as práticas CTS com base em sua
coerência argumentativa, assim como também eventualmente nas contradições geradas entre
sua prática e discurso.
A partir desse quadro teórico, propomos em nossa tese discutir as seguintes perguntas de
pesquisa:
1)Quais re-elaborações discursivas o discurso CTS sofre ao interagir com os outros
discursos presentes no contexto escolar?
Partindo do pressuposto de que a implementação de práticas CTS no ambiente escolar exige
uma “negociação” com outros discursos que circulam nesse ambiente, é possível supor que a
prática do discurso CTS sofre adaptações de modo a atender também outras expectativas que
são colocadas por setores administrativos, familiares e pedagógicos que integram o ambiente
escolar. Acreditamos que as práticas CTS bem sucedidas são aquelas que incorporam e
equilibram intertextualmente outros elementos em sua elaboração. A intertextualidade
produzida pelo discurso CTS na escola é passível de ser analisada pelo referencial da
Análise Crítica do Discurso, possibilitando, por exemplo, uma discussão sobre os diferentes
pesos dados aos diferentes discursos que interagem entre si na constituição das propostas
CTS analisadas.
Partimos da ideia de que entender como se dão os processos de desenvolvimento de uma
proposta CTS no contexto escolar brasileiro nos fornece informações importantes, sobre os
aspectos considerados pelos professores na hora de estabelecer um posicionamento na
dialética dos processos de inovação-manutenção das práticas curriculares.
Buscamos compreender, na microestrutura da sala de aula e no processo especifico de
construção pedagógica de um professor em seu contexto de trabalho, aspectos que podem
estar relacionados com processos de transformação em uma escala mais ampla no ensino de
Ciências.
Considerando que existe uma distância entre os enunciados proferidos nos contextos
acadêmicos em relação ao que, ao porquê e ao como ensinar ciências, aos enunciados
proferidos nos contextos da escola, da sala de aula e do professor, busca-se com essa tese
aprofundar o conhecimento sobre os aspectos que contribuem para o processo de
aproximação dos enunciados desses dois contextos de produção de práticas sociais. Para
45
isso, analisaremos uma situação onde uma professora do ensino básico busca se apropriar do
discurso CTS para aplica-lo em seu contexto de sala de aula.
Uma vez que não existe um discurso CTS homogêneo na literatura acadêmica, o processo de
apropriação do discurso CTS pelos professores consiste também em um processo de
elaboração discursiva, na qual o professor se apropria de determinados enunciados e
pressupostos do discurso CTS e os acomoda com os pressupostos e enunciados que ele já
trazia em sua bagagem discursiva sobre a prática pedagógica.
Entender os mecanismos envolvidos nesse processo de apropriação pode significar, entre
outras coisas, entender como aperfeiçoar o processo de transformação da prática pedagógica
do ensino de ciências, uma vez que ao entendermos um pouco mais sobre como os
professores fazem escolhas na hora de incorporar novas práticas e teorias pedagógicas,
poderemos futuramente levar em conta esses aspectos na hora de planejar e propor
atividades de formação continuada, assim como projetos de pesquisa a serem desenvolvidos
nas unidades escolares. A busca pela resposta dessa primeira questão nos levou
invariavelmente a pensar sobre a outra questão que desenvolvemos nessa tese que se refere
mais especificamente ao elemento contextual que circunda o processo de elaboração do
discurso CTS que tomamos como estudo de caso. O processo de elaboração que o discurso
CTS sofre no contexto escolar é bastante condicionado (mas não totalmente) pelas condições
especificas em que ele ocorre. Por esse motivo, nossa segunda pergunta de pesquisa tenta
abordar esse aspecto sendo enunciada a seguir.
2) Quais os limites e possibilidades que as práticas CTS de ensino de ciências têm no
contexto escolar estadual do Rio de Janeiro, no município de Macaé?
O contexto do ensino estadual no município de Macaé é parte fundamental na constituição
dos limites e possibilidades para a implementação de práticas CTS no ensino básico. A partir
de uma relação reflexiva, o contexto onde as práticas pedagógicas CTS se desenvolvem
constitui uma rede de relações e práticas que estabelecem os limites e possibilidades para as
práticas CTS. Essa condição reflexiva exige escolhas e posicionamentos políticos por parte
do professor no momento de implementar práticas CTS em seu contexto escolar.
No caso de Macaé, como em qualquer outro lugar, existe uma história do sistema de ensino,
das unidades escolares, um histórico das relações dos professores entre si e com suas
direções e secretarias. Todos esses aspectos de alguma forma irão favorecer ou não
46
mudanças curriculares no ensino de ciências. Reconhecer esses aspectos é parte fundamental
para compreendermos o que pode estar condicionando a re-elaboração do discurso CTS
nesse contexto.
A partir das análises dos dados pretendemos identificar as questões que dificultam ou
facilitam essas ações no município, tendo em vista que a implementação de propostas CTS
envolvem a necessidade de superar esses limites e explorar essas possibilidades.
Identificamos na literatura da área de ensino de ciências um conjunto de entraves para a
implementação de currículos CTS (MUNCHEN e AULER, 2007; DELIZOICOV,
ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2009). Entre eles nos chamaram a atenção o desafio de
operacionalizar a interdisciplinaridade e o reducionismo metodológico no currículo. O
reducionismo metodológico no currículo se refere a um entendimento do currículo como
uma lista de tópicos a serem executados pelo professor em uma perspectiva de cumprimento
de metas. Nessa perspectiva, os conteúdos passam a ser trabalhados à revelia dos contextos
locais tornando-os distantes do universo vivido pelos alunos e professores e gerando
entraves para os processos de ensino-aprendizagem. A interdisciplinaridade é quase um
pressuposto das práticas CTS, uma vez que para abordar o ensino de ciências a partir da
tríade Ciência-Tecnologia e Sociedade, se faz necessário operacionalizar mais de uma
disciplina para dar conta das questões que emergem nessa perspectiva. No entanto, o desafio
de se operacionalizar a interdisciplinaridade no contexto escolar, se relaciona com questões
relativas à formação extremamente disciplinar e fragmentada dos professores da área de
ciências naturais, assim como de dificuldades práticas do cotidiano escolar que não
necessariamente promovem o trabalho colaborativo entre as disciplinas ou cria espaços de
interlocução e planejamento entre esses professores.
Com isso, evidencia-se que as condições específicas da unidade escolar, que ocupa um lugar
dentro de um sistema de ensino local, que está circunscrito em um sistema estadual, que
responde a uma esfera nacional, moldam o ambiente em que as propostas são desenvolvidas
facilitando ou dificultando a implementação de práticas CTS. A gestão das Unidades
Escolares e do próprio sistema de ensino podem criar ambientes mais ou menos favoráveis
às mudanças curriculares que as práticas CTS podem realizar dependendo do grau de
autonomia que o professor tem, assim como das condições materiais e de recursos que ele
dispõe. Por outro lado, os proponentes de propostas CTS precisam lidar com esses limites
colocados pela gestão escolar para viabilizar suas propostas.
47
Nesse viés, exploraremos nos nossos dados as maneiras pelas quais a proposta CTS
desenvolvida lidou com a operacionalização da interdisciplinaridade em seu contexto, e
como ela conseguiu ser viabilizada em termos das demandas curriculares estabelecidas pela
secretaria estadual de educação para o segundo ano do ensino médio. Analisaremos aqui as
estratégias adotadas pela professora para negociar com as demandas curriculares que ele
enfrenta, assim como com suas limitações no que se refere ao domínio de certos campos de
conhecimento que estão além das ciências biológicas.
A partir da perspectiva discursiva, podemos entender a proposta CTS elaborada nesse
estudo de caso como um registro das escolhas e estratégias realizadas pela professora em seu
processo de apropriação do Discurso CTS. Com essas perguntas guiando nosso olhar,
indicaremos na próxima seção os conceitos da ACD que mobilizamos para tentar
operacionalizar e desenvolver as perguntas aqui apresentadas.
3.5 Conceitos da Análise Crítica do Discurso utilizados na análise
textual
Para discutir nossas perguntas de pesquisa, nos baseamos em dois conceitos da ACD:
Intertextualidade e Hegemonia(CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 2001)(FAIRCLOUGH,
2001). A intertextualidade se refere à propriedade dos textos de se constituírem de outros
textos anteriores ou se posicionar perante textos futuros. No nosso contexto de pesquisa,
esse conceito nos permitiu analisar as articulações presentes nas elaborações discursivas que
a professora fez ao longo de seu processo de apropriação do discurso CTS durante seu
envolvimento com o projeto de pesquisa.
A intertextualidade pode ser manifesta ou constitutiva. Em sua forma manifesta, a
intertextualidade explicitamente evidencia o processo de incorporação de outros textos a um
enunciado ou discurso através, por exemplo, de citações e paráfrases. A forma constitutiva,
que também pode ser chamada de interdiscurso é mais sutil, na medida em que determinado
discurso incorpora determinados elementos, formas ou modelos oriundos de outros
discursos, como por exemplo, quando um texto didático se assemelha a uma reportagem de
jornal, ou quando uma reportagem de jornal se “parece” com um texto didático. Essas
semelhanças se referem à possibilidade de um determinado texto incorporar a estrutura
textual de outros discursos. A forma constitutiva da intertextualidade se relaciona também
com questões inerentes aos objetivos sociais do texto, uma vez que as escolhas
48
interdiscursivas feitas na elaboração de um texto ou enunciado são orientadas com base em
uma intencionalidade de comunicação, onde o produtor do discurso quer atingir seu público-
receptor de modo eficiente, e por isso faz escolhas de acordo com sua visão de mundo, onde
determinados discursos serão vistos como mais eficientes do que outros para serem
empregados. A análise dos elementos intertextuais em um texto nos permite perceber os
elementos discursivos externos ao discurso CTS que foram mobilizados na re-elaboração do
discurso CTS no contexto da proposta didática produzida.
A partir do conceito de intertextualidade, é possível enxergar a proposta de unidade CTS
elaborada pela professora como uma articulação de diferentes discursos, refletindo assim
suas escolhas em meio a uma diversidade de enunciados e pressupostos argumentativos que
ela interagiu antes e durante o projeto. A intertextualidade produzida pela proposta CTS
analisada nos dará um indicativo de quais elementos discursivos foram mais presentes e
impactantes na elaboração da proposta.
A discussão sobre a intertextualidade apresentada na proposta CTS analisada nos remete ao
conceito de hegemonia. O conceito de hegemonia será explorado para operacionalizar as
análises das relações de poder que se estabelecem no âmbito da prática social do ensino de
ciências. Os discursos, tradicional e CTS, do ensino de ciências se sustentam em diferentes
visões de mundo, nesse sentido, eles trabalham em nome da construção de hegemonias
diferentes. O discurso tradicional do ensino de ciências tem um efeito de manutenção da
hegemonia atual na medida em que ele mantém as relações de poder estabelecidas, uma vez
que ele elabora uma pedagogia não emancipatória, apresentando um corpo fragmentado de
conhecimentos com pouca ou nenhuma relevância social prática. O discurso CTS por outro
lado, provoca uma tensão na atual hegemonia uma vez que provoca uma rearticulação das
relações de poder vigentes, ao propor re-elaborações curriculares. Além disso, as abordagens
CTS buscam construir um ensino em que o conhecimento científico tenha relevância social
para os educandos, privilegiando inclusive os seus interesses e curiosidades.
O conceito de hegemonia é particularmente importante nas análises e discussões de nossa
investigação na medida em que as interações discursivas que se estabelecem no interior da
prática social do ensino de ciências, são, em parte, resultado de disputas hegemônicas entre
ideologias, valores e crenças que circulam na sociedade como um todo e se materializam nos
discursos dessa prática social, nos ajudando inclusive a entender/discutir as escolhas
intertextuais produzidas na re-elaboração do discurso CTS.
49
Dessa maneira, para entender o caráter intertextual da proposta CTS que analisamos nessa
tese, precisamos colocar as escolhas feitas pela professora através do prisma das disputas
hegemônicas que se colocam por trás dessas escolhas. No caso, o posicionamento perante
essas disputas hegemônicas não necessariamente se dão de forma consciente e intencional.
As disputas hegemônicas que se colocam no plano discursivo, através de suas práticas e
enunciados, apresentam uma dimensão ideológica que, por ser ideológica, muitas vezes se
encontra naturalizada no senso comum, e por isso passam despercebidas para parte das
pessoas que sustentam visões hegemônicas estabelecidas. Nesse sentido, a partir de uma
análise da conjuntura em que a prática social ocorre podemos identificar formulações
discursivas que são pró-hegemônicas ou contra-hegemônicas. Estabelecer essa leitura sobre
a proposta CTS estudada nos permitirá perceber as forças que tensionam a elaboração de
mudanças curriculares no ensino básico brasileiro e também no âmbito do nosso estudo de
caso, identificar quais aspectos hegemônicos foram sustentados ou desafiados pela proposta
implementada, uma vez que o discurso CTS surge como um discurso contra-hegemônico,
mas o processo de implementação de propostas CTS nas unidades escolares dependem de
um equilíbrio com forças hegemônicas que se estabelecem no currículo escolar.
3.6 Desenho de pesquisa
Minha tese foi desenvolvida a partir de um estudo de caso com uma professora de ensino
médio da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro que atua no município de Macaé. O
estudo de caso foi realizado no contexto do projeto “Ensino de Ciências: desempenho de
estudantes, práticas educativas e materiais de ensino” contemplado pelo edital 2008-1 do
Observatório da Educação da CAPES. Esse projeto foi desenvolvido em uma parceria entre
as universidades Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade de São Paulo (USP) que atuaram em três
municípios diferentes, dois no Estado do Rio de Janeiro (Macaé e Angra dos Reis) e um no
Estado de São Paulo (São Paulo). A questão central do projeto era investigar “como, em
diversas instâncias educacionais, está sendo abordado o tema das relações sociais,
culturais, tecnológicas e ambientais da energia no mundo contemporâneo” (Sousa et al,
2008). O projeto investiga situações e práticas educativas para o ensino do conceito de
energia em municípios impactados pela produção energética.
O projeto do Observatório previa a concessão de bolsas de participação para professores da
escola básica. A seleção desse professor bolsista do projeto foi feita através de um curso de
50
formação continuada sobre as abordagens CTS, oferecido aos professores da rede estadual
do Rio de Janeiro que atuam no município de Macaé. O curso teve duração de 30 horas,
sendo 15 delas presenciais, em Macaé, e 15 à distância. O objetivo do curso foi apresentar
aos professores do ensino médio de escolas públicas da região Norte Fluminense
conhecimentos sobre aspectos conceituais e pedagógicos ligados ao campo de educação
CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e a sua interface com o conteúdo Energia,
proporcionando vivências coletivas de construção de práticas, de materiais educativos e de
análise de livros didáticos e questões do ENEM. Ao final do curso, os professores
participantes elaboraram, baseados nas discussões construídas nos encontros, propostas de
ensino CTS para serem implementadas em seus contextos escolares.
A partir da avaliação da natureza das propostas elaboradas e do desempenho dos professores
no curso, selecionamos uma professora para tomar parte do projeto de pesquisa. À época da
pesquisa, a professora tinha 45 anos e atuava há cerca de 27 anos na rede estadual de Ensino
do Rio de Janeiro. Em sua trajetória profissional ela iniciou a docência atuando em escolas
primárias rurais no interior do estado, ministrando aulas para as séries inicias do
fundamental I. Em 1990 ela se muda para Macaé e passa a lecionar em escolas urbanas,
ainda no segmento do fundamental I. Durante a década de 90, ela iniciou uma serie de
cursos de formação que foram ampliando as suas possibilidades de atuação. Com a
conclusão de um Curso Adicional em Ciências à sua formação de professora primária, ela
passou a atuar no ensino fundamental II e posteriormente ao concluir a graduação em um
curso de licenciatura em ciências biológicas passou a atuar também no ensino médio no
Colégio Estadual onde ela leciona até hoje e onde foi realizado o trabalho de campo dessa
tese.
A participação da professora no projeto de pesquisa se deu a partir de uma perspectiva de
professora-pesquisadora. A literatura na área de formação de professores aponta para a
importância e necessidade de aproximação entre a prática pedagógica e a prática de pesquisa
no sentido da construção de um professor emancipado e reflexivo
(ANDRÉ,2010(DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2009; SANTOS e AULER,
2011; MARANDINO, SELLES e FERREIRA, 2009; CAPELO e PEDROSA, 2011;
CANDAU, 1984)). O envolvimento da professora no projeto se deu de maneira ativa, sendo
ela responsável em construir, em parceria com os pesquisadores da Universidade que
estavam envolvidos no projeto (um aluno do Doutorado, sua orientadora e um aluno de
iniciação cientifica), uma proposta de unidade didática para a temática Energia e
51
implementá-la em suas turmas de 2º ano do ensino médio do colégio estadual onde ela
lecionava Biologia. Entendemos unidade didática como um conjunto articulado de aulas,
apresentadas em uma sequência especifica, de modo a trabalhar um conjunto, também
articulado, de conteúdos escolares e construir, com os alunos, conhecimentos específicos
relativos a esses conteúdos. Especificamente no nosso caso, a temática Energia, foi tomada
como eixo estruturante da unidade didática elaborada uma vez que esse era o contexto do
projeto de pesquisa em que inserimos nosso trabalho. Isso significou que buscamos, a partir
da temática Energia, articular o conjunto de conteúdos previstos no currículo do 2º ano do
ensino médio pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) de modo
a integra-los entre si e apresenta-los aos alunos de modo a estabelecer reflexões que
articulassem questões entre Ciência, Tecnologia e Sociedade.
Nosso intuito na elaboração da unidade didática era provocar uma renovação nas práticas
pedagógicas de sala de aula, incorporando o aporte das abordagens CTS no ensino de
Biologia. Essa intenção em renovar as práticas pedagógicas é decorrente de um
reconhecimento das limitações das práticas tradicionais em obter resultados mais
expressivos no que se referem à construção de uma aprendizagem em ciências que seja
relevante socialmente e significativa do ponto de vista das demandas colocadas para a
educação básica, no que se refere ao cidadão formado pela escola publica.
Nesse processo de elaboração da unidade didática, a interação entre a professora e os
pesquisadores se deu de forma horizontal e não hierarquizada, apesar dos envolvidos
estarem em posições diferentes na relação. Cabia à professora trazer para a construção da
proposta seus saberes e práticas de quem está em sala de aula, vivenciando cotidianamente o
ambiente escolar, convivendo com os alunos, interagindo com outros atores do espaço
escolar. Dessa forma, a professora estava em melhor posição para avaliar a viabilidade das
propostas que foram sendo elaboradas durante as reuniões de planejamento da unidade CTS
sobre a temática Energia. A ideia era que a proposta se fundisse e se integrasse com a prática
dela, ao invés de criar um paralelismo com suas práticas escolares. A unidade foi pensada,
visando estabelecer um vinculo entre os conhecimentos escolares e a vivência cotidiana dos
alunos, mas sem por isso perder o caráter tradicional de avaliação escolar, de modo a atender
às demandas por geração de notas e cumprimento do programa curricular do estado.
Por outro lado, os pesquisadores contribuíam para a construção da unidade didática
oferecendo um olhar externo ao contexto escolar, e um aporte teórico calcado nas
abordagens CTS. Parte da contribuição dos pesquisadores também consistia no próprio
processo de formação continuada da professora durante o projeto. Além disso, a articulação
52
Atividade
com os objetivos do projeto de investigação em andamento situaram a participação dos
pesquisadores na construção da unidade CTS elaborada.
Nesse sentido, a unidade didática elaborada nesse estudo de caso, dialogava com diferentes
demandas de naturezas pedagógica, acadêmica e de pesquisa. Por esse motivo, o nosso
objeto de pesquisa materializa uma negociação entre diferentes discursos que se envolvem e
estabelecem pontos de convergência e de afastamento entre si. O resultado dessa interação é
o que de fato nos interessa compreender do ponto de vista da estruturação e implementação
da proposta, visando identificar os fatores que contribuem ou dificultam para o sucesso
desse processo de apropriação de práticas CTS no contexto escolar brasileiro, mais
especificamente no estado do Rio de Janeiro, no município de Macaé.
O processo de construção da unidade se deu a partir de uma rotina de reuniões semanais
onde aconteciam as atividades de formação e o planejamento didático da unidade CTS,
conforme descrito na tabela 3.
Fevereiro Março Abril Maio Junho Agosto Setembro Outubro
Formação
Continuada X X X X X X X X
Elaboração
da unidade
CTS
X X
Aplicação da
Unidade
CTS na
escola
X X X X
Conclusão
do projeto
de pesquisa
X
Tabela 1 Cronograma de atividades do projeto de pesquisa: formação continuada, elaboração e aplicação da
unidade CTS
Apesar de considerarmos que a participação no projeto como um todo consistia em uma
formação continuada de professores, dedicamos os meses de Fevereiro e Março de 2011
para atividades com a professora bolsista de leitura e discussão de textos que abordavam a
aplicação de abordagens CTS no ensino de ciências. Ela já havia sido apresentada
formalmente às abordagens CTS no curso, a partir do qual ela foi selecionada. Por esta
razão, esses meses iniciais do projeto foram utilizados para aprofundar a leitura dela sobre as
abordagens CTS. No intuito de ilustrar algumas propostas CTS já descritas na literatura
Mês
53
brasileira, foram discutidos três textos que apresentavam propostas curriculares
diferenciadas para o ensino de Ciências no Ensino médio. O primeiro deles abordava a
questão do transporte público e privado considerando a problemática do consumo energético
e da poluição urbana em aulas de física (AULER et al, 2005). Esse trabalho apresentou uma
contribuição interessante na medida em que ilustrava um caso, no ensino de física, onde uma
questão relativa ao contexto da cidade onde o estudo foi realizado impactava a proposta
pedagógica de um curso para o ensino médio. Seguindo uma perspectiva Freiriana de
educação cientifica, o trabalho foi desenvolvido, a partir da situação do contexto local que
envolvia a instalação de uma fábrica de automóveis na região. Esse fato foi problematizado
e utilizado como um tema gerador de um debate sobre as implicações sociais dessa ação no
município. Essa discussão levantou prós (geração de empregos, aspectos econômicos) e
contras (poluição, impactos ambientais) da instalação da indústria automobilística e fez com
que os estudantes investigassem aspectos relativos ao consumo de combustível no modelo
de transporte individual e coletivo. Nesse processo, os conteúdos disciplinares científicos
tais como primeira e segunda leis da termodinâmica, massa específica, notação científica,
volume, calor de combustão, trabalho, potência, rendimento em máquinas térmicas, reação
de combustão da gasolina combustão (completa e incompleta), fotossíntese, combustíveis
fósseis; foram sendo trabalhados a partir das interações Ciência-Tecnologia e Sociedade.
Ao final da unidade os alunos puderam estabelecer reflexões sobre suas questões cotidianas,
embasados pelo conhecimento científico em seu uso social.
Tomar contato com esse tipo de trabalho nos permitiu vislumbrar uma forma de construção
de uma unidade CTS no ensino médio que possibilitasse trabalhar os conteúdos tradicionais,
mas contextualizados com elementos do cotidiano dos alunos e buscando estabelecer
reflexões sobre as implicações envolvidas nas interações entre Ciência, Tecnologia e
Sociedade.
O segundo trabalho discutido com a professora apresentava a utilização da metodologia de
júri simulado, em aulas de química, para a discussão da questão da problemática da poluição
ambiental gerada pela atividade industrial (Flor, 2007). Nesse trabalho, os autores
descrevem a implementação de uma proposta CTS no contexto do primeiro ano do ensino
médio em Santa Catarina. Seguindo a metodologia de júri simulado, a autora elaborou um
caso fictício envolvendo uma controvérsia pública quanto à aprovação da instalação de uma
incineradora de lixo no município, com o suposto objetivo de diminuir a poluição ambiental.
A partir desse caso, a autora desenvolveu com os alunos durante oito aulas o processo de
54
apresentação, abordagem, discussão e julgamento do caso. Essa abordagem exigiu dos
alunos uma postura mais ativa com o processo de aprendizagem. Da forma como foi
apresentada, a unidade CTS exigia dos alunos um esforço de compreensão de uma situação-
problema, o estudo de diferentes aspectos sociais e científicos da situação, e a elaboração de
uma argumentação baseada no papel social que cada grupo de estudantes representava.
Esse trabalho foi importante no nosso processo de formação na medida em que ele
apresentou uma forma de utilização da metodologia de enxerto de conteúdos CTS no
currículo escolar tradicional. O enxerto CTS se apresenta como uma tentativa pontual de
modificação curricular uma vez que limita as abordagens CTS em um momento especifico
do planejamento escolar. Com isso, o professor tem a possibilidade de experimentar
inovações nas práticas curriculares, mas sem necessariamente romper completamente com a
lógica do currículo tradicional. Essa característica dos enxertos, inclusive pode ser vista
também como sua fragilidade, uma vez que eles não promovem inteiramente uma
transformação nas práticas curriculares, correndo o risco também de ficar em uma
superficialidade nas discussões das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. No
entanto, ciente desses riscos, concordamos com alguns autores (FLOR, 2007; OSORIO,
2002) que defendem os enxertos como primeiro passo em um processo gradual de
transformação das práticas curriculares. Em condições em que os professores não tenham
total autonomia para colocar em prática as modificações que as propostas CTS exigem, os
enxertos se tornam uma forma de ousadia controlada, situada em pontos específicos do
planejamento escolar, onde, por exemplo, é possível experimentar novas práticas
pedagógicas, formas diferenciadas de avaliação e mesmo que momentaneamente refazer as
relações tradicionalmente estabelecidas para o processo pedagógico.
O terceiro texto discutia a formação continuada de professores de física do ensino médio, em
uma perspectiva de formação CTSA(BERNARDO, VIANNA e FONTOURA, 2007). Nesse
trabalho o tema energia também estruturava o trabalho de formação continuada e era o que
pautava a elaboração das propostas CTSA desenvolvidas, focando especificamente na
discussão da questão da geração e consumo energético. Esse texto tratava especificamente
do tema Energia, que nos interessava por ser também o tema do projeto que estávamos
envolvidos. Além disso, também envolvia a questão da formação continuada de professores,
uma vez que analisava os processos de apropriação e significação que professores da rede
pública apresentaram ao tomarem contato com as abordagens CTS e elaborarem propostas
de atividades em sala. Dessa forma, o texto nos ajudou a construir com a professora um
55
entendimento sobre as dificuldades implicadas nesse processo de implementação de práticas
CTS no contexto escolar, do ponto de vista do próprio processo de aprendizagem do
professor da rede em se familiarizar com o referencial CTS. O texto evidencia uma série de
dificuldades que as propostas CTS elaboradas tiveram em alcançar uma percepção ampliada
de inter e multidisciplinaridade, assim como as próprias dificuldades dos professores em
conciliar as abordagens CTS com suas visões e práticas tradicionais.
Além dos textos sugeridos pela equipe do projeto, a professora, motivada pelo processo de
aprendizagem que construímos no grupo, buscou, por iniciativa própria, outras referências
sobre a discussão CTS no ensino de ciências, investindo parte de sua bolsa na compra de
livros (Bazzo, 2003) e em revistas que tratavam dessa temática. Essa postura da professora
foi muito interessante, na medida em que evidencia sua autonomia dentro do processo
formativo que estabelecemos nesse projeto. Ela não se limitou apenas ao que a equipe de
pesquisadores oferecia em termos de materiais teóricos. Nesse sentido, ela se portou de
maneira ativa e interessada no processo de imersão no campo teórico CTS, estabelecendo
suas próprias leituras e contribuindo com suas vivências e experiências anteriores no campo
da educação. A leitura e discussão dos textos sugeridos no projeto e os complementares que
ela mesma selecionou foram importantes na medida em que apresentaram para ela
possibilidades de inovações curriculares que fugiam ao tradicional e destacavam os cuidados
necessários quando se pretende incorporar uma perspectiva CTS ao ensino de ciências.
A dinâmica de discussão desses três textos com a professora consistiu em reuniões dedicadas
para cada um dos textos isoladamente. Nas reuniões de discussão cada integrante indicava
um aspecto do texto lido que se relacionasse com os limites e possibilidades de
implementação daquelas propostas no contexto de Macaé. Nesse processo, a professora
refletia sobre sua prática pedagógica e se apropriava de argumentos, exemplos e ideias para
embasar a sua construção da proposta CTS.
Estabeleceu-se durante essas reuniões uma parceria cooperativa, mas também um espaço de
negociação entre professora e pesquisadores na medida em que as intervenções durante as
discussões buscavam construir uma proposta que atendesse expectativas tanto pedagógicas
quanto acadêmicas, além de dar conta das questões praticas e administrativas do cotidiano
escolar.
Durante essas reuniões foram discutidos também aspectos relativos ao contexto do
município de Macaé. Buscando estabelecer as questões locais que envolveriam as inter-
relações CTS, foram considerados os aspectos econômicos, históricos e sociais da cidade. A
56
professora por ser residente de Macaé há mais de duas décadas foi testemunha das profundas
modificações que a indústria do petróleo provocou na região. Parte de nossos esforços
durante os meses de planejamento foi pensar como incorporar à aula de biologia,
especificamente no que se referia à temática energia, as discussões no plano social e
econômico relativas ao município.
No inicio do período de leitura e discussão de textos, a professora produziu um pequeno
memorial sobre sua trajetória profissional na educação. Ao final desse período de formação
ela produziu um registro de suas impressões sobre a discussão das abordagens CTS. Ambas
as produções textuais constaram como dados empíricos que foram posteriormente
considerados em nosso corpus de análises.
Nos meses de Março e Abril, embasados pelas leituras e discussões realizadas, iniciamos
propriamente o processo de elaboração da unidade CTS sobre o tema energia. Partimos de
uma perspectiva de construção da unidade em que o conceito de Energia fosse um tema
unificador (ANGOTTI e AUTH,2001) de modo a explorar o potencial que esse tema tem de
articular e interligar conceitos de diferentes áreas de conhecimentos.
Tendo em mente o conceito de energia como um tema unificador, primeiramente foi feita
uma análise do planejamento do curso da professora. No ano de 2011 o Governo do Estado
do Rio de Janeiro através do decreto Nº 42.793 de 6 de Janeiro de 2011 implementou o
chamado currículo mínimo como parâmetro para organização dos conteúdos a serem
trabalhados no ano letivo pelas escolas e professores. Esse currículo mínimo foi elaborado e
proposto pela Secretária de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ) com a
participação de alguns representantes dos professores da rede pública Estadual.
Para regular a implementação do currículo mínimo no estado, a SEEDUC-RJ realiza
avaliações bimestrais que visam verificar se os conteúdos estipulados no currículo mínimo
estão sendo “dados” na sequencia estipulada pelos documentos oficiais. Foi identificado no
currículo mínimo do Estado que o primeiro, terceiro e quarto bimestre previam conteúdos
que envolviam o conceito de energia. No primeiro bimestre estava previsto o conteúdo
“Mecanismos energéticos da Célula: Fotossíntese e Respiração celular”, no terceiro
“Processos de obtenção de energia pelos seres vivos” e no quarto bimestre “ Processos de
obtenção e transformação de matéria em energia”.
Nesse sentido, o currículo mínimo exerce uma pressão e um constrangimento às inovações
curriculares, na medida em que prescreve, à revelia dos contextos locais, como que os
conteúdos devem ser encadeados em uma sequência didática. A partir de uma reflexão sobre
57
o papel do professor enquanto construtor de currículos ao invés de um mero executor de
currículos a professora optou por reunir esses três conteúdos em uma mesma unidade
didática que foi desenvolvida durante todo o segundo bimestre letivo, tendo inicio no mês de
Maio e se estendendo até o mês de Junho de 2011. A construção da unidade buscou explorar
na temática energia as articulações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade.
A pesquisa desenvolvida na minha tese de doutorado se constituiu na análise do processo de
construção dessa unidade didática, seus produtos e resultados do ponto de vista das
articulações discursivas ali estabelecidas no que se refere tanto aos intertextos realizados
como também aos processos de disputa por hegemonia que os diferentes discursos
articulados provocaram.
Analisamos as produções textuais elaboradas pela professora ao longo do projeto, assim
como a proposta CTS desenvolvida, considerando seu planejamento, execução e avaliação
dos resultados de aprendizagem. Com isso pretendemos discutir questões relativas à
natureza das transformações que o discurso CTS sofre no espaço escolar, e quais elementos
são mobilizados na construção de uma proposta CTS para o ensino médio, na medida em
que essas propostas precisam lidar com os limites e possibilidades oferecidos pelo contexto
escolar específicos do Estado do Rio de Janeiro, no município de Macaé.
No próximo capítulo apresentaremos uma descrição e análise da conjuntura em que nossa
pesquisa foi desenvolvida, aprofundando a caracterização do cenário de pesquisa e dos
atores que foram sujeitos de nossa pesquisa.
58
4. Contexto de Pesquisa
4.1 Macaé, de princesinha do Atlântico à capital nacional do petróleo.
Tal qual o Rio de Janeiro é conhecido como Cidade Maravilhosa, São Paulo como Terra da
Garoa, Macaé foi por muito tempo chamada carinhosamente de Princesinha do Atlântico.
Localizada na região Norte fluminense do Estado do Rio de Janeiro (figuras 1, 2 e 3), Macaé
apresenta uma importante participação na história econômica do Brasil.
Figura 1: Mapa do Brasil com destaque para o Estado Do
Rio de Janeiro
Figura 2: Localização de Macaé no Estado do Rio de Janeiro
Figura 3: Mapa do Estado do Rio de Janeiro
59
Ainda na época do Império português, a região que hoje é Macaé pertencia a Capitania de
São Tomé (ESTEVES, 2011). Essa foi uma das ultimas capitanias a serem doadas pela
Coroa portuguesa para membros da pequena nobreza portuguesa. Em 28 de fevereiro de
1536 o Rei D. João III doou a Capitania de São Tomé para Pero de Góis (ESTEVES, 2011).
Essa capitania se estendia entre a foz do Rio Itapemirim (ES) ao norte e a foz do Rio Macaé
ao sul, compreendendo boa parte do que é conhecido atualmente como o Norte Fluminense
do Estado do Rio de Janeiro. As primeiras tentativas de colonização dessa região
fracassaram em função da presença dos índios Goitacá que habitavam essas terras. Os índios
Goitacá eram exímios guerreiros e ofereceram uma intensa resistência aos europeus nas
primeiras décadas de colonização. Essa resistência era tão forte que fez inclusive que os
primeiros donatários desistissem de tentar ocupar as terras da Capitania de São Tomé. A
geomorfologia costeira da região não favorecia a construção de portos, por ser inteiramente
de mar aberto e bravio, impossibilitando que os navios atracassem na costa. Essa
característica da região somada aos constantes e violentos embates com os goitacás
deixaram essas terras isoladas do resto da colônia portuguesa por algumas décadas ao ponto
de que no ano de 1546, Pero Gois, após um violento levante Goitacá, desistiu da capitania.
Somente no século XVII, em 1627, alguns senhores de engenho nomeados Capitães pela
Corte Portuguesa, requisitaram como Sesmaria parte das terras da capitania de São Tomé,
entre o Rio Macaé e a Lagoa Açu para fins de atividades agrícolas e pecuária(ESTEVES,
2011). Esses capitães, conhecidos historicamente como os Setes capitães, empreenderam
uma série de expedições nesse território e os diários dessas viagens constam como ricos
documentos históricos dessa região. No século XVII a relação com os índios Goitacá já era
não era tão conflituosa como no século anterior, por esse motivo, os sete capitães tiveram
mais sucesso na empreitada de fundar novas centros de exploração da região, em especial na
região em que hoje existe o município de Campos dos Goitacazes, município vizinho à
Macaé. Em um primeiro momento, as ações desses capitães na região se concentraram na
criação de gado para abastecer os engenhos de açúcar que se desenvolviam ao redor da Baia
de Guanabara. Posteriormente, com o declínio da pecuária, iniciou-se ali o ciclo da cana de
açúcar na região com o plantio dos primeiros canaviais.
O estabelecimento da economia do açúcar no Brasil colonial fez com que toda aquela região
outrora inóspita e pouco atrativa se tornasse um dos grandes centros da economia brasileira
durante o século XIX e inicio do século XX. Na virada do século XVIII para o XIX,
ocorreu uma mudança na região no que se refere à organização da produção açucareira que
60
passou a ser feita em grandes Engenhos Centrais ao invés de serem distribuídas em diversos
pequenos engenhos. Essa centralização da produção em grandes e extensos engenhos deu à
região a vanguarda da produção no país e consequentemente enriqueceu por demais os
barões locais.
O peso econômico da região se refletia também no peso político visto que a região do norte
fluminense como um todo concentrou muitos barões do açúcar que davam sustentação ao
regime escravocrata da monarquia portuguesa. Consta Inclusive que D.Pedro II chegou a ir
ao casamento do Filho do Barão de Araruama na fazenda Quissamã, sinalizando o prestigio
que a elite açucareira do norte fluminense tinha junto à corte portuguesa .
Com o território desmembrado de Cabo Frio e Campos, Macaé torna-se município em 25 de
janeiro de 1814. (IBGE,2013) Sendo passagem terrestre obrigatória entre o Rio de Janeiro e
Campos, Macaé foi sede do registro criado pelos viscondes de Asseca, com a função de
cobrar impostos e fiscalizar tudo o que saía do rio Paraíba do Sul, mantendo o território sob
ferrenha opressão. Em 15 de abril de 1846, a lei provincial nº 364 eleva a Vila São João de
Macaé à categoria de cidade (IBGE,2013).
Para auxiliar o escoamento da produção dos engenhos de açúcar da região em 1872, inicia-
se a construção do canal Campos-Macaé, atravessando restingas, num trajeto de 109
quilômetros. O canal levava a produção dos engenhos de Campos dos Goytacazes até o
porto marítimo da enseada de Imbetiba localizada na cidade de Macaé. Com isso, o porto de
Imbetiba se tornou um importante elemento para a economia fluminense.
Ao longo do século XIX, com o declínio do ciclo do açúcar na região Norte Fluminense,
Macaé sentiu diminuir sua importância política e econômica. No entanto o período de
riquezas não deixou nenhum beneficio à cidade de Macaé como legado. O que se observou
foi o enriquecimento de algumas famílias que dominavam as terras, sem necessariamente
implementar melhores condições estruturais para a cidade como um todo nem para a
população que ali se instalou. O município manteve sua economia local baseada na
agricultura, na pesca e na pecuária, e pode se dizer que entre o inicio do século XX e meados
da década de 1970 a cidade viveu em certo marasmo econômico, mantendo-se uma cidade
pequena e pouco estruturada.
No entanto, foi justamente na década de 1970 que aconteceram fatos que mudaram
radicalmente o cenário da cidade: foram descobertos poços de petróleo nas águas profundas
61
da Bacia de Campos. A descoberta desses poços de petróleo desencadeou o inicio de uma
nova fase de desenvolvimento econômico no município e arredores. A instalação de base de
operações da Petrobrás na cidade em 1978 provocou profundas alterações no perfil
demográfico e na economia do município.
O inicio das atividades da Petrobrás na região trouxe a reboque toda uma cadeia produtiva
do petróleo e gás que fixou empresas prestadoras de serviços, assim como empresas
estrangeiras que atuam nesse setor. De modo a atender a demanda por mão de obra
especializada Macaé se tornou, desde a década de 1980, o destino de fluxos migratórios de
diferentes estados brasileiros, assim como de países estrangeiros.
Nas ultimas 4 décadas uma grande quantidade de pessoas se mudaram parcial ou
definitivamente para Macaé de modo a preencherem os postos de empregos relacionados às
atividades da indústria do petróleo e dos demais serviços associados à essas atividades. Para
se ter uma ideia, durante a década de 70 a população de Macaé girava em torno de 47 mil
pessoas, nos dias de hoje a estimativa é de que cerca de 200 mil pessoas residam de forma
parcial ou integral no município. Segundo as fontes do IBGE, nos últimos 20 anos, a
população da cidade praticamente dobrou.
Tabela 2: Crescimento Populacional em Macaé (Fonte: IBGE, 2010)
Devido aos impactos ambientais e sociais que a exploração do petróleo gera, Macaé passou
a receber, a partir da década de 1999 volumosos aportes de recursos advindos dos chamados
royalties do petróleo (Tabela 5)
Ano Macaé Rio de Janeiro Brasil
1991 100.895 12.807.706 146.825.475
1996 120.009 13.323.919 156.032.944
2000 132.461 14.391.282 169.799.170
2007 169.513 15.420.375 183.987.291
2010 206.728 15.989.929 190.755.799
62
Ano Valor dos royalties
1999 R$ 34.757.683,06
2000 R$ 84.827.106,07
2001 R$ 114.927.809,68
2002 R$ 181.093.886,42
2003 R$ 259.987.249,02
2004 R$ 287.551.201,31
2005 R$ 347.870.813,54
2006 R$ 413.116.830,41
2007 R$ 349.105.425,81
2008 R$ 406.961.370,68
2009 R$ 79.400.668,95 (até abril)
Tabela 3: Evolução dos Royalties de Macaé (fonte: Prefeitura Municipal de Macaé)
Como se pode observar, esses recursos giram na casa dos milhões de reais e teriam como
função possibilitar aos municípios produtores de petróleo e gás uma compensação
econômica, de modo que esses municípios pudessem a investir em desenvolvimento local e
de cadeias produtivas alternativas para substituir a economia do petróleo que por ser baseada
em um recurso não renovável tem um tempo de vida útil e um prazo de exploração. Além
disso, essa atividade econômica causa impactos permanentes nos ecossistemas da região e
por esse motivo esses recursos seriam destinados a fazer uma compensação ambiental
também na região através de investimentos na área de meio ambiente. Em outras palavras,
os royalties seriam um meio pelo qual a cidade poderia investir em sua infraestrutura,
através dos setores público de saúde, educação, lazer, saneamento e serviços básicos de
modo a se preparar para o futuro onde a atividade da indústria petrolífera deixaria de atuar.
No entanto, tal qual no período áureo da cana de açúcar, por conta de uma intensa
corrupção, de sucessivas gestões irresponsáveis e ao mau uso do dinheiro publico, os
royalties não trouxeram mudanças profundas nas condições sociais da cidade, tendo sido
utilizados em setores não estratégicos, no enriquecimento da elite econômica macaense e na
manutenção do domínio político de algumas poucas famílias que atuam já há algumas
décadas na vida publica e política da cidade.
Conforme uma série de estudos já apontaram, os royalties não garantiram o
desenvolvimento sócio econômico local dos municípios beneficiados (MIRANDA, 2011;
ESTEVES, 2011). De certa forma eles até contribuíram para um agravamento das
63
desigualdades sociais uma vez que a condição de Capital do Petróleo construiu uma
imagem para Macaé como uma cidade rica, com muitas oportunidades de trabalho e de
enriquecimento. Essa imagem trouxe para Macaé um grande contingente de pessoas
oriundas de regiões mais pobres do país em busca de emprego. No entanto, a cadeia
produtiva do petróleo apesar de ser extremamente lucrativa é extremamente seletiva quanto
à demanda de mão de obra.
A grande maioria das oportunidades de emprego em um primeiro momento foram para
pessoas de fora da cidade, que vinham de grandes centros com uma formação altamente
especializada nas diversas áreas técnicas relativas a indústria off-shore. A população
macaense foi sendo beneficiada indiretamente pela chegada da indústria offshore na medida
em que a chegada desse novo contingente populacional desencadeou o desenvolvimento de
uma série de serviços que começaram a ser oferecidos na cidade. Ao mesmo tempo, o
estabelecimento desse novo contingente altamente bem remunerado levou a um aquecimento
econômico nos setores imobiliários da cidade, assim como a uma alta generalizada no custo
de vida na cidade. Esses fatos são necessários para se entender o grande contraste social que
Macaé apresenta, pois ao mesmo tempo em que a indústria offshore atraiu esse contingente
que ocupou postos de trabalho bem remunerados, uma grande parcela das pessoas que
vieram em busca de emprego em Macaé e muitos nativos da cidade não conseguiram se
estabelecer no mercado seja por falta de qualificação ou por forte concorrência. Com isso,
essa parcela de trabalhadores tiveram que se inserir em redes produtivas informais ou
acessórias à cadeia principal, reproduzindo assim muitas das desigualdades que são comuns
nas grandes cidades tais como a favelização dos espaços de moradia.
O contingente da população não assimilado pela cadeia produtiva do petróleo somado a um
crescimento desordenado, fez com que em poucas décadas Macaé, mesmo sendo uma cidade
pequena, reproduzisse o padrão dos grandes centros urbanos, apresentando um elevado
contraste social e o estabelecimento de diversas comunidades de baixa renda em regiões
menos valorizadas da cidade.
Além disso, o fato de grande parte da população atual ter vindo de outras cidades e regiões
faz com que Macaé sofra de certa falta de identidade e autoestima, pois boa parte da
população não cria raízes na cidade, assumindo uma postura de pouco envolvimento com a
cidade no sentido de conhecer sua história, e contribuir para seu desenvolvimento. Boa parte
64
da população estabelece uma relação com Macaé onde a cidade é vista apenas como o local
de trabalho, não sendo criados vínculos afetivos e de responsabilidade para com a cidade.
Para alguns, que são originários de grandes centros urbanos, existe um sentimento de
ressentimento em relação ao fato de Macaé por ser uma cidade pequena não ser dotada de
muitos aparelhos culturais como teatros, cinemas e casas de show e por isso não
proporcionar o mesmo nível de opções de entretenimento nem a sofisticação de suas cidades
de origem.
Dessa forma, se estabelece um ciclo vicioso onde a falta de uma estrutura melhor em termos
de cidade, leva a uma falta de envolvimento da população para com essa cidade no plano
político e cotidiano, que por sua vez contribui para o não desenvolvimento de melhores
estruturas e serviços na cidade. Com isso, a cidade de Macaé vive em um contraditório
contexto onde a riqueza do petróleo não se materializa na melhoria das condições sociais
locais. Sendo uma cidade de forasteiros Macaé cresceu sem reverter localmente o ganho de
ter se tornado a capital nacional do petróleo.
Dentro desse contexto econômico-social superficialmente descrito nas linhas acima, se
desenvolve um sistema de ensino que comporta a unidade escolar que serviu de cenário para
a pesquisa desenvolvida em minha tese. Pretendo na próxima seção descrever o contexto
educacional de Macaé, a unidade escolar onde desenvolvemos a pesquisa e a professora que
foi sujeita da investigação.
4.2 Contexto do Sistema educacional em Macaé
Como dito anteriormente, Macaé é um município com cerca de 206.000 habitantes (IBGE,
2013). Segundo o Censo Educacional de 2012 sua rede de ensino estadual conta com 25
colégios de ensino médio e cerca de 546 professores que atendem em torno de 7452 alunos
matriculados nas modalidades regular e de ensino de jovens e adultos (EJA) (INEP,2012).
As ultimas avaliações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) em Macaé
no ano de 2011 conferiram à rede estadual na região a nota 2.9 ( em uma escala de 0 a 10)
ficando assim 12% abaixo da meta de 3.3 projetada para a rede naquele ano. O IDEB é
calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de
desempenho em língua portuguesa e matemática nas avaliações Saeb e Prova Brasil
organizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP).
65
O conjunto de 25 colégios estaduais apresentam uma diversidade de cenários e condições
especificas, tendo cada unidade escolar sua própria história e peculiaridades. Nesse sentido,
pretendemos fazer uma breve caracterização da unidade escolar onde foi realizada a
investigação de modo a contextualizar o cenário empírico do trabalho.
A pesquisa foi realizada nessa unidade, pois essa era a unidade onde a professora bolsista
exercia sua carga horária na rede estadual. Essa unidade escolar se localiza em um bairro
periférico de Macaé, onde reside boa parte da classe trabalhadora do município. Esse bairro
concentra uma população que socioeconomicamente estaria em média nas classes C e B.
Como colégio estadual, o público dessa unidade escolar era predominantemente de baixa
renda, porém com acesso à bens materiais como celulares smartphones, tênis e mochilas de
marca.
A unidade escolar apresentava um bom espaço físico, mas não poderia ser chamada de
grande. Segundo o Censo Escolar de 2011 a unidade naquele ano possuía 85 funcionários e
atendia 1173 alunos nos turnos Matinal, Diurno e Noturno. Em relação ao ensino médio
regular, a escola atendia 826 alunos e especificamente no 2º ano do ensino médio atendia
234 alunos.
A escola tinha uma direção experiente e comprometida com o bom funcionamento da
unidade. Essa direção já estava em seu segundo mandato, de modo que existia naquele ano
uma estabilidade do ponto de vista da administração do colégio. Isso se refletia em uma boa
organização dos espaços tais como a biblioteca, sala de informática, laboratório de ciências,
refeitório e um pequeno auditório dotado de equipamento de projeção e reprodução de
DVDs. As salas de aula são amplas e iluminadas, no entanto, parte das carteiras dos alunos
se encontrava danificadas de alguma forma.
A partir da minha convivência na escola acompanhando a aplicação da unidade CTS
desenvolvida, pude constatar que existia na unidade o que pode ser considerado como um
bom clima de trabalho. Esse bom clima se refere ao fato de que os professores sinalizavam
para uma satisfação com a direção da escola e encontravam condições físicas razoáveis de
trabalho. Para os professores, os alunos do turno da manhã eram considerados, no geral,
como alunos de boa convivência. Isso se deve em parte pelo esforço da direção em
estabelecer um ambiente regrado para os alunos de modo a induzir um bom comportamento
entre os discentes e também porque a escola tinha uma postura de tentar encaminhar os
alunos mais problemáticos para outras unidades escolares.
66
Evidentemente isso não quer dizer que o cotidiano escolar fosse sempre um mar de rosas.
Como toda unidade escolar, a escola também tinham seus dias mais conturbados, mas no
geral o quadro encontrado lá era diferente do retrato pessimista das condições da educação
publica muito recorrentes no senso comum.
No entanto, a escola também sofria os efeitos da não fixação dos profissionais da educação
no município. Conforme comentado anteriormente, muitas das pessoas que trabalham em
Macaé não residem lá. No contexto da educação isso gera um problema no sentido em que
os professores que são de fora da cidade solicitam que seus horários com as turmas sejam
organizados em no máximo dois dias na semana. Com isso, ocorre o que na cultura escolar
ficou conhecido como verticalização do horário, que significa que o professor tem
distribuído todos os seus tempos de aula um atrás do outro ao longo do dia inteiro. Essa
situação faz com que as disciplinas escolares se concentrem em determinados dias, ou seja,
todas as turmas da escola tem aulas de determinada disciplina em um mesmo dia.
Com isso, pelo fato de muitos professores não morarem na cidade, ocorriam com certa
frequência faltas decorrentes de problemas do deslocamento desses professores até Macaé e
uma serie de lacunas no horário escolar que prejudicavam o andamento das atividades, já
que várias turmas ficavam sem professor para dar aula e a escola não contava com um
sistema de banco de atividades para suprir e ocupar as turmas sem professores. Além dessa
questão com os professores de fora da cidade, havia também os problemas de falta de
professores na própria rede estadual fazendo com que a unidade escolar não tivesse
professores para todas as disciplinas naquele ano. Dessa forma, havia situações em que os
alunos chegavam na escola às 7h20min da manhã e não havia professores para os quatro
primeiros tempos de aula. Essa situação forçava a escola a duas opções: liberar as turmas
sem aula ou então fazer com que os professores que estavam presentes no dia adiantassem
suas aulas para as turmas sem professores. Essa segunda opção, no entanto era executada ou
juntando duas turmas de cerca de trinta e poucos alunos em uma mesma sala ou então com o
professor atuando simultaneamente em duas salas diferentes. Em ambas situações ocorria
um grande comprometimento da qualidade do trabalho docente. Apesar desse prejuízo
pedagógico, no geral os professores eram pressionados, seja pela direção ou pelos alunos a
adiantar suas aulas nesses casos.
De uma maneira geral, a unidade escolar não tinha o perfil focado na preparação para
exames tais como o ENEM e o Vestibular e seu alunado também não tinha muitas
67
perspectivas de continuar estudando ao final do ensino médio. Os alunos do colégio tinham
perspectivas mais voltadas para o mercado de trabalho offshore do que para formação
acadêmica. Parte dos alunos faziam formações técnicas complementares com a finalidade de
se capacitar para o mercado, outros simplesmente objetivavam terminar o ensino médio
apenas.
Dos 234 alunos do segundo ano do ensino médio, cerca de 120 eram alunos da professora-
bolsista do projeto divididos em 3 turmas no turno da manhã. Para fins de pesquisa
acompanhamos o desenvolvimento da unidade didática CTS em apenas uma das turmas de
segundo ano da professora bolsista.
A turma observada tinha inicialmente 35 inscritos, no entanto, a média de frequência nas
aulas variava em torno de 20 a 25 alunos. Essa turma tinha uma relação bem harmônica com
a professora. Eles eram bem tranquilos não exigindo da professora muito esforço na
administração do espaço da sala de aula. No geral eles cooperavam com a professora e
demonstravam valorizar as aulas dela. Essa valorização era sinalizada através do habito da
turma comparecer à aula da professora mesmo em dias que as únicas aulas dadas eram a de
biologia, pois os demais professores faltaram. Conforme citado anteriormente, ficar na
escola sem aula, aguardando o horário da aula de biologia era no contexto das escolas
estaduais de Macaé um sinal de grande prestigio do professor com os alunos. No geral os
alunos nesse tipo de situação não ficam esperando as aulas que são nos tempos finais do
turno.
Apesar de serem razoavelmente bem comportados, no inicio do ano os alunos da turma que
acompanhamos ao longo da pesquisa apresentavam uma postura um pouco apática em sala
de aula. Segundo relato da professora, no bimestre que antecedeu à aplicação da unidade
CTS o comportamento deles em sala era mais passivo. Os alunos não tinham o habito de
realizar intervenções durante as aulas, seja no sentido de acrescentar assuntos nas aulas ou
até mesmo para pedir esclarecimentos à professora.
Em sua trajetória profissional ela atuou tanto na rede pública quanto particular. Segundo o
relato no memorial que ela escreveu no inicio do projeto, seu inicio no magistério foi por
meio de sua formação como normalista estando habilitada para atuar nas séries iniciais.
Nascida na cidade de Santa Maria Madalena, no Norte do Estado do Rio de Janeiro, a
primeira escola em que ela trabalhou era uma escola estadual rural. Ela atribui a essa escola
um grande aprendizado, pois ela tinha 18 anos e estava na época recém formada no curso
68
Normal de formação de professores. Essa escola era de difícil acesso e não tinha luz elétrica
na região. Por conta da dificuldade de acesso à escola, ela morou nas dependências dessa
escola durante o tempo que trabalhou lá. Ao relatar essa experiência, ela atribui uma grande
importância ao fato de que residir na escola a aproximou muito dos alunos e seus familiares,
possibilitando que ela convivesse com a comunidade escolar para além da sala de aula. Esse
convívio fora de sala de aula permitiu que ela se familiarizasse com o contexto de seus
alunos e possibilitou que ela adaptasse o currículo às necessidades e características de suas
turmas.
Após dois anos de experiência nessa escola, a professora foi remanejada para outra escola
rural no interior do estado, onde teve a oportunidade de vivenciar um trabalho curricular
diferenciado onde os alunos das séries iniciais desenvolviam os processos de ensino-
aprendizagem através da utilização de uma horta escolar. Em seu relato, essa experiência foi
marcante, pois despertou ainda mais seu interesse pessoal pelas ciências biológicas e
também porque ela foi instigada pelo desafio de envolver os alunos de modo a diminuir a
evasão escolar que ocorria em função dos alunos da escola trabalharem na lavoura com seus
pais.
No inicio da década de 1990 ela se mudou para Macaé e começou a residir e a dar aula na
cidade ainda como professora primária. Com mais oportunidades na cidade, ela aproveitou
seu interesse pelas Ciências Biológicas e concluiu um Curso Adicional em Ciências que lhe
habilitou a dar aula de Ciências para as turmas de Fundamental II (6º ao 9º ano). Lecionar
Ciências no fundamental II motivou a professora a buscar mais formação especifica em
Biologia o que a levou a cursar uma graduação em Ciências Biológicas na modalidade
licenciatura. Licenciada ela passou então a atuar no ensino médio e através de sua matricula
na rede estadual começou a trabalhar na unidade escolar onde nossa pesquisa foi
desenvolvida.
A professora atuava há cerca de 15 anos na referida unidade escolar e se referia ao colégio
com bastante carinho. Esse tempo de “casa” lhe conferia um grande respaldo junto à direção
da escola e também aos demais colegas e funcionários. Ela trabalhava na unidade durante
duas manhãs por semana, nas quartas e quintas feiras. No resto da semana a professora
trabalhava como professora e coordenadora de segmento das series iniciais em uma escola
particular em Macaé que atendia a classe média alta da cidade, com uma pedagogia
69
diferenciada baseada em projetos e sem a adoção de provas escolares como processo de
avaliação.
Esse trânsito entre a realidade da escola pública e da escola particular lhe proporcionava um
olhar diferenciado para a sala de aula. Ela destaca que sua vivência na escola particular
como professora lhe proporcionava importantes experiências formativas tais como cursos de
formação continuada e também a vivência de uma gestão escolar diferenciada que segundo
ela lhe “cobra desempenho, mas que me dá liberdade e autonomia para priorizar saberes e
fazeres.”.
Ao longo de nosso convívio, durante as muitas reuniões de planejamento da unidade didática
a professora relatava elementos que me ajudaram a compor um quadro sobre a sua
personalidade e posicionamentos pedagógicos e políticos.
No geral ela tinha uma postura de bastante seriedade e compromisso para com a escola se
mostrando extremamente organizada em relação ao seu planejamento e muito correta no que
ser referia à frequência e pontualidade na escola. De fato, ela raramente faltava e quando
precisava faltar ela sabia com antecedência e precisão que dias ela precisaria se ausentar,
deixando sempre algum tipo de atividade ou trabalho para os alunos executarem na sua
ausência.
Ela também tinha uma postura de não sucumbir à pressão para “adiantar aula” nos dias em
que, em função da falta de outros professores as turmas ficassem com horário vago. Ela
justificava essa postura baseada na experiência ruim de juntar turmas sem condições
estruturais para se manter uma qualidade no trabalho pedagógico. Interessantemente, essa
postura dela era respeitada pelos alunos, que inclusive esperavam o horário da aula dela ou
até mesmo só iam à escola naquele dia por causa da aula dela. Esse fato demonstra o
prestigio dela para com as turmas, pois geralmente quando os alunos não gostam da aula ou
da professora, eles dificilmente esperam o horário da aula, indo embora antes ou
pressionando a direção para os liberarem das aulas.
A professora tinha como prática buscar sempre produzir materiais didáticos que ela
confeccionava por conta própria arcando com custos de impressão e cópia desses materiais.
Em vários momentos de nossos diálogos ela dizia “não é isso que vai me deixar mais
pobre”. Essa observação é interessante, pois de alguma forma ela diz um pouco sobre o
posicionamento dela em relação ao processo de precarização das condições de trabalho
70
docente nas unidades escolares. Uma vez que as escolas não possuem recursos financeiros e
materiais para suprir a produção de materiais para os docentes, é comum que alguns
professores não utilizem dessa estratégia de produção de materiais didáticos por conta do
custo que isso envolve, optando por utilizar apenas o livro didático disponível, seja ele
adequado ou não. Outros até produzem esses materiais, mas repassam para os alunos o custo
de produção desses materiais. No caso a professora tinha uma postura de arcar com esses
custos, pensando mais nos benefícios para os alunos do que no prejuízo para suas finanças.
De fato, a professora gozava de uma posição confortável financeiramente na medida em que
ela tinha uma razoável independência financeira fruto de seus dois empregos, em especial o
seu emprego na escola particular na qual ela recebia também como coordenadora. Além
disso, ela tinha apenas um filho que estudava em uma escola técnica federal na cidade que
certamente proporcionava uma grande economia em suas finanças. Na época do projeto seu
marido era empregado de uma empresa que prestava serviço ao mercado off-shore. Com
isso, a professora tinha condições pessoais e familiares que proporcionavam a ela um padrão
de vida que poderia ser classificado como de classe média na medida em que ela residia em
um imóvel próprio em um bairro nobre da cidade e tinha condições de consumo desse tipo
de segmento social.
No entanto, mais do que a condição financeira que possibilitava a professora custear a
produção dos materiais, destacamos também a dimensão pedagógica do fato dela reconhecer
que suas turmas necessitavam de materiais específicos que tratassem ou de temas que não
eram abordados nos livros didáticos ou que organizassem mais sinteticamente os conteúdos
que ela trabalhava em sala e que permitisse aos alunos estudarem para as avaliações. Esses
materiais produzidos eram em geral textos selecionados de fontes como livros paradidáticos,
reportagens de jornal e revistas, sites da internet e até mesmo outros livros didáticos que não
eram utilizados na escola, mas que ela gostava. Esses textos eram selecionados e editados
pela professora de acordo com o conteúdo trabalhado e o resultado final era um material de
até duas paginas com a síntese das informações pertinentes para os alunos consultarem e
estudarem.
Na sua prática pedagógica, a professora fazia saídas de campo pelo menos uma vez ao ano
com suas turmas de modo a explorar ecossistemas da região. Nessa situação ela também não
se intimidava com as inúmeras dificuldades envolvidas em organizar uma saída de campo,
seja no que se refere à logística do transporte como também na gestão da turma em espaços
71
fora da escola. Em algumas situações a professora conseguia contar com o apoio da escola
no custeio do aluguel do transporte, em outras situações ela dividia com os alunos alguns
desses custos e em alguns casos professora e alunos iam de ônibus comum para os locais.
As saídas de campo cumpriam uma função pedagógica de ilustrar no campo assuntos vistos
em sala referentes aos tópicos de ecologia e ecossistemas, mas também tinham um caráter de
confraternização da turma e recompensa por bom comportamento dos alunos ao longo do
ano. Considero esse fato relevante porque ele ilustra como que a professora mesmo no
contexto adverso da rede estadual de ensino, onde se relatam faltas de condições estruturais,
materiais e psicológicas de trabalho, se propõe a fazer um trabalho minimamente
diferenciado e enriquecido.
Pela forma como ela se relacionava com sua atividade na escola estadual a professora se
mostrava motivada e disposta atuar na rede chegando inclusive a dizer que sentia se um
pouco “dona” e responsável pela escola. Ela tinha um bom relacionamento com os demais
professores da escola e demonstrava se sentir bem à vontade no ambiente escolar. Em mais
de um momento em nossas interações ela se referia à escola e aos professores e funcionários
com carinho utilizando expressões como “família”, “equipe”, “turma” sinalizando para um
envolvimento para além do profissional naquele espaço. Em nossas conversas ela relatou
situações dos professores se mobilizarem para ajudar colegas que passavam por
dificuldades, ou até mesmo alunas que ficavam grávidas e não tinham suporte familiar
adequado.
Essas características da professora, da turma, da escola e da cidade são elementos
importantes para a análise dos dados que faremos a seguir. Buscamos montar essa descrição
do contexto da pesquisa pois ele é parte fundamental para o entendimento das condições de
produção dos textos da professora. Ao longo do projeto, ela produziu esses textos
endereçados para mim como pesquisador e a caracterização dela como sujeito da pesquisa se
faz necessária para o entendimento de seus enunciados. Da mesma forma, para entendimento
da analise das interações ocorridas em sala de aula, que materializaram a proposta CTS
estudada nessa tese também é importante a caracterização da turma, da escola e da cidade de
forma a dar sentido aos enunciados ali produzidos. Iremos no próximo capitulo apresentar e
discutir os dados da pesquisa e sempre que necessário voltaremos aos elementos aqui
descritos de modo a sustentar nossas análises.
72
5.Apresentação e análise dos Dados
Neste capitulo apresentamos nossos dados e desenvolvemos nossas análises e discussões
sobre os mesmo. Os dados considerados nessa tese envolveram:
o Quatro produções narrativas elaboradas pela professora bolsista:
um memorial sobre sua trajetória profissional,
um diário sobre as aulas ministradas durante a aplicação da unidade
CTS,
dois textos em que ela relata suas impressões sobre o campo CTS
sendo um antes do desenvolvimento do planejamento da unidade e o
outro ao final da aplicação da unidade,
o O registro em vídeo de todas as aulas da unidade.
o Documentos sobre o currículo mínimo da Secretaria de Educação do Estado do
Rio de Janeiro
o Os documentos referentes à unidade didática CTS desenvolvida: cronogramas,
plano de unidade, planos de aula, textos e materiais didáticos utilizados,
atividades de avaliação e de fixação de conceitos, apresentações de slides,
Esses materiais empíricos foram analisados de modo a identificar os intertextos e
articulações discursivas presentes nas produções narrativas da professora assim como no seu
processo de apropriação do discurso CTS. Esses intertextos e articulações discursivas serão
problematizados frente às questões de disputas por hegemonia presentes no interior da
prática social do ensino de ciências assim como da interação dessa prática com outras
práticas externas ao ambiente escolar.
5.1 Da unidade didática em si.
Um dos primeiros objetos para nossa análise se refere à proposta de unidade didática CTS
que a professora elaborou e executou. Tratar essa proposta como dado se sustenta na
consideração que a unidade em si é resultado de um conjunto de escolhas e articulações
feitas pela professora em interação com demandas pedagógicas, institucionais e acadêmicas.
O texto que analisamos se refere à estrutura da unidade, a organização dos conteúdos a
serem ensinados e os documentos de planejamento que a professora gerou assim como seu
relato das aulas ministradas na unidade CTS. No nosso caso, buscaremos analisar as
escolhas e articulações feitas pela professora em sua proposta de unidade CTS a partir de sua
73
dimensão discursiva visando estabelecer os intertextos realizados assim como as disputas
por hegemonia que se estabeleceram nesse processo.
Como relatado no capitulo 3, a professora elaborou essa unidade didática em uma situação
em que ela era bolsista de um projeto de pesquisa. A condição de bolsista no projeto
modificou em parte a sua rotina como docente, na medida em que além das demandas
pedagógicas e institucionais para aquele ano, seu planejamento pedagógico precisou
dialogar também com demandas acadêmicas que exigiam que ela se apropriasse do discurso
CTS e o colocasse em prática com sua turma no contexto do ensino sobre o tema Energia.
O tensionamento entre essas diferentes demandas fez com que a professora se posicionasse
perante as questões que iam surgindo ao longo do processo de elaboração da unidade
didática CTS. O primeiro posicionamento da professora foi em relação às prescrições
curriculares do Estado do Rio de Janeiro. Conforme comentado anteriormente no capitulo 3,
no inicio do planejamento da unidade didática a professora identificou no currículo mínimo
do Estado os conteúdos que se relacionavam com a temática da Energia. A partir das
discussões no âmbito do projeto, a professora avaliou que não seria interessante manter esses
temas espalhados ao longo do ano. Essa avaliação foi decorrente do processo de apropriação
da professora do discurso CTS na medida em que essas abordagens pressupõem uma
articulação entre os conteúdos ao invés do trabalho segmentado e isolado. Nesse sentido a
decisão por reunir os conteúdos relativos ao tema energia em uma única unidade a ser
trabalhada no segundo bimestre letivo é em si um ato de enfrentamento da política curricular
do estado e de alguma forma estabelece uma ruptura com as práticas hegemônicas do ensino
de ciências na rede estadual do Rio de Janeiro.
Quando mencionamos as práticas hegemônicas no ensino de ciências estamos nos referindo
às práticas mais estabelecidas no cotidiano escolar, ou seja, aquelas que prevalecem mais e
ocorrem com mais frequência no âmbito da rede como um todo.
No caso, a forma mais estabelecida de se trabalhar a temática energia no cotidiano escolar
seria seguir o currículo tal qual ele esta prescrito pela Secretaria de Educação do Estado do
Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ). Dessa forma, em alguns momentos de nossas análises iremos
eventualmente nos referir às práticas hegemônicas como sendo tradicionais, no sentido que a
condição de hegemônicas naturaliza essas praticas no cotidiano escolar fazendo-as se
perpetuar seja pela mera reprodução como também através de estratégias institucionais
coercitivas sutis ou explicitas.
74
Esse enfrentamento da professora da estrutura curricular da rede estadual pode ser entendido
por diferentes ângulos. Um deles como dito anteriormente se refere ao processo da
professora de apropriação do discurso CTS. Através do discurso CTS a professora encontrou
argumentos pedagógicos e acadêmicos para sustentar a modificação da sequencia de
conteúdos do currículo escolar. No entanto, essa decisão ia de encontro às determinações da
SEEDUC-RJ. Nesse momento, identificamos o quanto o contexto local influencia a prática
pedagógica na medida em que o respaldo institucional da professora em sua unidade escolar
lhe permitiu sustentar esse enfrentamento sem temer represálias. Como dito no capitulo 4, a
professora já trabalhava há mais de 15 anos na unidade escolar e por isso contava com a
confiança da direção no sentido de ter autonomia de decisão na condução de seu trabalho
pedagógico.
Além disso, a professora usou de estratégias para lidar com os exames institucionais como,
por exemplo, produzir materiais didáticos relativos aos conteúdos cobrados nesses exames,
mas que em função da decisão dela de alterar a ordem dos conteúdos não foram trabalhados
naquele segundo bimestre em especifico. Outra forma de lidar com essa questão fez com que
a professora adiantasse o ensino de determinados temas que deveriam ser, segundo o
currículo mínimo do Estado, trabalhados no segundo bimestre, já no primeiro bimestre, de
modo que os alunos não ficassem sem aqueles conteúdos que seriam cobrados nos exames
no segundo bimestre.
Apesar dessas estratégias adotadas pela professora, um fator que consideramos que também
foi influente para a realização desse enfrentamento curricular se refere ao fato de que a
unidade escolar em questão não tinha institucionalmente um compromisso para com esses
exames seja no sentido de priorizar a busca por notas altas nessas avaliações como no
sentido de pautar o trabalho docente para o treinamento dos alunos para que esses tivessem
alto desempenho nos exames. Dessa forma, essa característica da escola também contribuiu
para que a professora tivesse confiança e possibilidade de ousar alterar os conteúdos
programáticos, uma vez que em uma unidade escolar em que treinar os alunos para os
exames fosse uma prioridade, talvez a professora não tivesse tanta autonomia para modificar
a sequencia do currículo mínimo.
Além disso, outro fator que consideramos que contribuiu para embasar a decisão da
professora em reunir os temas relativos em uma única unidade didática se refere ao fato de
que ela pertencer a um grupo de pesquisa que estava desenvolvendo um trabalho de
75
investigação naquele ano de alguma forma dava um respaldo a ela e lhe proporcionava um
status diferenciado, uma vez que ela tinha a chancela da UFRJ e da CAPES para sustentar
suas opções curriculares. Para a própria unidade escolar, o fato de a professora ser bolsista
desse projeto agregava um valor institucional na medida em que ela estabelecia uma ponte
entre a escola, a universidade e o campo de pesquisa que era valorizada pela direção. O
caráter diferenciado e “especial” do desenvolvimento da pesquisa sobre a prática pedagógica
dela, de alguma forma permitia à professora a possibilidade de experimentar novas
estratégias e organizações do conteúdo, que em condições “normais” talvez ela não tivesse.
Nesse sentido, o próprio cronograma do projeto e seus prazos específicos perante seus
financiadores, contribuíram para essa conformação curricular na medida em que a professora
avaliou que os conteúdos relativos ao 4º bimestre acabariam ficando fora do período que o
projeto previa o desenvolvimento das atividades de campo na escola.
Com isso, podemos observar que as escolhas relativas à seleção e organização do conteúdo
que a professora realizou dialogaram com os discursos acadêmico, institucional e
pedagógico, sendo que os discursos acadêmico e pedagógico prevaleceram sobre o
institucional em relação às orientações curriculares da SEEDUC-RJ.
Observando a proposta de sequencia didática (Tabela 6) que a professora propôs em sua
unidade CTS trabalhada com a turma de 2º ano do ensino médio percebemos que, embasada
pelas discussões de formação do projeto e calcada no discurso CTS, a professora buscou
nessa unidade organizar e articular os conteúdos de modo a construir com os alunos uma
reflexão sobre como os conceitos trabalhados na disciplina Biologia podem e devem ser
contextualizados nas questões sociais que perpassam o cotidiano da cidade de Macaé. Com
isso em vista, ela optou por abordar a temática da energia destacando o contexto de sua
utilização social assim como seu aspecto biológico e na natureza.
Dessa forma, a discussão sobre energia, nas aulas de Biologia do ensino médio, foi ampliada
para além de sua utilização e importância nos processos puramente biológicos, buscando
estabelecer relações com seu uso social e seus impactos no meio ambiente e no
desenvolvimento econômico e humano. De modo a atender pressupostos das abordagens
CTS, a construção da unidade, exigiu da professora um dialogo com outras disciplinas para
abordar o conceito de energia por mais de uma perspectiva e de forma interdisciplinar. Em
sua apropriação do discurso CTS no ensino de ciências, a professora destacou em sua
proposta de unidade CTS o aspecto da interdisciplinaridade e da contextualização da questão
energética no aspecto ambiental e econômico. Ao mesmo tempo ela manteve a abordagem
76
biológica mais estabelecida nas relações hegemônicas do ensino de ciências trabalhando os
conteúdos que são diretamente cobrados pelos exames e avaliações escolares.
Por isso, a proposta que ela desenvolveu materializa sua negociação com esses diferentes
discursos e sinaliza para as soluções que ela encontrou para conciliar os pressupostos CTS
com os discursos institucional e pedagógico. Os pressupostos CTS apresentam uma
argumentação que visa o rompimento com práticas tradicionais e hegemônicas no ensino de
ciências. Essas práticas hegemônicas envolvem a fragmentação do conhecimento cientifico e
sua alienação das relações no mundo. Apesar das práticas hegemônicas não exatamente
exigirem um ensino fragmentado, elas também não são comprometidas em provocar
mudanças no status quo do ensino de ciências.
5.1.1 Analise estrutural da unidade didática
Analisando a estruturação da unidade observamos que ela consistiu em um conjunto de dez
aulas durante o período de 10 semanas, ocupando todo o segundo bimestre letivo daquele
ano. Cada aula dispunha de dois tempos contíguos de 50 minutos e elas foram articuladas
entre si pela professora de modo a trabalhar o conceito e os conteúdos relativos ao tema
energia contextualizando-os tanto na natureza quanto nos sistemas biológicos e sociais. O
encadeamento das aulas é ilustrado na tabela 6.
A unidade foi estruturada em três blocos de aulas: o primeiro visava conceituar Energia e
suas transformações em uma perspectiva multidimensional. Esse bloco tinha um
compromisso com a construção da conceituação da energia em um sentido amplo, ilustrando
as diferentes fontes de energia assim como um apanhado dos diferentes tipos de energia
encontrados na natureza. O segundo bloco contextualizava a energia em sua dimensão
biológica e o terceiro contextualizava-a no aspecto social. Essa organização da unidade em
blocos de alguma forma já sinaliza para uma solução que a professora encontrou para
organizar e selecionar os conteúdos de acordo com as demandas dos diferentes discursos que
de alguma forma impactaram sua prática pedagógica. A organização por blocos temáticos de
aula sugere uma tentativa de estabelecer núcleos de sentido que agrupem determinados
temas dentro da organização normativa do contexto escolar. No caso, a professora fez um
esforço para incluir além do conteúdo didático tradicional de Biologia, um conjunto de
temáticas e discussões que não estão ainda plenamente estabelecidas e estabilizadas nas
praticas escolares, por mais que sejam discussões que são inclusive citadas e incentivadas
pelos documentos oficiais tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais.
77
Aula Descrição geral das aulas Objetivo
Aula 1 Sondagem das concepções sobre
energia. Definição de tipos e fontes
de energia
Conceituar Energia Aula 2 Palestra com uma Pesquisadora em
Física sobre fontes/energias
renováveis
Aula 3 Aula sobre transformações
energéticas
Aula 4 Aula sobre transformações
energéticas no organismo
Contextualizar a Energia no
aspecto Biológico Aula 5 Aula sobre obtenção de energia
pelos seres vivos
Aula 6 Aula sobre fluxo energético no
ambiente e na sociedade
Contextualizar a Energia no
aspecto social
Aula 7 Palestra sobre Matriz energética
com representante da Petrobrás
Aula 8 Aula sobre Geração de energia
elétrica e sustentabilidade
Aula 09 Visita à termelétrica
Aula 10 Apresentação dos trabalhos em
grupo
Tabela 4: Sequencia didática da unidade CTS
No entanto, a forma que a professora encontrou para incluir esses outros aspectos em sua
prática docente se deu através da nucleação dessas discussões em blocos aparentemente
separados. Essa solução encontrada pela professora nos sugere o quanto o discurso
institucional escolar é prevalente no processo de didatização do conhecimento a despeito
inclusive do discurso acadêmico do ensino de ciências.
A organização da unidade por blocos possibilitou a professora localizar no tempo e
planejamento escolar o lugar do conteúdo que é tradicionalmente cobrado de ser ensinado,
78
assim como abriu um espaço para incluir temas que não são necessariamente muito
desenvolvidos na prática docente cotidiana. Essa solução dialoga com as forças hegemônicas
do espaço escolar na medida em que não rompe totalmente com a estrutura tradicional em
que os conteúdos são trabalhados de forma separada, cada um em seu momento e sem
necessariamente se articularem entre si. No entanto, a professora teve uma preocupação,
sustentada pelo discurso CTS, de buscar uma linha condutora ao longo da unidade de modo
que esses blocos não ficassem completamente isolados entre si e fosse permitido aos alunos
seguirem uma linha de raciocino ao longo da unidade como um todo.
Nesse sentido, a sequencia dos blocos pode ser entendida como uma linha de raciocínio que
a professora propôs para sua turma. Na proposta dela, o trabalho começa a partir da
conceituação de energia, passa pela dimensão biológica e conclui com a questão social
relativa à matriz energética e aspectos da sustentabilidade ambiental na produção de energia
para consumo humano. Podemos interpretar esse caminho da unidade fazendo um paralelo
com a dicotomia Teoria-Prática que às vezes se estabelece nas concepções sobre o processo
científico. Essa proposta pressupõe uma necessidade de primeiro apresentar a teoria para
posteriormente pensar a prática ou aplicação dessa teoria. Dessa forma, a professora com sua
proposta reafirma uma concepção de que a teoria vem antes da prática que esta mais
consonante com o discurso do senso comum do que com o discurso CTS.
Essa escolha da professora nos faz pensar sobre alternativas possíveis à proposta elaborada
como, por exemplo, uma na qual a ordem dos blocos fosse invertida, iniciando a unidade
com a problematização das questões sociais relativas à energia e a partir disso apresentar e
trabalhar os conceitos científicos inerentes a esse tema. Ou de forma ainda mais
diferenciada, uma proposta que não estabelecesse fronteiras entre as temáticas dos blocos
tratando as de forma integrada entre si ao longo da unidade como um todo.
Pensar essas alternativas nos ajuda a visualizar o quanto o discurso pedagógico institucional
exerceu uma prevalência no resultado da articulação da professora desses diferentes
discursos que ela teve que lidar. Apesar de ela romper parcialmente com o currículo, ela de
alguma forma respeita a estrutura hegemônica do conteúdo e acomoda o tradicional com o
inovador lado a lado, mas sem necessariamente abandonar um pelo outro.
A análise da estrutura geral da unidade nos apresenta alguns elementos para identificarmos
os discursos que conformaram a prática da professora durante o processo de elaboração da
unidade CTS. No entanto, para tentarmos apreender a complexidade envolvida no processo
79
de negociação e materialização de práticas CTS no contexto escolar precisamos ir além do
nível estrutural da proposta e avançar na direção das aulas em si tanto do ponto de vista do
planejamento de cada aula como também no nível das interações discursivas que ocorreram
nessas aulas.
5.2 Análises das aulas e suas interações discursivas
Considerando a sequencia didática da proposta, a unidade CTS partiu de uma discussão
ampla e interdisciplinar sobre o conceito de energia, tomando como ponto de partida as
concepções que os alunos apresentavam sobre energia no inicio do trabalho. Isso se
materializou na primeira aula da unidade na qual a professora se propôs a realizar uma
sondagem sobre os conhecimentos prévios que os alunos tinham sobre Energia e iniciar um
processo de conceituação de Energia, diferenciando seus tipos e fontes.
Todas as aulas dessa unidade foram ministradas no auditório do colégio, pois era um
ambiente que contava com um data-show e comportava bem a turma. Considerando os
momentos que ocorrem durante uma aula, essa primeira aula foi planejada da seguinte
maneira:
1º momento: aplicação de um questionário de sondagem do conhecimento prévio dos alunos
2º momento: Discussão sobre as respostas dos alunos
3º momento: Leitura e discussão de um texto síntese sobre os tipos e fontes de energia
Essa aula marca uma diferenciação na prática pedagógica da professora uma vez que até ela
ter contato com os textos e discussões no projeto ela não tinha o hábito de iniciar as
unidades didáticas a partir da sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos. O contato
dela com os textos utilizados durante o período de formação no projeto apresentou
estratégias didáticas que tomavam como ponto de partida o conhecimento prévio dos alunos.
Esse contato lhe mostrou as vantagens e a importância de se levantar os conhecimentos
prévios, uma vez que vários trabalhos CTS utilizavam dessa estratégia para pautar suas
ações pedagógicas.
80
A professora incorporou essa prática, utilizando um questionário nessa primeira aula que
abordava as seguintes questões:
Esse questionário tinha como objetivo fazer com que os alunos registrassem a definição que
eles tinham do conceito de energia e avaliar o quanto os alunos eram capazes de identificar
fontes e usos da energia, seu impacto na sociedade e sua relação com a disciplina Biologia.
A professora fez então uma sistematização das respostas dos alunos e fez algumas
considerações que são transcritas abaixo. Essa produção textual foi realizada por ela na
forma de um diário sobre as aulas ao longo da aplicação da unidade e eram basicamente
endereçados a mim como pesquisador da prática dela.
“AULA 1 05/05/11
“A sondagem sobre o que os alunos sabiam sobre energia foi feita
sem nenhuma conversa ou explicação.
A maioria dos alunos não conseguiu perceber que energia está
presente em todas as atividades que desenvolvemos e que todos os
fenômenos estão acompanhados de uma transformação de energia.
Ficaram presos na eletricidade e não perceberam que os combustíveis
em nossos carros, os alimentos, as baterias são convertidos em
energia. Que se manifesta na luz, na cor, nos sons, no movimento.
ENERGIA E SOCIEDADE
Todos os dias em diversas atividades do nosso cotidiano, utilizamos energia
desde acender lâmpadas, assistir televisão, tomar banho, etc. Pensando nessa
afirmativa, responda:
1-O que é energia?
2-Como nós a obtemos?
3-Em que medida a produção e o uso da energia já transformaram a forma
de viver das sociedades humanas?
4-Onde utilizamos energia e de onde ela vem?
5-Pensando na Biologia, como vocês relacionam o tema energi a?
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Poucos alunos fizeram ligação da obtenção de energia ser
primeiramente do sol.
Mesmo com o texto informativo trabalhado após a sondagem “O que
é energia” o conceito ficou bastante abstrato para eles.”
Nesse trecho que compreende os primeiros parágrafos do texto da professora, ela sinaliza
suas impressões sobre o resultado geral obtido com os questionários. Ela explicita que a
maior parte dos alunos não conseguiu perceber que “energia está em todas as atividades que
desenvolvemos”. De alguma forma, a professora tinha expectativas que seus alunos já
tivessem inicialmente uma compreensão do conceito de energia em uma perspectiva
diversificada. Ela inclusive chegou a sistematizar o conjunto de respostas de seus alunos nas
tabelas abaixo.
Turma Nº de
alunos
Alunos que
não
participara
m da
atividade
Objetivos
atingidos
Objetivos
parcialmente
atingidos
Objetivos
não
atingidos
2004 29 12 03 07 07
Tabela 7: Organização dos dados feita pela professora
A professora considerou que 14 dos 17 alunos que responderam ao questionário não
atenderam suas expectativas em relação à conceituação de energia. Ela não explicita em seu
texto quais eram os objetivos a serem atingidos pelos alunos no questionário, no entanto a
partir de seus enunciados ao longo do texto, podemos montar um quadro do que seria atingir
os objetivos para ela.
Segundo ela os alunos “ficaram presos à eletricidade”. Isto significa que em um primeiro
momento ao pensar no conceito de energia, os alunos fizera uma associação direta com o
tipo de energia mais presente no dia-a-dia deles. Sem sombra de dúvida a energia elétrica é
responsável em sustentar o habito de vida moderno e urbano que os alunos praticam e estão
imersos e é até coerente que ela prevaleça no imaginário dos alunos sobre o que é energia.
Além disso, o próprio enunciado do questionário de alguma forma direcionava o
pensamento do estudante para o uso da energia no cotidiano na medida em que ela diz:
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“Todos os dias em diversas atividades do nosso cotidiano, utilizamos energia desde acender
lâmpadas, assistir televisão, tomar banho, etc. Pensando nessa afirmativa, responda:”.
A partir das respostas dos alunos a professora estabeleceu uma série de outras formas de
energia e transformações que ela sentiu falta que eles tivessem mencionado em suas
respostas tais como a identificação de que os alimentos que ingerimos e os combustíveis dos
veículos que utilizamos também são fontes energéticas e que são transformadas em diversas
outras energias. Ela também identificou que os alunos não associaram a luz do sol como a
fonte primaria de energia e isso aparentemente foi um elemento que fez com que ela
considerasse que parte desses alunos não atingiu o objetivo que ela projetava para as
respostas deles.
Ela encerra essa passagem avaliando que mesmo com a leitura de um texto de apoio que ela
utilizou posteriormente durante a aula, os alunos não conseguiram apreender a complexidade
do conceito de energia que ela tentou construir com eles afirmando que esse conceito ao
final da aula, continuou “bastante abstrato para eles”. Pela utilização da expressão “Mesmo
com o texto informativo (...)”, podemos supor que a professora tinha a expectativa de que a
leitura do texto informativo fosse suficiente para esclarecer aos alunos sobre o conceito de
energia e suas propriedades. Essa situação é interessante, pois também ilustra a influência
das práticas hegemônicas nas ações da professora na medida em que tradicionalmente os
processos pedagógicos hegemônicos se baseiam em textos didáticos que assumem posição
de centralidade na aprendizagem dos alunos. Nessas práticas, os alunos e os professores se
baseiam nesses textos como fonte confiável de aquisição de conteúdos escolares. No
entanto, a simples leitura desses textos não é suficiente para que os conteúdos apresentados
sejam plenamente assimilados pelos alunos. Dessa forma, uma pedagogia baseada nessas
práticas não obtém resultados mais expressivos quando se trata da efetiva aprendizagem por
parte dos alunos do ponto de vista da utilização do conhecimento escolar para a formação do
cidadão emancipado.
O fato de essa produção textual ser diretamente endereçada a mim como pesquisador, fez
com que a professora escrevesse para um interlocutor que estava presente nas aulas descritas
e com isso, o texto de certa forma oculta certos fatos ou pressupõe que eu tivesse as
informações que não foram expressas diretamente no texto. Isso é evidenciado, por exemplo,
quando, ela relata que “a sondagem (...) foi feita sem nenhuma conversa ou explicação”.
Quando faz essa afirmação, ela esta se referindo ao fato de que diferentemente da forma
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hegemônica em que primeiro o professor explica um assunto e depois aplica exercícios
perguntando sobre esse assunto, sua estratégia envolveu inverter essa lógica e perguntar
sobre energia antes de entrar na explicação sobre esse tema. Evidentemente, para orientar a
atividade a professora conversou e explicou com a turma o que ela queria com o
questionário e chegou em alguns momentos a incentiva-los a escrever sem medo de errar.
Observando o registro em vídeo da aula é possível verificar que no momento da orientação
da atividade a professora fez um esforço em introduzir a nova unidade que estava naquele
momento se iniciando e fazendo o seguinte enunciado para solicitar que os alunos
respondessem o questionário.
“A gente hoje vai começar um assunto novo, segundo bimestre, e a gente vai estar
falando de Energia. A gente vai começar a pensar nesse tema: a Energia. Como?
Onde? O que vem na cabeça de vocês quando a gente fala de energia. Ai eu vou
pedir para vocês responderem umas perguntinhas, são cinco perguntas. Pensando o
que vocês vão..o que vocês já sabem, o que vocês conhecem a partir desse tema
energia. Apesar de estar todo mundo grudadinho não vale...colar. Cada um pensar
no seu, ok?”
Durante essa fala, que ocorreu nos minutos iniciais da aula, os alunos reagiram com
desconforto ao tomarem conhecimento de que teriam que responder perguntas sobre o tema
da aula. Muitos sinalizaram com suas expressões corporais que não queriam ter que escrever
naquele momento. Essa situação ilustra bem um tensionamento que as práticas adotadas pela
professora nessa unidade CTS introduziram no espaço da sala de aula da professora. Nas
práticas hegemônicas, os alunos não iniciam uma unidade já tendo que escrever respostas às
perguntas. De fato, a situação de responder a perguntas esta muito associada ao ato de fazer
provas. A professora inclusive se esforça em tentar retirar dessa atividade um caráter de
avaliação, na medida em que ela pede para eles “responderem umas perguntinhas”. A
utilização do diminutivo para se referir às perguntas que eles teriam que responder não deixa
de ser uma tentativa de suavizar a situação e diferenciar de um contexto de prova que deixa
os alunos tensos e ansiosos. Ela inclusive busca deixar claro que ela esta interessada no que
eles já sabem sobre o tema. No entanto, ela ressalta a importância deles responderem
individualmente não recorrendo aos colegas para obter as respostas.
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Os alunos apresentaram dificuldades para responder as questões, uma vez que eles
demoraram mais do que o tempo que a professora esperava. Notando a dificuldade e a
demora dos alunos em concluir as respostas ela fez uma intervenção tentando tranquiliza-
los.
“Olha só gente, pensa que a gente não deu nenhuma informação ainda. Vocês estão
fazendo com os conhecimentos prévios de vocês. Aquilo que vocês sabem, de terem
ouvido falar. A gente fala Energia. O que vem na cabeça da gente? Pensa nessas
questões e a gente ainda não tem fonte de informação. Daqui a pouquinho a gente
vai ta trabalhando com essas fontes e a ai a gente vai começar a ouvir um e outro e
ai as coisas podem clarear. Mas em um primeiro momento, pensem no que vocês já
tem já, o que vocês tem de informação, de pré-requisito que pode ajudar a
responder.”
Após essa fala os alunos ficaram mais relaxados, alguns inclusive emitiram expressões do
tipo “ah bom” . “ah, então tá”, como forma de sinalizar certo alivio em poder errar, uma vez
que em situações de provas o erro é estigmatizado e temido pelos alunos. Essa situação
ilustra bem os movimentos de negociação que o professor precisa fazer ao introduzir
estratégias diferenciadas em suas práticas pedagógicas. O simples ato de solicitar que eles
respondam algumas questões já envolve superar, por exemplo, questões que fazem com que
o aluno considere que o que ele sabe de antemão, ainda não é um conhecimento válido no
contexto escolar. As praticas hegemônicas do ensino de ciências estabelecem uma relação na
qual a resposta certa é aquela que o professor enuncia e espera que os alunos escrevam nas
avaliações. Na medida em que eles são cobrados a falar o que eles já sabem, os alunos se
sentem inseguros uma vez que tradicionalmente o que eles sabem não é considerado dentro
das práticas hegemônicas.
Após os alunos finalizarem os questionários a professora começou uma discussão sobre as
respostas deles. Essa discussão teve inicio com uma dinâmica na qual ela colou no quadro à
frente dos alunos um cartaz com a pergunta “De onde vem a Energia?” e abaixo dessa
pergunta ela colocou duas opções: “todas as fontes de energia provêm da natureza.” e
“Algumas fontes de energia são artificiais, não provêm da natureza”. Essa dinâmica
envolvia fazer com que os alunos levantassem da cadeira e fossem até o quadro sinalizar
qual das duas opções eles consideravam ser a correta resposta à pergunta. Essa proposta
também evidenciou o quanto as práticas hegemônicas, por estigmatizarem o erro, inibem os
alunos a expressarem seus pensamentos espontâneos. A situação de ter quer levantar e expor
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para todos no auditório qual sua resposta para a pergunta gerou certo desconforto em parte
dos alunos que ficaram preocupados com um suposto constrangimento em errar a resposta
certa para a pergunta dada. Isso fez com que alguns alunos nem levantassem com receio de
errar, e outros resistissem em ir ao quadro. A professora precisou incentivar muito os
resistentes para que eles participassem, frisando que aquela não era uma situação de
avaliação, mas sim para eles manifestarem o que eles achavam.
A professora contabilizou o resultado dessa dinâmica e constatou que em um universo de 21
alunos 52% (11) considerou a opção “todas as fontes de energia provêm da natureza.” como
correta e 29% (6) escolheram a opção “Algumas fontes de energia são artificiais, não
provêm da natureza”. Três alunos se recusaram a escolher alguma das opções.
A partir do resultado da dinâmica a professora começou uma discussão sobre o questionário,
solicitando aos alunos que oralmente comunicassem suas respostas. Essa solicitação não foi
prontamente atendida na medida em que nesse espaço de discussão os alunos também se
mostraram inibidos em expor suas ideias. Isso fez com que a professora começasse a utilizar
da estratégia de solicitar diretamente a alunos específicos que ela já sabia que teriam menos
inibição para responder em voz alta. Esses alunos mais desinibidos chegaram a responder,
mas a discussão não chegou a engrenar, pois no geral a turma continuou tímida. Boa parte
dos enunciados que os alunos emitiam nessa interação eram no sentido de fazer brincadeiras
ou gozações uns com os outros. Inclusive alguns desses enunciados foram justamente para
verbalizar a timidez ou o medo de falar algo errado na discussão. A professora foi tentando
elicitar a fala deles sobre as perguntas do questionário e da dinâmica realizada, mas a
resposta não foi muito produtiva em termos de retorno.
Essa situação também ilustra um rompimento com as práticas hegemônicas uma vez que a
estratégia adotada de discutir com os alunos suas próprias concepções exigiu da professora
lidar com o fato de que os alunos daquela turma não tinham o habito nem de expor o que
pensam nem de contribuir para a aula, preferindo assim assumir uma postura mais passiva
de receptores de informações vindas do professor ou do livro didático. Em uma aula
tradicional expositiva se exige pouco mais do aluno do que sua atenção ao que esta sendo
exposto. Na proposta CTS da professora, os alunos precisariam sair dessa condição passiva e
assumir uma postura mais ativa e participativa na aula.
Uma vez que a discussão sobre o que é Energia não estabeleceu um debate, a professora
introduziu um texto que ela providenciou para apresentar uma definição do conceito de
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energia e também para exemplificar suas diferentes formas e fontes. Esse texto utilizado é
resultado de um processo de seleção e edição da professora a partir de um livro paradidático
editado por uma empresa de materiais educativos que ela teve contato na escola particular
em que ela trabalha. Esse texto (Anexo X) consistia em um fragmento do livro paradidático
que continha a seção “O que é energia”. Nesse trecho, os autores buscaram definir o que é
energia ressaltando o quanto é difícil dar uma definição única para esse conceito uma vez
que a definição geral “energia é a capacidade de realizar trabalho” é considerada muito
limitada pela maioria dos físicos. Nesse sentido o texto aponta mais para a questão das
transformações que a energia sofre devido ao principio da conservação da energia. A partir
daí o texto apresenta um conjunto de definições sobre as formas de energia entre elas a
Cinética, Elétrica, Térmica, Luminosa, Sonora, Gravitacional Química, Elástica e Nuclear.
Para finalizar o texto, os autores citam fontes de energia tais como Petróleo e seus derivados;
Carvão vegetal, Carvão mineral; Lenha; Álcool; Quedas d água e Átomos de alguns
elementos químicos como o Urânio e o Tório.
Ao anunciar que ela passaria um texto alguns alunos comemoraram talvez aliviados por
terem agora uma fonte com autoridade para obter as respostas corretas para as questões que
a professora estava levantando. No entanto, ao receberem o texto que tinha duas folhas A4,
outros alunos reclamaram da situação de que ter que ler o que eles consideravam um texto
grande. Apesar dessa resistência inicial, os alunos iniciaram a leitura sem grandes
problemas.
Essa situação também nos remete a uma disputa hegemônica que se coloca na sala de aula,
no que se refere à relação dos alunos com a leitura e a produção de textos em sala de aula.
Uma vez que as práticas hegemônicas estigmatizam o erro e consequentemente provocam
um silencio nas salas de aula, os alunos estabelecem uma relação com a leitura de buscar
apenas aquilo que responde as perguntas que serão cobradas. Ao mesmo tempo existe certa
preguiça nessa busca priorizando caminhos mais curtos e pouco trabalhosos. As abordagens
CTS, por se basearem em formas mais ativas de pedagogia, acabam por ter que enfrentar
essas questões na medida em que propõem atividades que exigem um rompimento com essa
postura passiva dos alunos associada às práticas hegemônicas.
A atividade de leitura se iniciou com a distribuição do texto e da leitura individual e
silenciosa dos alunos. Após a leitura a professora fez uma nova tentativa de debate. Ela
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iniciou a conversa perguntando se após a leitura do texto eles responderiam diferente o
questionário. Alguns alunos falaram que sim, muitos não responderam, apenas uma aluna
solicitou o questionário para formular uma nova resposta para alguma das perguntas.
A professora foi tentando estabelecer uma discussão com eles sobre suas concepções sobre
energia. Ela foi pontuando questões que seriam trabalhadas ao longo da unidade, entre elas
os processos de transformação de energia, a diferenciação das fontes de energia, a
classificação dessas fontes em termos de renováveis e não renováveis, e questões relativas à
sustentabilidade. Os alunos participaram ainda de forma tímida dessa discussão, no geral
muitos dos enunciados deles eram com o objetivo de fazer brincadeiras uns com os outros,
no entanto, apenas um ou outro aluno de fato emitiu comentários que contribuíssem para a
discussão que a professora estava tentando estabelecer com eles. Porém, ao tocar no assunto
referente às fontes renováveis e não renováveis, a turma como um todo relacionou quase que
imediatamente ao petróleo.
Essa situação sinaliza para o valor de se incorporar questões que permeiem a vivência dos
alunos nas práticas pedagógicas. Os alunos apesar de não participarem ativamente da
discussão, ao identificarem um assunto que eles tinham familiaridade ficaram mais atentos e
envolvidos pela discussão. Parte dos pressupostos pedagógicos CTS defende um ensino
contextualizado nas questões que circundam as vivências dos estudantes e professores. No
caso, influenciada pelo discurso CTS a professora ao introduzir em sua aula questões
relativas ao petróleo estabelece uma ponte entre a realidade dos seus alunos e o conteúdo
escolar uma vez que o impacto da indústria do petróleo na cidade de Macaé torna esse tema
bastante presente no dia-a-dia dos alunos.
Após esse preâmbulo a professora para reforçar alguns aspectos que ela considerava
importantes sugeriu a leitura coletiva do texto e solicitou silencio e atenção da turma. Ela
indicou um dos alunos para ler em voz alta o primeiro parágrafo e foi indicando outros
alunos conforme os parágrafos se sucediam do texto. Eles fizeram a leitura dos três
primeiros parágrafos do texto base e ao final ela fez um comentário sobre o tema dos
parágrafos lidos reforçando o conceito da lei de conservação da energia e do aspecto da
dependência humana para com a energia elétrica no que se refere ao consumo energético do
padrão de vida urbano. Ela desenvolveu uma linha argumentativa baseada na constatação de
que energia não pode ser criada, pois só é obtida a partir de transformações de alguma fonte
primária. A partir dessa constatação ela estabelece uma necessidade da sociedade estar
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atenta às questões relativas à sustentabilidade para que seja possível proporcionar o padrão
de vida contemporâneo.
Ela então lança uma pergunta para turma: “Vocês acham que o petróleo um dia pode vir a
acabar?”. A turma responde imediatamente que sim, inclusive alunos que até então não
haviam contribuído para o debate que a professora vinha tentando estabelecer ao longo da
aula. A conexão dos alunos com a aula a partir do tema petróleo reforça a ideia de que as
temáticas que envolvem os contextos e vivências dos alunos proporcionam uma maior
aderência dos alunos às propostas pedagógicas.
A professora finaliza sua fala citando o acidente com a usina nuclear de Fukushima ocorrido
alguns meses antes naquele ano, explorando o debate que esse acidente gerou sobre os tipos
de matriz energética e os riscos que a sociedade corre ao adota-los. Ela frisa em sua fala que
ao longo daquela unidade eles irão discutir essas questões que permeiam o cotidiano deles
em níveis micro e macros sociais, ressaltando a dimensão da cidadania e o papel da escola
em formar cidadãos críticos sobre essas questões. Ela afirma que uma das questões que irá
acompanhar o desenvolvimento da unidade didática é se é possível alcançar a
sustentabilidade a partir de uma matriz de energia não renovável.
Com essa pergunta retórica ela encerrou a atividade de diagnostico dos conhecimentos
prévios dos alunos e passou então para alguns informes sobre datas da unidade didática. Ela
anunciou que na aula seguinte haveria a presença de uma pesquisadora da área de Física que
iria ministrar uma palestra para a turma sobre o tema energia e suas fontes.
Após esse anuncio ela solicitou que alunos que não haviam apresentado um seminário do
bimestre anterior o fizesse no tempo que sobrava da aula. Conforme dito anteriormente, o
planejamento da unidade CTS pela professora envolveu re-arranjar conteúdos curriculares
fazendo com que alguns fossem antecipados e outros fossem adiados pois ela não seguiu a
distribuição temporal dos conteúdos prescrita pelo currículo mínimo do estado do Rio de
Janeiro. Por esse motivo, a professora precisou conciliar o planejamento e os objetivos da
unidade CTS com o cotidiano escolar e as demandas curriculares. No caso, em uma situação
normal, sem as demandas do projeto de pesquisa, a professora teria adiado o inicio da
unidade para concluir a apresentação dos trabalhos dos alunos. No entanto, devido ao
cronograma do projeto ela precisava iniciar a unidade naquele dia especificamente. Com
isso, ela precisou organizar essa primeira aula de modo a dar conta das atividades que
ficaram faltando da unidade passada e da unidade CTS que ali começava.
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Antes da apresentação do grupo ela frisou que aquele conteúdo estava contido no livro
didático dos alunos e que eles poderiam consultar esse material para estudar para os exames
e avaliações. O grupo apresentou um seminário sobre o tema Angiospermas. A apresentação
consistiu em uma cartolina com alguns textos e imagens colados e os integrantes leram em
voz alta um texto que eles extraíram de um livro didático que relatava as características das
angiospermas. Ao final da apresentação a professora buscou fazer um link entre o seminário
e a unidade CTS através do fato das angiospermas enquanto organismos autotróficos,
produzirem energia a partir da fotossíntese. Ela ressaltou o papel importante que os
organismos vegetais têm no processo de disponibilização da energia solar para os outros
compartimentos do ecossistema natural e também no sistema social. Ela reforçou que o
entendimento desse importante papel será bastante trabalhado e discutido ao longo da
unidade CTS nas próximas aulas.
Essa situação ilustra a necessidade da professora em ser criativa e ter uma visão ampla dos
conceitos trabalhados através dos conteúdos curriculares ao tentar implementar uma
proposta CTS no contexto escolar. As abordagens CTS exigiram que a professora integrasse
os conteúdos curriculares de modo a criar elos entre os assuntos de uma maneira que
tradicionalmente não é feito nas práticas hegemônicas.
A professora terminou seu relato sobre essa primeira aula com o seguinte enunciado:
“Para a próxima aula que acontecerá a palestra com a professora de Física vou
pedir para focar bastante a questão do que é energia? De onde ela vem?
Também vou fazer novamente a leitura do texto informativo e provocar novas
discussões na aula do dia 19/05/11.
A reflexão foi inevitável. Como falar de Mitose e Meiose, ou de tantos outros
conceitos que envolvem a Biologia e questões do cotidiano não serem
compreendidas pelos alunos? Esse é o desafio que trabalhar numa abordagem CTS
tem trazido para mim”
Por essas falas é possível notar que a professora ficou bastante preocupada com o fato dos
alunos não terem apreendido prontamente o conceito de energia e suas fontes nessa primeira
aula. A partir de uma reflexão sobre os resultados da sondagem, a professora pôde solicitar à
palestrante da aula seguinte que focasse em pontos que ela considerou importante que os
alunos tivessem um reforço conceitual.
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Percebemos também nessa passagem uma importante contribuição das iniciativas de
introdução do professor em atividades acadêmicas vinculadas a projetos de pesquisa uma
vez que a participação da professora no projeto a fez registrar sua prática de uma maneira
que permitiu uma reflexão baseada em dados que ela gerou sobre a percepção de seus alunos
sobre o conceito de energia. A professora ao sistematizar as respostas dos seus alunos à
sondagem proposta estabeleceu uma nova relação para com sua prática pedagógica na
medida em que à sua maneira ela produziu uma quantificação de resultados e uma
qualificação de desempenho que a orientou para os próximos passos de seu planejamento.
Esse fato se coloca em contraste com as práticas hegemônicas na medida em que
tradicionalmente os professores não têm o habito de fazer um registro sistemático de suas
aulas baseados em sondagens sobre os conhecimentos prévios de seus alunos de modo a
orientar seu trabalho pedagógico.
A reflexão final dela sobre a aula sinaliza para uma ruptura da professora com as práticas
hegemônicas. Quando ela questiona “falar de Meiose e Mitose” na realidade ela está
realizando um intertexto com os conteúdos tradicionais e hegemônicos das aulas de biologia.
Meiose e Mitose são processos celulares que são bastante importantes no entendimento de
uma variedade ampla de processos biológicos. São os processos pelos quais as células se
dividem (meiose) e são produzidos os gametas (meiose). No entanto as formas hegemônicas
de se ensinar esses processos se dão de maneira em que se destaca mais a memorização das
terminologias e das diversas etapas desses processos, do que propriamente um entendimento
mais amplo desses mecanismos e seu importante papel nos processos biológicos.
Com essa fala a professora argumenta que se seus alunos ainda tinham dificuldades com
questões e processos que ela julgava cotidianas, não faria sentido abordar o ensino de
biologia através das práticas hegemônicas, que priorizariam esses conteúdos de forma
descontextualizada. Ela enfatiza que se sente desafiada pelas práticas CTS na medida em
que romper com as práticas hegemônicas envolvem um gasto de energia na construção de
alternativas a essas práticas.
Quando ela expressa que se sente desafiada a “trabalhar com CTS” a professora também
está realizando um intertexto com a literatura educacional CTS. As abordagens CTS exigem
um reformulação da prática docente, tanto no sentido da relação do professor com o
conteúdo a ser ensinado, que precisa ser aprofundado e mais consistentemente
contextualizado, como também na dinâmica do seu planejamento que precisa responder às
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necessidades dos alunos ao longo das atividades, estabelecendo idas e vindas no trabalho dos
conceitos a serem ensinados.
Realizar essas idas e vindas nos conceitos para produzir aprendizagens mais consistentes
nem sempre é uma pratica muito possível nas abordagens hegemônicas que muitas vezes
estão mais comprometidas em cumprir conteúdos do que propriamente ensinar os
conteúdos.
Na semana seguinte ocorreu a palestra sobre Energia com a pesquisadora da área de Física.
Essa pesquisadora na época cursava seu doutorado desenvolvendo pesquisa na área de
eficiência de biodiesel. Ela atuava também como professora no ensino médio e por conta
disso, foi capaz de estabelecer um bom diálogo com a turma durante a palestra, evitando
uma linguagem muito técnica e uma abordagem puramente expositiva do tema.
Atendendo a solicitação da professora, a pesquisadora convidada fez uma exposição tratando
sobre a abordagem da Física para o tema energia. Em sua fala ela apresentou os conceitos de
trabalho, energia potencial assim como os diferentes tipos de energia (Cinética, Térmica,
Eólica, Nuclear, Sonora e etc.). Além disso, ela apresentou as diferentes fontes energéticas e
os princípios transformadores dessas fontes em energia elétrica que ela destacou como a
energia mais útil para a sociedade. Com isso ela explicou o principio do motor à combustão
e como funcionam os mecanismos de geração de energia em usinas hidrelétricas, eólicas e
nucleares.
Ela também abordou em sua fala o uso do petróleo como fonte de combustível e como
matéria prima para produção de uma variedade de derivados que são utilizados na sociedade.
Nesse ponto ela comentou também as consequências sociais e econômicas que a indústria do
petróleo causa globalmente seja do ponto de vista dos impactos ambientais como também na
motivação de sucessivas guerras no oriente médio.
Como alternativa ao petróleo ela apresentou uma discussão sobre o biodiesel que vem sendo
desenvolvido no Brasil e comentou as vantagens dele ser um recurso renovável, e que sua
matéria prima pode ser cultivada em diversas regiões do Brasil possibilitando uma
descentralização do desenvolvimento econômico no território nacional. Esse aspecto da
descentralização do desenvolvimento seria uma grande vantagem em relação ao modelo do
petróleo uma vez que a exploração do petróleo provoca o inverso, trazendo um crescimento
desordenado para apenas algumas localidades como é o caso de Macaé, uma vez que as
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regiões que tem bacias de exploração recebem fluxos migratórios de todas as regiões do
país, mesmo sem ter estrutura para comportar essa expansão populacional.
Essa discussão foi interessante para a turma na medida em que a partir dos conceitos
científicos apresentados foi possível estabelecer consequências sociais para as aplicações
tecnológicas. Nesse sentido percebemos que a introdução dessa aula na unidade cumpriu
uma variedade de papeis. O mais aparente seria a forma com que a professora lidou com a
questão da interdisciplinaridade que as abordagens CTS exigem. No caso, o tema energia é
um conceito abordado por todos os ramos das ciências naturais como a Biologia, a Física e a
Química, no entanto o campo da Física assume uma posição de autoridade no sentido da
abordagem conceitual desse tema.
Historicamente e de maneira genérica, os professores de Biologia não tem uma formação
muito consistente na área de Física. Por esse motivo, a professora não se sentiu a vontade de
sustentar sozinha o ensino desses conceitos e por isso convidou a pesquisadora de modo a
ter uma fonte autorizada para abordar esses conceitos. Dessa forma, ela realiza um intertexto
em sua proposta CTS trazendo a voz autorizada da Física na figura da pesquisadora
convidada.
Porém, além disso a pesquisadora também contribuiu estabelecendo as primeiras reflexões
com a turma sobre as implicações sociais da ciência e da tecnologia. Ao apresentar modelos
alternativos de geração de energia e problematizar a matriz energética hegemônica, baseada
no petróleo, as aulas de biologia possibilitaram uma situação onde os conteúdos escolares
passaram a ser instrumentos para reflexão sobre escolhas que operam na dimensão da
cidadania.
Na medida em que os alunos tomam contatos com informações e argumentos científicos que
sustentam rupturas com as políticas econômicas hegemônicas, a aula de biologia deixa de
ser apenas um espaço de apresentação de informações descontextualizadas e passa a ser um
espaço de onde os alunos tem a oportunidade de adquirir conhecimentos para se
posicionarem perante questões que circulam fora do espaço escolar.
A exposição da pesquisadora convidada fez mais do que apresentar os conceitos físicos
relativos ao tema energia. Ela ampliou a discussão para as possibilidades que a própria
ciência oferece para a superação de problemas socioambientais que se colocam na pauta das
discussões de uma agenda global, mas que repercutem localmente. Esse caráter de
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ampliação da discussão sobre energia vai ao encontro dos pressupostos CTS que orientam o
ensino de ciências para a tomada de decisões. Dessa forma, podemos observar na dimensão
da prática escolar, a influência das abordagens CTS derivadas de um processo de interação
da professora com o discurso CTS.
Na aula seguinte ocorreu a ultima aula do primeiro bloco da unidade que tratava das
questões conceituais sobre o tema energia. O objetivo dessa aula era focar nos processos de
transformações energéticas. A professora em seu relato das aulas faz uma descrição geral de
como a aula se desenvolveu:
“Após os alunos assistirem aos vídeos mostrando transformação de energia em
situações do cotidiano, os alunos foram desafiados a resolver uma atividade onde
teriam que descobrir quais as transformações de energia aparecia nos desenhos. A
maioria dos alunos conseguiu satisfatoriamente responder o exercício, exceto
Flávia e Vagner, que na próxima aula pretendo orientá-los mais de perto.
No vídeo da corrida de carros, onde em uma batida, um pneu se soltava e com
muita velocidade atingia um carro estacionado do lado de fora do circuito
quebrando-lhe o vidro do para brisa. Os alunos ficaram surpresos e, então, percebi
que começaram a pensar sobre o tema energia de maneira diferente.
Nesta aula alguns alunos ampliaram o conceito de energia e dissociaram-no de
eletricidade, percebendo que essa energia é importante para a sociedade. Os
relatórios sobre a aula do dia 05 de maio foram bastante coerentes apontando que
as fontes de energias provém da natureza e vão se transformando em outras.
Identificaram como a energia elétricas chega em nossas casas. Entenderam que
obtemos energia para o nosso corpo através dos alimentos e que estes a obtém do
sol, no processo de fotossíntese.”
Novamente, por ser direcionado a mim como interlocutor dela, o texto oculta certos
elementos que descreveriam com mais precisão os fatos ocorridos durante a aula. A
professora inicia seu relato comentando sobre os vídeos que ela utilizou para gerar uma
discussão com os alunos sobre transformações energéticas. Os vídeos que ela utilizou eram
pequenos fragmentos que ilustravam fenômenos físicos. A professora obteve esses vídeos,
pesquisando na internet e a partir de uma variedade de opções selecionou três para gerar
uma discussão com seus alunos sobre energia e suas transformações.
A escolha da professora em utilizar os vídeos como recursos pedagógicos sinalizam para
uma modificação em sua prática pedagógica. Segundo a professora até o envolvimento com
94
o projeto, ela não tinha a prática de utilizar recursos audiovisuais como apresentações em
Power point e vídeos, dando preferência pela utilização do livro didático e da exposição no
quadro negro. No entanto, influenciada pelas abordagens CTS ela buscou inovar em sua
pratica assimilando os recursos audiovisuais como um elemento para provocar uma
discussão com a turma e também para ilustrar conceitos e exemplificar fenômenos.
Na primeira aula a turma não aderiu muito às discussões que ela propôs, mas nessa aula a
professora tinha os vídeos para ajuda-la a provocar o debate. O primeiro vídeo que ela
utilizou mostrava um acidente com um carro de formula 1 na qual uma roda mal presa se
desprendia do carro e com a velocidade acumulada é projetada para fora da pista atingindo
um carro estacionado do lado de fora do circuito de corrida. Pelo caráter exótico, essa
situação provocou a turma de modo a possibilitar uma discussão.
A professora após passar a cena perguntou para a turma como eles explicariam aquela
situação. A professora precisou mediar as falas dos alunos uma vez que mais de um
começou a falar ao mesmo tempo aspectos diferentes do que ela solicitou. Os alunos
começaram a associar a situação com os conceitos de energia cinética e energia potencial.
Eles estabeleceram uma relação entre a velocidade do carro e a transferência de energia para
a roda projetada no acidente.
Após organizar a fala dos alunos e verificar se os demais alunos concordavam com a
resposta construída coletivamente, ela aproveitou para marcar uma diferenciação entre as
respostas deles na sondagem, em que eles associaram energia mais literalmente à
eletricidade e essa forma de conceber energia. Ela chamou a atenção da presença de energia
e suas transformações em diversas situações cotidianas que estão muito além da utilização
da energia elétrica. Ela frisou que energia esta “no nosso corpo,” e “no dia a dia” como
forma de construir com a turma um conceito ampliado de energia. Ela estava bastante
comprometida em fazer com que os alunos entendessem que a energia não se resumia
apenas à energia elétrica.
Com isso ela apresentou mais dois pequenos vídeos que eram pequenas demonstrações de
fenômenos físicos. O primeiro deles era a demonstração de um brinquedo baseado no
potencial elástico de uma mola. O vídeo mostrava o brinquedo sendo comprimido e preso
sobre uma superfície plana através de uma ventosa. Quando a força elástica supera a força
provocada pela ventosa o brinquedo é lançado ao alto em alguns centímetros. A partir dessa
demonstração a professora questionou à turma como que eles descreveriam aquela situação e
95
explicariam porque o brinquedo pula. A mesma aluna que respondeu anteriormente sobre a
situação do carro explicou o processo de transferência energética no brinquedo. A professora
aproveitou a fala da aluna e fez uma síntese para a turma como um todo explicando o
fenômeno, marcando as transformações energéticas que ocorreram entre o momento que se
comprimia a mola até o brinquedo ser projetado para o alto.
Ela então introduziu o terceiro vídeo que tratava de uma demonstração da relação
proporcional entre a força aplicada a uma mola e o trabalho que a energia armazenada na
mola realiza no deslocamento de um corpo. A professora após passar o vídeo pediu para os
alunos tentarem relacionar os três vídeos que já haviam sido exibidos. Os alunos não
responderam nada, e a professora então solicitou que eles indicassem alguma situação
cotidiana que ilustrasse uma transformação energética. Após alguns instantes de silencio a
professora incentivou a turma falar dizendo “vamos botar a cabeça para funcionar um
pouquinho, pensem instrumentos, em equipamentos. o que vocês acham?”,
Com isso, um aluno comentou uma situação em sua casa onde a panela de pressão estragou,
mas no entanto ele não formulou isso em termos científicos uma vez que ele falou de
maneira um pouco tímida. No entanto, ele conseguiu associar o barulho e a explosão
causada pela panela defeituosa com o acumulo e liberação energética. A professora
concordou com o exemplo, mas pediu outros exemplos para a turma de modo a tentar
engrenar uma discussão. Ela perguntou sobre aparelhos que são de uso cotidiano e que
poderiam demonstrar processos de transformações energéticas, no entanto, os alunos não
aderiram a proposta. Ela então pegou o fone de ouvido de um aluno sentado próximo a ela e
perguntou para a turma se eles conseguiam pensar em algum tipo de energia que estivesse
associada aquele equipamento. Os alunos com pouco entusiasmo citaram a energia sonora,
mas não desenvolveram muito essa discussão.
A professora então propôs uma dinâmica na qual ela distribuiu uns elásticos de escritório
para os alunos experimentarem fazer um pequeno estilingue para arremessar papeis. Ela
pediu para alguns alunos dispararem os projeteis de papel e começou a discutir com a turma
sobre como isso acontece. A partir dessa estratégia ela conseguiu bem mais envolvimento
dos alunos do que anteriormente com os vídeos. Eles responderam facilmente ao comando
de disparar projeteis de papel com o elástico e quando a professora pediu para eles
explicarem porque o projétil é arremessado pelo elástico os alunos associaram com o
96
conceito de energia potencial se transformando em energia cinética e à energia potencial
elástica.
Essa passagem ilustra o quanto as habilidades de mediação são necessárias ao professor para
implementar estratégias diferenciadas na sala de aula. A utilização de recursos Audiovisuais
como os vídeos não são garantia de maior adesão dos alunos nas discussões da aula. A
professora fez um grande esforço para tentar fazer com que os alunos participassem a partir
das situações dos vídeos, mas eles não aderiram prontamente. Com a proposta dos elásticos,
ela foi mais bem sucedida na medida em que cada um dos alunos tinha um elástico e a
proposta era mais dinâmica, envolvendo os alunos a experimentarem manualmente a
sensação de transferência de energia.
A resposta dos alunos à atividade reforça a ideia de que envolver os alunos e coloca-los em
uma posição ativa no processo pedagógico é parte fundamental para a ruptura das práticas
hegemônicas. Aliás, fazê-los ter uma pró-atividade em sala já é em si uma ruptura com as
práticas hegemônicas uma vez que tradicionalmente espera-se do aluno apenas atenção às
explicações feitas em sala.
Passado esse momento da aula, a professora começou a falar sobre os diferentes contextos
de transformações de energia chamando a atenção para a alimentação, para os combustíveis
dos carros e as baterias de celulares. Ela então comentou sobre o papel da energia solar
como fonte primaria de energia, pedindo para os alunos explicações sobre como que a
energia solar é transferida para os sistemas biológicos. Os alunos comentaram sobre a
relação do sol com os organismos vegetais e a professora aproveitou para reforçar o papel da
fotossíntese como porta de entrada da energia solar para os demais organismos no planeta.
Outra aluna comentou sobre o papel do sol na manutenção dos ciclos da água e dos ventos e
no aquecimento da água.
A professora tentou instiga-los em relação à energia solar como matriz energética, citando a
palestra da aula anterior. No entanto, os alunos ainda se mostravam inibidos em expressar
suas próprias ideias nesses momentos de discussão. A professora solicitou que eles citassem
algumas outras fontes de energia que eles se lembravam da palestra e então alguns alunos
comentaram sobre a energia eólica, hidrelétrica e das marés.
A professora passou então para uma atividade na qual ela distribuiu uma folha que continha
uma serie de desenhos que ilustravam transformações energéticas e solicitava que os alunos
97
identificassem quais transformações estavam ocorrendo indicando qual energia se
transformava em qual. Os alunos aderiram bem à atividade sinalizando que apesar deles
terem certa resistência a participar de discussões orais, eles eram bem disciplinados quanto a
fazer exercícios propostos. Essa situação reforça o quanto que as práticas hegemônicas
criam um perfil de participação para os alunos na qual os exercícios são reconhecidos como
instrumentos necessários para atingir pontuação nas avaliações bimestrais e por isso são
valorizados. Discussões orais, não estão estabelecidas nas práticas hegemônicas como
instrumentos de avaliação, portanto, os alunos literamente não tem prática nesse tipo de
atividade e em função dos receios em errar citados anteriormente, eles não aderem tanto a
esse tipo de atividade.
Dessa forma, fica clara a necessidade do professor ter a sensibilidade de mesclar propostas
inovadoras com propostas que os alunos estejam familiarizados ao introduzir as abordagens
CTS na sala de aula de modo a obter um maior aproveitamento dessas inovações
curriculares. Da mesma forma que trabalhar com os estilingues motivou a participação dos
alunos por esta ser uma atividade lúdica, utilizar formas tradicionais que de certa forma se
situam na zona de conforto dos alunos também se mostrou eficaz com aquela turma.
Durante o tempo em que os alunos estavam fazendo o exercício, a professora ficou
circulando pelo auditório interagindo com os alunos e verificando se eles estavam
conseguindo fazer o trabalho. Com o término do tempo para execução da atividade ela
recolheu as folhas e fez uma correção coletiva através do Power point. Através da correção
coletiva, ela conseguiu a participação da turma que oralmente completava as respostas de
cada situação. Nesse processo a professora exercia uma mediação das falas dos alunos,
conduzindo-os para as respostas certas quando eles não respondiam espontaneamente. Ao
longo dessas interações ela fazia perguntas para a turma como “A energia química pode se
transformar em energia luminosa?”. Nesses momentos os alunos apresentavam insegurança
para responder, mas a partir dos estímulos dela, eles chegavam às conclusões que a
professora queria. Ao longo dessa correção a professora ficou bastante comprometida em
ampliar a conceituação dos alunos sobre energia, frisando que energia não era apenas
eletricidade. Ao final da correção ela devolveu os exercícios para os alunos e pediu que eles
corrigissem o que eles erraram, mas mantendo as respostas originais para que ela pudesse
notar as modificações.
98
Essa estratégia rompe com a lógica hegemônica na qual o aluno é penalizado pelo erro. A
professora buscou construir uma forma onde os alunos pudessem aprender a partir dos
próprios erros. Isso faz parte de um conjunto de estratégias que visam renegociar o espaço
da sala de aula como, por exemplo, valorizar o conhecimento prévio dos alunos e construir
espaços de discussão e debate de ideias. No entanto, o processo de transformação desse
espaço não é imediato e nem depende apenas da vontade do professor. A própria postura do
aluno é parte fundamental para que essa transformação ocorra de fato.
Para fechar a aula, a professora utilizou o data-show para apresentar e discutir um esquema
de fluxo energético com a turma. Ela expos o esquema e começou a explicar o fluxo,
partindo da energia solar que é convertida em energia química pela fotossíntese, passando
pelos combustíveis fosseis que são extraídos de camadas profundas da terra e transformados
em combustíveis, e chegando às diferentes formas de produção de energia elétrica. Nesse
momento, ela aproveitou para falar sobre o trabalho que os alunos terão que desenvolver
durante a unidade que envolve pensar modelos sustentáveis para a geração de energia para a
sociedade. Com isso, ela buscou fazer com que os alunos começassem a estabelecer
associações entre os processos de transformação de energia com as demandas sociais de
produção de energia e a manutenção de um hábito de vida urbano. Ela aproveitou e
apresentou uma reportagem sobre o investimento governamental em usinas eólicas de
produção de energia como forma de contextualizar a aula com fatos que estavam ocorrendo
no país naquela época.
Com isso, podemos observar um grande esforço da professora em trabalhar o conceito de
energia de forma diversificada nessa aula como forma de revisar os conceitos apresentados
na palestra da aula anterior e no intuito de permitir aos alunos uma ampliação da
conceituação inicial que eles tinham sobre Energia.
A aula seguinte iniciava o segundo bloco da unidade que tinha o objetivo de contextualizar o
tema energia nos sistemas biológicos. Do ponto de vista do currículo de biologia prescrito
pela SEEDUC-RJ seriam atendidos nesse bloco conteúdos como “Mecanismos energéticos
da Célula: Fotossínte e Respiração celular”, “Processos de obtenção de energia pelos seres
vivos” e“ Processos de obtenção e transformação de matéria em energia”. Especificamente
nessa aula foram trabalhados os conteúdos relativos aos “Processos de obtenção de energia
pelos seres vivos” e“ Processos de obtenção e transformação de matéria em energia”.
99
O tema principal da aula foi discutir a alimentação como fonte energética para o corpo
humano assim como aspectos da fisiologia humana e o fluxo energético nos ecossistemas.
A professora relatou a aula conforme transcrito abaixo:
“Comecei a aula com a pergunta: De onde vem a energia para o nosso corpo? Após
algumas hipóteses chegaram com unanimidade ao conceito de que vem dos
alimentos e assim continuei indagando se haviam tomado café da manhã antes de
virem para a escola.
Alguns disseram que sim, outros disseram que não. Conversamos sobre a
importância de nos alimentarmos bem, por que precisamos de energia para as
nossas atividades diárias.
O aluno Vagner que na aula anterior parecia ter assimilado pouco sobre o tema,
por não ter respondido o exercício corretamente, na aula de hoje participou
bastante, inclusive com um depoimento, onde narrou que foi a um jogo de futebol
pela manhã sem tomar café e desmaiou no campo. Pegando esse gancho propus à
turma uma prática de exercício aeróbico para que pudessem perceber gasto de
energia/condicionamento físico. Assistimos ao vídeo da corredora Gabrielle
Andersen Schiess, Maratonista em Los Angeles, em 1984 e refletimos sobre a
pergunta: Faltou energia? O que são alimentos calóricos? Trabalhamos então, com
rótulos de diversos alimentos e procuramos discutir a respeito das informações
neles contida. Assim vimos que o conceito caloria está relacionada a quantidade de
energia que o alimento oferece. Com essa energia conseguimos realiza as nossas
funções vitais até mesmo quando dormimos. Por isso a determinação da quantidade
de energia armazenada em cada alimento é importante para planejamento de uma
dieta que equilibra quantidade de energia ingerida e aquela gasta.
Conversamos ainda, que se a alimentação é tão necessária para termos energia, O
que acontece com trabalhadores que realmente pegam no “pesado” e ao saírem de
suas casas para trabalharem muitas vezes tomam apenas um cafezinho? Sem entrar
em questões políticas, ficou essa reflexão para que os alunos pudessem pensar.
Para finalizar os alunos construíram uma caricatura de corpo saudável e calórico
usando figuras de alimentos retiradas de revistas.”
Percebemos pelo próprio tamanho do relato dela sobre a aula o quanto ela veio ao longo da
unidade desenvolvendo mais sua produção textual sobre os fatos que ela destacava sobre as
aulas. Nesse relato ela chama a atenção para o fato de um aluno que havia apresentado
dificuldades nas aulas anteriores e que tinha um perfil não participativo, ter se envolvido
ativamente nas discussões sobre alimentação e gasto de energia durante essa aula.
100
Essa situação ilustra os efeitos da introdução de temas cotidianos nas aulas de biologia na
medida em que ao introduzir uma discussão sobre os hábitos alimentares dos próprios alunos
a professora possibilitou que mais alunos se sentissem a vontade de se colocar na discussão.
Apesar do relato dela não sinalizar, observando as imagens em vídeo da aula é possível notar
que ela ainda teve que fazer um grande esforço de mediação para que os alunos falassem
sobre como eles relacionavam a alimentação com o fornecimento de energia para o corpo.
No entanto, com sua mediação ela soube criar situações em que os alunos começaram a falar
sobre suas vivencias e realmente o aluno Vagner que ate então não havia se manifestado em
nenhuma das aulas anteriores fez colocações em diversos momentos da discussão.
Essa situação é interessante, pois ao mesmo tempo em que sinaliza para o fato de que o
professor para implementar mudanças curriculares necessita ter características como uma
boa capacidade de mediação e articulação dos conteúdos, aponta para alguns pequenos mais
significativos resultados como fazer um aluno se integrar e participar das discussões em sala.
As práticas hegemônicas, ao não considerarem o universo dos alunos provocam um
afastamento deles dos processos de ensino-aprendizagem.
A partir dessa discussão inicial para a construção da ideia de que a energia do corpo vem dos
alimentos, a professora distribuiu um texto que ela selecionou de um livro paradidático que
tratava da energia dos alimentos. Esse texto introduzia a questão do valor energético dos
alimentos, o consumo de calorias pelas atividades desempenhadas e também apresentava o
ATP como molécula responsável em armazenar a energia produzida pela metabolização dos
alimentos pelo organismo.
A professora fez uma dinâmica na qual os alunos leram o texto uma vez individualmente e
posteriormente foi feita uma leitura em voz alta na qual a professora ia fazendo comentários
em determinados pontos para reforçar conceitos que ela achava importante. Essa estratégia,
que já tinha sido adotada na aula anterior sinaliza para a convivência de práticas inovadoras
com práticas hegemônicas, pois a leitura em voz alta pode ser colocada como uma das
estratégias mais clássicas entre os processos pedagógicos, no entanto isso não desmerece
nem diminui sua eficiência quando bem utilizada pelo professor. No caso, a turma por
apresentar dificuldades em sustentar discussões orais, se mostrou bastante receptiva à
estratégia da leitura coletiva uma vez que o texto, para os alunos, assume um lugar de
autoridade e fonte de conhecimento confiável. Além disso, as próprias relações hegemônicas
101
estabelecidas no espaço da sala de aula tornam confortáveis e familiares essa situação para
os alunos.
As intervenções da professora ao longo da leitura do texto assumem um papel de realce de
informações para que os alunos atentem para o que ela considera importante. A primeira
delas foi no sentido de estabelecer uma relação entre as informações sobre os alimentos
como fonte de energia e a discussão das aulas anteriores em que se apresentou o conceito da
lei de conservação da energia. Baseada na lei de conservação de energia a professora
explicou a perda energética que ocorre entre os níveis tróficos em uma cadeia trófica no
ecossistema. Ela relembrou o esquema apresentado na ultima aula e reforçou a ideia de que a
energia proveniente da luz do sol que é absorvida pelas plantas durante a fotossíntese, fica
disponível para os animais que ingerem essas plantas e seus frutos.
Mais adiante a professora comentou sobre a energia contida nas ligações químicas das
moléculas orgânicas e o conceito de kilocalorias. Com isso ela começou a falar sobre a
questão do valor calórico dos alimentos e a necessidade de se equilibrar a alimentação em
uma dieta saudável. Ela estabelece o conceito de calorias diárias necessárias para manter as
atividades de um individuo e comenta sobre a questão das informações dos rótulos dos
alimentos.
Nesse ponto percebemos uma interface com o campo da Química na unidade CTS proposta
pela professora. A discussão da energia do ponto de vista bioquímico é uma forma já
estabelecida no ensino de Biologia no ensino médio, no entanto a professora em sua
proposta associa a discussão do ponto de vista bioquímico com o contexto das cadeias
tróficas existentes nos ecossistemas que podemos entender como uma formulação contra-
hegemônica uma vez que segundo o Currículo Mínimo esses conteúdos estão previstos para
bimestres diferentes. No entanto do ponto de vista da aprendizagem dos alunos faz muito
mais sentido associar essas discussões uma vez que podemos entender esses conhecimentos
como interdependentes.
O entendimento do funcionamento do fluxo energético no ecossistema passa pelo
entendimento da dimensão bioquímica da energia nos organismos, assim como essa
dimensão bioquímica precisa de um contexto concreto para não se tornar uma informação
abstrata para os alunos. Tradicionalmente o ensino da dimensão bioquímica da energia nas
práticas hegemônicas se limita a um conjunto de equações bioquímicas sem contexto na qual
os alunos precisam literalmente decorar reagentes e produtos sem necessariamente
102
internalizar e entender que essas reações acontecem nas células dos organismos que eles
estudaram em outros bimestres e anos. Com isso, percebemos que a proposta da professora é
bastante inovadora em tentar dar um significado mais consistente para essas informações
criando pontos de ancoragem para a aprendizagem de seus alunos.
Após a leitura a professora propôs uma dinâmica na qual a turma foi dividida em dois
grupos. Um dos grupos começou a simular uma corrida no mesmo lugar e outro grupo faria
um alongamento durante dois minutos antes de começar a corrida. Ao todo a dinâmica durou
5 minutos para ambos os grupos. Ao final a professora solicitou que cada um medisse a
própria pulsação. Ela então iniciou uma discussão com os alunos sobre o gasto energético
em cada um dos grupos. Os alunos rapidamente constataram que o grupo que ficou correndo
o tempo todo gastou mais energia que o grupo que alongou primeiro. Recorrer aos sentidos
dos alunos foi uma forma que a professora encontrou para inovar em sua prática pedagógica
e fazer com que os alunos literalmente se levantassem da cadeira para experimentar os
conceitos discutidos em sala. Através do exercício aeróbico proposto a professora rompeu
com as expectativas que se colocam para uma aula de biologia, que basicamente envolvem
passar 100 minutos escutando o professor. A experimentação dos alunos da sensação do
gasto energético no próprio corpo foi mais eficaz que qualquer explicação que a professora
pudesse dar.
No entanto após a dinâmica, a professora tentou iniciar uma discussão sobre a questão social
da alimentação ao comentar a situação de que muitos trabalhadores saem para trabalhar de
manhã sem se alimentar adequadamente, porém os alunos não aderiram a esse debate
permanecendo em silencio quanto a essa questão. A professora respeitou a posição dos
alunos em ficarem em silencio, mas reforçou que achava importante que eles pensassem
sobre essas questões sociais também. Essa situação em sala de aula ilustra uma contribuição
das abordagens CTS para a prática da professora. Incorporar discussões que associam as
questões cientificas às questões sociais é um dos desafios que as abordagens CTS se
propõem a superar. Nas práticas hegemônicas a discussão sobre a obtenção de energia pelos
alimentos não necessariamente seria contextualizada na situação das condições da
alimentação dos trabalhadores brasileiros. No entanto essa foi uma forma que a professora
encontrou para superar um ensino descontextualizado de biologia. Porem a situação
também ilustra o quanto a resposta dos alunos é parte fundamental para que essas propostas
de fato se desenvolvam. O silencio dos alunos sobre essas questões é preocupante na medida
103
em que sinaliza que eles não se sentem capazes ou preparados para sustentar uma discussão
sobre esse tipo de assunto, nas aulas de biologia.
Essa questão nos faz pensar no quanto as mudanças curriculares necessitam também de
mudanças sistêmicas de modo que não tenhamos apenas iniciativas pontuais e isoladas de
mudança, uma vez que os alunos estão conformados pelas práticas hegemônicas do ensino
escolar, é de fato impossível romper com isso em apenas uma unidade, quanto mais em
apenas uma aula.
A aula prosseguiu com a exibição de uma histórica cena das Olimpíadas de 1984 em que a
maratonista Gabrielle Andersen Schiess chega cambaleando até a linha de chegada
completamente estafada e desidratada e é socorrida pela equipe medica. A partir dessa cena
a professora perguntou para a turma o que havia acontecido com a atleta. A turma
rapidamente respondeu que lhe faltou energia durante a prova. Com essa ideia a professora
perguntou sobre os tipos de alimentos que são mais ou menos energéticos. Os alunos
responderam timidamente a pergunta, não desenvolvendo muito essa discussão.
Com isso a professora passou então para uma atividade de análise de rótulos de alimentos.
Ela trouxe um conjunto de embalagens de alimentos que fazem parte da dieta dos alunos
para que eles examinassem seus rótulos. Ela pediu para que eles identificassem onde
estavam as informações sobre o valor calórico dos alimentos analisados.
Os alunos aderiram facilmente à atividade e começaram a examinar as embalagens. A
professora destacou a importância do habito de se observar os rótulos dos produtos que eles
consomem. Novamente, percebemos aqui uma influencia das abordagens CTS no sentido de
um ensino orientado para a tomada de decisões. A professora tinha uma expectativa que as
discussões da aula pudessem servir para que os alunos adquirissem hábitos mais saudáveis
de alimentação em seus cotidianos fora da sala de aula.
A professora aproveitou para comentar com eles como que são feitos os cálculos para os
valores diários de alimentação e para o quanto cada alimento proporciona em termos de
calorias. Ela passou então uma atividade em que ela dividiu a turma em diversos trios,
distribuiu revistas, tesoura e cola e pediu para que cada grupo criasse uma colagem
representando um corpo saudável e um corpo não saudável.
Novamente, ao mesmo tempo em que a turma é extremamente resistente às discussões orais,
eles respondem muito bem às atividades propostas. Todos os grupos trabalharam de forma
104
tranquila e se empenharam na construção dos corpos. Isso mostra o quanto que a diversidade
de estratégias é necessária para ir envolvendo os alunos. Esse tipo de atividade estimula
mais a criatividade e expressão artística dos alunos. Além disso, esse tipo de estratégia
possibilita que os alunos expressem suas concepções sobre o que são os alimentos saudáveis
e não saudáveis ajudando-os a refletir sobre sua própria alimentação.
Abrir espaços na aula de biologia para esse tipo de reflexão sobre sua própria alimentação e
também para as questões sociais envolvidas com a alimentação dos trabalhadores é uma
grande contribuição das abordagens CTS para a prática do ensino de biologia. Nas praticas
hegemônicas a discussão da energia dos alimentos fica mais restrita às informações
nutricionais e na descrição dos tipos e funções dos nutrientes para a constituição do
organismo.
Na quinta aula da unidade a professora tratou sobre a obtenção de energia pelos seres vivos.
Essa era a segunda aula do bloco da unidade que contextualizava o tema Energia em seu
aspecto biológico. Na realidade, em muitos aspectos essa talvez fosse a aula mais
explicitamente biológica por tratar de fotossíntese. No entanto ela teve alguns diferenciais. O
primeiro deles é que a professora teve a colaboração de licenciandos da UFRJ/campus
Macaé que naquele ano faziam o estágio supervisionado com a professora naquela turma.
Por conta desse auxilio, a professora pôde fazer uso do laboratório de ciências do colégio
que ficava ao lado do auditório.
Abaixo segue o relato dela sobre a aula
“A aula foi um estudo sobre Fotossíntese, ministrada pelos licenciandos do curso de
Biologia da UFRJ, que fazem estágio na turma.
Os estagiários prepararam a aula com o recurso do Power Point. Iniciaram
resgatando a discussão da aula anterior sobre a obtenção de energia dos
heterótrofos.
Explicaram o fluxo de energia nos ecossistemas, gerado a partir da energia solar e
da fotossíntese; tema que transcorreu por toda a aula.
Trouxeram várias curiosidades e novas descobertas científicas relacionadas a
fotossíntese. O ponto alto da aula foi a atividade prática no Laboratório de
Ciências, onde foi realizado um experimento demonstrando a fluorescência da
clorofila.
105
Ao final, os estagiários trabalharam um texto para fundamentar as discussões e
propuseram que os alunos respondessem 3 questões sobre fotossíntese.
A maioria dos alunos conseguiu se apropriar dos conceitos apresentados.
O entusiasmo dos alunos após a aula ministrada pelos licenciandos, estagiários
nessas turmas foi muito grande.”
O relato dela foi um pouco mais sucinto do que o da aula anterior. Ela destacou o fato da
aula ser em Power point. Conforme dito anteriormente, a professora não tinha o habito de
utilizar esse tipo de recurso em suas aulas, por isso, ela atribui um destaque para essa forma
de conduzir a aula. Dentro de sua própria prática, a utilização de recursos audiovisuais é
uma ruptura.
Em seu texto a professora pontua os elementos-chave que ela considerou da aula. Do ponto
do conteúdo ensinado a professora destaca no terceiro parágrafo de seu relato a relação
estabelecida entre o fluxo de energia no ecossistema e a fotossíntese na aula. Podemos
entender essa aula como um aprofundamento do caráter contra-hegemônico de proposta
CTS da professora para o ensino médio. Os licenciandos aprofundaram a conceituação do
processo fotossintético, em uma associação com conceito de fluxo energético no ecossistema
tal qual a professora havia comentado na aula anterior.
A própria professora destaca em seu relato que os licenciandos agregaram uma atualização
no ensino desses temas na medida em que por conta de sua proximidade com a academia, no
âmbito da universidade, eles contribuíram com imagens e informações mais recentes e
baseadas em publicações científicas. Nessa aula foi apresentado com mais detalhes o
processo fotossintético dando ênfase nas estruturas celulares e o papel ecológico da
fotossíntese. A ênfase no aspecto ecológico da fotossíntese associado à dimensão celular
desse processo é uma grande ruptura com a forma tradicional de ensinar esses dois conceitos
que os trataria separadamente.
A professora caracteriza a atividade no laboratório didático como “o ponto alto” da aula.
Esse comentário dela precisa ser entendido no âmbito da ruptura com as práticas
hegemônicas que a utilização do laboratório provoca. Esse enunciado ecoa na medida em
que tradicionalmente o espaço do laboratório não era utilizado para atividades didáticas. Na
realidade, até a proposta de uso nessa aula, ele funcionava mais como um local para guardar
os livros didáticos de química e de biologia que os alunos utilizavam durante as aulas em
sala.
106
Evidentemente contar com a ajuda dos licenciandos foi parte fundamental para essa proposta
ser viável. Pelo fato da turma não caber inteira no laboratório foi necessário dividir a turma
em dois grupos e fazer uma alternância entre o laboratório e o auditório. No auditório
ocorria uma exposição sobre o processo fotossintético e seu papel ecológico no ecossistema
e simultaneamente no laboratório ocorria uma demonstração de um experimento, após cada
atividade os grupos trocavam de ambiente. Por esse motivo a professora teria dificuldades de
implementar a proposta dessa aula sozinha.
O experimento apresentado no laboratório foi uma demonstração sobre as propriedades de
absorção da luz da clorofila. De modo a explicar a absorção da luz do sol pelos organismos
vegetais a exposição no auditório apresentou o espectro eletromagnético e foi explicado que
a clorofila é a molécula responsável em absorver a energia do sol e iniciar o processo
fotossintético. Na tentativa de tornar mais concreto esse conteúdo abstrato que
tradicionalmente é explicado através de esquemas e gráficos, foi realizado um protocolo de
extração em solução alcoólica dos pigmentos de folhas de plantas coletadas no jardim da
escola.
Os alunos tiveram a oportunidade de macerar as folhas das plantas e misturar com álcool
para produzir a solução de clorofila. Uma parte dessa solução foi pingada em um papel filtro
para realizar uma cromatografia rudimentar demonstrando as diferentes bandas de
pigmentos vegetais. O restante da solução foi colocado em um tubo de ensaio e iluminada
com uma lâmpada ultravioleta. Ao ser exposta a luz ultravioleta, a solução de clorofila
mudou da cor verde, para uma coloração mais avermelhada ilustrando os princípios da
absorção e reflexão dos comprimentos de onda da luz visível.
Essa atividade experimental, por mais que tenha sido até mais expositiva do que
efetivamente prática para os alunos, provocou uma mudança, na recepção dos alunos para
com os conteúdos, que foi notada e evidenciada pela professora em seu relato quando ela
afirma que “A maioria dos alunos conseguiu se apropriar dos conceitos apresentados. O
entusiasmo dos alunos após a aula ministrada pelos licenciandos, estagiários nessas turmas
foi muito grande.”; O fato de a professora destacar o entusiasmo e a aprendizagem dos
alunos reforça a ideia de que para a professora, as propostas inovadoras em sala de aula
provocam uma resposta dos alunos que justificam a mudança das praticas escolares.
107
Na aula seguinte, a professora voltou a ministrar sozinha a aula. Essa sexta aula da unidade
fecha o bloco que contextualizava o tema energia na dimensão biológica. A professora fez o
seguinte relato dessa aula:
“Nessa aula a ideia foi de que os alunos, uma vez que já haviam trabalhado
questões sobre a obtenção de energia pelos heterótrofos e sobre fotossíntese,
pudessem pensar sobre a transferência de energia e matéria no sistema biológico.
O questionamento girou em torno dos produtores como porta de entrada da energia
no mundo vivo. E que a energia apresenta um fluxo decrescente ao longo da cadeia
alimentar.
Para essa discussão foi trabalhado um texto que os alunos leram de forma
compartilhada.
Ao final, foi apresentada uma imagem do planeta à noite para que os alunos
refletissem sobre o fluxo de energia na sociedade e fizessem um paralelo das áreas
iluminadas na imagem com a relação de consumo.
Tenho percebido uma característica nos alunos a partir dessa sequência de aula
sobre o tema Energia antes não observada. Os alunos estão mais questionadores e
preocupados com o lugar que ocupam na sociedade”
Nessa aula a professora reforçou os conceitos apresentados na aula anterior, explicando
novamente os elementos do ecossistema e a questão do fluxo energético ao longo da cadeia
trófica. A professora usou bastante a estratégia de reforço dos conceitos ao longo da
unidade. A cada aula ela retomava o que foi trabalhado anteriormente e reforçava os
conceitos que ela achava importante. Do ponto de vista das relações hegemônicas,
percebemos nessa estratégia uma forma bem tradicional de lidar com o conteúdo escolar.
Dessa forma, a professora estabelece uma mescla entre práticas inovadoras com as práticas
tradicionais ao longo da unidade e de fato isso parece ser necessário para viabilizar a
proposta.
Ela destaca em seu relato o uso do texto que foi utilizado para uma leitura coletiva. Essa
também se mostrou uma estratégia recorrente da professora. A utilização dos textos em suas
aulas tinha tanto um sentido de ser uma fonte de consulta posterior para os alunos como
também uma forma de conduzir a aula. A utilização dos textos em aula segue o modelo do
uso do próprio livro didático. Dessa forma, a professora em sua prática mantém estratégias
tradicionais dentro de sua proposta de inovação curricular. Os alunos por estarem
familiarizados com essas práticas aderem facilmente a elas, diferentemente das propostas de
108
discussão que ela tentou encaminhar em sala. O texto tem uma autoridade de validação das
informações que são apresentadas oralmente ou através dos recursos audiovisuais que a
professora experimentou.
O texto também de certa forma retira a necessidade dos alunos tomarem notas em seus
cadernos. De fato ao longo de todas as aulas os alunos nem sequer abriram o caderno para
tomar qualquer anotação ao longo das falas e apresentações de slides. A centralidade do
texto em sua aula reforça as práticas hegemônicas, no entanto a professora diversifica as
atividades durante as aulas utilizando se de dinâmicas variadas. No caso dessa aula, após a
leitura do texto base, ela realizou a dinâmica da teia da vida para construir uma ideia de
interdependência dos elementos de um ecossistema. Nessa dinâmica, a professora coloca a
turma em roda e cada aluno representa um elemento do ecossistema. Através da utilização
de um barbante cada aluno precisa formular uma frase em que associe o seu elemento com o
elemento de algum colega na roda. Ao fazer essa associação ele fica segurando uma ponta
do barbante e arremessa o carretel para o colega do elemento que ele se associou. Esse
procedimento ocorre até o ultimo elemento ser conectado e assim ser possível visualizar um
emaranhado de conexões entre os elementos do ecossistema. No momento que a Teia é
construída a professora fez uma intervenção mostrando que uma perturbação em um
determinado ponto das interconexões era sentido em diversos outros pontos. Essa dinâmica
serve como uma metáfora para o delicado equilíbrio no ecossistema e seu conjunto de
complexas inter-relações.
Esse tipo de estratégia atua como um complemento para a estratégia anterior de leitura do
texto base. A professora buscou desenvolver uma discussão ao longo do processo da
dinâmica, mas a reação da turma continuou um pouco avessa às discussões orais. Entretanto,
a partir da mediação da professora ao longo da dinâmica, ela foi reforçando os conceitos
trabalhados pelo texto, mas se valendo dos exemplos e frases que os alunos diziam.
Após essas explicações a professora exibiu um pequeno vídeo que ela selecionou na internet
que basicamente repetia os conceitos trabalhados pelo texto e através da dinâmica. Vemos
aqui o esforço da professora em buscar apresentar os conceitos aos alunos de formas
variadas, explorando mais de um tipo de recurso. Essa variedade de estratégias possibilita
que a professora inclua diferentes aptidões de seus alunos. A abordagem a partir do texto
favorece aqueles que têm boas habilidades de leitura, a dinâmica possibilita uma forma mais
lúdica de aprendizagem e o vídeo oferece a possibilidade de imagens em movimento que
109
permitem uma visualização mais concreta dos processos abstratos como reações químicas,
fluxo energético e ciclagem da matéria. Nesse sentido, a proposta CTS da professora
integrou uma diversidade de atividades que ora rompiam com práticas hegemônicas, ora
reafirmavam essas práticas. O discurso CTS influenciou a proposta no sentido de
reconfigurar a sequencia dos conteúdos didáticos e provocar uma articulação entre eles que
rompe com as abordagens hegemônicas no campo do ensino de biologia.
Na finalização da aula a professora iniciou uma articulação entre o conteúdo do bloco
biológico com o próximo bloco de aulas da unidade que contextualizava o tema energia em
seu aspecto social. A partir do entendimento do fluxo energético no ecossistema, a
professora começou a instigar os alunos a pensar sobre o fluxo energético na sociedade.
Novamente eles não falaram muito nesses espaços que a professora tentava provoca-los.
Através de uma sequencia de fotos de satélites da Terra tiradas no período em que a Terra
não está iluminada pelo Sol, a professora começou a pergunta-los sobre o que aquelas
imagens diziam sobre a distribuição de energia elétrica pelo globo. De fato a imagem da
terra à noite demonstra a grande concentração do consumo de energia pelos países do
hemisfério norte e por algumas metrópoles dos Países do hemisfério sul. Esse contraste de
fato repercutiu entre os alunos de modo que um deles chegou inclusive a chamar as zonas
escuras do globo de roça, assumindo o caráter pouco desenvolvido dessas regiões. A
professora se esforçou em tentar estabelecer com a turma uma relação entre o consumo
energético e os índices de desenvolvimento dos países, mas a turma não aderiu a essa
discussão.
A professora buscou desenvolver a discussão sobre a desigualdade social da distribuição
energética, mas apesar dela comentar que seus alunos estão se tornando mais
“questionadores e preocupados com seu lugar na sociedade” isso não ficou muito aparente
nas interações em sala, pois a turma continuou com uma postura mais quieta durante essas
oportunidades de discussão. Acredito que essa afirmação esteja relacionada com o resultado
das produções textuais que eles foram fazendo ao longo da unidade, mais do que por conta
das participações em sala.
A professora encerrou a aula solicitando que para a próxima aula eles preparassem uma
apresentação em grupo sobre as diferentes formas de produção de energia elétrica. Isso na
realidade era uma preparação para a palestra que iria ocorrer na aula seguinte com um
representante do sindicato de petroleiros de Macaé.
110
Essa palestra iniciava o terceiro e ultimo bloco da unidade que visava contextualizar o tema
Energia em sua dimensão social. A proposta desse bloco pode ser entendida como uma
influencia direta das abordagens CTS na prática da professora. Segundo ela, até tomar
contato com o discurso CTS para o ensino de ciências, sua prática pedagógica incorporava a
dimensão do ensino para a cidadania de forma mais inconsciente e intuitiva do que
propriamente com uma finalidade baseada em um pressuposto pedagógico.
A forma com que a professora lidou com a demanda das abordagens CTS em articular as
questões sociocientificas no contexto da sala de aula consistiu em tentar estabelecer ao longo
de todas as aulas, independente do bloco ou da temática da aula, discussões que
perpassassem também a dimensão social. Olhando em retrospectiva, podemos identificar
que a professora trouxe a discussão da alimentação dos trabalhadores na aula sobre nutrição,
falou da questão da sustentabilidade na geração de energia em quase todas as aulas, tentou
refletir com os alunos sobre a distribuição global do consumo energético e sua relação com
os índices de desenvolvimento na aula de ecossistemas.
No entanto, ela sentiu necessidade de destacar um conjunto de aulas na unidade onde a
ênfase não estaria nos conteúdos científicos em si, mas nas implicações sociais da ciência e
da tecnologia. O convite ao membro do sindicato dos petroleiros para conversar com os
alunos precisa ser entendido como uma resposta da professora ao ambiente que ela esta
inserida. A indústria do petróleo atravessa o cotidiano de Macaé de maneira profunda. No
imaginário do jovem das periferias de Macaé, trabalhar na cadeia produtiva do petróleo é um
sonho a ser realizado e uma garantia de um bom salário. Com isso, a professora ao trazer
esse convidado oportuniza aos seus alunos o contato direto com aquele que está inserido em
um contexto que eles têm curiosidade e interesse em se envolver. Não por acaso, após um
período de certa timidez, aos poucos ao longo da palestra os alunos se soltaram e fizeram
diversas perguntas sobre os processos de extração de petróleo na bacia de campos. Os alunos
perguntaram sobre o pré-sal, sobre as reservas de petróleo brasileiro, sobre a tecnologia de
prospecção em águas profundas e sobre os efeitos ambientais dos acidentes nas usinas
nucleares.
Além disso, a escolha de alguém inserido no âmbito sindical da cadeia produtiva do petróleo
atende uma expectativa contra hegemônica e visa dar voz a um representante dos
trabalhadores ao invés de alguém que, por exemplo, representasse o governo ou as empresas
off-shore.
111
O relato da professora sobre a palestra segue abaixo:
“Na palestra falou-se de fonte de energia limpa. Ainda assim foi discutido alguns
impactos ambientais como: poluição visual da paisagem e poluição sonora, também
foi falado sobre a importância dos combustíveis fósseis na sociedade atual, sobre o
uso dos derivados de petróleo não só como combustíveis para automóveis, mas com
outro uso como todos os materiais feitos de plásticos, asfalto, parafina, óleo
lubrificantes.
Lançamos uma pergunta, o que aconteceria se o petróleo do mundo acabasse?
Independente de qual fonte quando os combustíveis fósseis acabarem não teremos
energia suficiente para manter o estilo de vida que a sociedade tem hoje?
Que atitude poderíamos tomar para evitar este cenário? Como poderíamos
economizar mais energia elétrica?”
Ela não menciona no relato nenhuma informação referente ao palestrante. Seu relato se
estrutura como uma síntese de alguns pontos que foram falados durante a palestra dele. A
síntese que ela faz da fala dele destaca o aspecto dos impactos ambientais que a geração de
energia causa, seja ela de matriz fóssil ou renovável. Pelos elementos que ela destaca, o
palestrante reforçou a dependência que o atual modelo de desenvolvimento tem da indústria
do petróleo.
Ela termina o relato dessa aula apresentando 4 perguntas que pautaram a conversa após a
palestra. A primeira delas se referia a finitude dos combustíveis fosseis na natureza. A
segunda seria um desdobramento dessa primeira pautada em uma preocupação com a
quantidade de energia necessária para a manutenção do habito de vida contemporâneo. Já as
duas últimas perguntas podem ser entendidas como perguntas norteadoras das ações da
professora ao longo da unidade como um todo. Desde a primeira aula, ela buscava
apresentar para a turma uma proposta de reflexão sobre as praticas de consumo de energia
pelos hábitos contemporâneos.
Pensando na influencia das abordagens CTS na prática dela, é possível perceber que ela
buscou estabelecer com suas aulas uma discussão que viesse a romper com o status quo da
questão energética. Desde o inicio da unidade ela veio provocando seus alunos a pensarem
alternativas ao modelo atual de exploração da energia baseada em combustíveis fósseis. No
entanto, essa intenção da professora acabou por esbarrar na resistência dos alunos em de fato
discutir esses modelos de forma critica durante as aulas apresentando mais uma postura
passiva de receptores de informação. No entanto, apesar do retorno não muito entusiasmado
112
da turma com essas discussões, dialeticamente é extremamente válido a apresentação dessas
propostas para eles.
É possível entender essa tentativa da professora como uma ruptura com as práticas
hegemônicas na medida em que ela, buscando atender pressupostos CTS, rearticulou os
conteúdos escolares de biologia e introduziu discussões como, por exemplo, a questão da
exploração de petróleo em águas profundas e da camada pré-sal que tradicionalmente não
tem muito espaço nos planejamentos voltados para o ensino de biologia no ensino médio.
Na aula seguinte à palestra, os alunos tiveram a oportunidade de apresentar os trabalhos
sobre as diferentes formas de geração de energia elétrica que a professora havia solicitado
em uma aula anterior. A apresentação dos alunos demonstrou um amadurecimento da turma
em comparação ao trabalho sobre angiospermas que foi apresentado na primeira aula da
unidade como um resquício do bimestre anterior. Enquanto naquela apresentação os alunos
ficaram muito presos à leitura de um texto que eles trouxeram impresso, nas apresentações
desses trabalhos deu para notar uma maior desenvoltura por parte dos alunos ao falar sobre
as diferentes formas de gerar eletricidade. Alguns grupos inclusive fizeram uso de
apresentações em Power Point utilizando esquemas, imagens e textos retirados da internet.
Essa desenvoltura deles apresentando os trabalhos reflete também um comentário feito pela
professora no inicio dessa aula em que ela elogiou a turma por ter tido um ótimo
desempenho nas avaliações daquele semestre. Segundo ela, todos ficaram acima de
cinquenta por cento nas avaliações e ela ficou bastante satisfeita de ver que eles estavam se
esforçando e mostrando que as aulas estavam sendo aproveitadas. Esse comentário dela é
interessante na medida em que revela a complexidade dos processos de aprendizagem. Por
mais que a turma não tenha apresentado um perfil muito participativo nas discussões sociais
que ela tentou introduzir nas aulas de biologia, não por isso eles não estavam ao modo deles,
assimilando aquelas questões e ampliando suas conceituações sobre o tema Energia.
Evidentemente as apresentações dos alunos variaram de qualidade no sentido em que alguns
grupos tiveram um desempenho melhor do que os outros, mas de modo geral todos
mostraram bastante domínio dos conceitos por trás dos processos de transforção das fontes
primarias em energia elétrica. Eles também se mostraram conscientes dos impactos
ambientais e custos econômicos implicados em cada uma das diferentes formas de produção
de energia elétrica.
113
Após as apresentações dos trabalhos a professora fez uma fala geral tentando organizar
algumas questões que foram abordadas pelos grupos. Ela comentou sobre a questão do
impacto ambiental que a geração de energia causa seja ela feita a partir de fontes renováveis
ou não. Ela então voltou a instiga-los sobre a questão das alternativas ao modelo
hegemônico do petróleo. Em sua fala ela explorou a questão do impacto da indústria de
petróleo em Macaé, ressaltando o fluxo migratório que inchou a cidade e a relação desse
fluxo com a oferta de empregos na região seja na cadeia produtiva do petróleo como
também nas cadeias paralelas que se constituem a partir dessa indústria.
Ela então começou a argumentar sobre a necessidade da formação para qualificação da mão
de obra como condição necessária para eles se empregarem no futuro próximo. Nesse
momento, foi possível perceber uma maior participação dos alunos na discussão sobre os
impactos na cidade e sobre o futuro profissional deles. Essa adesão à discussão pode ser
entendida como resultado da incorporação de elementos extremamente contextualizados nas
vivências deles, reforçando assim o pressuposto CTS de que o ensino de ciências tem que
fazer sentido também na vida dos alunos e não se tornar um conjunto de conceitos abstratos
e distanciados da vida cotidiana.
A professora no fechamento dessa aula explicou mais uma vez o trabalho final da unidade
que consistia nos alunos em grupo, organizarem uma apresentação de uma proposta de
cidade sustentável, tomando como base o contexto do município de Macaé. Ela reforçou nas
orientações sua expectativa de que eles fizessem uso de recursos como maquetes, esquemas
e modelos para enriquecer essa apresentação.
Na aula seguinte ocorreu uma excursão da turma a uma termelétrica localizada no município
de Macaé. Essa visita tinha como objetivo mostrar aos alunos o contexto de produção de
energia na região. Ela foi viabilizada com os recursos da própria professora que não contou
com nenhum apoio por parte da escola ou da SEEDUC-RJ. Por esse motivo, a professora
colocou como opcional a participação dos alunos na visita à usina. Dessa forma nem todos
os alunos participaram, mas uma parte significa da turma aderiu à atividade.
Para levar os alunos até a termelétrica a professora mobilizou seu marido e alguns colegas
que dispuseram seus carros particulares na qual os alunos foram divididos e transportados.
Acredito que esse fato realmente ilustre a determinação da professora em superar
dificuldades logísticas para viabilizar sua proposta pedagógica. A visita à termelétrica
proporcionou ao grupo de alunos uma vivencia em um ambiente diferenciado, onde eles
114
foram guiados à planta de produção da usina, visitaram a central de comando e assistiram a
uma palestra sobre como a energia é gerada ali e quais medidas de segurança a usina adotava
para cumprir com as leis ambientais e de operação.
Pelo contexto de Macaé, na qual o setor de energia é intensamente relacionado com o
universo da prospecção do petróleo, foi uma surpresa para muitos dos alunos tomarem
conhecimento da existência de uma usina baseada em outra matriz energética funcionando
ali na região. Alguns alunos inclusive demonstraram interesse e curiosidade sobre a carreira
profissional nesse setor. Durante a palestra eles perguntaram sobre o tipo de formação que
eles precisariam ter para atuar em uma usina como aquela.
A possibilidade das práticas pedagógicas despertarem vocações profissionais vai ao encontro
dos pressupostos CTS na medida em que atrair os alunos para carreiras acadêmicas e
tecnológicas não deixa de ser um dos objetivos de um ensino de ciências que busca o
encantamento dos alunos para com o campo cientifico e tecnológico. A professora desde a
aula anterior já vinha expondo a necessidade dos alunos refletirem sobre a formação
profissional deles visto que o ensino médio já estava próximo de acabar e continuar
estudando é uma condição essencial para que eles tenham futuras oportunidades
profissionais.
No inicio da unidade a professora demonstrou bastante preocupação em ampliar o conceito
sobre energia dos seus alunos e de fato a visita à usina assim como a diversidade de
atividades que a antecederam, contribuíram para essa ampliação conceitual. Tomando
contato com o funcionamento interno da usina, os alunos puderam ver a complexidade do
processo e diversidade de profissionais envolvidos na atividade de geração e distribuição de
energia. Esse tipo de vivência contribui para o estabelecimento de uma aprendizagem mais
efetiva na medida em que os alunos além de terem visto os conceitos diversas vezes e por
variados ângulos, tiveram a oportunidade de visualizar esses conceitos em contextos reais.
Na ultima aula da unidade ocorreram as apresentações dos trabalhos finais. Conforme dito
anteriormente esses trabalhos eram propostas de modelos sustentáveis de geração de energia
para o município de Macaé. A expectativa da professora é que os alunos conseguissem nesse
trabalho utilizar os conhecimentos trabalhados e adquiridos ao longo da unidade para
formular uma proposta que levasse em consideração as condições da cidade para soluções
sustentáveis para a geração de energia. É possível traçar uma relação entre a proposta desse
trabalho e o pressuposto CTS que sustenta um ensino de ciências comprometido com as
115
tomadas de decisão e a emancipação dos estudantes em um mundo fortemente influenciado
pela tecnocracia.
Em seu relato sobre essa aula a professora destaca os seguintes aspectos:
“Na aula do dia 11/08 os alunos apresentaram os trabalhos que produziram.
Alguns grupos fizeram maquetes onde usaram o sol para aquecer a água,
simularam células fotovoltaicas para gerar energia elétrica, outros abordaram o
uso de cata-ventos, também como economizar água utilizando coletores de água de
chuva, casas ecológicas usando telhados transparentes e lâmpadas feitas com
garrafa pet e água, deixando a casa mais iluminada.
Perceber que os grupos se envolveram e pesquisaram sobre o assunto, foi bastante
motivador.
Um grupo pesquisou na internet sobre uma casa construída com pneus e o outro
uma casa usando eletricidade produzida através de baterias biológicas, feitas de
plástico vegetal e usando no seu interior solução de açúcar.
Com esses trabalhos, os alunos pararam para pensar que podemos reciclar, usando
materiais alternativos e mudar posturas para economizar energia elétrica. Quem
sabe, podemos mudar o mundo sim, e, até a nós mesmos. E se não conseguirmos
mudar o mundo, conseguimos mudar o nosso entorno.“
A professora destaca o fato dos alunos terem utilizados recursos como maquetes para ilustrar
suas propostas de cidade sustentável. Considerando a postura mais passiva dos alunos ao
longo da unidade a professora valorizou o fato dos alunos terem se empenhado na realização
desses trabalhos e demonstrado capricho na produção dos modelos e maquetes.
Em seu relato a professora faz um apanhado geral dos temas abordados pelas apresentações
e conclui que ao longo da unidade e com a realização do trabalho final os alunos puderam
refletir sobre hábitos e posturas em relação ao consumo de energia, levando em consideração
as questões relacionadas com sua produção. Nesse sentido, pudemos perceber que a
professora tinha uma expectativa de que a abordagem CTS do tema energia pudesse
provocar mudanças de comportamento e atitude dos alunos para com o conhecimento
escolar e com as questões sociais em que eles estão inseridos direta ou indiretamente.
A tentativa de produzir um ensino de biologia emancipatório e pautado nas questões sociais
relativas aos seus conteúdos apresentou para a professora uma situação em que ela ficou
motivada com a postura dos alunos na realização dos trabalhos escolares e esperançosa de
116
que seu trabalho pedagógico possa contribuir com melhorias tanto em um nível local como
em um nível mais amplo. A partir dessa descrição e analise podemos pensar na unidade CTS
desenvolvida pela professora tendo como base as categorias propostas por Aikenhead (1994)
que citamos no capítulo 2. Nesse sentido, poderíamos situar essa proposta em uma zona
cinzenta entre as categorias 4 e 5, com alguns elementos da categoria 3.
3. Incorporação sistemática do conteúdo de
CTS ao conteúdo programático.
Ensino tradicional de ciências acrescido de
uma série de pequenos estudos de conteúdo
de CTS integrados aos tópicos
de ciências, com a função de explorar
sistematicamente o conteúdo de CTS. Esses
conteúdos formam temas unificadores.
4.Disciplina Científica (Química, Física e
Biologia) por meio de conteúdo de CTS.
Os temas de CTS são utilizados para
organizar o conteúdo de ciências e a sua
seqüência, mas a seleção do conteúdo
científico ainda é a feita partir de uma
disciplina. A lista dos tópicos científicos
puros é muito semelhante àquela da
categoria 3, embora a seqüência possa ser
bem diferente.
5. Ciências por meio do conteúdo de CTS CTS organiza o conteúdo e sua seqüência. O
conteúdo de ciências é multidisciplinar,
sendo ditado pelo conteúdo de CTS. A
lista de tópicos científicos puros assemelha-
se à listagem de tópicos importantes a partir
de uma variedade de cursos de ensino
tradicional de ciências.
Tabela 8: fragmento das Categorias de propostas curriculares CTS ( Aikenhead, apud Santos, 2002)
A categoria 3, Incorporação sistemática do conteúdo de CTS ao conteúdo programático,
reúne propostas que podem ser entendidas como os enxertos CTS. Nessas propostas, a
estrutura da disciplina escolar tradicional não é fundamentalmente alterada, mas em
determinados momentos do planejamento são inseridos temas CTS que complementam o
ensino tradicional da disciplina e o enriquece. A categoria 4 é chamada por Aikenhead de
117
Disciplina Cientifica por meio de conteúdos CTS. Isso significa que as práticas escolares
classificadas nessa categoria apresentam propostas em que a abordagem CTS produz uma
modificação na organização dos tópicos curriculares, mas é mantida ainda a identidade da
disciplina escolar de referencia. (Química, Biologia ou Física). A categoria 5, Ciências por
meio do conteúdo de CTS, é próxima à categoria 4, no que se refere ao fato da abordagem
CTS reorganizar os conteúdos e sua sequencia, no entanto, as propostas classificadas nessa
categoria são de natureza multidisciplinar, integrando as diferentes disciplinas escolares
(Química, Biologia e Física) para trabalhar os temas CTS.
Levando em conta o processo de construção da unidade CTS, consideramos que a proposta
desenvolvida durante o projeto de pesquisa encontra-se em uma zona cinzenta entre essas
categorias porque ela se constituiu a partir do conteúdo curricular da disciplina Biologia que
foram re-organizados a partir de uma perspectiva CTS tal qual as propostas da categoria 4.
No entanto, a re-elaboração curricular desenvolvida introduziu na disciplina Biologia,
conteúdos das disciplinas Física e Química, interagindo com temas tradicionais do currículo
de biologia como fotossíntese e ecossistemologia. Além disso, a temática energia se tornou
um tema unificador dos conteúdos trabalhados nessa unidade didática.
Dessa forma, percebemos na proposta da professora elementos que podem ser encaixados
em aspectos de cada uma dessas 3 categorias. Considerando a unidade CTS dentro do
planejamento anual da professora percebemos que a abordagem CTS ficou localizada e
restrita ao segundo bimestre do ano letivo. Dessa forma, podemos entende-la como um
enxerto CTS na medida em que o resto do ano a prática pedagógica da professora não foi
baseada nas abordagens CTS.
Além disso, como dito anteriormente, a formulação da proposta se deu a partir da disciplina
biologia, tal qual as propostas da categoria 4, mas pelo fato da professora em sua proposta
dialogar com a Física e com a Química para tratar do tema Energia podemos entender que
ela desenvolveu à sua maneira uma abordagem multidisciplinar como é previsto para
propostas da categoria 5.
Entendendo as categorias de Aikenhead como um gradiente, é possível perceber que a
proposta da professora se situou em uma região dessa escala onde a ruptura com as práticas
hegemônicas do ensino de biologia começam a ser estabelecidas, mas ainda não são as mais
extremas. De fato, a posição da proposta na escala de Aikenhead nos faz pensar nos limites e
118
possibilidades da implementação de práticas CTS para o ensino de biologia no município de
Macaé.
A proposta mostrou que é possível romper com uma série de práticas hegemônicas do ensino
de Biologia em Macaé, mas, no entanto também evidenciou que as práticas hegemônicas
também se fizeram presentes durante o desenrolar da unidade CTS. A professora buscou
conciliar diferentes demandas de modo a atender pressupostos pedagógicos calcados nas
práticas CTS como também aspectos administrativos e da própria cultura escolar.
Ainda que o processo de ruptura com as práticas hegemônicas não tenha sido tão intenso
quanto alguns autores do campo CTS gostariam de ver ocorrendo nas salas de aula, ele foi
importante no sentido de proporcionar a professora uma experiência diferenciada de sala de
aula que sem duvida pode e deve ser aperfeiçoada com a prática cotidiana levando a uma
possibilidade de um aprofundamento dessa ruptura. A longo e médio prazo esse enxerto
CTS vivenciado pela professora pode ser o passo inicial em direção a uma prática CTS
desenvolvida no ano inteiro e não apenas restrita ao tema energia.
Nesse sentido, achamos importante para complementar nossas analises sobre a proposta da
unidade e sua aplicação, lançar um olhar para o processo da professora no âmbito de sua
relação com o discurso e a prática CTS ao longo do tempo em que ela esteve envolvida no
projeto. Ao longo do projeto a professor realizou variadas produções textuais. Em uma delas
foi solicitado que a professora produzisse um texto sobre seu entendimento das abordagens
CTS e sobre a viabilidade dessas abordagens no contexto escolar em que ela está inserida.
Na realidade esse texto foi solicitado duas vezes ao longo do projeto, Na primeira vez, a
professora escreveu antes da implementação da unidade, após o período de formação teórica
e de elaboração da proposta. A segunda vez ocorreu após a aplicação da unidade CTS que
ela elaborou.
Dessa forma, entendemos que esses dois textos de alguma forma registram a relação da
professora com o discurso CTS antes e depois de vivenciar a aplicação da unidade CTS em
sua turma. Na próxima seção analisaremos essas duas produções textuais do ponto de vista
de sua dimensão discursiva, de modo a complementar as análises sobre a unidade CTS.
119
5.3 Análises dos textos Pré e Pós Aplicação da unidade
Na análise, buscamos identificar, nos dois textos, aspectos intertextuais, por meio da análise
de escolhas lexicais e representações discursivas. Também procuramos por aspectos
interdiscursivos, sobretudo por meio da observação de elementos de estilo.
Evidentemente esses dados não foram gerados em uma perspectiva objetivista de ciência, na
qual todas as variáveis são passiveis de controle e replicação, mas a título de esclarecimento
das condições de produção desses dois textos, em ambos a professora-bolsista teve o prazo
de duas semanas para elaborá-los e entregá-los, ficando a seu critério a natureza do texto
produzido
Observamos que ambos seguem a estruturação de um relato pessoal, abordando o tema de
forma livre, sendo que o primeiro apresenta 468 palavras distribuídas em dez parágrafos e o
segundo 295 palavras, em seis parágrafos. De forma geral, não encontramos em nenhum dos
dois textos citações de autores do campo CTS, ou seja, não verificamos exemplos de
intertextualidade manifesta. A análise da estrutura e composição dos dois textos nos permite,
entretanto, perceber alguns elementos da constituição da significação que a professora faz do
discurso CTS. Apresentaremos primeiramente uma análise de cada um dos textos
separadamente e posteriormente iremos confrontá-los de modo a perceber os deslocamentos
enunciativos que a professora realiza assim como traços da constituição da percepção dela
sobre as abordagens CTS.
5.3.1 Reflexões da professora antes da implementação
No primeiro texto, a professora inicia a sua narrativa trazendo a questão da relação entre a
produção do conhecimento e os impactos socioambientais:
“Há bastante tempo, venho refletindo sobre o crescente volume de
conhecimento produzido a cada dia e a velocidade com que as
informações e tecnologias dominam o mundo globalizado. Não nos
deixa escolhas, se não pensar a respeito dos impactos ambientais e dos
impactos sobre a sociedade. Apesar dos avanços a sociedade ainda os
acompanha timidamente, sendo muitas vezes só observadora.” (1°
parágrafo texto pré-atividade)
Nesse parágrafo a professora reconhece as características dos processos da modernidade
tardia: “velocidade com que as informações e tecnologias dominam o mundo globalizado” e
associa essas características aos impactos socioambientais “Não nos deixa escolhas, senão
120
pensar a respeito dos impactos ambientais e dos impactos sobre a sociedade”. Na primeira
oração a professora estabelece uma relação de dominação entre as informações e tecnologias
perante um mundo que se organiza em redes globais. A associação entre as características
da modernidade tardia com os impactos socioambientais não é desenvolvida no texto da
professora, pois ela não utiliza nenhuma conjunção para interligar as duas orações. Com
isso ela expressa uma representação em que Ciência e Tecnologia causam impactos sociais e
ambientais que não necessariamente são benéficos para todas as camadas da sociedade. Ela
reconhece os avanços que a Ciência e Tecnologia trazem, mas registra que esses avanços
não são igualmente distribuídos pela sociedade e pressupõe que esses avanços e aplicações
são realizados muitas vezes à revelia dos interesses sociais uma vez que a sociedade
acompanha timidamente esses avanços em uma posição mais de observadora do que de
protagonista. Em sua elaboração discursiva, a professora não especifica quem é a sociedade,
mas realiza uma pressuposição que existem grupos que são privilegiados socialmente e
outros que são excluídos ou que sofrem mais diretamente os impactos negativos do
desenvolvimento científico e tecnológico.
No segundo parágrafo do texto pré-atividade em que a professora aponta para um
anacronismo entre os conteúdos prescritos no currículo e aqueles presentes nas propostas
que visam à inserção de polêmicas sócio-científicas contemporâneas nas aulas de ciências.
“Em muitos momentos, os conflitos internos me tiravam o sono:
como inserir discussões sobre crises da degradação ambiental,
aquecimento global, efeito estufa, pobreza, matriz energética e tantos
outros em minhas aulas de biologia? Sabendo que tenho o currículo me
ditando conteúdo a ser trabalhado. Como adequar conteúdos mais
atuais nos currículos escolares? Em minhas aulas, eu acreditava já
fazer um trabalho diferenciado, buscando contextualizar o conteúdo,
mas ainda era estanque e superficial.” (2° parágrafo texto pré-atividade)
Nesse parágrafo, a professora sinaliza para as dificuldades para inserir temas atuais e
abordagens CTS em suas aulas no contexto de pressões impostas por um currículo. A
metáfora de um currículo que “dita o conteúdo” reflete uma representação das relações
estabelecidas, no contexto escolar, entre as atuais políticas de currículo do Estado do Rio de
Janeiro e a autonomia docente. A construção dessa representação no interior das práticas
discursivas do ensino de ciências expressa antagonismo de objetivos e é significada como
um entrave para implementações de inovações curriculares. Uma disputa hegemônica se
coloca nessa situação onde de um lado existe uma cobrança institucional determinando um
121
conjunto especifico de competências e habilidades que se traduzem em conteúdos
curriculares e de outro um entendimento, baseado nas abordagens CTS, de que o currículo
escolar necessita incorporar discussões contemporâneas sobre questões socioambientais em
todos os níveis de conteúdos, inclusive sendo necessário subverter certas prescrições
curriculares.
As escolhas léxicas da professora para identificar os temas “degradação ambiental,
aquecimento global, efeito estufa, pobreza, matriz energética” indica como ela conceitua o
discurso educacional CTS. A escolha pelo verbo ‘inserir’ denota que estes elementos
estariam ausentes no currículo. Sua fala problematiza o lugar destes temas no âmbito do
trabalho curricular ao sugerir a dificuldade de enquadra-los dentro do escopo dos conteúdos
associados à disciplina e também ao considerar que trata-los como elementos de
contextualização dos conteúdos não seriam suficientes para superar um tom “estanque e
superficial”.
O contato com o discurso da educação CTS levou a professora a questionar sua própria
prática pedagógica, considerando-a “estanque e superficial”, apesar dela buscar fazer um
“trabalho diferenciado, buscando contextualizar o conteúdo”. Nesse ponto do texto
podemos identificar uma importante contribuição do discurso CTS à formação continuada
de professores. O contato com a literatura do campo de educação CTS fez com que a
professora percebesse formas mais aprofundadas de contextualização do conteúdo. A
contextualização necessária às práticas CTS envolveriam articulações com conhecimentos e
áreas além das ciências naturais. Ao utilizar a expressão contextualizar o conteúdo que está
amplamente difundida, embora não precisamente definida, pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais, a professora realiza um intertexto com todo um conjunto de enunciados que
circulam no campo da educação que prescrevem a importância de se considerar os aspectos
circundantes aos conteúdos ensinados e estabelece uma diferenciação entre níveis de
contextualização. Pensando em termos das disputas hegemônicas que ocorrem no campo das
práticas educacionais, podemos supor que existe uma prevalência da prática superficial e
estanque em relação à prática mais aprofundada de contextualização no ensino de ciências.
A forma superficial e estanque é uma forma que atende ao apelo do discurso pela
contextualização, que é em si um discurso progressista de mudança no ensino, no entanto
ainda comprometida com uma forma conteúdista de ensino. Com isso, a professora atribui
às abordagens CTS uma possibilidade mais efetiva de contextualização do que as práticas
tradicionais.
122
No terceiro parágrafo ela reforça esse antagonismo que causa tensão em sua prática
pedagógica. Em sua formulação, as relações CTS e o currículo tradicional são excludentes
entre si.
“Como mudar a minha prática? Agora vou discutir relações CTS,
agora vou seguir o currículo. Vencer esse paradigma não é confortável,
pois tenho que criticar minhas aulas e minha prática, que eu achava
ótima.” (3° parágrafo texto pré-atividade)
Ela afirma um desconforto e reforça uma representação em que a abordagem CTS exige uma
reestruturação da prática pedagógica tradicional, não sendo possível essa abordagem ser
praticada dentro do contexto tradicional do ensino. Na oração “Agora vou discutir relações
CTS, agora vou seguir o currículo” a professora sinaliza para um entendimento de que
discutir relações CTS e seguir o currículo são coisas distintas e ocorrem em momentos
diferentes.
Além disso, nessa passagem, ela menciona um aspecto que lhe foi desconfortável, que seria
o ato de reflexão sobre sua própria prática que as abordagens CTS provocaram. Esse
processo de questionamento da própria prática é apontado pela professora como condição
fundamental para incorporação de práticas escolares influenciadas pelas abordagens CTS. A
reflexão sobre a prática pedagógica problematiza as ideias hegemônicas de como e o que
ensinar no campo da biologia.
No quarto parágrafo ela começa a falar sobre as contribuições que as leituras de textos do
campo de educação CTS deram para a ampliação de sua percepção sobre as possibilidades
de abordagens para o ensino de ciências no ensino médio.
“Hoje com novas leituras e estudos que a participação no projeto
Observatório vem me proporcionando, percebo as diferentes observações
e as abordagens curriculares e pedagógicas que vem sendo estudadas
numa visão CTS.” (4° parágrafo texto pré-atividade)
Nesse trecho ela não especifica exatamente o que são “as diferentes observações e as
abordagens curriculares e pedagógicas que vem sendo estudados numa visão CTS”, mas ela
de alguma forma se posiciona em relação ao que ela havia dito anteriormente sobre o
antagonismo entre as abordagens CTS e o ensino curricular tradicional. No caso, a
professora constrói um significado para a visão CTS como algo que vai além da
contextualização tradicional no ensino de ciências.
123
Esse sentido é reforçado em um parágrafo posterior onde a professora afirma que:
“Apesar de trilhar um caminho onde trabalho o meu conteúdo, com os
meus alunos, a partir de uma visão mais holística, já consigo entender
que professor e aluno precisam conhecer o que passa a sua volta, nesse
mundo em constante movimento e tornar próximos os conteúdos a
serem trabalhados.” (5° parágrafo texto pré-atividade)
Nessa passagem ela utiliza a conjunção “apesar” de modo a construir uma relação de
oposição entre a prática dela e as propostas CTS. Nessa construção ela reforça uma
formulação presente no terceiro parágrafo na qual critica sua forma de trabalho frente à
abordagem CTS para o ensino de Biologia, que pressupõe um ensino situado na realidade
imediata dos alunos e professores. Ao mesmo tempo a conjunção “apesar” reforça um
sentido também de compensação, na medida em que a professora afirma que trabalha o
conteúdo, mas de forma holística, que seria uma forma não hegemônica de trabalhar o
conteúdo.
Um elemento interessante de seu enunciado se refere ao fato dela incluir o professor e o
aluno como implicados na necessidade de conhecer o que se passa a sua volta e não apenas
um ou o outro. Isso sugere que a professora tem uma percepção que as abordagens CTS
exigem modificações também em relação à postura do professor e do aluno nos processos de
ensino-aprendizagem. Essas modificações das práticas pedagógicas escolares envolvem
processos de ruptura com as práticas tradicionais, mas também processos de conformação
com as estratégias institucionais de manutenção da tradição. Na negociação entre esses dois
processos se configuram a viabilidade ou não das inovações curriculares. Nesse sentido uma
permanente tensão entre inovação/manutenção ocorre no desenvolvimento de unidades
didáticas.
Ela prossegue no parágrafo seguinte reforçando as dificuldades que enxerga no processo de
transição entre uma abordagem tradicional do ensino de biologia para uma abordagem CTS:
“Não tem sido uma tarefa muito fácil, pois não posso trabalhar o
conteúdo e de repente pensar que agora vou ser CTS. Uma maneira que
achei mais coerente foi enxertar no conteúdo situações mais voltadas ao
cotidiano dos alunos e aproximar de suas vivências, tornando o
conteúdo mais significativo para eles.” (6° parágrafo texto pré-
atividade)
Nessa passagem ela utiliza a expressão “trabalhar o conteúdo” para se referir à abordagem
tradicional do ensino de biologia, ou seja, seguir os tópicos do currículo da forma como eles
124
são prescritos pelas orientações curriculares. Nota-se aqui que trabalhar em uma perspectiva
CTS para a professora naquele momento seria de alguma forma, não trabalhar o conteúdo.
Em outras palavras, ela associa a abordagem CTS com uma liberdade de organizar e
desenvolver o trabalho curricular para além do ensino de conteúdos.
Ela também constrói uma representação de que a transição entre as duas abordagens não
pode ser abrupta e diz como conseguiu conciliar as duas vertentes em sua prática. A
percepção da professora de que essa mudança não pode ser abrupta se relaciona com a
própria disputa hegemônica que as propostas CTS provocam no interior do contexto escolar.
Uma vez que as propostas CTS de alguma forma subvertem certos aspectos das práticas
escolares, a possibilidade de introduzir mudanças radicais das relações hegemônicas
despertam inseguranças por parte do professor, assim como do setor administrativo do
sistema escolar e até dos próprios alunos. Dessa forma, um professor que se proponha a
inovar necessita construir uma proposta que não perturbe a ordem hegemônica ao ponto de
atrair qualquer tipo de repressão às suas práticas pedagógicas. Com isso em vista, a
professora apresenta nessa passagem a forma com que ela conseguiu conciliar esses dois
movimentos de transformação/manutenção de sua prática pedagógica utilizando a oração
“enxertar no conteúdo situações mais voltadas ao cotidiano dos alunos”. A utilização do
termo ‘enxertar’ revela apropriação do discurso da educação CTS, uma vez que enxerto, na
literatura CTS, significa a execução de pequenas unidades orientadas em uma perspectiva
CTS dentro de uma estrutura curricular tradicional. Na apropriação da professora ela torna o
conceito de enxerto CTS, um verbo, uma ação sobre o conteúdo que, em uma perspectiva
CTS, passa a ser investido de vivências cotidianas e significativas. Enxertar situações
cotidianas no conteúdo significa manter a lógica dos conteúdos em sua prática, mas
possibilitando expandi-los para além de uma perspectiva restrita de ensino de ciências.
Nessa passagem também percebemos outro intertexto, quando a professora utiliza a
expressão conteúdo mais significativo, reforçando a necessidade de que este tenha sentido na
vida do estudante e que esteja relacionado a situações familiares. Esta formulação pode estar
relacionada ao conceito de aprendizagem significativa, que emerge na abundante literatura
acadêmica sobre teorias de ensino-aprendizagem a partir do trabalho de David Ausubel.
(MOREIRA, 1998). A expressão aprendizagem significativa circulou para além dos meios
acadêmicos e se estabeleceu em uma variedade de documentos oficiais sendo hoje em dia
utilizado de forma quase que corriqueira em diferentes meios.
125
Em nossa interpretação do enunciado da professora percebemos que ela atribui à abordagem
CTS uma maior capacidade de atingir os alunos uma vez que ela assume que “enxertar no
conteúdo situações mais voltadas ao cotidiano dos alunos e aproximar de suas vivências”
torna “o conteúdo mais significativo para eles. No parágrafo seguinte do texto a professora
adiciona mais um elemento à sua representação das abordagens CTS. Em um primeiro
momento ela reconhece a necessidade de uma atuação mais constante nessa perspectiva ao
invés de ações pontuais e isoladas
“Entendo que preciso tornar uma prática as abordagens CTS e não
apenas na aplicação desse projeto. Penso que este ainda é meu grande
desafio. Investigar cada vez mais as interpelações entre os processos de
ensino e aprendizagem.” (7º parágrado do texto pré-atividade)
Esse enunciado se articula com o do parágrafo anterior, no sentido em que ela sinaliza que
precisa tornar uma prática, um ensino baseado em “situações mais voltadas ao cotidiano dos
alunos e aproximar de suas vivências, tornando o conteúdo mais significativo para eles”.
No desenvolvimento desse parágrafo ela gera uma ambigüidade entre qual seria o grande
desafio dela: “tornar uma prática as abordagens CTS” ou “Investigar cada vez mais as
interpelações entre os processos de ensino e aprendizagem”. Mas apesar disso, essa última
oração adiciona um elemento novo à constituição da representação de educação CTS
presente no texto. A professora associa as abordagens CTS a uma atividade investigativa
acerca dos processos de ensino-aprendizagem. Isso reflete uma representação de que o
desenvolvimento de práticas CTS exige do professor um comprometimento ativo no
processo de elaboração e re-elaboração de seus conteúdos a serem ensinados. A dimensão
investigativa pressupõe também uma capacidade do professor de interpretar evidências
colocadas pelo seu contexto pedagógico, fazer escolhas baseado nessas evidencias e
interpretar seus resultados.
No parágrafo seguinte a professora relata suas expectativas em relação à sua incursão no
campo de educação CTS:
“Espero que eu consiga desenvolver na minha prática e nos meus
alunos uma nova postura de enculturação científica, apontadas nas
leituras que venho fazendo como condição fundamental para que
possamos participar de forma crítica e consciente das decisões impostas
da sociedade contemporâneas e assim refletir em torno das relações
CTS.” (8º parágrado do texto pré-atividade)
126
A professora dialoga e realiza um intertexto com a literatura da pesquisa em ensino de
ciências ao utilizar a expressão “enculturação científica”, uma formulação recorrente no
campo de educação CTS que pressupõe o processo de ensino-aprendizagem de ciências
como um processo de apropriação de uma cultura científica pautada em uma racionalidade,
práticas e linguagem específicas. Esta relação é manifesta na medida em que a professora
afirma que a importância do processo de enculturação científica é apontada pelas leituras
que ela realizou. Na construção do seu enunciado ela indica que a enculturação científica é
parte fundamental para uma participação “crítica e consciente das decisões impostas da
sociedade contemporânea...”. Novamente, ela não especifica quem é a sociedade, quem
toma as decisões e quem as impõem, embora afirme que, nos dias de hoje, participar da
cultura científica e ”refletir em torno das relações CTS” são condições necessárias em um
mundo pautado fortemente pela racionalidade científica. Ao se remeter às decisões impostas
a professora realiza um intertexto com um aspecto fortemente implicado na educação CTS
que seria a educação para a tomada de decisões(SANTOS e MORTIMER, 2001). Em outras
palavras, percebe-se que a professora considera a reflexão sobre as relações CTS como uma
forma dos alunos desenvolverem conhecimentos e práticas que os permitam se posicionar
perante debates sócio-científicos colocados na esfera pública.
No parágrafo seguinte ela apresenta uma segunda expectativa com o processo de
implementação da unidade CTS com a turma dela:
“Confrontar essa reflexão com as ações e o desenvolvimento de uma
intervenção curricular concreta e poder dizer que mudei a minha
concepção é o que espero com essa parceria no projeto Observatório.”
(9º parágrafo do texto pré-atividade)
No caso não fica claro a qual reflexão ela pretende confrontar com as ações de intervenção
curricular que ela viria a implementar, mas podemos pressupor que ao longo do texto, até
aqui, ela construiu um sentido de oposição entre abordagem tradicional e a abordagem CTS
que despertou nela uma série de questões que ela tentou pontuar em diferentes trechos de
sua fala. A aproximação com o campo de educação CTS tensionou sua prática pedagógica
gerando dúvidas e questionamentos da viabilidade dessas propostas no contexto de trabalho
dela. No entanto, ela deposita na vivência da prática de ensino em uma abordagem CTS uma
possibilidade de resolução desses conflitos internos, reforçando uma ideia de que,
independente das questões teóricas colocadas, existe uma dimensão pragmática na qual os
resultados dos processos de ensino-aprendizagem são mais relevantes para o professor do
127
que elaborações teórico-metodológicas. Em certo sentido, a participação no projeto de
pesquisa é para a professora uma oportunidade de ampliar seu repertório de estratégias de
ensino.
A conclusão de seu texto é marcada por uma contradição, mas ao mesmo tempo ela também
sinaliza para um elemento considerado importante pela professora: a conscientização da
dimensão das relações CTS no âmbito do ensino-aprendizagem de Biologia:
“Muitas vezes na minha prática já utilizava estratégias e desenvolvia
atividades numa abordagem CTS, porém não tinha consciência desse
uso. Cada vez mais tenho certeza do meu papel não só o de passar
conhecimento, mas o de formar cidadãos críticos e atuantes.” (10º
parágrafo do texto pré-atividade)
Ela relata que já utilizava, de forma inconsciente, estratégias e atividades em uma
abordagem CTS, mas isso de certa forma contraria o que ela falou anteriormente onde ela
chegou inclusive a afirmar que suas praticas de contextualização algumas vezes eram
superficiais e estanques. Nessa passagem ela sinaliza para o fato de que o contato com o
discurso da educação CTS a tornou mais consciente da necessidade de discutir relações entre
o conteúdo e as questões do cotidiano dos alunos e professores, assim como a fez perceber
que em sua prática ela intuitivamente buscava estabelecer essas relações. Ela finaliza seu
enunciado acrescentando que tem cada vez mais certeza de que seu papel como professora
implica passar o conhecimento, mas também formar cidadãos críticos e atuantes. Na
formulação dela: “Cada vez mais tenho certeza do meu papel não só o de passar
conhecimento, mas o de formar cidadãos críticos e atuantes.” percebemos que ela utiliza a
conjunção “não só” para construir um sentido de que passar o conhecimento faz parte do
papel dela, e a conjunção adversativa “mas” que liga as orações de modo a somar ao papel
de passar o conteúdo à função de formar cidadãos críticos e atuantes. Com isso, a professora
constrói um sentido para a educação CTS que permite conciliar a passagem do
conteúdo/conhecimento com uma perspectiva de formação cidadã para os alunos, de modo
que o ensino de ciências seja capaz de possibilitar a esses alunos uma atuação crítica perante
os debates sócio-científicos que se colocam na esfera pública e particular, algo que segundo
a professora, as abordagens tradicionais do ensino de biologia não possibilitam.
Diante da análise desse primeiro texto da professora buscamos construir uma descrição da
representação que a professora fez das abordagens CTS para o ensino de Biologia naquele
momento. Esta envolve considerar as abordagens CTS como uma resposta ao ensino
128
tradicional de ciências, caracterizado como um processo de transmissão mecânica de
conhecimentos não orientada para uma vivência cotidiana. Dessa forma, ela atribui às
abordagens CTS uma possibilidade de aprofundar os processos de contextualização do
conhecimento a ser ensinado, proporcionando uma aprendizagem mais significativa para os
alunos. Enquanto resposta ao ensino tradicional, a professora reconhece nas abordagens
CTS uma fonte de tensão no currículo escolar, e isso gerou nela alguma apreensão com
relação à viabilidade de implementação de formas mais radicais de propostas CTS no
contexto escolar público do Estado. Ela também associou as abordagens CTS à condição de
um ensino que seja orientado para tomada de decisões e que proporcionem um debate no
interior da escola de questões que perpassam a sociedade como um todo.
5.3.2 Reflexões após a implementação
O segundo texto foi escrito cerca de 5 meses após o primeiro e também manteve um tom não
acadêmico para a produção escrita. Ele nos permite perceber o efeito que a vivência das
práticas nas abordagens CTS teve para a constituição da representação da professora sobre
essas abordagens.
É possível perceber que a professora buscou um diálogo com sua primeira produção textual
na medida em que logo na primeira frase do texto a professora se remete às suas
expectativas apresentadas no primeiro texto:
“É fato que mudei. Hoje, com esse pequeno trabalho a partir de uma
perspectiva CTSA, desenvolvido nas minhas turmas de 2ª série do
Ensino Médio do Colégio Estadual Jornalista Álvaro Bastos, sei o
quanto as vivências que os alunos trazem, bem como o sentido que
atribuem àquilo que estudam são decisivos para o seu aprendizado.” (1°
parágrafo do texto pós-atividade)
A expectativa de que a prática CTS gerasse uma mudança de concepção, presente no
primeiro texto, é aqui retomada em tom de confirmação. É possível perceber na fala da
professora uma utilização de uma linguagem enfática uma vez que ela afirma que “é fato”
que ela mudou A afirmativa de que ela sabe agora o quanto as vivências e os sentidos que os
alunos atribuem são decisivos para o aprendizado ilustra a visão da professora a respeito do
potencial das práticas CTS para mobilizar as vivências dos alunos nos processos de ensino-
aprendizagem. Essa passagem nos remete a uma questão relativa os sentidos que os alunos
dão aos conteúdos estudados na escola, uma vez que a construção do enunciado da
129
professora sinaliza para um entendimento em que tradicionalmente, os processos de ensino
aprendizagem praticados na escola não levam em conta essas questões, o que tornariam mais
difícil o processo de aprendizagem dos alunos.
Um elemento curioso nesse parágrafo está no fato dela ter dito que o trabalho foi realizado a
partir de uma perspectiva CTSA, sendo que ao longo do processo de formação,
planejamento e desenvolvimento da atividade os pesquisadores utilizaram da sigla CTS ao
invés de CTSA. A sigla CTSA surge na literatura do campo de educação CTS mais
recentemente, como parte de um atravessamento da questão ambiental em praticamente
todas as dimensões sociais desde meados da década 1990. Nossa escolha pelo termo CTS ao
invés de CTSA se apoia na ideia de que o ambiente já está incluído na tríade original.
A professora não explica, no entanto, por que utiliza agora a sigla CTSA ao invés de CTS
como no primeiro texto. É fato que a professora ao longo de sua interação com a literatura
de educação CTS tomou contato com a expressão CTSA e que a proposta desenvolvida
explorou bastante a questão ambiental como contexto para discutir as implicações do tema
energia em sistemas sociais e biológicos. Acreditamos que sua vivência da aplicação da
unidade CTS evidenciou para ela a importância da dimensão ambiental para a construção da
aprendizagem dos seus alunos, pois, se recuperarmos o 2° parágrafo do texto pré-atividade
“como inserir discussões sobre crises da degradação ambiental, aquecimento global, efeito
estufa, pobreza, matriz energética e tantos outros em minhas aulas de biologia? Sabendo
que tenho o currículo me ditando conteúdo a ser trabalhado....”, entendemos que a
dimensão ambiental não era tão presente em sua prática. Isso nos leva a acreditar que a
evidenciação da dimensão ambiental em sua vivência de uma proposta CTS tenha sido
suficiente para a professora se apropriar de uma terminologia que circula na literatura
especifica.
No parágrafo seguinte, a professora continua a identificar elementos que contribuíram para
seu processo de mudança e também reforça o antagonismo entre o ensino em uma
perspectiva CTS e o ensino tradicional de Biologia:
“A historicidade dos alunos com sua comunidade, com o conteúdo que
estudam e com a possibilidade de utilizá-los para as suas vidas, mudam
a visão de escola e de aprendizagem. Passar conhecimentos
descontextualizados da realidade a qual os alunos estão inseridos, não
confere a eles nenhum ganho, pelo contrário é só mais um conteúdo que
fica esquecido no futuro.” (2° parágrafo do texto pós-atividade)
130
Na primeira oração do parágrafo a professora reforça a questão de que as abordagens CTS
implicam em situar o processo de ensino-aprendizagem nas vivências dos alunos em uma
perspectiva de utilidade social do conhecimento. Ela utiliza a expressão historicidade para
se referir ao fato de que essa abordagem busca estabelecer pontos de contato entre o aluno e
o conteúdo, considerando que eles têm relações com seu bairro, município, estado e país,
assim como expectativas para com o que se aprende na escola. Na segunda oração do
parágrafo, ela realiza uma representação do ensino tradicional de Biologia e estabelece um
profundo antagonismo entre essa prática com as abordagens CTS. A construção
argumentativa desse parágrafo realiza uma justificativa para a prática CTS na escola uma
vez que a professora aponta as possibilidades com que as abordagens CTS modificam as
relações dos alunos com a escola e com a aprendizagem, superando assim os problemas da
abordagem tradicional.
No terceiro parágrafo a professora apresenta um pouco do seu processo de mudança ao
longo de sua trajetória profissional.
“Muitos professores defendem ardorosamente a existência de um
método inflexível e único para fazer ciência. Há muito tempo pertencia
a esse grupo de professores e, ao longo do meu trabalho fui me
modificando. Agora meu objetivo é fazer das minhas aulas momentos de
prazer e aprendizado significativo para meus alunos.” (3° parágrafo do
texto pós-atividade)
Na primeira oração ela constrói uma representação de uma concepção sustentada por um
grupo de professores sobre a natureza da ciência. Os adjetivos inflexível e único denotam
uma visão fechada e restrita de ciência, que se afasta da visão contemporânea de ciência e de
seu ensino. Na segunda oração ela utiliza as expressões há muito tempo e ao longo do meu
trabalho para indicar que o processo de saída dela desse grupo com concepções fechadas de
ciência e ensino foi lento e gradual. Ela não sinaliza para os fatores responsáveis por essa
mudança ao longo da sua prática, mas ela finaliza o parágrafo afirmando que no tempo
presente (Agora) está comprometida em fazer com que seus alunos tenham prazer em
aprender conteúdos significativos para suas vidas. Nesse parágrafo não fica claro se a
postura que ela tem agora diante do processo de ensino-aprendizagem é decorrente da
vivência no projeto o se ela já tinha esse compromisso antes de desenvolver e aplicar a
unidade CTS.
131
No quarto parágrafo ela se refere mais especificamente às mudanças que a participação no
projeto implicou em sua prática:
“Percebi nesses meses de trabalho focando o tema energia, a
importância dos estudos CTSA, que muitas vezes podamos as asas do
nosso aluno e o submetemos a um adestramento com grandes
quantidades de informações. E que podemos fazer diferente,
contribuindo para o desenvolvimento científico/ tecnológico e pela
construção do cidadão com os problemas que o rodeia pelo bem estar da
sociedade.” (4° parágrafo do texto pós-atividade)
Pela fala da professora, a participação no projeto levou-a a valorizar a importância dos
estudos CTSA e a perceber as limitações impostas por uma forma de ensino que submete os
alunos a grandes quantidades de informação de forma fragmentada visando um
adestramento baseado mais na memorização do que na compreensão dos conceitos e
processos. Ao utilizar a expressão adestramento com grandes quantidades de informações a
professora estabelece um sentido em que as práticas CTS tornam a aprendizagem mais
douradora do que a abordagem mecânica e fragmentada e que essa qualidade da
aprendizagem não depende da quantidade de informações expostas, mas que depende de
uma busca ativa também por parte do aluno que não deve ser podado de participar desse
processo. Mais uma vez encontramos nessa passagem uma sinalização para a disputa
hegemônica que as práticas CTS estabelecem no interior das práticas discursivas escolares,
uma vez que elas levam a um questionamento da quantidade de informações ensinadas e
também das metodologias de ensino desses conteúdos.
Na oração em que ela afirma a possibilidade de realizar propostas diferenciadas no ensino de
Biologia, ela adiciona três dimensões que ela considera importante para o processo de
ensino: contribuir para o desenvolvimento científico/tecnológico, formar cidadãos e zelar
pelo bem estar da sociedade. Com isso, ela atribui esses elementos à perspectiva CTS,
apesar dela não entrar no mérito de como essa abordagem realiza esses objetivos no ensino.
No parágrafo seguinte a professora introduz a dimensão afetiva implicada no processo de
ensino-aprendizagem:
“Quando os alunos gostam, se envolvem, criam vínculos com o
professor, com a aula e com o conteúdo; vencemos a crise, transpomos
barreiras e percebemos que de fato aluno apreendeu.” (5° parágrafo do
texto pós-atividade)
132
A professora sugere em seu enunciado três níveis de ligação: gostar, se envolver e criar
vínculos, assim como três “sítios” de ligação: professor, a aula e o conteúdo. Essa
construção é interessante por que sinaliza para a forma como a professora justifica a opção
pela abordagem CTS em sua prática bem como para a solução dos problemas atuais de
ensino-aprendizagem. A professora defende que a dimensão afetiva é parte fundamental para
a transposição de barreiras e superação de crises no ensino. Além disso, pressupõe uma
participação ativa por parte do aluno no processo de aprendizagem na medida em que ele
precisa se envolver com a aula e criar vínculos com os conteúdos escolares. Nesse sentido,
ela atribui às abordagens CTS uma capacidade de proporcionar a criação desses vínculos
entre o aluno, o professor, a aula e o conteúdo. É interessante notar, que ao longo do texto
pré-atividade a fala da professora era muito marcada por crises, conflitos internos e uma
dificuldade de conciliar a abordagem CTS com o contexto escolar. Mas após a
implementação da unidade ela parece estar mais tranquila em relação a isso e percebe nas
abordagens CTS uma possibilidade concreta de superar essas crises de ensino-
aprendizagem.
No último parágrafo do texto ela resume suas impressões sobre o processo de participar do
projeto:
“Conclui que mudar e reestruturar o modo de pensar dos professores é
radicalmente necessário para se trabalhar com uma abordagem CTSA.
Não acho que será fácil, mas com certeza será diferente a minha prática
daqui para frente.” (6° parágrafo do texto pós-atividade)
A professora é bastante assertiva em seu enunciado em dois aspectos. O primeiro se refere à
necessidade de reestruturar radicalmente o modo de pensar dos professores para viabilizar a
prática CTS na escola. O segundo aspecto se refere à certeza de que sua prática não será
mais mesma de agora em diante. No que se refere especificamente a sua prática de agora em
diante, a professora não dá detalhes sobre como sua prática será diferente e nem declara se
seguirá estritamente uma abordagem CTS, mas subentende-se que a vivência que ela teve
com o projeto será levada em consideração no sentido de buscar implicar em sua prática, a
vivência de seus alunos, buscando em temas sócio-científicos elementos contextualizadores
da aprendizagem orientada para a tomada de decisões e à participação cidadã. A professora
também sinaliza para o fato de que o modo de pensar do professor é determinante para a
viabilidade das ações CTS na escola. No entanto, não explicita o que exatamente é o modo
de pensar que dificulta essas ações. Pela leitura do texto anterior que ela produziu pode-se
133
supor que esse modo de pensar a que ela se refere, seria aquele em que as abordagens CTS
se opõem ao conceito de trabalhar o conteúdo, ou de que não é possível realizar uma
mudança brusca no ensino tradicional de Biologia ou de que é difícil introduzir temas atuais
nos currículos tradicionais. Percebemos nesse último parágrafo que a professora realizou um
deslocamento enunciativo que reflete em certa medida a mudança no modo de pensar que
ela mesma sofreu ao longo de sua participação no projeto. A necessidade de mudança e
reestruturação do pensamento dos professores está intimamente ligada com as disputas
hegemônicas travadas na dimensão discursiva das práticas sociais ligadas à educação.
Implementar práticas CTS no contexto escolar brasileiro envolve necessariamente uma
negociação com as práticas estabelecidas nesse contexto, assim como no campo ideológico,
com as ideias e concepções dos professores que atuam nesse contexto.
5.3.3 Discussão sobre os dois textos
Através dessas análises textuais, buscamos caracterizar as representações que a professora
estabeleceu sobre as abordagens CTS para o ensino de Biologia ao longo de sua participação
em um projeto de pesquisa, com base na identificação de intertextos, assim como
caracterizar os elementos que ela utiliza para construir sua representação das abordagens
CTS.
Estabelecendo uma relação entre os dois textos produzidos pela professora, percebemos que
a representação sobre as abordagens CTS se modificou ao longo do tempo. Por exemplo, ao
final da unidade a professora inclui referência explícita à dimensão ambiental, por meio do
uso da expressão CTSA. A análise dos dois textos também sinaliza para o quanto a
dimensão pragmática dos resultados da aprendizagem é relevante para a professora se
convencer da viabilidade das abordagens CTS no contexto escolar. No texto pré-atividade, a
fala da professora indicava apreensão acerca da viabilidade de se trabalhar em uma
perspectiva CTS, por outro lado, após a atividade ela parecia convencida pela forma com
que seus alunos responderam às propostas, de que a abordagem CTS é possível e necessária
no atual panorama do ensino médio. Essa questão nos indica que apesar das formulações
teóricas para as questões que perpassam o ensino de Biologia, o professor em sala de aula
deposita mais confiança em resultados concretos na aprendizagem/envolvimento dos seus
alunos para pautar modificações metodológicas.
134
Percebemos pelas representações sobre CTS que a professora construiu em seu texto, que ela
estabelece uma relação um tanto quanto idealizada sobre o potencial das abordagens CTS.
Atribuindo a ela uma capacidade transformadora da realidade escolar, que talvez esteja além
de sua real possibilidade. No entanto, esse encantamento pode ser justificado a partir do
entendimento de que a ruptura com práticas hegemônicas de certa forma injeta certo ânimo
nos docentes e que a realização de uma atividade diferenciada dentro da rotina do contexto
escolar contribui para um aumento da autoestima e confiança do professor.
Apesar da importância atribuída pela professora à dimensão pragmática, sentimos a
ausência, nos dois textos, de referências ao processo de construção da proposta (escolhas
feitas, objetivos traçados) e situações vivenciadas na aplicação da proposta. No caso ela
sugere um maior envolvimento e aprendizagem por parte dos alunos, mas não exemplifica
situações especificas. Nesse mesmo sentido, a professora não realiza intertextos manifestos
com a literatura da área que ela teve contato na hora de elaborar suas impressões sobre as
abordagens CTS.
Ao final do processo a professora parece estar convencida que as abordagens CTS
proporcionam uma aprendizagem mais significativa para os alunos do que a abordagem
tradicional e que por esse motivo ela passa a defender uma maior radicalização na mudança
curricular, algo que no momento anterior ela não vislumbrava como sendo possível ou
viável. Esse dado sugere que os processos de convencimento para o professor passam mais
pelos efeitos diretos que ele percebe em sua sala de aula do que por elaborações teóricas
construídas em âmbito acadêmico
5.3.4 Heterogeneidade nos textos
Pelas análises de nossos dados, identificamos que na estruturação de suas impressões sobre
as abordagens CTS a professora articula elementos diferentes nos dois momentos s. No texto
pré-atividade é marcada a polarização entre o ensino tradicional e o ensino CTS. A
professora em sua narrativa mobiliza elementos referentes à questão do discurso sobre o
meio ambiente, discurso sobre o ensino tradicional, discurso sobre educação CTS, assim
como se apropria de expressões oriundas do campo de pesquisa em ensino de ciências
presentes em documentos oficiais da educação e em políticas de formação de professores.
Em alguns momentos ela se remete também ao discurso científico também como parte do
processo dela de apropriação do discurso CTS.
135
Nesse primeiro momento, a construção de sua representação sobre as abordagens CTS ela se
apoia bastante nessa oposição entre o ensino tradicional e o ensino CTS, quase como que
caracterizando um como o oposto do outro. Na caracterização do ensino CTS ela mobiliza
enunciados que sinalizam para uma representação do ensino CTS como uma forma profunda
de contextualização baseada nas vivências dos alunos.
Nesse texto há também uma forte marca discursiva de certa incredulidade da professora em
relação à viabilidade de implementação de práticas CTS na escola pública uma vez que
naquele momento, ela entendia a abordagem CTS como uma ruptura profunda das práticas
hegemônicas estabelecidas na cultura escolar.
No texto do momento posterior à aplicação da unidade, a elaboração discursiva da
professora já assume outras características e realiza outros intertextos. Ela mantém e dá mais
destaque ao aspecto da contextualização no Ensino CTS como fator identitário dessas
abordagens. Ela destaca bastante o aspecto afetivo do processo de ensino-aprendizagem, na
qual ela entende que os alunos precisam estar ligados emocionalmente aos conteúdos
trabalhados na escola, e que a contextualização profunda que as abordagens CTS oferecem
são parte fundamental para uma efetiva conexão entre professor e aluno assim como entre o
conteúdo científico e os problemas cotidianos dos alunos em seus contextos sociais.
Ela traz também elementos de um discurso sobre a mudança da postura dos professores em
relação aos processos de ensino-aprendizagem, sendo essas mudanças condições
fundamentais para que seja possível a adoção de práticas de educação CTS na escola. Uma
das mudanças que ela destaca se refere à necessidade de uma ampliação da representação
sobre a Ciência na qual o professor opera na escola. A professora argumenta que o
desenvolvimento de praticas baseadas nas abordagens CTS não pode partir de uma visão de
Ciência fechada e monolítica. Além disso, ela mobiliza também um discurso sobre
cidadania, atribuindo ao ensino de ciências CTS, uma capacidade de tornar os alunos
capazes de desempenhar uma participação crítica na sociedade.
Com isso, em seu segundo texto a professora se desloca em relação ao primeiro na medida
em que ela afirma que os resultados pedagógicos obtidos a partir de uma abordagem CTS
foram capazes de superar as dúvidas que ela apresentou em seu primeiro texto. As respostas
dos alunos às atividades transformaram a professora em relação à viabilidade das propostas
CTS no contexto escolar. Podemos perceber nesse deslocamento o quanto a dimensão
136
pragmática dos processos de ensino-aprendizagem são fatores bastante relevantes para a
professora no que se refere à aceitação de abordagens inovadoras no ensino de Biologia.
5.3.5 Sobre as re-elaborações curriculares
Um outro ângulo de nossas análises se refere à percepção da necessidade por parte da
professora de realizar uma re-elaboração do currículo escolar, de modo a conseguir
viabilizar uma proposta CTS no contexto do projeto de pesquisa em que ela estava inserida.
Como descrito anteriormente foi necessário uma re-organização curricular no qual temas
que envolviam energia de três bimestres diferentes foram reunidos e organizados em um
mesmo bimestre. Esse movimento de reorganização curricular exigiu uma postura firme e
determinada por parte da professora em sustentar essas modificações no currículo que no
caso contrariavam as imposições da secretária de educação do estado.
O estado do Rio de Janeiro, assim como outros estados do país, passa por um processo de
centralização e homogeneização dos currículos escolares. Esses currículos que são
construídos fora da escola, resultam em um produto semi-acabado, que na prática restringe a
autonomia dos professores no processo crítico de seleção de conteúdos a serem trabalhados.
Por trás dessas propostas curriculares implementadas “de cima-para baixo” está uma
concepção de professor como um executor de currículos ao invés de um produtor de
currículos. Atrelado a esse processo de homogeneização curricular, está também o processo
de avaliação bimestral do desempenho escolar, que passa a ter um objetivo de verificação se
as metas estabelecidas pelo currículo mínimo estão sendo cumpridas nas unidades escolares.
Para tornar a situação ainda mais complexa, o desempenho dos alunos nessas avaliações, é
tornado um critério para avaliação do trabalho do professor no que se refere ao cálculo de
bonificações salariais.
Diante dessa conjuntura, a escola e o currículo ficam extremamente dependentes da
interpretação dada a essas normatizações da SEEDUC-RJ por parte dos diretores,
coordenadores e professores das unidades escolares. Felizmente, na escola estadual em que
trabalhamos existe uma visão por parte da gestão escolar onde se entende que o professor
deve ter a autonomia de planejamento de suas unidades escolares baseados em critérios
relevantes para o processo de aprendizagem dos alunos e baseados no contexto em que eles
se situam. Somado à necessidade de um ambiente escolar favorável à inovação curricular e a
produção de práticas pedagógicas significantes, o comprometimento do professor para com
137
essas abordagens diferenciadas é imprescindível. Sem isso se torna inviável a produção de
propostas CTS sérias no âmbito do ensino médio.
As re-elaborações curriculares necessárias ao desenvolvimento de práticas CTS no ensino
médio exigem do professor uma reflexão sobre os processos de seleção de conteúdos e de
materiais didáticos, assim como uma crítica ao próprio currículo escolar no que tange as
suas ausências e excessos.
Dessa forma, diante dessa variedade de entraves curriculares e das complexas relações
interpessoais no âmbito do contexto escolar, que de alguma forma influem direta ou
indiretamente para o sucesso, ou não, de inovações curriculares nossa pesquisa aponta para a
necessidade de se repensar o papel dos enxertos CTS no conjunto de possibilidades de
propostas CTS para o ensino médio. Os enxertos CTS são caracterizados na literatura como
“introdução de CTS nos conteúdos das disciplinas de ciências” (Santos, 2008). Muitas vezes
por serem uma primeira fase dentro de um gradiente de possibilidades rumo a uma
reestruturação curricular radical, os enxertos são vistos como incursões superficiais e
insuficientes para imprimir mudanças significativas no panorama do ensino-aprendizagem
de ciências. No entanto, os enxertos podem ser entendidos como uma possibilidade que
permite aos professores conciliarem pressões divergentes sobre sua prática docente.
A partir da analise discursiva da produção textual da professora foi possível perceber uma
tomada de consciência dos desafios que se colocam para a implementação de práticas CTS
na escola e também na necessidade de investimento no aspecto investigativo que está
associado à prática pedagógica de modo a superar os desafios que se colocam no dia a dia da
sala de aula.
Dessa forma, nossos dados e análises reforçam a necessidade de investimentos em práticas
de formação continuada e inicial que possibilitem a incorporação e desenvolvimento dos
pressupostos CTS necessários para o desenvolvimento de propostas CTS que em seus mais
diferentes níveis de aprofundamento, da mais superficial a mais radical inovação curricular,
estejam coerentes com uma abordagem crítica e ampliada de ensino CTS (SANTOS, 2008).
138
6. Considerações finais
Buscamos nessa tese responder às seguintes perguntas de pesquisa: “Quais re-elaborações
discursivas o discurso CTS sofre ao interagir com os outros discursos presentes no contexto
escolar?” e “Quais os limites e possibilidades que as práticas CTS de ensino de ciências têm
no contexto escolar estadual do Rio de Janeiro, no município de Macaé?”.
O desenvolvimento dessas questões envolveu acompanhar e analisar uma proposta de
unidade didática CTS aplicada por uma professora bolsista em um projeto de pesquisa
financiado pela CAPES, assim como suas produções textuais ao longo desse processo.
Em relação à primeira pergunta de pesquisa, percebemos diante das análises dos nossos
dados, que a professora ao formular sua proposta CTS destaca do campo discursivo do
ensino CTS o aspecto da contextualização dos conteúdos escolares, assim como a orientação
de uma educação cientifica voltada para a tomada de decisões e para a cidadania.
O discurso CTS quando materializado em praticas no contexto escolar interage com outros
discursos e a resultante dessa interação é o que podemos chamar de CTS possível na sala de
aula. Observamos nesse estudo de caso que a elaboração da professora provocou uma
interação entre o discurso CTS com os discursos institucionais oriundos da Secretaria
Estadual de Educação do Rio de Janeiro, com o discurso do ensino tradicional de biologia e
o discurso ambiental envolvido na atividade da indústria off-shore de prospecção de
petróleo.
A interação do discurso CTS com o discurso institucional da rede estadual de ensino foi
marcada por uma tensão entre processos de ruptura e conformação. Essa tensão é resultante
de perspectivas antagônicas para o ensino de ciências que circulam nesses dois campos
discursivos. O discurso institucional da SEEDUC-RJ naquele ano era, entre outras coisas,
orientado para o estabelecimento do currículo mínimo na rede estadual de ensino. Dessa
forma, o discurso institucional prescrevia como organizar os conteúdos curriculares ao longo
dos bimestres letivos e ainda estabelecia um conjunto de avaliações sistemáticas para avaliar
se os professores estavam cumprindo com as metas estabelecidas.
Por outro lado, o discurso CTS que a professora tomava contato no projeto apresentava
propostas como temas unificadores que visavam provocar uma maior integração entre os
conhecimentos científicos e uma articulação destes com as questões sociais. A perspectiva
139
emancipatória do discurso CTS que foi tomada como referência na elaboração da unidade
didática, provocava a professora a modificar o ensino tradicional de biologia.
Ao utilizar o tema Energia como um tema unificador para organizar seu planejamento
didático na disciplina escolar Biologia, a professora acabou por subverter a proposta do
currículo mínimo do Estado e re-organizou os conteúdos previstos para o segundo ano do
ensino médio. Nesse processo, a proposta resultante articulava um discurso CTS que
sustentava um ensino de biologia na qual ocorria uma interação mais intensa com a Física e
com a Química do que tradicionalmente ocorre nas práticas hegemônicas.
Em certo sentido, é possível até mesmo entender que os pressupostos CTS de ruptura com o
status quo e de integração dos conhecimentos científicos de alguma forma respaldaram a
professora no sentido de contrariar as prescrições curriculares estaduais em nome de um
planejamento alternativo para o ensino daqueles mesmos conteúdos.
No entanto, essa ruptura no âmbito da organização dos conteúdos conviveu com a
conformação perante aos exames bimestrais promovidos pela secretaria estadual de
educação para acompanhar o cumprimento das metas estabelecidas. O discurso CTS
elaborado pela professora em sua proposta de unidade didática se comprometia também com
a questão de proporcionar um bom desempenho dos alunos nesses exames, por mais que
esse não fosse o objetivo principal em si.
Dessa forma, a professora manteve em sua abordagem uma serie de estratégias didáticas
tradicionais como, por exemplo, o uso e centralidade de textos de apoio para estruturar as
aulas teóricas, de modo que os alunos sempre tivessem posteriormente materiais de estudo,
uma vez que ela não utilizou o livro didático da turma para trabalhar as questões de energia
e optou por produzir materiais específicos para isso.
A interação do discurso CTS com o discurso tradicional do ensino de biologia se deu tanto
do ponto de vista da mescla de estratégias tradicionais e inovadoras ao longo da unidade
didática, como na própria concepção da organização da sequencia didática e dos conteúdos
abordados. Da mesma forma com que na interação com o discurso institucional, a
articulação da professora entre os campos discursivos CTS e tradicional do ensino de
biologia também foi marcado pela tensão ruptura/conformação entre essas práticas. A
abordagem CTS proposta pela professora em alguns aspectos rompeu com a lógica
hegemônica do discurso tradicional do ensino de biologia como, por exemplo, nos processos
140
de avaliação propostos que dispensaram as tradicionais provas, priorizando um conjunto de
atividades propostas a cada aula de modo que a professora pudesse produzir uma avaliação
mais processual do que pontual do desenvolvimento de seus alunos. No entanto, em muitos
momentos as atividades realizadas durante a unidade corroboraram as praticas hegemônicas
do discurso tradicional de ensino de biologia como, por exemplo, na leitura coletiva de
textos didáticos, nas exposições de conteúdos e nas interações entre professora e alunos.
Já na articulação que a professora fez entre o discurso ambiental e o discurso CTS foram
menos explícitos os processos de ruptura, uma vez que ela aderiu muito fortemente ao
discurso ambiental para elaborar a proposta CTS no âmbito do ensino de Biologia. A
professora ao final do projeto chegou inclusive a escolher a expressão Ciência-Tecnologia-
Sociedade e Ambiente (CTSA) para se referir às abordagens com que ela trabalhou para
desenvolver a unidade didática, sinalizando assim que a dimensão ambiental foi bastante
central na elaboração dela sobre o campo CTS.
No entanto, a discussão ambiental não foi desenvolvida na unidade para além de
questionamentos gerais que circulam no senso comum. Isso em parte também pelo fato dos
alunos não aderirem às propostas de discussão de temas polêmicos em sala. No entanto, um
aspecto diferenciado na questão da discussão ambiental, foi a presença de um representante
dos trabalhadores da indústria do petróleo que trouxe uma visão mais técnica sobre os riscos
ambientais na região.
Através da análise da unidade didática em diferentes dimensões, que envolveram tanto as
produções textuais da professora sobre o processo de planejamento da unidade como as
interações em sala de aula, foi possível notar que o discurso CTS elaborado deu mais
destaque às relações entre Ciência e Sociedade, no sentido de explorar a relação entre os
conhecimentos científicos e os impactos ambientais da atividade humana.
Os aspectos relativos às questões tecnológicas estiveram presentes no discurso CTS
elaborado pela professora, mas foram tangenciais em relação às dimensões da Ciência de da
Sociedade no âmbito da proposta de unidade CTS. Isso quer dizer que a professora não
explorou tanto os aspectos tecnológicos durante as aulas, mas eles estiveram presentes, por
exemplo, nos momentos de explicação de como os geradores de eletricidade das usinas
funcionavam.
141
Essa hibridização do discurso CTS com os discursos, tradicional de ensino, institucional e
ambiental foi elaborada pela professora a partir de sua vivencia de sala de aula e também de
sua bagagem sociocultural. Essa constatação nos remete à nossa segunda pergunta
norteadora da pesquisa relacionada aos limites e possibilidades das práticas CTS no contexto
escolar de Macaé.
6.1 Limites e Possibilidades do ensino CTS no contexto de Macaé
Nossa investigação indica que o perfil do professor influencia muito essa questão dos limites
e possibilidade das práticas CTS no contexto escolar. De fato, desde a seleção do bolsista do
projeto foram privilegiadas posturas e atitudes do professor para com sua prática e formação
que estão diretamente relacionadas com os resultados obtidos na unidade didática. A própria
opção do desenho de pesquisa ser baseado em um estudo de caso se justifica no interesse de
investigar mais proximamente como se estabelece a relação do professor individualmente
com o discurso CTS no processo de elaboração de propostas didáticas.
No caso especifico observado, a professora tinha um perfil bastante comprometido, com
iniciativa e organizado. Além disso, ela possuía já bastante experiência pedagógica,
exercendo inclusive cargos de coordenação pedagógica em outras escolas. Ela tinha uma
grande identificação com o ambiente da escola onde ela desenvolveu a unidade didática
CTS, atuando ali há cerca de vinte anos. Essa experiência local lhe garantia bastante
respaldo junto à direção escolar, seus colegas professores e funcionários e com os próprios
alunos.
Acreditamos que essas características tenham sido fundamentais para os resultados que
foram apresentados uma vez que se fosse outro professor, com outras características,
certamente teríamos um resultado diferente em muitos aspectos. Essa constatação apesar de
parecer um pouco óbvia é necessária na medida em que para a realização da pesquisa,
deliberadamente foi selecionada, dentro de um universo restrito, uma professora que reunia
um conjunto de características específicas favoráveis ao desenvolvimento de estratégias
inovadoras para o ensino de biologia baseado em abordagens CTS. Isso significa que
intencionalmente foi escolhida uma professora com o potencial de ter o melhor desempenho
possível dentro de uma proposta de inovação curricular. Além disso, em termos de
condições de produção, essa professora recebeu uma bolsa especifica para garantir um
compromisso para com o desenvolvimento do trabalho.
142
Em relação ao gradiente de propostas curriculares CTS proposto por Aikenhead, nossas
análises sobre a unidade didática CTS nessa tese indicaram, a proposta de unidade elaborada
pela professora se situaria em uma escala de 1 a 8 em uma região cinzenta entre as
categorias 3,4 e 5. Essa região do gradiente onde a proposta ficou situada poderia ser
considerada como uma região de propostas que ainda estão em uma fase inicial de
incorporação de práticas CTS e que conservam características ainda muito semelhantes com
as formas mais tradicionais de ensino de Ciências.
Essa situação pode levar alguém a se perguntar por que uma professora tão capaz de
promover mudanças nas práticas pedagógicas, inserida em um contexto de um projeto de
pesquisa e recebendo bolsa para se dedicar mais plenamente a atividade avançou tão pouco
em termos de proposta curricular CTS? Na realidade, em uma analise menos superficial
percebemos que de fato foi esse conjunto de condições dela que permitiu, em ultima
instância, que houvesse qualquer tipo de avanço em direção às práticas CTS no contexto
escolar, uma vez que para que pudesse ser feito o que foi feito a professora literalmente
precisou enfrentar e subverter as orientações institucionais da SEEDUC-RJ.
Percebemos com esse trabalho, o efeito inibidor que a política do “Currículo Mínimo”
adotada pelo estado do Rio de Janeiro tem sobre as possibilidades de inovações curriculares.
Essa política tem um caráter inibidor das inovações curriculares na medida em que é
normatizadora da organização curricular, e controladora da prática pedagógica através dos
exames externos bimestrais. Isso significa que a principio o professor não teria autonomia de
alterar a organização curricular, visto que os exames externos estabeleceriam em que
momentos do ano determinados conteúdos já deveriam ter sido trabalhados.
Diante desse cenário, nos parece que foi justamente o perfil da professora e o respaldo
institucional que ela tinha na escola e no projeto que possibilitou o enfrentamento da política
do currículo mínimo do Estado do Rio de Janeiro. Evidentemente esse enfrentamento
precisou ser feito dentro de uma margem de segurança que possivelmente influenciou para
que o resultado da proposta ainda guardasse mais semelhanças com as práticas tradicionais
do que com ousadas inovações curriculares.
Alem disso, a partir das analises de suas produções textuais antes da aplicação da unidade
foi possível identificar certa insegurança da professora em relação à viabilidade das praticas
CTS em seu contexto escolar. Com isso é possível considerar que parte da característica
143
“conservadora” da proposta esteja relacionada também com essa insegurança em relação ao
novo e ao desconhecido.
No entanto, um dos achados de pesquisa indicou que ao final da aplicação da unidade
didática CTS a professora demonstrou um deslocamento enunciativo na qual passou a
acreditar bastante na viabilidade da aplicação de propostas CTS na sala de aula. A partir dos
nossos dados, identificamos uma relação entre esse deslocamento enunciativo da professora
com a resposta dos alunos à proposta pedagógica CTS. Essas análises apontaram para o fato
de que uma dimensão consideravelmente responsável por essa mudança discursiva
apresentada pela professora se refere ao resultado pragmático do processo de ensino-
aprendizagem. A professora atribuiu à relação com que seus alunos foram envolvidos pela
proposta pedagógica como uma justificativa para uma confiança nas abordagens CTS como
uma prática que responde às criticas feitas à pedagogia tradicional de Biologia.
Segundo sua produção textual, a professora identificou que os alunos reagiram de maneira
diferenciada às atividades propostas na unidade CTS, no entanto, durante as situações de
interação em sala de aula, foi possível notar que os alunos tiveram uma grande resistência
em aderir aos espaços de discussão oral que a professora propunha em todas as aulas. Essas
discussões quase sempre tratavam de temas que envolviam a relação Ciência e Sociedade, e
em grande parte eram decorrentes mais das abordagens CTS. Por outro lado, os alunos se
mostraram muito receptivos e produtivos em relação às práticas hegemônicas do ensino
tradicional de Biologia.
Essa situação sinaliza para o fato de que um fator bastante pertinente em relação aos limites
e possibilidades de implementação de praticas CTS na escola se refere à predisposição dos
próprios alunos às inovações metodológicas.
Por mais que os alunos possam alegar que estejam saturados das práticas hegemônicas, a
inovação por si só não garante a adesão e aderência dos alunos às práticas escolares
inovadoras. Os alunos de ensino médio já estão de certa forma conformados pelas praticas
hegemônicas, adaptados aos mecanismos de estimulo e recompensa estabelecidos ao longo
de toda a escolaridade deles. Ao romper com as práticas hegemônicas as práticas CTS
correm de o risco de ao invés de motivá-los, provocar a resistência dos alunos à novidade e
ao diferente.
144
Parte dos pressupostos pedagógicos CTS envolvem supor um aluno autônomo e com uma
postura ativa em seu processo de formação. Nos cenários onde os alunos se comportam
como receptores passivos de informação e estão aparentemente satisfeitos com essa
condição, se torna complicado implementar de uma hora para outra inovações curriculares
que estejam muito distantes daquela realidade.
Com isso, percebemos através das análises, que a viabilidade das propostas CTS no contexto
escolar e o alcance dos resultados dessas propostas dependem também da capacidade do
professor em negociar este tensionamento entre ruptura e conformação com as práticas
hegemônicas.
Dessa forma, tomando o caso do nosso estudo como parâmetro, a utilização de enxertos CTS
se mostrou como uma boa forma inicial de introduzir praticas CTS no contexto escolar.
Dentro de certas condições necessárias do contexto escolar e de certas atitudes do professor,
é possível obter resultados com os enxertos CTS que aparentemente motivam o professor a
investir mais no aprofundamento dessas práticas.
Considerando que o processo de formação de professores é continuo e ininterrupto,
poderíamos supor um modelo em que com o passar do tempo o professor fosse cada vez
mais aperfeiçoando a utilização de estratégias CTS no contexto escolar. Dessa forma, com o
tempo, uma tendência possível seria que essas propostas curriculares baseadas em enxertos
CTS fossem cada vez mais se aproximando da região mais “radical” da escala de propostas
curriculares CTS proposta por Aikenhead.
No entanto, esse raciocínio nos leva para a razão pelo qual a professora teve todo esse
esforço em produzir uma unidade didática CTS: o projeto de pesquisa que ela estava
inserida. Ser parte integrante de um grupo de pesquisa como bolsista, proporcionou para a
professora uma condição que a ajudou a enfrentar os desafios de romper com as praticas
hegemônicas no contexto escolar. Mais do que isso, a participação no grupo de pesquisa
formalizou o comprometimento da professora com a proposta de desenvolvimento da
unidade didática CTS. Dessa forma, fica evidente que os movimentos de inovação nas
práticas escolares não são processos totalmente espontâneos e exigem um intenso
investimento de tempo, recursos e energia.
De fato, o país vive um momento em que aparentemente parece ter se estabelecido no
âmbito das políticas públicas da educação, investimentos significativos em projetos de
145
pesquisa que envolvam professores em equipes de pesquisa e contribuam para o
aperfeiçoamento dos professores e para o desenvolvimento das práticas pedagógicas.
Especificamente a CAPES tem sistematicamente investindo nesse sentido com os editais do
Observatório da Educação e também com o Programa de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID).
No entanto, a questão que se coloca é em relação ao que acontece depois que o projeto
acaba. Quais são as efetivas contribuições dessas experiências com práticas inovadoras na
escola? Elas de fato se estabilizam nas práticas escolares? Ou após o final do projeto as
relações retornam para o antigo estado hegemônico que fora rompido?
Uma certeza é que a interação entre Universidade e Escola é uma condição necessária para o
desenvolvimento de estratégias de superação dos desafios para a educação cientifica
contemporânea. Nesse sentido, a investigação sobre os processos de formação de
professores e de incorporação de inovações curriculares na escola é estratégica para termos
um maior entendimento de como tornar mais efetivo o ensino de ciências.
Por esse motivo, considero que a nossa tentativa de produzir uma análise discursiva em
diferentes níveis, articulando análises em nível documental e também no nível das interações
discursivas em sala de aula foi interessante na medida em que permitiu visualizar o processo
de incorporação do discurso CTS nas praticas escolares de forma complexa e em diferentes
camadas. Analisar no nível documental, narrativo e das interações interpessoais em sala de
aula permitiu o cruzamento dessas análises evidenciando movimentos discursivos que só se
tornaram visíveis a partir dessa abordagem multidimensional.
146
7. Referências Bibliográficas
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