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O DISCURSO MERCANTILISTA DO ENSINO BRASILEIRO* Josenia Antunes Vieira** (UnB) Resumo: Este artigo discute as mudanças no discurso no que concerne à educação brasileira com enfoque nas transformações das práticas discursivas que ensejaram profundas alterações no discurso educacional. Para isso, contribuíram principalmente as mudanças no mundo globalizado e a mercantilização da educação brasileira, sem contar os reflexos da tecnologização que invandiram o discurso das instituições de Ensino Superior, em particular das instituições privadas. A metodologia adotada foi a qualitativa, a análise concentrou-se no estudo de outdoors usados nas campanhas publicitárias, buscando identificar, nas construções discursivas, pistas desses fenômenos sociais que passaram a permear o discurso da educação no cenário nacional contemporâneo. Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica (ADC); Educação; Práticas Discursivas; Ideologia. Abstract: The idea behind this article is that in complex societies like our own there are many aspects in discourse to be investigated. This article focuses particularly on the changes of the discursive practices responsible for deep transformations in educational discourse. For this, there are some points to be considered like the phenomenon of globalization and the mercatilization verified in the brazilian education through to the reflexes of technological means used extensively by private educational institutions and some public ones too. The adopted methodology was the qualitative, the analysis focused on the study of outdoors used in publicity campaigns of educational institutions in at temptation to verify in discursive constructions some clues of these social phenomenon that perpass the educational discourse in contemporary national scenery. Keywords: Critical Discourse Analysis (CDA); Education; Discursive Practices; Ideology. * Este trabalho foi apresentado na International Conference on Critical Discourse Analysis, de 5 a 8 de maio de 2004, em Valencia, Espanha, com o apoio financeiro da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (FINATEC) e da CAPES. ** Pós-Doutora em Lingüística pela Universidade de Lisboa, Mestrado e Doutorado PUC/RS; Professora do Programa de Pós-Graduação em Lingüística da UnB; Coordenadora do Centro de Pesquisa em Análise de Discurso Crítica (CEPADIC); autora de diversos livros e artigos em Análise de Discurso Crítica. E-mail: [email protected].

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O DiscursO Mercantilista DO ensinO BrasileirO*

Josenia Antunes Vieira** (UnB)

Resumo: Este artigo discute as mudanças no discurso no que concerne à educação brasileira com enfoque nas transformações das práticas discursivas que ensejaram profundas alterações no discurso educacional. Para isso, contribuíram principalmente as mudanças no mundo globalizado e a mercantilização da educação brasileira, sem contar os reflexos da tecnologização que invandiram o discurso das instituições de Ensino Superior, em particular das instituições privadas. A metodologia adotada foi a qualitativa, a análise concentrou-se no estudo de outdoors usados nas campanhas publicitárias, buscando identificar, nas construções discursivas, pistas desses fenômenos sociais que passaram a permear o discurso da educação no cenário nacional contemporâneo.

Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica (ADC); Educação; Práticas Discursivas; Ideologia.

Abstract: The idea behind this article is that in complex societies like our own there are many aspects in discourse to be investigated. This article focuses particularly on the changes of the discursive practices responsible for deep transformations in educational discourse. For this, there are some points to be considered like the phenomenon of globalization and the mercatilization verified in the brazilian education through to the reflexes of technological means used extensively by private educational institutions and some public ones too. The adopted methodology was the qualitative, the analysis focused on the study of outdoors used in publicity campaigns of educational institutions in at temptation to verify in discursive constructions some clues of these social phenomenon that perpass the educational discourse in contemporary national scenery.

Keywords: Critical Discourse Analysis (CDA); Education; Discursive Practices; Ideology.

* Este trabalho foi apresentado na International Conference on Critical Discourse Analysis, de 5 a 8 de maio de 2004, em Valencia, Espanha, com o apoio financeiro da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (FINATEC) e da CAPES.

** Pós-Doutora em Lingüística pela Universidade de Lisboa, Mestrado e Doutorado PUC/RS; Professora do Programa de Pós-Graduação em Lingüística da UnB; Coordenadora do Centro de Pesquisa em Análise de Discurso Crítica (CEPADIC); autora de diversos livros e artigos em Análise de Discurso Crítica. E-mail: [email protected].

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Parte III – Discurso e Educação • O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro

introdução

Este artigo pretende discutir as mudanças no discurso no que concerne à educação brasileira. As transformações no discurso e na maneira de falar da educação

ensejaram profundas alterações nas práticas discursivas. Para isso contribuíram as mudanças no mundo e na atualidade brasileira. A tecnologização que nos circunda no dia-a-dia invade todo o discurso, incluindo aí o discurso das instituições de Ensino Superior, em particular as do Ensino Superior privado.

Para que possamos compreender essas mudanças, é pertinente examinarmos o seu percurso no passado recente de nossa educação.

um rápido Olhar sobre a educação BrasileiraÉ distante o tempo em que as instituições de ensino formavam efetivamente

os seus alunos, concebendo-os como um ser indivisível que carecia tanto de conhecimentos como de formação moral e religiosa. Essa tarefa era sagrada e revestia-se de características sacerdotais. Por essa razão, a maioria das insti-tuições de ensino compunha-se de religiosos. Ser professor consistia em tarefa extremamente respeitada. O trabalho de ensinar era digno de consideração e distinção, e o que havia de melhor no ensino concentrava-se nos educandários de formação religiosa.

Toda cidade possuía um colégio de freiras, destinado a moças de boa família cujo principal propósito consistia em preparar as filhas para serem boas esposas e donas de casa. Ao mesmo tempo, havia outro educandário, também religioso, inteiramente dedicado ao ensino dos rapazes. Nessas instituições, moças e rapazes desvendavam o conhecimento, aprendiam fundamentos do cristianismo, e sobre-tudo boas maneiras.

As moças aprendiam, além de literatura dos clássicos, a bordar, a pintar e a tocar algum instrumento que, dependendo da época, podia ser piano ou acordeon. Também gastavam muitas horas de seu currículo escolar com aulas de economia doméstica, puericultura e com canto orfeônico.

Os rapazes, por sua vez, tinham aulas de física, química e matemática. Além disso, participaram de muitas horas de aula de latim, grego e, em determinados horários semanais, aprendiam os rudimentos de jardinagem e de horticultura, que os capacitava a iniciar uma pequena horta ou jardim. Nos intervalos, jogavam muito futebol. Aprendiam a ler partituras e a apreciar os clássicos. Aprendiam também a dançar e a como se comportar com as moças de família.

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Por anos a fio, moças e rapazes freqüentavam os mesmos educandários. Os colégios não eram mistos e eram especializadas para trabalhar com determinado sexo. Os alunos ali permaneciam por longos anos. Só saiam da instituição por ocasião da formatura, momento solene e especial para a vida de todos eles. Os alunos formavam-se mais velhos do que atualmente, tendo muitos deles até bi-godes e barbas cerradas. As festas de colação de grau eram pomposas e todos os formandos compareciam de terno escuro e gravata.

As escolas, como essas que estou descrevendo, não se preocupavam com o recrutamento de seus alunos. O número de boas escolas era reduzido. As va-gas nesses educandários eram muito disputadas. Mas tudo isso é passado. Essa descrição foi para o meu leitor avaliar mais adiante o quanto a nossa realidade educacional mudou.

O quadro do ensino não é mais o mesmo. As escolas hoje se multiplicam vertiginosamente, distanciando-se cada vez mais do quadro descrito acima. Os educandários religiosos ainda existem, mas não desfrutam mais de poder hegemô-nico absoluto na educação brasileira. É verdade que as escolas surgem em grande quantidade, mas já não pertencem a determinadas confissões religiosas. Hoje, empresários altamente competitivos buscam uma fatia desse mercado promissor. O recrutamento de alunos que no passado era inexistente, agora é promovido por eficientes e atraentes campanhas publicitárias.

O ensino virou objeto de desejo do mercado capitalista. O currículo esvaziou-se das disciplinas formadoras do caráter e da cidadania. Todas foram sobrepujadas pelas necessidades contemporâneas e pela necessidade de cortar gastos. Os cursos tiraram gorduras e com elas desaparecem os diferenciais da educação formativa. As turmas duplicaram em tamanho. A meta é o lucro. Não importa se o professor dará aula com microfone, ou se não souber os nomes de seus alunos. Afinal, a formação do aluno é responsabilidade das famílias. Elas que cuidem disso. As escolas devem se preocupar com o conhecimento.

As escolas hoje são mistas: jovens rapazes e moças dividem o mesmo espa-ço. Mas, mesmo assim, o fator economia fala mais alto. Turmas com 50 alunos, miraculosamente, transformam-se em turmas com 100. No papel, nos “Projetos Pedagógicos”, o tamanho das turmas, a qualidade dos laboratórios de línguas, de informática e até os próprios currículos recebem cores e contornos que, em verdade, na maioria dos casos, não existem.

A maquiagem do Ensino Superior está sendo bem feita, mas, em geral, ocor-rem excessos em todo o ensino. E, desse modo, ao lado do aumento do número de alunos por turma, há também o decréscimo da qualidade de ensino. Com essa reflexão, não pense o leitor que desejo macular o ensino brasileiro, estou,

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Parte III – Discurso e Educação • O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro

apenas, pintando-o com uma demão de tinta com cores leves. É bem pior. Pelas razões aqui apontadas, quero examinar nesta discussão a mudança do discurso da educação no Brasil, mostrando, por meio da análise de nove outdoors sobre ensino, como a educação passou de bem público, voltado para o social, a mero produto de mercado.

a educação como Bem de MercadoPara entendermos como a educação se transformou em bem de mercado, é es-

sencial que nos reportemos ao período depois da Segunda Grande Guerra, tempo em que os Estados Unidos, sob os auspícios de um capitalismo extremamente exa-cerbado, conquistaram a hegemonia mundial, principalmente após o fim da Guerra Fria. O aumento desse poder tem sido marcante notadamente na área econômica, política, social e cultural, com ênfase na esfera educacional.

Nesse sentido, nossa convivência com poderes hegemônicos, como o dos ame-ricanos, incita-nos a buscar uma identidade que nos diferencie nesse contexto global. Uma vez que não possuímos a liderança, devemos nos notabilizar pela diferença. Tememos, porém, não possuir tempo suficiente para isso, tendo em vista que as mudanças em curso no Ensino Superior deixam-nos apreensivos e soam como uma ameaça.

A educação, um dos pilares da ideologia liberal, com as discussões em anda-mento na Organização Mundial de Comércio (OMC), incorre em grave perigo de transformar-se em mais uma mercadoria no setor de serviços. Assim, a educação está na iminência de perder o seu caráter de bem social para se transformar apenas em um serviço do setor terciário.

A educação como legado legítimo terminou no primeiro dia de 2005, conside-rando que os Países-Membros da OMC concordaram com a inclusão de todos os serviços no Acordo por eles firmado, entrando aí a educação. As conseqüências do que aconteceu, se a educação tornar-se o equivalente a qualquer outro tipo de serviço, pode atentar contra a soberania e a cultura de muitos países, em espe-cial a do Brasil, além de ser um assalto comercial à Educação Superior brasileira, haja vista que perderemos a propriedade da educação, particularmente a de nível Superior e junto com ela a identidade nacional, para incorporar uma identidade transnacional. A figura abaixo é reveladora nesse sentido, pois apela para um ensino globalizado.

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Vale destacar que a formação de nível superior, própria da pós-modernidade, do capitalismo tardio (FAIRCLOUGH, 2001) constitui direito do cidadão. Mas, es-pecialmente, no caso brasileiro, é fundamental chamar a atenção para a reforma da Educação Superior que está em fase de discussão. O Governo brasileiro defende mudanças profundas principalmente no que toca ao número de vagas oferecidas pelas instituições particulares, pois enquanto as vagas oferecidas pelas instituições públicas são extremamente reduzidas, as entidades privadas duplicam o número de suas vagas.

Entendemos que existe atualmente na educação um processo perverso, mais preocupado com o aspecto mercantil e gerencial do ensino do que com o aluno propriamente dito. Assim, sob o impacto de forte globalização e mercantilização por que passa o ensino, o Governo Federal tem demonstrado certa resistência para essas negociações com a OMC.

Figura 1 – Ensino globalizado.

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A iminente mudança de nossa identidade na Educação Superior brasileira de-vido à adoção de novo paradigma mercantil com acentuada ênfase no lucro e no consumo de mercado, como defende a essência do capitalismo, traz preocupações de toda ordem, entre elas, a de como lidar com essa nova realidade da educação brasileira. A ameaça de perda de traços da identidade particular em função de uma nova identidade transnacional, ao lado da proposta de tratar a educação como um serviço, é algo próximo que não pode ser desconsiderado e carece de medidas para o seu enfrentamento.

Embora a OMC tenha discutido o problema da educação, tratando-a como um bem para todos, em verdade, o que ela pretende é incluir a educação como um dos setores de serviços no Acordo Geral sobre Comércio de Serviços.

No artigo “Diploma com sabor de Big Mac”, Guilherme Macedo, Giovana Perfeito e Thiago Silveira discutem, no jornal Campus, uma das conseqüências dessas mudanças: a equivalência de diplomas, a validação de títulos estrangeiros e a certificação de competências que passariam a obedecer a legislações inter-nacionais de importação e de exportação. Tal fato equivale a dizer que qualquer universidade estrangeira poderia, em tese, oferecer seus cursos no Brasil.

Na matéria, os autores relatam como surgiu essa discussão. Segundo assessor da Universidade das Nações Unidas, Marcos A. Dias, essa discussão surgiu em 1998, quando a UNESCO promoveu em Paris uma conferência mundial sobre o tema.

Vejamos textualmente:

As 180 delegações presentes aprovaram o documento da “Declaração Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI” que definia a educação como um serviço público baseado nas necessidades sociais. (...) a OMC criava, sigilo-samente, uma proposta diferente da aprovada em Paris, defendendo a tese de que o Ensino Superior é um serviço comercial.

O alcance dessa Declaração é de que qualquer grupo ou instituição estrangeira poderá vir para o Brasil e implantar um pacote educacional. O perigo imediato desse projeto é o reconhecimento oficial da mercantilização da educação. Pas-saríamos a oferecer cursos com logomarca de grandes e famosas instituições, os quais não estariam projetados com base em diferenças multiculturais. O único ponto comum desses cursos seria o conhecimento. As singularidades de cada cultura, suas necessidades e anseios não seriam consideradas.

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Os países em desenvolvimento estariam sujeitos a se tornarem verdadeiras fábricas de diplomas cuja qualidade dos cursos nem sempre seria a mais adequada para a sua realidade. No Brasil, já estão ocorrendo essas investidas dos diplomas enlatados de outros países. Os mais comuns têm sido os cursos oferecidos por algumas universidades da Europa, como é o caso de cursos trazidos por instituições de Portugal e da Espanha, principalmente nas áreas de Direito e de Educação.

O Ministério de Educação e Cultura (MEC), reage dizendo que não validará tais diplomas, mas, mesmo assim, inúmeros cursos de Mestrado e de Doutora-do têm sido oferecidos por instituições internacionais. Qual é a saída? Se essas ofertas tornarem-se legais, podemos fazer muito pouco no momento, mas, ainda assim, resta-nos buscar respaldo na própria lei. Cremos que, se leis internacio-nais, baseadas em leis de reciprocidade, regulam tais ofertas, podemos também oferecer cursos lá fora. Além disso, cumpre-nos também a tarefa de levar a sério a revalidação desses cursos para que não sejam reconhecidos títulos de doutores e de mestres que, pelas facilidades, validem a incompetência e o despreparo.

Nesse sentido, vale ainda mencionar que muitos países da América Latina, entre eles, o Brasil, desenvolveram, nas últimas décadas, cursos de pós-gradu-ação que em nada ficam a dever a programas internacionais de pós-graduação. Ao contrário, atendem com mais especificidade às nossas necessidades locais e regionais. Assim, devemos, de modo consciente, reagir a essa usurpação dos nossos direitos na Educação Superior.

Enquanto as universidades federais pouco fazem para coibir essas mudanças na Educação Superior, as universidades privadas esbanjam nova cara em propa-gandas extremamente agressivas, direcionadas ao recrutamento de novos alunos. A seguir, podemos ver um tímido movimento da Universidade de Brasília no uso de recursos midiáticos. Jamais vemos campanhas de cooptação de alunos por parte das universidades federais, como cartazes, outdoors e panfletos. Elas não carecem de mais alunos. O seu objetivo não é o lucro, nem aumentar o número de alunos.

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Em contrapartida, as instituições particulares gastam expressivas somas de seus orçamentos para atrair cada vez mais alunos para os seus cursos. A caça a clientes (aluno, agora, virou cliente) tem sido intensa. As instituições privadas não medem esforços para alcançar esse propósito. A competição em torno da inovação e do diferencial no ensino é traduzida por campanhas desenvolvidas nos jornais, nas ruas e, principalmente, na interação face a face.

Na propaganda a seguir, é apresentado, em primeiro plano, um painel de fotos de alunos que supostamente são vencedores, pois foram aprovados em cursos superiores específicos. Junto com o argumento escrito sobre o curso, estão alinhadas as fotos dos jovens. A linguagem da imagem toma praticamente todo o espaço da propaganda, mostrando efetivamente uma mudança no valor do discurso, que deixa de se concentrar apenas na linguagem verbal em si mesma, para avançar no uso de uma linguagem multimodal, como defendem Kress e van Leeuwen (2001).

Figura 2 – Identidade estudantil da UnB.

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Figura 3 – Jovens aprovados em vestibular.

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Por oportuno, citamos o que Vieira (2007, p. 5) diz sobre a linguagem e a mu-timodalidade:

Em muitos casos, a linguagem mostra-se impotente para descrever certas si-tuações, se comparada à imagem que é global e extremamente mais rápida do que a linguagem, para transmitir significado. Uma foto, por exemplo, de um acontecimento sangrento, de um episódio de guerra, choca mais o telespec-tador do que a notícia veiculada e descrita apenas por recursos lingüísticos. Assim, literalmente, uma imagem vale por mil palavras. Adorno, na metáfora dos campos de concentração de Auschwitz, denunciou o enfraquecimento comunicativo da linguagem diante do poder da imagem. Falar ou escrever so-bre Auschwitz provoca impacto comunicativo menor do que mostrar imagens sobre o holocausto.

Com base nesses conhecimentos, as instituições têm lançado mão de estraté-gias atraentes para vender seus produtos. A imagem é o recurso mais requisitado para esse propósito. A seguir, vemos uma propaganda extremamente criativa dos cursos Positivo. O texto escrito é minúsculo, e a imagem toma conta de toda a propaganda. O texto diz: “Se você quer oferecer uma educação de qualidade para seu filho, procure uma escola conveniada Positivo. Em nossas escolas promovemos o encontro da educação com a vida”. No centro da imagem está escrito: “Ensinar é promover encontros. Da gente com as nossas raízes”. Redundantemente, a idéia de raízes é reforçada pela imagem que retrata uma pessoa jovem com o rosto dividido ao meio. Um lado americano – com um menino índio, outro europeu – com uma menina loira de olhos azuis. A imagem retrata nossas origens.

O que nos chama atenção é que a propaganda compõe com a imagem, as cores e o escrito um excelente texto, de fácil leitura, que promove, com argumentos convincentes, os cursos Positivo.

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Figura 4 – Propaganda cursos Positivo.

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a Pós-Modernidade como agente de tecnologização do DiscursoSe, de um lado, presenciamos as mudanças no contexto da economia e da po-

lítica internacional, de outro, a própria linguagem registra em forma de discurso e de práticas discursivas o mundo circundante. Passaremos a examinar agora como essas mudanças têm influenciado o discurso da educação.

Para isso convém passar os olhos pela história recente da sociedade da infor-mação, que teve seu apogeu na década de 1970, sem nos esquecermos, no entanto, de que a década de 1960 foi a antevéspera da grande explosão da sociedade infor-macional. Um bom exemplo desse fenômeno é a nação americana que, no estado da Califórnia, abrigou a construção desde o primeiro computador Apple até os ultramodernos e sofisticados computadores.

Ao falarmos de sociedade de informação, não podemos nos furtar de examinar o poder político que ensejou o desenvolvimento dessa mesma sociedade. Sabemos que o Estado pode promover o desenvolvimento de uma nação, contê-lo ou até mesmo sustá-lo. Um exemplo pertinente é o da China antiga, a mãe do conheci-mento milenar, descobriu a pólvora, o papel e muitas outras coisas importantes, mas, mesmo sendo a detentora de relevantes conhecimentos, paralisou no tempo, e a sua epopéia de descobertas e conquistas não se repetiu nas questões tecnoló-gicas e na informação.

Afortunadamente, foi na Ásia, que o Japão, sem contar com um percurso bri-lhante no mundo dos descobrimentos e das invenções, ultrapassou a corrida tec-nológica e hoje reina de modo absoluto no mercado sofisticado da informação. Destacamos que o Estado esteve presente na história das duas grandes potências. Na China, entretanto, o Estado entravou o desenvolvimento nacional no âmbito da informação e da tecnologia. Desse modo, a China pode ter glórias passadas, as quais devemos respeitar, mas, no campo dos avanços tecnológicos, o Japão, uma nação com destacada liderança internacional no mundo da informação, deve todo o seu avanço tecnológico ao Estado, que financiou e incentivou as grandes pesquisas da área, como reporta muito bem Giddens (2002).

Mesmo a América do Norte não tendo o mesmo passado da China, legou-nos a Internet. Hoje, graças ao Departamento de Defesa americano, o mundo comunica-se em tempo real. Essa conquista marcou a participação do Estado americano nas conquistas tecnológicas e ensejaram o início das primeiras redes de comunicação mediadas por computador. Deve-se à participação indireta do Estado, ao lado de grandes universidades da Califórnia, como o Stanford e a UCLA, e aos cérebros de professores e de alunos, dos Think-Tank (os pensadores-tanques) do conhecimento

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de ponta dos inventos tecnológicos, a ciência da informação avançou e garantiu, para os americanos, a liderança da sociedade da informação.

Se a modernidade trouxe a máquina a vapor, revolucionando aquela época, a pós-modernidade, ou a modernidade tardia, como prefere Giddens (1990), legou-nos o computador. E o percurso do conhecimento, que foi lento e gradual em todo o período da modernidade, na pós-modernidade, explode celeremente. O progresso que levou séculos para ser conquistado, a sociedade da informação alcançou-o em menos de trinta anos. A compressão e a velocidade do tempo e do espaço são características marcantes da pós-modernidade. O tempo muda a sua característica principal, mas eterniza-se em sua efemeridade, como diz Castells (2002).

Todos esses avanços e mudanças na sociedade contemporânea trouxeram mu-danças fundamentais no discurso da educação. Houve, sem dúvida alguma, forte tecnologização do discurso, que não poderia ficar imune a todas essas mudanças no discurso.

a nova Morfologia da sociedade: a sociedade em redeA década de 1990 assistiu à ampla reestruturação de mercados em todo o mundo.

Experienciamos desregulamentações, privatizações, concentrações de propriedade, comercialização e – por fim, mas não menos importantes – avanços tecnológicos. No centro de tudo isso está o processo de globalização. Mercados nacionais estão se tornando cada vez mais integrados em uma única estrutura de poder global e as fronteiras nacionais estão perdendo seu significado em muitos aspectos.

As mudanças do mundo contemporâneo não têm desempenho solo, vêm acom-panhadas de profundas mudanças que nos induzem a uma nova leitura. Castells (2002, p. 605) fala de uma nova sociedade – a sociedade em rede. Vejamos o que ele diz:

As funções e os processos dominantes, na Era da Informação, organizam-se, cada vez mais, em torno de redes e isto representa o auge de uma tendência histórica. As redes constituem a nova morfologia das sociedades e a difusão da sua lógica modifica substancialmente as operações e os resultados dos processos de produção, experiência, poder e cultura. Embora a organização social, sob a forma de rede, tenha existido noutros tempos e lugares, o novo paradigma da tecnologia de informação fornece as bases materiais para a expansão da sua penetrabilidade em toda a estrutura social.

O que Castells diz sobre o poder dessa nova sociedade informatizada é ver-dadeiro, e a instância que essa presença é mais palpável é no discurso, o qual é perpassado por toda a modificação lexical que o mundo novo da Era da Informação

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requer e registra com prodigalidade nos eventos discursivos. Castells (2002, p. 607) diz que a morfologia da rede é também uma fonte extraordinária de reorganização das relações de poder e declara:

Firmas de negócios e, cada vez mais, organizações e instituições, organizam-se em redes de geometria variável cuja interação supera as tradicionais diferenças entre empresas e pequenos negócios, atravessando setores e espalhando-se por diferentes agrupamentos geográficos de unidades econômicas. (...) essa evolução para as de gestão e produção em rede não implica o fim do capitalismo. A socie-dade em rede, nas suas várias expressões institucionais é, por enquanto, uma sociedade capitalista. Para, além disso, pela primeira vez na história, a forma capitalista de produção modela as relações sociais em todo o planeta.

Desse modo, toda a alteração nas tecnologias da sociedade provoca construção hegemônica de novos discursos com novas ordens do discurso no âmbito das ins-tituições e das organizações públicas e privadas. Entretanto, essas mudanças nas práticas discursivas não são pacíficas e, ao serem construídas, deixam um rastro de mudança. O resultado mais visível dessas mudanças é no léxico empregado aos dis-cursos, fenômeno nomeado por Fairclough como “tecnologização do discurso”.

A tecnologização do discurso, segundo Fairclough (1992), sintetiza nos textos as mudanças nas práticas discursivas, combinando-se às mudanças nas práticas culturais. Essas mudanças no discurso, no trato das questões universitárias, tam-bém foram estudadas por Fairclough (2001, p. 47), que estudou a mercantilização do discurso nas universidades públicas inglesas. Reporto aqui o que esse analista do discurso afirma sobre o assunto:

O caso que vou focalizar é a mercantilização das práticas discursivas nas uni-versidades britânicas contemporâneas; estou me referindo à reestruturação da ordem do discurso no modelo de organização de mercados mais centrais. Ao que parece, pode parecer excessivamente introspectivo para um acadêmico analisar universidades como exemplo de mercantilização, mas não acredito que seja; as mudanças recentes que afetam a educação superior são um caso típico e, sem dúvida, um bom exemplo de processos de mercantilizção e comodificação no setor público em geral (FAIRCLOUGH, 2001, p. 47).

Fairclough concentrou-se nesse estudo em alguns gêneros discursivos que são usuais no discurso acadêmico, como os prospectos que são destinados à chamada de novos alunos, os anúncios para cargos acadêmicos e um extrato de seu próprio Curriculum vitae.

Diz ele ainda nesse estudo:

A mercantilização das práticas discursivas das universidades é uma dimensão da mercantilização da educação superior num sentido mais geral. As instituições de educação superior vêm cada vez mais operando (sob pressão do governo) como se fossem negócios comuns competindo para vender seus bens de con-sumo aos consumidores (FAIRCLOUGH, 2001, p. 47).

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Assim é que todas as alterações no segmento de uma cultura ficam registradas nas suas práticas culturais e, sobretudo, nos seus eventos discursivos. A tecnologização do discurso acontece em todas as áreas, mas é mais nítida nas instâncias do mer-cado, nos mídias e, principalmente, no discurso governamental e institucional.

Fairclough (2001, p. 48) também fala sobre essas mudanças em seu estudo:

…as instituições estão fazendo mudanças organizacionais importantes que estão de acordo com um modo mercadológico de operação, tais como a intro-dução de mercado “interno” ao tornar os departamentos financeiramente mais autônomos, o uso de abordagens “gerenciais” em, por exemplo, avaliação e treinamento de pessoal, a introdução de planejamento institucional, e a maior atenção que é dada ao mercado. Tem havido também pressão para os acadê-micos verem os alunos como “clientes” e dedicarem mais energias ao ensino e ao desenvolvimento de métodos de ensino centrados no aprendiz.

No Brasil, de igual modo, as mudanças nas práticas discursivas ocorrem de modo natural, entretanto essa praxis tem sido acelerada por meio de encontros, cursos e reciclagens, visando à uniformização desse discurso. Não é incomum treinamentos de todos os funcionários de determinado ministério ou órgão do Governo ou de empresa privada com o propósito de uniformizar a prática discursiva e de buscar a eficiência no alcance e na realização de objetivos e de metas. A pretensão com essas práticas é estabelecer um discurso comum para atender o cliente, o consumidor final, o público-alvo (léxico tecnologizado das novas práticas discursivas), buscando desempenho cada vez maior e melhor na interação com o sujeito desse consumo.

Essas mudanças no discurso, com o intuito de homogeneizar as práticas discur-sivas, visam à obtenção de melhores resultados nas transações comerciais e nas relações interpessoais. Todas essas alterações são frutos da tecnologização do dis-curso. Como exemplo de tecnologização do discurso, temos no Brasil a implantação do ISO 9000. Com esse programa de qualidade total, as empresas do Governo e as empresas privadas passaram por rigoroso treinamento com características altamente homogeinizadoras, cujo propósito é o alinhamento com o mercado internacional As empresas públicas e de natureza mista estão empenhadas em conquistar novos consumidores. Os usuários de qualquer serviço público passam a ser considerados clientes. O discurso contempla e incorpora, em seu léxico, expressões típicas do mercado privado.

Fairclough (2001) atribui à tecnologia do discurso cinco características:

1. O surgimento de peritos em tecnologia do discurso.

2. A mudança no policiamento das práticas discursivas.

3. A concepção e a projeção de técnicas discursivas descontextualizadas.

4. A simulação discursiva com fundamentos estratégicos.

5. A pressão no sentido de uniformizar as práticas discursivas.

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132 • Olhares em Análise de Discurso Crítica

Parte III – Discurso e Educação • O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro

Com relação ao surgimento de peritos em tecnologia do discurso, Fairclough (2001) declara que existem manipuladores e especialistas persuasivos em dis-curso. Para que os especialistas de fato possam ser chamados de tecnólogos do discurso devem apresentar qualificações diferenciadas, como a de serem ligados a determinadas áreas do saber que, por essa razão, qualificam as suas intervenções, atribuindo-lhes veracidade, ao mesmo tempo, que as legitimam pelo uso em seus espaços discursivos.

Esses especialistas são em geral cientistas sociais, peritos ou consultores com acesso a informações privilegiadas. Também, pela notoriedade de seu conhecimento, quando usam rotineiramente certa prática discursiva, fazem escola, sendo as suas práticas discursivas repetidas por outros sujeitos. O tecnólogo em discurso, pelo seu conhecimento na área, pode dar inestimável contribuição quer oferecendo cursos, seminários, entrevistas, quer prestando consultorias sobre determinadas práticas discursivas, como o discurso político, publicitário, midiático, entre outros.

A mudança no policiamento das práticas discursivas é outra característica da tecnologização do discurso defendida por Fairclough (2001). É verdade que toda prática discursiva sofre policiamento constante. Hoje em dia, entretanto, esse poli-ciamento estendeu-se para fora das instituições e transformou-se em policiamento trans-institucional.

Os tecnólogos do discurso exercem posição de policiamento particular, apoian-do-se em seu conhecimento científico e em seus títulos acadêmicos dos quais lhes advém certo poder. Também o fato de serem peritos externos garante-lhes certa isenção em seus julgamentos, conferindo-lhes grande poder para interferir, for-mulando e reformulando as práticas discursivas de qualquer instituição. Um bom exemplo desse procedimento é quando um especialista do discurso valida técnicas de escrita muitas vezes descontextualizadas, mas passíveis de serem utilizadas em qualquer contexto como é o caso de instruções normativas, práticas auditoriais e pareceres entre outras peças escritas.

Outra característica da tecnologização do discurso é a simulação discursiva com fundamentos estratégicos, conforme defende Fairclough (2001). A prática do simulacro é largamente usada no discurso com o intuito de gerar certa aproxi-mação entre os sujeitos. Desse modo, a simpatia demonstrada pelo sujeito com maior poder na entrevista, por exemplo, é o típico caso de simulação discursiva. Segundo Fairclough (1992, p. 265), a simulação e a informalidade nas questões de simetria de poder institucional são amplamente usadas pelos sujeitos que estão no poder. Tal prática discursiva gera um espaço para lutas de poder nesse tipo de discurso, pois essa mudança não se sustenta nas práticas reais de conversação, gerando certa contradição.

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A pressão no sentido de uniformizar as práticas discursivas é outra marcante característica da tecnologização do discurso. No momento em que a instituição homogeneíza suas práticas discursivas, criando normas discursivas em diferentes campos institucionais, ela fortalece a idéia de que a tecnologização do discurso ajuda a manter a coesão do discurso de poder institucional que favorece os laços nos vínculos dialógicos de trabalho, além de facilitar e acelerar a comunicação como um todo.

Assim, se o sujeito desconhecer esse universo discursivo, se não o dominar, certamente desfrutará de menor poder nas instâncias de lutas diárias. Um exem-plo marcante dessa uniformização, dessa normalização discursiva, é o que ocorre nos grandes jornais nos quais há normas rígidas quanto à extensão dos títulos das matérias, e quanto à sua natureza. Do mesmo modo, quase todos os grandes jornais dispõem de manuais que procuram orientar os jornalistas da casa no modo de grafar, abreviar ou escolher o seu léxico.

O serviço público também, a seu modo, está procurando homogeneizar as suas práticas discursivas. O Manual da Presidência, para a Correspondência Oficial, tem essa finalidade. Procura orientar os seus usuários, funcionários públicos do Poder Executivo principalmente, o modo adequado de comportar-se discursivamente nas práticas oficiais. Recomenda, por exemplo, que não seja usado na correspondên-cia oficial o tratamento de doutor, dizendo que é um título acadêmico, e não um pronome de tratamento. De semelhante modo, ensina a que autoridades atribuir o título de Vossa Excelência. Segundo o Manual, vereadores de câmaras legislativas não devem ser tratados por Excelência.

A tecnologização do discurso segue a tendência do discurso de alguns especialistas ou tecnólogos e não se importa de romper a tradição discursiva. De certo modo, a tecnologização do discurso confronta-se com a prática social. Na verdade, a práxis discursiva está representada nas práticas sociais e, quando ocorre a tecnologização do discurso, a prática social é desprezada em função das mudanças pretendidas. O que queremos dizer é que a tecnologização do discurso intervém na prática social, pensando no consumo e no consumidor final, confrontando-se com a prática social e com a cultura, alterando-a. No exemplo dado, no caso do vereador, a tecnologi-zação do discurso não está preocupada em romper uma tradição secular de tratar todos os vereadores de municípios grandes ou pequenos por Vossa Excelência, ou no caso anterior de tratar todas as autoridades do Executivo por doutor.

Discutindo o fato com altos assessores do Senado Federal, disseram-nos ser im-possível atribuir outra forma de tratamento para um vereador de cidade pequena que não a de Excelência, sob pena de o Senador não receber apoio do referido Vereador nas eleições subseqüentes. A bem da verdade, a tecnologização do discurso age

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Parte III – Discurso e Educação • O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro

como rolo compressor, escondendo valores, lutas de poder e a verdadeira simetria e dissemetria das relações de poder presentes no discurso.

Portanto, do mesmo modo que a tecnologização do discurso age como prática homogeinizadora, há quem resista a essa prática por entender que ela trabalha no sentido contrário das práticas discursivas. Por essa razão, defendem a idéia de opor resistência a esse tipo de prática discursiva, que é artificial e revela apenas um modismo de determinada época ou de determinado povo ou instituição. É nes-se sentido que Habermas (1984) fala em colonização do discurso pelos sistemas de Estado e Fairclough (1992) trata desse traço particular da tecnologização do discurso como comodificação, ou seja, a colonização das diferentes ordens dos discursos institucionais, tanto públicos como privados, com o intuito de produzir discursos organizacionais, pretendendo aumentar a produção, a distribuição e o consumo de mercadorias.

Fairclough (1992) ilustra a comodificação do discurso com as alterações do discurso educacional, cuja pretensão é alcançar o consumidor final dos produtos da educação. As mudanças nas práticas discursivas identificadas por Fairclough vêm ao encontro do que identificamos no discurso da educação brasileira, no-tadamente da Educação Superior, que não economiza estratégias de marketing para atingir ao seu público-alvo. Neste artigo queremos analisar exatamente essas práticas utilizadas na tecnologização do discurso educacional e, principalmente, o das universidades públicas e privadas de Brasília, Brasil. Focalizaremos aqui sete outdoors com propagadas de diferentes cursos.

Antes de iniciarmos a análise, queremos mencionar que a lexicalização do dis-curso comodificado contemporâneo é a característica marcante da tecnologização do discurso. Um inventário de determinadas lexias é bastante previsível. Afirma Fairclough que o campo semântico da palavra habilidade, por exemplo, vem refor-çado por um novo léxico em que são comuns termos como competência, aptidão, desempenho, melhoria. No nosso estudo, termos como economizar e ganhar tempo aparecem ao lado de promessas de sucesso e de altos ganhos financeiros em cursos realizados em reduzido espaço de tempo. Estudar hoje se aproxima mais a uma promessa fantasiosa de que o futuro universitário deverá pagar muito pouco para realizar um curso que terá curtíssima duração, além de promessas de ser bem-sucedido na área profissional escolhida, com garantia de empregos promissores com elevados salários.

tecnologização do Discurso: uma nova tendênciaA tecnologização do discurso é a expressão de mudanças acentuadas na lin-

guagem que afetam diretamente a vida em sociedade e a cultura de determinado

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grupo social. As novas tendências englobam a democratização, a comodificação, ambas voltadas para as mudanças que ocorrem nas práticas discursivas, e a tec-nologização do discurso, que se manifesta pela alteração das ordens do discurso, implicando intervenção consciente na prática discursiva.

A respeito de como são constituídas e se alteram as ordens de discurso Fair-clough (2001, p. 3) declara:

A ordem do discurso de um domínio social é a totalidade de suas práticas dis-cursivas, e as relações (de complementaridade, inclusão/exclusão, oposição) entre elas – por exemplo nas escolas, as práticas discursivas de sala de aula, da avaliação escrita, da área recreativa, e da sala dos professores. E a ordem do discurso de uma sociedade é o conjunto dessas ordens de discurso mais “locais”, e as relações entre elas (por ex., a relação entre a ordem do discurso da escola e as de casa ou da vizinhança). As fronteiras e segregações entre e dentro das ordens de discurso podem ser pontos de conflito e contestação (BERNSTEIN, 1990), abertas ao enfraquecimento ou fortalecimento, como parte de conflitos e lutas sociais mais amplas.

Fairclough (1996, p. 76) afirma que a tecnologização do discurso ocorre em redes e práticas discursivas institucionais, reunindo três domínios específicos: a pesquisa de práticas discursivas de instituições e de locais de trabalho, a modelagem de práticas discursivas em conformidade com metas e objetivos institucionais e o treinamento dessas práticas discursivas resultantes da modelagem.

As tecnologias do discurso atuam como uma forma de poder, como um recurso de fiscalização, de policiamento e de dominação. Mas tais procedimentos podem ser aceitos de modo passívo, ou recebidos com resistência, ou ainda podem ser rejei-tados. Desse modo, a tecnologização do discurso influencia a construção de novos gêneros, pois a sua atuação passa pela prática social e pelas práticas discursivas.

A tecnologização do discurso tem provocado relevantes mudanças nos gêneros do discurso. Entre eles, destacamos o gênero dos outdoors, no qual encontramos mais de uma linguagem, o que constitui um gênero híbrido. Além da imagem e das cores, utiliza um modo especial de organizar a informação. Passa pela argumen-tação e pela persuasão, tornando a publicidade por meio de outdoors um gênero de prestígio, dando suporte para o discurso comodificado da educação que, dia a dia, torna-se mais naturalizado e lugar comum.

Os cursos superiores privados, mais que os cursos estatais, têm amplo arsenal publicitário para travar verdadeira batalha com a concorrência. O embate envolve desde cartazes, panfletos, prospectos, malas diretas, outdoors até a luta travada corpo a corpo na disputa pelos futuros alunos. Nesses casos entram as entrevistas individuais, orientações vocacionais e palestras nas escolas no final do segundo grau.

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Parte III – Discurso e Educação • O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro

O discurso dos outdoorsProcuramos selecionar oito outdoors, considerando os seguintes aspectos: a mul-

timodalidade, o teor comunicado e o paradigma para enquadrar as recorrências em termos de fins publicitários. Os outdoors analisados, aqui, foram colocados nas ruas e avenidas de Brasília nos meses de novembro e dezembro do ano de 2003. Essa data foi escolhida estrategicamente por anteceder o ano letivo de 2004.

Justificamos a escolha desses outdoors por considerar a possibilidade favorável de uma análise crítica de discurso desse material publicitário. Também porque acreditamos que a vertente da análise de discurso crítica enseja uma análise das práticas sociais e das mudanças discursivas que estão ocorrendo nas instituições. Além da análise da tecnologização do discurso na propaganda do discurso publici-tário que trata da educação brasileira, é nosso desejo verificar analiticamente que relações de poder sustentam essas propostas.

a força da imagem na propaganda da educaçãoAo iniciarmos nossa análise, devemos considerar o poder da imagem na co-

municação contemporânea. É inegável a existência atualmente de um império comandado pelas imagens. Elas invadem o dia-a-dia das pessoas. É a linguagem mais utilizada para vender e para provocar desejos de toda ordem e natureza. Prestes (2000) afirma que:

Dos vários signos para a comunicação, os visuais parecem ser os mais fortes. Prova disso é que, na observação do crescimento intelectual da criança, se nota que seu primeiro gesto é elaborar imagens pictóricas (com desenhos, garatujas, círculos, traços e rabiscos), para só depois aprender a escrever. (PRESTES, 2000, apud DALMO, de O. S. e Silva, 2001).

A força das imagens e das artes visuais é decorrência da sociedade de infor-mação do século XXI. É herança histórica de milênios o prestígio e a posição que ocupa hoje. É inegável a preponderância da imagem na comunicação atual. Do mesmo modo, é inquestionável o papel desempenhado pelas imagens no contexto do capitalismo tardio (FAIRCLOUGH, 2001). Nesse sentido, Silva declara:

As sociedades modernas são quase que essencialmente visuais. A todo mo-mento, as pessoas são invadidas por imagens que mostram uma infinidade de mensagens, deixando brechas para uma apreensão subliminar de conteúdos. O recebimento dessas mensagens necessita de um reordenamento. O processo de alfabetização visual ainda é um movimento acanhado. A quantidade de imagens recebidas é enorme, mas a apreensão de seus significados por parte do receptor é pequena. (2001, p. 102).

Entendemos nesta análise que a ideologia é categoria preponderante para a compreensão dos sentidos dos outdoors. O sentido veiculado por este gênero dis-cursivo indica estereótipos sobre a concepção da educação brasileira, mostrando as

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mudanças discursivas de senso comum. A multimodalidade presente nos outdoors legitima a mensagem veiculada.

No outdoor, e também na propaganda panfletária abaixo, a instituição, denomi-nada JK, captou o espírito de mudança que está em andamento no mundo atual. A pretensão é tornar a educação só uma mercadoria, um produto. O educandário contra-ataca usando essa mesma concepção ideológica para garantir que ela, como instituição, preocupa-se com a individualidade de cada um de seus alunos e não de-seja que seus alunos sejam apenas mais um produto do mercado consumidor. A idéia veiculada pelo produto é firmada com a figura de um jovem que aparece de costas com o cabelo raspado. Em seu pescoço aparece a figura de um código de barras. Esse código fala muito forte contra a idéia de tornar os estudantes produtos de um ensino de consumo. O fato de o garoto estar de costas, sem nome e sem rosto, ratifica a idéia de anonimato, de perda de identidade. Sendo apenas mais um na multidão.

A mesma idéia repete-se nos outdoors expostos em toda a cidade de Brasília, mais especificamente no Plano Piloto, a zona central da capital brasileira. Esse fato se entende por se tratar de propaganda direcionada a público consumidor de nível econômico mais elevado. Novamente, o apelo aos pais para que não deixem que as instituições de ensino similares tratem os filhos como mero produto do mercado.

Figura 5 – Propaganda da instituição JK.

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Parte III – Discurso e Educação • O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro

Bem, o recado midiático é extremamente claro: somente a escola JK não trata o seu filho como um produto de fábrica. Essa idéia é percebida pela quantidade enorme de latinhas de refrigerante que estão saindo para o consumo final, cuja imagem ocupa todo o espaço central do outdoor.

A frase usada tanto nos panfletos da escola JK, como nos outdoors, “NÃO DEIXE SEU FILHO SER TRATADO COMO UM PRODUTO”, assume tom conversacional, pois dirige-se diretamente aos pais, como estivesse dando um conselho, no qual os adverte do perigo que os seus filhos correm de ser tratados como mercadoria produzida em série, sem identidade e sem qualquer traço de individualidade e subjetividade.

O outdoor analisado traz em sua composição as características do gênero hí-brido, que combina um número variado de outros discursos e gêneros, como o da propaganda e o da promoção, simulando, por meio da conversação entabulada com os pais, uma intimidade que de fato não existe. Mas, esses recursos, aqui usados, são um estratagema promocional para chamar a atenção sobre o produto oferecido, que no caso é a instituição JK.

O emprego da logomarca da instituição JK, colocada em evidência à esquerda do outdoor, faz parte do discurso autopromocional dessa Instituição de Ensino. Em vermelho, com fundo azul e com cores fortes, a logomarca é circundada por discurso impessoal e formal que caracteriza o gênero administrativo, cujo teor chama atenção, apenas, do possível candidato para o fato de que as matrículas estão abertas. Ao mesmo tempo, traz, em números destacados, o telefone do JK.

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Desse modo, a mistura bem dosada de gêneros da propaganda, da conversação e da autopromoção compõe um outdoor bastante sugestivo, para convencer os pais a matricularem os seus filhos no JK.

Analisaremos agora mais dois outdoors que fazem parte de uma campanha pro-mocional temática que foi apresentada em toda a Capital Federal na época anterior às matrículas. Nesses outdoors surge outra maneira bastante freqüente para chamar a atenção dos prováveis “clientes”. É a estratégia de desqualificar, desmerecer indi-retamente os cursos opositores e similares em suas ofertas.

Nos outdoors apresentados a seguir, vemos, em primeiro plano, com letras todas em versais, o texto: “TEORIA SEM PRÁTICA DÁ NISSO”. A linguagem multimodal, como a imagem e a cor, nesses outdoors, está em segundo plano, sem deixar, no entanto de legitimar o texto escrito, cuja construção centraliza a informação. Todo o argumento da mensagem publicitária é construído sobre o texto: “TEORIA SEM PRÁTICA DÁ NISSO”. As imagens do super-homem e do pára-quedista, usadas respectivamente nos dois outdoors, são colocadas em tamanho menor, e o seu papel é mais o de reforçar, de validar o que havia sido dito a respeito do papel da teoria e da prática em cursos superiores.

No primeiro outdoor, é explorada a imagem do super-homem; no segundo, é usada a imagem de um pára-quedista. Em ambos, as imagens são negativas, pois eles não são bem-sucedidos em seus intentos de voar ou de lançar-se de pára-que-das. Essas imagens servem de contra-exemplo para dizer o que não deve ser feito. O resultado para tais ações, se imitadas, será o fracasso.

No outdoor em que é usada a figura do super-homem, a imagem mostra que esse super-herói, ao voar, choca-se no outdoor. O recado midiático defende o pressuposto de que, se o candidato buscar ou cursar qualquer curso que seja só teórico, poderá fracassar como o super-herói, que não logrou sucesso no intento de voar mais alto e teve de agarrar-se ao outdoor para não cair. O que a propaganda defende é que o aluno só alcançará sucesso se buscar o curso certo que combine TEORIA e PRÁTICA.

Esse super-homem do outdoor só aprendeu teoria; não tem prática, não é como o super-homem dos filmes americanos, ou das revistas em quadrinhos, que sem-pre obtém sucesso. Essa versão do super-homem é falsa, como muitos cursos que andam surgindo atualmente: só têm teoria, não têm prática.

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Parte III – Discurso e Educação • O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro

O uso da imagem do super-homem na propaganda apela para o inconsciente coletivo que conhece a figura mágica de elevado poder, com quem o aluno poderá identificar-se, para escolher o curso certo.

A instituição, IESB, aparece de modo muito discreto, no canto, à direita com a logomarca, em tom vermelho, uma cor promocional. Abaixo, é colocado também o endereço eletrônico e, por último, em tamanho pequeno, o grande argumento do outdoor: a teoria e a prática juntas. Tudo o que foi construído no outdoor se resume nessa frase, cujo teor ratifica que a IESB é a Instituição que oferece em seus cursos a TEORIA e a PRÁTICA JUNTAS, logo não tem como o futuro aluno fracassar.

No outdoor sobre o pára-quedista, que examinaremos a seguir, a mensagem temática se repete: curso bom, somente aquele que associar teoria e prática, no caso, só IESB.

Outdoor do IESB.

Outdoor do IESB.

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A mesma temática utilizada no outdoor do super-homem (TEORIA SEM PRÁ-TICA DÁ NISSO) compõe o outdoor do pára-quedista. Ele, do mesmo modo que o super-homem, só tem teoria, nada de prática e daí o seu insucesso. Ao lançar-se de pára-quedas, enrolou-se nas cordas, enganchando-se no próprio outdoor. Como a campanha é temática, novamente a logomarca em vermelho aparece acima do endereço eletrônico e, por último, novamente o outdoor repete o argumento: a “TEORIA E A PRÁTICA JUNTAS”. O que diferencia este do outro outdoor é a imagem e a cor do fundo que neste é verde, no outro é amarelo.

Prosseguindo em nossa análise, examinaremos mais dois outdoors que apelam para consumidores que consideram a educação um quinhão para ser usufruído por toda a vida. Essas duas chamadas são clássicas e vão ao encontro do senso comum, das crenças das famílias de classe média. Elas costumam declarar a res-peito de educação: “Nós não somos ricos, e a única herança que vamos te deixar são os teus estudos”. As duas propagandas são do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

A mesma instituição oferece, em vários níveis, cursos que contemplam o ensi-no Fundamental e Médio, podendo se estender até a cursos superiores. Mas, em qualquer grau de ensino, a mesma crença permanece: EDUCAÇÃO COMO UM BEM, COMO UM LEGADO PARA A VIDA TODA.

Outdoor do Colégio CEUB.

A diferença entre as duas propagandas concentra-se na faixa etária dos alunos alcançados pelo outdoor. Na primeira, está em destaque uma menina, pequena, loira e bonita que aparece debruçada sobre os livros. Entende-se que esse outdoor destina-se para estudantes do Ensino Fundamental (no Brasil, isso quer dizer ensino para crianças até a nona série). Na segunda, é um casal de jovens que toma o primeiro plano da propaganda, dirigido para o Ensino Médio (curso que antecede o curso superior). Em resumo, Colégio CEUB é bom para qualquer idade e contribui para a construção dessa bagagem cultural que é para toda a vida.

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Parte III – Discurso e Educação • O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro

O fato em comum entre as duas propagandas do CEUB é que em ambas há um fundo com desenhos. Infantis no primeiro, fórmulas matemáticas no segundo, mas nos dois aparece uma frase logo abaixo do grande argumento: “CRIANÇAS PRECISAM DE MODELOS MAIS DO QUE DE CRíTICAS”. Mesmo que no segundo outdoor o motivo seja direcionado para os jovens, a frase de aconselhamento sobre as crianças é a mesma e direciona-se à família.

O gênero conversacional presente estabelece uma conversação direta com os pais. Um tom de admoestação fica no ar, as crianças precisam de modelos dos pais e não de suas críticas. Entendo que a frase acima também permite uma leitura com ambigüidade: quem critica as crianças? os pais ou as demais escolas?

Com o exame desses outdoors, podemos dizer que os cursos mudaram, os tipos de escolas também e com eles uma gama de aspectos como currículo e extensão dos cursos. A duração dos cursos é encurtada cada vez mais. Os cursos superio-res, em tese, duravam em média quatro anos. Hoje, o mercado compete para ver que curso dura menos. Os anúncios oferecem cursos em dois e três anos. É foco publicitário de outdoor explicitar a duração dos cursos em anos. O mercado exige cursos rápidos, com currículos extremamente enxutos, diretamente ligados à ati-vidade profissional.

Os tempos mudaram, e o custo do ensino privado aumentou demasiadamente. Assim, as instituições de ensino fazem guerra de preços, disputando palmo a palmo o mercado. Inundam as cidades em pontos estratégicos outdoors com anúncios de escolas de ensino Fundamental e Médio, e, principalmente, de cursos superiores, em que o mote principal da propaganda é o baixo preço do curso. A disputa do mercado é tão acirrada que as vantagens financeiras são a chamada principal para atrair novos alunos.

Outdoor do Colégio CEUB.

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Vejamos a propaganda do curso da União de Estudantes de Brasília, UNEB, que, em primeiro plano, no centro do outdoor, em tamanho gigante, aparece o valor do curso. Nada mais importa, apenas o preço da mensalidade. Não é feito nenhum tipo de apelo aos possíveis consumidores do curso no que toca à qualidade de ensino, nem aos cursos oferecidos. O centro de toda a ação midiática concentra-se no valor, que supomos seja convidativo para o mercado consumidor.

Ao lado do preço cobrado, aparece também, com muita ênfase, o anúncio do 1º vestibular simplificado, que no outdoor é chamado de “processo seletivo”. A leitura do outdoor nos diz que todos os que puderem pagar os R$ 260,00 estão convidados a participar do processo “seletivo” da instituição (tendo dinheiro, não haverá complicações).

A pista deixada pelo anúncio é de que certamente todos os candidatos que preencherem esse requisito financeiro serão aprovados. Se não fosse o preço das mensalidades dos cursos no primeiro plano, poderíamos dizer que esse anúncio é bem tradicional, impessoal, não adotando o gênero conversacional como os de-mais. Aparece também, em primeiro plano, a imagem de uma jovem descontraída e sorridente que não tem nada a ver com a mensagem veiculada pelo outdoor. O seu papel é apenas o de ilustrar o texto promocional da UNEB, fugindo do que é defendido por Kress e van Leeuwen (2001) sobre o texto multimodal, no qual a imagem deve, em primeira instância, compor o texto e não apenas ilustrá-lo.

Outdoor promocional da UNEB.

Por último, encontramos uma propaganda que faz uso da metáfora do cresci-mento, em uma dupla alusão que só cresce quem faz cursos superiores na IESB. De todo o modo, ainda é uma propaganda calcada no concorrente. Se não for IESB, o aluno não cresce, não obtém sucesso na vida profissional. É um discurso que se concentra nas qualidades da instituição.

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Parte III – Discurso e Educação • O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro

Outdoor promocional do IESB.

O outdoor é composto em dois planos: um deles pintado de azul em que aparece o céu, e o outro, em vermelho, que imita o tamanho do painel do outdoor. Dele parece sobressair a imagem de uma jovem que tem a metade do corpo no espaço azul o que dá-nos a ilusão de que a jovem está com metade do corpo no espaço. Parece que cresceu tanto que passou do outdoor. É essa relação analógica e meta-fórica que estabelece o argumento de que só quem faz IESB cresce.

considerações Finais – É Hora da resistênciaUm dos pontos preponderantes para o enfrentamento de uma sociedade mediada

deve ser a preocupação com a construção da sua identidade. Segundo Thompson (2002, p. 181), nas sociedades modernas, a natureza do EU, do self, num mundo mediado, torna-se mais reflexivo e aberto. Concordamos com Thompson quando declara:

...os indivíduos dependem cada vez mais dos próprios recursos para construir uma identidade coerente para si mesmos. (...) o processo do self é cada vez mais alimentado por materiais simbólicos mediados, que se expandem num leque de opções disponíveis e enfraquecem – sem destruir – a conexão entre a formação e o local compartilhado. Esta conexão é enfraquecida à medida que os indivíduos têm acesso a formas de informação e comunicação originárias de fontes distantes, que lhes chegam através de redes de comunicação mediada em crescente expansão.

Giddens (2002) diz que as mudanças nas sociedades modernas projetam um novo tipo de self que gera outros tipos de intimidade. As formas mediadas de comunicação aceleram essas transformações da intimidade. A interação mediada, por telefone ou por Internet, constrói e solidifica um novo self que tem de aprender a filtrar nas avalanches de informações mediadas aquelas que efetivamente são significativas para si. Em suma: o homem contemporâneo deve tornar-se mais reflexivo.

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Felizmente, a dificuldade que tínhamos no passado de buscar informações legí-timas, como livros e cursos avançados, estão distantes. Hoje abundam na telinha de nossos computadores, nos folhetos, nos outdoors e em tantas outras formas de acesso. O excesso de informação a que estamos expostos nos sufoca e, obrigato-riamente, devemos nos tornar mais seletivos.

A noção de tempo e espaço, nesse contexto, perdeu seu significado. Vivemos um tempo atemporal, em uma sociedade transnacional em que as distâncias equivalem, apenas, o tempo de escrevermos o endereço eletrônico da informação desejada no nosso computador pessoal. O tempo e o espaço transgridem definitivamente o significado dos dicionários e tornam-se, como diz Catells (2002), uma efemeridade eterna.Vejamos o que diz o sociólogo a esse respeito: O espaço de fluxos dissolve o tempo, desordenando a seqüência dos acontecimentos, tornando-os simultâneos, instalando assim a sociedade na efemeridade eterna.

A ADC permite o exame profundo deste novo gênero do discurso aqui examina-do: o outdoor, que envolve a multimodalidade dos textos, usando cores, imagens arrojadas, além da análise das cadeias lexicais que organizam e formam sentidos manipuladores em direção ao consumidor, procurando aliciá-lo a cursos de gradu-ação e de pós-graduação. Cursos de mestrados em ciências humanas ao lado de doutorados fantasmas tanto nacionais como internacionais são freqüentes. É sabi-do que certas instituições têm dificuldades até para oferecer cursos de graduação simples, que dirá da oferta de cursos de doutoramento.

É hora da resistência. Cursos de graduação e de pós-graduação devem ser ofe-recidos com base em suas qualidades acadêmicas, como organização curricular e corpo docente, programas de pesquisa, nível de publicações e prestígio institucio-nal, e não por serem rápidos como café instantâneo, baratos como feira popular e descompromissados como convite para um dia no parque.

Ao falar em resistência, faço minhas as palavras de Kanavillil Rajagopalan (2002, p. 204), que, com propriedade, diz:

Não há sentido em falar em resistência sem se referir, no mesmo ato, a for-ças coercitivas que, num dado momento histórico, estejam atuando sobre um sujeito, acuando-o de forma cerrada com intuito de sufocá-lo, esmagá-lo ou, no mínimo, domesticá-lo ou neutralizá-lo. Isto é, a resistência é sempre resistência a algo, via de regra uma força opressora poderosa demais para ser repelida de uma só vez.

A questão da resistência desperta cada vez mais interesse na discussão da chama-da empowerment education, que trata da possibilidade de criar condições para que educadores que atuam em situações marginais desenvolvam formas de resistência para o enfrentamento das injustiças sociais a que os alunos estão sujeitos.

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Parte III – Discurso e Educação • O Discurso Mercantilista do Ensino Brasileiro

Fairclough (2001, p. 69) defende também a resistência nos seguintes termos:

Acredito que a análise de discurso é um recurso importante, embora relativa-mente negligenciado, ( …) a análise do discurso também tem a capacidade de ser um recurso para aqueles engajados em lutas dentro das instituições. Para muitos membros de instituições de educação superior, por exemplo, as mudanças dramáticas da última década têm sido profundamente alienantes; contudo sua capacidade de resistir a elas tem sido enfraquecida por sua relu-tância em recorrer a práticas e estruturas que têm sido amplamente criticadas pela esquerda e pela direita e que tem sido o alvo da mudança.

Entendo que uma maneira saudável de resistência a essas nefastas mudanças no discurso da educação seria procurar desenvolver condições favoráveis para esses sujeitos que, fortalecidos por uma consciência crítica, estariam em condições de competir por um espaço legítimo na sociedade.

Estamos no início de novo milênio e no meio de um turbilhão de mudanças. Nesse sentido, podemos falar de uma nova ordem do discurso, a ordem do dis-curso dos mídias – o poderoso discurso midiático. Quem não estiver preparado criticamente para lidar com esses novos discursos não tem como opor resistência a esses momentos críticos que estamos vivendo.

A UNESCO, por meio da publicação A criança e a mídia: imagem, educação e participação, organizada por Cecília von Felitzen e Ulla Carlsson, traz excelente contribuição para a discussão do preparo da criança para o enfrentamento da força dos mídias, pois a informação flui de forma cada vez mais livre, e a nova ordem possibilita que pessoas de todo o mundo compartilhem sons e imagens. Para po-dermos lidar com todas essas mudanças no mundo da informação, os sujeitos do discurso têm de estar preparados.

A esse respeito, Cecília von Felitzen (2002, p. 20) declara:

Naturalmente, a educação para a mídia e a participação das crianças na mídia não são os únicos meios de criar um ambiente melhor para a mídia e certa-mente não constituem o único meio de criar condições sociais mais razoáveis para as crianças. Ao contrário, também são necessários esforços importantes da parte da mídia na forma de, por exemplo, auto-regulamentação e produ-ção de programas de rádio e TV de alta qualidade, que satisfaçam as várias necessidades infantis.

Outra maneira de opormos resistência a esse discurso contrário à excelência da educação em todas as instâncias do Ensino Fundamental ao Ensino Superior, é preparamos um currículo que permita ensino que enseje o preparo do aluno para lidar com as mídias e com os mídias e com a multimodalidade do discurso contemporâneo. Rocha (2007, p. 72), situando a questão no ensino de Língua Portuguesa, afirma:

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A fim de preparar os alunos para participarem efetivamente dessa nova ordem, os professores de LP, precisam conscientizar-se e conscientizar os discentes do âmbito semiótico explícito e/ou implícito em uma variedade de práticas comunicativas. Eles precisam conceber o currículo como uma estrutura ampla que dê conta de uma enorme variedade de representações. Para serem bem instruídos, sem dúvida os alunos terão de entender mais do que já sabem atualmente sobre as escolhas comunicativas disponíveis – linguagem oral e escrita – para o uso e sobre os gêneros de comunicação de massa, por exemplo, e quais formas são mais apropriadas em um contexto particular.

Keval J. Kumar (2002, p. 285), sobre a questão da educação para a mídia hoje, afirma:

A educação para a mídia ainda tem que se firmar como tema de aprendizagem nos sistemas de educacionais formais tanto dos países industrializados como dos não industrializados. As autoridades escolares públicas e privadas, embora estejam preocupadas com o crescimento e influência da mídia de massa, não vêem necessidade em sobrecarregar os alunos com um novo assunto, cujo conteúdo e metodologia não se encaixam nas práticas educativas tradicionais. As tentativas vigorosas da UNESCO, por mais de uma década, para promover o assunto nos vários níveis de educação, tiveram muito pouco sucesso, exceto alguns países do Ocidente (especialmente Austrália, Grã-Bretanha e Canadá) e na América Latina.

A verdade é que os sujeitos do discurso, sejam crianças ou adultos, devem estar preparados para um mundo multissemiótico, povoado de imagens e de sons, para poderem desvendar a sua mensagem. Quem não souber ler esse tipo de discurso estará em séria desvantagem, pois facilmente poderá ser manipulado por toda sorte de informação que use esses recursos multimodais. A resistência efetiva é saber lidar criticamente com a natureza desse tipo de discurso. É pertinente trazer o que Barbosa (1984, p. 25) diz:

Falta uma alfabetização visual, o visual está dominando o mundo contempo-râneo. Precisamos aprender a ler a imagem. Para não sermos presa fácil de um conhecimento subliminar. Segundo uma pesquisa francesa, 82% do que nós aprendemos é através do visual, desses 82%, 51% se aprende inconscien-temente.

O que temos de fazer com a emergente força da imagem no momento atual de nossa história é voltarmo-nos para a educação como um meio legítimo de transfor-mar as classes populares em verdadeira massa crítica de nossa sociedade. Afinal, a efetiva e completa ação cidadã deve passar pelo papel de desconstrutora da ação alienadora da imagem para uma avaliação crítica de tudo o que vemos. Aprender a lidar com o excesso de informações do mundo mediado das sociedades modernas é outro portentoso recurso de resistência.

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Tornar os alunos seletivos em matéria de informação é outro aspecto que deve também ser considerado com especial atenção. Nem tudo o que é visto deve ser considerado informação útil e digna de registro nos arquivos de memória. A sa-turação visual é tão assustadora como a auditiva. É bom vivermos em um mundo midiatizado, mas devemos saber lidar com toda essa gama de informações, para que nossas escolhas (e aqui incluímos os cursos superiores e o ensino em geral) não sejam conduzidas por propagandas manipuladoras de nossa vontade.

Por fim, a maioria dos outdoors analisados revelou que eles foram concebidos com o propósito de vender imagens de cursos cujo propósito principal é o de ser um produto barato, de rápido consumo e de fácil circulação. A preocupação com a titulação dos docentes que ministram tais cursos sequer foi mencionada pelas ofertas dos cursos. De igual modo também não servem para chamada de outdoors atributos como qualidade de ensino, grades curriculares especiais e contemporâneas que contemplem as necessidades locais e que atendam a nossa cultura regional.

A discussão do tema não se esgota aqui e poderia ser ainda amplamente discu-tida, mas, para os propósitos do artigo, entendemos que chamamos atenção para o fato de que a educação brasileira tornou-se mais uma mercadoria na sociedade mediada do mundo contemporânea. Acreditamos que a profundidade, a relevância e a abrangência do assunto provoquem a atenção de outros pesquisadores.

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