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Universidade Federal do Rio de Janeiro Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Saúde Teo Bueno de Abreu O discurso CTS no contexto escolar: um estudo de caso de uma implementação de uma unidade didática Rio de Janeiro 2014

O discurso CTS no contexto escolar: um estudo de … Bueno.pdf · Teo Bueno de Abreu Título: O discurso CTS no contexto escolar: um estudo de caso de uma implementação de unidade

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Saúde

Teo Bueno de Abreu

O discurso CTS no contexto escolar: um

estudo de caso de uma implementação de

uma unidade didática

Rio de Janeiro

2014

Teo Bueno de Abreu

Título:

O discurso CTS no contexto escolar: um

estudo de caso de uma implementação de

unidade didática

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação

Educação em Ciências e Saúde do

Núcleo de Tecnologia Educacional

para a Saúde, Universidade Federal

do Rio de Janeiro como requesito

parcial à obtenção do título de

Doutor em Ensino de Ciências e

Saúde

Orientadora: Isabel Gomes Rodrigues Martins

Rio de janeiro

2014

A162d Abreu, Teo Bueno de.

O discurso CTS no contexto escolar: um estudo de caso de uma implementação

de unidade didática. / Teo Bueno de Abreu. – Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2015.

160 f.: il., color.; 30 cm.

Orientadora: Isabel Gomes Rodrigues Martins.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de

Tecnologia Educacional para a Saúde, 2015.

Referências bibliográficas: f. 147-160.

1. Educação em ciências. 2. Tecnologia Educacional em Saúde - Tese. I.

Martins, Isabel Gomes Rodrigues. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde. III. Título.

Folha de Aprovação

Teo Bueno de Abreu

Título:

O discurso CTS no contexto escolar: um

estudo de caso de uma implementação de

unidade didática

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação

Educação em Ciências e Saúde do

Núcleo de Tecnologia Educacional

para a Saúde, Universidade Federal

do Rio de Janeiro como requesito

parcial à obtenção do título de

Doutor em Ensino de Ciências e

Saúde

_____________________________

Isabel Gomes Martins, Professora Doutora NUTES-UFRJ.

______________________________________

Wildson Luiz Pereira dos Santos, Professor Doutor Instituto de Química UnB.

______________________________________

Celso Sánchez Pereira, Professor Doutor, Faculdade de Educação-UNIRIO

_______________________________________

Maria Auxiliadora Delgado Machado, Professora Doutora Faculdade de Educação-UNIRIO

_________________________________________

Laísa Maria Freire dos Santos, Professora Doutora Instituto de Biologia UFRJ

Para José Candido Rodrigues Bueno in memoriam

AGRADECIMENTOS

Deixo aqui meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que passaram pelo meu

caminho nessa longa trajetória de desenvolvimento acadêmico, pessoal e afetivo.

Nominalmente gostaria de agradecer

À Professora Isabel Martins por todos os anos de convivência e por todos os

ensinamentos que você generosamente me proporcionou desde os tempos da

iniciação cientifica.

Aos professores Celso Sánchez Pereira, Wildson Luiz Pereira dos Santos, Laísa

Maria Freire dos Santos, Guaracira Gouvêa e Maria Auxiliadora Delgado Machado

pela inestimável contribuição à minha formação acadêmica e ao desenvolvimento da

minha tese.

Ao João Paulo Fernandes por ter sido um brilhante aluno de iniciação cientifica

durante a graduação e por ter dado contribuições fundamentais para o

desenvolvimento dessa tese.

À Carla Durham Richard por ser a pessoa mais maravilhosa que eu conheço. Sem

dúvida eu não teria conseguido chegar inteiro até aqui sem sua ajuda, seu

companheirismo e seu amor.

À pequena Alice Durham Richard Bueno de Abreu por abençoar diariamente a

minha existência.

Aos meus pais Rita e Beba por tudo que me ensinaram e ensinam.

Aos meus irmãos Clarice e Marcelo pelo privilégio de crescer ao lado de vocês.

Aos colegas do Laboratório de Linguagens e Mediações do Nutes-UFRJ, Tatiana

Galieta, Francine Pinhão, Amanda Lima, Renata Moebus, Monica Lobo, Angelica

Conzensa, Luisa Ghetti, Simone Pinto , Carolina Suisso e Alexandre Jaloto pelos

anos de convivência e aprendizagem e pelas contribuições ao longo do processo de

desenvolvimento da tese.

À Bernadete Lima pela amizade e por toda a sua contribuição à melhoria do ensino

público escolar e na formação da próxima geração de professores

Aos colegas do NUPEM-UFRJ por construírem um lugar onde o trabalho se

confunde com diversão e por todo o apoio ao longo da minha caminhada.

A todos os meus alunos por me ensinarem tanto e por me fazerem sempre querer ser

um professor melhor

Aos professores Leonardo Moreira e Thyago Vasconcellos e aos alunos Débora

Galante, Cecília Beer, Evelyn Barcellos, Andressa Oliveira, Vinicius Pereira, Luma

Fernandes, Tais Exposito, Fabiana Gomes e Bianca Ferreira por todo o apoio na

construção do Laboratório de Educação e Divulgação Cientifica nesses últimos anos.

Ao Oceano Atlântico por sempre estar ali quando eu precisei.

RESUMO

ABREU, Teo Bueno. O discurso CTS no contexto escolar: um estudo de caso

sobre uma implementação de unidade didática. Rio de Janeiro, 2014. Tese

(Doutorado em Ensino de Ciências e Saúde) Núcleo de Tecnologia Educacional para

a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2014

O presente trabalho se refere a uma investigação sobre o processo de

desenvolvimento e aplicação de uma unidade didática sobre o tema Energia

orientada pelos pressupostos do movimento educacional Ciência-Tecnologia e

Sociedade (CTS) no contexto da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, no

município de Macaé. Nossa pesquisa se caracterizou como um estudo de caso de

natureza qualitativa com análises interpretativas influenciadas pelo referencial

teórico da análise critica do discurso. Foram analisadas as produções textuais

geradas pela professora ao longo do desenvolvimento da unidade didática CTS assim

como as interações discursivas realizadas em sala de aula. As análises dos dados

buscaram identificar os intertextos produzidos pela professora no âmbito da proposta

de unidade didática e também os elementos de ruptura e manutenção das práticas

hegemônicas no ensino de biologia. Observamos nesse estudo de caso que a

elaboração da professora provocou uma interação entre o discurso CTS com os

discursos institucionais oriundos da Secretaria Estadual de Educação do Rio de

Janeiro, com o discurso do ensino tradicional de biologia e o discurso sobre o meio

ambiente. Essa interação discursiva gerou uma hibridização na qual a proposta CTS

resultante mesclava aspectos que tanto causavam rupturas com as práticas

hegemônicas como também faziam a manutenção dessas praticas. Identificamos na

elaboração da professora que a dimensão pragmática dos processos de ensino-

aprendizagem exerceu uma grande influência na aceitação dela das práticas CTS no

ensino de Biologia. Esse fato nos levou a repensar o papel dos enxertos CTS no

ensino escolar como uma estratégia de aproximação dos professores para com as

práticas de inovações curriculares na escola.

Palavras-Chave: Ensino de biologia. CTS. Análise crítica do discurso.

ABSTRACT

ABREU, Teo Bueno. O discurso CTS no contexto escolar: um estudo de caso

sobre uma implementação de unidade didática. 2014, 160f. Tese (Doutorado em

Ensino de Ciências e Saúde) Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

This research concerns the process of development and implementation of a

teaching unit on the topic Energy, guided by assumptions of educational movement -

Science Technology and Society (STS ) in the context of state schools in the city of

Macaé, Rio de Janeiro,. Our research was characterized as a case study with a

qualitative interpretative analysis influenced by the theoretical framework of critical

discourse analysis. The corpus consisted of textual productions generated by the

teacher throughout the development of the STS teaching unit and of discursive

interactions carried out in the classroom. The data analysis sought to identify

intertexts produced by the teacher within the proposed teaching unit as well as

elements of rupture and maintenance of hegemonic practices in the teaching of

biology. We observed in this case study that the teacher produced an interaction

among STS discourse and several others, such as those identified with institutional

discourses of the State Department of Education of Rio de Janeiro, traditional

biology teaching and the environmental discourse. This discursive interaction

generated a hybridization in which the resulting proposal STS blended aspects that

caused disruptions to the hegemonic practices and also the maintenance of these

practices. We found that the pragmatic dimension of the teaching – learning process

exerted a great influence on her acceptance of STS practices in teaching Biology.

This led us to rethink the role of the insertion of specific STS teaching units, in the

form of “grafts”, in school education as a strategy to approach teachers with the

practices of curricular innovations in school.

Key-words: Biology Teaching. STS. Critical Discourse Analysis.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa do Brasil com destaque para o Estado Do Rio de Janeiro.............p.58

Figura 2: Localização de Macaé no Estado do Rio de Janeiro................................p.58

Figura 3: Mapa do Estado do Rio de Janeiro..........................................................p.58

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Categorias de propostas curriculares CTS...............................................p.31

Tabela 2: Relação entre os níveis da vida social e as dimensões da Semiótica.......p.40

Tabela 3 Cronograma de atividades do projeto de pesquisa: formação

continuada, elaboração e aplicação da unidade CTS............................................p.53

Tabela 4: Crescimento Populacional em Macaé......................................................p.61

Tabela5: Evolução dos Royalties de Macaé...........................................................p.62

Tabela 6: Sequencia didática da unidade CTS.......................................................p.78

Tabela 7: Organização dos dados feita pela professora...........................................p.82

Tabela 8: fragmento das Categorias de propostas curriculares CTS.....................p.117

LISTA DE SIGLAS

USP: Universidade de São Paulo

ACD: Análise Crítica do Discurso

CTS: Ciência, Tecnologia e Sociedade

PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais

UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro

UniRio: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

SEEDUC-RJ: Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro

Sumário

1.INTRODUÇÃO.....................................................................................................15

2. O CAMPO CTS....................................................................................................19

2.1 O CAMPO DE EDUCAÇÃO CT........................................................................20

2.2. DESENVOLVIMENTO DO CAMPO EDUCACIONAL CTS.........................23

2.3 PROPOSTAS CTS DESENVOLVIDAS NO BRASIL.......................................25

2.3.1 Propostas CTS para o ensino de Ciências no Brasil.....................................26

3.QUADRO TEÓRICO:..........................................................................................36

3.1 APRESENTAÇÃO DA ANALISE CRITICA DO DISCURSO.........................36

3.2 BASES TEÓRICAS DA ACD.............................................................................37

3.3 ACD E A PESQUISA EM EDUCAÇÃO............................................................38

3.4ABORDANDO O CAMPO DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS EM UMA

PERSPECTIVA DISCURSIVA.................................................................................42

3.5 CONCEITOS DA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO UTILIZADOS

NA ANÁLISE TEXTUAL........................................................................................ 47

3.6 DESENHO DE PESQUISA.................................................................................49

4.CONTEXTO DE PESQUISA...............................................................................58

4.1 MACAÉ, DE PRINCESINHA DO ATLÂNTICO À CAPITAL NACIONAL

DO PETRÓLEO.........................................................................................................58

4.2 CONTEXTO DO SISTEMA EDUCACIONAL EM MACAÉ...........................64

5.APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS.................................................72

5.1 DA UNIDADE DIDÁTICA EM SI.....................................................................72

5.1.1 ANALISE ESTRUTURAL DA UNIDADE DIDÁTICA.................................76

5.2 ANÁLISES DAS AULAS E SUAS INTERAÇÕES DISCURSIVAS................79

5.3 ANÁLISES DOS TEXTOS PRÉ E PÓS APLICAÇÃO DA UNIDADE.........119

5.3.1 Reflexões da professora antes da implementação.......................................119

5.3.2 Reflexões após a implementação..................................................................128

5.3.3 Discussão sobre os dois textos.......................................................................133

5.3.4 Heterogeneidade nos textos..........................................................................134

5.3.5 Sobre as re-elaborações curriculares...........................................................136

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................138

6.1 LIMITES E POSSIBILIDADES DO ENSINO CTS NO CONTEXTO DE

MACAÉ ...................................................................................................................141

7 REFERÊNCIABIBLIOGRÁFICAS..................................................................146

15

1.Introdução

Este texto visa apresentar minha tese de doutorado como parte do processo de avaliação no

programa de pós-graduação em Ensino de Ciências e Saúde do Núcleo de Tecnologia

Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUTES-UFRJ). A

tese foi realizada sob a orientação da professora Isabel Martins, coordenadora do grupo de

pesquisa LEME do Laboratório de Linguagens e Mediações do NUTES-UFRJ.

A partir da minha vivência como membro do grupo da professora Isabel, fui apresentado às

abordagens discursivas no campo da pesquisa em educação em ciências. Ao longo da minha

trajetória com o grupo fui me aproximando mais especificamente da linha da Análise Crítica

do Discurso.

O desenvolvimento da minha tese de doutorado envolveu investigar, do ponto de vista

discursivo, o processo de elaboração e aplicação de uma proposta de unidade didática

influenciada pelas abordagens Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), realizada por uma

professora de ensino médio. No contexto dessa situação, discutimos as transformações que o

discurso CTS sofreu ao ser materializado no contexto escolar e os limites e possibilidades

que as abordagens CTS oferecem para o ensino de biologia no contexto do interior do

Estado do Rio de Janeiro. Dessa forma, nossa pesquisa se caracterizou como um estudo de

caso de natureza qualitativa com análises interpretativas influenciadas pelo referencial

teórico da análise critica do discurso.

Minha tese foi desenvolvida como um desdobramento do projeto de pesquisa “Ensino de

Ciências: desempenho de estudantes, práticas educativas e materiais de ensino” contemplado

pelo edital 2008-1 do Observatório da Educação da CAPES. A CAPES, historicamente

sempre foi um órgão de fomento associado ao desenvolvimento de políticas de pós-

graduação, através da distribuição de bolsas de mestrado, Doutorado e Pós-doutorado, assim

como financiando projetos e instituições de pesquisa, Nesse sentido, o Observatório da

Educação faz parte de um conjunto de iniciativas da CAPES, que incluem ainda o Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), o Plano Nacional de Formação de

Professores da Educação Básica (PARFOR), focadas na melhoria da formação dos

professores e do ensino na educação básica. Especificamente, o Observatório da Educação

se propõe a promover a formação de mestres e doutores que desenvolvam pesquisas que

16

utilizem os dados gerados pelo INEP e que estejam ligadas às linhas de pesquisa no campo

de formação de professores.

A proposta contemplada pelo edital tinha como objetivo geral investigar como o tema

energia era abordado em diferentes contextos educacionais. Especificamente havia uma

premissa, que se desdobrava desse objetivo geral, de avaliar se cidades que historicamente

estabeleceram algum tipo de relação mais profunda com a questão energética apresentariam

algum tipo de diferencial no que se refere à abordagem do tema energia nas práticas

curriculares locais.

Com isso em vista, a coordenação do projeto selecionou cidades nos estados do Rio de

Janeiro e São Paulo que tivessem como característica uma intensa atividade relacionada ao

setor de energia. Inicialmente as cidades escolhidas foram Angra dos Reis e Macaé no Rio

de Janeiro e Ilha Solteira no estado de São Paulo. As cidades de Angra dos Reis e Ilha

Solteira foram selecionadas em função da presença de usinas nucleares, no caso de Angra, e

de termelétricas no caso de Ilha Solteira.

Já a cidade de Macaé foi escolhida em função de ela sediar um dos grandes polos da

indústria offshore da cadeia produtiva do petróleo no Brasil. Isso significa que grande parte

das indústrias do setor de Petróleo, Gás e Energia do Brasil exercem atividades nesse

município, aproveitando sua localização estratégica em relação às centenas de plataformas

de prospecção de petróleo e gás instaladas na Bacia de Campos, no litoral norte fluminense.

O grupo da UFRJ, do qual fiz parte como estudante de doutorado, ficou responsável por

desenvolver o projeto no município de Macaé. Meu envolvimento com o projeto se deu

logo ao entrar no curso de doutorado. Na época, o projeto já estava iniciado, sendo

desenvolvido pela equipe UFRJ que, naquele momento, consistia na coordenadora do

Laboratório de Linguagens e Mediação e um aluno bolsista de iniciação cientifica.

Cheguei ao doutorado com o interesse de investigar o processo de formação de professores.

Esse interesse foi despertado pela vivência como professor-formador atuando na UFRJ,

como professor substituto nas disciplinas de prática de ensino e didática especial no curso de

licenciatura em Ciências Biológicas no Rio de Janeiro no período de 2007-2008.

Em 2009, ao ingressar no doutorado, fui apresentado ao escopo do projeto e a proposta de

desenvolvimento do projeto em Macaé veio ao encontro do fato de que eu também havia me

tornado naquele ano professor efetivo das disciplinas de Prática de Ensino e Didática

17

Especial no curso de licenciatura em Ciências Biológicas do Campus UFRJ/Macaé,

exercendo minhas atividades de pesquisa, ensino e extensão nesse município. Com isso,

fiquei com a responsabilidade dentro do projeto de coordenar as atividades em Macaé e

construir minha tese baseando-me nos dados gerados pelas ações do projeto do Observatório

da Educação.

Dessa forma, busquei desenvolver no projeto um desenho de pesquisa que atendesse as

demandas especificas do projeto e que me permitisse investigar meu tema de interesse que

se refere aos processos linguísticos e discursivos implicados na formação de professores e

no desenvolvimento de práticas pedagógicas.

Com a finalidade de apresentar minha tese esse texto foi organizado em 6 capítulos. O

primeiro deles é essa introdução onde faço uma breve apresentação sobre o trabalho. No

segundo capitulo eu apresento uma síntese da discussão na literatura sobre o movimento

pedagógico Ciência Tecnologia e Sociedade. Busco nesse capitulo me situar em uma cadeia

intertextual de discussões relativas à educação CTS no plano nacional e internacional. Os

trabalhos e discussões do campo indicaram parâmetros para a construção da proposta de

unidade CTS que foi desenvolvida e analisada. Em um primeiro momento buscaremos situar

o movimento CTS em articulação com a historiografia da Ciência abordando alguns fatos

ocorridos entre o século XVII e o século XX. Posteriormente, abordaremos a trajetória do

campo CTS, seu desenvolvimento e sua constituição. A seguir, olharemos com mais

proximidade o campo de educação CTS, destacando a produção nacional e internacional

recente, assim como identificando algumas propostas CTS para o ensino de Ciências

realizadas no contexto brasileiro.

No terceiro capitulo apresentamos elementos da construção teórica da Análise Crítica do

Discurso, que influenciaram e inspiraram as análises dos dados. Apresento também a

formulação das perguntas de pesquisa, uma análise da conjuntura do ensino CTS no Brasil e

a descrição do desenho de pesquisa e a indicação das categorias de análises que serão

utilizadas.

No quarto capitulo eu realizo uma descrição do meu contexto de pesquisa, situando

elementos históricos e sociais do município de Macaé, assim como da professora que

participou do estudo de caso realizado e de seus alunos que passaram pela unidade didática

CTS que investigamos.

18

No quinto capitulo apresento e analiso os dados da tese. Em um primeiro momento eu faço a

apresentação das atividades de formação da professora que desenvolveu a unidade CTS

sobre a temática Energia que é objeto dessa tese. Posteriormente eu apresento as análises dos

intertextos produzidos pela professora em sua proposta de educação CTS no contexto

escolar do município de Macaé.

No sexto capitulo eu apresento minhas considerações finais sobre a investigação que

conduzi nesse trabalho. Aponto para alguns elementos pertinentes ao processo de

implementação de estratégias inovadoras em sala de aula, assim como discuto a relação dos

projetos de pesquisa em contextos escolares, a formação dos professores e os processos de

mudanças curriculares.

19

2. O campo CTS

O movimento Ciência Tecnologia e Sociedade tem sua origem em países do hemisfério

Norte, em especial na Europa (Reino Unido e Holanda) e América do Norte (EUA e

Canadá), assim como também na Austrália. (SOLOMON e AIKENHEAD, 1994). Sua

gênese se dá em resposta às mudanças sociais, econômicas e políticas decorrentes das duas

grandes guerras mundiais e da intensa modificação ambiental causada pelo capitalismo

industrial estabelecido nas décadas de 1950 e 1960.

Na literatura da área considera-se que o movimento CTS é constituído por dois campos

parcialmente sobrepostos. Um deles é genericamente chamado de Estudos Sociais da

Ciência (SOLOMON e AIKENHEAD, 1994) e é constituído basicamente por pesquisadores

de universidades e centros de pesquisa que abordam a natureza da Ciência como objeto de

investigação. O outro campo constituinte do movimento CTS ficou conhecido como

Educação CTS (SOLOMON e AIKENHEAD, 1994) que reúne educadores e pesquisadores

na área de ensino que defendem uma abordagem socialmente situada para o ensino de

ciências. Joan Solomon (1994) reconhece que apesar de historicamente não ter havido

interações muito profundas entre os dois campos, ambos trabalham, cada um à sua maneira,

em prol de uma mudança na percepção da ciência e tecnologia, de modo a situá-las em sua

dimensão social.

Ambas as vertentes do campo CTS problematizam a visão de Ciência como entidade

monolítica e universal desprovida de historicidade. No entanto, essas áreas assumem

identidades distintas. Algumas investigações oriundas do campo de Estudos CTS são

motivadas por questões geradas no interior dessa comunidade abordando a natureza da

Ciência e seu processo particular de produção, distribuição e consumo do conhecimento. Por

outro lado, a comunidade envolvida com a educação CTS, é movida em parte pelas questões

internas à Ciência, em parte por questões oriundas do mundo social, externo à Ciência e

também em função das perspectivas dos alunos e dos processos de ensino-aprendizagem de

ciências. (SOLOMON e AIKENHEAD, 1994).

De uma forma caricata, é tentador afirmar que esses dois campos se polarizam entre teoria e

prática ou reflexão e ação. Solomon e Aikenhead (1994) afirmam que o campo educacional

CTS é mais comprometido com a ação do que sua contraparte acadêmica, no sentido que a

prática social do ensino de ciências está essencialmente mais comprometida com a

intervenção social do que a prática de pesquisa acadêmica. No entanto, os autores ressaltam

20

que apesar disso, eventualmente, na história do campo CTS, existiram situações onde

ocorreram colaborações de pesquisadores dos estudos CTS com educadores da comunidade

de educação CTS, mas eles indicam que não foram muitas as vezes que isso aconteceu.

Nesse sentido, o movimento CTS é caracterizado por uma abrangente heterogeneidade,

assumindo diferentes aspectos e características em função dos contextos locais onde ele é

praticado e também pelo perfil dos atores envolvidos com essas práticas. Segundo Layton

(1994), o movimento CTS nunca foi uma inovação precisamente definida, uma vez que ele

vem se movimentado “por uma intrigante mistura de motivos, produzindo diferentes

manifestações curriculares.”. Em parte pragmático, em parte reflexivo, o movimento CTS

apresenta uma história moldada por forças sociais que remontam desde o século XVII, a

partir da consolidação da Ciência enquanto racionalidade que dali em diante exerceria

considerável impacto na organização social vigente e subsequente. (SOLOMON, 1994)

Considerando o processo histórico como um processo não linear e não determinístico

constituído de rupturas, convergências e conjunturas, busca se na próxima seção elaborar

uma breve síntese da trajetória do movimento CTS a partir do século XX, indicando alguns

elementos sociais relevantes para a emergência desse campo e também para o seu

desenvolvimento até os dias de hoje. Abordo a trajetória dos campos dos estudos CTS e com

maior destaque para o campo da educação CTS visto que o desenvolvimento dessa tese se dá

no interior do mesmo.

2.1 O campo de educação CTS

Durante o século XIX o currículo escolar refletiu o momento vivido pelas Ciências de

referências naquele tempo. Dessa forma, o caráter abstrato do currículo escolar reforçava

uma imagem de Ciência descolada de um sentido prático e de valor social. A visão de

Ciência presente no currículo desse período é retratada como algo objetivo, puramente

racional e produtora de um conhecimento absoluto e verdadeiro voltado apenas para o bem

estar e melhora das condições da humanidade. Essa visão idealizada da Ciência sustentada

pelo currículo escolar tradicional ficou difícil de ser mantida a partir do século XX, pós-

segunda guerra mundial.

A partir da década de 50 do século XX, em função das consequências sociais da ciência e

das graves alterações ambientais causadas pelo modelo industrial capitalista, diversos

educadores, em diferentes partes do ocidente começaram a questionar o status quo do ensino

de ciências e de seu currículo tradicional. Uma série de tentativas de modificação do

21

currículo escolar de ciências foram posta em prática mas, segundo Aikenhead (1994), todas

elas falharam de alguma maneira. A literatura da área testemunha uma série dessas

tentativas: o programa Science in a Social Context (SISCON) no Reino Unido, o curso

Knowledge and Power na Austrália, as unidades Science & Society desenvolvidos também

no Reino Unido na Open University, e o projeto PLON na Holanda.

Aikenhead (2003), em uma revisão sobre a trajetória do movimento educacional CTS,

localiza na década de 70 o início do desenvolvimento das bases conceituais da chamada

educação CTS. As discussões sobre a humanização e contextualização da ciência no ensino

escolar, propostas por autores como Peter Fensham e Paul Hurd, foram fundamentais no

sentido de iniciar um debate sobre o papel social e cidadão do ensino de ciências no seio de

uma sociedade democrática e tecnologizada, onde dominar o discurso científico seria uma

condição necessária para o exercício pleno da cidadania.

Em 1971 Jim Gallagher publicou no periódico Science Education um artigo que fazia uma

proposta para o ensino de ciências em que era priorizado o estabelecimento de inter-relações

entre ciência, tecnologia e sociedade assim como dos princípios e processos científicos. Em

1975, Paul Hurd publica o artigo “Science, Technology, and Society: New Goals for

Interdisciplinary Science Teaching,” que apresenta uma proposta de estrutura de um

currículo escolar CTS. Ao longo da década de 1970 uma série de programas e projetos

buscaram desenvolver propostas CTS para o ensino escolar de ciências. A abordagem CTS

no ensino de ciências se estabeleceu sob a sigla CTS durante a década de 70, agrupando uma

série de propostas, iniciativas e anseios que confrontavam o ensino tradicional de ciências

em um debate sobre o propósito social da escola, a política do currículo de ciências, o papel

dos professores, a natureza do processo de aprendizagem e também o significado e o sentido

da ciência ensinada.

Apesar de a sigla CTS ter contribuído para constituir uma comunidade de pesquisa e/em

ensino de ciências, Aikenhead (2003) salienta que os membros dessa comunidade mesmo

estando ligados e unidos por um sentimento comum de questionamento do ensino tradicional

e por anseios pela inovação nos processos de ensino-aprendizagem de ciência e tecnologia,

apresentavam práticas, concepções e características diversas e heterogêneas. Aikenhead

(2003) afirma que o movimento CTS assume trajetórias e características especificas em cada

país onde ele é/foi desenvolvido e nesse sentido, esse movimento nunca teve uma unidade

ou modelo a ser seguido. Na realidade, em um primeiro momento as iniciativas de inovações

22

curriculares e metodológicas foram tomando forma e sendo desenvolvidas de maneiras

independentes em cada país.

No entanto, com o passar do tempo, essas iniciativas foram repercutindo e sendo divulgadas

em espaços acadêmicos e escolares ao redor do planeta. Nesse sentido, Aikenhead (2003)

localiza as reuniões da IOSTE (International Organization of Science and Technology

Education) durante a década de 1980, como um espaço fundamental para a consolidação

dessa comunidade de educação CTS, assim como da própria definição da expressão CTS

como elemento identificador dessa comunidade. Uma complexa cadeia textual foi sendo

estabelecida ao longo das reuniões da IOSTE, sendo destacados os trabalhos de Derek

Holford e Bill Hall, assim como livros de Joan Solomon e John Ziman, que tiveram papel

importante na constituição da sigla CTS como sinal-identificador dessa comunidade.

Aikenhead (2003) chega a afirmar que a adoção da comunidade da expressão CTS está

relacionada com o sucesso e projeção do trabalho de 1980 “Teaching and learning about

science and society” de John Ziman, onde o autor discute a sigla CTS em sua articulação

com a racionalidade, direção e desafios do ensino escolar CTS.

A partir da interação nas reuniões da IOSTE, um grupo foi se constituindo sob a sigla CTS.

Com o passar do tempo esse grupo foi amadurecendo e desenvolvendo suas relações e

interações. Dessa maneira, se estabeleceu um grupo sediado na Europa e outro localizado na

América do Norte. Em 1982 esses dois grupos se uniram e fundaram a “Rede de pesquisa

CTS” que congregava pesquisadores dos dois lados do atlântico e regularmente publicava

materiais sobre os resultados dos trabalhos dos diferentes pesquisadores em CTS. Ao longo

dessa década, uma série de associações (Association of Science Education, Rede de pesquisa

CTS) em diferentes países, assim como diferentes periódicos (Bulletin of Science,

Technology and Society; Science, Technology and Human Values) foram criados e deram

materialidade e visibilidade da produção desse emergente campo.

Em função das muitas contribuições feitas por diferentes pessoas, em diferentes lugares para

o campo de educação CTS, Aikenhead (2003) sugere que o slogan CTS surge de diferentes

fontes influenciado por diferentes circunstâncias e por diferentes propósitos. Na literatura é

possível encontrar diferentes versões para origem e desenvolvimento do campo CTS, com

diferentes protagonistas dependendo de quem conta essa história. No entanto, é importante

salientar que mesmo com essa heterogeneidade de visões sobre o que seria uma educação

23

CTS, “essa sigla conseguiu criar uma rede de educadores em ciência dedicados à mudança

do status quo do ensino escolar de ciências” (AIKENHEAD, 2003)

O relato até aqui esteve mais centrado no desenvolvimento do campo CTS nos países de

origem anglo-saxã. No entanto, é importante destacar que o desenvolvimento do campo CTS

também tem sua história nos países Ibero-Americanos que apresentam características

diferenciadas em relação aos países de origem anglo-saxã. A história do campo CTS nos

países Ibero-Americanos envolve o estabelecimento de redes especificas de pesquisadores e

educadores desses países, como por exemplo, na constituição do Seminário Ibero Americano

de Ciência Tecnologia e Sociedade e Ensino de Ciências (SIACTS-EC) e das Jornadas

Latino-Americanas de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias (ESOCITE) que são

realizadas desde 1994. Na próxima seção será apresentada uma discussão sobre o

desenvolvimento do campo educacional CTS ilustrando algumas características que

diferenciam o pensamento Latino Americano em CTS do pensamento Europeu e Norte

Americano.

2.2. Desenvolvimento do campo educacional CTS

A comunidade de educação CTS amadureceu muitas discussões ao longo das últimas duas

décadas. Ainda na década de 80, se desenvolveu um intenso debate acerca da relação

triádica da sigla CTS. Parte da comunidade de educação CTS, oriunda do campo do ensino

de ciências e cientistas de formação, apresentou certa resistência à inclusão da Tecnologia na

discussão do ensino de ciências e o ao T na sigla CTS (AIKENHEAD, 2003). Essa

resistência se devia a uma visão limitada do conceito de tecnologia como “ciências

aplicadas” que talvez possa ser remetida à rejeição que os cientistas do inicio do século XIX

tinham com o conhecimento prático dos filósofos naturais, que de alguma forma ainda se

introjeta na formação dos cientistas (sejam eles educadores ou não) até os dias de hoje. No

entanto, a característica diversa e plural da comunidade de educação CTS possibilitou a

presença e participação de membros oriundos das engenharias ou do campo de educação

tecnológica, que foram importantes para reconceitualizar junto à comunidade CTS o

conceito de tecnologia tais como Joe Piel, Geofrey Harrison e o próprio Peter Fensham. Esse

debate ao longo dos anos possibilitou o desenvolvimento do lugar da tecnologia nos

programas CTS desenvolvidos em diferentes lugares do mundo (AIKENHEAD,2003)

24

No outro extremo da tríade, estaria a forma de se trabalhar as questões sociais nos programas

CTS, que também foi motivo de debate e desenvolvimento nas últimas décadas. Durante a

década de 1980, se notava uma tendência em apresentar as questões sociais que se

relacionavam ao contexto científico em uma abordagem unilateral, no sentido em que só se

discutia os efeitos da Ciência na sociedade. Essa abordagem “ciênciocêntrica” passou a ser

criticada nos anos 1990 e em resposta a essas críticas alguns trabalhos começaram a buscar

formas de incluir as questões sociais nos programas em uma perspectiva de trocas de mão

dupla entre Ciência e Sociedade.

O posicionamento da tecnologia e da sociedade nos programas CTS são fatores que

contribuem para a heterogeneidade e diversidade de propostas e abordagens CTS. De acordo

com o grau da centralidade que se dá a cada um dos elementos da tríade Ciência, Tecnologia

e Sociedade, e também nas possibilidades de inter-relações entre esses elementos nos

programas (uni ou bilaterais) estabelece-se um gradiente que situam as propostas CTS entre

polos Conservadores e Transformadores. As abordagens conservadoras seriam aquelas em

que se avança pouco na articulação entre Ciência, tecnologia e sociedade, assumindo uma

perspectiva mais centrada nas Ciências em si e seus conteúdos, muitas vezes reforçando

visões positivistas da ciências. As abordagens transformadoras seriam o oposto disso,

valorizando as inter-relações da ciência com a tecnologia, na sociedade e em versões

radicais inclusive se distanciando de conteúdos puramente científicos e privilegiando mais

as questões sócio-científicas de relevância social.

Outro amadurecimento do campo de educação CTS se refere às metodologias de avaliação

da aprendizagem dos alunos, que se desenvolveu nas ultimas décadas no sentido de se

deslocar de abordagens quantitativas (AIKENHEAD, 1973) em direção à abordagens

qualitativas (AIKENHEAD, 1979, 1988; AIKENHEAD & RYAN, 1992; DRIVER,

LEACH, MILLAR & SCOTT,1996) e de cognição situada (GASKELL, 1994; SOLOMON,

1992; WELZEL & ROTH, 1998). (AIKENHEAD,2003).

Da mesma forma que o desenvolvimento da pesquisa em CTS, o desenvolvimento do

movimento CTS nas escolas também apresenta uma história complexa e heterogênea. As

propostas CTS desenvolvidas no plano internacional seguiram rumos variados de acordo

com as conjunturas e situações de cada localidade onde essas propostas foram elaboradas.

Os primeiros projetos e propostas CTS na escola secundária foram registrados em países do

Hemisfério Norte, na Europa e América do Norte (LAYTON, 1994) em um contexto de

25

países industrializados considerados desenvolvidos. Ainda segundo, Layton (1994) até

meados da década de 1970 não se têm noticias de iniciativas CTS em países em

desenvolvimento, no entanto, quando os primeiros trabalhos começaram a aparecer na

década de 1980, começou a ficar claro o efeito do fator cultural, econômico e social na

conformação das práticas CTS na escola. O CTS praticado nas escolas dos países em

desenvolvimento refletia um contexto cultural bastante diferente da realidade dos países

desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento o ensino CTS assumia um caráter de

pressuposto para a melhoria da qualidade de vida da população, resolução de problemas

básicos de saúde, alimentação ou até mesmo moradia.

Essas diferenças sociais entre os países do Norte e do Sul conferiu características especificas

para as propostas CTS desenvolvidas nesses diferentes contextos. Considerando a afirmação

de Aikenhead (2003) de que cada país tem sua própria história CTS para contar, buscaremos

nas próximas seções estabelecer alguns marcos sobre o desenvolvimento de propostas CTS

no contexto brasileiro. Com esse levantamento busco me situar no campo, buscando

referencias para embasar a elaboração da unidade didática que é objeto de pesquisa dessa

tese. Posteriormente apresentamos no capitulo 3 uma discussão sobre a conjuntura das

propostas CTS para o ensino de Ciências realizadas no Brasil que serviram de referencias

para o nosso trabalho.

2.3 Propostas CTS desenvolvidas no Brasil

Desde meados da década de 1960 o ensino de ciências vem sendo pensado em articulação

com questões que relacionam ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (SANTOS e

MORTIMER, 2002). Revisões anteriores apontam que no campo da educação em ciências a

linha de pesquisa que trata diretamente das questões CTS/CTSA apresentou um expressivo

crescimento nos últimos anos nos âmbitos internacional (CACHAPUZ, 2008;

AIKENHEAD, 2005) e nacional. (DELIZOICOV, 2004, SANTOS, 2008)

A produção nessa área é diversificada em termos das perspectivas e abordagens CTS

(SANTOS e MORTIMER 2002) constituindo uma heterogeneidade no interior do campo,

que tornam essas perspectivas plurais e, em alguns casos, até mesmo contraditórias entre si.

A questão da heterogeneidade do campo nos levou à tentativa de identificação dos principais

temas, autores e referenciais teórico-metodológicos para as pesquisas identificadas com a

linha CTS.

26

Conforme comentado anteriormente, buscamos por meio de nosso levantamento , mapear a

produção nacional e internacional do campo CTS e identificar as abordagens/conceituações

de CTS mais frequentes e influentes no campo de pesquisa brasileiro. Esse levantamento

possibilitou nos situarmos na produção CTS identificando um conjunto de características de

um pensamento CTS no Brasil e na América Latina. Na próxima seção destacaremos alguns

aspectos da produção nacional dando ênfase nas propostas desenvolvidas no contexto

escolar.

2.3.1 Propostas CTS para o ensino de Ciências no Brasil

Diante dos resultados dos levantamentos bibliográficos sobre a produção CTS

nacional(ABREU, FERNANDES e MARTINS, 2009; ABREU, FERNANDES e MARTINS,

2010) (Apêndice I), percebemos que as linhas de pesquisa em CTS/CTSA estão passando por

um processo de expansão quantitativo dentro do campo nacional de pesquisa em ensino de

ciências. A produção do campo CTS/CTSA, está mais presente nas atas dos encontros de

pesquisa na área de ensino de ciências do que nos periódicos dessa área. Além disso,

percebemos também um processo de crescimento quantitativo da vertente CTSA nos

trabalhos apresentados nos encontros nos últimos anos. No entanto, não conseguimos, a partir

dos trabalhos selecionados, identificar diferenças epistemológicas, filosóficas ou

metodológicas entre os trabalhos que se declaravam CTS e os que se declaravam CTSA.

Encontramos na literatura, fora de nossa base de dados, um trabalho de Vilches e

colaboradores (2011) que buscam justificar o acréscimo da letra A a sigla CTS baseados na

convergência entre os campos da Educação Ambiental/educação para o desenvolvimento

sustentável e o campo da educação científica com ênfase CTS. O acréscimo de ambiente na

sigla é decorrente da necessidade de parte dos pesquisadores em destacar a dimensão

ambiental nas relações CTS. Esse é um debate ainda em aberto no interior da comunidade e

só o tempo irá dizer a pertinência e permanência dessa nova expressão e as implicações

desses acréscimos para o desenvolvimento de futuras linhas de pesquisa que venham a

querer destacar outras dimensões presentes nas relações Ciência-Tecnologia-Sociedade.

A partir do nosso levantamento pudemos nos aproximar e descrever um pouco mais do

campo em CTS no Brasil, identificando seus autores, alguns de seus conceitos e abordagens

empíricas e teóricas sobre a temática CTS. Nossa interpretação dos dados indica que um

núcleo de sentidos que chamamos aqui de Pensamento Brasileiro em CTS está em pleno

processo de desenvolvimento, já apresentando autores nacionais que se estabelecem como

27

referências para a comunidade, assim como o surgimento de publicações que destacam essas

linhas de pesquisa.

O pensamento Brasileiro em CTS se diferencia das linhas Norte-americanas e Europeias no

sentido em que, diferentemente dos países do Norte, a realidade social dos países latinos

americanos envolvem um passado de colonização econômica e cultural que foi sendo

transformada ao longo das décadas e séculos em uma permanente condição de periferia

econômica da ordem mundial (DAGNINO,2008). Essa condição periférica dos países latinos

americanos produziu desigualdades sociais em escalas sem precedentes nos países do norte.

Dessa forma, a Ciência e a Tecnologia assumem significados diferentes na América Latina,

envolvendo sobrevivência e melhoria de qualidade de vida (AIKENHEAD, 1994).

Dialeticamente, a condição de dominação econômica desenvolveu na América latina um

pensamento crítico em Ciência, Tecnologia e Sociedade sob o ponto de vista do debate que

se estabeleceu entre uma visão tecnocrática que defendia a importação de tecnologia e uma

visão da comunidade acadêmica que defendia o investimento na área de pesquisa e

desenvolvimento e à industrialização dos países. O pensamento Latino Americano assume

um caráter crítico, mas nem sempre assume o aspecto político implicado nesse debate,

ficando às vezes apenas como uma luta pelas condições de se pesquisar, mas não uma luta

para uma transformação social.

Nesse sentido, o pensamento Brasileiro em CTS sinaliza para um comprometimento com

pressupostos que envolvem a consolidação de uma sociedade democrática (AULER e

BAZZO, 2001) e à construção de práticas de cidadania e responsabilidade social (SANTOS

e MORTIMER, 2001). Existe dentro do pensamento brasileiro em CTS uma preocupação

em se manter uma postura crítica sobre as relações CTS negando mitos salvacionistas de

C&T(AULER e DELIZOICOV, 2001; MUNCHEN e AULER, 2007) e defendendo uma

educação científica voltada para uma leitura crítica das relações CTS

Também se mostrou uma característica marcante do pensamento CTS Brasileiro, a

articulação do pensamento de Paulo Freire (SANTOS, 2008; AULER, 2007; MUNCHEN e

AULER, 2007; AULER, FENALTI e DALMOLIN, 2007; AULER e DELIZOICOV, 2001;

SANTOS e MORTIMER, 2002; MUNCHEN e AULER, 2007) na fundamentação do ensino

de ciências em uma perspectiva CTS. Essa aproximação marca uma identidade própria para

o pensamento CTS Brasileiro, apesar de que a utilização das ideias freirianas,

evidentemente, não é uma exclusividade do campo CTS, uma vez que as propostas de Freire

28

circularam amplamente pelo campo das ciências Sociais e da Educação (ROCKWELL,

1991).

Essa articulação é interessante na medida em que os pressupostos da educação

emancipatória de Paulo Freire exigem que, por coerência epistemológica, o desenvolvimento

de pesquisa e ensino das abordagens CTS brasileiras sejam comprometidos com a

transformação social, a emancipação dos sujeitos no que tange à educação em ciências e que

sirva de alavanca para o empoderamento dos “descamisados e descambados da sociedade”

(FREIRE,1981).

Além disso, o pensamento CTS brasileiro é bastante situado em sua realidade, e preocupado

em transpor criticamente as abordagens elaboradas em contextos sociais diferentes das

condições encontradas no Brasil no que se refere às discussões curriculares e à estruturação

do sistema de ensino nacional (AULER e BAZZO, 2001; SANTOS e MORTIMER, 2002).

Percebemos que a produção nacional em CTS tem se preocupado tanto em produzir

resultados de pesquisa acadêmica baseada em situações do ensino em sala de aula e espaços

não formais como também na elaboração teórica de um pensamento autônomo em relação às

linhas européias e norte americanas. Com isso, faz se necessário aprofundar as análises no

que se refere às constituições discursivas desse campo, materializados na produção

identificada no levantamento bibliográfico do campo. Visando avançar nesse sentido,

apresentaremos na próxima seção uma analise da conjuntura do campo CTS no contexto

brasileiro.

2.3.2 Análise da conjuntura do campo CTS no Brasil

Os estudos do campo CTS são apresentados em vasta produção internacional e vem se

estabelecendo também na literatura nacional por meio de artigos em periódicos da área de

ensino de ciências (ABREU, FERNANDES e MARTINS, 2009) e também através de

trabalhos apresentados nos encontros de pesquisa da área (ABREU, FERNANDES e

MARTINS, 2010; MARTINS, FERNANDES E ABREU, 2010).

No entanto, os efeitos das discussões sobre as abordagens CTS ainda estão sendo

assimilados pelos currículos e pelas práticas escolares. Sobre esse assunto, Auler (2007)

aponta que “as repercussões no campo educacional do enfoque Ciência-Tecnologia-

Sociedade (CTS) têm sido mais intensas e sistemáticas no hemisfério Norte. No Brasil

29

constitui-se algo emergente. As iniciativas ainda são incipientes, muitas vezes isoladas, não

traduzidas em programas institucionais.”

Segundo Auler (2007), entre os objetivos da educação CTS destacam-se:

“... promover o interesse dos estudantes em relacionar a ciência com aspectos

tecnológicos e sociais, discutir as implicações sociais e éticas relacionadas ao

uso da ciência-tecnologia (CT), adquirir uma compreensão da natureza da

ciência e do trabalho científico, formar cidadãos científica e tecnologicamente

alfabetizados capazes de tomar decisões informadas e desenvolver o

pensamento crítico e a independência intelectual” (AULER,2007)

Alguns trabalhos recentes vêm salientando a importância de que as propostas curriculares

CTS explicitem seus pressupostos político-pedagógicos assim como uma maior precisão

conceitual sobre o campo CTS (AULER, 2007; SANTOS, 2007, SANTOS E MORTIMER,

2001). Caracteriza-se também no cenário brasileiro uma aproximação das abordagens CTS

com o pensamento político pedagógico de Paulo Freire, entendida aqui como um dos

elementos do que está sendo chamado na literatura da área de pensamento CTS crítico.

(ABREU, FERNANDES E MARTINS, 2009, SANTOS2007, MUNCHEN E AULER,2007,

SANTOS 2008). Dessa forma, se evidencia uma perspectiva que o ensino CTS possa

promover uma educação crítica em que os alunos e professores articulem os conteúdos

científicos trabalhados na escola com questões de ordem social e econômica que perpassam

o cotidiano deles. Para isso, é importante que esses conteúdos sejam abordados de maneira

contextualizada, articulando-os com as questões sociais que permeiam o debate sobre

ciência e tecnologia.

No que se refere ao currículo escolar, a literatura CTS aponta para uma variedade de

possibilidades de implementações curriculares. AIKENHEAD (1994) propõe um sistema de

gradação dos níveis de apropriação da proposta CTS nos currículos escolares. Nesse sistema,

ele propõe oito categorias (Tabela 1) que estabelecem um gradiente que vai do nível 1, onde

a questão CTS é marginal no currículo, até o nível 8 em que a abordagem CTS é

radicalmente incorporada ao currículo do ensino de ciências. Essa gradação proposta por

Aikenhead serviu de parâmetro para situar as propostas CTS desenvolvidas no Brasil

(SANTOS, 2011; SANTOS e MORTIMER, 2002).

30

Categoria Descrição

1. Conteúdo de CTS como elemento de

motivação.

Ensino tradicional de ciências acrescido da

menção ao conteúdo de CTS com a função

de tornar as aulas mais interessantes.

2. Incorporação eventual do conteúdo de

CTS ao conteúdo programático.

Ensino tradicional de ciências acrescido de

pequenos estudos de conteúdo de CTS

incorporados como apêndices aos tópicos de

ciências. O conteúdo de CTS não é resultado

do uso de temas unificadores.

3. Incorporação sistemática do conteúdo de

CTS ao conteúdo programático.

Ensino tradicional de ciências acrescido de

uma série de pequenos estudos de conteúdo

de CTS integrados aos tópicos

de ciências, com a função de explorar

sistematicamente o conteúdo de CTS. Esses

conteúdos formam temas unificadores.

4.Disciplina Científica (Química, Física e

Biologia) por meio de conteúdo de CTS.

Os temas de CTS são utilizados para

organizar o conteúdo de ciências e a sua

seqüência, mas a seleção do conteúdo

científico ainda é a feita partir de uma

disciplina. A lista dos tópicos científicos

puros é muito semelhante àquela da

categoria 3, embora a seqüência possa ser

bem diferente.

5. Ciências por meio do conteúdo de CTS CTS organiza o conteúdo e sua seqüência. O

conteúdo de ciências é multidisciplinar,

sendo ditado pelo conteúdo de CTS. A

lista de tópicos científicos puros assemelha-

se à listagem de tópicos importantes a partir

de uma variedade de cursos de ensino

tradicional de ciências.

6. Ciências com conteúdo de CTS

O conteúdo de CTS é o foco do ensino. O

conteúdo relevante de ciências enriquece a

aprendizagem.

7. Incorporação das Ciências ao conteúdo de

CTS.

O conteúdo de CTS é o foco do currículo. O

conteúdo relevante de ciências é

mencionado, mas não é ensinado

31

sistematicamente. Pode ser dada ênfase aos

princípios gerais da ciência.

8. Conteúdo de CTS

Estudo de uma questão tecnológica ou social

importante. O conteúdo de ciências é

mencionado somente para indicar uma

vinculação com as ciências.

Tabela 1: Categorias de propostas curriculares CTS ( Aikenhead, apud Santos e Mortimer, 2002)

No entanto, é importante ressaltar que as categorias dessa gradação CTS não são

completamente estanques. Conforme comentado anteriormente, existem zonas cinzentas

entre as categorias que dificultam definições absolutas das práticas curriculares e didáticas.

Essas zonas cinzentas pressupõem reconfigurações que podem ocorrer durante conformação

das práticas curriculares CTS, às condições contextuais imediatas como sala de aula,

unidade escolar, e sistema de ensino em que a proposta esta inserida. Esse modelo é

interessante no sentido de estabelecer dois polos em um gradiente: de um lado a disciplina

escolar tradicional e no extremo oposto o que poderíamos chamar de disciplina CTS uma

vez que o tema CTS chega a um grau de centralidade no currículo que passa a apresentar um

conjunto específico de conteúdos CTS.

Com esse gradiente em vista, as propostas CTS podem ser orientadas de modo a se

aproximarem de um ou de outro polo, guardadas as condições nas quais essa proposta é

desenvolvida. Em sistemas curriculares muito fechados, focados na preparação para provas e

exames tradicionais, pode ser bastante difícil se afastar de conteúdos e práticas tradicionais.

O desenvolvimento de inovações curriculares pressupõe um espaço de liberdade criativo ou

então um enfrentamento das condições que resistem à essas inovações.

Uma opção de intervenção curricular que chamou nossa atenção foram os chamados

enxertos CTS ((SANTOS, 2011; OSORIO, 2002)). Segundo Osório (2002), os enxertos CTS

seriam uma estratégia adequada de inovação curricular no contexto do ensino médio, uma

vez que elas permitem que se trabalhe em uma perspectiva CTS, mas sem necessariamente

romper completamente com o currículo proposto pelas secretarias de educação. Os enxertos

seriam pequenas inserções de propostas CTS, delimitadas por práticas curriculares

tradicionais. Essa estratégia permitiria uma forma pontual de se introduzir as práticas CTS

no currículo escolar, ou pensando a longo prazo, uma forma gradual de ir modificando as

práticas escolares. Essa modificação gradual se daria na medida em que a sistemática

32

incorporação de enxertos CTS no currículo permitiriam em longo prazo, um convencimento

da comunidade escolar da viabilidade das estratégias CTS de ensino.

As abordagens CTS no contexto escolar brasileiro são ainda incipientes e não-sistemáticas

(AULER, 2007), em parte por conta de alguns entraves curriculares, e também no que se

refere às práticas de formação de professores que não necessariamente apontam para a

construção das bases práticas e teóricas para atender aos pressupostos CTS de ensino.

Os entraves curriculares são resultados de visões fechadas do currículo, que coíbem re-

estruturações e reorganizações dos conteúdos curriculares de modo a melhor adaptá-los aos

contextos locais das unidades escolares. A partir dessa visão fechada do currículo as

inovações curriculares são dificultadas ou até mesmo impossibilitadas. Somado a isso, não

raro as abordagens fechadas do currículo vem acompanhadas de concepções ingênuas da

Ciência, que a representam de forma neutra, fragmentada, imparcial e objetiva (ANGOTTI e

AUTH, 2001). Essas representações da Ciência nos fechados currículos tradicionais também

se colocam como um entrave para a construção de processos críticos de ensino-

aprendizagem de ciências.

Apesar disso, existem registros, na literatura da área, de propostas curriculares CTS

realizadas no contexto do ensino básico. Auler e colaboradores (2005) apresentam, no

contexto do Rio Grande do Sul, uma proposta curricular CTS para discutir o tema do

transporte nas cidades em aulas de física, problematizando o consumo energético dos

sistemas coletivos e individuais de transporte urbano e a partir dessa abordagem,

trabalharam com os alunos os conceitos de maquinas térmicas, leis da termodinâmica e

combustão. Andrade e Carvalho (2002) realizaram uma proposta curricular para o ensino

fundamental que trabalhou o tema do Pró-Alcool, e as implicações ambientais da produção

de Bio-combustível. Zunin e colaboradores (2009) apresentaram uma proposta CTS para o

ensino de química no ensino médio que envolveu a medição, por parte dos alunos, de

parâmetros físico-químicos da qualidade da água da bacia hidrográfica da região da escola.

Os dados gerados pelos alunos permitiram uma discussão da situação da qualidade

ambiental da bacia hidrográfica da região e também de aspectos sociais, históricos e

econômicos que fortaleceram a construção de aspectos da formação cidadã almejada para o

ensino de ciências.

Silva e colaboradores (2011) relatam uma proposta de abordagem CTS no contexto do

ensino médio através de uma atividade de estudo de caso sobre temas sociocientificos

33

relacionados à poluição em ambiente aquáticos. Nesse estudo, os alunos de uma turma de 2º

ano do ensino médio passaram por uma unidade didática na disciplina Química na qual ao

longo de dois meses eles tiveram oportunidade de investigar possíveis causas para a

mortandade de peixes na região próxima à escola, no interior de São Paulo. Duso e Borges

(2011) em outro trabalho relatam o efeito da utilização das abordagens CTS na forma de um

projeto interdisciplinar desenvolvido com uma turma de 2º ano do ensino médio em uma

escola particular em Caxias do Sul, RS. Segundo o relato, os professores da área de Ciências

da Natureza, Matemática e Tecnologias se organizaram para desenvolver, durante um dos

trimestres, um projeto integrado sobre o tema “Aquecimento Global”(DUSO e BORGES,

2011). Na pesquisa são evidenciados os efeitos para o processo de ensino-aprendizagem das

abordagens CTS, trazendo resultados positivos no que se refere ao engajamento dos alunos

na aprendizagem dos conteúdos e conceitos.

Como pode ser observado pelos relatos na literatura, existe uma diversidade de propostas

para a introdução de abordagens CTS nos currículos do ensino médio, em diferentes estados

brasileiros. Apesar de todas as diferenças e especificidades entre si, todas as propostas

compartilham a necessidade de enfrentamento de entraves curriculares para conseguirem ser

viabilizadas. Alguns contextos são mais favoráveis a essas inovações curriculares, outros

mais resistentes, no entanto, adotar práticas CTS no processo de ensino de ciências sempre

envolve algum grau de reestruturação das práticas escolares, seja no âmbito do currículo,

dos próprios métodos de ensino ou de ambos.

Munchen e Auler (2007) identificaram quatro categorias de desafios à implementação de

currículos CTS no contexto da educação básica: a) superação do reducionismo

metodológico, b) o trabalho interdisciplinar; c) suposta resistência dos alunos à abordagem

temática, e d) desenvolvimento de temas polêmicos que envolvem conflitos/contradições

locais. A questão do reducionismo metodológico se refere a um entendimento do currículo

como uma lista de tópicos a serem executados pelo professor em uma perspectiva de

cumprimento de metas. Nessa perspectiva, os conteúdos passam a ser trabalhados a revelia

dos contextos locais tornando-os distantes do universo vivido pelos alunos e professores e

gerando entraves para os processos de ensino-aprendizagem. O trabalho interdisciplinar

também é apontado como um desafio a ser superado na medida em que os professores tem

dificuldade em articular e sustentar diálogos entre suas disciplinas de origem com as outras

disciplinas escolares.

34

Esses entraves apontados por Munchen e Auler (2007) nos remetem à questão da formação

de professores. Na literatura, encontramos alguns relatos empíricos de iniciativas de

atividades de formação continuada de professores em uma perspectiva CTS. Tenreiro-Vieira

e Vieira (2005) relatam um curso realizado em Portugal com professores do ensino básico,

onde se fomentou uma reflexão sobre a prática pedagógica desses professores e a produção

de materiais didáticos a partir de uma abordagem CTS. Firme e Amaral (2008) apresentam

uma discussão sobre o efeito que as concepções que os professores têm sobre Ciência,

Tecnologia e Sociedade e suas inter-relações têm sobre o processo de elaboração de

propostas CTS para o ensino básico no contexto de oficinas de formação continuada de

professores. Rebelo e colaboradores (2008) realizaram um curso de formação continuada

para professores de química, onde as abordagens CTS foram apresentadas como uma

inovação necessária ao ensino de ciências.

Nesse sentido, a literatura da área aponta para a necessidade de investimento em processos

críticos de formação continuada que promovam uma reflexão entre os professores sobre suas

práticas pedagógicas, suas concepções sobre as inter-relações entre Ciência, Tecnologia e

Sociedade e também uma crítica ao currículo tradicional.

A partir das discussões e experiências identificadas na produção CTS do campo de pesquisa

em ensino de ciências, formulamos questões que pautaram nossas ações durante o

desenvolvimento da unidade didática que foi objeto de pesquisa dessa tese. Nos

preocupamos em dialogar com essa literatura no sentido de estarmos conscientes dos limites

e possibilidades de construção de propostas CTS no âmbito do ensino médio, no contexto da

rede estadual de ensino público, no município de Macaé no Estado do Rio de Janeiro.

Uma das questões que a literatura nos sinalizou como preocupantes se referia a como

incorporar uma dimensão interdisciplinar às propostas CTS no contexto escolar. Essa

questão foi problematizada ao longo da construção da nossa proposta e se tornou um dos

aspectos que iremos discutir como resultado de nossa investigação.

Um segundo ponto indicado pela literatura que influenciou o desenvolvimento do objeto da

tese se refere ao processo de formação continuada que o desenvolvimento e implementação

de abordagens CTS no ensino médio exige. Essa necessidade da formação continuada para

que os professores se apropriem das práticas CTS de educação cientifica pode ser entendida

como uma resposta a uma lacuna na formação inicial de professores de ciências.

35

A partir dessa conjuntura do campo CTS no Brasil, planejamos, em parceria com uma

professora de ensino médio, uma unidade didática CTS que foi tomada como objeto de

pesquisa nessa tese. No próximo capitulo apresentaremos o quadro teórico da tese, nossas

perguntas de pesquisa e a descrição do desenho da pesquisa da tese.

36

3. Quadro teórico:

3.1 Apresentação da analise critica do discurso

Para o desenvolvimento de minha tese, me apoiei no referencial teórico da Análise Crítica

do Discurso (FAIRCLOUGH, 2001; CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 2001). A Análise

Critica do discurso (ACD) permite abordar diversas práticas presentes na vida social. A

partir da perspectiva da ACD, o discurso é entendido como um dos elementos que constitui

as práticas sociais. No entanto, Fairclough considera reflexiva a relação entre os discursos e

as práticas sociais no sentido em que o discurso é também moldado e constituído pela

prática social e seus outros elementos, ao mesmo tempo em que ele os constitui em alguma

medida.

A ACD é utilizada em diversas disciplinas e em diferentes contextos, em parte porque

questões sociais são sempre, em alguma medida, questões discursivas. Nesse sentido,

investigar os aspectos linguísticos e discursivos das práticas sociais é parte necessária da

análise social. É possível encontrar a ACD sendo utilizada em diversas disciplinas das

ciências humanas e sociais, como por exemplo, na educação, caso da presente tese.

Nos últimos trinta anos a linguagem passou a assumir cada vez mais importância nas

práticas sociais contemporâneas fortemente mediadas por textos e imagens. As

transformações políticas, econômicas e sociais nessas últimas três décadas criaram as

condições para uma transição entre uma economia baseada em um modelo industrial para

uma economia baseada no conhecimento e na informação, sendo esses processos fortemente

mediados pela linguagem (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH,2001). Harvey (1989)

argumenta que a crise do modelo fordista durante a década de 1970, causou o

desenvolvimento de um novo modelo de produção baseado na flexibilidade e organizado em

redes possibilitadas pela transnacionalização do capital e pelas inovações tecnológicas na

área de telecomunicações que reduziu significativamente as fronteiras espaços-temporais. A

economia migrou de uma ênfase em produção de bens de consumo materiais para a

produção de serviços (comerciais, educacionais, de saúde, entretenimento etc.) que têm vida

útil menor e aceleram o consumo e o lucro do investimento. Nesse novo contexto a

linguagem e a semiose se destacam na medida em que são amplamente empregadas na

propaganda e na comunicação social em geral. A economia baseada em informação e

37

conhecimento implica em uma economia baseada no discurso, pois o conhecimento é

produzido, circula e é consumido em forma de discursos.

Nesse sentido, a perspectiva crítica do discurso se torna um elemento político e socialmente

importante nos estudos da linguagem em especial devido ao caráter emancipatório da ACD

que busca por meio da investigação das relações entre o discurso e as práticas sociais,

identificar e desnaturalizar crenças que sustentam estruturas de dominação e através desse

processo desarticular as próprias estruturas e processos de dominação na qual os sujeitos

estão submetidos (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 2001; FAIRCLOUGH, 2001;

RESENDE e RAMALHO, 2004). A ACD tem como objetivo prover uma base científica

para abordar criticamente a vida social, em termos de suas relações de poder visando

mudanças sociais necessárias a um modelo de sociedade democrática baseada na justiça

social. A ACD possibilita discussões acerca dos efeitos sociais do uso da linguagem, assim

como dos sentidos dos textos que circulam pela sociedade.

3.2 Bases teóricas da ACD

Fairclough e Chouliaraki (2003) situam a ACD no contexto da modernidade tardia

(GIDDENS,1990). A modernidade tardia representa essa atual fase do capitalismo neo-

liberal pós-industrial, baseado no conhecimento e nos serviços, globalizado e em rede, na

qual as atuais relações sociais se estabelecem e se desenvolvem. A modernidade tardia se

caracteriza também por processos de separação espaço-temporal, mecanismos de desencaixe

e pela reflexividade institucional. A separação espaço-temporal é uma radicalização de uma

característica da modernidade que possibilitou a articulação das relações sociais em escalas

amplas de tempo-espaço. Essa possibilidade de interações mediadas propiciou os

mecanismos de desencaixe, que permitem que as pessoas vivenciem realidades deslocadas

de sua presença física.

Chouliaraki e Fairclough (2003) localizam a ACD na vertente das Ciências Sociais Crítica.

Dessa forma a vida social é entendia como um conjunto de práticas sociais em que o

discurso é um dos seus momentos. O conceito de prática social de Chouliaraki e Fairclough

(2003) é baseado na abordagem proposta por Harvey (1996) que se baseia no referencial do

materialismo histórico Marxista (RESENDE e RAMALHO, 2004). Dessa forma, a prática

social é entendida como constituída de diversos momentos sendo elas: a) o discurso, b)

atividade material, c) relações sociais (relações de poder e de hegemonia na constituição das

38

relações sociais) e d) fenômeno mental (crenças, valores, desejos e ideologias). Segundo

Chouliaraki e Fairclough (2003) esses diferentes momentos se relacionam sem um se reduzir

ao outro, através de processos de internalização ou de articulação entre os momentos.

Nessa perspectiva, as práticas sociais se diferenciam ou se aproximam em função das

diferentes configurações desses elementos que as constituem. Os processos de articulação e

internalização produzem, por exemplo, a heterogeneidade discursiva presente no interior de

determinada prática social. A partir desse enquadramento teórico podemos pensar nas

práticas sociais e consequentemente sua dimensão discursiva como um terreno para disputas

ideológicas com fins de busca/manutenção de hegemonias nas práticas e discursos

O conceito de hegemonia adotado por Fairclough (1992, 2003) segue a linha de pensamento

Gramsciano. Nela, a hegemonia se relaciona a uma busca pela prevalência ideológica em

campos de disputa de poder. Conquistar a hegemonia significa em ultima instância

estabelecer uma liderança moral, política ou intelectual na vida social, chegando inclusive a

impor a visão de mundo de grupos particulares (hegemônicos) a toda sociedade, nos planos

econômicos, políticos, educacionais e culturais.

A luta hegemônica travada no plano discursivo das práticas sociais, é uma das forças

motrizes por trás das rearticulações discursivas no interior dessas práticas. Parte da

constituição e rearticulação dos discursos se dá com base nos processos intertextuais, que

constroem cadeias de textos que articulam e embasam esses discursos. A intertextualidade

presente nos textos que circulam em determinadas práticas sociais é um dos objetos de

estudo da análise crítica do discurso.

3.3 ACD e a Pesquisa em Educação

Estudos com base nas teorias do discurso vem sendo desenvolvidos no campo da educação

desde meados da década de 1980. Não é nossa intenção aqui fazer um profundo

levantamento do campo dos estudos do discurso, mas sim tentar situar nosso trabalho dentro

de um contexto mais amplo, considerando o que já foi feito anteriormente, dando destaque

especifico a alguns trabalhos que serviram de referencia para pautarmos nossa pesquisa.

Devido à heterogeneidade de linhas de pesquisa do campo dos estudos da linguagem e do

discurso, encontramos na literatura diferentes abordagens discursivas para essas

investigações. Coll e Edwards (1998) organizaram, ainda em 1996 uma publicação onde

reuniam parte expressiva da produção na época sobre os estudos discursivos no contexto

39

escolar, focando especificamente nos processo de ensino e aprendizagem. Autores como

Antonia Candela, Neil Mercer, Gordon Wells e James Wertsch, além dos próprios

organizadores, apresentaram nessa publicação, trabalhos empíricos e teóricos desenvolvidos

na Europa e na América do norte que apontavam para abordagens discursivas associadas ao

campo da psicologia da educação(EDWARDS, 1998; COLL e ONRUBIA, 1998) e também

dos estudos culturais e etnográficos (CANDELA, 1998; MERCER, 1998; WELLS, 1998;

RAMIREZ e WERTSCH, 1998). Os trabalhos empíricos dessa publicação analisaram

situações em sala de aula onde o processo interativo entre professores e alunos eram

abordados do ponto de vista discursivo. Nesse sentido, a abordagem discursiva aplicada no

campo da educação torna em objetos de pesquisa processos argumentativos, interações

comunicativas e atividades que ocorrem em uma sala de aula.

Especificamente o referencial teórico da Análise Critica do Discurso, que é uma entre várias

linhas possíveis dentro do campo dos estudos da linguagem e do discurso, já vem sendo

utilizado em pesquisas no campo da educação pelo menos desde meados da década de 1990.

Em 2004 Rebecca Rogers editou um livro chamado “Introduction to critical discourse

analysis in education” que destacamos como relevante na medida em que é um esforço

sistemático de estabelecer marcos teóricos que orientem a utilização da ACD no campo da

educação. Isso foi relevante na medida em que inicialmente as formulações de Fairclough

(FAIRCLOUGH, 2001; CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 2001) não visavam

especificamente o campo educacional como cenário de pesquisa. A ACD em sua origem

foca na discussão do campo social de forma mais ampla abordando principalmente temáticas

relativas ao campo da política e economia, analisando as relações dialéticas e reflexivas

entre as mudanças sociais e as mudanças discursivas. Por esse motivo, os primeiros

trabalhos a utilizarem a ACD no campo da educação tiveram que literalmente transpor os

elementos teóricos do campo social para o campo da educação.

Dessa forma, o conjunto de artigos reunidos nessa obra sinaliza para a construção de um

referencial teórico baseado na ACD e voltado especificamente para a prática social da

Educação em diferentes contextos. Fairclough (FAIRCLOUGH, 2004) apresenta nessa

publicação uma leitura da prática pedagógica a partir do referencial da ACD. Nesse sentido,

ele endereça o conceito de aprendizagem como sendo derivado de uma prática de interação

com textos falados e escritos, portanto passível de ser abordado pela ACD. Com isso,

Fairclough sugere que podemos pensar os processos educativos que ocorrem em sala de aula

como eventos sociais concretos que estabelecem relações com as abstratas estruturas sociais

40

que os circundam. No caso, as relações estabelecidas entre os eventos e a estrutura seriam

mediadas pelas diversas práticas sociais. Especificamente no campo da educação, existe uma

diversidade de práticas sociais no que se refere às práticas pedagógicas em si, ou até mesmo

nas práticas de gestão de sistemas educacionais, em um município, em um estado e em um

país. As práticas sociais podem ser entendidas como meios para controlar a seleção ou

exclusão de certas possibilidades estruturais, assim como fixar algumas dessas

possibilidades em certas áreas da vida social. Esquematicamente, Fairclough propõe uma

relação entre três níveis da esfera social (Estrutura Social, Práticas Sociais e Eventos

Sociais) respectivamente com três dimensões semióticas (Linguagem, Ordens do Discurso,

Texto) (tabela 2).

Vida Social Semiótica

Estrutura Social Linguagem

Práticas Sociais Ordens do Discurso

Eventos sociais Texto

Tabela 2: Relação entre os níveis da vida social e as dimensões da Semiótica

Com isso, a linguagem é associada à estrutura social e o texto aos eventos sociais. No

entanto, na perspectiva da ACD o texto não está pré-determinadamente submetido à

estrutura social, pois intermediando a relação entre esses dois momentos estão as práticas

sociais, sendo operacionalizadas linguisticamente pelas ordens do discurso nas suas

dimensões de gênero, estilo e discurso. Nessa perspectiva, as ordens do discurso combinam

esses diferentes elementos e constituem um filtro que controla a variabilidade linguística de

uma área particular da vida social (FAIRCLOUGH, 2004).

Dessa forma, pelo olhar da ACD podemos entender o processo de ensino-aprendizagem

como uma pratica social que articula um uso especifico da linguagem e produz um tipo

particular de interações e ações, entre pessoas que ocupam diferentes posições nessas

interações e no espaço físico onde essa prática ocorre.

As interações no espaço escolar que se dão de forma oral e escrita são passiveis de serem

analisadas pela ACD, nas dimensões do gênero, discurso e estilo. Para Fairclough, gênero

se refere às diferentes formas de interação discursiva. No caso do contexto educacional,

podemos pensar em diferentes gêneros de aula, a aula expositiva, a dialogada, a aula prática

etc. Cada um desses gêneros articulam diferentes tipos de discursos educacionais que de

alguma forma constituem e embasam esses gêneros na prática social. Esses discursos são

41

entendidos como meios de representação do mundo material e de outras práticas sociais. No

contexto educacional, constantemente estão sendo construídas, trabalhadas e apresentadas

representações sobre o conhecimento, a Ciência, os cientistas, as relações sociais que são em

ultima instância, produtos de determinados discursos. Por ultimo, a dimensão do estilo

presente nas práticas sociais nos permite acessar os aspectos relativos às formas de ser que

os atores envolvidos nessas práticas apresentam. O estilo se refere às identidades sociais

envolvidas nas interações discursivas entre os atores dessa prática. No contexto

escolar/educacional é possível identificar uma variedade de estilos tanto de professores,

como de alunos, gestores do sistema de ensino, familiares dos estudantes e demais sujeitos

envolvidos.

Com essa abordagem passamos a entender os textos e enunciados que circulam e ocorrem no

campo educacional como constituídos de significados no plano da ação, da representação e

da identidade.

O campo educacional é submetido a uma estrutura social, mas dialeticamente, ele também é

constituído pela agência dos atores que operam nessa arena discursiva. A agência dos atores

depende de suas identidades e também das ordens discursivas que eles sustentam. Isso quer

dizer que as relações estabelecidas no plano discursivo de uma prática social dificilmente

seguem um modelo determinístico. Apesar de ser possível estabelecermos e identificarmos

relações causais entre a esfera social e o texto, não podemos entender essa relação como

uma relação de causa e efeito direto.

A heterogeneidade discursiva da pratica social da educação cria um espaço de disputa

hegemônica e ideológica entre as diferentes ordens do discurso existentes. Devido essa

natureza de disputa no interior da prática social, determinadas formações discursivas serão

mais hegemônicas e terão um efeito ideológico mais pronunciado do que outras. O efeito

ideológico dos discursos se reflete na internalização de determinados valores e discursos nas

práticas e nas identidades dos sujeitos.

Sendo o campo da educação um campo essencialmente formativo dos sujeitos envolvidos

nele, ele se torna um campo privilegiado de analise dos processos de construção e

internalização desses discursos, pois em uma ultima instância, o processo de aprendizagem é

em si um processo de internalização de determinados discursos escolarizados e de práticas

especificas, que se relacionam, ou não, com expectativas de formação para a vida social fora

da escola também.

42

Baseando-se nesse referencial, Rogers (2004, 2004 b) defende que a ACD tem grande

contribuição para a pesquisa em educação, uma vez que permite abordar o aspecto

linguístico nas grandes questões do campo. Nesse sentido, ela apresenta um estudo sobre a

segregação racial em escolas no Sul dos Estados Unidos da América baseado em analises de

entrevistas com adultos que frequentavam programas de alfabetização e que tinham filhos

matriculados no ensino básico. Em sentido diferente, Lewis e Ketter (2004) analisam as

interações entre pesquisadores e professores em um grupo de formação continuada,

Woodside-Jiron (2004) por sua vez faz uma analise documental das políticas públicas sobre

o livro didático no estado da Califórnia, considerando os efeitos práticos dessas políticas na

metodologia de ensino e formação nas unidades escolares.

Como pode ser observado, o referencial teórico da análise critica do discurso, permite um

amplo espectro de possibilidades ao pesquisador para abordar os eventos que ocorrem no

espaço escolar e no campo da educação. Sob o olhar da ACD, interações verbais e por

escrito entre alunos e professores se tornam dados empíricos para sustentar analises que

buscam articular a dimensão abstrata da estrutura social com a concretude dos eventos

sociais, mediados pelas práticas discursivas que constituem determinada prática social.

Com esse referencial nos orientando, nos propusemos a abordar especificamente o campo de

ensino de ciências como cenário para observação das interações discursivas implicadas no

processo de elaboração de propostas CTS para o ensino de Biologia no ensino médio. Na

sessão a seguir exploraremos o campo de ensino de ciências com base no referencial da

ACD.

3.4 Abordando o campo de educação em Ciências em uma

perspectiva discursiva

A partir da perspectiva da ACD podemos abordar o campo de ensino de ciências como uma

prática social que elabora uma variedade de discursos acerca do que, e de como, ensinar

Ciência no ensino básico. Nessa tese buscamos discutir o campo da educação sob o ponto de

vista das interações entre esses discursos que circulam com especial atenção para a relação

entre o que chamamos aqui de discurso CTS no ensino de ciências e o discurso tradicional

do ensino de ciências sob o ponto de vista das re-elaborações que o professor realiza ao

tentar se apropriar desse discurso CTS em um contexto de um projeto de pesquisa sendo

desenvolvido no âmbito escolar.

43

O ensino de ciências, enquanto prática social encontra-se em uma situação problemática no

sentido em que ele é atualmente questionado sobre seus resultados nos processos de ensino-

aprendizagem (MARANDINO, SELLES e FERREIRA, 2009; DELIZOICOV, ANGOTTI e

PERNAMBUCO, 2009). O chamado ensino escolar de ciências tradicional, baseado em

memorização e práticas docentes pouco estimulantes ao aprendizado, é extremamente

rejeitado pelos alunos. Os professores sentem dificuldades de se manterem em contato com

esferas acadêmicas de produção de conhecimento cientifico em suas respectivas áreas e

também no campo educacional. Os conteúdos ensinados também são acusados de serem por

demais abstratos e pouco relevantes para o cotidiano dos alunos, além de não terem um

efeito social emancipatório. Ao mesmo tempo, conforme relatado no capitulo anterior, existe

uma série de iniciativas, mesmo que não sistemáticas, que buscam transformar esse ensino

tradicional seja a partir da perspectiva CTS ou também com outras formas de inovação

curriculares. Considerando que não é recente esse processo de disputa hegemônica entre

essas variedades de práticas pedagógicas, fica estabelecida assim uma tensão entre inovação

e manutenção da tradição curricular no interior dessas práticas.

Com esse cenário, percebemos que a heterogeneidade de discursos que circulam na prática

social do ensino de Ciências é resultante de diferentes articulações entre elementos

discursivos e não discursivos dessa prática que variaram ao longo do tempo e das diversas

conjunturas sociais que o campo da educação passou ao longo das décadas. Nesse sentido,

entendemos que o movimento pedagógico CTS no ensino de ciências é também um

movimento produtor de um discurso que interage com outros discursos no interior da prática

social de ensino de ciências. Entre os vários discursos que o discurso CTS interage no

campo do ensino de ciências está o discurso do ensino tradicional de ciências.

A partir da perspectiva discursiva, é possível abordar essa heterogeneidade de discursos

sobre o ensino de ciências com base nos intertextos que eles apresentam , considerando as

práticas que esses discursos se circunscrevem e materializam. No caso do discurso CTS, ele

também apresenta uma heterogeneidade interna que pode ser entendida como zonas

cinzentas resultantes de articulações especificas de elementos textuais e discursivos que

constituem as práticas que são identificadas no interior do campo discursivo CTS. As zonas

hibridas ou cinzentas, seriam variações de articulações que incorporam determinados

elementos ao invés de outros.

44

Com isso, podemos pensar o gradiente de possibilidades de práticas CTS com base em sua

constituição discursiva. Essa perspectiva permite abordar as práticas CTS com base em sua

coerência argumentativa, assim como também eventualmente nas contradições geradas entre

sua prática e discurso.

A partir desse quadro teórico, propomos em nossa tese discutir as seguintes perguntas de

pesquisa:

1)Quais re-elaborações discursivas o discurso CTS sofre ao interagir com os outros

discursos presentes no contexto escolar?

Partindo do pressuposto de que a implementação de práticas CTS no ambiente escolar exige

uma “negociação” com outros discursos que circulam nesse ambiente, é possível supor que a

prática do discurso CTS sofre adaptações de modo a atender também outras expectativas que

são colocadas por setores administrativos, familiares e pedagógicos que integram o ambiente

escolar. Acreditamos que as práticas CTS bem sucedidas são aquelas que incorporam e

equilibram intertextualmente outros elementos em sua elaboração. A intertextualidade

produzida pelo discurso CTS na escola é passível de ser analisada pelo referencial da

Análise Crítica do Discurso, possibilitando, por exemplo, uma discussão sobre os diferentes

pesos dados aos diferentes discursos que interagem entre si na constituição das propostas

CTS analisadas.

Partimos da ideia de que entender como se dão os processos de desenvolvimento de uma

proposta CTS no contexto escolar brasileiro nos fornece informações importantes, sobre os

aspectos considerados pelos professores na hora de estabelecer um posicionamento na

dialética dos processos de inovação-manutenção das práticas curriculares.

Buscamos compreender, na microestrutura da sala de aula e no processo especifico de

construção pedagógica de um professor em seu contexto de trabalho, aspectos que podem

estar relacionados com processos de transformação em uma escala mais ampla no ensino de

Ciências.

Considerando que existe uma distância entre os enunciados proferidos nos contextos

acadêmicos em relação ao que, ao porquê e ao como ensinar ciências, aos enunciados

proferidos nos contextos da escola, da sala de aula e do professor, busca-se com essa tese

aprofundar o conhecimento sobre os aspectos que contribuem para o processo de

aproximação dos enunciados desses dois contextos de produção de práticas sociais. Para

45

isso, analisaremos uma situação onde uma professora do ensino básico busca se apropriar do

discurso CTS para aplica-lo em seu contexto de sala de aula.

Uma vez que não existe um discurso CTS homogêneo na literatura acadêmica, o processo de

apropriação do discurso CTS pelos professores consiste também em um processo de

elaboração discursiva, na qual o professor se apropria de determinados enunciados e

pressupostos do discurso CTS e os acomoda com os pressupostos e enunciados que ele já

trazia em sua bagagem discursiva sobre a prática pedagógica.

Entender os mecanismos envolvidos nesse processo de apropriação pode significar, entre

outras coisas, entender como aperfeiçoar o processo de transformação da prática pedagógica

do ensino de ciências, uma vez que ao entendermos um pouco mais sobre como os

professores fazem escolhas na hora de incorporar novas práticas e teorias pedagógicas,

poderemos futuramente levar em conta esses aspectos na hora de planejar e propor

atividades de formação continuada, assim como projetos de pesquisa a serem desenvolvidos

nas unidades escolares. A busca pela resposta dessa primeira questão nos levou

invariavelmente a pensar sobre a outra questão que desenvolvemos nessa tese que se refere

mais especificamente ao elemento contextual que circunda o processo de elaboração do

discurso CTS que tomamos como estudo de caso. O processo de elaboração que o discurso

CTS sofre no contexto escolar é bastante condicionado (mas não totalmente) pelas condições

especificas em que ele ocorre. Por esse motivo, nossa segunda pergunta de pesquisa tenta

abordar esse aspecto sendo enunciada a seguir.

2) Quais os limites e possibilidades que as práticas CTS de ensino de ciências têm no

contexto escolar estadual do Rio de Janeiro, no município de Macaé?

O contexto do ensino estadual no município de Macaé é parte fundamental na constituição

dos limites e possibilidades para a implementação de práticas CTS no ensino básico. A partir

de uma relação reflexiva, o contexto onde as práticas pedagógicas CTS se desenvolvem

constitui uma rede de relações e práticas que estabelecem os limites e possibilidades para as

práticas CTS. Essa condição reflexiva exige escolhas e posicionamentos políticos por parte

do professor no momento de implementar práticas CTS em seu contexto escolar.

No caso de Macaé, como em qualquer outro lugar, existe uma história do sistema de ensino,

das unidades escolares, um histórico das relações dos professores entre si e com suas

direções e secretarias. Todos esses aspectos de alguma forma irão favorecer ou não

46

mudanças curriculares no ensino de ciências. Reconhecer esses aspectos é parte fundamental

para compreendermos o que pode estar condicionando a re-elaboração do discurso CTS

nesse contexto.

A partir das análises dos dados pretendemos identificar as questões que dificultam ou

facilitam essas ações no município, tendo em vista que a implementação de propostas CTS

envolvem a necessidade de superar esses limites e explorar essas possibilidades.

Identificamos na literatura da área de ensino de ciências um conjunto de entraves para a

implementação de currículos CTS (MUNCHEN e AULER, 2007; DELIZOICOV,

ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2009). Entre eles nos chamaram a atenção o desafio de

operacionalizar a interdisciplinaridade e o reducionismo metodológico no currículo. O

reducionismo metodológico no currículo se refere a um entendimento do currículo como

uma lista de tópicos a serem executados pelo professor em uma perspectiva de cumprimento

de metas. Nessa perspectiva, os conteúdos passam a ser trabalhados à revelia dos contextos

locais tornando-os distantes do universo vivido pelos alunos e professores e gerando

entraves para os processos de ensino-aprendizagem. A interdisciplinaridade é quase um

pressuposto das práticas CTS, uma vez que para abordar o ensino de ciências a partir da

tríade Ciência-Tecnologia e Sociedade, se faz necessário operacionalizar mais de uma

disciplina para dar conta das questões que emergem nessa perspectiva. No entanto, o desafio

de se operacionalizar a interdisciplinaridade no contexto escolar, se relaciona com questões

relativas à formação extremamente disciplinar e fragmentada dos professores da área de

ciências naturais, assim como de dificuldades práticas do cotidiano escolar que não

necessariamente promovem o trabalho colaborativo entre as disciplinas ou cria espaços de

interlocução e planejamento entre esses professores.

Com isso, evidencia-se que as condições específicas da unidade escolar, que ocupa um lugar

dentro de um sistema de ensino local, que está circunscrito em um sistema estadual, que

responde a uma esfera nacional, moldam o ambiente em que as propostas são desenvolvidas

facilitando ou dificultando a implementação de práticas CTS. A gestão das Unidades

Escolares e do próprio sistema de ensino podem criar ambientes mais ou menos favoráveis

às mudanças curriculares que as práticas CTS podem realizar dependendo do grau de

autonomia que o professor tem, assim como das condições materiais e de recursos que ele

dispõe. Por outro lado, os proponentes de propostas CTS precisam lidar com esses limites

colocados pela gestão escolar para viabilizar suas propostas.

47

Nesse viés, exploraremos nos nossos dados as maneiras pelas quais a proposta CTS

desenvolvida lidou com a operacionalização da interdisciplinaridade em seu contexto, e

como ela conseguiu ser viabilizada em termos das demandas curriculares estabelecidas pela

secretaria estadual de educação para o segundo ano do ensino médio. Analisaremos aqui as

estratégias adotadas pela professora para negociar com as demandas curriculares que ele

enfrenta, assim como com suas limitações no que se refere ao domínio de certos campos de

conhecimento que estão além das ciências biológicas.

A partir da perspectiva discursiva, podemos entender a proposta CTS elaborada nesse

estudo de caso como um registro das escolhas e estratégias realizadas pela professora em seu

processo de apropriação do Discurso CTS. Com essas perguntas guiando nosso olhar,

indicaremos na próxima seção os conceitos da ACD que mobilizamos para tentar

operacionalizar e desenvolver as perguntas aqui apresentadas.

3.5 Conceitos da Análise Crítica do Discurso utilizados na análise

textual

Para discutir nossas perguntas de pesquisa, nos baseamos em dois conceitos da ACD:

Intertextualidade e Hegemonia(CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 2001)(FAIRCLOUGH,

2001). A intertextualidade se refere à propriedade dos textos de se constituírem de outros

textos anteriores ou se posicionar perante textos futuros. No nosso contexto de pesquisa,

esse conceito nos permitiu analisar as articulações presentes nas elaborações discursivas que

a professora fez ao longo de seu processo de apropriação do discurso CTS durante seu

envolvimento com o projeto de pesquisa.

A intertextualidade pode ser manifesta ou constitutiva. Em sua forma manifesta, a

intertextualidade explicitamente evidencia o processo de incorporação de outros textos a um

enunciado ou discurso através, por exemplo, de citações e paráfrases. A forma constitutiva,

que também pode ser chamada de interdiscurso é mais sutil, na medida em que determinado

discurso incorpora determinados elementos, formas ou modelos oriundos de outros

discursos, como por exemplo, quando um texto didático se assemelha a uma reportagem de

jornal, ou quando uma reportagem de jornal se “parece” com um texto didático. Essas

semelhanças se referem à possibilidade de um determinado texto incorporar a estrutura

textual de outros discursos. A forma constitutiva da intertextualidade se relaciona também

com questões inerentes aos objetivos sociais do texto, uma vez que as escolhas

48

interdiscursivas feitas na elaboração de um texto ou enunciado são orientadas com base em

uma intencionalidade de comunicação, onde o produtor do discurso quer atingir seu público-

receptor de modo eficiente, e por isso faz escolhas de acordo com sua visão de mundo, onde

determinados discursos serão vistos como mais eficientes do que outros para serem

empregados. A análise dos elementos intertextuais em um texto nos permite perceber os

elementos discursivos externos ao discurso CTS que foram mobilizados na re-elaboração do

discurso CTS no contexto da proposta didática produzida.

A partir do conceito de intertextualidade, é possível enxergar a proposta de unidade CTS

elaborada pela professora como uma articulação de diferentes discursos, refletindo assim

suas escolhas em meio a uma diversidade de enunciados e pressupostos argumentativos que

ela interagiu antes e durante o projeto. A intertextualidade produzida pela proposta CTS

analisada nos dará um indicativo de quais elementos discursivos foram mais presentes e

impactantes na elaboração da proposta.

A discussão sobre a intertextualidade apresentada na proposta CTS analisada nos remete ao

conceito de hegemonia. O conceito de hegemonia será explorado para operacionalizar as

análises das relações de poder que se estabelecem no âmbito da prática social do ensino de

ciências. Os discursos, tradicional e CTS, do ensino de ciências se sustentam em diferentes

visões de mundo, nesse sentido, eles trabalham em nome da construção de hegemonias

diferentes. O discurso tradicional do ensino de ciências tem um efeito de manutenção da

hegemonia atual na medida em que ele mantém as relações de poder estabelecidas, uma vez

que ele elabora uma pedagogia não emancipatória, apresentando um corpo fragmentado de

conhecimentos com pouca ou nenhuma relevância social prática. O discurso CTS por outro

lado, provoca uma tensão na atual hegemonia uma vez que provoca uma rearticulação das

relações de poder vigentes, ao propor re-elaborações curriculares. Além disso, as abordagens

CTS buscam construir um ensino em que o conhecimento científico tenha relevância social

para os educandos, privilegiando inclusive os seus interesses e curiosidades.

O conceito de hegemonia é particularmente importante nas análises e discussões de nossa

investigação na medida em que as interações discursivas que se estabelecem no interior da

prática social do ensino de ciências, são, em parte, resultado de disputas hegemônicas entre

ideologias, valores e crenças que circulam na sociedade como um todo e se materializam nos

discursos dessa prática social, nos ajudando inclusive a entender/discutir as escolhas

intertextuais produzidas na re-elaboração do discurso CTS.

49

Dessa maneira, para entender o caráter intertextual da proposta CTS que analisamos nessa

tese, precisamos colocar as escolhas feitas pela professora através do prisma das disputas

hegemônicas que se colocam por trás dessas escolhas. No caso, o posicionamento perante

essas disputas hegemônicas não necessariamente se dão de forma consciente e intencional.

As disputas hegemônicas que se colocam no plano discursivo, através de suas práticas e

enunciados, apresentam uma dimensão ideológica que, por ser ideológica, muitas vezes se

encontra naturalizada no senso comum, e por isso passam despercebidas para parte das

pessoas que sustentam visões hegemônicas estabelecidas. Nesse sentido, a partir de uma

análise da conjuntura em que a prática social ocorre podemos identificar formulações

discursivas que são pró-hegemônicas ou contra-hegemônicas. Estabelecer essa leitura sobre

a proposta CTS estudada nos permitirá perceber as forças que tensionam a elaboração de

mudanças curriculares no ensino básico brasileiro e também no âmbito do nosso estudo de

caso, identificar quais aspectos hegemônicos foram sustentados ou desafiados pela proposta

implementada, uma vez que o discurso CTS surge como um discurso contra-hegemônico,

mas o processo de implementação de propostas CTS nas unidades escolares dependem de

um equilíbrio com forças hegemônicas que se estabelecem no currículo escolar.

3.6 Desenho de pesquisa

Minha tese foi desenvolvida a partir de um estudo de caso com uma professora de ensino

médio da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro que atua no município de Macaé. O

estudo de caso foi realizado no contexto do projeto “Ensino de Ciências: desempenho de

estudantes, práticas educativas e materiais de ensino” contemplado pelo edital 2008-1 do

Observatório da Educação da CAPES. Esse projeto foi desenvolvido em uma parceria entre

as universidades Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade de São Paulo (USP) que atuaram em três

municípios diferentes, dois no Estado do Rio de Janeiro (Macaé e Angra dos Reis) e um no

Estado de São Paulo (São Paulo). A questão central do projeto era investigar “como, em

diversas instâncias educacionais, está sendo abordado o tema das relações sociais,

culturais, tecnológicas e ambientais da energia no mundo contemporâneo” (Sousa et al,

2008). O projeto investiga situações e práticas educativas para o ensino do conceito de

energia em municípios impactados pela produção energética.

O projeto do Observatório previa a concessão de bolsas de participação para professores da

escola básica. A seleção desse professor bolsista do projeto foi feita através de um curso de

50

formação continuada sobre as abordagens CTS, oferecido aos professores da rede estadual

do Rio de Janeiro que atuam no município de Macaé. O curso teve duração de 30 horas,

sendo 15 delas presenciais, em Macaé, e 15 à distância. O objetivo do curso foi apresentar

aos professores do ensino médio de escolas públicas da região Norte Fluminense

conhecimentos sobre aspectos conceituais e pedagógicos ligados ao campo de educação

CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e a sua interface com o conteúdo Energia,

proporcionando vivências coletivas de construção de práticas, de materiais educativos e de

análise de livros didáticos e questões do ENEM. Ao final do curso, os professores

participantes elaboraram, baseados nas discussões construídas nos encontros, propostas de

ensino CTS para serem implementadas em seus contextos escolares.

A partir da avaliação da natureza das propostas elaboradas e do desempenho dos professores

no curso, selecionamos uma professora para tomar parte do projeto de pesquisa. À época da

pesquisa, a professora tinha 45 anos e atuava há cerca de 27 anos na rede estadual de Ensino

do Rio de Janeiro. Em sua trajetória profissional ela iniciou a docência atuando em escolas

primárias rurais no interior do estado, ministrando aulas para as séries inicias do

fundamental I. Em 1990 ela se muda para Macaé e passa a lecionar em escolas urbanas,

ainda no segmento do fundamental I. Durante a década de 90, ela iniciou uma serie de

cursos de formação que foram ampliando as suas possibilidades de atuação. Com a

conclusão de um Curso Adicional em Ciências à sua formação de professora primária, ela

passou a atuar no ensino fundamental II e posteriormente ao concluir a graduação em um

curso de licenciatura em ciências biológicas passou a atuar também no ensino médio no

Colégio Estadual onde ela leciona até hoje e onde foi realizado o trabalho de campo dessa

tese.

A participação da professora no projeto de pesquisa se deu a partir de uma perspectiva de

professora-pesquisadora. A literatura na área de formação de professores aponta para a

importância e necessidade de aproximação entre a prática pedagógica e a prática de pesquisa

no sentido da construção de um professor emancipado e reflexivo

(ANDRÉ,2010(DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2009; SANTOS e AULER,

2011; MARANDINO, SELLES e FERREIRA, 2009; CAPELO e PEDROSA, 2011;

CANDAU, 1984)). O envolvimento da professora no projeto se deu de maneira ativa, sendo

ela responsável em construir, em parceria com os pesquisadores da Universidade que

estavam envolvidos no projeto (um aluno do Doutorado, sua orientadora e um aluno de

iniciação cientifica), uma proposta de unidade didática para a temática Energia e

51

implementá-la em suas turmas de 2º ano do ensino médio do colégio estadual onde ela

lecionava Biologia. Entendemos unidade didática como um conjunto articulado de aulas,

apresentadas em uma sequência especifica, de modo a trabalhar um conjunto, também

articulado, de conteúdos escolares e construir, com os alunos, conhecimentos específicos

relativos a esses conteúdos. Especificamente no nosso caso, a temática Energia, foi tomada

como eixo estruturante da unidade didática elaborada uma vez que esse era o contexto do

projeto de pesquisa em que inserimos nosso trabalho. Isso significou que buscamos, a partir

da temática Energia, articular o conjunto de conteúdos previstos no currículo do 2º ano do

ensino médio pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) de modo

a integra-los entre si e apresenta-los aos alunos de modo a estabelecer reflexões que

articulassem questões entre Ciência, Tecnologia e Sociedade.

Nosso intuito na elaboração da unidade didática era provocar uma renovação nas práticas

pedagógicas de sala de aula, incorporando o aporte das abordagens CTS no ensino de

Biologia. Essa intenção em renovar as práticas pedagógicas é decorrente de um

reconhecimento das limitações das práticas tradicionais em obter resultados mais

expressivos no que se referem à construção de uma aprendizagem em ciências que seja

relevante socialmente e significativa do ponto de vista das demandas colocadas para a

educação básica, no que se refere ao cidadão formado pela escola publica.

Nesse processo de elaboração da unidade didática, a interação entre a professora e os

pesquisadores se deu de forma horizontal e não hierarquizada, apesar dos envolvidos

estarem em posições diferentes na relação. Cabia à professora trazer para a construção da

proposta seus saberes e práticas de quem está em sala de aula, vivenciando cotidianamente o

ambiente escolar, convivendo com os alunos, interagindo com outros atores do espaço

escolar. Dessa forma, a professora estava em melhor posição para avaliar a viabilidade das

propostas que foram sendo elaboradas durante as reuniões de planejamento da unidade CTS

sobre a temática Energia. A ideia era que a proposta se fundisse e se integrasse com a prática

dela, ao invés de criar um paralelismo com suas práticas escolares. A unidade foi pensada,

visando estabelecer um vinculo entre os conhecimentos escolares e a vivência cotidiana dos

alunos, mas sem por isso perder o caráter tradicional de avaliação escolar, de modo a atender

às demandas por geração de notas e cumprimento do programa curricular do estado.

Por outro lado, os pesquisadores contribuíam para a construção da unidade didática

oferecendo um olhar externo ao contexto escolar, e um aporte teórico calcado nas

abordagens CTS. Parte da contribuição dos pesquisadores também consistia no próprio

processo de formação continuada da professora durante o projeto. Além disso, a articulação

52

Atividade

com os objetivos do projeto de investigação em andamento situaram a participação dos

pesquisadores na construção da unidade CTS elaborada.

Nesse sentido, a unidade didática elaborada nesse estudo de caso, dialogava com diferentes

demandas de naturezas pedagógica, acadêmica e de pesquisa. Por esse motivo, o nosso

objeto de pesquisa materializa uma negociação entre diferentes discursos que se envolvem e

estabelecem pontos de convergência e de afastamento entre si. O resultado dessa interação é

o que de fato nos interessa compreender do ponto de vista da estruturação e implementação

da proposta, visando identificar os fatores que contribuem ou dificultam para o sucesso

desse processo de apropriação de práticas CTS no contexto escolar brasileiro, mais

especificamente no estado do Rio de Janeiro, no município de Macaé.

O processo de construção da unidade se deu a partir de uma rotina de reuniões semanais

onde aconteciam as atividades de formação e o planejamento didático da unidade CTS,

conforme descrito na tabela 3.

Fevereiro Março Abril Maio Junho Agosto Setembro Outubro

Formação

Continuada X X X X X X X X

Elaboração

da unidade

CTS

X X

Aplicação da

Unidade

CTS na

escola

X X X X

Conclusão

do projeto

de pesquisa

X

Tabela 1 Cronograma de atividades do projeto de pesquisa: formação continuada, elaboração e aplicação da

unidade CTS

Apesar de considerarmos que a participação no projeto como um todo consistia em uma

formação continuada de professores, dedicamos os meses de Fevereiro e Março de 2011

para atividades com a professora bolsista de leitura e discussão de textos que abordavam a

aplicação de abordagens CTS no ensino de ciências. Ela já havia sido apresentada

formalmente às abordagens CTS no curso, a partir do qual ela foi selecionada. Por esta

razão, esses meses iniciais do projeto foram utilizados para aprofundar a leitura dela sobre as

abordagens CTS. No intuito de ilustrar algumas propostas CTS já descritas na literatura

Mês

53

brasileira, foram discutidos três textos que apresentavam propostas curriculares

diferenciadas para o ensino de Ciências no Ensino médio. O primeiro deles abordava a

questão do transporte público e privado considerando a problemática do consumo energético

e da poluição urbana em aulas de física (AULER et al, 2005). Esse trabalho apresentou uma

contribuição interessante na medida em que ilustrava um caso, no ensino de física, onde uma

questão relativa ao contexto da cidade onde o estudo foi realizado impactava a proposta

pedagógica de um curso para o ensino médio. Seguindo uma perspectiva Freiriana de

educação cientifica, o trabalho foi desenvolvido, a partir da situação do contexto local que

envolvia a instalação de uma fábrica de automóveis na região. Esse fato foi problematizado

e utilizado como um tema gerador de um debate sobre as implicações sociais dessa ação no

município. Essa discussão levantou prós (geração de empregos, aspectos econômicos) e

contras (poluição, impactos ambientais) da instalação da indústria automobilística e fez com

que os estudantes investigassem aspectos relativos ao consumo de combustível no modelo

de transporte individual e coletivo. Nesse processo, os conteúdos disciplinares científicos

tais como primeira e segunda leis da termodinâmica, massa específica, notação científica,

volume, calor de combustão, trabalho, potência, rendimento em máquinas térmicas, reação

de combustão da gasolina combustão (completa e incompleta), fotossíntese, combustíveis

fósseis; foram sendo trabalhados a partir das interações Ciência-Tecnologia e Sociedade.

Ao final da unidade os alunos puderam estabelecer reflexões sobre suas questões cotidianas,

embasados pelo conhecimento científico em seu uso social.

Tomar contato com esse tipo de trabalho nos permitiu vislumbrar uma forma de construção

de uma unidade CTS no ensino médio que possibilitasse trabalhar os conteúdos tradicionais,

mas contextualizados com elementos do cotidiano dos alunos e buscando estabelecer

reflexões sobre as implicações envolvidas nas interações entre Ciência, Tecnologia e

Sociedade.

O segundo trabalho discutido com a professora apresentava a utilização da metodologia de

júri simulado, em aulas de química, para a discussão da questão da problemática da poluição

ambiental gerada pela atividade industrial (Flor, 2007). Nesse trabalho, os autores

descrevem a implementação de uma proposta CTS no contexto do primeiro ano do ensino

médio em Santa Catarina. Seguindo a metodologia de júri simulado, a autora elaborou um

caso fictício envolvendo uma controvérsia pública quanto à aprovação da instalação de uma

incineradora de lixo no município, com o suposto objetivo de diminuir a poluição ambiental.

A partir desse caso, a autora desenvolveu com os alunos durante oito aulas o processo de

54

apresentação, abordagem, discussão e julgamento do caso. Essa abordagem exigiu dos

alunos uma postura mais ativa com o processo de aprendizagem. Da forma como foi

apresentada, a unidade CTS exigia dos alunos um esforço de compreensão de uma situação-

problema, o estudo de diferentes aspectos sociais e científicos da situação, e a elaboração de

uma argumentação baseada no papel social que cada grupo de estudantes representava.

Esse trabalho foi importante no nosso processo de formação na medida em que ele

apresentou uma forma de utilização da metodologia de enxerto de conteúdos CTS no

currículo escolar tradicional. O enxerto CTS se apresenta como uma tentativa pontual de

modificação curricular uma vez que limita as abordagens CTS em um momento especifico

do planejamento escolar. Com isso, o professor tem a possibilidade de experimentar

inovações nas práticas curriculares, mas sem necessariamente romper completamente com a

lógica do currículo tradicional. Essa característica dos enxertos, inclusive pode ser vista

também como sua fragilidade, uma vez que eles não promovem inteiramente uma

transformação nas práticas curriculares, correndo o risco também de ficar em uma

superficialidade nas discussões das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. No

entanto, ciente desses riscos, concordamos com alguns autores (FLOR, 2007; OSORIO,

2002) que defendem os enxertos como primeiro passo em um processo gradual de

transformação das práticas curriculares. Em condições em que os professores não tenham

total autonomia para colocar em prática as modificações que as propostas CTS exigem, os

enxertos se tornam uma forma de ousadia controlada, situada em pontos específicos do

planejamento escolar, onde, por exemplo, é possível experimentar novas práticas

pedagógicas, formas diferenciadas de avaliação e mesmo que momentaneamente refazer as

relações tradicionalmente estabelecidas para o processo pedagógico.

O terceiro texto discutia a formação continuada de professores de física do ensino médio, em

uma perspectiva de formação CTSA(BERNARDO, VIANNA e FONTOURA, 2007). Nesse

trabalho o tema energia também estruturava o trabalho de formação continuada e era o que

pautava a elaboração das propostas CTSA desenvolvidas, focando especificamente na

discussão da questão da geração e consumo energético. Esse texto tratava especificamente

do tema Energia, que nos interessava por ser também o tema do projeto que estávamos

envolvidos. Além disso, também envolvia a questão da formação continuada de professores,

uma vez que analisava os processos de apropriação e significação que professores da rede

pública apresentaram ao tomarem contato com as abordagens CTS e elaborarem propostas

de atividades em sala. Dessa forma, o texto nos ajudou a construir com a professora um

55

entendimento sobre as dificuldades implicadas nesse processo de implementação de práticas

CTS no contexto escolar, do ponto de vista do próprio processo de aprendizagem do

professor da rede em se familiarizar com o referencial CTS. O texto evidencia uma série de

dificuldades que as propostas CTS elaboradas tiveram em alcançar uma percepção ampliada

de inter e multidisciplinaridade, assim como as próprias dificuldades dos professores em

conciliar as abordagens CTS com suas visões e práticas tradicionais.

Além dos textos sugeridos pela equipe do projeto, a professora, motivada pelo processo de

aprendizagem que construímos no grupo, buscou, por iniciativa própria, outras referências

sobre a discussão CTS no ensino de ciências, investindo parte de sua bolsa na compra de

livros (Bazzo, 2003) e em revistas que tratavam dessa temática. Essa postura da professora

foi muito interessante, na medida em que evidencia sua autonomia dentro do processo

formativo que estabelecemos nesse projeto. Ela não se limitou apenas ao que a equipe de

pesquisadores oferecia em termos de materiais teóricos. Nesse sentido, ela se portou de

maneira ativa e interessada no processo de imersão no campo teórico CTS, estabelecendo

suas próprias leituras e contribuindo com suas vivências e experiências anteriores no campo

da educação. A leitura e discussão dos textos sugeridos no projeto e os complementares que

ela mesma selecionou foram importantes na medida em que apresentaram para ela

possibilidades de inovações curriculares que fugiam ao tradicional e destacavam os cuidados

necessários quando se pretende incorporar uma perspectiva CTS ao ensino de ciências.

A dinâmica de discussão desses três textos com a professora consistiu em reuniões dedicadas

para cada um dos textos isoladamente. Nas reuniões de discussão cada integrante indicava

um aspecto do texto lido que se relacionasse com os limites e possibilidades de

implementação daquelas propostas no contexto de Macaé. Nesse processo, a professora

refletia sobre sua prática pedagógica e se apropriava de argumentos, exemplos e ideias para

embasar a sua construção da proposta CTS.

Estabeleceu-se durante essas reuniões uma parceria cooperativa, mas também um espaço de

negociação entre professora e pesquisadores na medida em que as intervenções durante as

discussões buscavam construir uma proposta que atendesse expectativas tanto pedagógicas

quanto acadêmicas, além de dar conta das questões praticas e administrativas do cotidiano

escolar.

Durante essas reuniões foram discutidos também aspectos relativos ao contexto do

município de Macaé. Buscando estabelecer as questões locais que envolveriam as inter-

relações CTS, foram considerados os aspectos econômicos, históricos e sociais da cidade. A

56

professora por ser residente de Macaé há mais de duas décadas foi testemunha das profundas

modificações que a indústria do petróleo provocou na região. Parte de nossos esforços

durante os meses de planejamento foi pensar como incorporar à aula de biologia,

especificamente no que se referia à temática energia, as discussões no plano social e

econômico relativas ao município.

No inicio do período de leitura e discussão de textos, a professora produziu um pequeno

memorial sobre sua trajetória profissional na educação. Ao final desse período de formação

ela produziu um registro de suas impressões sobre a discussão das abordagens CTS. Ambas

as produções textuais constaram como dados empíricos que foram posteriormente

considerados em nosso corpus de análises.

Nos meses de Março e Abril, embasados pelas leituras e discussões realizadas, iniciamos

propriamente o processo de elaboração da unidade CTS sobre o tema energia. Partimos de

uma perspectiva de construção da unidade em que o conceito de Energia fosse um tema

unificador (ANGOTTI e AUTH,2001) de modo a explorar o potencial que esse tema tem de

articular e interligar conceitos de diferentes áreas de conhecimentos.

Tendo em mente o conceito de energia como um tema unificador, primeiramente foi feita

uma análise do planejamento do curso da professora. No ano de 2011 o Governo do Estado

do Rio de Janeiro através do decreto Nº 42.793 de 6 de Janeiro de 2011 implementou o

chamado currículo mínimo como parâmetro para organização dos conteúdos a serem

trabalhados no ano letivo pelas escolas e professores. Esse currículo mínimo foi elaborado e

proposto pela Secretária de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ) com a

participação de alguns representantes dos professores da rede pública Estadual.

Para regular a implementação do currículo mínimo no estado, a SEEDUC-RJ realiza

avaliações bimestrais que visam verificar se os conteúdos estipulados no currículo mínimo

estão sendo “dados” na sequencia estipulada pelos documentos oficiais. Foi identificado no

currículo mínimo do Estado que o primeiro, terceiro e quarto bimestre previam conteúdos

que envolviam o conceito de energia. No primeiro bimestre estava previsto o conteúdo

“Mecanismos energéticos da Célula: Fotossíntese e Respiração celular”, no terceiro

“Processos de obtenção de energia pelos seres vivos” e no quarto bimestre “ Processos de

obtenção e transformação de matéria em energia”.

Nesse sentido, o currículo mínimo exerce uma pressão e um constrangimento às inovações

curriculares, na medida em que prescreve, à revelia dos contextos locais, como que os

conteúdos devem ser encadeados em uma sequência didática. A partir de uma reflexão sobre

57

o papel do professor enquanto construtor de currículos ao invés de um mero executor de

currículos a professora optou por reunir esses três conteúdos em uma mesma unidade

didática que foi desenvolvida durante todo o segundo bimestre letivo, tendo inicio no mês de

Maio e se estendendo até o mês de Junho de 2011. A construção da unidade buscou explorar

na temática energia as articulações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade.

A pesquisa desenvolvida na minha tese de doutorado se constituiu na análise do processo de

construção dessa unidade didática, seus produtos e resultados do ponto de vista das

articulações discursivas ali estabelecidas no que se refere tanto aos intertextos realizados

como também aos processos de disputa por hegemonia que os diferentes discursos

articulados provocaram.

Analisamos as produções textuais elaboradas pela professora ao longo do projeto, assim

como a proposta CTS desenvolvida, considerando seu planejamento, execução e avaliação

dos resultados de aprendizagem. Com isso pretendemos discutir questões relativas à

natureza das transformações que o discurso CTS sofre no espaço escolar, e quais elementos

são mobilizados na construção de uma proposta CTS para o ensino médio, na medida em

que essas propostas precisam lidar com os limites e possibilidades oferecidos pelo contexto

escolar específicos do Estado do Rio de Janeiro, no município de Macaé.

No próximo capítulo apresentaremos uma descrição e análise da conjuntura em que nossa

pesquisa foi desenvolvida, aprofundando a caracterização do cenário de pesquisa e dos

atores que foram sujeitos de nossa pesquisa.

58

4. Contexto de Pesquisa

4.1 Macaé, de princesinha do Atlântico à capital nacional do petróleo.

Tal qual o Rio de Janeiro é conhecido como Cidade Maravilhosa, São Paulo como Terra da

Garoa, Macaé foi por muito tempo chamada carinhosamente de Princesinha do Atlântico.

Localizada na região Norte fluminense do Estado do Rio de Janeiro (figuras 1, 2 e 3), Macaé

apresenta uma importante participação na história econômica do Brasil.

Figura 1: Mapa do Brasil com destaque para o Estado Do

Rio de Janeiro

Figura 2: Localização de Macaé no Estado do Rio de Janeiro

Figura 3: Mapa do Estado do Rio de Janeiro

59

Ainda na época do Império português, a região que hoje é Macaé pertencia a Capitania de

São Tomé (ESTEVES, 2011). Essa foi uma das ultimas capitanias a serem doadas pela

Coroa portuguesa para membros da pequena nobreza portuguesa. Em 28 de fevereiro de

1536 o Rei D. João III doou a Capitania de São Tomé para Pero de Góis (ESTEVES, 2011).

Essa capitania se estendia entre a foz do Rio Itapemirim (ES) ao norte e a foz do Rio Macaé

ao sul, compreendendo boa parte do que é conhecido atualmente como o Norte Fluminense

do Estado do Rio de Janeiro. As primeiras tentativas de colonização dessa região

fracassaram em função da presença dos índios Goitacá que habitavam essas terras. Os índios

Goitacá eram exímios guerreiros e ofereceram uma intensa resistência aos europeus nas

primeiras décadas de colonização. Essa resistência era tão forte que fez inclusive que os

primeiros donatários desistissem de tentar ocupar as terras da Capitania de São Tomé. A

geomorfologia costeira da região não favorecia a construção de portos, por ser inteiramente

de mar aberto e bravio, impossibilitando que os navios atracassem na costa. Essa

característica da região somada aos constantes e violentos embates com os goitacás

deixaram essas terras isoladas do resto da colônia portuguesa por algumas décadas ao ponto

de que no ano de 1546, Pero Gois, após um violento levante Goitacá, desistiu da capitania.

Somente no século XVII, em 1627, alguns senhores de engenho nomeados Capitães pela

Corte Portuguesa, requisitaram como Sesmaria parte das terras da capitania de São Tomé,

entre o Rio Macaé e a Lagoa Açu para fins de atividades agrícolas e pecuária(ESTEVES,

2011). Esses capitães, conhecidos historicamente como os Setes capitães, empreenderam

uma série de expedições nesse território e os diários dessas viagens constam como ricos

documentos históricos dessa região. No século XVII a relação com os índios Goitacá já era

não era tão conflituosa como no século anterior, por esse motivo, os sete capitães tiveram

mais sucesso na empreitada de fundar novas centros de exploração da região, em especial na

região em que hoje existe o município de Campos dos Goitacazes, município vizinho à

Macaé. Em um primeiro momento, as ações desses capitães na região se concentraram na

criação de gado para abastecer os engenhos de açúcar que se desenvolviam ao redor da Baia

de Guanabara. Posteriormente, com o declínio da pecuária, iniciou-se ali o ciclo da cana de

açúcar na região com o plantio dos primeiros canaviais.

O estabelecimento da economia do açúcar no Brasil colonial fez com que toda aquela região

outrora inóspita e pouco atrativa se tornasse um dos grandes centros da economia brasileira

durante o século XIX e inicio do século XX. Na virada do século XVIII para o XIX,

ocorreu uma mudança na região no que se refere à organização da produção açucareira que

60

passou a ser feita em grandes Engenhos Centrais ao invés de serem distribuídas em diversos

pequenos engenhos. Essa centralização da produção em grandes e extensos engenhos deu à

região a vanguarda da produção no país e consequentemente enriqueceu por demais os

barões locais.

O peso econômico da região se refletia também no peso político visto que a região do norte

fluminense como um todo concentrou muitos barões do açúcar que davam sustentação ao

regime escravocrata da monarquia portuguesa. Consta Inclusive que D.Pedro II chegou a ir

ao casamento do Filho do Barão de Araruama na fazenda Quissamã, sinalizando o prestigio

que a elite açucareira do norte fluminense tinha junto à corte portuguesa .

Com o território desmembrado de Cabo Frio e Campos, Macaé torna-se município em 25 de

janeiro de 1814. (IBGE,2013) Sendo passagem terrestre obrigatória entre o Rio de Janeiro e

Campos, Macaé foi sede do registro criado pelos viscondes de Asseca, com a função de

cobrar impostos e fiscalizar tudo o que saía do rio Paraíba do Sul, mantendo o território sob

ferrenha opressão. Em 15 de abril de 1846, a lei provincial nº 364 eleva a Vila São João de

Macaé à categoria de cidade (IBGE,2013).

Para auxiliar o escoamento da produção dos engenhos de açúcar da região em 1872, inicia-

se a construção do canal Campos-Macaé, atravessando restingas, num trajeto de 109

quilômetros. O canal levava a produção dos engenhos de Campos dos Goytacazes até o

porto marítimo da enseada de Imbetiba localizada na cidade de Macaé. Com isso, o porto de

Imbetiba se tornou um importante elemento para a economia fluminense.

Ao longo do século XIX, com o declínio do ciclo do açúcar na região Norte Fluminense,

Macaé sentiu diminuir sua importância política e econômica. No entanto o período de

riquezas não deixou nenhum beneficio à cidade de Macaé como legado. O que se observou

foi o enriquecimento de algumas famílias que dominavam as terras, sem necessariamente

implementar melhores condições estruturais para a cidade como um todo nem para a

população que ali se instalou. O município manteve sua economia local baseada na

agricultura, na pesca e na pecuária, e pode se dizer que entre o inicio do século XX e meados

da década de 1970 a cidade viveu em certo marasmo econômico, mantendo-se uma cidade

pequena e pouco estruturada.

No entanto, foi justamente na década de 1970 que aconteceram fatos que mudaram

radicalmente o cenário da cidade: foram descobertos poços de petróleo nas águas profundas

61

da Bacia de Campos. A descoberta desses poços de petróleo desencadeou o inicio de uma

nova fase de desenvolvimento econômico no município e arredores. A instalação de base de

operações da Petrobrás na cidade em 1978 provocou profundas alterações no perfil

demográfico e na economia do município.

O inicio das atividades da Petrobrás na região trouxe a reboque toda uma cadeia produtiva

do petróleo e gás que fixou empresas prestadoras de serviços, assim como empresas

estrangeiras que atuam nesse setor. De modo a atender a demanda por mão de obra

especializada Macaé se tornou, desde a década de 1980, o destino de fluxos migratórios de

diferentes estados brasileiros, assim como de países estrangeiros.

Nas ultimas 4 décadas uma grande quantidade de pessoas se mudaram parcial ou

definitivamente para Macaé de modo a preencherem os postos de empregos relacionados às

atividades da indústria do petróleo e dos demais serviços associados à essas atividades. Para

se ter uma ideia, durante a década de 70 a população de Macaé girava em torno de 47 mil

pessoas, nos dias de hoje a estimativa é de que cerca de 200 mil pessoas residam de forma

parcial ou integral no município. Segundo as fontes do IBGE, nos últimos 20 anos, a

população da cidade praticamente dobrou.

Tabela 2: Crescimento Populacional em Macaé (Fonte: IBGE, 2010)

Devido aos impactos ambientais e sociais que a exploração do petróleo gera, Macaé passou

a receber, a partir da década de 1999 volumosos aportes de recursos advindos dos chamados

royalties do petróleo (Tabela 5)

Ano Macaé Rio de Janeiro Brasil

1991 100.895 12.807.706 146.825.475

1996 120.009 13.323.919 156.032.944

2000 132.461 14.391.282 169.799.170

2007 169.513 15.420.375 183.987.291

2010 206.728 15.989.929 190.755.799

62

Ano Valor dos royalties

1999 R$ 34.757.683,06

2000 R$ 84.827.106,07

2001 R$ 114.927.809,68

2002 R$ 181.093.886,42

2003 R$ 259.987.249,02

2004 R$ 287.551.201,31

2005 R$ 347.870.813,54

2006 R$ 413.116.830,41

2007 R$ 349.105.425,81

2008 R$ 406.961.370,68

2009 R$ 79.400.668,95 (até abril)

Tabela 3: Evolução dos Royalties de Macaé (fonte: Prefeitura Municipal de Macaé)

Como se pode observar, esses recursos giram na casa dos milhões de reais e teriam como

função possibilitar aos municípios produtores de petróleo e gás uma compensação

econômica, de modo que esses municípios pudessem a investir em desenvolvimento local e

de cadeias produtivas alternativas para substituir a economia do petróleo que por ser baseada

em um recurso não renovável tem um tempo de vida útil e um prazo de exploração. Além

disso, essa atividade econômica causa impactos permanentes nos ecossistemas da região e

por esse motivo esses recursos seriam destinados a fazer uma compensação ambiental

também na região através de investimentos na área de meio ambiente. Em outras palavras,

os royalties seriam um meio pelo qual a cidade poderia investir em sua infraestrutura,

através dos setores público de saúde, educação, lazer, saneamento e serviços básicos de

modo a se preparar para o futuro onde a atividade da indústria petrolífera deixaria de atuar.

No entanto, tal qual no período áureo da cana de açúcar, por conta de uma intensa

corrupção, de sucessivas gestões irresponsáveis e ao mau uso do dinheiro publico, os

royalties não trouxeram mudanças profundas nas condições sociais da cidade, tendo sido

utilizados em setores não estratégicos, no enriquecimento da elite econômica macaense e na

manutenção do domínio político de algumas poucas famílias que atuam já há algumas

décadas na vida publica e política da cidade.

Conforme uma série de estudos já apontaram, os royalties não garantiram o

desenvolvimento sócio econômico local dos municípios beneficiados (MIRANDA, 2011;

ESTEVES, 2011). De certa forma eles até contribuíram para um agravamento das

63

desigualdades sociais uma vez que a condição de Capital do Petróleo construiu uma

imagem para Macaé como uma cidade rica, com muitas oportunidades de trabalho e de

enriquecimento. Essa imagem trouxe para Macaé um grande contingente de pessoas

oriundas de regiões mais pobres do país em busca de emprego. No entanto, a cadeia

produtiva do petróleo apesar de ser extremamente lucrativa é extremamente seletiva quanto

à demanda de mão de obra.

A grande maioria das oportunidades de emprego em um primeiro momento foram para

pessoas de fora da cidade, que vinham de grandes centros com uma formação altamente

especializada nas diversas áreas técnicas relativas a indústria off-shore. A população

macaense foi sendo beneficiada indiretamente pela chegada da indústria offshore na medida

em que a chegada desse novo contingente populacional desencadeou o desenvolvimento de

uma série de serviços que começaram a ser oferecidos na cidade. Ao mesmo tempo, o

estabelecimento desse novo contingente altamente bem remunerado levou a um aquecimento

econômico nos setores imobiliários da cidade, assim como a uma alta generalizada no custo

de vida na cidade. Esses fatos são necessários para se entender o grande contraste social que

Macaé apresenta, pois ao mesmo tempo em que a indústria offshore atraiu esse contingente

que ocupou postos de trabalho bem remunerados, uma grande parcela das pessoas que

vieram em busca de emprego em Macaé e muitos nativos da cidade não conseguiram se

estabelecer no mercado seja por falta de qualificação ou por forte concorrência. Com isso,

essa parcela de trabalhadores tiveram que se inserir em redes produtivas informais ou

acessórias à cadeia principal, reproduzindo assim muitas das desigualdades que são comuns

nas grandes cidades tais como a favelização dos espaços de moradia.

O contingente da população não assimilado pela cadeia produtiva do petróleo somado a um

crescimento desordenado, fez com que em poucas décadas Macaé, mesmo sendo uma cidade

pequena, reproduzisse o padrão dos grandes centros urbanos, apresentando um elevado

contraste social e o estabelecimento de diversas comunidades de baixa renda em regiões

menos valorizadas da cidade.

Além disso, o fato de grande parte da população atual ter vindo de outras cidades e regiões

faz com que Macaé sofra de certa falta de identidade e autoestima, pois boa parte da

população não cria raízes na cidade, assumindo uma postura de pouco envolvimento com a

cidade no sentido de conhecer sua história, e contribuir para seu desenvolvimento. Boa parte

64

da população estabelece uma relação com Macaé onde a cidade é vista apenas como o local

de trabalho, não sendo criados vínculos afetivos e de responsabilidade para com a cidade.

Para alguns, que são originários de grandes centros urbanos, existe um sentimento de

ressentimento em relação ao fato de Macaé por ser uma cidade pequena não ser dotada de

muitos aparelhos culturais como teatros, cinemas e casas de show e por isso não

proporcionar o mesmo nível de opções de entretenimento nem a sofisticação de suas cidades

de origem.

Dessa forma, se estabelece um ciclo vicioso onde a falta de uma estrutura melhor em termos

de cidade, leva a uma falta de envolvimento da população para com essa cidade no plano

político e cotidiano, que por sua vez contribui para o não desenvolvimento de melhores

estruturas e serviços na cidade. Com isso, a cidade de Macaé vive em um contraditório

contexto onde a riqueza do petróleo não se materializa na melhoria das condições sociais

locais. Sendo uma cidade de forasteiros Macaé cresceu sem reverter localmente o ganho de

ter se tornado a capital nacional do petróleo.

Dentro desse contexto econômico-social superficialmente descrito nas linhas acima, se

desenvolve um sistema de ensino que comporta a unidade escolar que serviu de cenário para

a pesquisa desenvolvida em minha tese. Pretendo na próxima seção descrever o contexto

educacional de Macaé, a unidade escolar onde desenvolvemos a pesquisa e a professora que

foi sujeita da investigação.

4.2 Contexto do Sistema educacional em Macaé

Como dito anteriormente, Macaé é um município com cerca de 206.000 habitantes (IBGE,

2013). Segundo o Censo Educacional de 2012 sua rede de ensino estadual conta com 25

colégios de ensino médio e cerca de 546 professores que atendem em torno de 7452 alunos

matriculados nas modalidades regular e de ensino de jovens e adultos (EJA) (INEP,2012).

As ultimas avaliações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) em Macaé

no ano de 2011 conferiram à rede estadual na região a nota 2.9 ( em uma escala de 0 a 10)

ficando assim 12% abaixo da meta de 3.3 projetada para a rede naquele ano. O IDEB é

calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de

desempenho em língua portuguesa e matemática nas avaliações Saeb e Prova Brasil

organizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP).

65

O conjunto de 25 colégios estaduais apresentam uma diversidade de cenários e condições

especificas, tendo cada unidade escolar sua própria história e peculiaridades. Nesse sentido,

pretendemos fazer uma breve caracterização da unidade escolar onde foi realizada a

investigação de modo a contextualizar o cenário empírico do trabalho.

A pesquisa foi realizada nessa unidade, pois essa era a unidade onde a professora bolsista

exercia sua carga horária na rede estadual. Essa unidade escolar se localiza em um bairro

periférico de Macaé, onde reside boa parte da classe trabalhadora do município. Esse bairro

concentra uma população que socioeconomicamente estaria em média nas classes C e B.

Como colégio estadual, o público dessa unidade escolar era predominantemente de baixa

renda, porém com acesso à bens materiais como celulares smartphones, tênis e mochilas de

marca.

A unidade escolar apresentava um bom espaço físico, mas não poderia ser chamada de

grande. Segundo o Censo Escolar de 2011 a unidade naquele ano possuía 85 funcionários e

atendia 1173 alunos nos turnos Matinal, Diurno e Noturno. Em relação ao ensino médio

regular, a escola atendia 826 alunos e especificamente no 2º ano do ensino médio atendia

234 alunos.

A escola tinha uma direção experiente e comprometida com o bom funcionamento da

unidade. Essa direção já estava em seu segundo mandato, de modo que existia naquele ano

uma estabilidade do ponto de vista da administração do colégio. Isso se refletia em uma boa

organização dos espaços tais como a biblioteca, sala de informática, laboratório de ciências,

refeitório e um pequeno auditório dotado de equipamento de projeção e reprodução de

DVDs. As salas de aula são amplas e iluminadas, no entanto, parte das carteiras dos alunos

se encontrava danificadas de alguma forma.

A partir da minha convivência na escola acompanhando a aplicação da unidade CTS

desenvolvida, pude constatar que existia na unidade o que pode ser considerado como um

bom clima de trabalho. Esse bom clima se refere ao fato de que os professores sinalizavam

para uma satisfação com a direção da escola e encontravam condições físicas razoáveis de

trabalho. Para os professores, os alunos do turno da manhã eram considerados, no geral,

como alunos de boa convivência. Isso se deve em parte pelo esforço da direção em

estabelecer um ambiente regrado para os alunos de modo a induzir um bom comportamento

entre os discentes e também porque a escola tinha uma postura de tentar encaminhar os

alunos mais problemáticos para outras unidades escolares.

66

Evidentemente isso não quer dizer que o cotidiano escolar fosse sempre um mar de rosas.

Como toda unidade escolar, a escola também tinham seus dias mais conturbados, mas no

geral o quadro encontrado lá era diferente do retrato pessimista das condições da educação

publica muito recorrentes no senso comum.

No entanto, a escola também sofria os efeitos da não fixação dos profissionais da educação

no município. Conforme comentado anteriormente, muitas das pessoas que trabalham em

Macaé não residem lá. No contexto da educação isso gera um problema no sentido em que

os professores que são de fora da cidade solicitam que seus horários com as turmas sejam

organizados em no máximo dois dias na semana. Com isso, ocorre o que na cultura escolar

ficou conhecido como verticalização do horário, que significa que o professor tem

distribuído todos os seus tempos de aula um atrás do outro ao longo do dia inteiro. Essa

situação faz com que as disciplinas escolares se concentrem em determinados dias, ou seja,

todas as turmas da escola tem aulas de determinada disciplina em um mesmo dia.

Com isso, pelo fato de muitos professores não morarem na cidade, ocorriam com certa

frequência faltas decorrentes de problemas do deslocamento desses professores até Macaé e

uma serie de lacunas no horário escolar que prejudicavam o andamento das atividades, já

que várias turmas ficavam sem professor para dar aula e a escola não contava com um

sistema de banco de atividades para suprir e ocupar as turmas sem professores. Além dessa

questão com os professores de fora da cidade, havia também os problemas de falta de

professores na própria rede estadual fazendo com que a unidade escolar não tivesse

professores para todas as disciplinas naquele ano. Dessa forma, havia situações em que os

alunos chegavam na escola às 7h20min da manhã e não havia professores para os quatro

primeiros tempos de aula. Essa situação forçava a escola a duas opções: liberar as turmas

sem aula ou então fazer com que os professores que estavam presentes no dia adiantassem

suas aulas para as turmas sem professores. Essa segunda opção, no entanto era executada ou

juntando duas turmas de cerca de trinta e poucos alunos em uma mesma sala ou então com o

professor atuando simultaneamente em duas salas diferentes. Em ambas situações ocorria

um grande comprometimento da qualidade do trabalho docente. Apesar desse prejuízo

pedagógico, no geral os professores eram pressionados, seja pela direção ou pelos alunos a

adiantar suas aulas nesses casos.

De uma maneira geral, a unidade escolar não tinha o perfil focado na preparação para

exames tais como o ENEM e o Vestibular e seu alunado também não tinha muitas

67

perspectivas de continuar estudando ao final do ensino médio. Os alunos do colégio tinham

perspectivas mais voltadas para o mercado de trabalho offshore do que para formação

acadêmica. Parte dos alunos faziam formações técnicas complementares com a finalidade de

se capacitar para o mercado, outros simplesmente objetivavam terminar o ensino médio

apenas.

Dos 234 alunos do segundo ano do ensino médio, cerca de 120 eram alunos da professora-

bolsista do projeto divididos em 3 turmas no turno da manhã. Para fins de pesquisa

acompanhamos o desenvolvimento da unidade didática CTS em apenas uma das turmas de

segundo ano da professora bolsista.

A turma observada tinha inicialmente 35 inscritos, no entanto, a média de frequência nas

aulas variava em torno de 20 a 25 alunos. Essa turma tinha uma relação bem harmônica com

a professora. Eles eram bem tranquilos não exigindo da professora muito esforço na

administração do espaço da sala de aula. No geral eles cooperavam com a professora e

demonstravam valorizar as aulas dela. Essa valorização era sinalizada através do habito da

turma comparecer à aula da professora mesmo em dias que as únicas aulas dadas eram a de

biologia, pois os demais professores faltaram. Conforme citado anteriormente, ficar na

escola sem aula, aguardando o horário da aula de biologia era no contexto das escolas

estaduais de Macaé um sinal de grande prestigio do professor com os alunos. No geral os

alunos nesse tipo de situação não ficam esperando as aulas que são nos tempos finais do

turno.

Apesar de serem razoavelmente bem comportados, no inicio do ano os alunos da turma que

acompanhamos ao longo da pesquisa apresentavam uma postura um pouco apática em sala

de aula. Segundo relato da professora, no bimestre que antecedeu à aplicação da unidade

CTS o comportamento deles em sala era mais passivo. Os alunos não tinham o habito de

realizar intervenções durante as aulas, seja no sentido de acrescentar assuntos nas aulas ou

até mesmo para pedir esclarecimentos à professora.

Em sua trajetória profissional ela atuou tanto na rede pública quanto particular. Segundo o

relato no memorial que ela escreveu no inicio do projeto, seu inicio no magistério foi por

meio de sua formação como normalista estando habilitada para atuar nas séries iniciais.

Nascida na cidade de Santa Maria Madalena, no Norte do Estado do Rio de Janeiro, a

primeira escola em que ela trabalhou era uma escola estadual rural. Ela atribui a essa escola

um grande aprendizado, pois ela tinha 18 anos e estava na época recém formada no curso

68

Normal de formação de professores. Essa escola era de difícil acesso e não tinha luz elétrica

na região. Por conta da dificuldade de acesso à escola, ela morou nas dependências dessa

escola durante o tempo que trabalhou lá. Ao relatar essa experiência, ela atribui uma grande

importância ao fato de que residir na escola a aproximou muito dos alunos e seus familiares,

possibilitando que ela convivesse com a comunidade escolar para além da sala de aula. Esse

convívio fora de sala de aula permitiu que ela se familiarizasse com o contexto de seus

alunos e possibilitou que ela adaptasse o currículo às necessidades e características de suas

turmas.

Após dois anos de experiência nessa escola, a professora foi remanejada para outra escola

rural no interior do estado, onde teve a oportunidade de vivenciar um trabalho curricular

diferenciado onde os alunos das séries iniciais desenvolviam os processos de ensino-

aprendizagem através da utilização de uma horta escolar. Em seu relato, essa experiência foi

marcante, pois despertou ainda mais seu interesse pessoal pelas ciências biológicas e

também porque ela foi instigada pelo desafio de envolver os alunos de modo a diminuir a

evasão escolar que ocorria em função dos alunos da escola trabalharem na lavoura com seus

pais.

No inicio da década de 1990 ela se mudou para Macaé e começou a residir e a dar aula na

cidade ainda como professora primária. Com mais oportunidades na cidade, ela aproveitou

seu interesse pelas Ciências Biológicas e concluiu um Curso Adicional em Ciências que lhe

habilitou a dar aula de Ciências para as turmas de Fundamental II (6º ao 9º ano). Lecionar

Ciências no fundamental II motivou a professora a buscar mais formação especifica em

Biologia o que a levou a cursar uma graduação em Ciências Biológicas na modalidade

licenciatura. Licenciada ela passou então a atuar no ensino médio e através de sua matricula

na rede estadual começou a trabalhar na unidade escolar onde nossa pesquisa foi

desenvolvida.

A professora atuava há cerca de 15 anos na referida unidade escolar e se referia ao colégio

com bastante carinho. Esse tempo de “casa” lhe conferia um grande respaldo junto à direção

da escola e também aos demais colegas e funcionários. Ela trabalhava na unidade durante

duas manhãs por semana, nas quartas e quintas feiras. No resto da semana a professora

trabalhava como professora e coordenadora de segmento das series iniciais em uma escola

particular em Macaé que atendia a classe média alta da cidade, com uma pedagogia

69

diferenciada baseada em projetos e sem a adoção de provas escolares como processo de

avaliação.

Esse trânsito entre a realidade da escola pública e da escola particular lhe proporcionava um

olhar diferenciado para a sala de aula. Ela destaca que sua vivência na escola particular

como professora lhe proporcionava importantes experiências formativas tais como cursos de

formação continuada e também a vivência de uma gestão escolar diferenciada que segundo

ela lhe “cobra desempenho, mas que me dá liberdade e autonomia para priorizar saberes e

fazeres.”.

Ao longo de nosso convívio, durante as muitas reuniões de planejamento da unidade didática

a professora relatava elementos que me ajudaram a compor um quadro sobre a sua

personalidade e posicionamentos pedagógicos e políticos.

No geral ela tinha uma postura de bastante seriedade e compromisso para com a escola se

mostrando extremamente organizada em relação ao seu planejamento e muito correta no que

ser referia à frequência e pontualidade na escola. De fato, ela raramente faltava e quando

precisava faltar ela sabia com antecedência e precisão que dias ela precisaria se ausentar,

deixando sempre algum tipo de atividade ou trabalho para os alunos executarem na sua

ausência.

Ela também tinha uma postura de não sucumbir à pressão para “adiantar aula” nos dias em

que, em função da falta de outros professores as turmas ficassem com horário vago. Ela

justificava essa postura baseada na experiência ruim de juntar turmas sem condições

estruturais para se manter uma qualidade no trabalho pedagógico. Interessantemente, essa

postura dela era respeitada pelos alunos, que inclusive esperavam o horário da aula dela ou

até mesmo só iam à escola naquele dia por causa da aula dela. Esse fato demonstra o

prestigio dela para com as turmas, pois geralmente quando os alunos não gostam da aula ou

da professora, eles dificilmente esperam o horário da aula, indo embora antes ou

pressionando a direção para os liberarem das aulas.

A professora tinha como prática buscar sempre produzir materiais didáticos que ela

confeccionava por conta própria arcando com custos de impressão e cópia desses materiais.

Em vários momentos de nossos diálogos ela dizia “não é isso que vai me deixar mais

pobre”. Essa observação é interessante, pois de alguma forma ela diz um pouco sobre o

posicionamento dela em relação ao processo de precarização das condições de trabalho

70

docente nas unidades escolares. Uma vez que as escolas não possuem recursos financeiros e

materiais para suprir a produção de materiais para os docentes, é comum que alguns

professores não utilizem dessa estratégia de produção de materiais didáticos por conta do

custo que isso envolve, optando por utilizar apenas o livro didático disponível, seja ele

adequado ou não. Outros até produzem esses materiais, mas repassam para os alunos o custo

de produção desses materiais. No caso a professora tinha uma postura de arcar com esses

custos, pensando mais nos benefícios para os alunos do que no prejuízo para suas finanças.

De fato, a professora gozava de uma posição confortável financeiramente na medida em que

ela tinha uma razoável independência financeira fruto de seus dois empregos, em especial o

seu emprego na escola particular na qual ela recebia também como coordenadora. Além

disso, ela tinha apenas um filho que estudava em uma escola técnica federal na cidade que

certamente proporcionava uma grande economia em suas finanças. Na época do projeto seu

marido era empregado de uma empresa que prestava serviço ao mercado off-shore. Com

isso, a professora tinha condições pessoais e familiares que proporcionavam a ela um padrão

de vida que poderia ser classificado como de classe média na medida em que ela residia em

um imóvel próprio em um bairro nobre da cidade e tinha condições de consumo desse tipo

de segmento social.

No entanto, mais do que a condição financeira que possibilitava a professora custear a

produção dos materiais, destacamos também a dimensão pedagógica do fato dela reconhecer

que suas turmas necessitavam de materiais específicos que tratassem ou de temas que não

eram abordados nos livros didáticos ou que organizassem mais sinteticamente os conteúdos

que ela trabalhava em sala e que permitisse aos alunos estudarem para as avaliações. Esses

materiais produzidos eram em geral textos selecionados de fontes como livros paradidáticos,

reportagens de jornal e revistas, sites da internet e até mesmo outros livros didáticos que não

eram utilizados na escola, mas que ela gostava. Esses textos eram selecionados e editados

pela professora de acordo com o conteúdo trabalhado e o resultado final era um material de

até duas paginas com a síntese das informações pertinentes para os alunos consultarem e

estudarem.

Na sua prática pedagógica, a professora fazia saídas de campo pelo menos uma vez ao ano

com suas turmas de modo a explorar ecossistemas da região. Nessa situação ela também não

se intimidava com as inúmeras dificuldades envolvidas em organizar uma saída de campo,

seja no que se refere à logística do transporte como também na gestão da turma em espaços

71

fora da escola. Em algumas situações a professora conseguia contar com o apoio da escola

no custeio do aluguel do transporte, em outras situações ela dividia com os alunos alguns

desses custos e em alguns casos professora e alunos iam de ônibus comum para os locais.

As saídas de campo cumpriam uma função pedagógica de ilustrar no campo assuntos vistos

em sala referentes aos tópicos de ecologia e ecossistemas, mas também tinham um caráter de

confraternização da turma e recompensa por bom comportamento dos alunos ao longo do

ano. Considero esse fato relevante porque ele ilustra como que a professora mesmo no

contexto adverso da rede estadual de ensino, onde se relatam faltas de condições estruturais,

materiais e psicológicas de trabalho, se propõe a fazer um trabalho minimamente

diferenciado e enriquecido.

Pela forma como ela se relacionava com sua atividade na escola estadual a professora se

mostrava motivada e disposta atuar na rede chegando inclusive a dizer que sentia se um

pouco “dona” e responsável pela escola. Ela tinha um bom relacionamento com os demais

professores da escola e demonstrava se sentir bem à vontade no ambiente escolar. Em mais

de um momento em nossas interações ela se referia à escola e aos professores e funcionários

com carinho utilizando expressões como “família”, “equipe”, “turma” sinalizando para um

envolvimento para além do profissional naquele espaço. Em nossas conversas ela relatou

situações dos professores se mobilizarem para ajudar colegas que passavam por

dificuldades, ou até mesmo alunas que ficavam grávidas e não tinham suporte familiar

adequado.

Essas características da professora, da turma, da escola e da cidade são elementos

importantes para a análise dos dados que faremos a seguir. Buscamos montar essa descrição

do contexto da pesquisa pois ele é parte fundamental para o entendimento das condições de

produção dos textos da professora. Ao longo do projeto, ela produziu esses textos

endereçados para mim como pesquisador e a caracterização dela como sujeito da pesquisa se

faz necessária para o entendimento de seus enunciados. Da mesma forma, para entendimento

da analise das interações ocorridas em sala de aula, que materializaram a proposta CTS

estudada nessa tese também é importante a caracterização da turma, da escola e da cidade de

forma a dar sentido aos enunciados ali produzidos. Iremos no próximo capitulo apresentar e

discutir os dados da pesquisa e sempre que necessário voltaremos aos elementos aqui

descritos de modo a sustentar nossas análises.

72

5.Apresentação e análise dos Dados

Neste capitulo apresentamos nossos dados e desenvolvemos nossas análises e discussões

sobre os mesmo. Os dados considerados nessa tese envolveram:

o Quatro produções narrativas elaboradas pela professora bolsista:

um memorial sobre sua trajetória profissional,

um diário sobre as aulas ministradas durante a aplicação da unidade

CTS,

dois textos em que ela relata suas impressões sobre o campo CTS

sendo um antes do desenvolvimento do planejamento da unidade e o

outro ao final da aplicação da unidade,

o O registro em vídeo de todas as aulas da unidade.

o Documentos sobre o currículo mínimo da Secretaria de Educação do Estado do

Rio de Janeiro

o Os documentos referentes à unidade didática CTS desenvolvida: cronogramas,

plano de unidade, planos de aula, textos e materiais didáticos utilizados,

atividades de avaliação e de fixação de conceitos, apresentações de slides,

Esses materiais empíricos foram analisados de modo a identificar os intertextos e

articulações discursivas presentes nas produções narrativas da professora assim como no seu

processo de apropriação do discurso CTS. Esses intertextos e articulações discursivas serão

problematizados frente às questões de disputas por hegemonia presentes no interior da

prática social do ensino de ciências assim como da interação dessa prática com outras

práticas externas ao ambiente escolar.

5.1 Da unidade didática em si.

Um dos primeiros objetos para nossa análise se refere à proposta de unidade didática CTS

que a professora elaborou e executou. Tratar essa proposta como dado se sustenta na

consideração que a unidade em si é resultado de um conjunto de escolhas e articulações

feitas pela professora em interação com demandas pedagógicas, institucionais e acadêmicas.

O texto que analisamos se refere à estrutura da unidade, a organização dos conteúdos a

serem ensinados e os documentos de planejamento que a professora gerou assim como seu

relato das aulas ministradas na unidade CTS. No nosso caso, buscaremos analisar as

escolhas e articulações feitas pela professora em sua proposta de unidade CTS a partir de sua

73

dimensão discursiva visando estabelecer os intertextos realizados assim como as disputas

por hegemonia que se estabeleceram nesse processo.

Como relatado no capitulo 3, a professora elaborou essa unidade didática em uma situação

em que ela era bolsista de um projeto de pesquisa. A condição de bolsista no projeto

modificou em parte a sua rotina como docente, na medida em que além das demandas

pedagógicas e institucionais para aquele ano, seu planejamento pedagógico precisou

dialogar também com demandas acadêmicas que exigiam que ela se apropriasse do discurso

CTS e o colocasse em prática com sua turma no contexto do ensino sobre o tema Energia.

O tensionamento entre essas diferentes demandas fez com que a professora se posicionasse

perante as questões que iam surgindo ao longo do processo de elaboração da unidade

didática CTS. O primeiro posicionamento da professora foi em relação às prescrições

curriculares do Estado do Rio de Janeiro. Conforme comentado anteriormente no capitulo 3,

no inicio do planejamento da unidade didática a professora identificou no currículo mínimo

do Estado os conteúdos que se relacionavam com a temática da Energia. A partir das

discussões no âmbito do projeto, a professora avaliou que não seria interessante manter esses

temas espalhados ao longo do ano. Essa avaliação foi decorrente do processo de apropriação

da professora do discurso CTS na medida em que essas abordagens pressupõem uma

articulação entre os conteúdos ao invés do trabalho segmentado e isolado. Nesse sentido a

decisão por reunir os conteúdos relativos ao tema energia em uma única unidade a ser

trabalhada no segundo bimestre letivo é em si um ato de enfrentamento da política curricular

do estado e de alguma forma estabelece uma ruptura com as práticas hegemônicas do ensino

de ciências na rede estadual do Rio de Janeiro.

Quando mencionamos as práticas hegemônicas no ensino de ciências estamos nos referindo

às práticas mais estabelecidas no cotidiano escolar, ou seja, aquelas que prevalecem mais e

ocorrem com mais frequência no âmbito da rede como um todo.

No caso, a forma mais estabelecida de se trabalhar a temática energia no cotidiano escolar

seria seguir o currículo tal qual ele esta prescrito pela Secretaria de Educação do Estado do

Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ). Dessa forma, em alguns momentos de nossas análises iremos

eventualmente nos referir às práticas hegemônicas como sendo tradicionais, no sentido que a

condição de hegemônicas naturaliza essas praticas no cotidiano escolar fazendo-as se

perpetuar seja pela mera reprodução como também através de estratégias institucionais

coercitivas sutis ou explicitas.

74

Esse enfrentamento da professora da estrutura curricular da rede estadual pode ser entendido

por diferentes ângulos. Um deles como dito anteriormente se refere ao processo da

professora de apropriação do discurso CTS. Através do discurso CTS a professora encontrou

argumentos pedagógicos e acadêmicos para sustentar a modificação da sequencia de

conteúdos do currículo escolar. No entanto, essa decisão ia de encontro às determinações da

SEEDUC-RJ. Nesse momento, identificamos o quanto o contexto local influencia a prática

pedagógica na medida em que o respaldo institucional da professora em sua unidade escolar

lhe permitiu sustentar esse enfrentamento sem temer represálias. Como dito no capitulo 4, a

professora já trabalhava há mais de 15 anos na unidade escolar e por isso contava com a

confiança da direção no sentido de ter autonomia de decisão na condução de seu trabalho

pedagógico.

Além disso, a professora usou de estratégias para lidar com os exames institucionais como,

por exemplo, produzir materiais didáticos relativos aos conteúdos cobrados nesses exames,

mas que em função da decisão dela de alterar a ordem dos conteúdos não foram trabalhados

naquele segundo bimestre em especifico. Outra forma de lidar com essa questão fez com que

a professora adiantasse o ensino de determinados temas que deveriam ser, segundo o

currículo mínimo do Estado, trabalhados no segundo bimestre, já no primeiro bimestre, de

modo que os alunos não ficassem sem aqueles conteúdos que seriam cobrados nos exames

no segundo bimestre.

Apesar dessas estratégias adotadas pela professora, um fator que consideramos que também

foi influente para a realização desse enfrentamento curricular se refere ao fato de que a

unidade escolar em questão não tinha institucionalmente um compromisso para com esses

exames seja no sentido de priorizar a busca por notas altas nessas avaliações como no

sentido de pautar o trabalho docente para o treinamento dos alunos para que esses tivessem

alto desempenho nos exames. Dessa forma, essa característica da escola também contribuiu

para que a professora tivesse confiança e possibilidade de ousar alterar os conteúdos

programáticos, uma vez que em uma unidade escolar em que treinar os alunos para os

exames fosse uma prioridade, talvez a professora não tivesse tanta autonomia para modificar

a sequencia do currículo mínimo.

Além disso, outro fator que consideramos que contribuiu para embasar a decisão da

professora em reunir os temas relativos em uma única unidade didática se refere ao fato de

que ela pertencer a um grupo de pesquisa que estava desenvolvendo um trabalho de

75

investigação naquele ano de alguma forma dava um respaldo a ela e lhe proporcionava um

status diferenciado, uma vez que ela tinha a chancela da UFRJ e da CAPES para sustentar

suas opções curriculares. Para a própria unidade escolar, o fato de a professora ser bolsista

desse projeto agregava um valor institucional na medida em que ela estabelecia uma ponte

entre a escola, a universidade e o campo de pesquisa que era valorizada pela direção. O

caráter diferenciado e “especial” do desenvolvimento da pesquisa sobre a prática pedagógica

dela, de alguma forma permitia à professora a possibilidade de experimentar novas

estratégias e organizações do conteúdo, que em condições “normais” talvez ela não tivesse.

Nesse sentido, o próprio cronograma do projeto e seus prazos específicos perante seus

financiadores, contribuíram para essa conformação curricular na medida em que a professora

avaliou que os conteúdos relativos ao 4º bimestre acabariam ficando fora do período que o

projeto previa o desenvolvimento das atividades de campo na escola.

Com isso, podemos observar que as escolhas relativas à seleção e organização do conteúdo

que a professora realizou dialogaram com os discursos acadêmico, institucional e

pedagógico, sendo que os discursos acadêmico e pedagógico prevaleceram sobre o

institucional em relação às orientações curriculares da SEEDUC-RJ.

Observando a proposta de sequencia didática (Tabela 6) que a professora propôs em sua

unidade CTS trabalhada com a turma de 2º ano do ensino médio percebemos que, embasada

pelas discussões de formação do projeto e calcada no discurso CTS, a professora buscou

nessa unidade organizar e articular os conteúdos de modo a construir com os alunos uma

reflexão sobre como os conceitos trabalhados na disciplina Biologia podem e devem ser

contextualizados nas questões sociais que perpassam o cotidiano da cidade de Macaé. Com

isso em vista, ela optou por abordar a temática da energia destacando o contexto de sua

utilização social assim como seu aspecto biológico e na natureza.

Dessa forma, a discussão sobre energia, nas aulas de Biologia do ensino médio, foi ampliada

para além de sua utilização e importância nos processos puramente biológicos, buscando

estabelecer relações com seu uso social e seus impactos no meio ambiente e no

desenvolvimento econômico e humano. De modo a atender pressupostos das abordagens

CTS, a construção da unidade, exigiu da professora um dialogo com outras disciplinas para

abordar o conceito de energia por mais de uma perspectiva e de forma interdisciplinar. Em

sua apropriação do discurso CTS no ensino de ciências, a professora destacou em sua

proposta de unidade CTS o aspecto da interdisciplinaridade e da contextualização da questão

energética no aspecto ambiental e econômico. Ao mesmo tempo ela manteve a abordagem

76

biológica mais estabelecida nas relações hegemônicas do ensino de ciências trabalhando os

conteúdos que são diretamente cobrados pelos exames e avaliações escolares.

Por isso, a proposta que ela desenvolveu materializa sua negociação com esses diferentes

discursos e sinaliza para as soluções que ela encontrou para conciliar os pressupostos CTS

com os discursos institucional e pedagógico. Os pressupostos CTS apresentam uma

argumentação que visa o rompimento com práticas tradicionais e hegemônicas no ensino de

ciências. Essas práticas hegemônicas envolvem a fragmentação do conhecimento cientifico e

sua alienação das relações no mundo. Apesar das práticas hegemônicas não exatamente

exigirem um ensino fragmentado, elas também não são comprometidas em provocar

mudanças no status quo do ensino de ciências.

5.1.1 Analise estrutural da unidade didática

Analisando a estruturação da unidade observamos que ela consistiu em um conjunto de dez

aulas durante o período de 10 semanas, ocupando todo o segundo bimestre letivo daquele

ano. Cada aula dispunha de dois tempos contíguos de 50 minutos e elas foram articuladas

entre si pela professora de modo a trabalhar o conceito e os conteúdos relativos ao tema

energia contextualizando-os tanto na natureza quanto nos sistemas biológicos e sociais. O

encadeamento das aulas é ilustrado na tabela 6.

A unidade foi estruturada em três blocos de aulas: o primeiro visava conceituar Energia e

suas transformações em uma perspectiva multidimensional. Esse bloco tinha um

compromisso com a construção da conceituação da energia em um sentido amplo, ilustrando

as diferentes fontes de energia assim como um apanhado dos diferentes tipos de energia

encontrados na natureza. O segundo bloco contextualizava a energia em sua dimensão

biológica e o terceiro contextualizava-a no aspecto social. Essa organização da unidade em

blocos de alguma forma já sinaliza para uma solução que a professora encontrou para

organizar e selecionar os conteúdos de acordo com as demandas dos diferentes discursos que

de alguma forma impactaram sua prática pedagógica. A organização por blocos temáticos de

aula sugere uma tentativa de estabelecer núcleos de sentido que agrupem determinados

temas dentro da organização normativa do contexto escolar. No caso, a professora fez um

esforço para incluir além do conteúdo didático tradicional de Biologia, um conjunto de

temáticas e discussões que não estão ainda plenamente estabelecidas e estabilizadas nas

praticas escolares, por mais que sejam discussões que são inclusive citadas e incentivadas

pelos documentos oficiais tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais.

77

Aula Descrição geral das aulas Objetivo

Aula 1 Sondagem das concepções sobre

energia. Definição de tipos e fontes

de energia

Conceituar Energia Aula 2 Palestra com uma Pesquisadora em

Física sobre fontes/energias

renováveis

Aula 3 Aula sobre transformações

energéticas

Aula 4 Aula sobre transformações

energéticas no organismo

Contextualizar a Energia no

aspecto Biológico Aula 5 Aula sobre obtenção de energia

pelos seres vivos

Aula 6 Aula sobre fluxo energético no

ambiente e na sociedade

Contextualizar a Energia no

aspecto social

Aula 7 Palestra sobre Matriz energética

com representante da Petrobrás

Aula 8 Aula sobre Geração de energia

elétrica e sustentabilidade

Aula 09 Visita à termelétrica

Aula 10 Apresentação dos trabalhos em

grupo

Tabela 4: Sequencia didática da unidade CTS

No entanto, a forma que a professora encontrou para incluir esses outros aspectos em sua

prática docente se deu através da nucleação dessas discussões em blocos aparentemente

separados. Essa solução encontrada pela professora nos sugere o quanto o discurso

institucional escolar é prevalente no processo de didatização do conhecimento a despeito

inclusive do discurso acadêmico do ensino de ciências.

A organização da unidade por blocos possibilitou a professora localizar no tempo e

planejamento escolar o lugar do conteúdo que é tradicionalmente cobrado de ser ensinado,

78

assim como abriu um espaço para incluir temas que não são necessariamente muito

desenvolvidos na prática docente cotidiana. Essa solução dialoga com as forças hegemônicas

do espaço escolar na medida em que não rompe totalmente com a estrutura tradicional em

que os conteúdos são trabalhados de forma separada, cada um em seu momento e sem

necessariamente se articularem entre si. No entanto, a professora teve uma preocupação,

sustentada pelo discurso CTS, de buscar uma linha condutora ao longo da unidade de modo

que esses blocos não ficassem completamente isolados entre si e fosse permitido aos alunos

seguirem uma linha de raciocino ao longo da unidade como um todo.

Nesse sentido, a sequencia dos blocos pode ser entendida como uma linha de raciocínio que

a professora propôs para sua turma. Na proposta dela, o trabalho começa a partir da

conceituação de energia, passa pela dimensão biológica e conclui com a questão social

relativa à matriz energética e aspectos da sustentabilidade ambiental na produção de energia

para consumo humano. Podemos interpretar esse caminho da unidade fazendo um paralelo

com a dicotomia Teoria-Prática que às vezes se estabelece nas concepções sobre o processo

científico. Essa proposta pressupõe uma necessidade de primeiro apresentar a teoria para

posteriormente pensar a prática ou aplicação dessa teoria. Dessa forma, a professora com sua

proposta reafirma uma concepção de que a teoria vem antes da prática que esta mais

consonante com o discurso do senso comum do que com o discurso CTS.

Essa escolha da professora nos faz pensar sobre alternativas possíveis à proposta elaborada

como, por exemplo, uma na qual a ordem dos blocos fosse invertida, iniciando a unidade

com a problematização das questões sociais relativas à energia e a partir disso apresentar e

trabalhar os conceitos científicos inerentes a esse tema. Ou de forma ainda mais

diferenciada, uma proposta que não estabelecesse fronteiras entre as temáticas dos blocos

tratando as de forma integrada entre si ao longo da unidade como um todo.

Pensar essas alternativas nos ajuda a visualizar o quanto o discurso pedagógico institucional

exerceu uma prevalência no resultado da articulação da professora desses diferentes

discursos que ela teve que lidar. Apesar de ela romper parcialmente com o currículo, ela de

alguma forma respeita a estrutura hegemônica do conteúdo e acomoda o tradicional com o

inovador lado a lado, mas sem necessariamente abandonar um pelo outro.

A análise da estrutura geral da unidade nos apresenta alguns elementos para identificarmos

os discursos que conformaram a prática da professora durante o processo de elaboração da

unidade CTS. No entanto, para tentarmos apreender a complexidade envolvida no processo

79

de negociação e materialização de práticas CTS no contexto escolar precisamos ir além do

nível estrutural da proposta e avançar na direção das aulas em si tanto do ponto de vista do

planejamento de cada aula como também no nível das interações discursivas que ocorreram

nessas aulas.

5.2 Análises das aulas e suas interações discursivas

Considerando a sequencia didática da proposta, a unidade CTS partiu de uma discussão

ampla e interdisciplinar sobre o conceito de energia, tomando como ponto de partida as

concepções que os alunos apresentavam sobre energia no inicio do trabalho. Isso se

materializou na primeira aula da unidade na qual a professora se propôs a realizar uma

sondagem sobre os conhecimentos prévios que os alunos tinham sobre Energia e iniciar um

processo de conceituação de Energia, diferenciando seus tipos e fontes.

Todas as aulas dessa unidade foram ministradas no auditório do colégio, pois era um

ambiente que contava com um data-show e comportava bem a turma. Considerando os

momentos que ocorrem durante uma aula, essa primeira aula foi planejada da seguinte

maneira:

1º momento: aplicação de um questionário de sondagem do conhecimento prévio dos alunos

2º momento: Discussão sobre as respostas dos alunos

3º momento: Leitura e discussão de um texto síntese sobre os tipos e fontes de energia

Essa aula marca uma diferenciação na prática pedagógica da professora uma vez que até ela

ter contato com os textos e discussões no projeto ela não tinha o hábito de iniciar as

unidades didáticas a partir da sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos. O contato

dela com os textos utilizados durante o período de formação no projeto apresentou

estratégias didáticas que tomavam como ponto de partida o conhecimento prévio dos alunos.

Esse contato lhe mostrou as vantagens e a importância de se levantar os conhecimentos

prévios, uma vez que vários trabalhos CTS utilizavam dessa estratégia para pautar suas

ações pedagógicas.

80

A professora incorporou essa prática, utilizando um questionário nessa primeira aula que

abordava as seguintes questões:

Esse questionário tinha como objetivo fazer com que os alunos registrassem a definição que

eles tinham do conceito de energia e avaliar o quanto os alunos eram capazes de identificar

fontes e usos da energia, seu impacto na sociedade e sua relação com a disciplina Biologia.

A professora fez então uma sistematização das respostas dos alunos e fez algumas

considerações que são transcritas abaixo. Essa produção textual foi realizada por ela na

forma de um diário sobre as aulas ao longo da aplicação da unidade e eram basicamente

endereçados a mim como pesquisador da prática dela.

“AULA 1 05/05/11

“A sondagem sobre o que os alunos sabiam sobre energia foi feita

sem nenhuma conversa ou explicação.

A maioria dos alunos não conseguiu perceber que energia está

presente em todas as atividades que desenvolvemos e que todos os

fenômenos estão acompanhados de uma transformação de energia.

Ficaram presos na eletricidade e não perceberam que os combustíveis

em nossos carros, os alimentos, as baterias são convertidos em

energia. Que se manifesta na luz, na cor, nos sons, no movimento.

ENERGIA E SOCIEDADE

Todos os dias em diversas atividades do nosso cotidiano, utilizamos energia

desde acender lâmpadas, assistir televisão, tomar banho, etc. Pensando nessa

afirmativa, responda:

1-O que é energia?

2-Como nós a obtemos?

3-Em que medida a produção e o uso da energia já transformaram a forma

de viver das sociedades humanas?

4-Onde utilizamos energia e de onde ela vem?

5-Pensando na Biologia, como vocês relacionam o tema energi a?

81

Poucos alunos fizeram ligação da obtenção de energia ser

primeiramente do sol.

Mesmo com o texto informativo trabalhado após a sondagem “O que

é energia” o conceito ficou bastante abstrato para eles.”

Nesse trecho que compreende os primeiros parágrafos do texto da professora, ela sinaliza

suas impressões sobre o resultado geral obtido com os questionários. Ela explicita que a

maior parte dos alunos não conseguiu perceber que “energia está em todas as atividades que

desenvolvemos”. De alguma forma, a professora tinha expectativas que seus alunos já

tivessem inicialmente uma compreensão do conceito de energia em uma perspectiva

diversificada. Ela inclusive chegou a sistematizar o conjunto de respostas de seus alunos nas

tabelas abaixo.

Turma Nº de

alunos

Alunos que

não

participara

m da

atividade

Objetivos

atingidos

Objetivos

parcialmente

atingidos

Objetivos

não

atingidos

2004 29 12 03 07 07

Tabela 7: Organização dos dados feita pela professora

A professora considerou que 14 dos 17 alunos que responderam ao questionário não

atenderam suas expectativas em relação à conceituação de energia. Ela não explicita em seu

texto quais eram os objetivos a serem atingidos pelos alunos no questionário, no entanto a

partir de seus enunciados ao longo do texto, podemos montar um quadro do que seria atingir

os objetivos para ela.

Segundo ela os alunos “ficaram presos à eletricidade”. Isto significa que em um primeiro

momento ao pensar no conceito de energia, os alunos fizera uma associação direta com o

tipo de energia mais presente no dia-a-dia deles. Sem sombra de dúvida a energia elétrica é

responsável em sustentar o habito de vida moderno e urbano que os alunos praticam e estão

imersos e é até coerente que ela prevaleça no imaginário dos alunos sobre o que é energia.

Além disso, o próprio enunciado do questionário de alguma forma direcionava o

pensamento do estudante para o uso da energia no cotidiano na medida em que ela diz:

82

“Todos os dias em diversas atividades do nosso cotidiano, utilizamos energia desde acender

lâmpadas, assistir televisão, tomar banho, etc. Pensando nessa afirmativa, responda:”.

A partir das respostas dos alunos a professora estabeleceu uma série de outras formas de

energia e transformações que ela sentiu falta que eles tivessem mencionado em suas

respostas tais como a identificação de que os alimentos que ingerimos e os combustíveis dos

veículos que utilizamos também são fontes energéticas e que são transformadas em diversas

outras energias. Ela também identificou que os alunos não associaram a luz do sol como a

fonte primaria de energia e isso aparentemente foi um elemento que fez com que ela

considerasse que parte desses alunos não atingiu o objetivo que ela projetava para as

respostas deles.

Ela encerra essa passagem avaliando que mesmo com a leitura de um texto de apoio que ela

utilizou posteriormente durante a aula, os alunos não conseguiram apreender a complexidade

do conceito de energia que ela tentou construir com eles afirmando que esse conceito ao

final da aula, continuou “bastante abstrato para eles”. Pela utilização da expressão “Mesmo

com o texto informativo (...)”, podemos supor que a professora tinha a expectativa de que a

leitura do texto informativo fosse suficiente para esclarecer aos alunos sobre o conceito de

energia e suas propriedades. Essa situação é interessante, pois também ilustra a influência

das práticas hegemônicas nas ações da professora na medida em que tradicionalmente os

processos pedagógicos hegemônicos se baseiam em textos didáticos que assumem posição

de centralidade na aprendizagem dos alunos. Nessas práticas, os alunos e os professores se

baseiam nesses textos como fonte confiável de aquisição de conteúdos escolares. No

entanto, a simples leitura desses textos não é suficiente para que os conteúdos apresentados

sejam plenamente assimilados pelos alunos. Dessa forma, uma pedagogia baseada nessas

práticas não obtém resultados mais expressivos quando se trata da efetiva aprendizagem por

parte dos alunos do ponto de vista da utilização do conhecimento escolar para a formação do

cidadão emancipado.

O fato de essa produção textual ser diretamente endereçada a mim como pesquisador, fez

com que a professora escrevesse para um interlocutor que estava presente nas aulas descritas

e com isso, o texto de certa forma oculta certos fatos ou pressupõe que eu tivesse as

informações que não foram expressas diretamente no texto. Isso é evidenciado, por exemplo,

quando, ela relata que “a sondagem (...) foi feita sem nenhuma conversa ou explicação”.

Quando faz essa afirmação, ela esta se referindo ao fato de que diferentemente da forma

83

hegemônica em que primeiro o professor explica um assunto e depois aplica exercícios

perguntando sobre esse assunto, sua estratégia envolveu inverter essa lógica e perguntar

sobre energia antes de entrar na explicação sobre esse tema. Evidentemente, para orientar a

atividade a professora conversou e explicou com a turma o que ela queria com o

questionário e chegou em alguns momentos a incentiva-los a escrever sem medo de errar.

Observando o registro em vídeo da aula é possível verificar que no momento da orientação

da atividade a professora fez um esforço em introduzir a nova unidade que estava naquele

momento se iniciando e fazendo o seguinte enunciado para solicitar que os alunos

respondessem o questionário.

“A gente hoje vai começar um assunto novo, segundo bimestre, e a gente vai estar

falando de Energia. A gente vai começar a pensar nesse tema: a Energia. Como?

Onde? O que vem na cabeça de vocês quando a gente fala de energia. Ai eu vou

pedir para vocês responderem umas perguntinhas, são cinco perguntas. Pensando o

que vocês vão..o que vocês já sabem, o que vocês conhecem a partir desse tema

energia. Apesar de estar todo mundo grudadinho não vale...colar. Cada um pensar

no seu, ok?”

Durante essa fala, que ocorreu nos minutos iniciais da aula, os alunos reagiram com

desconforto ao tomarem conhecimento de que teriam que responder perguntas sobre o tema

da aula. Muitos sinalizaram com suas expressões corporais que não queriam ter que escrever

naquele momento. Essa situação ilustra bem um tensionamento que as práticas adotadas pela

professora nessa unidade CTS introduziram no espaço da sala de aula da professora. Nas

práticas hegemônicas, os alunos não iniciam uma unidade já tendo que escrever respostas às

perguntas. De fato, a situação de responder a perguntas esta muito associada ao ato de fazer

provas. A professora inclusive se esforça em tentar retirar dessa atividade um caráter de

avaliação, na medida em que ela pede para eles “responderem umas perguntinhas”. A

utilização do diminutivo para se referir às perguntas que eles teriam que responder não deixa

de ser uma tentativa de suavizar a situação e diferenciar de um contexto de prova que deixa

os alunos tensos e ansiosos. Ela inclusive busca deixar claro que ela esta interessada no que

eles já sabem sobre o tema. No entanto, ela ressalta a importância deles responderem

individualmente não recorrendo aos colegas para obter as respostas.

84

Os alunos apresentaram dificuldades para responder as questões, uma vez que eles

demoraram mais do que o tempo que a professora esperava. Notando a dificuldade e a

demora dos alunos em concluir as respostas ela fez uma intervenção tentando tranquiliza-

los.

“Olha só gente, pensa que a gente não deu nenhuma informação ainda. Vocês estão

fazendo com os conhecimentos prévios de vocês. Aquilo que vocês sabem, de terem

ouvido falar. A gente fala Energia. O que vem na cabeça da gente? Pensa nessas

questões e a gente ainda não tem fonte de informação. Daqui a pouquinho a gente

vai ta trabalhando com essas fontes e a ai a gente vai começar a ouvir um e outro e

ai as coisas podem clarear. Mas em um primeiro momento, pensem no que vocês já

tem já, o que vocês tem de informação, de pré-requisito que pode ajudar a

responder.”

Após essa fala os alunos ficaram mais relaxados, alguns inclusive emitiram expressões do

tipo “ah bom” . “ah, então tá”, como forma de sinalizar certo alivio em poder errar, uma vez

que em situações de provas o erro é estigmatizado e temido pelos alunos. Essa situação

ilustra bem os movimentos de negociação que o professor precisa fazer ao introduzir

estratégias diferenciadas em suas práticas pedagógicas. O simples ato de solicitar que eles

respondam algumas questões já envolve superar, por exemplo, questões que fazem com que

o aluno considere que o que ele sabe de antemão, ainda não é um conhecimento válido no

contexto escolar. As praticas hegemônicas do ensino de ciências estabelecem uma relação na

qual a resposta certa é aquela que o professor enuncia e espera que os alunos escrevam nas

avaliações. Na medida em que eles são cobrados a falar o que eles já sabem, os alunos se

sentem inseguros uma vez que tradicionalmente o que eles sabem não é considerado dentro

das práticas hegemônicas.

Após os alunos finalizarem os questionários a professora começou uma discussão sobre as

respostas deles. Essa discussão teve inicio com uma dinâmica na qual ela colou no quadro à

frente dos alunos um cartaz com a pergunta “De onde vem a Energia?” e abaixo dessa

pergunta ela colocou duas opções: “todas as fontes de energia provêm da natureza.” e

“Algumas fontes de energia são artificiais, não provêm da natureza”. Essa dinâmica

envolvia fazer com que os alunos levantassem da cadeira e fossem até o quadro sinalizar

qual das duas opções eles consideravam ser a correta resposta à pergunta. Essa proposta

também evidenciou o quanto as práticas hegemônicas, por estigmatizarem o erro, inibem os

alunos a expressarem seus pensamentos espontâneos. A situação de ter quer levantar e expor

85

para todos no auditório qual sua resposta para a pergunta gerou certo desconforto em parte

dos alunos que ficaram preocupados com um suposto constrangimento em errar a resposta

certa para a pergunta dada. Isso fez com que alguns alunos nem levantassem com receio de

errar, e outros resistissem em ir ao quadro. A professora precisou incentivar muito os

resistentes para que eles participassem, frisando que aquela não era uma situação de

avaliação, mas sim para eles manifestarem o que eles achavam.

A professora contabilizou o resultado dessa dinâmica e constatou que em um universo de 21

alunos 52% (11) considerou a opção “todas as fontes de energia provêm da natureza.” como

correta e 29% (6) escolheram a opção “Algumas fontes de energia são artificiais, não

provêm da natureza”. Três alunos se recusaram a escolher alguma das opções.

A partir do resultado da dinâmica a professora começou uma discussão sobre o questionário,

solicitando aos alunos que oralmente comunicassem suas respostas. Essa solicitação não foi

prontamente atendida na medida em que nesse espaço de discussão os alunos também se

mostraram inibidos em expor suas ideias. Isso fez com que a professora começasse a utilizar

da estratégia de solicitar diretamente a alunos específicos que ela já sabia que teriam menos

inibição para responder em voz alta. Esses alunos mais desinibidos chegaram a responder,

mas a discussão não chegou a engrenar, pois no geral a turma continuou tímida. Boa parte

dos enunciados que os alunos emitiam nessa interação eram no sentido de fazer brincadeiras

ou gozações uns com os outros. Inclusive alguns desses enunciados foram justamente para

verbalizar a timidez ou o medo de falar algo errado na discussão. A professora foi tentando

elicitar a fala deles sobre as perguntas do questionário e da dinâmica realizada, mas a

resposta não foi muito produtiva em termos de retorno.

Essa situação também ilustra um rompimento com as práticas hegemônicas uma vez que a

estratégia adotada de discutir com os alunos suas próprias concepções exigiu da professora

lidar com o fato de que os alunos daquela turma não tinham o habito nem de expor o que

pensam nem de contribuir para a aula, preferindo assim assumir uma postura mais passiva

de receptores de informações vindas do professor ou do livro didático. Em uma aula

tradicional expositiva se exige pouco mais do aluno do que sua atenção ao que esta sendo

exposto. Na proposta CTS da professora, os alunos precisariam sair dessa condição passiva e

assumir uma postura mais ativa e participativa na aula.

Uma vez que a discussão sobre o que é Energia não estabeleceu um debate, a professora

introduziu um texto que ela providenciou para apresentar uma definição do conceito de

86

energia e também para exemplificar suas diferentes formas e fontes. Esse texto utilizado é

resultado de um processo de seleção e edição da professora a partir de um livro paradidático

editado por uma empresa de materiais educativos que ela teve contato na escola particular

em que ela trabalha. Esse texto (Anexo X) consistia em um fragmento do livro paradidático

que continha a seção “O que é energia”. Nesse trecho, os autores buscaram definir o que é

energia ressaltando o quanto é difícil dar uma definição única para esse conceito uma vez

que a definição geral “energia é a capacidade de realizar trabalho” é considerada muito

limitada pela maioria dos físicos. Nesse sentido o texto aponta mais para a questão das

transformações que a energia sofre devido ao principio da conservação da energia. A partir

daí o texto apresenta um conjunto de definições sobre as formas de energia entre elas a

Cinética, Elétrica, Térmica, Luminosa, Sonora, Gravitacional Química, Elástica e Nuclear.

Para finalizar o texto, os autores citam fontes de energia tais como Petróleo e seus derivados;

Carvão vegetal, Carvão mineral; Lenha; Álcool; Quedas d água e Átomos de alguns

elementos químicos como o Urânio e o Tório.

Ao anunciar que ela passaria um texto alguns alunos comemoraram talvez aliviados por

terem agora uma fonte com autoridade para obter as respostas corretas para as questões que

a professora estava levantando. No entanto, ao receberem o texto que tinha duas folhas A4,

outros alunos reclamaram da situação de que ter que ler o que eles consideravam um texto

grande. Apesar dessa resistência inicial, os alunos iniciaram a leitura sem grandes

problemas.

Essa situação também nos remete a uma disputa hegemônica que se coloca na sala de aula,

no que se refere à relação dos alunos com a leitura e a produção de textos em sala de aula.

Uma vez que as práticas hegemônicas estigmatizam o erro e consequentemente provocam

um silencio nas salas de aula, os alunos estabelecem uma relação com a leitura de buscar

apenas aquilo que responde as perguntas que serão cobradas. Ao mesmo tempo existe certa

preguiça nessa busca priorizando caminhos mais curtos e pouco trabalhosos. As abordagens

CTS, por se basearem em formas mais ativas de pedagogia, acabam por ter que enfrentar

essas questões na medida em que propõem atividades que exigem um rompimento com essa

postura passiva dos alunos associada às práticas hegemônicas.

A atividade de leitura se iniciou com a distribuição do texto e da leitura individual e

silenciosa dos alunos. Após a leitura a professora fez uma nova tentativa de debate. Ela

87

iniciou a conversa perguntando se após a leitura do texto eles responderiam diferente o

questionário. Alguns alunos falaram que sim, muitos não responderam, apenas uma aluna

solicitou o questionário para formular uma nova resposta para alguma das perguntas.

A professora foi tentando estabelecer uma discussão com eles sobre suas concepções sobre

energia. Ela foi pontuando questões que seriam trabalhadas ao longo da unidade, entre elas

os processos de transformação de energia, a diferenciação das fontes de energia, a

classificação dessas fontes em termos de renováveis e não renováveis, e questões relativas à

sustentabilidade. Os alunos participaram ainda de forma tímida dessa discussão, no geral

muitos dos enunciados deles eram com o objetivo de fazer brincadeiras uns com os outros,

no entanto, apenas um ou outro aluno de fato emitiu comentários que contribuíssem para a

discussão que a professora estava tentando estabelecer com eles. Porém, ao tocar no assunto

referente às fontes renováveis e não renováveis, a turma como um todo relacionou quase que

imediatamente ao petróleo.

Essa situação sinaliza para o valor de se incorporar questões que permeiem a vivência dos

alunos nas práticas pedagógicas. Os alunos apesar de não participarem ativamente da

discussão, ao identificarem um assunto que eles tinham familiaridade ficaram mais atentos e

envolvidos pela discussão. Parte dos pressupostos pedagógicos CTS defende um ensino

contextualizado nas questões que circundam as vivências dos estudantes e professores. No

caso, influenciada pelo discurso CTS a professora ao introduzir em sua aula questões

relativas ao petróleo estabelece uma ponte entre a realidade dos seus alunos e o conteúdo

escolar uma vez que o impacto da indústria do petróleo na cidade de Macaé torna esse tema

bastante presente no dia-a-dia dos alunos.

Após esse preâmbulo a professora para reforçar alguns aspectos que ela considerava

importantes sugeriu a leitura coletiva do texto e solicitou silencio e atenção da turma. Ela

indicou um dos alunos para ler em voz alta o primeiro parágrafo e foi indicando outros

alunos conforme os parágrafos se sucediam do texto. Eles fizeram a leitura dos três

primeiros parágrafos do texto base e ao final ela fez um comentário sobre o tema dos

parágrafos lidos reforçando o conceito da lei de conservação da energia e do aspecto da

dependência humana para com a energia elétrica no que se refere ao consumo energético do

padrão de vida urbano. Ela desenvolveu uma linha argumentativa baseada na constatação de

que energia não pode ser criada, pois só é obtida a partir de transformações de alguma fonte

primária. A partir dessa constatação ela estabelece uma necessidade da sociedade estar

88

atenta às questões relativas à sustentabilidade para que seja possível proporcionar o padrão

de vida contemporâneo.

Ela então lança uma pergunta para turma: “Vocês acham que o petróleo um dia pode vir a

acabar?”. A turma responde imediatamente que sim, inclusive alunos que até então não

haviam contribuído para o debate que a professora vinha tentando estabelecer ao longo da

aula. A conexão dos alunos com a aula a partir do tema petróleo reforça a ideia de que as

temáticas que envolvem os contextos e vivências dos alunos proporcionam uma maior

aderência dos alunos às propostas pedagógicas.

A professora finaliza sua fala citando o acidente com a usina nuclear de Fukushima ocorrido

alguns meses antes naquele ano, explorando o debate que esse acidente gerou sobre os tipos

de matriz energética e os riscos que a sociedade corre ao adota-los. Ela frisa em sua fala que

ao longo daquela unidade eles irão discutir essas questões que permeiam o cotidiano deles

em níveis micro e macros sociais, ressaltando a dimensão da cidadania e o papel da escola

em formar cidadãos críticos sobre essas questões. Ela afirma que uma das questões que irá

acompanhar o desenvolvimento da unidade didática é se é possível alcançar a

sustentabilidade a partir de uma matriz de energia não renovável.

Com essa pergunta retórica ela encerrou a atividade de diagnostico dos conhecimentos

prévios dos alunos e passou então para alguns informes sobre datas da unidade didática. Ela

anunciou que na aula seguinte haveria a presença de uma pesquisadora da área de Física que

iria ministrar uma palestra para a turma sobre o tema energia e suas fontes.

Após esse anuncio ela solicitou que alunos que não haviam apresentado um seminário do

bimestre anterior o fizesse no tempo que sobrava da aula. Conforme dito anteriormente, o

planejamento da unidade CTS pela professora envolveu re-arranjar conteúdos curriculares

fazendo com que alguns fossem antecipados e outros fossem adiados pois ela não seguiu a

distribuição temporal dos conteúdos prescrita pelo currículo mínimo do estado do Rio de

Janeiro. Por esse motivo, a professora precisou conciliar o planejamento e os objetivos da

unidade CTS com o cotidiano escolar e as demandas curriculares. No caso, em uma situação

normal, sem as demandas do projeto de pesquisa, a professora teria adiado o inicio da

unidade para concluir a apresentação dos trabalhos dos alunos. No entanto, devido ao

cronograma do projeto ela precisava iniciar a unidade naquele dia especificamente. Com

isso, ela precisou organizar essa primeira aula de modo a dar conta das atividades que

ficaram faltando da unidade passada e da unidade CTS que ali começava.

89

Antes da apresentação do grupo ela frisou que aquele conteúdo estava contido no livro

didático dos alunos e que eles poderiam consultar esse material para estudar para os exames

e avaliações. O grupo apresentou um seminário sobre o tema Angiospermas. A apresentação

consistiu em uma cartolina com alguns textos e imagens colados e os integrantes leram em

voz alta um texto que eles extraíram de um livro didático que relatava as características das

angiospermas. Ao final da apresentação a professora buscou fazer um link entre o seminário

e a unidade CTS através do fato das angiospermas enquanto organismos autotróficos,

produzirem energia a partir da fotossíntese. Ela ressaltou o papel importante que os

organismos vegetais têm no processo de disponibilização da energia solar para os outros

compartimentos do ecossistema natural e também no sistema social. Ela reforçou que o

entendimento desse importante papel será bastante trabalhado e discutido ao longo da

unidade CTS nas próximas aulas.

Essa situação ilustra a necessidade da professora em ser criativa e ter uma visão ampla dos

conceitos trabalhados através dos conteúdos curriculares ao tentar implementar uma

proposta CTS no contexto escolar. As abordagens CTS exigiram que a professora integrasse

os conteúdos curriculares de modo a criar elos entre os assuntos de uma maneira que

tradicionalmente não é feito nas práticas hegemônicas.

A professora terminou seu relato sobre essa primeira aula com o seguinte enunciado:

“Para a próxima aula que acontecerá a palestra com a professora de Física vou

pedir para focar bastante a questão do que é energia? De onde ela vem?

Também vou fazer novamente a leitura do texto informativo e provocar novas

discussões na aula do dia 19/05/11.

A reflexão foi inevitável. Como falar de Mitose e Meiose, ou de tantos outros

conceitos que envolvem a Biologia e questões do cotidiano não serem

compreendidas pelos alunos? Esse é o desafio que trabalhar numa abordagem CTS

tem trazido para mim”

Por essas falas é possível notar que a professora ficou bastante preocupada com o fato dos

alunos não terem apreendido prontamente o conceito de energia e suas fontes nessa primeira

aula. A partir de uma reflexão sobre os resultados da sondagem, a professora pôde solicitar à

palestrante da aula seguinte que focasse em pontos que ela considerou importante que os

alunos tivessem um reforço conceitual.

90

Percebemos também nessa passagem uma importante contribuição das iniciativas de

introdução do professor em atividades acadêmicas vinculadas a projetos de pesquisa uma

vez que a participação da professora no projeto a fez registrar sua prática de uma maneira

que permitiu uma reflexão baseada em dados que ela gerou sobre a percepção de seus alunos

sobre o conceito de energia. A professora ao sistematizar as respostas dos seus alunos à

sondagem proposta estabeleceu uma nova relação para com sua prática pedagógica na

medida em que à sua maneira ela produziu uma quantificação de resultados e uma

qualificação de desempenho que a orientou para os próximos passos de seu planejamento.

Esse fato se coloca em contraste com as práticas hegemônicas na medida em que

tradicionalmente os professores não têm o habito de fazer um registro sistemático de suas

aulas baseados em sondagens sobre os conhecimentos prévios de seus alunos de modo a

orientar seu trabalho pedagógico.

A reflexão final dela sobre a aula sinaliza para uma ruptura da professora com as práticas

hegemônicas. Quando ela questiona “falar de Meiose e Mitose” na realidade ela está

realizando um intertexto com os conteúdos tradicionais e hegemônicos das aulas de biologia.

Meiose e Mitose são processos celulares que são bastante importantes no entendimento de

uma variedade ampla de processos biológicos. São os processos pelos quais as células se

dividem (meiose) e são produzidos os gametas (meiose). No entanto as formas hegemônicas

de se ensinar esses processos se dão de maneira em que se destaca mais a memorização das

terminologias e das diversas etapas desses processos, do que propriamente um entendimento

mais amplo desses mecanismos e seu importante papel nos processos biológicos.

Com essa fala a professora argumenta que se seus alunos ainda tinham dificuldades com

questões e processos que ela julgava cotidianas, não faria sentido abordar o ensino de

biologia através das práticas hegemônicas, que priorizariam esses conteúdos de forma

descontextualizada. Ela enfatiza que se sente desafiada pelas práticas CTS na medida em

que romper com as práticas hegemônicas envolvem um gasto de energia na construção de

alternativas a essas práticas.

Quando ela expressa que se sente desafiada a “trabalhar com CTS” a professora também

está realizando um intertexto com a literatura educacional CTS. As abordagens CTS exigem

um reformulação da prática docente, tanto no sentido da relação do professor com o

conteúdo a ser ensinado, que precisa ser aprofundado e mais consistentemente

contextualizado, como também na dinâmica do seu planejamento que precisa responder às

91

necessidades dos alunos ao longo das atividades, estabelecendo idas e vindas no trabalho dos

conceitos a serem ensinados.

Realizar essas idas e vindas nos conceitos para produzir aprendizagens mais consistentes

nem sempre é uma pratica muito possível nas abordagens hegemônicas que muitas vezes

estão mais comprometidas em cumprir conteúdos do que propriamente ensinar os

conteúdos.

Na semana seguinte ocorreu a palestra sobre Energia com a pesquisadora da área de Física.

Essa pesquisadora na época cursava seu doutorado desenvolvendo pesquisa na área de

eficiência de biodiesel. Ela atuava também como professora no ensino médio e por conta

disso, foi capaz de estabelecer um bom diálogo com a turma durante a palestra, evitando

uma linguagem muito técnica e uma abordagem puramente expositiva do tema.

Atendendo a solicitação da professora, a pesquisadora convidada fez uma exposição tratando

sobre a abordagem da Física para o tema energia. Em sua fala ela apresentou os conceitos de

trabalho, energia potencial assim como os diferentes tipos de energia (Cinética, Térmica,

Eólica, Nuclear, Sonora e etc.). Além disso, ela apresentou as diferentes fontes energéticas e

os princípios transformadores dessas fontes em energia elétrica que ela destacou como a

energia mais útil para a sociedade. Com isso ela explicou o principio do motor à combustão

e como funcionam os mecanismos de geração de energia em usinas hidrelétricas, eólicas e

nucleares.

Ela também abordou em sua fala o uso do petróleo como fonte de combustível e como

matéria prima para produção de uma variedade de derivados que são utilizados na sociedade.

Nesse ponto ela comentou também as consequências sociais e econômicas que a indústria do

petróleo causa globalmente seja do ponto de vista dos impactos ambientais como também na

motivação de sucessivas guerras no oriente médio.

Como alternativa ao petróleo ela apresentou uma discussão sobre o biodiesel que vem sendo

desenvolvido no Brasil e comentou as vantagens dele ser um recurso renovável, e que sua

matéria prima pode ser cultivada em diversas regiões do Brasil possibilitando uma

descentralização do desenvolvimento econômico no território nacional. Esse aspecto da

descentralização do desenvolvimento seria uma grande vantagem em relação ao modelo do

petróleo uma vez que a exploração do petróleo provoca o inverso, trazendo um crescimento

desordenado para apenas algumas localidades como é o caso de Macaé, uma vez que as

92

regiões que tem bacias de exploração recebem fluxos migratórios de todas as regiões do

país, mesmo sem ter estrutura para comportar essa expansão populacional.

Essa discussão foi interessante para a turma na medida em que a partir dos conceitos

científicos apresentados foi possível estabelecer consequências sociais para as aplicações

tecnológicas. Nesse sentido percebemos que a introdução dessa aula na unidade cumpriu

uma variedade de papeis. O mais aparente seria a forma com que a professora lidou com a

questão da interdisciplinaridade que as abordagens CTS exigem. No caso, o tema energia é

um conceito abordado por todos os ramos das ciências naturais como a Biologia, a Física e a

Química, no entanto o campo da Física assume uma posição de autoridade no sentido da

abordagem conceitual desse tema.

Historicamente e de maneira genérica, os professores de Biologia não tem uma formação

muito consistente na área de Física. Por esse motivo, a professora não se sentiu a vontade de

sustentar sozinha o ensino desses conceitos e por isso convidou a pesquisadora de modo a

ter uma fonte autorizada para abordar esses conceitos. Dessa forma, ela realiza um intertexto

em sua proposta CTS trazendo a voz autorizada da Física na figura da pesquisadora

convidada.

Porém, além disso a pesquisadora também contribuiu estabelecendo as primeiras reflexões

com a turma sobre as implicações sociais da ciência e da tecnologia. Ao apresentar modelos

alternativos de geração de energia e problematizar a matriz energética hegemônica, baseada

no petróleo, as aulas de biologia possibilitaram uma situação onde os conteúdos escolares

passaram a ser instrumentos para reflexão sobre escolhas que operam na dimensão da

cidadania.

Na medida em que os alunos tomam contatos com informações e argumentos científicos que

sustentam rupturas com as políticas econômicas hegemônicas, a aula de biologia deixa de

ser apenas um espaço de apresentação de informações descontextualizadas e passa a ser um

espaço de onde os alunos tem a oportunidade de adquirir conhecimentos para se

posicionarem perante questões que circulam fora do espaço escolar.

A exposição da pesquisadora convidada fez mais do que apresentar os conceitos físicos

relativos ao tema energia. Ela ampliou a discussão para as possibilidades que a própria

ciência oferece para a superação de problemas socioambientais que se colocam na pauta das

discussões de uma agenda global, mas que repercutem localmente. Esse caráter de

93

ampliação da discussão sobre energia vai ao encontro dos pressupostos CTS que orientam o

ensino de ciências para a tomada de decisões. Dessa forma, podemos observar na dimensão

da prática escolar, a influência das abordagens CTS derivadas de um processo de interação

da professora com o discurso CTS.

Na aula seguinte ocorreu a ultima aula do primeiro bloco da unidade que tratava das

questões conceituais sobre o tema energia. O objetivo dessa aula era focar nos processos de

transformações energéticas. A professora em seu relato das aulas faz uma descrição geral de

como a aula se desenvolveu:

“Após os alunos assistirem aos vídeos mostrando transformação de energia em

situações do cotidiano, os alunos foram desafiados a resolver uma atividade onde

teriam que descobrir quais as transformações de energia aparecia nos desenhos. A

maioria dos alunos conseguiu satisfatoriamente responder o exercício, exceto

Flávia e Vagner, que na próxima aula pretendo orientá-los mais de perto.

No vídeo da corrida de carros, onde em uma batida, um pneu se soltava e com

muita velocidade atingia um carro estacionado do lado de fora do circuito

quebrando-lhe o vidro do para brisa. Os alunos ficaram surpresos e, então, percebi

que começaram a pensar sobre o tema energia de maneira diferente.

Nesta aula alguns alunos ampliaram o conceito de energia e dissociaram-no de

eletricidade, percebendo que essa energia é importante para a sociedade. Os

relatórios sobre a aula do dia 05 de maio foram bastante coerentes apontando que

as fontes de energias provém da natureza e vão se transformando em outras.

Identificaram como a energia elétricas chega em nossas casas. Entenderam que

obtemos energia para o nosso corpo através dos alimentos e que estes a obtém do

sol, no processo de fotossíntese.”

Novamente, por ser direcionado a mim como interlocutor dela, o texto oculta certos

elementos que descreveriam com mais precisão os fatos ocorridos durante a aula. A

professora inicia seu relato comentando sobre os vídeos que ela utilizou para gerar uma

discussão com os alunos sobre transformações energéticas. Os vídeos que ela utilizou eram

pequenos fragmentos que ilustravam fenômenos físicos. A professora obteve esses vídeos,

pesquisando na internet e a partir de uma variedade de opções selecionou três para gerar

uma discussão com seus alunos sobre energia e suas transformações.

A escolha da professora em utilizar os vídeos como recursos pedagógicos sinalizam para

uma modificação em sua prática pedagógica. Segundo a professora até o envolvimento com

94

o projeto, ela não tinha a prática de utilizar recursos audiovisuais como apresentações em

Power point e vídeos, dando preferência pela utilização do livro didático e da exposição no

quadro negro. No entanto, influenciada pelas abordagens CTS ela buscou inovar em sua

pratica assimilando os recursos audiovisuais como um elemento para provocar uma

discussão com a turma e também para ilustrar conceitos e exemplificar fenômenos.

Na primeira aula a turma não aderiu muito às discussões que ela propôs, mas nessa aula a

professora tinha os vídeos para ajuda-la a provocar o debate. O primeiro vídeo que ela

utilizou mostrava um acidente com um carro de formula 1 na qual uma roda mal presa se

desprendia do carro e com a velocidade acumulada é projetada para fora da pista atingindo

um carro estacionado do lado de fora do circuito de corrida. Pelo caráter exótico, essa

situação provocou a turma de modo a possibilitar uma discussão.

A professora após passar a cena perguntou para a turma como eles explicariam aquela

situação. A professora precisou mediar as falas dos alunos uma vez que mais de um

começou a falar ao mesmo tempo aspectos diferentes do que ela solicitou. Os alunos

começaram a associar a situação com os conceitos de energia cinética e energia potencial.

Eles estabeleceram uma relação entre a velocidade do carro e a transferência de energia para

a roda projetada no acidente.

Após organizar a fala dos alunos e verificar se os demais alunos concordavam com a

resposta construída coletivamente, ela aproveitou para marcar uma diferenciação entre as

respostas deles na sondagem, em que eles associaram energia mais literalmente à

eletricidade e essa forma de conceber energia. Ela chamou a atenção da presença de energia

e suas transformações em diversas situações cotidianas que estão muito além da utilização

da energia elétrica. Ela frisou que energia esta “no nosso corpo,” e “no dia a dia” como

forma de construir com a turma um conceito ampliado de energia. Ela estava bastante

comprometida em fazer com que os alunos entendessem que a energia não se resumia

apenas à energia elétrica.

Com isso ela apresentou mais dois pequenos vídeos que eram pequenas demonstrações de

fenômenos físicos. O primeiro deles era a demonstração de um brinquedo baseado no

potencial elástico de uma mola. O vídeo mostrava o brinquedo sendo comprimido e preso

sobre uma superfície plana através de uma ventosa. Quando a força elástica supera a força

provocada pela ventosa o brinquedo é lançado ao alto em alguns centímetros. A partir dessa

demonstração a professora questionou à turma como que eles descreveriam aquela situação e

95

explicariam porque o brinquedo pula. A mesma aluna que respondeu anteriormente sobre a

situação do carro explicou o processo de transferência energética no brinquedo. A professora

aproveitou a fala da aluna e fez uma síntese para a turma como um todo explicando o

fenômeno, marcando as transformações energéticas que ocorreram entre o momento que se

comprimia a mola até o brinquedo ser projetado para o alto.

Ela então introduziu o terceiro vídeo que tratava de uma demonstração da relação

proporcional entre a força aplicada a uma mola e o trabalho que a energia armazenada na

mola realiza no deslocamento de um corpo. A professora após passar o vídeo pediu para os

alunos tentarem relacionar os três vídeos que já haviam sido exibidos. Os alunos não

responderam nada, e a professora então solicitou que eles indicassem alguma situação

cotidiana que ilustrasse uma transformação energética. Após alguns instantes de silencio a

professora incentivou a turma falar dizendo “vamos botar a cabeça para funcionar um

pouquinho, pensem instrumentos, em equipamentos. o que vocês acham?”,

Com isso, um aluno comentou uma situação em sua casa onde a panela de pressão estragou,

mas no entanto ele não formulou isso em termos científicos uma vez que ele falou de

maneira um pouco tímida. No entanto, ele conseguiu associar o barulho e a explosão

causada pela panela defeituosa com o acumulo e liberação energética. A professora

concordou com o exemplo, mas pediu outros exemplos para a turma de modo a tentar

engrenar uma discussão. Ela perguntou sobre aparelhos que são de uso cotidiano e que

poderiam demonstrar processos de transformações energéticas, no entanto, os alunos não

aderiram a proposta. Ela então pegou o fone de ouvido de um aluno sentado próximo a ela e

perguntou para a turma se eles conseguiam pensar em algum tipo de energia que estivesse

associada aquele equipamento. Os alunos com pouco entusiasmo citaram a energia sonora,

mas não desenvolveram muito essa discussão.

A professora então propôs uma dinâmica na qual ela distribuiu uns elásticos de escritório

para os alunos experimentarem fazer um pequeno estilingue para arremessar papeis. Ela

pediu para alguns alunos dispararem os projeteis de papel e começou a discutir com a turma

sobre como isso acontece. A partir dessa estratégia ela conseguiu bem mais envolvimento

dos alunos do que anteriormente com os vídeos. Eles responderam facilmente ao comando

de disparar projeteis de papel com o elástico e quando a professora pediu para eles

explicarem porque o projétil é arremessado pelo elástico os alunos associaram com o

96

conceito de energia potencial se transformando em energia cinética e à energia potencial

elástica.

Essa passagem ilustra o quanto as habilidades de mediação são necessárias ao professor para

implementar estratégias diferenciadas na sala de aula. A utilização de recursos Audiovisuais

como os vídeos não são garantia de maior adesão dos alunos nas discussões da aula. A

professora fez um grande esforço para tentar fazer com que os alunos participassem a partir

das situações dos vídeos, mas eles não aderiram prontamente. Com a proposta dos elásticos,

ela foi mais bem sucedida na medida em que cada um dos alunos tinha um elástico e a

proposta era mais dinâmica, envolvendo os alunos a experimentarem manualmente a

sensação de transferência de energia.

A resposta dos alunos à atividade reforça a ideia de que envolver os alunos e coloca-los em

uma posição ativa no processo pedagógico é parte fundamental para a ruptura das práticas

hegemônicas. Aliás, fazê-los ter uma pró-atividade em sala já é em si uma ruptura com as

práticas hegemônicas uma vez que tradicionalmente espera-se do aluno apenas atenção às

explicações feitas em sala.

Passado esse momento da aula, a professora começou a falar sobre os diferentes contextos

de transformações de energia chamando a atenção para a alimentação, para os combustíveis

dos carros e as baterias de celulares. Ela então comentou sobre o papel da energia solar

como fonte primaria de energia, pedindo para os alunos explicações sobre como que a

energia solar é transferida para os sistemas biológicos. Os alunos comentaram sobre a

relação do sol com os organismos vegetais e a professora aproveitou para reforçar o papel da

fotossíntese como porta de entrada da energia solar para os demais organismos no planeta.

Outra aluna comentou sobre o papel do sol na manutenção dos ciclos da água e dos ventos e

no aquecimento da água.

A professora tentou instiga-los em relação à energia solar como matriz energética, citando a

palestra da aula anterior. No entanto, os alunos ainda se mostravam inibidos em expressar

suas próprias ideias nesses momentos de discussão. A professora solicitou que eles citassem

algumas outras fontes de energia que eles se lembravam da palestra e então alguns alunos

comentaram sobre a energia eólica, hidrelétrica e das marés.

A professora passou então para uma atividade na qual ela distribuiu uma folha que continha

uma serie de desenhos que ilustravam transformações energéticas e solicitava que os alunos

97

identificassem quais transformações estavam ocorrendo indicando qual energia se

transformava em qual. Os alunos aderiram bem à atividade sinalizando que apesar deles

terem certa resistência a participar de discussões orais, eles eram bem disciplinados quanto a

fazer exercícios propostos. Essa situação reforça o quanto que as práticas hegemônicas

criam um perfil de participação para os alunos na qual os exercícios são reconhecidos como

instrumentos necessários para atingir pontuação nas avaliações bimestrais e por isso são

valorizados. Discussões orais, não estão estabelecidas nas práticas hegemônicas como

instrumentos de avaliação, portanto, os alunos literamente não tem prática nesse tipo de

atividade e em função dos receios em errar citados anteriormente, eles não aderem tanto a

esse tipo de atividade.

Dessa forma, fica clara a necessidade do professor ter a sensibilidade de mesclar propostas

inovadoras com propostas que os alunos estejam familiarizados ao introduzir as abordagens

CTS na sala de aula de modo a obter um maior aproveitamento dessas inovações

curriculares. Da mesma forma que trabalhar com os estilingues motivou a participação dos

alunos por esta ser uma atividade lúdica, utilizar formas tradicionais que de certa forma se

situam na zona de conforto dos alunos também se mostrou eficaz com aquela turma.

Durante o tempo em que os alunos estavam fazendo o exercício, a professora ficou

circulando pelo auditório interagindo com os alunos e verificando se eles estavam

conseguindo fazer o trabalho. Com o término do tempo para execução da atividade ela

recolheu as folhas e fez uma correção coletiva através do Power point. Através da correção

coletiva, ela conseguiu a participação da turma que oralmente completava as respostas de

cada situação. Nesse processo a professora exercia uma mediação das falas dos alunos,

conduzindo-os para as respostas certas quando eles não respondiam espontaneamente. Ao

longo dessas interações ela fazia perguntas para a turma como “A energia química pode se

transformar em energia luminosa?”. Nesses momentos os alunos apresentavam insegurança

para responder, mas a partir dos estímulos dela, eles chegavam às conclusões que a

professora queria. Ao longo dessa correção a professora ficou bastante comprometida em

ampliar a conceituação dos alunos sobre energia, frisando que energia não era apenas

eletricidade. Ao final da correção ela devolveu os exercícios para os alunos e pediu que eles

corrigissem o que eles erraram, mas mantendo as respostas originais para que ela pudesse

notar as modificações.

98

Essa estratégia rompe com a lógica hegemônica na qual o aluno é penalizado pelo erro. A

professora buscou construir uma forma onde os alunos pudessem aprender a partir dos

próprios erros. Isso faz parte de um conjunto de estratégias que visam renegociar o espaço

da sala de aula como, por exemplo, valorizar o conhecimento prévio dos alunos e construir

espaços de discussão e debate de ideias. No entanto, o processo de transformação desse

espaço não é imediato e nem depende apenas da vontade do professor. A própria postura do

aluno é parte fundamental para que essa transformação ocorra de fato.

Para fechar a aula, a professora utilizou o data-show para apresentar e discutir um esquema

de fluxo energético com a turma. Ela expos o esquema e começou a explicar o fluxo,

partindo da energia solar que é convertida em energia química pela fotossíntese, passando

pelos combustíveis fosseis que são extraídos de camadas profundas da terra e transformados

em combustíveis, e chegando às diferentes formas de produção de energia elétrica. Nesse

momento, ela aproveitou para falar sobre o trabalho que os alunos terão que desenvolver

durante a unidade que envolve pensar modelos sustentáveis para a geração de energia para a

sociedade. Com isso, ela buscou fazer com que os alunos começassem a estabelecer

associações entre os processos de transformação de energia com as demandas sociais de

produção de energia e a manutenção de um hábito de vida urbano. Ela aproveitou e

apresentou uma reportagem sobre o investimento governamental em usinas eólicas de

produção de energia como forma de contextualizar a aula com fatos que estavam ocorrendo

no país naquela época.

Com isso, podemos observar um grande esforço da professora em trabalhar o conceito de

energia de forma diversificada nessa aula como forma de revisar os conceitos apresentados

na palestra da aula anterior e no intuito de permitir aos alunos uma ampliação da

conceituação inicial que eles tinham sobre Energia.

A aula seguinte iniciava o segundo bloco da unidade que tinha o objetivo de contextualizar o

tema energia nos sistemas biológicos. Do ponto de vista do currículo de biologia prescrito

pela SEEDUC-RJ seriam atendidos nesse bloco conteúdos como “Mecanismos energéticos

da Célula: Fotossínte e Respiração celular”, “Processos de obtenção de energia pelos seres

vivos” e“ Processos de obtenção e transformação de matéria em energia”. Especificamente

nessa aula foram trabalhados os conteúdos relativos aos “Processos de obtenção de energia

pelos seres vivos” e“ Processos de obtenção e transformação de matéria em energia”.

99

O tema principal da aula foi discutir a alimentação como fonte energética para o corpo

humano assim como aspectos da fisiologia humana e o fluxo energético nos ecossistemas.

A professora relatou a aula conforme transcrito abaixo:

“Comecei a aula com a pergunta: De onde vem a energia para o nosso corpo? Após

algumas hipóteses chegaram com unanimidade ao conceito de que vem dos

alimentos e assim continuei indagando se haviam tomado café da manhã antes de

virem para a escola.

Alguns disseram que sim, outros disseram que não. Conversamos sobre a

importância de nos alimentarmos bem, por que precisamos de energia para as

nossas atividades diárias.

O aluno Vagner que na aula anterior parecia ter assimilado pouco sobre o tema,

por não ter respondido o exercício corretamente, na aula de hoje participou

bastante, inclusive com um depoimento, onde narrou que foi a um jogo de futebol

pela manhã sem tomar café e desmaiou no campo. Pegando esse gancho propus à

turma uma prática de exercício aeróbico para que pudessem perceber gasto de

energia/condicionamento físico. Assistimos ao vídeo da corredora Gabrielle

Andersen Schiess, Maratonista em Los Angeles, em 1984 e refletimos sobre a

pergunta: Faltou energia? O que são alimentos calóricos? Trabalhamos então, com

rótulos de diversos alimentos e procuramos discutir a respeito das informações

neles contida. Assim vimos que o conceito caloria está relacionada a quantidade de

energia que o alimento oferece. Com essa energia conseguimos realiza as nossas

funções vitais até mesmo quando dormimos. Por isso a determinação da quantidade

de energia armazenada em cada alimento é importante para planejamento de uma

dieta que equilibra quantidade de energia ingerida e aquela gasta.

Conversamos ainda, que se a alimentação é tão necessária para termos energia, O

que acontece com trabalhadores que realmente pegam no “pesado” e ao saírem de

suas casas para trabalharem muitas vezes tomam apenas um cafezinho? Sem entrar

em questões políticas, ficou essa reflexão para que os alunos pudessem pensar.

Para finalizar os alunos construíram uma caricatura de corpo saudável e calórico

usando figuras de alimentos retiradas de revistas.”

Percebemos pelo próprio tamanho do relato dela sobre a aula o quanto ela veio ao longo da

unidade desenvolvendo mais sua produção textual sobre os fatos que ela destacava sobre as

aulas. Nesse relato ela chama a atenção para o fato de um aluno que havia apresentado

dificuldades nas aulas anteriores e que tinha um perfil não participativo, ter se envolvido

ativamente nas discussões sobre alimentação e gasto de energia durante essa aula.

100

Essa situação ilustra os efeitos da introdução de temas cotidianos nas aulas de biologia na

medida em que ao introduzir uma discussão sobre os hábitos alimentares dos próprios alunos

a professora possibilitou que mais alunos se sentissem a vontade de se colocar na discussão.

Apesar do relato dela não sinalizar, observando as imagens em vídeo da aula é possível notar

que ela ainda teve que fazer um grande esforço de mediação para que os alunos falassem

sobre como eles relacionavam a alimentação com o fornecimento de energia para o corpo.

No entanto, com sua mediação ela soube criar situações em que os alunos começaram a falar

sobre suas vivencias e realmente o aluno Vagner que ate então não havia se manifestado em

nenhuma das aulas anteriores fez colocações em diversos momentos da discussão.

Essa situação é interessante, pois ao mesmo tempo em que sinaliza para o fato de que o

professor para implementar mudanças curriculares necessita ter características como uma

boa capacidade de mediação e articulação dos conteúdos, aponta para alguns pequenos mais

significativos resultados como fazer um aluno se integrar e participar das discussões em sala.

As práticas hegemônicas, ao não considerarem o universo dos alunos provocam um

afastamento deles dos processos de ensino-aprendizagem.

A partir dessa discussão inicial para a construção da ideia de que a energia do corpo vem dos

alimentos, a professora distribuiu um texto que ela selecionou de um livro paradidático que

tratava da energia dos alimentos. Esse texto introduzia a questão do valor energético dos

alimentos, o consumo de calorias pelas atividades desempenhadas e também apresentava o

ATP como molécula responsável em armazenar a energia produzida pela metabolização dos

alimentos pelo organismo.

A professora fez uma dinâmica na qual os alunos leram o texto uma vez individualmente e

posteriormente foi feita uma leitura em voz alta na qual a professora ia fazendo comentários

em determinados pontos para reforçar conceitos que ela achava importante. Essa estratégia,

que já tinha sido adotada na aula anterior sinaliza para a convivência de práticas inovadoras

com práticas hegemônicas, pois a leitura em voz alta pode ser colocada como uma das

estratégias mais clássicas entre os processos pedagógicos, no entanto isso não desmerece

nem diminui sua eficiência quando bem utilizada pelo professor. No caso, a turma por

apresentar dificuldades em sustentar discussões orais, se mostrou bastante receptiva à

estratégia da leitura coletiva uma vez que o texto, para os alunos, assume um lugar de

autoridade e fonte de conhecimento confiável. Além disso, as próprias relações hegemônicas

101

estabelecidas no espaço da sala de aula tornam confortáveis e familiares essa situação para

os alunos.

As intervenções da professora ao longo da leitura do texto assumem um papel de realce de

informações para que os alunos atentem para o que ela considera importante. A primeira

delas foi no sentido de estabelecer uma relação entre as informações sobre os alimentos

como fonte de energia e a discussão das aulas anteriores em que se apresentou o conceito da

lei de conservação da energia. Baseada na lei de conservação de energia a professora

explicou a perda energética que ocorre entre os níveis tróficos em uma cadeia trófica no

ecossistema. Ela relembrou o esquema apresentado na ultima aula e reforçou a ideia de que a

energia proveniente da luz do sol que é absorvida pelas plantas durante a fotossíntese, fica

disponível para os animais que ingerem essas plantas e seus frutos.

Mais adiante a professora comentou sobre a energia contida nas ligações químicas das

moléculas orgânicas e o conceito de kilocalorias. Com isso ela começou a falar sobre a

questão do valor calórico dos alimentos e a necessidade de se equilibrar a alimentação em

uma dieta saudável. Ela estabelece o conceito de calorias diárias necessárias para manter as

atividades de um individuo e comenta sobre a questão das informações dos rótulos dos

alimentos.

Nesse ponto percebemos uma interface com o campo da Química na unidade CTS proposta

pela professora. A discussão da energia do ponto de vista bioquímico é uma forma já

estabelecida no ensino de Biologia no ensino médio, no entanto a professora em sua

proposta associa a discussão do ponto de vista bioquímico com o contexto das cadeias

tróficas existentes nos ecossistemas que podemos entender como uma formulação contra-

hegemônica uma vez que segundo o Currículo Mínimo esses conteúdos estão previstos para

bimestres diferentes. No entanto do ponto de vista da aprendizagem dos alunos faz muito

mais sentido associar essas discussões uma vez que podemos entender esses conhecimentos

como interdependentes.

O entendimento do funcionamento do fluxo energético no ecossistema passa pelo

entendimento da dimensão bioquímica da energia nos organismos, assim como essa

dimensão bioquímica precisa de um contexto concreto para não se tornar uma informação

abstrata para os alunos. Tradicionalmente o ensino da dimensão bioquímica da energia nas

práticas hegemônicas se limita a um conjunto de equações bioquímicas sem contexto na qual

os alunos precisam literalmente decorar reagentes e produtos sem necessariamente

102

internalizar e entender que essas reações acontecem nas células dos organismos que eles

estudaram em outros bimestres e anos. Com isso, percebemos que a proposta da professora é

bastante inovadora em tentar dar um significado mais consistente para essas informações

criando pontos de ancoragem para a aprendizagem de seus alunos.

Após a leitura a professora propôs uma dinâmica na qual a turma foi dividida em dois

grupos. Um dos grupos começou a simular uma corrida no mesmo lugar e outro grupo faria

um alongamento durante dois minutos antes de começar a corrida. Ao todo a dinâmica durou

5 minutos para ambos os grupos. Ao final a professora solicitou que cada um medisse a

própria pulsação. Ela então iniciou uma discussão com os alunos sobre o gasto energético

em cada um dos grupos. Os alunos rapidamente constataram que o grupo que ficou correndo

o tempo todo gastou mais energia que o grupo que alongou primeiro. Recorrer aos sentidos

dos alunos foi uma forma que a professora encontrou para inovar em sua prática pedagógica

e fazer com que os alunos literalmente se levantassem da cadeira para experimentar os

conceitos discutidos em sala. Através do exercício aeróbico proposto a professora rompeu

com as expectativas que se colocam para uma aula de biologia, que basicamente envolvem

passar 100 minutos escutando o professor. A experimentação dos alunos da sensação do

gasto energético no próprio corpo foi mais eficaz que qualquer explicação que a professora

pudesse dar.

No entanto após a dinâmica, a professora tentou iniciar uma discussão sobre a questão social

da alimentação ao comentar a situação de que muitos trabalhadores saem para trabalhar de

manhã sem se alimentar adequadamente, porém os alunos não aderiram a esse debate

permanecendo em silencio quanto a essa questão. A professora respeitou a posição dos

alunos em ficarem em silencio, mas reforçou que achava importante que eles pensassem

sobre essas questões sociais também. Essa situação em sala de aula ilustra uma contribuição

das abordagens CTS para a prática da professora. Incorporar discussões que associam as

questões cientificas às questões sociais é um dos desafios que as abordagens CTS se

propõem a superar. Nas práticas hegemônicas a discussão sobre a obtenção de energia pelos

alimentos não necessariamente seria contextualizada na situação das condições da

alimentação dos trabalhadores brasileiros. No entanto essa foi uma forma que a professora

encontrou para superar um ensino descontextualizado de biologia. Porem a situação

também ilustra o quanto a resposta dos alunos é parte fundamental para que essas propostas

de fato se desenvolvam. O silencio dos alunos sobre essas questões é preocupante na medida

103

em que sinaliza que eles não se sentem capazes ou preparados para sustentar uma discussão

sobre esse tipo de assunto, nas aulas de biologia.

Essa questão nos faz pensar no quanto as mudanças curriculares necessitam também de

mudanças sistêmicas de modo que não tenhamos apenas iniciativas pontuais e isoladas de

mudança, uma vez que os alunos estão conformados pelas práticas hegemônicas do ensino

escolar, é de fato impossível romper com isso em apenas uma unidade, quanto mais em

apenas uma aula.

A aula prosseguiu com a exibição de uma histórica cena das Olimpíadas de 1984 em que a

maratonista Gabrielle Andersen Schiess chega cambaleando até a linha de chegada

completamente estafada e desidratada e é socorrida pela equipe medica. A partir dessa cena

a professora perguntou para a turma o que havia acontecido com a atleta. A turma

rapidamente respondeu que lhe faltou energia durante a prova. Com essa ideia a professora

perguntou sobre os tipos de alimentos que são mais ou menos energéticos. Os alunos

responderam timidamente a pergunta, não desenvolvendo muito essa discussão.

Com isso a professora passou então para uma atividade de análise de rótulos de alimentos.

Ela trouxe um conjunto de embalagens de alimentos que fazem parte da dieta dos alunos

para que eles examinassem seus rótulos. Ela pediu para que eles identificassem onde

estavam as informações sobre o valor calórico dos alimentos analisados.

Os alunos aderiram facilmente à atividade e começaram a examinar as embalagens. A

professora destacou a importância do habito de se observar os rótulos dos produtos que eles

consomem. Novamente, percebemos aqui uma influencia das abordagens CTS no sentido de

um ensino orientado para a tomada de decisões. A professora tinha uma expectativa que as

discussões da aula pudessem servir para que os alunos adquirissem hábitos mais saudáveis

de alimentação em seus cotidianos fora da sala de aula.

A professora aproveitou para comentar com eles como que são feitos os cálculos para os

valores diários de alimentação e para o quanto cada alimento proporciona em termos de

calorias. Ela passou então uma atividade em que ela dividiu a turma em diversos trios,

distribuiu revistas, tesoura e cola e pediu para que cada grupo criasse uma colagem

representando um corpo saudável e um corpo não saudável.

Novamente, ao mesmo tempo em que a turma é extremamente resistente às discussões orais,

eles respondem muito bem às atividades propostas. Todos os grupos trabalharam de forma

104

tranquila e se empenharam na construção dos corpos. Isso mostra o quanto que a diversidade

de estratégias é necessária para ir envolvendo os alunos. Esse tipo de atividade estimula

mais a criatividade e expressão artística dos alunos. Além disso, esse tipo de estratégia

possibilita que os alunos expressem suas concepções sobre o que são os alimentos saudáveis

e não saudáveis ajudando-os a refletir sobre sua própria alimentação.

Abrir espaços na aula de biologia para esse tipo de reflexão sobre sua própria alimentação e

também para as questões sociais envolvidas com a alimentação dos trabalhadores é uma

grande contribuição das abordagens CTS para a prática do ensino de biologia. Nas praticas

hegemônicas a discussão da energia dos alimentos fica mais restrita às informações

nutricionais e na descrição dos tipos e funções dos nutrientes para a constituição do

organismo.

Na quinta aula da unidade a professora tratou sobre a obtenção de energia pelos seres vivos.

Essa era a segunda aula do bloco da unidade que contextualizava o tema Energia em seu

aspecto biológico. Na realidade, em muitos aspectos essa talvez fosse a aula mais

explicitamente biológica por tratar de fotossíntese. No entanto ela teve alguns diferenciais. O

primeiro deles é que a professora teve a colaboração de licenciandos da UFRJ/campus

Macaé que naquele ano faziam o estágio supervisionado com a professora naquela turma.

Por conta desse auxilio, a professora pôde fazer uso do laboratório de ciências do colégio

que ficava ao lado do auditório.

Abaixo segue o relato dela sobre a aula

“A aula foi um estudo sobre Fotossíntese, ministrada pelos licenciandos do curso de

Biologia da UFRJ, que fazem estágio na turma.

Os estagiários prepararam a aula com o recurso do Power Point. Iniciaram

resgatando a discussão da aula anterior sobre a obtenção de energia dos

heterótrofos.

Explicaram o fluxo de energia nos ecossistemas, gerado a partir da energia solar e

da fotossíntese; tema que transcorreu por toda a aula.

Trouxeram várias curiosidades e novas descobertas científicas relacionadas a

fotossíntese. O ponto alto da aula foi a atividade prática no Laboratório de

Ciências, onde foi realizado um experimento demonstrando a fluorescência da

clorofila.

105

Ao final, os estagiários trabalharam um texto para fundamentar as discussões e

propuseram que os alunos respondessem 3 questões sobre fotossíntese.

A maioria dos alunos conseguiu se apropriar dos conceitos apresentados.

O entusiasmo dos alunos após a aula ministrada pelos licenciandos, estagiários

nessas turmas foi muito grande.”

O relato dela foi um pouco mais sucinto do que o da aula anterior. Ela destacou o fato da

aula ser em Power point. Conforme dito anteriormente, a professora não tinha o habito de

utilizar esse tipo de recurso em suas aulas, por isso, ela atribui um destaque para essa forma

de conduzir a aula. Dentro de sua própria prática, a utilização de recursos audiovisuais é

uma ruptura.

Em seu texto a professora pontua os elementos-chave que ela considerou da aula. Do ponto

do conteúdo ensinado a professora destaca no terceiro parágrafo de seu relato a relação

estabelecida entre o fluxo de energia no ecossistema e a fotossíntese na aula. Podemos

entender essa aula como um aprofundamento do caráter contra-hegemônico de proposta

CTS da professora para o ensino médio. Os licenciandos aprofundaram a conceituação do

processo fotossintético, em uma associação com conceito de fluxo energético no ecossistema

tal qual a professora havia comentado na aula anterior.

A própria professora destaca em seu relato que os licenciandos agregaram uma atualização

no ensino desses temas na medida em que por conta de sua proximidade com a academia, no

âmbito da universidade, eles contribuíram com imagens e informações mais recentes e

baseadas em publicações científicas. Nessa aula foi apresentado com mais detalhes o

processo fotossintético dando ênfase nas estruturas celulares e o papel ecológico da

fotossíntese. A ênfase no aspecto ecológico da fotossíntese associado à dimensão celular

desse processo é uma grande ruptura com a forma tradicional de ensinar esses dois conceitos

que os trataria separadamente.

A professora caracteriza a atividade no laboratório didático como “o ponto alto” da aula.

Esse comentário dela precisa ser entendido no âmbito da ruptura com as práticas

hegemônicas que a utilização do laboratório provoca. Esse enunciado ecoa na medida em

que tradicionalmente o espaço do laboratório não era utilizado para atividades didáticas. Na

realidade, até a proposta de uso nessa aula, ele funcionava mais como um local para guardar

os livros didáticos de química e de biologia que os alunos utilizavam durante as aulas em

sala.

106

Evidentemente contar com a ajuda dos licenciandos foi parte fundamental para essa proposta

ser viável. Pelo fato da turma não caber inteira no laboratório foi necessário dividir a turma

em dois grupos e fazer uma alternância entre o laboratório e o auditório. No auditório

ocorria uma exposição sobre o processo fotossintético e seu papel ecológico no ecossistema

e simultaneamente no laboratório ocorria uma demonstração de um experimento, após cada

atividade os grupos trocavam de ambiente. Por esse motivo a professora teria dificuldades de

implementar a proposta dessa aula sozinha.

O experimento apresentado no laboratório foi uma demonstração sobre as propriedades de

absorção da luz da clorofila. De modo a explicar a absorção da luz do sol pelos organismos

vegetais a exposição no auditório apresentou o espectro eletromagnético e foi explicado que

a clorofila é a molécula responsável em absorver a energia do sol e iniciar o processo

fotossintético. Na tentativa de tornar mais concreto esse conteúdo abstrato que

tradicionalmente é explicado através de esquemas e gráficos, foi realizado um protocolo de

extração em solução alcoólica dos pigmentos de folhas de plantas coletadas no jardim da

escola.

Os alunos tiveram a oportunidade de macerar as folhas das plantas e misturar com álcool

para produzir a solução de clorofila. Uma parte dessa solução foi pingada em um papel filtro

para realizar uma cromatografia rudimentar demonstrando as diferentes bandas de

pigmentos vegetais. O restante da solução foi colocado em um tubo de ensaio e iluminada

com uma lâmpada ultravioleta. Ao ser exposta a luz ultravioleta, a solução de clorofila

mudou da cor verde, para uma coloração mais avermelhada ilustrando os princípios da

absorção e reflexão dos comprimentos de onda da luz visível.

Essa atividade experimental, por mais que tenha sido até mais expositiva do que

efetivamente prática para os alunos, provocou uma mudança, na recepção dos alunos para

com os conteúdos, que foi notada e evidenciada pela professora em seu relato quando ela

afirma que “A maioria dos alunos conseguiu se apropriar dos conceitos apresentados. O

entusiasmo dos alunos após a aula ministrada pelos licenciandos, estagiários nessas turmas

foi muito grande.”; O fato de a professora destacar o entusiasmo e a aprendizagem dos

alunos reforça a ideia de que para a professora, as propostas inovadoras em sala de aula

provocam uma resposta dos alunos que justificam a mudança das praticas escolares.

107

Na aula seguinte, a professora voltou a ministrar sozinha a aula. Essa sexta aula da unidade

fecha o bloco que contextualizava o tema energia na dimensão biológica. A professora fez o

seguinte relato dessa aula:

“Nessa aula a ideia foi de que os alunos, uma vez que já haviam trabalhado

questões sobre a obtenção de energia pelos heterótrofos e sobre fotossíntese,

pudessem pensar sobre a transferência de energia e matéria no sistema biológico.

O questionamento girou em torno dos produtores como porta de entrada da energia

no mundo vivo. E que a energia apresenta um fluxo decrescente ao longo da cadeia

alimentar.

Para essa discussão foi trabalhado um texto que os alunos leram de forma

compartilhada.

Ao final, foi apresentada uma imagem do planeta à noite para que os alunos

refletissem sobre o fluxo de energia na sociedade e fizessem um paralelo das áreas

iluminadas na imagem com a relação de consumo.

Tenho percebido uma característica nos alunos a partir dessa sequência de aula

sobre o tema Energia antes não observada. Os alunos estão mais questionadores e

preocupados com o lugar que ocupam na sociedade”

Nessa aula a professora reforçou os conceitos apresentados na aula anterior, explicando

novamente os elementos do ecossistema e a questão do fluxo energético ao longo da cadeia

trófica. A professora usou bastante a estratégia de reforço dos conceitos ao longo da

unidade. A cada aula ela retomava o que foi trabalhado anteriormente e reforçava os

conceitos que ela achava importante. Do ponto de vista das relações hegemônicas,

percebemos nessa estratégia uma forma bem tradicional de lidar com o conteúdo escolar.

Dessa forma, a professora estabelece uma mescla entre práticas inovadoras com as práticas

tradicionais ao longo da unidade e de fato isso parece ser necessário para viabilizar a

proposta.

Ela destaca em seu relato o uso do texto que foi utilizado para uma leitura coletiva. Essa

também se mostrou uma estratégia recorrente da professora. A utilização dos textos em suas

aulas tinha tanto um sentido de ser uma fonte de consulta posterior para os alunos como

também uma forma de conduzir a aula. A utilização dos textos em aula segue o modelo do

uso do próprio livro didático. Dessa forma, a professora em sua prática mantém estratégias

tradicionais dentro de sua proposta de inovação curricular. Os alunos por estarem

familiarizados com essas práticas aderem facilmente a elas, diferentemente das propostas de

108

discussão que ela tentou encaminhar em sala. O texto tem uma autoridade de validação das

informações que são apresentadas oralmente ou através dos recursos audiovisuais que a

professora experimentou.

O texto também de certa forma retira a necessidade dos alunos tomarem notas em seus

cadernos. De fato ao longo de todas as aulas os alunos nem sequer abriram o caderno para

tomar qualquer anotação ao longo das falas e apresentações de slides. A centralidade do

texto em sua aula reforça as práticas hegemônicas, no entanto a professora diversifica as

atividades durante as aulas utilizando se de dinâmicas variadas. No caso dessa aula, após a

leitura do texto base, ela realizou a dinâmica da teia da vida para construir uma ideia de

interdependência dos elementos de um ecossistema. Nessa dinâmica, a professora coloca a

turma em roda e cada aluno representa um elemento do ecossistema. Através da utilização

de um barbante cada aluno precisa formular uma frase em que associe o seu elemento com o

elemento de algum colega na roda. Ao fazer essa associação ele fica segurando uma ponta

do barbante e arremessa o carretel para o colega do elemento que ele se associou. Esse

procedimento ocorre até o ultimo elemento ser conectado e assim ser possível visualizar um

emaranhado de conexões entre os elementos do ecossistema. No momento que a Teia é

construída a professora fez uma intervenção mostrando que uma perturbação em um

determinado ponto das interconexões era sentido em diversos outros pontos. Essa dinâmica

serve como uma metáfora para o delicado equilíbrio no ecossistema e seu conjunto de

complexas inter-relações.

Esse tipo de estratégia atua como um complemento para a estratégia anterior de leitura do

texto base. A professora buscou desenvolver uma discussão ao longo do processo da

dinâmica, mas a reação da turma continuou um pouco avessa às discussões orais. Entretanto,

a partir da mediação da professora ao longo da dinâmica, ela foi reforçando os conceitos

trabalhados pelo texto, mas se valendo dos exemplos e frases que os alunos diziam.

Após essas explicações a professora exibiu um pequeno vídeo que ela selecionou na internet

que basicamente repetia os conceitos trabalhados pelo texto e através da dinâmica. Vemos

aqui o esforço da professora em buscar apresentar os conceitos aos alunos de formas

variadas, explorando mais de um tipo de recurso. Essa variedade de estratégias possibilita

que a professora inclua diferentes aptidões de seus alunos. A abordagem a partir do texto

favorece aqueles que têm boas habilidades de leitura, a dinâmica possibilita uma forma mais

lúdica de aprendizagem e o vídeo oferece a possibilidade de imagens em movimento que

109

permitem uma visualização mais concreta dos processos abstratos como reações químicas,

fluxo energético e ciclagem da matéria. Nesse sentido, a proposta CTS da professora

integrou uma diversidade de atividades que ora rompiam com práticas hegemônicas, ora

reafirmavam essas práticas. O discurso CTS influenciou a proposta no sentido de

reconfigurar a sequencia dos conteúdos didáticos e provocar uma articulação entre eles que

rompe com as abordagens hegemônicas no campo do ensino de biologia.

Na finalização da aula a professora iniciou uma articulação entre o conteúdo do bloco

biológico com o próximo bloco de aulas da unidade que contextualizava o tema energia em

seu aspecto social. A partir do entendimento do fluxo energético no ecossistema, a

professora começou a instigar os alunos a pensar sobre o fluxo energético na sociedade.

Novamente eles não falaram muito nesses espaços que a professora tentava provoca-los.

Através de uma sequencia de fotos de satélites da Terra tiradas no período em que a Terra

não está iluminada pelo Sol, a professora começou a pergunta-los sobre o que aquelas

imagens diziam sobre a distribuição de energia elétrica pelo globo. De fato a imagem da

terra à noite demonstra a grande concentração do consumo de energia pelos países do

hemisfério norte e por algumas metrópoles dos Países do hemisfério sul. Esse contraste de

fato repercutiu entre os alunos de modo que um deles chegou inclusive a chamar as zonas

escuras do globo de roça, assumindo o caráter pouco desenvolvido dessas regiões. A

professora se esforçou em tentar estabelecer com a turma uma relação entre o consumo

energético e os índices de desenvolvimento dos países, mas a turma não aderiu a essa

discussão.

A professora buscou desenvolver a discussão sobre a desigualdade social da distribuição

energética, mas apesar dela comentar que seus alunos estão se tornando mais

“questionadores e preocupados com seu lugar na sociedade” isso não ficou muito aparente

nas interações em sala, pois a turma continuou com uma postura mais quieta durante essas

oportunidades de discussão. Acredito que essa afirmação esteja relacionada com o resultado

das produções textuais que eles foram fazendo ao longo da unidade, mais do que por conta

das participações em sala.

A professora encerrou a aula solicitando que para a próxima aula eles preparassem uma

apresentação em grupo sobre as diferentes formas de produção de energia elétrica. Isso na

realidade era uma preparação para a palestra que iria ocorrer na aula seguinte com um

representante do sindicato de petroleiros de Macaé.

110

Essa palestra iniciava o terceiro e ultimo bloco da unidade que visava contextualizar o tema

Energia em sua dimensão social. A proposta desse bloco pode ser entendida como uma

influencia direta das abordagens CTS na prática da professora. Segundo ela, até tomar

contato com o discurso CTS para o ensino de ciências, sua prática pedagógica incorporava a

dimensão do ensino para a cidadania de forma mais inconsciente e intuitiva do que

propriamente com uma finalidade baseada em um pressuposto pedagógico.

A forma com que a professora lidou com a demanda das abordagens CTS em articular as

questões sociocientificas no contexto da sala de aula consistiu em tentar estabelecer ao longo

de todas as aulas, independente do bloco ou da temática da aula, discussões que

perpassassem também a dimensão social. Olhando em retrospectiva, podemos identificar

que a professora trouxe a discussão da alimentação dos trabalhadores na aula sobre nutrição,

falou da questão da sustentabilidade na geração de energia em quase todas as aulas, tentou

refletir com os alunos sobre a distribuição global do consumo energético e sua relação com

os índices de desenvolvimento na aula de ecossistemas.

No entanto, ela sentiu necessidade de destacar um conjunto de aulas na unidade onde a

ênfase não estaria nos conteúdos científicos em si, mas nas implicações sociais da ciência e

da tecnologia. O convite ao membro do sindicato dos petroleiros para conversar com os

alunos precisa ser entendido como uma resposta da professora ao ambiente que ela esta

inserida. A indústria do petróleo atravessa o cotidiano de Macaé de maneira profunda. No

imaginário do jovem das periferias de Macaé, trabalhar na cadeia produtiva do petróleo é um

sonho a ser realizado e uma garantia de um bom salário. Com isso, a professora ao trazer

esse convidado oportuniza aos seus alunos o contato direto com aquele que está inserido em

um contexto que eles têm curiosidade e interesse em se envolver. Não por acaso, após um

período de certa timidez, aos poucos ao longo da palestra os alunos se soltaram e fizeram

diversas perguntas sobre os processos de extração de petróleo na bacia de campos. Os alunos

perguntaram sobre o pré-sal, sobre as reservas de petróleo brasileiro, sobre a tecnologia de

prospecção em águas profundas e sobre os efeitos ambientais dos acidentes nas usinas

nucleares.

Além disso, a escolha de alguém inserido no âmbito sindical da cadeia produtiva do petróleo

atende uma expectativa contra hegemônica e visa dar voz a um representante dos

trabalhadores ao invés de alguém que, por exemplo, representasse o governo ou as empresas

off-shore.

111

O relato da professora sobre a palestra segue abaixo:

“Na palestra falou-se de fonte de energia limpa. Ainda assim foi discutido alguns

impactos ambientais como: poluição visual da paisagem e poluição sonora, também

foi falado sobre a importância dos combustíveis fósseis na sociedade atual, sobre o

uso dos derivados de petróleo não só como combustíveis para automóveis, mas com

outro uso como todos os materiais feitos de plásticos, asfalto, parafina, óleo

lubrificantes.

Lançamos uma pergunta, o que aconteceria se o petróleo do mundo acabasse?

Independente de qual fonte quando os combustíveis fósseis acabarem não teremos

energia suficiente para manter o estilo de vida que a sociedade tem hoje?

Que atitude poderíamos tomar para evitar este cenário? Como poderíamos

economizar mais energia elétrica?”

Ela não menciona no relato nenhuma informação referente ao palestrante. Seu relato se

estrutura como uma síntese de alguns pontos que foram falados durante a palestra dele. A

síntese que ela faz da fala dele destaca o aspecto dos impactos ambientais que a geração de

energia causa, seja ela de matriz fóssil ou renovável. Pelos elementos que ela destaca, o

palestrante reforçou a dependência que o atual modelo de desenvolvimento tem da indústria

do petróleo.

Ela termina o relato dessa aula apresentando 4 perguntas que pautaram a conversa após a

palestra. A primeira delas se referia a finitude dos combustíveis fosseis na natureza. A

segunda seria um desdobramento dessa primeira pautada em uma preocupação com a

quantidade de energia necessária para a manutenção do habito de vida contemporâneo. Já as

duas últimas perguntas podem ser entendidas como perguntas norteadoras das ações da

professora ao longo da unidade como um todo. Desde a primeira aula, ela buscava

apresentar para a turma uma proposta de reflexão sobre as praticas de consumo de energia

pelos hábitos contemporâneos.

Pensando na influencia das abordagens CTS na prática dela, é possível perceber que ela

buscou estabelecer com suas aulas uma discussão que viesse a romper com o status quo da

questão energética. Desde o inicio da unidade ela veio provocando seus alunos a pensarem

alternativas ao modelo atual de exploração da energia baseada em combustíveis fósseis. No

entanto, essa intenção da professora acabou por esbarrar na resistência dos alunos em de fato

discutir esses modelos de forma critica durante as aulas apresentando mais uma postura

passiva de receptores de informação. No entanto, apesar do retorno não muito entusiasmado

112

da turma com essas discussões, dialeticamente é extremamente válido a apresentação dessas

propostas para eles.

É possível entender essa tentativa da professora como uma ruptura com as práticas

hegemônicas na medida em que ela, buscando atender pressupostos CTS, rearticulou os

conteúdos escolares de biologia e introduziu discussões como, por exemplo, a questão da

exploração de petróleo em águas profundas e da camada pré-sal que tradicionalmente não

tem muito espaço nos planejamentos voltados para o ensino de biologia no ensino médio.

Na aula seguinte à palestra, os alunos tiveram a oportunidade de apresentar os trabalhos

sobre as diferentes formas de geração de energia elétrica que a professora havia solicitado

em uma aula anterior. A apresentação dos alunos demonstrou um amadurecimento da turma

em comparação ao trabalho sobre angiospermas que foi apresentado na primeira aula da

unidade como um resquício do bimestre anterior. Enquanto naquela apresentação os alunos

ficaram muito presos à leitura de um texto que eles trouxeram impresso, nas apresentações

desses trabalhos deu para notar uma maior desenvoltura por parte dos alunos ao falar sobre

as diferentes formas de gerar eletricidade. Alguns grupos inclusive fizeram uso de

apresentações em Power Point utilizando esquemas, imagens e textos retirados da internet.

Essa desenvoltura deles apresentando os trabalhos reflete também um comentário feito pela

professora no inicio dessa aula em que ela elogiou a turma por ter tido um ótimo

desempenho nas avaliações daquele semestre. Segundo ela, todos ficaram acima de

cinquenta por cento nas avaliações e ela ficou bastante satisfeita de ver que eles estavam se

esforçando e mostrando que as aulas estavam sendo aproveitadas. Esse comentário dela é

interessante na medida em que revela a complexidade dos processos de aprendizagem. Por

mais que a turma não tenha apresentado um perfil muito participativo nas discussões sociais

que ela tentou introduzir nas aulas de biologia, não por isso eles não estavam ao modo deles,

assimilando aquelas questões e ampliando suas conceituações sobre o tema Energia.

Evidentemente as apresentações dos alunos variaram de qualidade no sentido em que alguns

grupos tiveram um desempenho melhor do que os outros, mas de modo geral todos

mostraram bastante domínio dos conceitos por trás dos processos de transforção das fontes

primarias em energia elétrica. Eles também se mostraram conscientes dos impactos

ambientais e custos econômicos implicados em cada uma das diferentes formas de produção

de energia elétrica.

113

Após as apresentações dos trabalhos a professora fez uma fala geral tentando organizar

algumas questões que foram abordadas pelos grupos. Ela comentou sobre a questão do

impacto ambiental que a geração de energia causa seja ela feita a partir de fontes renováveis

ou não. Ela então voltou a instiga-los sobre a questão das alternativas ao modelo

hegemônico do petróleo. Em sua fala ela explorou a questão do impacto da indústria de

petróleo em Macaé, ressaltando o fluxo migratório que inchou a cidade e a relação desse

fluxo com a oferta de empregos na região seja na cadeia produtiva do petróleo como

também nas cadeias paralelas que se constituem a partir dessa indústria.

Ela então começou a argumentar sobre a necessidade da formação para qualificação da mão

de obra como condição necessária para eles se empregarem no futuro próximo. Nesse

momento, foi possível perceber uma maior participação dos alunos na discussão sobre os

impactos na cidade e sobre o futuro profissional deles. Essa adesão à discussão pode ser

entendida como resultado da incorporação de elementos extremamente contextualizados nas

vivências deles, reforçando assim o pressuposto CTS de que o ensino de ciências tem que

fazer sentido também na vida dos alunos e não se tornar um conjunto de conceitos abstratos

e distanciados da vida cotidiana.

A professora no fechamento dessa aula explicou mais uma vez o trabalho final da unidade

que consistia nos alunos em grupo, organizarem uma apresentação de uma proposta de

cidade sustentável, tomando como base o contexto do município de Macaé. Ela reforçou nas

orientações sua expectativa de que eles fizessem uso de recursos como maquetes, esquemas

e modelos para enriquecer essa apresentação.

Na aula seguinte ocorreu uma excursão da turma a uma termelétrica localizada no município

de Macaé. Essa visita tinha como objetivo mostrar aos alunos o contexto de produção de

energia na região. Ela foi viabilizada com os recursos da própria professora que não contou

com nenhum apoio por parte da escola ou da SEEDUC-RJ. Por esse motivo, a professora

colocou como opcional a participação dos alunos na visita à usina. Dessa forma nem todos

os alunos participaram, mas uma parte significa da turma aderiu à atividade.

Para levar os alunos até a termelétrica a professora mobilizou seu marido e alguns colegas

que dispuseram seus carros particulares na qual os alunos foram divididos e transportados.

Acredito que esse fato realmente ilustre a determinação da professora em superar

dificuldades logísticas para viabilizar sua proposta pedagógica. A visita à termelétrica

proporcionou ao grupo de alunos uma vivencia em um ambiente diferenciado, onde eles

114

foram guiados à planta de produção da usina, visitaram a central de comando e assistiram a

uma palestra sobre como a energia é gerada ali e quais medidas de segurança a usina adotava

para cumprir com as leis ambientais e de operação.

Pelo contexto de Macaé, na qual o setor de energia é intensamente relacionado com o

universo da prospecção do petróleo, foi uma surpresa para muitos dos alunos tomarem

conhecimento da existência de uma usina baseada em outra matriz energética funcionando

ali na região. Alguns alunos inclusive demonstraram interesse e curiosidade sobre a carreira

profissional nesse setor. Durante a palestra eles perguntaram sobre o tipo de formação que

eles precisariam ter para atuar em uma usina como aquela.

A possibilidade das práticas pedagógicas despertarem vocações profissionais vai ao encontro

dos pressupostos CTS na medida em que atrair os alunos para carreiras acadêmicas e

tecnológicas não deixa de ser um dos objetivos de um ensino de ciências que busca o

encantamento dos alunos para com o campo cientifico e tecnológico. A professora desde a

aula anterior já vinha expondo a necessidade dos alunos refletirem sobre a formação

profissional deles visto que o ensino médio já estava próximo de acabar e continuar

estudando é uma condição essencial para que eles tenham futuras oportunidades

profissionais.

No inicio da unidade a professora demonstrou bastante preocupação em ampliar o conceito

sobre energia dos seus alunos e de fato a visita à usina assim como a diversidade de

atividades que a antecederam, contribuíram para essa ampliação conceitual. Tomando

contato com o funcionamento interno da usina, os alunos puderam ver a complexidade do

processo e diversidade de profissionais envolvidos na atividade de geração e distribuição de

energia. Esse tipo de vivência contribui para o estabelecimento de uma aprendizagem mais

efetiva na medida em que os alunos além de terem visto os conceitos diversas vezes e por

variados ângulos, tiveram a oportunidade de visualizar esses conceitos em contextos reais.

Na ultima aula da unidade ocorreram as apresentações dos trabalhos finais. Conforme dito

anteriormente esses trabalhos eram propostas de modelos sustentáveis de geração de energia

para o município de Macaé. A expectativa da professora é que os alunos conseguissem nesse

trabalho utilizar os conhecimentos trabalhados e adquiridos ao longo da unidade para

formular uma proposta que levasse em consideração as condições da cidade para soluções

sustentáveis para a geração de energia. É possível traçar uma relação entre a proposta desse

trabalho e o pressuposto CTS que sustenta um ensino de ciências comprometido com as

115

tomadas de decisão e a emancipação dos estudantes em um mundo fortemente influenciado

pela tecnocracia.

Em seu relato sobre essa aula a professora destaca os seguintes aspectos:

“Na aula do dia 11/08 os alunos apresentaram os trabalhos que produziram.

Alguns grupos fizeram maquetes onde usaram o sol para aquecer a água,

simularam células fotovoltaicas para gerar energia elétrica, outros abordaram o

uso de cata-ventos, também como economizar água utilizando coletores de água de

chuva, casas ecológicas usando telhados transparentes e lâmpadas feitas com

garrafa pet e água, deixando a casa mais iluminada.

Perceber que os grupos se envolveram e pesquisaram sobre o assunto, foi bastante

motivador.

Um grupo pesquisou na internet sobre uma casa construída com pneus e o outro

uma casa usando eletricidade produzida através de baterias biológicas, feitas de

plástico vegetal e usando no seu interior solução de açúcar.

Com esses trabalhos, os alunos pararam para pensar que podemos reciclar, usando

materiais alternativos e mudar posturas para economizar energia elétrica. Quem

sabe, podemos mudar o mundo sim, e, até a nós mesmos. E se não conseguirmos

mudar o mundo, conseguimos mudar o nosso entorno.“

A professora destaca o fato dos alunos terem utilizados recursos como maquetes para ilustrar

suas propostas de cidade sustentável. Considerando a postura mais passiva dos alunos ao

longo da unidade a professora valorizou o fato dos alunos terem se empenhado na realização

desses trabalhos e demonstrado capricho na produção dos modelos e maquetes.

Em seu relato a professora faz um apanhado geral dos temas abordados pelas apresentações

e conclui que ao longo da unidade e com a realização do trabalho final os alunos puderam

refletir sobre hábitos e posturas em relação ao consumo de energia, levando em consideração

as questões relacionadas com sua produção. Nesse sentido, pudemos perceber que a

professora tinha uma expectativa de que a abordagem CTS do tema energia pudesse

provocar mudanças de comportamento e atitude dos alunos para com o conhecimento

escolar e com as questões sociais em que eles estão inseridos direta ou indiretamente.

A tentativa de produzir um ensino de biologia emancipatório e pautado nas questões sociais

relativas aos seus conteúdos apresentou para a professora uma situação em que ela ficou

motivada com a postura dos alunos na realização dos trabalhos escolares e esperançosa de

116

que seu trabalho pedagógico possa contribuir com melhorias tanto em um nível local como

em um nível mais amplo. A partir dessa descrição e analise podemos pensar na unidade CTS

desenvolvida pela professora tendo como base as categorias propostas por Aikenhead (1994)

que citamos no capítulo 2. Nesse sentido, poderíamos situar essa proposta em uma zona

cinzenta entre as categorias 4 e 5, com alguns elementos da categoria 3.

3. Incorporação sistemática do conteúdo de

CTS ao conteúdo programático.

Ensino tradicional de ciências acrescido de

uma série de pequenos estudos de conteúdo

de CTS integrados aos tópicos

de ciências, com a função de explorar

sistematicamente o conteúdo de CTS. Esses

conteúdos formam temas unificadores.

4.Disciplina Científica (Química, Física e

Biologia) por meio de conteúdo de CTS.

Os temas de CTS são utilizados para

organizar o conteúdo de ciências e a sua

seqüência, mas a seleção do conteúdo

científico ainda é a feita partir de uma

disciplina. A lista dos tópicos científicos

puros é muito semelhante àquela da

categoria 3, embora a seqüência possa ser

bem diferente.

5. Ciências por meio do conteúdo de CTS CTS organiza o conteúdo e sua seqüência. O

conteúdo de ciências é multidisciplinar,

sendo ditado pelo conteúdo de CTS. A

lista de tópicos científicos puros assemelha-

se à listagem de tópicos importantes a partir

de uma variedade de cursos de ensino

tradicional de ciências.

Tabela 8: fragmento das Categorias de propostas curriculares CTS ( Aikenhead, apud Santos, 2002)

A categoria 3, Incorporação sistemática do conteúdo de CTS ao conteúdo programático,

reúne propostas que podem ser entendidas como os enxertos CTS. Nessas propostas, a

estrutura da disciplina escolar tradicional não é fundamentalmente alterada, mas em

determinados momentos do planejamento são inseridos temas CTS que complementam o

ensino tradicional da disciplina e o enriquece. A categoria 4 é chamada por Aikenhead de

117

Disciplina Cientifica por meio de conteúdos CTS. Isso significa que as práticas escolares

classificadas nessa categoria apresentam propostas em que a abordagem CTS produz uma

modificação na organização dos tópicos curriculares, mas é mantida ainda a identidade da

disciplina escolar de referencia. (Química, Biologia ou Física). A categoria 5, Ciências por

meio do conteúdo de CTS, é próxima à categoria 4, no que se refere ao fato da abordagem

CTS reorganizar os conteúdos e sua sequencia, no entanto, as propostas classificadas nessa

categoria são de natureza multidisciplinar, integrando as diferentes disciplinas escolares

(Química, Biologia e Física) para trabalhar os temas CTS.

Levando em conta o processo de construção da unidade CTS, consideramos que a proposta

desenvolvida durante o projeto de pesquisa encontra-se em uma zona cinzenta entre essas

categorias porque ela se constituiu a partir do conteúdo curricular da disciplina Biologia que

foram re-organizados a partir de uma perspectiva CTS tal qual as propostas da categoria 4.

No entanto, a re-elaboração curricular desenvolvida introduziu na disciplina Biologia,

conteúdos das disciplinas Física e Química, interagindo com temas tradicionais do currículo

de biologia como fotossíntese e ecossistemologia. Além disso, a temática energia se tornou

um tema unificador dos conteúdos trabalhados nessa unidade didática.

Dessa forma, percebemos na proposta da professora elementos que podem ser encaixados

em aspectos de cada uma dessas 3 categorias. Considerando a unidade CTS dentro do

planejamento anual da professora percebemos que a abordagem CTS ficou localizada e

restrita ao segundo bimestre do ano letivo. Dessa forma, podemos entende-la como um

enxerto CTS na medida em que o resto do ano a prática pedagógica da professora não foi

baseada nas abordagens CTS.

Além disso, como dito anteriormente, a formulação da proposta se deu a partir da disciplina

biologia, tal qual as propostas da categoria 4, mas pelo fato da professora em sua proposta

dialogar com a Física e com a Química para tratar do tema Energia podemos entender que

ela desenvolveu à sua maneira uma abordagem multidisciplinar como é previsto para

propostas da categoria 5.

Entendendo as categorias de Aikenhead como um gradiente, é possível perceber que a

proposta da professora se situou em uma região dessa escala onde a ruptura com as práticas

hegemônicas do ensino de biologia começam a ser estabelecidas, mas ainda não são as mais

extremas. De fato, a posição da proposta na escala de Aikenhead nos faz pensar nos limites e

118

possibilidades da implementação de práticas CTS para o ensino de biologia no município de

Macaé.

A proposta mostrou que é possível romper com uma série de práticas hegemônicas do ensino

de Biologia em Macaé, mas, no entanto também evidenciou que as práticas hegemônicas

também se fizeram presentes durante o desenrolar da unidade CTS. A professora buscou

conciliar diferentes demandas de modo a atender pressupostos pedagógicos calcados nas

práticas CTS como também aspectos administrativos e da própria cultura escolar.

Ainda que o processo de ruptura com as práticas hegemônicas não tenha sido tão intenso

quanto alguns autores do campo CTS gostariam de ver ocorrendo nas salas de aula, ele foi

importante no sentido de proporcionar a professora uma experiência diferenciada de sala de

aula que sem duvida pode e deve ser aperfeiçoada com a prática cotidiana levando a uma

possibilidade de um aprofundamento dessa ruptura. A longo e médio prazo esse enxerto

CTS vivenciado pela professora pode ser o passo inicial em direção a uma prática CTS

desenvolvida no ano inteiro e não apenas restrita ao tema energia.

Nesse sentido, achamos importante para complementar nossas analises sobre a proposta da

unidade e sua aplicação, lançar um olhar para o processo da professora no âmbito de sua

relação com o discurso e a prática CTS ao longo do tempo em que ela esteve envolvida no

projeto. Ao longo do projeto a professor realizou variadas produções textuais. Em uma delas

foi solicitado que a professora produzisse um texto sobre seu entendimento das abordagens

CTS e sobre a viabilidade dessas abordagens no contexto escolar em que ela está inserida.

Na realidade esse texto foi solicitado duas vezes ao longo do projeto, Na primeira vez, a

professora escreveu antes da implementação da unidade, após o período de formação teórica

e de elaboração da proposta. A segunda vez ocorreu após a aplicação da unidade CTS que

ela elaborou.

Dessa forma, entendemos que esses dois textos de alguma forma registram a relação da

professora com o discurso CTS antes e depois de vivenciar a aplicação da unidade CTS em

sua turma. Na próxima seção analisaremos essas duas produções textuais do ponto de vista

de sua dimensão discursiva, de modo a complementar as análises sobre a unidade CTS.

119

5.3 Análises dos textos Pré e Pós Aplicação da unidade

Na análise, buscamos identificar, nos dois textos, aspectos intertextuais, por meio da análise

de escolhas lexicais e representações discursivas. Também procuramos por aspectos

interdiscursivos, sobretudo por meio da observação de elementos de estilo.

Evidentemente esses dados não foram gerados em uma perspectiva objetivista de ciência, na

qual todas as variáveis são passiveis de controle e replicação, mas a título de esclarecimento

das condições de produção desses dois textos, em ambos a professora-bolsista teve o prazo

de duas semanas para elaborá-los e entregá-los, ficando a seu critério a natureza do texto

produzido

Observamos que ambos seguem a estruturação de um relato pessoal, abordando o tema de

forma livre, sendo que o primeiro apresenta 468 palavras distribuídas em dez parágrafos e o

segundo 295 palavras, em seis parágrafos. De forma geral, não encontramos em nenhum dos

dois textos citações de autores do campo CTS, ou seja, não verificamos exemplos de

intertextualidade manifesta. A análise da estrutura e composição dos dois textos nos permite,

entretanto, perceber alguns elementos da constituição da significação que a professora faz do

discurso CTS. Apresentaremos primeiramente uma análise de cada um dos textos

separadamente e posteriormente iremos confrontá-los de modo a perceber os deslocamentos

enunciativos que a professora realiza assim como traços da constituição da percepção dela

sobre as abordagens CTS.

5.3.1 Reflexões da professora antes da implementação

No primeiro texto, a professora inicia a sua narrativa trazendo a questão da relação entre a

produção do conhecimento e os impactos socioambientais:

“Há bastante tempo, venho refletindo sobre o crescente volume de

conhecimento produzido a cada dia e a velocidade com que as

informações e tecnologias dominam o mundo globalizado. Não nos

deixa escolhas, se não pensar a respeito dos impactos ambientais e dos

impactos sobre a sociedade. Apesar dos avanços a sociedade ainda os

acompanha timidamente, sendo muitas vezes só observadora.” (1°

parágrafo texto pré-atividade)

Nesse parágrafo a professora reconhece as características dos processos da modernidade

tardia: “velocidade com que as informações e tecnologias dominam o mundo globalizado” e

associa essas características aos impactos socioambientais “Não nos deixa escolhas, senão

120

pensar a respeito dos impactos ambientais e dos impactos sobre a sociedade”. Na primeira

oração a professora estabelece uma relação de dominação entre as informações e tecnologias

perante um mundo que se organiza em redes globais. A associação entre as características

da modernidade tardia com os impactos socioambientais não é desenvolvida no texto da

professora, pois ela não utiliza nenhuma conjunção para interligar as duas orações. Com

isso ela expressa uma representação em que Ciência e Tecnologia causam impactos sociais e

ambientais que não necessariamente são benéficos para todas as camadas da sociedade. Ela

reconhece os avanços que a Ciência e Tecnologia trazem, mas registra que esses avanços

não são igualmente distribuídos pela sociedade e pressupõe que esses avanços e aplicações

são realizados muitas vezes à revelia dos interesses sociais uma vez que a sociedade

acompanha timidamente esses avanços em uma posição mais de observadora do que de

protagonista. Em sua elaboração discursiva, a professora não especifica quem é a sociedade,

mas realiza uma pressuposição que existem grupos que são privilegiados socialmente e

outros que são excluídos ou que sofrem mais diretamente os impactos negativos do

desenvolvimento científico e tecnológico.

No segundo parágrafo do texto pré-atividade em que a professora aponta para um

anacronismo entre os conteúdos prescritos no currículo e aqueles presentes nas propostas

que visam à inserção de polêmicas sócio-científicas contemporâneas nas aulas de ciências.

“Em muitos momentos, os conflitos internos me tiravam o sono:

como inserir discussões sobre crises da degradação ambiental,

aquecimento global, efeito estufa, pobreza, matriz energética e tantos

outros em minhas aulas de biologia? Sabendo que tenho o currículo me

ditando conteúdo a ser trabalhado. Como adequar conteúdos mais

atuais nos currículos escolares? Em minhas aulas, eu acreditava já

fazer um trabalho diferenciado, buscando contextualizar o conteúdo,

mas ainda era estanque e superficial.” (2° parágrafo texto pré-atividade)

Nesse parágrafo, a professora sinaliza para as dificuldades para inserir temas atuais e

abordagens CTS em suas aulas no contexto de pressões impostas por um currículo. A

metáfora de um currículo que “dita o conteúdo” reflete uma representação das relações

estabelecidas, no contexto escolar, entre as atuais políticas de currículo do Estado do Rio de

Janeiro e a autonomia docente. A construção dessa representação no interior das práticas

discursivas do ensino de ciências expressa antagonismo de objetivos e é significada como

um entrave para implementações de inovações curriculares. Uma disputa hegemônica se

coloca nessa situação onde de um lado existe uma cobrança institucional determinando um

121

conjunto especifico de competências e habilidades que se traduzem em conteúdos

curriculares e de outro um entendimento, baseado nas abordagens CTS, de que o currículo

escolar necessita incorporar discussões contemporâneas sobre questões socioambientais em

todos os níveis de conteúdos, inclusive sendo necessário subverter certas prescrições

curriculares.

As escolhas léxicas da professora para identificar os temas “degradação ambiental,

aquecimento global, efeito estufa, pobreza, matriz energética” indica como ela conceitua o

discurso educacional CTS. A escolha pelo verbo ‘inserir’ denota que estes elementos

estariam ausentes no currículo. Sua fala problematiza o lugar destes temas no âmbito do

trabalho curricular ao sugerir a dificuldade de enquadra-los dentro do escopo dos conteúdos

associados à disciplina e também ao considerar que trata-los como elementos de

contextualização dos conteúdos não seriam suficientes para superar um tom “estanque e

superficial”.

O contato com o discurso da educação CTS levou a professora a questionar sua própria

prática pedagógica, considerando-a “estanque e superficial”, apesar dela buscar fazer um

“trabalho diferenciado, buscando contextualizar o conteúdo”. Nesse ponto do texto

podemos identificar uma importante contribuição do discurso CTS à formação continuada

de professores. O contato com a literatura do campo de educação CTS fez com que a

professora percebesse formas mais aprofundadas de contextualização do conteúdo. A

contextualização necessária às práticas CTS envolveriam articulações com conhecimentos e

áreas além das ciências naturais. Ao utilizar a expressão contextualizar o conteúdo que está

amplamente difundida, embora não precisamente definida, pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais, a professora realiza um intertexto com todo um conjunto de enunciados que

circulam no campo da educação que prescrevem a importância de se considerar os aspectos

circundantes aos conteúdos ensinados e estabelece uma diferenciação entre níveis de

contextualização. Pensando em termos das disputas hegemônicas que ocorrem no campo das

práticas educacionais, podemos supor que existe uma prevalência da prática superficial e

estanque em relação à prática mais aprofundada de contextualização no ensino de ciências.

A forma superficial e estanque é uma forma que atende ao apelo do discurso pela

contextualização, que é em si um discurso progressista de mudança no ensino, no entanto

ainda comprometida com uma forma conteúdista de ensino. Com isso, a professora atribui

às abordagens CTS uma possibilidade mais efetiva de contextualização do que as práticas

tradicionais.

122

No terceiro parágrafo ela reforça esse antagonismo que causa tensão em sua prática

pedagógica. Em sua formulação, as relações CTS e o currículo tradicional são excludentes

entre si.

“Como mudar a minha prática? Agora vou discutir relações CTS,

agora vou seguir o currículo. Vencer esse paradigma não é confortável,

pois tenho que criticar minhas aulas e minha prática, que eu achava

ótima.” (3° parágrafo texto pré-atividade)

Ela afirma um desconforto e reforça uma representação em que a abordagem CTS exige uma

reestruturação da prática pedagógica tradicional, não sendo possível essa abordagem ser

praticada dentro do contexto tradicional do ensino. Na oração “Agora vou discutir relações

CTS, agora vou seguir o currículo” a professora sinaliza para um entendimento de que

discutir relações CTS e seguir o currículo são coisas distintas e ocorrem em momentos

diferentes.

Além disso, nessa passagem, ela menciona um aspecto que lhe foi desconfortável, que seria

o ato de reflexão sobre sua própria prática que as abordagens CTS provocaram. Esse

processo de questionamento da própria prática é apontado pela professora como condição

fundamental para incorporação de práticas escolares influenciadas pelas abordagens CTS. A

reflexão sobre a prática pedagógica problematiza as ideias hegemônicas de como e o que

ensinar no campo da biologia.

No quarto parágrafo ela começa a falar sobre as contribuições que as leituras de textos do

campo de educação CTS deram para a ampliação de sua percepção sobre as possibilidades

de abordagens para o ensino de ciências no ensino médio.

“Hoje com novas leituras e estudos que a participação no projeto

Observatório vem me proporcionando, percebo as diferentes observações

e as abordagens curriculares e pedagógicas que vem sendo estudadas

numa visão CTS.” (4° parágrafo texto pré-atividade)

Nesse trecho ela não especifica exatamente o que são “as diferentes observações e as

abordagens curriculares e pedagógicas que vem sendo estudados numa visão CTS”, mas ela

de alguma forma se posiciona em relação ao que ela havia dito anteriormente sobre o

antagonismo entre as abordagens CTS e o ensino curricular tradicional. No caso, a

professora constrói um significado para a visão CTS como algo que vai além da

contextualização tradicional no ensino de ciências.

123

Esse sentido é reforçado em um parágrafo posterior onde a professora afirma que:

“Apesar de trilhar um caminho onde trabalho o meu conteúdo, com os

meus alunos, a partir de uma visão mais holística, já consigo entender

que professor e aluno precisam conhecer o que passa a sua volta, nesse

mundo em constante movimento e tornar próximos os conteúdos a

serem trabalhados.” (5° parágrafo texto pré-atividade)

Nessa passagem ela utiliza a conjunção “apesar” de modo a construir uma relação de

oposição entre a prática dela e as propostas CTS. Nessa construção ela reforça uma

formulação presente no terceiro parágrafo na qual critica sua forma de trabalho frente à

abordagem CTS para o ensino de Biologia, que pressupõe um ensino situado na realidade

imediata dos alunos e professores. Ao mesmo tempo a conjunção “apesar” reforça um

sentido também de compensação, na medida em que a professora afirma que trabalha o

conteúdo, mas de forma holística, que seria uma forma não hegemônica de trabalhar o

conteúdo.

Um elemento interessante de seu enunciado se refere ao fato dela incluir o professor e o

aluno como implicados na necessidade de conhecer o que se passa a sua volta e não apenas

um ou o outro. Isso sugere que a professora tem uma percepção que as abordagens CTS

exigem modificações também em relação à postura do professor e do aluno nos processos de

ensino-aprendizagem. Essas modificações das práticas pedagógicas escolares envolvem

processos de ruptura com as práticas tradicionais, mas também processos de conformação

com as estratégias institucionais de manutenção da tradição. Na negociação entre esses dois

processos se configuram a viabilidade ou não das inovações curriculares. Nesse sentido uma

permanente tensão entre inovação/manutenção ocorre no desenvolvimento de unidades

didáticas.

Ela prossegue no parágrafo seguinte reforçando as dificuldades que enxerga no processo de

transição entre uma abordagem tradicional do ensino de biologia para uma abordagem CTS:

“Não tem sido uma tarefa muito fácil, pois não posso trabalhar o

conteúdo e de repente pensar que agora vou ser CTS. Uma maneira que

achei mais coerente foi enxertar no conteúdo situações mais voltadas ao

cotidiano dos alunos e aproximar de suas vivências, tornando o

conteúdo mais significativo para eles.” (6° parágrafo texto pré-

atividade)

Nessa passagem ela utiliza a expressão “trabalhar o conteúdo” para se referir à abordagem

tradicional do ensino de biologia, ou seja, seguir os tópicos do currículo da forma como eles

124

são prescritos pelas orientações curriculares. Nota-se aqui que trabalhar em uma perspectiva

CTS para a professora naquele momento seria de alguma forma, não trabalhar o conteúdo.

Em outras palavras, ela associa a abordagem CTS com uma liberdade de organizar e

desenvolver o trabalho curricular para além do ensino de conteúdos.

Ela também constrói uma representação de que a transição entre as duas abordagens não

pode ser abrupta e diz como conseguiu conciliar as duas vertentes em sua prática. A

percepção da professora de que essa mudança não pode ser abrupta se relaciona com a

própria disputa hegemônica que as propostas CTS provocam no interior do contexto escolar.

Uma vez que as propostas CTS de alguma forma subvertem certos aspectos das práticas

escolares, a possibilidade de introduzir mudanças radicais das relações hegemônicas

despertam inseguranças por parte do professor, assim como do setor administrativo do

sistema escolar e até dos próprios alunos. Dessa forma, um professor que se proponha a

inovar necessita construir uma proposta que não perturbe a ordem hegemônica ao ponto de

atrair qualquer tipo de repressão às suas práticas pedagógicas. Com isso em vista, a

professora apresenta nessa passagem a forma com que ela conseguiu conciliar esses dois

movimentos de transformação/manutenção de sua prática pedagógica utilizando a oração

“enxertar no conteúdo situações mais voltadas ao cotidiano dos alunos”. A utilização do

termo ‘enxertar’ revela apropriação do discurso da educação CTS, uma vez que enxerto, na

literatura CTS, significa a execução de pequenas unidades orientadas em uma perspectiva

CTS dentro de uma estrutura curricular tradicional. Na apropriação da professora ela torna o

conceito de enxerto CTS, um verbo, uma ação sobre o conteúdo que, em uma perspectiva

CTS, passa a ser investido de vivências cotidianas e significativas. Enxertar situações

cotidianas no conteúdo significa manter a lógica dos conteúdos em sua prática, mas

possibilitando expandi-los para além de uma perspectiva restrita de ensino de ciências.

Nessa passagem também percebemos outro intertexto, quando a professora utiliza a

expressão conteúdo mais significativo, reforçando a necessidade de que este tenha sentido na

vida do estudante e que esteja relacionado a situações familiares. Esta formulação pode estar

relacionada ao conceito de aprendizagem significativa, que emerge na abundante literatura

acadêmica sobre teorias de ensino-aprendizagem a partir do trabalho de David Ausubel.

(MOREIRA, 1998). A expressão aprendizagem significativa circulou para além dos meios

acadêmicos e se estabeleceu em uma variedade de documentos oficiais sendo hoje em dia

utilizado de forma quase que corriqueira em diferentes meios.

125

Em nossa interpretação do enunciado da professora percebemos que ela atribui à abordagem

CTS uma maior capacidade de atingir os alunos uma vez que ela assume que “enxertar no

conteúdo situações mais voltadas ao cotidiano dos alunos e aproximar de suas vivências”

torna “o conteúdo mais significativo para eles. No parágrafo seguinte do texto a professora

adiciona mais um elemento à sua representação das abordagens CTS. Em um primeiro

momento ela reconhece a necessidade de uma atuação mais constante nessa perspectiva ao

invés de ações pontuais e isoladas

“Entendo que preciso tornar uma prática as abordagens CTS e não

apenas na aplicação desse projeto. Penso que este ainda é meu grande

desafio. Investigar cada vez mais as interpelações entre os processos de

ensino e aprendizagem.” (7º parágrado do texto pré-atividade)

Esse enunciado se articula com o do parágrafo anterior, no sentido em que ela sinaliza que

precisa tornar uma prática, um ensino baseado em “situações mais voltadas ao cotidiano dos

alunos e aproximar de suas vivências, tornando o conteúdo mais significativo para eles”.

No desenvolvimento desse parágrafo ela gera uma ambigüidade entre qual seria o grande

desafio dela: “tornar uma prática as abordagens CTS” ou “Investigar cada vez mais as

interpelações entre os processos de ensino e aprendizagem”. Mas apesar disso, essa última

oração adiciona um elemento novo à constituição da representação de educação CTS

presente no texto. A professora associa as abordagens CTS a uma atividade investigativa

acerca dos processos de ensino-aprendizagem. Isso reflete uma representação de que o

desenvolvimento de práticas CTS exige do professor um comprometimento ativo no

processo de elaboração e re-elaboração de seus conteúdos a serem ensinados. A dimensão

investigativa pressupõe também uma capacidade do professor de interpretar evidências

colocadas pelo seu contexto pedagógico, fazer escolhas baseado nessas evidencias e

interpretar seus resultados.

No parágrafo seguinte a professora relata suas expectativas em relação à sua incursão no

campo de educação CTS:

“Espero que eu consiga desenvolver na minha prática e nos meus

alunos uma nova postura de enculturação científica, apontadas nas

leituras que venho fazendo como condição fundamental para que

possamos participar de forma crítica e consciente das decisões impostas

da sociedade contemporâneas e assim refletir em torno das relações

CTS.” (8º parágrado do texto pré-atividade)

126

A professora dialoga e realiza um intertexto com a literatura da pesquisa em ensino de

ciências ao utilizar a expressão “enculturação científica”, uma formulação recorrente no

campo de educação CTS que pressupõe o processo de ensino-aprendizagem de ciências

como um processo de apropriação de uma cultura científica pautada em uma racionalidade,

práticas e linguagem específicas. Esta relação é manifesta na medida em que a professora

afirma que a importância do processo de enculturação científica é apontada pelas leituras

que ela realizou. Na construção do seu enunciado ela indica que a enculturação científica é

parte fundamental para uma participação “crítica e consciente das decisões impostas da

sociedade contemporânea...”. Novamente, ela não especifica quem é a sociedade, quem

toma as decisões e quem as impõem, embora afirme que, nos dias de hoje, participar da

cultura científica e ”refletir em torno das relações CTS” são condições necessárias em um

mundo pautado fortemente pela racionalidade científica. Ao se remeter às decisões impostas

a professora realiza um intertexto com um aspecto fortemente implicado na educação CTS

que seria a educação para a tomada de decisões(SANTOS e MORTIMER, 2001). Em outras

palavras, percebe-se que a professora considera a reflexão sobre as relações CTS como uma

forma dos alunos desenvolverem conhecimentos e práticas que os permitam se posicionar

perante debates sócio-científicos colocados na esfera pública.

No parágrafo seguinte ela apresenta uma segunda expectativa com o processo de

implementação da unidade CTS com a turma dela:

“Confrontar essa reflexão com as ações e o desenvolvimento de uma

intervenção curricular concreta e poder dizer que mudei a minha

concepção é o que espero com essa parceria no projeto Observatório.”

(9º parágrafo do texto pré-atividade)

No caso não fica claro a qual reflexão ela pretende confrontar com as ações de intervenção

curricular que ela viria a implementar, mas podemos pressupor que ao longo do texto, até

aqui, ela construiu um sentido de oposição entre abordagem tradicional e a abordagem CTS

que despertou nela uma série de questões que ela tentou pontuar em diferentes trechos de

sua fala. A aproximação com o campo de educação CTS tensionou sua prática pedagógica

gerando dúvidas e questionamentos da viabilidade dessas propostas no contexto de trabalho

dela. No entanto, ela deposita na vivência da prática de ensino em uma abordagem CTS uma

possibilidade de resolução desses conflitos internos, reforçando uma ideia de que,

independente das questões teóricas colocadas, existe uma dimensão pragmática na qual os

resultados dos processos de ensino-aprendizagem são mais relevantes para o professor do

127

que elaborações teórico-metodológicas. Em certo sentido, a participação no projeto de

pesquisa é para a professora uma oportunidade de ampliar seu repertório de estratégias de

ensino.

A conclusão de seu texto é marcada por uma contradição, mas ao mesmo tempo ela também

sinaliza para um elemento considerado importante pela professora: a conscientização da

dimensão das relações CTS no âmbito do ensino-aprendizagem de Biologia:

“Muitas vezes na minha prática já utilizava estratégias e desenvolvia

atividades numa abordagem CTS, porém não tinha consciência desse

uso. Cada vez mais tenho certeza do meu papel não só o de passar

conhecimento, mas o de formar cidadãos críticos e atuantes.” (10º

parágrafo do texto pré-atividade)

Ela relata que já utilizava, de forma inconsciente, estratégias e atividades em uma

abordagem CTS, mas isso de certa forma contraria o que ela falou anteriormente onde ela

chegou inclusive a afirmar que suas praticas de contextualização algumas vezes eram

superficiais e estanques. Nessa passagem ela sinaliza para o fato de que o contato com o

discurso da educação CTS a tornou mais consciente da necessidade de discutir relações entre

o conteúdo e as questões do cotidiano dos alunos e professores, assim como a fez perceber

que em sua prática ela intuitivamente buscava estabelecer essas relações. Ela finaliza seu

enunciado acrescentando que tem cada vez mais certeza de que seu papel como professora

implica passar o conhecimento, mas também formar cidadãos críticos e atuantes. Na

formulação dela: “Cada vez mais tenho certeza do meu papel não só o de passar

conhecimento, mas o de formar cidadãos críticos e atuantes.” percebemos que ela utiliza a

conjunção “não só” para construir um sentido de que passar o conhecimento faz parte do

papel dela, e a conjunção adversativa “mas” que liga as orações de modo a somar ao papel

de passar o conteúdo à função de formar cidadãos críticos e atuantes. Com isso, a professora

constrói um sentido para a educação CTS que permite conciliar a passagem do

conteúdo/conhecimento com uma perspectiva de formação cidadã para os alunos, de modo

que o ensino de ciências seja capaz de possibilitar a esses alunos uma atuação crítica perante

os debates sócio-científicos que se colocam na esfera pública e particular, algo que segundo

a professora, as abordagens tradicionais do ensino de biologia não possibilitam.

Diante da análise desse primeiro texto da professora buscamos construir uma descrição da

representação que a professora fez das abordagens CTS para o ensino de Biologia naquele

momento. Esta envolve considerar as abordagens CTS como uma resposta ao ensino

128

tradicional de ciências, caracterizado como um processo de transmissão mecânica de

conhecimentos não orientada para uma vivência cotidiana. Dessa forma, ela atribui às

abordagens CTS uma possibilidade de aprofundar os processos de contextualização do

conhecimento a ser ensinado, proporcionando uma aprendizagem mais significativa para os

alunos. Enquanto resposta ao ensino tradicional, a professora reconhece nas abordagens

CTS uma fonte de tensão no currículo escolar, e isso gerou nela alguma apreensão com

relação à viabilidade de implementação de formas mais radicais de propostas CTS no

contexto escolar público do Estado. Ela também associou as abordagens CTS à condição de

um ensino que seja orientado para tomada de decisões e que proporcionem um debate no

interior da escola de questões que perpassam a sociedade como um todo.

5.3.2 Reflexões após a implementação

O segundo texto foi escrito cerca de 5 meses após o primeiro e também manteve um tom não

acadêmico para a produção escrita. Ele nos permite perceber o efeito que a vivência das

práticas nas abordagens CTS teve para a constituição da representação da professora sobre

essas abordagens.

É possível perceber que a professora buscou um diálogo com sua primeira produção textual

na medida em que logo na primeira frase do texto a professora se remete às suas

expectativas apresentadas no primeiro texto:

“É fato que mudei. Hoje, com esse pequeno trabalho a partir de uma

perspectiva CTSA, desenvolvido nas minhas turmas de 2ª série do

Ensino Médio do Colégio Estadual Jornalista Álvaro Bastos, sei o

quanto as vivências que os alunos trazem, bem como o sentido que

atribuem àquilo que estudam são decisivos para o seu aprendizado.” (1°

parágrafo do texto pós-atividade)

A expectativa de que a prática CTS gerasse uma mudança de concepção, presente no

primeiro texto, é aqui retomada em tom de confirmação. É possível perceber na fala da

professora uma utilização de uma linguagem enfática uma vez que ela afirma que “é fato”

que ela mudou A afirmativa de que ela sabe agora o quanto as vivências e os sentidos que os

alunos atribuem são decisivos para o aprendizado ilustra a visão da professora a respeito do

potencial das práticas CTS para mobilizar as vivências dos alunos nos processos de ensino-

aprendizagem. Essa passagem nos remete a uma questão relativa os sentidos que os alunos

dão aos conteúdos estudados na escola, uma vez que a construção do enunciado da

129

professora sinaliza para um entendimento em que tradicionalmente, os processos de ensino

aprendizagem praticados na escola não levam em conta essas questões, o que tornariam mais

difícil o processo de aprendizagem dos alunos.

Um elemento curioso nesse parágrafo está no fato dela ter dito que o trabalho foi realizado a

partir de uma perspectiva CTSA, sendo que ao longo do processo de formação,

planejamento e desenvolvimento da atividade os pesquisadores utilizaram da sigla CTS ao

invés de CTSA. A sigla CTSA surge na literatura do campo de educação CTS mais

recentemente, como parte de um atravessamento da questão ambiental em praticamente

todas as dimensões sociais desde meados da década 1990. Nossa escolha pelo termo CTS ao

invés de CTSA se apoia na ideia de que o ambiente já está incluído na tríade original.

A professora não explica, no entanto, por que utiliza agora a sigla CTSA ao invés de CTS

como no primeiro texto. É fato que a professora ao longo de sua interação com a literatura

de educação CTS tomou contato com a expressão CTSA e que a proposta desenvolvida

explorou bastante a questão ambiental como contexto para discutir as implicações do tema

energia em sistemas sociais e biológicos. Acreditamos que sua vivência da aplicação da

unidade CTS evidenciou para ela a importância da dimensão ambiental para a construção da

aprendizagem dos seus alunos, pois, se recuperarmos o 2° parágrafo do texto pré-atividade

“como inserir discussões sobre crises da degradação ambiental, aquecimento global, efeito

estufa, pobreza, matriz energética e tantos outros em minhas aulas de biologia? Sabendo

que tenho o currículo me ditando conteúdo a ser trabalhado....”, entendemos que a

dimensão ambiental não era tão presente em sua prática. Isso nos leva a acreditar que a

evidenciação da dimensão ambiental em sua vivência de uma proposta CTS tenha sido

suficiente para a professora se apropriar de uma terminologia que circula na literatura

especifica.

No parágrafo seguinte, a professora continua a identificar elementos que contribuíram para

seu processo de mudança e também reforça o antagonismo entre o ensino em uma

perspectiva CTS e o ensino tradicional de Biologia:

“A historicidade dos alunos com sua comunidade, com o conteúdo que

estudam e com a possibilidade de utilizá-los para as suas vidas, mudam

a visão de escola e de aprendizagem. Passar conhecimentos

descontextualizados da realidade a qual os alunos estão inseridos, não

confere a eles nenhum ganho, pelo contrário é só mais um conteúdo que

fica esquecido no futuro.” (2° parágrafo do texto pós-atividade)

130

Na primeira oração do parágrafo a professora reforça a questão de que as abordagens CTS

implicam em situar o processo de ensino-aprendizagem nas vivências dos alunos em uma

perspectiva de utilidade social do conhecimento. Ela utiliza a expressão historicidade para

se referir ao fato de que essa abordagem busca estabelecer pontos de contato entre o aluno e

o conteúdo, considerando que eles têm relações com seu bairro, município, estado e país,

assim como expectativas para com o que se aprende na escola. Na segunda oração do

parágrafo, ela realiza uma representação do ensino tradicional de Biologia e estabelece um

profundo antagonismo entre essa prática com as abordagens CTS. A construção

argumentativa desse parágrafo realiza uma justificativa para a prática CTS na escola uma

vez que a professora aponta as possibilidades com que as abordagens CTS modificam as

relações dos alunos com a escola e com a aprendizagem, superando assim os problemas da

abordagem tradicional.

No terceiro parágrafo a professora apresenta um pouco do seu processo de mudança ao

longo de sua trajetória profissional.

“Muitos professores defendem ardorosamente a existência de um

método inflexível e único para fazer ciência. Há muito tempo pertencia

a esse grupo de professores e, ao longo do meu trabalho fui me

modificando. Agora meu objetivo é fazer das minhas aulas momentos de

prazer e aprendizado significativo para meus alunos.” (3° parágrafo do

texto pós-atividade)

Na primeira oração ela constrói uma representação de uma concepção sustentada por um

grupo de professores sobre a natureza da ciência. Os adjetivos inflexível e único denotam

uma visão fechada e restrita de ciência, que se afasta da visão contemporânea de ciência e de

seu ensino. Na segunda oração ela utiliza as expressões há muito tempo e ao longo do meu

trabalho para indicar que o processo de saída dela desse grupo com concepções fechadas de

ciência e ensino foi lento e gradual. Ela não sinaliza para os fatores responsáveis por essa

mudança ao longo da sua prática, mas ela finaliza o parágrafo afirmando que no tempo

presente (Agora) está comprometida em fazer com que seus alunos tenham prazer em

aprender conteúdos significativos para suas vidas. Nesse parágrafo não fica claro se a

postura que ela tem agora diante do processo de ensino-aprendizagem é decorrente da

vivência no projeto o se ela já tinha esse compromisso antes de desenvolver e aplicar a

unidade CTS.

131

No quarto parágrafo ela se refere mais especificamente às mudanças que a participação no

projeto implicou em sua prática:

“Percebi nesses meses de trabalho focando o tema energia, a

importância dos estudos CTSA, que muitas vezes podamos as asas do

nosso aluno e o submetemos a um adestramento com grandes

quantidades de informações. E que podemos fazer diferente,

contribuindo para o desenvolvimento científico/ tecnológico e pela

construção do cidadão com os problemas que o rodeia pelo bem estar da

sociedade.” (4° parágrafo do texto pós-atividade)

Pela fala da professora, a participação no projeto levou-a a valorizar a importância dos

estudos CTSA e a perceber as limitações impostas por uma forma de ensino que submete os

alunos a grandes quantidades de informação de forma fragmentada visando um

adestramento baseado mais na memorização do que na compreensão dos conceitos e

processos. Ao utilizar a expressão adestramento com grandes quantidades de informações a

professora estabelece um sentido em que as práticas CTS tornam a aprendizagem mais

douradora do que a abordagem mecânica e fragmentada e que essa qualidade da

aprendizagem não depende da quantidade de informações expostas, mas que depende de

uma busca ativa também por parte do aluno que não deve ser podado de participar desse

processo. Mais uma vez encontramos nessa passagem uma sinalização para a disputa

hegemônica que as práticas CTS estabelecem no interior das práticas discursivas escolares,

uma vez que elas levam a um questionamento da quantidade de informações ensinadas e

também das metodologias de ensino desses conteúdos.

Na oração em que ela afirma a possibilidade de realizar propostas diferenciadas no ensino de

Biologia, ela adiciona três dimensões que ela considera importante para o processo de

ensino: contribuir para o desenvolvimento científico/tecnológico, formar cidadãos e zelar

pelo bem estar da sociedade. Com isso, ela atribui esses elementos à perspectiva CTS,

apesar dela não entrar no mérito de como essa abordagem realiza esses objetivos no ensino.

No parágrafo seguinte a professora introduz a dimensão afetiva implicada no processo de

ensino-aprendizagem:

“Quando os alunos gostam, se envolvem, criam vínculos com o

professor, com a aula e com o conteúdo; vencemos a crise, transpomos

barreiras e percebemos que de fato aluno apreendeu.” (5° parágrafo do

texto pós-atividade)

132

A professora sugere em seu enunciado três níveis de ligação: gostar, se envolver e criar

vínculos, assim como três “sítios” de ligação: professor, a aula e o conteúdo. Essa

construção é interessante por que sinaliza para a forma como a professora justifica a opção

pela abordagem CTS em sua prática bem como para a solução dos problemas atuais de

ensino-aprendizagem. A professora defende que a dimensão afetiva é parte fundamental para

a transposição de barreiras e superação de crises no ensino. Além disso, pressupõe uma

participação ativa por parte do aluno no processo de aprendizagem na medida em que ele

precisa se envolver com a aula e criar vínculos com os conteúdos escolares. Nesse sentido,

ela atribui às abordagens CTS uma capacidade de proporcionar a criação desses vínculos

entre o aluno, o professor, a aula e o conteúdo. É interessante notar, que ao longo do texto

pré-atividade a fala da professora era muito marcada por crises, conflitos internos e uma

dificuldade de conciliar a abordagem CTS com o contexto escolar. Mas após a

implementação da unidade ela parece estar mais tranquila em relação a isso e percebe nas

abordagens CTS uma possibilidade concreta de superar essas crises de ensino-

aprendizagem.

No último parágrafo do texto ela resume suas impressões sobre o processo de participar do

projeto:

“Conclui que mudar e reestruturar o modo de pensar dos professores é

radicalmente necessário para se trabalhar com uma abordagem CTSA.

Não acho que será fácil, mas com certeza será diferente a minha prática

daqui para frente.” (6° parágrafo do texto pós-atividade)

A professora é bastante assertiva em seu enunciado em dois aspectos. O primeiro se refere à

necessidade de reestruturar radicalmente o modo de pensar dos professores para viabilizar a

prática CTS na escola. O segundo aspecto se refere à certeza de que sua prática não será

mais mesma de agora em diante. No que se refere especificamente a sua prática de agora em

diante, a professora não dá detalhes sobre como sua prática será diferente e nem declara se

seguirá estritamente uma abordagem CTS, mas subentende-se que a vivência que ela teve

com o projeto será levada em consideração no sentido de buscar implicar em sua prática, a

vivência de seus alunos, buscando em temas sócio-científicos elementos contextualizadores

da aprendizagem orientada para a tomada de decisões e à participação cidadã. A professora

também sinaliza para o fato de que o modo de pensar do professor é determinante para a

viabilidade das ações CTS na escola. No entanto, não explicita o que exatamente é o modo

de pensar que dificulta essas ações. Pela leitura do texto anterior que ela produziu pode-se

133

supor que esse modo de pensar a que ela se refere, seria aquele em que as abordagens CTS

se opõem ao conceito de trabalhar o conteúdo, ou de que não é possível realizar uma

mudança brusca no ensino tradicional de Biologia ou de que é difícil introduzir temas atuais

nos currículos tradicionais. Percebemos nesse último parágrafo que a professora realizou um

deslocamento enunciativo que reflete em certa medida a mudança no modo de pensar que

ela mesma sofreu ao longo de sua participação no projeto. A necessidade de mudança e

reestruturação do pensamento dos professores está intimamente ligada com as disputas

hegemônicas travadas na dimensão discursiva das práticas sociais ligadas à educação.

Implementar práticas CTS no contexto escolar brasileiro envolve necessariamente uma

negociação com as práticas estabelecidas nesse contexto, assim como no campo ideológico,

com as ideias e concepções dos professores que atuam nesse contexto.

5.3.3 Discussão sobre os dois textos

Através dessas análises textuais, buscamos caracterizar as representações que a professora

estabeleceu sobre as abordagens CTS para o ensino de Biologia ao longo de sua participação

em um projeto de pesquisa, com base na identificação de intertextos, assim como

caracterizar os elementos que ela utiliza para construir sua representação das abordagens

CTS.

Estabelecendo uma relação entre os dois textos produzidos pela professora, percebemos que

a representação sobre as abordagens CTS se modificou ao longo do tempo. Por exemplo, ao

final da unidade a professora inclui referência explícita à dimensão ambiental, por meio do

uso da expressão CTSA. A análise dos dois textos também sinaliza para o quanto a

dimensão pragmática dos resultados da aprendizagem é relevante para a professora se

convencer da viabilidade das abordagens CTS no contexto escolar. No texto pré-atividade, a

fala da professora indicava apreensão acerca da viabilidade de se trabalhar em uma

perspectiva CTS, por outro lado, após a atividade ela parecia convencida pela forma com

que seus alunos responderam às propostas, de que a abordagem CTS é possível e necessária

no atual panorama do ensino médio. Essa questão nos indica que apesar das formulações

teóricas para as questões que perpassam o ensino de Biologia, o professor em sala de aula

deposita mais confiança em resultados concretos na aprendizagem/envolvimento dos seus

alunos para pautar modificações metodológicas.

134

Percebemos pelas representações sobre CTS que a professora construiu em seu texto, que ela

estabelece uma relação um tanto quanto idealizada sobre o potencial das abordagens CTS.

Atribuindo a ela uma capacidade transformadora da realidade escolar, que talvez esteja além

de sua real possibilidade. No entanto, esse encantamento pode ser justificado a partir do

entendimento de que a ruptura com práticas hegemônicas de certa forma injeta certo ânimo

nos docentes e que a realização de uma atividade diferenciada dentro da rotina do contexto

escolar contribui para um aumento da autoestima e confiança do professor.

Apesar da importância atribuída pela professora à dimensão pragmática, sentimos a

ausência, nos dois textos, de referências ao processo de construção da proposta (escolhas

feitas, objetivos traçados) e situações vivenciadas na aplicação da proposta. No caso ela

sugere um maior envolvimento e aprendizagem por parte dos alunos, mas não exemplifica

situações especificas. Nesse mesmo sentido, a professora não realiza intertextos manifestos

com a literatura da área que ela teve contato na hora de elaborar suas impressões sobre as

abordagens CTS.

Ao final do processo a professora parece estar convencida que as abordagens CTS

proporcionam uma aprendizagem mais significativa para os alunos do que a abordagem

tradicional e que por esse motivo ela passa a defender uma maior radicalização na mudança

curricular, algo que no momento anterior ela não vislumbrava como sendo possível ou

viável. Esse dado sugere que os processos de convencimento para o professor passam mais

pelos efeitos diretos que ele percebe em sua sala de aula do que por elaborações teóricas

construídas em âmbito acadêmico

5.3.4 Heterogeneidade nos textos

Pelas análises de nossos dados, identificamos que na estruturação de suas impressões sobre

as abordagens CTS a professora articula elementos diferentes nos dois momentos s. No texto

pré-atividade é marcada a polarização entre o ensino tradicional e o ensino CTS. A

professora em sua narrativa mobiliza elementos referentes à questão do discurso sobre o

meio ambiente, discurso sobre o ensino tradicional, discurso sobre educação CTS, assim

como se apropria de expressões oriundas do campo de pesquisa em ensino de ciências

presentes em documentos oficiais da educação e em políticas de formação de professores.

Em alguns momentos ela se remete também ao discurso científico também como parte do

processo dela de apropriação do discurso CTS.

135

Nesse primeiro momento, a construção de sua representação sobre as abordagens CTS ela se

apoia bastante nessa oposição entre o ensino tradicional e o ensino CTS, quase como que

caracterizando um como o oposto do outro. Na caracterização do ensino CTS ela mobiliza

enunciados que sinalizam para uma representação do ensino CTS como uma forma profunda

de contextualização baseada nas vivências dos alunos.

Nesse texto há também uma forte marca discursiva de certa incredulidade da professora em

relação à viabilidade de implementação de práticas CTS na escola pública uma vez que

naquele momento, ela entendia a abordagem CTS como uma ruptura profunda das práticas

hegemônicas estabelecidas na cultura escolar.

No texto do momento posterior à aplicação da unidade, a elaboração discursiva da

professora já assume outras características e realiza outros intertextos. Ela mantém e dá mais

destaque ao aspecto da contextualização no Ensino CTS como fator identitário dessas

abordagens. Ela destaca bastante o aspecto afetivo do processo de ensino-aprendizagem, na

qual ela entende que os alunos precisam estar ligados emocionalmente aos conteúdos

trabalhados na escola, e que a contextualização profunda que as abordagens CTS oferecem

são parte fundamental para uma efetiva conexão entre professor e aluno assim como entre o

conteúdo científico e os problemas cotidianos dos alunos em seus contextos sociais.

Ela traz também elementos de um discurso sobre a mudança da postura dos professores em

relação aos processos de ensino-aprendizagem, sendo essas mudanças condições

fundamentais para que seja possível a adoção de práticas de educação CTS na escola. Uma

das mudanças que ela destaca se refere à necessidade de uma ampliação da representação

sobre a Ciência na qual o professor opera na escola. A professora argumenta que o

desenvolvimento de praticas baseadas nas abordagens CTS não pode partir de uma visão de

Ciência fechada e monolítica. Além disso, ela mobiliza também um discurso sobre

cidadania, atribuindo ao ensino de ciências CTS, uma capacidade de tornar os alunos

capazes de desempenhar uma participação crítica na sociedade.

Com isso, em seu segundo texto a professora se desloca em relação ao primeiro na medida

em que ela afirma que os resultados pedagógicos obtidos a partir de uma abordagem CTS

foram capazes de superar as dúvidas que ela apresentou em seu primeiro texto. As respostas

dos alunos às atividades transformaram a professora em relação à viabilidade das propostas

CTS no contexto escolar. Podemos perceber nesse deslocamento o quanto a dimensão

136

pragmática dos processos de ensino-aprendizagem são fatores bastante relevantes para a

professora no que se refere à aceitação de abordagens inovadoras no ensino de Biologia.

5.3.5 Sobre as re-elaborações curriculares

Um outro ângulo de nossas análises se refere à percepção da necessidade por parte da

professora de realizar uma re-elaboração do currículo escolar, de modo a conseguir

viabilizar uma proposta CTS no contexto do projeto de pesquisa em que ela estava inserida.

Como descrito anteriormente foi necessário uma re-organização curricular no qual temas

que envolviam energia de três bimestres diferentes foram reunidos e organizados em um

mesmo bimestre. Esse movimento de reorganização curricular exigiu uma postura firme e

determinada por parte da professora em sustentar essas modificações no currículo que no

caso contrariavam as imposições da secretária de educação do estado.

O estado do Rio de Janeiro, assim como outros estados do país, passa por um processo de

centralização e homogeneização dos currículos escolares. Esses currículos que são

construídos fora da escola, resultam em um produto semi-acabado, que na prática restringe a

autonomia dos professores no processo crítico de seleção de conteúdos a serem trabalhados.

Por trás dessas propostas curriculares implementadas “de cima-para baixo” está uma

concepção de professor como um executor de currículos ao invés de um produtor de

currículos. Atrelado a esse processo de homogeneização curricular, está também o processo

de avaliação bimestral do desempenho escolar, que passa a ter um objetivo de verificação se

as metas estabelecidas pelo currículo mínimo estão sendo cumpridas nas unidades escolares.

Para tornar a situação ainda mais complexa, o desempenho dos alunos nessas avaliações, é

tornado um critério para avaliação do trabalho do professor no que se refere ao cálculo de

bonificações salariais.

Diante dessa conjuntura, a escola e o currículo ficam extremamente dependentes da

interpretação dada a essas normatizações da SEEDUC-RJ por parte dos diretores,

coordenadores e professores das unidades escolares. Felizmente, na escola estadual em que

trabalhamos existe uma visão por parte da gestão escolar onde se entende que o professor

deve ter a autonomia de planejamento de suas unidades escolares baseados em critérios

relevantes para o processo de aprendizagem dos alunos e baseados no contexto em que eles

se situam. Somado à necessidade de um ambiente escolar favorável à inovação curricular e a

produção de práticas pedagógicas significantes, o comprometimento do professor para com

137

essas abordagens diferenciadas é imprescindível. Sem isso se torna inviável a produção de

propostas CTS sérias no âmbito do ensino médio.

As re-elaborações curriculares necessárias ao desenvolvimento de práticas CTS no ensino

médio exigem do professor uma reflexão sobre os processos de seleção de conteúdos e de

materiais didáticos, assim como uma crítica ao próprio currículo escolar no que tange as

suas ausências e excessos.

Dessa forma, diante dessa variedade de entraves curriculares e das complexas relações

interpessoais no âmbito do contexto escolar, que de alguma forma influem direta ou

indiretamente para o sucesso, ou não, de inovações curriculares nossa pesquisa aponta para a

necessidade de se repensar o papel dos enxertos CTS no conjunto de possibilidades de

propostas CTS para o ensino médio. Os enxertos CTS são caracterizados na literatura como

“introdução de CTS nos conteúdos das disciplinas de ciências” (Santos, 2008). Muitas vezes

por serem uma primeira fase dentro de um gradiente de possibilidades rumo a uma

reestruturação curricular radical, os enxertos são vistos como incursões superficiais e

insuficientes para imprimir mudanças significativas no panorama do ensino-aprendizagem

de ciências. No entanto, os enxertos podem ser entendidos como uma possibilidade que

permite aos professores conciliarem pressões divergentes sobre sua prática docente.

A partir da analise discursiva da produção textual da professora foi possível perceber uma

tomada de consciência dos desafios que se colocam para a implementação de práticas CTS

na escola e também na necessidade de investimento no aspecto investigativo que está

associado à prática pedagógica de modo a superar os desafios que se colocam no dia a dia da

sala de aula.

Dessa forma, nossos dados e análises reforçam a necessidade de investimentos em práticas

de formação continuada e inicial que possibilitem a incorporação e desenvolvimento dos

pressupostos CTS necessários para o desenvolvimento de propostas CTS que em seus mais

diferentes níveis de aprofundamento, da mais superficial a mais radical inovação curricular,

estejam coerentes com uma abordagem crítica e ampliada de ensino CTS (SANTOS, 2008).

138

6. Considerações finais

Buscamos nessa tese responder às seguintes perguntas de pesquisa: “Quais re-elaborações

discursivas o discurso CTS sofre ao interagir com os outros discursos presentes no contexto

escolar?” e “Quais os limites e possibilidades que as práticas CTS de ensino de ciências têm

no contexto escolar estadual do Rio de Janeiro, no município de Macaé?”.

O desenvolvimento dessas questões envolveu acompanhar e analisar uma proposta de

unidade didática CTS aplicada por uma professora bolsista em um projeto de pesquisa

financiado pela CAPES, assim como suas produções textuais ao longo desse processo.

Em relação à primeira pergunta de pesquisa, percebemos diante das análises dos nossos

dados, que a professora ao formular sua proposta CTS destaca do campo discursivo do

ensino CTS o aspecto da contextualização dos conteúdos escolares, assim como a orientação

de uma educação cientifica voltada para a tomada de decisões e para a cidadania.

O discurso CTS quando materializado em praticas no contexto escolar interage com outros

discursos e a resultante dessa interação é o que podemos chamar de CTS possível na sala de

aula. Observamos nesse estudo de caso que a elaboração da professora provocou uma

interação entre o discurso CTS com os discursos institucionais oriundos da Secretaria

Estadual de Educação do Rio de Janeiro, com o discurso do ensino tradicional de biologia e

o discurso ambiental envolvido na atividade da indústria off-shore de prospecção de

petróleo.

A interação do discurso CTS com o discurso institucional da rede estadual de ensino foi

marcada por uma tensão entre processos de ruptura e conformação. Essa tensão é resultante

de perspectivas antagônicas para o ensino de ciências que circulam nesses dois campos

discursivos. O discurso institucional da SEEDUC-RJ naquele ano era, entre outras coisas,

orientado para o estabelecimento do currículo mínimo na rede estadual de ensino. Dessa

forma, o discurso institucional prescrevia como organizar os conteúdos curriculares ao longo

dos bimestres letivos e ainda estabelecia um conjunto de avaliações sistemáticas para avaliar

se os professores estavam cumprindo com as metas estabelecidas.

Por outro lado, o discurso CTS que a professora tomava contato no projeto apresentava

propostas como temas unificadores que visavam provocar uma maior integração entre os

conhecimentos científicos e uma articulação destes com as questões sociais. A perspectiva

139

emancipatória do discurso CTS que foi tomada como referência na elaboração da unidade

didática, provocava a professora a modificar o ensino tradicional de biologia.

Ao utilizar o tema Energia como um tema unificador para organizar seu planejamento

didático na disciplina escolar Biologia, a professora acabou por subverter a proposta do

currículo mínimo do Estado e re-organizou os conteúdos previstos para o segundo ano do

ensino médio. Nesse processo, a proposta resultante articulava um discurso CTS que

sustentava um ensino de biologia na qual ocorria uma interação mais intensa com a Física e

com a Química do que tradicionalmente ocorre nas práticas hegemônicas.

Em certo sentido, é possível até mesmo entender que os pressupostos CTS de ruptura com o

status quo e de integração dos conhecimentos científicos de alguma forma respaldaram a

professora no sentido de contrariar as prescrições curriculares estaduais em nome de um

planejamento alternativo para o ensino daqueles mesmos conteúdos.

No entanto, essa ruptura no âmbito da organização dos conteúdos conviveu com a

conformação perante aos exames bimestrais promovidos pela secretaria estadual de

educação para acompanhar o cumprimento das metas estabelecidas. O discurso CTS

elaborado pela professora em sua proposta de unidade didática se comprometia também com

a questão de proporcionar um bom desempenho dos alunos nesses exames, por mais que

esse não fosse o objetivo principal em si.

Dessa forma, a professora manteve em sua abordagem uma serie de estratégias didáticas

tradicionais como, por exemplo, o uso e centralidade de textos de apoio para estruturar as

aulas teóricas, de modo que os alunos sempre tivessem posteriormente materiais de estudo,

uma vez que ela não utilizou o livro didático da turma para trabalhar as questões de energia

e optou por produzir materiais específicos para isso.

A interação do discurso CTS com o discurso tradicional do ensino de biologia se deu tanto

do ponto de vista da mescla de estratégias tradicionais e inovadoras ao longo da unidade

didática, como na própria concepção da organização da sequencia didática e dos conteúdos

abordados. Da mesma forma com que na interação com o discurso institucional, a

articulação da professora entre os campos discursivos CTS e tradicional do ensino de

biologia também foi marcado pela tensão ruptura/conformação entre essas práticas. A

abordagem CTS proposta pela professora em alguns aspectos rompeu com a lógica

hegemônica do discurso tradicional do ensino de biologia como, por exemplo, nos processos

140

de avaliação propostos que dispensaram as tradicionais provas, priorizando um conjunto de

atividades propostas a cada aula de modo que a professora pudesse produzir uma avaliação

mais processual do que pontual do desenvolvimento de seus alunos. No entanto, em muitos

momentos as atividades realizadas durante a unidade corroboraram as praticas hegemônicas

do discurso tradicional de ensino de biologia como, por exemplo, na leitura coletiva de

textos didáticos, nas exposições de conteúdos e nas interações entre professora e alunos.

Já na articulação que a professora fez entre o discurso ambiental e o discurso CTS foram

menos explícitos os processos de ruptura, uma vez que ela aderiu muito fortemente ao

discurso ambiental para elaborar a proposta CTS no âmbito do ensino de Biologia. A

professora ao final do projeto chegou inclusive a escolher a expressão Ciência-Tecnologia-

Sociedade e Ambiente (CTSA) para se referir às abordagens com que ela trabalhou para

desenvolver a unidade didática, sinalizando assim que a dimensão ambiental foi bastante

central na elaboração dela sobre o campo CTS.

No entanto, a discussão ambiental não foi desenvolvida na unidade para além de

questionamentos gerais que circulam no senso comum. Isso em parte também pelo fato dos

alunos não aderirem às propostas de discussão de temas polêmicos em sala. No entanto, um

aspecto diferenciado na questão da discussão ambiental, foi a presença de um representante

dos trabalhadores da indústria do petróleo que trouxe uma visão mais técnica sobre os riscos

ambientais na região.

Através da análise da unidade didática em diferentes dimensões, que envolveram tanto as

produções textuais da professora sobre o processo de planejamento da unidade como as

interações em sala de aula, foi possível notar que o discurso CTS elaborado deu mais

destaque às relações entre Ciência e Sociedade, no sentido de explorar a relação entre os

conhecimentos científicos e os impactos ambientais da atividade humana.

Os aspectos relativos às questões tecnológicas estiveram presentes no discurso CTS

elaborado pela professora, mas foram tangenciais em relação às dimensões da Ciência de da

Sociedade no âmbito da proposta de unidade CTS. Isso quer dizer que a professora não

explorou tanto os aspectos tecnológicos durante as aulas, mas eles estiveram presentes, por

exemplo, nos momentos de explicação de como os geradores de eletricidade das usinas

funcionavam.

141

Essa hibridização do discurso CTS com os discursos, tradicional de ensino, institucional e

ambiental foi elaborada pela professora a partir de sua vivencia de sala de aula e também de

sua bagagem sociocultural. Essa constatação nos remete à nossa segunda pergunta

norteadora da pesquisa relacionada aos limites e possibilidades das práticas CTS no contexto

escolar de Macaé.

6.1 Limites e Possibilidades do ensino CTS no contexto de Macaé

Nossa investigação indica que o perfil do professor influencia muito essa questão dos limites

e possibilidade das práticas CTS no contexto escolar. De fato, desde a seleção do bolsista do

projeto foram privilegiadas posturas e atitudes do professor para com sua prática e formação

que estão diretamente relacionadas com os resultados obtidos na unidade didática. A própria

opção do desenho de pesquisa ser baseado em um estudo de caso se justifica no interesse de

investigar mais proximamente como se estabelece a relação do professor individualmente

com o discurso CTS no processo de elaboração de propostas didáticas.

No caso especifico observado, a professora tinha um perfil bastante comprometido, com

iniciativa e organizado. Além disso, ela possuía já bastante experiência pedagógica,

exercendo inclusive cargos de coordenação pedagógica em outras escolas. Ela tinha uma

grande identificação com o ambiente da escola onde ela desenvolveu a unidade didática

CTS, atuando ali há cerca de vinte anos. Essa experiência local lhe garantia bastante

respaldo junto à direção escolar, seus colegas professores e funcionários e com os próprios

alunos.

Acreditamos que essas características tenham sido fundamentais para os resultados que

foram apresentados uma vez que se fosse outro professor, com outras características,

certamente teríamos um resultado diferente em muitos aspectos. Essa constatação apesar de

parecer um pouco óbvia é necessária na medida em que para a realização da pesquisa,

deliberadamente foi selecionada, dentro de um universo restrito, uma professora que reunia

um conjunto de características específicas favoráveis ao desenvolvimento de estratégias

inovadoras para o ensino de biologia baseado em abordagens CTS. Isso significa que

intencionalmente foi escolhida uma professora com o potencial de ter o melhor desempenho

possível dentro de uma proposta de inovação curricular. Além disso, em termos de

condições de produção, essa professora recebeu uma bolsa especifica para garantir um

compromisso para com o desenvolvimento do trabalho.

142

Em relação ao gradiente de propostas curriculares CTS proposto por Aikenhead, nossas

análises sobre a unidade didática CTS nessa tese indicaram, a proposta de unidade elaborada

pela professora se situaria em uma escala de 1 a 8 em uma região cinzenta entre as

categorias 3,4 e 5. Essa região do gradiente onde a proposta ficou situada poderia ser

considerada como uma região de propostas que ainda estão em uma fase inicial de

incorporação de práticas CTS e que conservam características ainda muito semelhantes com

as formas mais tradicionais de ensino de Ciências.

Essa situação pode levar alguém a se perguntar por que uma professora tão capaz de

promover mudanças nas práticas pedagógicas, inserida em um contexto de um projeto de

pesquisa e recebendo bolsa para se dedicar mais plenamente a atividade avançou tão pouco

em termos de proposta curricular CTS? Na realidade, em uma analise menos superficial

percebemos que de fato foi esse conjunto de condições dela que permitiu, em ultima

instância, que houvesse qualquer tipo de avanço em direção às práticas CTS no contexto

escolar, uma vez que para que pudesse ser feito o que foi feito a professora literalmente

precisou enfrentar e subverter as orientações institucionais da SEEDUC-RJ.

Percebemos com esse trabalho, o efeito inibidor que a política do “Currículo Mínimo”

adotada pelo estado do Rio de Janeiro tem sobre as possibilidades de inovações curriculares.

Essa política tem um caráter inibidor das inovações curriculares na medida em que é

normatizadora da organização curricular, e controladora da prática pedagógica através dos

exames externos bimestrais. Isso significa que a principio o professor não teria autonomia de

alterar a organização curricular, visto que os exames externos estabeleceriam em que

momentos do ano determinados conteúdos já deveriam ter sido trabalhados.

Diante desse cenário, nos parece que foi justamente o perfil da professora e o respaldo

institucional que ela tinha na escola e no projeto que possibilitou o enfrentamento da política

do currículo mínimo do Estado do Rio de Janeiro. Evidentemente esse enfrentamento

precisou ser feito dentro de uma margem de segurança que possivelmente influenciou para

que o resultado da proposta ainda guardasse mais semelhanças com as práticas tradicionais

do que com ousadas inovações curriculares.

Alem disso, a partir das analises de suas produções textuais antes da aplicação da unidade

foi possível identificar certa insegurança da professora em relação à viabilidade das praticas

CTS em seu contexto escolar. Com isso é possível considerar que parte da característica

143

“conservadora” da proposta esteja relacionada também com essa insegurança em relação ao

novo e ao desconhecido.

No entanto, um dos achados de pesquisa indicou que ao final da aplicação da unidade

didática CTS a professora demonstrou um deslocamento enunciativo na qual passou a

acreditar bastante na viabilidade da aplicação de propostas CTS na sala de aula. A partir dos

nossos dados, identificamos uma relação entre esse deslocamento enunciativo da professora

com a resposta dos alunos à proposta pedagógica CTS. Essas análises apontaram para o fato

de que uma dimensão consideravelmente responsável por essa mudança discursiva

apresentada pela professora se refere ao resultado pragmático do processo de ensino-

aprendizagem. A professora atribuiu à relação com que seus alunos foram envolvidos pela

proposta pedagógica como uma justificativa para uma confiança nas abordagens CTS como

uma prática que responde às criticas feitas à pedagogia tradicional de Biologia.

Segundo sua produção textual, a professora identificou que os alunos reagiram de maneira

diferenciada às atividades propostas na unidade CTS, no entanto, durante as situações de

interação em sala de aula, foi possível notar que os alunos tiveram uma grande resistência

em aderir aos espaços de discussão oral que a professora propunha em todas as aulas. Essas

discussões quase sempre tratavam de temas que envolviam a relação Ciência e Sociedade, e

em grande parte eram decorrentes mais das abordagens CTS. Por outro lado, os alunos se

mostraram muito receptivos e produtivos em relação às práticas hegemônicas do ensino

tradicional de Biologia.

Essa situação sinaliza para o fato de que um fator bastante pertinente em relação aos limites

e possibilidades de implementação de praticas CTS na escola se refere à predisposição dos

próprios alunos às inovações metodológicas.

Por mais que os alunos possam alegar que estejam saturados das práticas hegemônicas, a

inovação por si só não garante a adesão e aderência dos alunos às práticas escolares

inovadoras. Os alunos de ensino médio já estão de certa forma conformados pelas praticas

hegemônicas, adaptados aos mecanismos de estimulo e recompensa estabelecidos ao longo

de toda a escolaridade deles. Ao romper com as práticas hegemônicas as práticas CTS

correm de o risco de ao invés de motivá-los, provocar a resistência dos alunos à novidade e

ao diferente.

144

Parte dos pressupostos pedagógicos CTS envolvem supor um aluno autônomo e com uma

postura ativa em seu processo de formação. Nos cenários onde os alunos se comportam

como receptores passivos de informação e estão aparentemente satisfeitos com essa

condição, se torna complicado implementar de uma hora para outra inovações curriculares

que estejam muito distantes daquela realidade.

Com isso, percebemos através das análises, que a viabilidade das propostas CTS no contexto

escolar e o alcance dos resultados dessas propostas dependem também da capacidade do

professor em negociar este tensionamento entre ruptura e conformação com as práticas

hegemônicas.

Dessa forma, tomando o caso do nosso estudo como parâmetro, a utilização de enxertos CTS

se mostrou como uma boa forma inicial de introduzir praticas CTS no contexto escolar.

Dentro de certas condições necessárias do contexto escolar e de certas atitudes do professor,

é possível obter resultados com os enxertos CTS que aparentemente motivam o professor a

investir mais no aprofundamento dessas práticas.

Considerando que o processo de formação de professores é continuo e ininterrupto,

poderíamos supor um modelo em que com o passar do tempo o professor fosse cada vez

mais aperfeiçoando a utilização de estratégias CTS no contexto escolar. Dessa forma, com o

tempo, uma tendência possível seria que essas propostas curriculares baseadas em enxertos

CTS fossem cada vez mais se aproximando da região mais “radical” da escala de propostas

curriculares CTS proposta por Aikenhead.

No entanto, esse raciocínio nos leva para a razão pelo qual a professora teve todo esse

esforço em produzir uma unidade didática CTS: o projeto de pesquisa que ela estava

inserida. Ser parte integrante de um grupo de pesquisa como bolsista, proporcionou para a

professora uma condição que a ajudou a enfrentar os desafios de romper com as praticas

hegemônicas no contexto escolar. Mais do que isso, a participação no grupo de pesquisa

formalizou o comprometimento da professora com a proposta de desenvolvimento da

unidade didática CTS. Dessa forma, fica evidente que os movimentos de inovação nas

práticas escolares não são processos totalmente espontâneos e exigem um intenso

investimento de tempo, recursos e energia.

De fato, o país vive um momento em que aparentemente parece ter se estabelecido no

âmbito das políticas públicas da educação, investimentos significativos em projetos de

145

pesquisa que envolvam professores em equipes de pesquisa e contribuam para o

aperfeiçoamento dos professores e para o desenvolvimento das práticas pedagógicas.

Especificamente a CAPES tem sistematicamente investindo nesse sentido com os editais do

Observatório da Educação e também com o Programa de Bolsas de Iniciação à Docência

(PIBID).

No entanto, a questão que se coloca é em relação ao que acontece depois que o projeto

acaba. Quais são as efetivas contribuições dessas experiências com práticas inovadoras na

escola? Elas de fato se estabilizam nas práticas escolares? Ou após o final do projeto as

relações retornam para o antigo estado hegemônico que fora rompido?

Uma certeza é que a interação entre Universidade e Escola é uma condição necessária para o

desenvolvimento de estratégias de superação dos desafios para a educação cientifica

contemporânea. Nesse sentido, a investigação sobre os processos de formação de

professores e de incorporação de inovações curriculares na escola é estratégica para termos

um maior entendimento de como tornar mais efetivo o ensino de ciências.

Por esse motivo, considero que a nossa tentativa de produzir uma análise discursiva em

diferentes níveis, articulando análises em nível documental e também no nível das interações

discursivas em sala de aula foi interessante na medida em que permitiu visualizar o processo

de incorporação do discurso CTS nas praticas escolares de forma complexa e em diferentes

camadas. Analisar no nível documental, narrativo e das interações interpessoais em sala de

aula permitiu o cruzamento dessas análises evidenciando movimentos discursivos que só se

tornaram visíveis a partir dessa abordagem multidimensional.

146

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